Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10048/23.1T8SNT-B. L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: CESSÃO DE QUOTAS
INCONSTITUCIONALIDADE
INSOLVÊNCIA CULPOSA
INTERDIÇÃO DE EXERCÍCIO DE DIREITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/28/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Sumário (da responsabilidade da relatora – art. 663.º n.º7 do CPC)
1. São pressupostos da qualificação da insolvência como culposa que:
- O devedor – ou o seu administrador, na aceção do art. 6º do CIRE –, pratique ato que tenha criado ou agravado a situação de insolvência;
- O ato seja praticado nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, relevando o disposto no art. 4º do CIRE;
- Que o devedor – ou o administrador – tenha agido com dolo ou culpa grave.
2. O nº2 do art. 186.º do CIRE consagra presunção inilidível ou iuris et de iure (artº 350.º nº 2, in fine, do Cód. Civil), como decorre da letra do preceito, cujo alcance se estende não apenas à existência de culpa, mas também à existência do nexo causal entre a atuação do devedor insolvente e a criação ou agravamento do estado de insolvência.
3. Pretende-se, na previsão normativa da alínea d) do número 2 do art. 186.º do CIRE salvaguardar o património da empresa, englobando os elementos do ativo da sociedade (bens e direitos) e penalizando-se o gerente/administrador, quando este pratica atos de disposição em função de interesses que não os da empresa que administra, isto é, com desvio de fim.
4. Tendo a devedora insolvente (sociedade holding) cedido uma quota de que era titular noutra sociedade (sociedade por quotas), pertencendo ambas ao mesmo grupo económico, negócio realizado 36 dias antes da instauração do processo de insolvência, verificam-se os pressupostos para a qualificação da insolvência como culposa, nos termos do art. 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), com afetação do seu administrador único, quando o negócio é realizado nos seguintes termos e contexto:
(i) A quota foi transmitida pela devedora insolvente ao seu próprio administrador único e seu acionista maioritário – pessoa singular que teve intervenção no negócio nessa dupla qualidade, representando a cedente e assumindo-se como cessionário –, sendo o referido administrador, atualmente, o sócio maioritário da referida sociedade por quotas e seu beneficiário efetivo (juntamente com outra sócia);
(ii) A cessão foi realizada pelo preço correspondente ao valor nominal da quota, de 1.050,00€;
(iii) À data da cessão, essa sociedade por quotas era proprietária de três imóveis, duas frações autónomas sitas na freguesia de Belém, concelho de Lisboa e um prédio urbano sito no Montijo. Aquelas duas frações foram objeto de contrato promessa de compra e venda realizado em 30-12-2021, pelo preço global de 2.880.000,00€, tendo o negócio definitivo de compra e venda sido outorgado em 05-06-2023, data em que a promitente compradora pagou à sociedade por quotas promitente vendedora, a W, o remanescente do preço convencionado, de 46.716,68€ e, quanto ao prédio urbano sito no Montijo, sabe-se, pelo menos, que tinha sido comprado pela referida sociedade por quotas pelo valor de 790.000,00€ em abril de 2022 e foi posteriormente vendido num processo executivo, em janeiro de 2025, pelo valor de 683.200,00€.
5. Concluindo-se que a cessão de quotas foi realizada em prejuízo da devedora insolvente e dos seus credores e em exclusivo benefício (proveito) do seu administrador único, ora apelante, uma vez que resulta da factualidade assente que o valor real da quota era superior ao seu valor nominal.
6. Não padece de inconstitucionalidade a norma do artigo 186.º, n.º 2 do CIRE, quando interpretada no sentido de que a insolvência de uma sociedade comercial deve ser qualificada como culposa demonstrada que esteja a verificação da factualidade subsumível à previsão de qualquer uma das alíneas do n° 2 do art. 186°.
7. A aplicação ao proposto afetado das medidas de inibição a que alude o artº. 189º, nº. 2, alíneas b) e c) do CIRE, não ofende qualquer parâmetro constitucional, mormente o princípio da proporcionalidade das sanções, tanto mais que não se acolheu interpretação, nem fez aplicação, de entendimento que desconsidere, na definição da medida da inibição, a conduta do administrador apelante e as necessidades do caso, ou um qualquer automatismo judiciário.
8. Mesmo que se admita que a sentença de qualificação da insolvência e afetação do seu administrador/gerente possa ter alguns reflexos de âmbito pessoal, afetando interesses que têm tutela constitucional uma vez que o legislador consagrou expressamente o direito à liberdade de exercício da profissão e o direito à iniciativa privada ou atividade económica (arts. 47.º e 61.º da CRP, respetivamente) também é certo que resulta do disposto nos citados preceitos que o exercício desses direitos está sujeito a restrições em função do “interesse coletivo” (art. 47.º, n.º 1) e tendo em conta o “interesse geral” (art. 61.º, n.º 1), estando inteiramente sedimentado na jurisprudência constitucional o entendimento que aqueles direitos não são direitos absolutos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas da 1ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I.RELATÓRIO
(i) Por apenso aos autos de insolvência de Winnerholding Portugal, S.A., veio o administrador de insolvência (AI)  requerer a abertura do incidente de qualificação da insolvência, tendo o mesmo emitido parecer, posteriormente aperfeiçoado na sequência de convite feito pelo tribunal, no sentido de a insolvência ser qualificada como culposa e de serem afetados por essa qualificação os seus acionistas LE, ora apelante, e PC, concluindo pela afetação do requerido LE com fundamento no disposto no art.º 186.º, n.ºs 1 e 2, als. a), b), d), e), f), g) e h) do CIRE, e pela afetação da requerida PC, com fundamento no disposto no art.º 186.º, n.ºs 1 e 2, als. a), b), f) e i) do CIRE.
O Ministério Público pronunciou-se acompanhando o parecer do AI.

(ii) Notificada a insolvente e citados os propostos afetados, LE e PC, foi por estes apresentada oposição conjunta, refutando a qualificação da insolvência como culposa.

(iii) Realizou-se audiência de julgamento e, em 03-06-2025, proferiu-se sentença, com o seguinte segmento dispositivo:
“Pelo exposto, nos termos do disposto nos art.ºs 189.º n.ºs 1 e 2 do CIRE, decido qualificar como culposa a insolvência de Winnerholding Portugal, S.A, e, em consequência:
a) Declarar afetado pela qualificação o requerido LE.
b) Declarar o requerido LE inibido pelo período de seis anos, para o exercício da administração de patrimónios de terceiros, para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão da sociedade comercial ou civil, associação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa.
c) Condenar o requerido LE a indemnizar os seus credores no valor de € 1.350,00 (valor nominal da quota que a Insolvente detinha na Winnerconstruction), acrescido da diferença entre o valor de € 511.991,68 (quinhentos e onze mil, novecentos e noventa e um euros e sessenta e oito euros) (correspondente ao valor mínimo do dano resultante da cedência da quota que a Insolvente detinha na sociedade Winnerproperties) e o valor que vier a ser obtido com a liquidação da referida quota nos autos de insolvência (na sequência da sua restituição à massa insolvente decorrente da validade da resolução em benefício da massa insolvente, reconhecida no apenso F). Caso o valor assim apurado seja superior ao valor dos créditos verificados que não obtenham satisfação, o valor da indemnização corresponderá a este último valor.
d) Absolver PC do presente incidente de qualificação da insolvência.
*
Custas do incidente pelo requerido LE, afetado pela qualificação (art.º 303.º do CIRE).
Valor para efeito de custas: € 30.000,01.
Comunique (art.º 189.º, n.º 3, do CIRE).          
Registe.
Notifique”.

(iv) Não se conformando, LE apelou, formulando as seguintes conclusões:
a) A matéria assente nos pontos 17.º, 27.º e 28.º da matéria assente, não se poderá manter na ordem jurídica;
b) Resulta da documentação junta aos autos, em particular, dos contratos de cessão de quotas, a declaração de quitação emitida pela Winnerholding;
c) Relativamente a tais documentos não foi arguida a falsidade, nem os mesmos foram impugnados;
d) Igualmente não foi arguida a simulação;
e) Nestes termos, a declaração de quitação ínsita em tais acordos faz prova plena, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 376.º do Código Civil;
f) O testemunho prestado em audiência pelo Senhor Administrador de Insolvência (supra transcrito) não é susceptivel de alterar a prova plena;
g) Desde logo porque, conforme resulta dos extractos transcritos, o Senhor Administrador de Insolvência apenas refere a não inscrição contabilística dos montantes devidos pela cessão;
h) Porém, tal não é susceptivel de pôr em crise a declaração de quitação;
i) Pelo que Tribunal ““a quo”” violou o disposto no artigo 376.º do Código Civil;
j) Devendo a matéria de facto ser alterada nos seguintes termos:
16. A quota cedida a LE, no valor nominal de € 1.050,00, foi liquidada. 
27. A quota cedida a LE, no valor nominal de € 750,00, foi liquidada. 
28. A quota cedida a PC, no valor nominal de € 600,00, foi liquidada.”
k) Em conformidade como supra exposto, o ponto 22.º deverá ter a seguinte redação.
“22. Na contabilidade da Insolvente não está registada a transferência para LE da quota que a Insolvente detinha na Winnerproperties e o pagamento da quota também se encontra omisso na contabilidade.”.,
l) Ao decidir nestes termos, o Tribunal ““a quo”” violou também a autoridade do caso julgado, desconsiderando que sobre estes factos já se havia pronunciado anteriormente, em sentido diverso, e que essa pronúncia já fora objecto de reapreciação e confirmação por este Tribunal da Relação, nomeadamente nos apensos E e F destes autos.
m)Essa desconsideração, pelo que se encontra consolidado nos autos, por conformação de decisões transitadas em julgado, consubstancia uma intolerável violação do disposto nos artigos 619 e 621.º do Código de Processo Civil.
n) Conforme amplamente demonstrado as cessões de quotas não prejudicaram a Winnerholding, nem, por conseguinte, os credores da insolvência;
o) No que diz respeito à Winnerconstruction, conforme resulta de sentença transitada em julgado é evidente que a cessão de tal quota em nada prejudicou a Winnerholding;
p) O que aliás é reiterado nestes autos no facto assente n.º 29;
q) Também a cessão relativamente à Winnerproperties em nada prejudicou a Winnerholding, nem, por conseguinte, os credores da insolvência;
r) O Tribunal ““a quo”” confunde o património social apto a satisfazer os créditos dos credores sociais;
s) Com o capital social representado por uma quota que apenas é apta a satisfazer os credores do titular;
t) In casu, conforme resulta de toda a prova, o património da Winnerproperties era inferior aos créditos reclamados por credores;
u) Tanto assim é que a venda judicial da totalidade do património foi incapaz de gerar receitas para pagamento do maior credor da Winnerproperties, nem da maioria dos demais;
v) Como se isso não bastasse, resulta evidente que a cessão das quotas beneficiou a Winnerholding, e, por conseguinte, os seus credores;
w) A Winnerholding exercia um domínio qualificado sobre a Winnerconstruction na qual detinha 90% do capital social;
x) A Winnerholding detinha um domínio qualificado sobre a Winnerproperties na qual detinha 70% do capital social;
y) A Winnerholding exercia ainda o domínio através da existência de um gerente comum, o ora Recorrente;
z) O exercício do domínio qualificado resulta dos seguintes pontos da matéria de facto assente: 4; 6; 8;9; 10; 11; 23;34;35; 50 e 51;
aa) Este domínio de facto conforme defendido pela doutrina citada responsabilizaria solidariamente a Winnerholding pelas dívidas da Winnerconstruction e, com mais relevância, da Winnerproperties;
bb) A cessão de tais quotas e subsequente fim do domínio qualificado preveniram que a Winnerholding pudesse vir a ser responsabilizada nos termos do artigo 501.º do Código das Sociedades Comerciais;
cc) Neste termos o Tribunal “a quo” violouo disposto no artigo 186.º, n.º 2, d), do CIRE, na medida em que o preenchimento de tal artigo impõe que os actos em causa beneficiem o afectado, ou terceiro, o que in casu, não sucedeu;
dd) Acresce que, ao entender sem qualquer prova, alicerçando-se numa mera presunção, que o ora Recorrente tirou proveito de tais cessões, o Tribunal ““a quo”” violou, igualmente, o disposto no artigo 342.º do Código Civil na medida em que impendia sobre o Senhor Administrador de Insolvência tal alegação e prova;
ee) Uma vez que a lei determina que os actos em causa tragam beneficio/proveito/ganho para o afectado, ou para terceiro, o que não se verifica;
ff) Por outro lado, mesmo que se entendesse que tal artigo não pressupõe a alegação e prova do proveito, sempre a decisão do Tribunal “a quo” teria violado o disposto no artigo 186., n.º 1, do CIRE;
gg) Isto porque, no caso concreto não se pode, porque não assente na matéria de facto, admitir, sequer, ponderar, que a cessão das quotas em causa tivesse contribuído para causar a insolvência da Winnerholding, nem sequer para agravar uma situação de insolvência.
hh) Existindo evidência de que tais actos em nada contribuíram para a criação ou agravamento da situação de insolvência, não pode a insolvência ser considerada culposa;
ii) Com forme bem nota Henrique de Sousa Antunes, na obra citada, “Afigura-se carecer de justificação o juízo de responsabilidade se o facto é indiferente à produção do dano. Eis o que sucede se a ilicitude do comportamento do agente não facilitou, e muito menos determinou, a verificação da lesão.”;
jj) Caso assim não se entendesse, seria inconstitucional, por violação no disposto nos artigos 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação normativa extraída do artigo 186.º, n.º 1, do CIRE, que considere sempre a existência de insolvência culposa em resultado de uma presunção inilidível de causalidade, se resultar que do preenchimento dos factos tipos indiciadores de insolvência culposa, em particular o disposto na alínea d), do n.º 2, não resultou qualquer contributo para a criação ou para o agravamento da insolvência;
kk) A que acresce a inconstitucionalidade do artigo 189.º, n.º 2, alíneas b) e c) e da sua desproporcionada aplicação, assim como uma valoração errada e desadequada do grau de culpa, que se reflecte num descabidamente alargado período de inibição para o exercício da administração de património de terceiros, do comércio e de cargos de administração (seis anos!), agravado pela condenação no pagamento de uma indemnização, para a qual o Tribunal “a quo”, simplesmente, desconsiderou que: não havendo danos, não há lugar a indemnização, como é o caso dos presentes autos.
ll) Por força destes factos foram, igualmente, violados os artigos 18.º, 26.º, n.º 1, 47.º, 61.º e 62.º da Lei Fundamental, o artigo 189.º, n.º 2, alíneas b), c) e e) e n.º 4 do CIRE e artigo 483.º do Código Civil.
mm) Termos em que deverá a presente insolvência ser considerada como fortuita com todas as legais consequências, não podendo, em todo o caso, se manter a condenação do Recorrente nos termos em que esta foi sentenciada.
 ASSIM DECIDINDO, FARÃO VAS. EXAS. JUSTIÇA!”.

A Massa Insolvente da devedora representada pelo AI, apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:  
“1) A douta sentença não padece de erro na apreciação da matéria de facto provada e produzida em julgamento, não devendo a matéria de facto dada como provada ser objecto de alteração;
 2) Andou bem o tribunal a quo ao decidir que as cessões de quotas da Winnerproperties e da Winnerconstrtuction foram prejudiciais para os credores da Winnerholding;
3) A douta sentença não violou o disposto na alínea d), do n.º 2, do artigo 186.º do CIRE e o disposto no artigo 186.º ,n.º 1, do CIRE.
4) A douta sentença proferido pela meritíssima juiz do tribunal a quo não merece reparo ou censura quanto aos apontados vícios, pelo que deverá manter-se.
Nestes termos e nos mais de direito, cujo douto e sábio suprimento se invoca, deverá o recurso interposto pelo A ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se na integra a douta sentença proferida, assim se fazendo inteira e sã justiça”.
  
 II. FUNDAMENTOS DE FACTO
O tribunal de 1.ª instância deu por provada a seguinte factualidade:
1. Os autos de insolvência de que estes constituem apenso iniciaram-se em 15/06/2023, a requerimento dos credores DC, CF e JA.
2. Por sentença proferida em 17/10/2023, foi declarada Insolvente a Winnerholding Portugal, S.A., pessoa coletiva n.º 516180860, com sede no Edifício Bartolomeu Dias (Q44), Rua Quinta da Fonte, Lote 8, 2.º andar, em Paço D´Arcos, concelho de Oeiras.
3. A Insolvente é uma sociedade anónima, com um capital social de € 50.000,00 e com o seguinte objeto social: “Prestação de serviços de consultoria, orientação e assistência operacional a empresas, planeamento, organização, controlo, informação e gestão. Detenção e Gestão de Participações Financeiras. Objetivos e políticas de marketing e gestão de recursos humanos; Estudos de mercado com o objetivo de promover a venda e desenvolvimento de produtos, incluindo análises estatísticas de resultados e sondagens; Atividades de design no domínio da criação de projetos e consultoria.” 
4. A Insolvente foi constituída em 14/01/2021 e encontra-se integrada no denominado Grupo “WINNER”, que, para além da sociedade insolvente (Winnerholding), é ainda composto por outras sociedades, como sejam a Winnerproperties, a Winnerproject, a Winnerconstruction, a Winnerrules e, ainda, a Investlink. 
5.         No final do ano de 2022, a Winnerholding tinha a seguinte estrutura acionista:
•          LE, detentor de 29.000 ações ordinárias; 
•          PC, detentora de 15.000 ações ordinárias; 
•          HP, detentor de 1.500 ações ordinárias; 
•          NF, detentor de 1.500 ações ordinárias; 
•          DM, detentor de 1.500 ações ordinárias; e  
•          LC, detentor de 1.500 ações ordinárias. 
6. LE é administrador único da Insolvente, comum a todas as sociedades integrantes do Grupo “WINNER”.
7. PC integrou, na qualidade de vogal, o Conselho de Administração da Insolvente, entre 14/01/2021 e 23/11/2022.
8. No âmbito da criação da Winnerholding, no decorrer do mês de dezembro de 2021, os trabalhadores que prestavam serviços comuns a todas as empresas do grupo foram integrados na estrutura da sociedade Insolvente.
9. Tal decisão visava concentrar na Winnerholding todos os serviços comuns às empresas do grupo, nomeadamente a Direção Financeira, Direção Jurídica, Direção de Marketing, PMO e Direção de Recursos Humanos.
10. O objetivo era cada uma destas Direções prestar os serviços necessários a cada sociedade do grupo, na sua área de competência, o que teria por consequência o facto de a Winnerholding faturar a cada sociedade os custos dos serviços prestados.
11.       A Winnerproperties, sociedade por quotas, pessoa coletiva n.º 515173215 e com o capital social de € 1.500,00, foi constituída a 28/11/2018, e tinha como sócios a Insolvente Winnerholding, com uma quota no valor nominal de € 1.050,00, e PC, com uma quota no valor nominal de € 450,00. 
12. Em assembleia geral extraordinária da sociedade Winnerproperties, Lda., realizada em 08/05/2023, os seus únicos sócios – a Winnerholding, representada por LE, e PC – deliberaram consentir na cedência, pela Insolvente ao LE, da quota que aquela detinha na referida sociedade pelo preço de € 1.050,00, correspondente ao valor nominal da quota cedida. 
13. Mediante contrato denominado “Cessão de Quota”, celebrado em 09/05/2023, a Insolvente declarou ceder a LE, que aceitou, a quota que detinha na sociedade Winnerproperties, Lda., pelo valor nominal de € 1.050,00.  
14. Este contrato foi celebrado na sequência da “Resolução do Administrador Único” constante da ata n.º 3, datada de 21/04/2023, de acordo com a qual LE, na qualidade de administrador único da Insolvente, decidiu ser do interesse desta a cessão da totalidade da quota para si próprio, pelo seu valor nominal.
15. Atualmente, a Winnerproperties, Lda., é detida pelos seus beneficiários efetivos: LE, titular de uma quota societária no valor nominal de € 1.050,00 e PC, titular de uma quota no valor nominal de € 450,00, retomando a mesma realidade societária que existia à data da sua constituição.
16. A quota cedida a LE, no valor nominal de € 1.050,00, não foi liquidada.
17. Em 09/05/2023, a Winnerproperties, Lda., era proprietária dos seguintes imóveis: 
a. Frações autónomas designadas pelas letras “B” e “C”, do prédio urbano sito na freguesia de Belém, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 2683 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 3182, cada fração correspondente a 353m2.
b. Prédio urbano sito na união de freguesias do Montijo e Alfonsoeiro, concelho do Montijo, descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o n.º 1014 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 6624. 
18. As frações identificadas sob a alínea a) do ponto anterior foram objeto de um contrato de promessa de alienação celebrado pela Winnerproperties, Lda., com a sociedade Substância Numérica SICAFI, S.A., em 30 de dezembro de 2021, mediante o qual aquela prometeu vender e a esta, que prometeu comprar, as referidas frações pelo preço global de € 2.880.000,00. 
19. Em 05/06/2023, foi celebrada a escritura da compra e venda prometida referida no ponto anterior, pelo preço de € 2.420.000,00, valor que, de acordo com o que consta da referida escritura, foi pago pela seguinte forma: 
a. € 1.880.000,00 foram entregues à Winnerproperties, Lda., em 20 de dezembro de 2021; 
b. € 200.000,00 foram entregues à Winnerproperties, Lda., a 25 de fevereiro de 2021; 
c. € 51.291,95 foram entregues à Winnerproperties, Lda., a 26 de maio de 2022; 
d. € 241.991,95 foram entregues à Winnerproperties, Lda., a 26 de outubro de 2022; 
e. € 46.716,68 foram entregues à Winnerproperties, Lda., a 5 de junho de 2023.
20. O imóvel sito no Montijo identificado sob a alínea b) do ponto 17 tem um valor patrimonial tributário de € 174.493,55.
21. Esse imóvel foi adquirido a 04/04/2022, pela Winnerproperties, Lda., ao Banco Comercial Português, S.A., pelo preço de € 790.000,00 e tem registados os seguintes ónus:
a. hipoteca voluntária a favor da LCPT, no valor de € 218.442,00 (Ap. de 2023/02/03); 
b. penhora a favor da LCPT, no valor de € 223.615,78 (Ap. de 2023/12/09); 
c. arresto a favor da LCPT, no valor de € 819.157,90 (Ap. de 2023/11/28); 
d. arresto a favor do Lidl & Companhia, S.A., no valor de € 289.256,00 (Ap. de 2024/01/24), e 
e. penhora a favor da Fazenda Nacional, no valor de € 17.106,11 (Ap. de 2024/03/28).
22. Na contabilidade da Insolvente não está registada a transferência para LE da quota que a Insolvente detinha na Winnerproperties e o não pagamento da quota também se encontra omisso na contabilidade.
23. A Winnerconstruction, Lda., sociedade por quotas, pessoa coletiva n.º 517276950 e com o capital social de € 1.500,00, foi constituída a 11 de janeiro de 2023, tendo, inicialmente, como sócios e beneficiários efetivos a Insolvente, detentora de uma quota com o valor nominal de € 1.350,00, e LE, detentor de uma quota com o valor nominal de € 150,00 e gerente da suprarreferida empresa. 
24. Em assembleia geral extraordinária da sociedade Winnerconstruction, Lda., realizada em 24/04/2023, os seus únicos sócios – a Insolvente e LE – deliberaram consentir na divisão e na cedência da Insolvente ao próprio LE e a PC, da quota que aquela detinha na referida sociedade pelo preço do valor nominal da quota dividida e cedida. 
25. Mediante contrato denominado “Contrato de Divisão, Cessão e Unificação de Quotas”, celebrado em 26/04/2023 entre a Insolvente, na qualidade de cedente, e os propostos afetados, na qualidade de cessionários, a primeira declarou proceder à divisão da totalidade da sua quota na sociedade Winnerconstruction, Lda., no valor nominal de € 1.350,00, representativa de 90% do capital social, em duas novas quotas, uma no valor nominal de € 750,00 e outra no valor nominal de € 600,00, e declarou igualmente cedê-las, a primeira a LE e a segunda a PC, mediante o pagamento do preço correspondente ao valor nominal das quotas cedidas. 
26. Este contrato foi igualmente celebrado na sequência da “Resolução do Administrador Único” constante da ata n.º 3, datada de 21/04/2023, de acordo com a qual LE, na qualidade de administrador único da Insolvente, decidiu ser do interesse desta a divisão e a cessão da totalidade da quota para si próprio e para PC, pelo seu valor nominal.
27. A quota cedida a LE, no valor nominal de € 750,00, não foi liquidada.
28. A quota cedida a PC, no valor nominal de € 600,00, não foi liquidada.
29. À data de cessão das quotas da sociedade Winnerconstruction, esta não era titular de quaisquer ativos, bens ou direitos.
30. A quota detida pela Insolvente na Winnerconstruction não aparece registada na conta da Insolvente, pelo que também não aparece o registo da sua transferência para LE e para PC, assim como a dívida resultante desta transação, porque não foi liquidada.
31. O Banco Comercial Português concretizou um empréstimo à Insolvente no valor de € 500.000,00, em 14/03/2022.
32. Desse empréstimo a Insolvente transferiu entre abril, maio e junho de 2022, cerca de € 355.000,00 à sociedade Winnerproject, que devolveu cerca de € 145.000,00, e transferiu cerca de € 46.651,36 à sociedade Investlink.
33. As sociedades Winnerproject e Investlink foram declaradas insolventes, respetivamente, em 12/10/2023 e em 20/10/2023, no âmbito dos processos n.º 11014/23.2T8SNT, que corre termos no Juízo de Comércio de Sintra - Juiz 4 e n.º 12152/23.7T8SNT, que corre termos no Juízo de Comércio de Sintra - Juiz 5.
34. LE e PC foram sócios da sociedade Winnerproject até abril de 2022, data a partir da qual o capital social foi concentrado na Insolvente.
35. LE e PC foram sócios da sociedade Investlink até abril de 2020 e abril 2022, respetivamente, data a partir da qual o capital social foi concentrado a 100% na Insolvente.
36. No dia 13/01/2023, foi celebrado entre a LCPT, por um lado, e a Insolvente, a “Winnerproject, Lda.”, a “Winnerproperties, Lda.”, a “Investlink, Lda.” e a “Winnerules, Lda.”, por outro, um Contrato de Resolução e Confissão de Dívida que as partes designaram de “Termination Agreement and Debt Confession”, ao abrigo do qual a Insolvente:
(i) Confessou-se devedora da LCPT e constituiu-se na obrigação de lhe reembolsar a quantia de € 571.950,00 (quinhentos e setenta e um mil, novecentos e cinquenta euros), correspondente aos “Soft Costs” adiantados pela LCPT por conta dos projetos “TVD – Rua António Fomes – Silveira (II)”, “LEI – Vieira de Leiria”, “MG Dr. Vareda Project” e “LEI – Ferrus”, até ao dia 31/03/2023 (cf. cláusulas 3.1. e 5.1.3. do TA);
(ii) Assumiu responsabilidade solidária pelo pagamento do montante de € 80.590,00 (oitenta mil, quinhentos e noventa euros), de que a “Winnerules” se confessou devedora e se comprometeu pagar à LCPT, correspondente ao montante do sinal e princípio de pagamento ao abrigo do CPCV celebrado por referência ao projeto “TVD – Rua António Fomes – Silveira (II)” (€ 73.264,00 (setenta e três mil, duzentos e sessenta e quatro euros), acrescido de 10% a título de indemnização, até ao dia 31/03/2023 (cf. cláusulas 2.2. e 5.1.2. do TA); e
(iii) Assumiu responsabilidade solidária pelo pagamento do montante de € 1.442.239,00 (um milhão quatrocentos e quarenta e dois mil duzentos e trinta e nove euros), de que “Winnerproperties” se confessou devedora e se comprometeu a pagar à LCPT, correspondente aos montantes dos sinais e princípios de pagamento ao abrigo dos CPCVs celebrados por referência aos Projetos “LEI – Ferrus”, “LEI – Vieira de Leiria” e “MG Dr. Vareda Project”, acrescidos de 10% a título de indemnização (cf. cláusulas 2.1, 4.1 e 5.1.1 do TA).
37. Da quantia em dívida e titulada pelo TA, até esta data, a LCPT recebeu a quantia de € 756.250,00 (setecentos e cinquenta e seis mil, duzentos e cinquenta euros).
38. No âmbito da sua atividade comercial, a LCPT, na qualidade de “Cliente” celebrou com a Insolvente, na qualidade de “Promotor”, um ContratoQuadro de Promoção Imobiliária que as partes denominaram de “Master Development Agreement” (MDA), junto como documento n.º 2 com a respetiva reclamação de créditos (apenso A), e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
39. Por carta datada de 14/03/2023 enviada por email e também por correio registado com aviso de receção, a LCPT resolveu, com efeitos imediatos e no que ora releva, o referido MDA com base no “incumprimento definitivo” do mesmo e em “quebra de confiança” na devedora “insuscetível de ser sanada”, tudo nos termos constantes do documento n.º 6 junto pela credora LCPT com a respetiva reclamação de créditos (apenso A), e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
40. A Insolvente enviou à LCPT uma carta em 24/03/2024, junta ao apenso de reclamação de créditos em 30/04/2024 e cujo teor se dá por reproduzido, rejeitando dever-lhe quaisquer montantes por considerar deter sobre a mesma um crédito que calculou em € 2.171.620 + IVA, a título de prejuízos causados pela resolução promovida através da carta referida no ponto anterior.
41. Nos termos da carta referida no ponto anterior, a Insolvente deduz o referido valor de € 2.171.620 + IVA ao valor relativo ao Contrato de Resolução e Confissão de Dívida que assume como sendo devido à LCPT (€ 2.074.021,00), faturando a esta, a final, o valor de € 97.599,00 + IVA (€ 120.046,77), conforme fatura junta como documento n.º 3 com a respetiva impugnação de créditos (apenso A).
42. O crédito reclamado pela credora LCPT emergente do TA não foi refletido na contabilidade da insolvente, antes tendo sido criado um saldo devedor da LCPT para com a Insolvente de € 120.046,77, na conta cliente (21111693239) no balancete analítico de outubro de 2023.
43. Durante o mês de março de 2022, a Winnerholding encontrava-se em negociações relativamente àquele que seria um projeto emblemático e decisivo para todo o grupo Winner O projeto Torres Vedras Platz.
44.       A estruturação da operação passava pela aquisição por LE de 1% no capital social da sociedade Debate Cosmopolita, Lda.
45. Tal aquisição tinha o objetivo exclusivo de sinalizar a aquisição de um terreno à denominada “Dolopand” através do valor de € 130.000,00. 
46. Tal procedimento foi aprovado internamente pelo Deputy CFO, RB.
47. Em 29/03/2022, foi efetuada uma transferência no valor de € 130.000,00 da conta da Insolvente tendo como destinatária a sociedade Debate Cosmopolita, Lda., valor que a contabilidade debitou na conta de sócio LE (268105).
48. LE adquiriu uma quota correspondente a 1% da referida Debate Cosmopolita, Lda., no valor nominal de € 15,00 e o valor de € 130.000,00 foi registado como suprimentos na Debate Cosmopolita, Lda., por forma a dotar a referida sociedade dos meios necessários ao desenvolvimento do seu objeto social e dos compromissos financeiros assumidos (mais concretamente, para fazer o reforço de sinal de um terreno de Torres Vedras num CPCV da denominada “Dolopand”).
49. A participação de LE na estrutura societária da Debate Cosmopolita (1% do capital social) serviu para dar corpo ao referido projeto.
50. De acordo com o extrato de conta da Winnerproperties, que abrange o período de julho de 2022 a junho de 2023, três faturas lançadas em 2022 e outra lançada em 2023 em favor da Insolvente foram anuladas por notas de crédito de € 129.905,97, € 63.139,38 e € 56.998,83, tornando esse valor dívida da Insolvente à Winnerproperties.
51. Foi JM (que substituiu HP na Direção Financeira), que, em 26/05/2023, propôs a LE a anulação das referidas faturas, tendo o mesmo concordado.
52. A emissão de notas de crédito permitiu às diversas empresas do grupo serem reembolsadas do IVA cobrado.
53. Em particular, permitiu a que, já no decorrer da presente insolvência, a Autoridade Tributária procedesse ao reembolso de IVA no valor de € 46.438,19, com base nas tais notas de crédito.
54. Em julho de 2022, a faturação entre as sociedades do grupo ascendia a € 258.244,82 e em novembro de 2022 ascendia a € 2.100.406,28.
55. A sociedade Winnerconstruction aparece registada na contabilidade como cliente com um saldo de € 726,80 e como outros credores / devedores com um saldo de € 21.129,94, ambos a favor da insolvente.
56. O Sr. Administrador da Insolvência solicitou o pagamento do referido valor em dívida, nada tendo sido liquidado.
57. LE é sócio das sociedades Crystalline Bubble, Lda., Diligentplatform, Lda., Levels and Concepts, Lda., Nível Ponderado, Lda., Destaque Simétrico, Lda., Surprise Argument, Lda., Couja Mágica, Lda., Paradisemystery, Lda., e Obviousodyssey, Lda., as quais apresentam saldos devedores num total aproximado de € 15.990,12 para com a Insolvente, nada tendo sido recuperado pelo Sr. Administrador da Insolvência.
58. Os resultados contabilísticos da Insolvente foram negativos em € 123.959,54 no primeiro ano de atividade, passando a positivos de € 15.378,13 em 2022.
59. Com base no balancete analítico de outubro de 2023, o resultado dedutível seria negativo de - € 292.099,37.
60. A Insolvente apresentou resultados acumulados negativos em 2021 (- € 73.959,54), 2022 (- € 58.581,41) e em 2023 (-€ 350.680,78).
61. Em 2023, o total do passivo ascendia a € 2.036.759,56 e o total do ativo ascendia a € 1.686.078.78.
62. A dívida ao Setor Público Estatal estava em € 707.792,28, acrescida de € 481.400,00 ao Millennium BCP, para além de € 179.356,16 aos trabalhadores, tendo como contrapartida de clientes de € 863.581,94, dos quais € 527.196,93 em quatro sociedades do grupo.
63. Consta do extrato de conta da contabilidade da Insolvente um saldo devedor de cliente da sociedade Rockmont Properties INC. No entanto, quando instada para proceder ao seu pagamento, a referida sociedade referiu que não mantinha qualquer valor em aberto – quer a crédito, quer a débito – com a sociedade Insolvente, e que também não havia qualquer evidência de existir ou ter existido qualquer relação comercial ou de outra natureza com a insolvente.
64. A referida sociedade Rockmont tomou a designação de Haip Montijo – Unipessoal, Lda., e adquiriu a quota de LE na Gloriousorchid, Lda.
65. Em relação ao ano de 2021, a Revisora Oficial de Contas declarou: “Incerteza material relacionada com a continuidade: em 31 de dezembro de 2021 as demonstrações financeiras foram preparadas no pressuposto da continuidade das operações, embora naquela data estas evidenciem um capital próprio negativo de € 73.960 euros, sendo-lhes aplicáveis as situações previstas nos artigos 35.º e 171.º, do Código das Sociedades Comerciais.”
66. A Revisora Oficial de Contas declarou não ter emitido qualquer certificação para o ano de 2022 com fundamento no facto de não terem sido disponibilizadas a contas e nem os elementos necessários para a realização de auditoria às contas.
67. PP, contabilista, enviou para a Revisora Oficial de Contas documentação com vista à certificação legal de contas de 2022.
68. O que foi informado a LE pelo CFO, HP.
69. Documentação essa que foi descarregada pela destinatária em 24/02/2023. 
70. No balancete analítico a outubro de 2023 da insolvente, aparece como fornecedor “Aura Bravia” (ou “Aura REE, SL”) com um saldo credor (€ 27.000,00), pelo que foi o referido credor notificado pelo Sr. Administrador da Insolvência ao abrigo do art.º 129.º, n.º 4, do CIRE.
71. O referido fornecedor apresentou reclamação de créditos com um valor total de € 91.350,00, distribuído por seis faturas com o valor individual de € 15.225,00, todas com data de emissão de 08/06/2023 e com vencimentos mensais entre julho de 2023 e dezembro de 2023, e emitidas em nome da insolvente e identificando a Winnerproject como destinatária dos serviços. 
72. Nenhuma das faturas referidas no ponto anterior foi lançada nas contas da insolvente.
73. Entre novembro de 2023 e janeiro de 2024 foram trocados entre o Sr. Administrador da Insolvência e a Il Mandatária Dra. RS e PC os emails juntos em 06/06/2024, sob os n.ºs 63 e 64, cujo teor damos por reproduzido.
74. Em 02/02/2024, o Sr. Administrador da Insolvência logrou aceder ao local onde os bens da insolvente se encontravam.
75. No apenso respetivo (A), estão reconhecidos créditos privilegiados aos trabalhadores, à Autoridade Tributária e ao Instituto da Segurança Social no valor global de € 868.533,42, sendo os demais comuns e subordinados.
76. No âmbito do processo executivo que corre termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Execução de Almada - Juiz 2, sob o n.º 6327/23.6T8ALM, em que é exequente a credora reclamante LCPT e executada a Winnerproperties, foi vendido o prédio rústico identificado na alínea b), do ponto 17.
77. Nos referidos autos de processo executivo, o referido imóvel foi avaliado em € 200.900,00 (duzentos mil e novecentos euros) e foi vendido em leilão à exequente LCPT, credora reclamante nos autos principais de insolvência, pelo valor de € 683.200,00 (seiscentos e oitenta e três mil e duzentos euros) [ [1] ].
*
O tribunal de 1.ª instância fez ainda consignar como segue:
Factos não provados
Com relevo para a decisão a proferir, não se provou que:
A)  Era a Direção Financeira quem decidia a contratação dos empréstimos bancários, inclusivamente a negociação junto do Millennium BCP, o pagamento das livranças e a respetiva alocação às sociedades do grupo.
B) LE era mantido à margem das instruções dadas à contabilidade e não controlava tais instruções. 
C) A gestão e contabilidade das sociedades do grupo era da exclusiva responsabilidade da Direção Financeira da Insolvente.
D) LE e PC desconheciam as instruções dadas pela Direção Financeira, no que diz respeito à faturação entre as sociedades do grupo.
E) O imóvel sito no Montijo identificado sob a alínea b) do ponto 17 dos factos provados tem um valor de mercado de € 60.000,00”.

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº3 do mesmo diploma.
No caso, impõe-se apreciar:
- Da impugnação do julgamento de facto;
- Da verificação dos pressupostos para a qualificação da insolvência como culposa e da afetação do respetivo administrador, ora apelante, ponderando o disposto no art. 186.º do CIRE, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem e considerando o período juridicamente relevante, de 15-06-2020 a 15-06-2023, extensível até 17-10-2023 (art. 4.º, nº2), relevando aferir (i) dos pressupostos genéricos para a qualificação e (ii) concretamente, da hipótese contemplada na alínea d) do número 2 do preceito.
- Da violação dos arts. 18.º e 20.º da CRP da “interpretação normativa extraída do artigo 186.º, n.º 1 do CIRE, que considere sempre a existência de insolvência culposa em resultado de uma presunção inilidível de causalidade, se resultar que do preenchimento dos factos tipos indiciadores de insolvência culposa”;
- Da “inconstitucionalidade do art. 189.º, n.º 2, alíneas b) e c)”; 
- Da adequação da medida de inibição aplicada ao apelante - art. 189.º, n.º 2, alíneas b) e c);
- Da condenação do apelante no pagamento de uma indemnização -art. 189.º, n.º2, alínea e).
 
2. O apelante impugna julgamento de facto pretendendo que se altere a resposta fixada nos números 16 [ [2] ], 27, 28 e 22 dos factos dados como provados (conclusões a) a m)) . O apelante cumpriu as exigências que decorrem do art. 640.º do CPC pelo que nada obsta à apreciação da impugnação.
Cumpre, pois, apreciar.
O apelante pretende que seja alterada a resposta aos números 16, 27 e 28, em ordem a que se dê como provada que cada uma das quotas aí referenciadas “foi liquidada”, ao contrário do que entendeu o tribunal. Quanto ao número 22, pretende que se altere a redação, indicando que deve ser dado como assente o seguinte:
22. Na contabilidade da Insolvente não está registada a transferência para LE da quota que a Insolvente detinha na Winnerproperties e o pagamento da quota também se encontra omisso na contabilidade”.
O tribunal de 1.ª instância, depois de referir um conjunto de documentos pertinentes à resposta fixada nos números 11 a 30, acrescentou ainda como segue:
 “No que, em concreto, diz respeito aos factos provados n.ºs 16, 22, 27, 28, 29 e 30, o Tribunal valorou as declarações do Sr. Administrador da Insolvência, que confirmou que a cedência das quotas da Holding na Winnerproperties e na Winnerconstruction não foi liquidada e não foi levada à contabilidade da Insolvente, conclusão que retirou na análise ao balancete analítico da Insolvente e aos extratos bancários que juntou ao seu parecer (documentos n.ºs 5, 6, 7, 8 e 8-A) e que não foi posta em causa por nenhum dos requeridos, designadamente através da demonstração do pagamento em questão, como era seu ónus. // O Sr. Administrador da Insolvência confirmou também que a Winnerconstruction não era titular de quaisquer ativos à data da cessão e que a quota que a Insolvente detinha nessa sociedade não aparece registada na conta da Insolvente, conforme ao balancete analítico da Insolvente junto ao seu parecer como documento n.º 8-A.”.
Vejamos a argumentação do apelante em sede recursiva.
Entende o apelante que estando provada, sem impugnação, a outorga dos contratos de cessão de quotas da titularidade da devedora/insolvente a favor do apelante, contratos celebrados em 09-05-2023 relativamente à quota na sociedade Winnerproperties (número 13) e em 26-04-2023 relativamente à quota na sociedade Winnerconstruction (número 25), deve considerar-se provado o pagamento do preço aí indicado, de acordo com a declaração de quitação constante dos documentos que titulam os contratos, convocando o disposto nos arts. 376.º e 358.º, n.º 1 do Cód. Civil.
O administrador da insolvência, na posição que manifestou no processo, não impugnou que a devedora tenha cedido as quotas das referidas sociedades, quotas de que a devedora/insolvente era titular, nem impugnou que o preço da transmissão tenha sido pago nessas datas, conforme consta da declaração que titula os contratos, ou seja, o administrador da insolvência não impugnou a factualidade alusiva aos referidos contratos de cessão de quotas, e podia fazê-lo porquanto os contratos estão titulados por documento particular, sendo que o AI representa a massa insolvente e não a devedora insolvente e quem teve intervenção nos contratos foi a devedora pelo que não se trata de facto pessoal alusivo ao AI, não operando relativamente a este o efeito confessório; acrescente-se que o ónus de prova do pagamento, enquanto facto extintivo da obrigação, incumbe ao apelante (art. 342.º, n.2 do Cód. Civil). Saliente-se que no contrato referido sob o número 13, celebrado a 9 de maio de 2023, apenas teve intervenção o apelante, que o assinou na dupla qualidade de administrador única da devedora (cedente) e de cessionário – cfr. o documento junto com a petição inicial do apenso F).
O certo é que nem na sua intervenção inicial, nem no parecer apresentado subsequentemente, na sequência do convite ao aperfeiçoamento, o AI impugnou expressamente o facto em causa, a saber, o pagamento do preço da transmissão enunciado nos documentos que titulam os contratos, no valor de 1.050,00€ e de 1350,00€ (750,00€ + 600,00€); e podia tê-lo feito, como se referiu, tanto mais que é o próprio AI quem indica que não está registado contabilisticamente o recebimento desse preço, pela devedora transmitente, aceitando aliás o apelante esse facto quando indica nas alegações de recurso que tal ficou a dever-se à circunstância de “as contas da Winnerholding relativas ao ano de 2023, ano em que foi declarada a insolvência, não foram fechadas e, portanto, nunca forma aprovadas pelos seus acionistas”, acrescentando que “[a] existência ou não do registo de liquidação do montante devido pela aquisição das quotas é, também por isso, irrelevante para esta análise”.
É igualmente essa a conclusão a que se chega em face do teor das cartas de resolução desses contratos enviadas pelo AI aos cessionários, juntas com a petição inicial das ações tramitadas sob os apensos F) e E), a que adiante melhor se aludirá – cartas datadas de 09-05-2023, reportada no número 14 dos factos provados (apenso F) e de 17-01-2024, reportada no número 8 dos factos provados (apenso E), tendo por referência a matéria enunciada nos acórdãos deste TRL –, nas quais o AI nunca questionou o pagamento do preço da cessão de quotas, suportando a declaração resolutória noutro conjunto de factos e argumentos.
Assim sendo, quanto a esta matéria, o depoimento prestado pelo AI em audiência e a que o apelante alude [ [3] ], não pode relevar nos moldes indicados pela 1.ª instância, não se pautando o AI pelo rigor que lhe era exigível, uma vez que sustenta em julgamento uma versão dos factos que não é conforme àquela que anteriormente havia assumido no processo, quer nestes autos quer noutros apensos em que a questão também se podia colocar.
A este propósito, alega ainda o apelante que o facto em causa – pagamento/liquidação do preço das cessões pelo(s) beneficiário(s) da cessão, sendo que aqui só está em causa o apelante, na parte respetiva, atento o trânsito em julgado da sentença absolutória da outra proposta afetada –, também deve ter-se como assente em face das sentenças/acórdãos proferidos nos apensos F e E ao processo de insolvência, contrariando a presente decisão quanto à matéria de facto “as duas anteriores decisões proferidas pelo Tribunal a quo, ambas já transitadas em julgado”, daí resultando que “o Tribunal a quo já aceitara como válida e eficaz a declaração de quitação ínsita em ambos os contratos de cessão de quotas”. Entende  que “[n]ão era, por isso, exigível à parte produzir nova prova, nem admissível ao Julgador decidir em sentido diverso do que já se encontrava consolidado nesta realidade processual e no nosso ordenamento jurídico, sob pena de violação do disposto nos artigos 619 e 621.º do Código de Processo Civil”, ora convocando a figura da autoridade do caso julgado ora do caso julgado, e referindo, conforme acórdão que cita, que “tanto na excepção do caso julgado como na autoridade do caso julgado, na determinação dos seus limites e eficácia, deve atender-se não só à parte decisória mas também aos respectivos fundamentos”.
Vejamos.
O apenso F) trata de uma ação intentada pelo apelante contra a massa insolvente da devedora  Winnerholding Portugal, S.A., com vista à impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, efetuada pelo AI, pedindo seja declarada inválida a resolução por este operada por carta datada de 16/01/2024 do contrato de cessão de quota celebrado em 09/05/2023, mediante o qual a insolvente transmitiu ao apelante a quota que detinha na sociedade Winnerproperties, Lda., no valor nominal de € 1.050,00. A 1.ª instância julgou improcedente a ação, por sentença proferida em 22-11-2024, decisão confirmada, na sequência de recurso interposto pelo autor, pelo acórdão do TRL de 11-02-2025, transitado em julgado porquanto foi interposta revista excecional que não foi admitida por acórdão do STJ de 21-05-2025.
A factualidade que aqui se deu por provada coincide em larga medida com a factualidade que, nesse apenso, foi igualmente dada por provada (sem impugnação dos intervenientes), como resulta do confronto dos números 11, 12, 13, 15 e 17 destes autos com a matéria aí dada por assente sob os números 4, 5, 6, 7 e 8, respetivamente [ [4] ], salientando-se no entanto que, nestes autos, aquando da fixação do número 13 dos factos provados, o tribunal omitiu a referência que consta expressamente do número 6 dos factos provados no apenso F), na parte em que aí se faz constar o seguinte segmento de texto: “mediante o pagamento do preço correspondente ao valor nominal da quota cedida”.
O apenso E) trata de uma ação intentada pelo apelante e por PC contra a massa insolvente da devedora  Winnerholding Portugal, S.A., com vista à impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, efetuada pelo AI, pedindo seja declarada inválida a resolução por este operada do contrato de cessão de quotas que haviam celebrado com a insolvente em 26/04/2023 e que teve por objeto a cessão pela insolvente, aos autores, da quota que aquela detinha na sociedade Winnerconstruction, Lda. A 1.ª instância julgou improcedente a ação, por sentença proferida em 22-11-2024, decisão que foi alterada, na sequência de recurso interposto pelos autores, pelo acórdão do TRL de 08-04-2025, transitado em julgado    [ [5] ].
A factualidade que aqui se deu por provada coincide com a factualidade que, nesse apenso, foi igualmente dada por provada (sem impugnação dos intervenientes), como resulta do confronto dos números 23 e 25 destes autos com a matéria aí dada por assente sob os números 6 e 7, respetivamente [ [6] ].
Sendo certo que, em ambos os apensos, o tribunal da Relação fez a sua análise do caso partindo de um pressuposto, a saber, que foi entregue o preço da transmissão consignado nos contratos de cessão de quotas de que a devedora era titular nas duas sociedades, em função, exatamente, da declaração constante do documento que corporiza o acordo e da posição do AI nesses apensos.
Assim, em sede de fundamentação jurídica, lê-se no acórdão proferido no apenso F):
“Neste tipo de ações e no que concerne ao ónus da prova, competirá ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga - os factos constantes da declaração resolutiva (artigo 343º, nº 1, do Código Civil), preceito que o apelante alega ter sido violado na sentença recorrida, por entender que não foi alegado, nem demonstrado o requisito da prejudicialidade (conclusões f) a m) e que a este propósito o raciocínio expendido pelo Tribunal a quo para justificar a invocada prejudicialidade é manifestamente incoerente (conclusão m). // De acordo com o n.º 2 do art.º 120º do CIRE, são atos prejudiciais à massa aqueles que diminuem, frustram, dificultam, põem em perigo ou retardam a satisfação dos credores da insolvência. Neste caso, esta consideração não depende da prova apenas da prática de determinados atos típicos (como alienação, oneração, etc.), mas depende da alegação e da prova de factos que permitam concluir que a prática desses atos diminui, frustra, dificulta, atrasa ou coloca em perigo a satisfação dos credores da insolvência. // No caso dos autos, o ato impugnado trata-se de um contrato de cessão de quotas - instrumento particular que visa regular a transferência das quotas de uma empresa de propriedade de um sócio para um terceiro, que foi celebrado a título oneroso porquanto está assente (facto 6) que foi pago o preço correspondente ao valor nominal da quota cedida, a quantia de 1.050,00€, pelo que pode ser aferida a existência de prejuízo, quando for alegada e provada a inferioridade do preço da venda face ao valor real e de mercado do bem vendido (vide, v.g.: Acórdão da Relação de Guimarães 06.11.2014, proferido no processo nº39/09.0TBMGD-M.G1). // Foi precisamente esta a alegação do AI constante da carta resolutiva e que alegou na contestação: que o valor da cessão da quota, de apenas 1.050,00 €, é irrisório face ao valor real da referida quota, atendendo ao valor dos imóveis que pertenciam à “Winnerproperties, Lda.” ser de pelo menos 3.420.000,00 €, independentemente dos ónus que sobre os mesmos pudessem existir. (artigos 28); já após a notificação do A para a resolução em benefício da massa insolvente objeto dos presentes autos, o A, em 07/06/2023, em representação da Winnerproperties prometeu vender a Tarco- Projetos e Construções Lda. o prédio urbano sito no Montijo, que havia sido comprado ao BCP pela quantia de 750.000,00€ e sobre o qual incidia uma hipoteca voluntária a favor da LCPT UnipLda. até ao montante de 218.442,00 €, aquando da cessão da quota da Winnerholding ao A (09/05/2023), (artigos 30 a 36); com exceção da hipoteca registada pela Ap. 2982 de 2023/02/03, todos os demais ónus registados sobre o imóvel (penhoras e arrestos, alguns dos quais elencados em 64º da PI), são posteriores à transmissão da quota na Winnerproperties a favor do A. (artigo 41); logo após a cessão da quota ao A em 09/05/2023, este, em 05/06/2023 e já na qualidade de gerente da “Winnerproperties, Lda.”, procedeu à alienação definitiva das referidas frações B e C a “Substância Numérica, Sicafi, S.A.” pelo valor de 2.420.000,00 € (artigo 47) e no dia da escritura, a compradora, Substancia Numérica Sicafi SA terá pago, por conta do preço renegociado da compra, o remanescente de 46.716,68 € (artigo 49);  // Em face dos factos assim alegados carece de fundamento a invocada falta de alegação por parte da ré, sobre quem impendia o respetivo ónus de alegação” (destaque nosso).
E lê-se no acórdão proferido no apenso E):
Posto isto, vejamos se no caso concreto podemos considerar a venda das quotas pelo seu valor nominal como per se enfraquecedora da garantia dos credores, tendo em conta que o recebimento do preço não foi posto em causa. // Trata-se de uma quota originariamente de € 1.350,00 num capital social de € 1.500,00, de uma sociedade constituída em 11/01/2023, dividida e cedida em 26/04/2023, pelo valor nominal. // Não se trata de um imóvel, um bem material, mas de uma participação social, ou seja, da titularidade de determinada fração do capital social de uma sociedade por quotas constituída há 3 meses, com um baixo capital social, relativamente à qual se desconhece por completo se tem património, atividade, existências. // A propósito da tradicional função de garantia do capital social – aqui relevante dado que o bem vendido é uma parte dessa cifra – diremos, com Paulo de Tarso Domingues  que o capital social apenas pode ser encarado como garantia indireta ou de segundo grau, e na medida em que bloqueia ou retém uma parte do património social. A garantia direta dos credores são os bens concretos que constem do património social e não uma cifra. Assim, sendo a insolvente proprietária de uma determinada quota social, a garantia dos seus credores apenas se satisfaz com esta parte do seu património se, por sua vez, a sociedade detida tiver património e valor económico. Como refere aquele autor, o regime do capital social não é totalmente idóneo para desempenhar a função de garantia que lhe é atribuída. // Queremos com isto significar que, enquanto determinados bens valem por si, têm um valor intrínseco, como terrenos, edifícios, maquinaria, etc., uma quota social não vale por si, vale o que valer o património global detido pela respetiva sociedade. // Se a saída de um bem vendável e com valor notório/intrínseco e a sua “troca” por dinheiro podem, em determinadas circunstâncias, prejudicar a satisfação dos credores, outro tipo de bens e direitos podem exigir a determinação de se a respetiva saída representa um enfraquecimento do património destinado à satisfação dos credores. // Mesmo optando pela tese de que a troca de bens por dinheiro é sempre prejudicial num contexto de pré-insolvência, é necessário que esteja determinado ou seja minimamente razoável, num juízo de experiência comum, que os bens em causa sejam objetivamente aptos à satisfação dos credores, sem o que o enfraquecimento da garantia patrimonial dos credores que carateriza o ato prejudicial não pode ter-se por verificado. O que não sucede no caso da quota de uma sociedade muito recente e sem património visível (ou alegado). // Não estando, por qualquer forma, sequer indiciado o valor da sociedade cuja quota foi dividida e cedida, nem na resolução nem na ação conclui-se que, no caso concreto, não está demonstrado o requisito da prejudicialidade. // Procede, nestes termos, a presente apelação, devendo a sentença proferida ser revogada” (sublinhado nosso) [ [7] ].
Ou seja, existe efetivamente a incongruência apontada pelo apelante entre o julgamento feito nestes autos e nos referidos apensos F) e E), à luz da interpretação feita nesses apensos a propósito do mesmo facto, a saber, pagamento versus não pagamento (ou liquidação, na terminologia da sentença recorrida) do preço das cessões de quotas da titularidade da devedora insolvente sobre a sociedade Winnerproperties, Lda. (apenso F) e da sociedade Winnerconstruction, Lda (apenso E), mas, para o que ora interessa, o que releva é que, como já se havia adiantado, o administrador da insolvência quer nos presentes autos, quer nesses apensos confessou/aceitou a factualidade em causa, não sendo aceitável, como também já se indicou, que venha posteriormente, nestes autos, em sede de julgamento, declarar o oposto do que havia indicado anteriormente (aqui e nesses apensos). O quadro factual delimitado nesses apensos, que esteve na base da ponderação jurídica aí feita, conducente ao respetivo segmento decisório é, quanto à matéria ora em causa, inteiramente similar, sendo a discussão travada entre os mesmos intervenientes, mas, ainda assim, a exceção do caso julgado não se coloca estritamente quanto aos factos, pelo que é na perspetiva apontada que a posição do AI deve colocar-se [ [8] ].  
Concluindo, deve alterar-se a redação dos números 16, 27 e 28, dando-se por provada a seguinte factualidade:
16. A quota cedida a LE, no valor nominal de € 1.050,00, foi liquidada conforme acordo de cessão a que alude o número 13 dos factos provados.
27. A quota cedida a LE, no valor nominal de € 750,00, foi liquidada conforme acordo de cessão a que alude o número 25 dos factos provados.
28. A quota cedida a PC, no valor nominal de € 600,00, foi liquidada conforme acordo de cessão a que alude o número 25 dos factos provados.
Quanto ao número 22 dos factos dados como assentes, não se discute a omissão, na contabilidade da insolvente, de qualquer facto alusivo ao pagamento/não pagamento da quantia em causa, isto é, esse valor, de 1.050,00€ não se mostra registado, nem a crédito, nem como débito.
Conclui-se que também se justifica a alteração, passando o número 22 dos factos assentes a ter a seguinte redação:
22. Na contabilidade da Insolvente não está registada a transferência para LE da quota que a Insolvente detinha na Winnerproperties nem, a crédito ou a débito, o valor de 1.050,00€ alusivo ao preço da cedência, correspondente ao valor nominal da quota cedida.
Procede, pois, a impugnação do julgamento de facto, decidindo-se alterar a factualidade dada por assente sob os números 16, 27, 28 e 22 nos termos supra indicados.
É, pois, em face da factualidade indicada pela 1.ª instância, com a alteração decidida por esta Relação, que cumpre apreciar juridicamente das demais questões colocadas.

3. Da verificação dos pressupostos para a qualificação da insolvência como culposa e da afetação do respetivo administrador, ora apelante
A insolvência é qualificada como culposa ou fortuita (art. 185.º), sendo “culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência” (art. 186.º, n.º 1). Trata-se de noção que “vale indistintamente para qualquer insolvente” [ [9] ], independentemente, pois, de se tratar de pessoa singular ou coletiva.
Como corretamente se assinalou na decisão recorrida, são pressupostos da qualificação da insolvência como culposa que:
- O devedor – ou o seu administrador, na aceção do art. 6.º–, pratique ato que tenha criado ou agravado a situação de insolvência;
- O ato seja praticado nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, relevando o disposto no art. 4.º;
- Que o devedor – ou o administrador – tenha agido com dolo ou culpa grave.
Exigindo-se “não apenas uma conduta dolosa ou com culpa grave do devedor e seus administradores, mas também um nexo de causalidade entre essa conduta e a situação de insolvência, consistente na contribuição desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência” [ [10] ]. 
Ponderando a dificuldade que por vezes reveste a aferição desses pressupostos, o legislador estabeleceu, nos números 2 e 3 do preceito, determinadas presunções (art. 350.º do Cód. Civil), que se aplicam, com as necessárias adaptações, às pessoas singulares nos termos do n.º 4 do art. 186.º.
Com referência ao n.º 2 do art. 186.º, estamos perante presunção inilidível ou iuris et de iure (artº 350.º nº 2, in fine, do Cód. Civil), como decorre da letra do preceito [ [11] ], cujo alcance se estende não apenas à existência de culpa, mas também à existência do nexo causal entre a atuação do devedor insolvente e a criação ou agravamento do estado de insolvência [ [12] ] [ [13] ] [ [14] ].
Ao invés, deve ter-se a presunção do n.º 3 do art. 186.º como ilidível (juris tantum), admitindo-se, pois, o seu afastamento perante prova em contrário (art. 350º, nº2 do Cód. Civil), considerando-se que o seu funcionamento apenas permite que se presuma um dos pressupostos da qualificação como culposa, a saber, a existência de culpa grave, mas não já o nexo de causalidade aludido. Essa orientação é a que o legislador acolheu na Lei 9/2022 de 11-01, que introduziu alterações ao CIRE, que entrou em vigor a 11 de abril de 2022 (art. 12.º do diploma) aplicando-se aos processos pendentes à data da entrada em vigor de acordo com o regime transitório fixado no art. 10.º Assim, para além de alterar a redação do nº2, alínea i) do art. 186.º, alterou-se igualmente o nº 3 do preceito, mediante a introdução do advérbio “unicamente”, passando a consignar-se que “[p]resume-se unicamente a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido”; em suma, o legislador veio agora consagrar expressamente a orientação já acolhida quase unanimemente pela doutrina e jurisprudência. 
Por último, importa referir que as alíneas a), b), c), d), e), f) e g) reportam-se a atos “destinados a empobrecer o património do devedor”; já as alíneas h) e i) reportam-se a situações de incumprimento de determinadas obrigações legais [ [15] ].
No caso, a sentença recorrida qualificou a insolvência como culposa convocando o disposto no art. 186,º, n.ºs 1 e 2, alínea d), avançando-se já que com razão.
Pretende-se, na previsão normativa da alínea d) salvaguardar o património da empresa, entendendo-se que “o património significa a soma dos direitos computáveis em dinheiro que pertencem a uma pessoa – o seu activo global – abstracção feita das dívidas correspondentes (património bruto)” [ [16] ], englobando os elementos do ativo da sociedade (bens e direitos). Pese embora se aluda, na alínea a) do número 2 do art. 186.º, ao “património do devedor”, por confronto com a referência constante da alínea d) do número 2 do mesmo preceito, em que o legislador se reportou aos “bens do devedor”, entendemos que a ratio das alíneas é similar, estando em causa a proteção do património da empresa, abrangendo não só bens corpóreos - móveis e imóveis - como incorpóreos, nomeadamente créditos de que a empresa seja titular, penalizando-se o gerente/administrador, no caso da alínea a), quando este pratica atos dos quais resulta uma diminuição do património do devedor  [ [17] ] e no caso da alínea d) quando este pratica atos de disposição em função de interesses que não os da empresa que administra, isto é, com desvio de fim.
Temos por inequívoca a subsunção feita pela 1.ª instância, no que concerne ao negócio celebrado em 09-05-2023, remetendo-se para a análise jurídica feita no apenso F) [ [18] ], em sede de verificação do pressuposto alusivo à prejudicialidade desse negócio para a massa insolvente (art. 120.º, n.º 2), negócio pelo qual a sociedade devedora, por intermédio do seu administrador único, cedeu a referida quota, em benefício exclusivo do próprio administrador. Retomamos aqui essa análise:
“O negócio translativo da propriedade da quota é, sem dúvida, um ato que subtrai da esfera patrimonial um ativo desta.  // Porém, tratando-se de um ato oneroso tem como contrapartida, a entrada do correspetivo preço. Por isso é que, não é ele, por si só suscetível de causar prejuízo patrimonial aos credores. No caso do entendimento seguido no acórdão citado na decisão recorrida - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/07/2021, proferido no processo n.º 3512/17.3T8STR-C.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, e onde se afirmou que «(…) existe fundamento legal para a resolução do ato de cessão da quota, isto independentemente de se desconhecer o concreto valor que a quota alienada acaso possa representar efetivamente para a massa insolvente.», tal conclusão foi retirada porquanto, naquele caso, se demonstrou que o montante estabelecido para a cessão da quota não entrou na sociedade insolvente, situação que não ocorre no caso dos autos, já que não vem posto em causa que o preço devido pela cessão tenha sido pago. Ou seja, e como refere o apelante nas suas alegações, o enquadramento fáctico do caso decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito daquele processo n.º 3512/17.3T8STR.E1.S1 é distinto do dos autos. // Porém, a troca de um objeto por uma soma pecuniária equivalente não significa que não tenha havido prejuízo para a massa insolvente. Aliás, como se escreveu a propósito da impugnação pauliana no Ac. do STJ de 12/7/07, processo n.º 07A1851, “o que releva é a impossibilidade ou dificuldade prática em executar os demais bens do devedor, como é tipicamente o caso da venda pelo preço justo e real mas com ocultação da importância recebida. O dinheiro é, na verdade, um bem que, pela sua natural fungibilidade é facilmente “mobilizável e sonegável à acção dos credores” (…). Não fora assim e, certamente, desapareceriam os casos de impugnação relativos a actos onerosos, com excepção dos feridos de simulação de preço, os únicos em que a insolvência ou o seu agravamento, tal como a consciência do prejuízo, são inerentes à inferioridade do valor efectivo da contraprestação relativamente ao valor real da coisa vendida.” // Mas, o Tribunal a quo vai mais além, com a argumentação que o apelante julga incoerente, mas que não é, adianta-se. // Desde logo, há a considerar, como resulta da factualidade provada que: // - à data da cessão de quota – 09/05/2023 -, a Winnerproperties, Lda., era proprietária dos seguintes imóveis: //a. Frações autónomas designadas pelas letras “B” e “C”, do prédio urbano sito na freguesia de Belém, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 2683 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 3182, cada fração correspondente a 353m2; // b. Prédio urbano sito na união de freguesias do Montijo e Alfonsoeiro, concelho do Montijo, descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o n.º 1014 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 6624. // As frações autónomas designadas pelas letras “B” e “C”, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 2683 foram objeto de um contrato de promessa de compra e venda celebrado pela Winnerproperties, Lda., com a sociedade Substância Numérica SICAFI, S.A., em 30/12/2021, ou seja, em data anterior à da cessão da quota da insolvente ao autor. Mas, a escritura de compra e venda correspondente foi celebrada em 05/06/2023, ou seja, dez dias antes do início do processo de insolvência.  // Nesta data foi paga pela compradora a última tranche do valor do preço acordado - € 46.716,68, que ingressou no património da Winnerproperties, Lda. // No que diz respeito ao imóvel sito no Montijo, descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o n.º 1014, pese embora o valor patrimonial de € 174.493,55, foi adquirido a 04/04/2022, pela Winnerproperties, Lda., ao Banco Comercial Português, S.A., pelo preço de € 790.000,00, valor que o autor aceita corresponder ao seu valor mercado (cf. artigo 63º da PI). // É certo, que sobre este bem impendem ónus, mais concretamente, Hipoteca voluntária a favor da LCPT, no valor de € 218.442,00, penhora a favor da LCPT, no valor de € 223.615,78, Arresto a favor da LCPT, no valor de € 819.157,90, arresto a favor do Lidl e Companhia, S.A., no valor de € 289.256,00, e penhora a favor da Fazenda Nacional, no valor de € 17.106,11, ascendendo à quantia de mais de 1.5000.000,00€. // No entanto, destes ónus e encargos apenas a Hipoteca voluntária constituída a favor a favor da LCPT, no valor de € 218.442,00 tem data anterior à da cessão de quotas. Todos os restantes constituídos, respetivamente, em 12/09/2023, pela Ap. 5394, em 28/11/2023, pela Ap. 1809, em 15/12/2023, pela Ap. 6359 e em 08/01/2024, pela Ap. 3224, foram-no, em data posterior à da cessão da quota ao autor. // Considerando que a resolução em benefício da massa insolvente visa a reconstituição do património do devedor, permitindo a destruição de atos prejudiciais a este património, os atos de oneração posteriores ao negócio resolvido, tem efeitos retroativos (art. 126º do CIRE), devendo reconstituir-se a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado ou omitido, sem prejuízo do disposto no art.º 124º, n. º 2, evidentemente. // Não obstante, é manifestamente falacioso o argumento avançado pelo apelante de que o referido imóvel, se encontrava onerado em valores superiores a € 1.500.000,00, estando factualmente assente a existência de dívidas da Winnerproperties superiores a € 1.500.000,00, porquanto à data da celebração do negócio, o imóvel, adquirido por € 790.000,00 no decorrer do ano de 2022, no ano seguinte, à data da cessão – 9 de maio de 2023 - mostrava-se apenas onerado com uma hipoteca para garantia do pagamento de quantia inferior a metade do seu valor de aquisição. // Ora, a "quota social" não representa uma simples "coisa" ou um simples "direito de crédito", sendo, acima de tudo, um direito de participação numa sociedade. Abarca, por isso, um conjunto de direitos, poderes e deveres sociais - Raul Ventura, "Cessão de Quotas", 1967, pág. 10. Assim, a "quota" exprime um direito de conteúdo complexo, que tanto abrange direitos de natureza patrimonial, como direitos, poderes ou faculdades de ordem pessoal. // No que diz respeito aos direitos de natureza patrimonial, no caso, a quota cedida, abrangia, à data da cessão, o valor do património societário decorrente, pelo menos, do valor do imóvel sito no Montijo descrito sob o n.º 1014 e a última tranche do preço devido pela venda das frações B” e “C”, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 2683. // Em face dos factos documentalmente provados nos autos, é possível concluirmos, como fez o Tribunal a quo, que, ao contrário do alegado pelo apelante, o valor da quota cedida não era inexistente, sendo certamente superior ao seu valor nominal, atento o montante aportado para a Winnerproperties, Lda. em virtude do pagamento da última tranche do preço da venda das frações B” e “C e, além deste, atento o valor património imobiliário que, à data, detinha na sua esfera patrimonial o qual se mostrava onerado em menos de metade do seu valor”( destaque nosso).
Assinala-se ainda que a venda do imóvel sito no Montijo no âmbito do processo executivo (cfr. os números 76 e 77 dos factos provados) ocorreu em 2025, decorrendo do documento junto aos presentes autos pelo apelante, em 30-05-2025 (doc. 3) que o leilão teve início às 14:30 horas do dia 29-01-2025 e fecho às 10:46 horas do dia 29-01-2025. É correta, pois, a afirmação vertida na sentença recorrida quando aí se alude, em sede de fundamentação jurídica, à venda desse imóvel em janeiro de 2025, circunstância que se teve por inócua porquanto, acentuando-se argumentação já vertida no referido acórdão e supra aludida, à data da cessão de quotas o único ónus que incidia sobre esse imóvel data de 3 de fevereiro de 2003, pelo valor de 218.442,00€ [ [19] ]. Refere o apelante, a este propósito, que pese embora o registo dos demais ónus seja posterior à cessão, a dívida subjacente foi constituída em momento anterior como decorre da factualidade dada por provada sob o número 36. Esquece o apelante que, nos termos desse acordo, celebrado em 13-01-2023, a devedora/insolvente assumiu a responsabilidade solidária pelo pagamento, nomeadamente, de 1.442.239,00€ de que a Winnerproperties se confessou devedora, o que significa que a devedora/insolvente já tinha assumido, para si própria, essa obrigação, pelo que podia ser acionada diretamente com vista ao pagamento (art. 512.º, n.º 1 do Cód. Civil), independentemente de ser titular, ou não, da referida quota na Winnerproperties.
Ainda, como consta do número 4 dos factos provados, o Grupo “WINNER” para além da sociedade insolvente (Winnerholding), é ainda composto por outras sociedades, como sejam a Winnerproperties, a Winnerproject, a Winnerconstruction, a Winnerrules e a Investlink, sendo que os autos dão nota da declaração de insolvência das sociedades Winnerproject e da sociedade Investlink (número 33 dos factos provados), mas não da sociedade Winnerproperties.
Em suma, tendo o negócio sido realizado em 09-05-2023 ou seja, 36 dias antes da instauração do processo de insolvência (por credores invocando créditos laborais), negócio oneroso pelo qual a sociedade devedora (sociedade holding) cedeu uma quota de que era titular noutra sociedade (sociedade por quotas), pertencendo ambas ao mesmo grupo económico, verificam-se os pressupostos para a qualificação da insolvência como culposa, nos termos do art. 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), com afetação do seu administrador único, quando esse negócio é realizado nos seguintes termos e contexto:
(i) A quota foi transmitida pela devedora insolvente ao seu próprio administrador único e seu acionista maioritário – pessoa singular que teve intervenção no negócio nessa dupla qualidade, representando a cedente e assumindo-se como cessionário –, sendo o referido administrador, atualmente, o sócio maioritário da referida sociedade por quotas e seu beneficiário efetivo (juntamente com outra sócia)    [ [20] ];
(ii) A cessão foi realizada pelo preço correspondente ao valor nominal da quota, de 1.050,00€;  
(iii) À data da cessão, essa sociedade por quotas era proprietária de três imóveis, duas frações autónomas sitas na freguesia de Belém, concelho de Lisboa e um prédio urbano sito no Montijo. Aquelas duas frações foram objeto de contrato promessa de compra e venda realizado em 30-12-2021, pelo preço global de 2.880.000,00€, tendo o negócio definitivo de compra e venda sido outorgado em 05-06-2023, data em que a promitente compradora pagou à sociedade por quotas promitente vendedora, a Winnerproperties, o remanescente do preço convencionado, de 46.716,68€ e, quanto ao prédio urbano sito no Montijo, sabe-se, pelo menos, que tinha sido comprado pela referida sociedade por quotas pelo valor de 790.000,00€ em abril de 2022 e foi posteriormente vendido num processo executivo, em janeiro de 2025, pelo valor de 683.200,00€.
Concluindo-se que a cessão de quotas foi realizada em prejuízo da devedora insolvente e dos seus credores, ao contrário do que sustenta o apelante (cfr., nomeadamente, as conclusões q) a p) e)) e em exclusivo benefício (proveito) do seu administrador único, ora apelante, uma vez que resulta da factualidade assente que o valor real da quota era superior ao seu valor nominal.
Uma quota constitui uma parcela representativa do capital social, mais precisamente, corresponde ao valor (monetário) da entrada do sócio (art. 219.º do CSC) sendo que, no caso, o valor nominal foi de 1050,00€; no entanto, o valor real da quota tem uma correspondência direta com o valor da empresa, que pode ser avaliado com base em diversos critérios ou métodos. Essa avaliação é frequente e necessária exatamente no âmbito de operações tendentes à transmissão da titularidade da quota ou à sua apreensão judicial [ [21] ]; no caso, sabe-se que a Winnerproperties tinha ativo e, quanto ao passivo, a única factualidade pertinente é a que foi dada por assente sob o número 36, sendo que a factualidade enunciada sob os números 39 a 42 reflete um conflito de interesses entre o credor LCPT e a devedora insolvente.
 Neste contexto, os elementos que o processo fornece são, objetivamente, os seguintes: a devedora insolvente cedeu a outrem parte significativa do seu ativo [ [22] ], sendo que esse ativo era manifestamente insuficiente para cobrir o passivo da insolvente, que é significativo [ [23] ], afigurando-se podermos concluir, até pela posição que a sociedade devedora carreou para o processo serem já nessa data (09-05-2023) evidentes as dificuldades económico-financeiras que a sociedade devedora atravessava.
É elucidativo o quadro enunciado pela própria devedora na contestação que apresentou, em 06-07-2023 – ou seja, menos de dois meses decorridos sobre a outorga do contrato de cessão –, ao pedido de insolvência formulado por alguns credores, a saber:
“ 28.º Importa, finalmente, mencionar que, lamentavelmente, a par da crise económica e financeira mundial acima descrita e dos contratempos negociais com que a Requerida se deparou, esta ainda teve de enfrentar dificuldades internas, respeitantes à organização financeira e ao outsourcing contabilístico. // 29.º Tal realidade tornou-se evidente no final do ano passado, o que implicou a tomada de medidas urgentes, nomeadamente, a substituição do diretor financeiro, cargo atualmente ocupado por JM, e a contratação de uma nova empresa de contabilidade. // 30.º O facto acima mencionado condiciona, inclusivamente, a documentação contabilística que foi disponibilizada à Requerida e que, neste momento, se cinge ao relatório de contas e à declaração de rendimentos que ora se juntam aos autos sob os documentos n.º 5 e 6. // 31.º Não obstante, a Requerida já iniciou, no ano passado, e continua a desenvolver todos os esforços para, a breve trecho, sanar esta situação, desde já, protestando juntar a documentação contabilística que, nessa senda, lograr obter. // 32.º Todo este contexto, que se reporta ao início do presente ano, forçou a Requerida a repensar, reestruturar e redimensionar a sua realidade e dinâmica empresarias. // 33.º Nesse sentido, reduziu o quadro de trabalhadores e alterou a estrutura empresarial e de custos, nomeadamente, através da alteração da sua sede e da renegociação de contratos com fornecedores. // 34.º A Requerida iniciou ainda negociações com os seus principais credores, as quais, a esta data, prosseguem em curso e está, totalmente, empenhada no desenvolvimento dos projetos que tem em carteira. // 35.º Como é evidente através desta estratégia pretendesse honrar compromissos, recuperar o vigor societário dos tempos iniciais e jamais dissipar património. // 36.º Refira-se, dentro da reserva que a natureza dos negócios impõe, que estão em curso diversos projetos, localizados na área da Grande Lisboa, Marinha Grande, Torres Vedras, Castelo Branco e Algarve, todos eles em fases de licenciamento. // 37.º Estes projetos permitem perspetivar um retorno financeiro dentro da ordem dos milhões de euros dentro do quadro temporal compreendido entre o final do presente ano de 2023 e o final do primeiro trimestre de 2024, ativo que não se pode desconsiderar. // 38.º Há, por isso, uma real e séria perspetiva, não apenas de consolidação, como de crescimento económico e financeiro da Requerida. // 39.º Comprometer essa realidade, benéfica para a Requerida e para os seus credores, em prol de uma insolvência, fútil, vã e inglória, seria contrariar os princípios mais elementares que fundam o processo de insolvência”.
Igualmente, não têm fundamento as considerações vertidas nas conclusões expostas em ff) a ii) porquanto a subsunção do caso à tipologia prevista no art. 186.º, n.º 2, alínea d), é quanto basta para se julgar verificada a presunção (inilidível) de existência do nexo causal entre a atuação do devedor insolvente e a criação ou agravamento do estado de insolvência, conforme supra se analisou, afigurando-se-nos que a orientação que se propugna mostra-se estabilizada na maioria da jurisprudência e doutrina.
Noutra ordem de considerações dir-se-á que, no caso em apreço, independentemente do funcionamento das presunções legais, os factos provados suportam a afirmação de que o negócio realizado em 09-05-2023 o foi em prejuízo da devedora insolvente e dos seus credores e em exclusivo benefício do apelante, administrador único daquela sociedade, pelas razões apontadas, inexistindo factos que permitam alcançar a racionalidade económica desse negócio, na perspetiva da salvaguarda dos interesses da devedora/insolvente considerando que (i) estamos perante uma sociedade holding, donde uma das suas funções principais reconduz-se à detenção e gestão de participações noutras empresas, no caso as empresas do grupo Winner e (ii) a frágil situação económico-financeira da devedora (cfr., nomeadamente, a factualidade dada como assente nos números 58 a 62), devendo concluir-se o inverso.
. A este propósito, a alegação do apelante no sentido de que “a cessão de tais quotas e subsequente fim do domínio qualificado preveniram que a Winnerholding pudesse vir a ser responsabilizada nos termos do art. 501.º do Código das Sociedades Comerciais” situa-se no domínio da mera conjetura e a factualidade assente não suporta a afirmação do administrador único da devedora insolvente, ora apelante, em 21-04-2023, que antecedeu o negócio de cessão, no sentido de “ser do interesse” da devedora “a cessão da totalidade da quota para si próprio, pelo seu valor nominal” (número 14 dos factos provados). Insiste-se, a conjugação dos vários factos provados suporta conclusão inversa.
Tendo em conta o exposto, é juridicamente irrelevante a alteração verificada no julgamento de facto. Efetivamente, mesmo aceitando que foi pago o preço da cedência das quotas, relativamente à sociedade Winnerproperties Lda, como se referiu, esse valor é claramente inferior ao valor real da quota e a subsunção do caso ao disposto na alínea d) do número 2 do art. 186.º basta-se com a prova da realização desse negócio, em proveito de outrem que não a própria sociedade devedora (“em proveito pessoal ou de terceiro”).
No mais, a propósito do outro negócio realizado (em 26-04-2023) tendo agora por referência a sociedade Winnerconstruction Lda (cfr. as conclusões n) a p)), considera-se, na sequência da alteração do julgamento de facto e uma vez que se assentou no pagamento do valor nominal da quota, que os elementos constantes dos autos não permitem concluir que esse negócio foi realizado em proveito do pessoal do apelante ou de terceiro: trata-se de negócio oneroso, com prestações recíprocas, sendo os outorgantes livres de fixar o respetivo conteúdo (art. 405.º do Cód. Civil). Em todo o caso, essa alteração não tem reflexos na qualificação da insolvência e na afetação do apelante, ainda que seja juridicamente relevante para aferição da medida concreta de inibição a aplicar ao afetado, como adiante se verá.

4. Da violação dos arts. 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)
A questão da conformidade constitucional da norma do art. 186º, nº 2, sendo que estava aí em causa, especificamente, a alínea a), foi suscitada e analisada no acórdão do TC n.º 570/2008 de 26-11-2008, proferido no processo n.º 217/08 (Relator: Conselheiro Vítor Gomes) acessível no site respetivo, tendo-se aí decidido “a) Não julgar inconstitucional a norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março”, sendo que a argumentação aí exposta vale inteiramente para a apreciação relativa a qualquer das alíneas do número 2 do referido preceito” [ [24] ].
Foi esta a fundamentação aí exposta:
“8. O acórdão recorrido interpretou a norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE como fazendo corresponder à demonstração de que o administrador da sociedade insolvente destruiu, danificou, inutilizou, ocultou, ou fez desaparecer, no todo ou em parte considerável, o patrimó­nio do devedor – conduta que considerou provada e imputou aos recorrentes – uma presunção inilidível de culpa, conducente à qualificação da insolvência como culposa com as consequências inerentes. Aliás, no mesmo sentido vai a generalidade da doutrina (Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, vol. II, pág. 14, Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, pág. 175, 2ª ed., Carneiro da Frada, A responsabilidade dos administradores na insolvência, in Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António Sousa Franco, vol. II, pág. 963). // Este entendimento implica que se considere a situação de insolvência da sociedade imputável ao administrador contra quem se prove uma das condutas previstas, sem possibilidade de o interessado demonstrar (ou de o tribunal verificar oficiosamente) que, apesar da prova do comportamento descrito na norma, o juízo de censura não se justifica (sobre o funcionamento desta presunção vide Carneiro da Frada, na ob. cit., pág. 965-966). // As presunções legais são ilações que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigo 349.º do Código Civil). Mediante a demonstração de um determinado facto (o facto base da presunção), cuja prova incumbe à parte que a presunção favorece e pode ser feita pelos meios probatórios gerais, intervém a lei para concluir pela existência de outro facto (o facto presumido). // Neste sentido, é duvidoso que na previsão do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE se instituam verdadeiras presunções. Na verdade, o que o legislador faz corresponder à prova da ocorrência de determinados factos não é a ilação de que um outro facto (fenómeno ou acontecimento da realidade empírico-sensível) ocorreu, mas a valoração normativa da conduta que esses factos integram. Neste sentido, mais do que perante presunções inilidíveis, estaríamos perante a enunciação legal (não importa aqui averiguar se mediante enunciação taxativa ou concretizações exemplificativas) de situações típicas de insolvência culposa. // De todo o modo, numa ou noutra perspectiva (presunção inilidível de culpa, factos-índice ou tipos secundários de insolvência culposa), o legislador prescinde de uma autónoma apreciação judicial acerca da existência de culpa como requisito da adopção das medidas restritivas previstas no artigo 189.º do CIRE contra os administradores julgados responsáveis pela insolvência. Ora, mais do que a determinação da natureza da norma (estabelecimento de uma presunção juris et de jure ou qualificação jurídica dos factos tipificados), o que é decisivo para a questão de constitucionalidade suscitada é que, perante a prova de determinados comportamentos dos administradores da sociedade insolvente, se conclui pela verificação desse requisito, sem necessidade, nem sequer possibilidade, de um juízo casuístico efectuado pelo julgador perante todo o circunstancialismo do caso concreto. // É esta consequência jurídica, esta limitação do campo de valoração judicial autónoma do significado normativo da conduta prevista e, correspondentemente, do âmbito da defesa potencial do interessado, que importa confrontar com as normas e princípios constitucionais alegadamente violados. // A garantia da via judiciária para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos envolve, não apenas a atribuição aos interessados de um direito de acção judicial, mas também o direito a um processo equitativo (n.º 4, do artigo 20.º, da C.R.P.). Neste direito inclui-se a proibição da indefesa, ou seja, a exigência de que o processo seja estruturado de tal modo que não impeça as partes de apresentar as suas razões de facto e de direito, de oferecer as suas provas e de controlar as provas do adversário e de discretear sobre os resultados de umas e outras (cf., referindo outros, acórdão n.º 658/06, www.tribunalconstitucional.pt). // Isso não obsta, porém, a que o legislador estabeleça presunções iuris et iure, com as consequentes limitações ao âmbito da prova dos factos que as poderiam infirmar, desde que as mesmas visem atingir um fim legítimo e não se revelem desproporcionadas. // Ora, o estabelecimento da presunção em análise tem a vanta­gem de evitar a subjectividade inerente a um juízo de censura ético-jurídico, ao mesmo tempo que supera as dificuldades de apuramento de todo o circunstancialismo que envolveu a situação de insolvência. // São objectivos perfeitamente legítimos, alicerçados não só em razões de segurança jurídica, mas também de justiça material, que justificam uma limitação ao âmbito de apreciação e, consequentemente, ao objecto de prova, mediante a imposição normativa (ex vi legis) de uma conclusão jurídica, perante a verificação de certos factos que o interessado pode discutir nos termos gerais. // Na previsão normativa em apreciação, o facto que o legislador considerou suficiente para impor a qualificação da insolvência como culposa foi a destruição, danificação, inutilização, ocultação, ou desaparecimento, no todo ou em parte considerável, do património do devedor. Ora, a prática de actos que determinem a perda ou subtracção de parte considerável dos bens que constituíam o património do comerciante em quebra, caracterizando-se a situação de insolvência por uma incapacidade do devedor de cumprimento das suas obrigações vencidas (artigo 3.º do C.I.R.E.), é determinante dessa insolvabilidade, num juízo de adequação socialnormativo (Carneiro da frada, ob. cit. pág. 966). Perante tais factos, credencia-se como razoável e adequado que, sem mais, o legislador considere a situação de insolvência culposa, para os referidos efeitos (Repare-se que a qualificação atribuída não é vinculativa para efeitos da decisão de causas penais ou de responsabilidade civil – cfr. artigo 185.º do C.I.R.E.). São tão flagrantemente reprováveis e aptos para causar a situação de insolvência que a indiscutibilidade do inerente juízo de culpa se revela adequada aos fins em vista com a qualificação da falência. // Pode, pois, concluir-se que os objectivos visados com o estabelecimento da automática inerência do juízo normativo de culpa à prova da verificação da situação descrita no artigo 186.º, n.º 2, alínea a), do C.I.R.E., são legítimos e que essa automaticidade ex vi legis se revela adequada, necessária e razoável, como meio de atingir esses objectivos, sem que o núcleo essencial da exigência constitucional do processo equitativo seja atingido, pelo que a respectiva norma não se mostra ferida de inconstitucionalidade. // Por último, não sendo a norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 286.º do C.I.R.E. que estabelece as consequências da responsabilidade pela falência culposa – estas são cominadas no artigo 189.º do C.I.R.E. – não se vislumbra fundamento mínimo para sustentar a discussão acerca da alegada violação, por aquela norma do direito ao trabalho (artigo 58.º, n.º 1 da CRP), do direito à livre escolha da profissão (artigo 47.º, n.º 1, da CRP), do direito à iniciativa económica privada (artigo 61.º da CRP) ou do direito de propriedade (artigo 62.º da CRP). // O recurso improcede, pois, quanto à norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE”.
Adere-se a esta fundamentação, que se coloca em termos perfeitamente similares quanto às demais alíneas do número 2 do referido preceito.
Concretizando, o apelante conclui que a “interpretação normativa extraída do artigo 186.º, n.º 1 do CIRE, que considere sempre a existência de insolvência culposa em resultado de uma presunção inilidível de causalidade, se resultar que do preenchimento dos factos tipos indiciadores de insolvência culposa, em particular o disposto na alínea d), do n.º 2, não resultou qualquer contributo para a criação ou para o agravamento da insolvência” (conclusão jj) (sublinhado nosso).
Em primeiro lugar, não foi essa a interpretação normativa feita pelo tribunal de 1.ª instância e reiterada por esta Relação: como resulta do que se expôs, entendeu-se aqui exatamente o contrário, isto é, considerou-se que os factos dados como assentes preenchem o índice constante da referida alínea e, por isso, na orientação que se segue, pode concluir-se pela existência de culpa e pela existência do nexo causal entre a atuação do devedor insolvente (e do proposto afetado) e a criação ou agravamento do estado de insolvência [ [25] ].
Mais ainda, considerou-se que, no caso, mesmo ultrapassando o patamar de avaliação com base em juízos presuntivos (presunções legais), os factos apurados permitem julgar verificados os pressupostos alusivos à culpa do agente e à verificação do nexo de causalidade entre a atuação deste e a criação e/ou agravamento da situação de insolvência.
Afigura-se-nos, pois, que a crítica de inconstitucionalidade não é dirigida ao legislador, por ter adotado soluções que incorporam critérios ou padrões normativos de decisão desprovidos de legitimidade constitucional, mas, diretamente, ao julgador, em virtude de erro de julgamento, nas suas dimensões interpretativa e aplicativa do direito ordinário, à luz de princípios com assento constitucional.
De todo o modo, mesmo que se configurem tais questões de inconstitucionalidade como normativas – e só estas são abrangidas pelos artigos 204.º e 280.º da Constituição – certo é que, nem o tribunal recorrido, nem este tribunal, adotou ou fez aplicação de tais interpretações.
O entendimento assinalado na decisão recorrida e que se partilha, de que a insolvência de uma sociedade comercial deve ser qualificada como culposa demonstrada que esteja a verificação da factualidade subsumível à previsão de qualquer uma das alíneas do n° 2 do art. 186° –  os factos índice ou factos base –, nomeadamente, no que ao caso interessa, a referia alínea d), não comporta o sentido que lhe é assinalado pelo apelante, ficcionando o apelante uma interpretação que não foi feita. Na verdade, o grau de escrutínio quanto à verificação do facto base da presunção é intenso e não se considera que o gerente/administrador de sociedade é sempre responsável por qualquer irregularidade ou vício de gestão, de natureza formal ou substancial, independentemente da respetiva natureza e dos seus poderes, muito menos que se possa ignorar as circunstâncias do caso [ [26] ]. Daí a análise que se efetuou no ponto 3, quanto à atuação do apelante, ponderando os termos do contrato de cessão de quotas outorgado em 09-05-2023 e o contexto em que o foi, ponderando a situação das duas sociedades (a insolvente e a Winnerproperties), sendo que o apelante era única entidade com poderes para vincular a sociedade devedora/insolvente e as demais sociedades do grupo Winner, nomeadamente, no que ora interessa, a Winnerproperties (cfr. os números 4 a 6 dos factos provados).
Improcede a arguição.

5. Da “inconstitucionalidade do artigo 189.º, n.º 2, alíneas b) e c) 
Os insolventes insurgem-se contra a decisão indicando que, com referência a tais alíneas, “conjugadas com o n.º 3 desse diploma legal, continuam a atentar contra os referidos normativos da Lei Fundamental, sendo inconstitucionais”. Alega que o afetado “pela qualificação da insolvência como culposa, vê os seus direitos coartados, não podendo, durante esse período de tempo, escolher livremente a sua profissão (art. 47º da Constituição da República Portuguesa), exercer o direito à iniciativa económica privada (art. 61º da Constituição da República Portuguesa) ou, plenamente, exercer o seu direito de propriedade, artigos 47.º, 61.º e 62.º da Lei Fundamental. // Essa inibição condiciona e reflecte-se sobre a capacidade civil do Recorrente e mancha, de forma automática, o seu bom nome, ao ser dada publicidade ao que foi judicialmente determinado, violando os direitos tutelados pelo 26.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.” – cfr. a conclusão kk) e o corpo das alegações de recurso. Referindo-o expressamente, em nota de rodapé, o apelante convoca argumentação expendida no acórdão n.° 173/2009 do TC, de 02-04-2009.
Vejamos
O art. 189.º fixa o conteúdo da sentença que qualifique a insolvência como culposa, quanto aos efeitos associados a essa qualificação, nomeadamente efeitos pessoais [ [27] ], incidindo sobre a(s) pessoa(s) afetadas pela qualificação.
O preceito, sob a epígrafe “[s]entença de qualificação”, dispõe:
“1 - A sentença qualifica a insolvência como culposa ou como fortuita.
2 - Na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve:
a) Identificar as pessoas, nomeadamente administradores, de direito ou de facto, técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas, afetadas pela qualificação, fixando, sendo o caso, o respetivo grau de culpa;
b) Decretar a inibição das pessoas afetadas para administrarem patrimónios de terceiros, por um período de 2 a 10 anos;
c) Declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;
d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
e) Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, considerando as forças dos respetivos patrimónios, sendo tal responsabilidade solidária entre todos os afetados.
3 - A inibição para o exercício do comércio tal como a inibição para a administração de patrimónios alheios são oficiosamente registadas na conservatória do registo civil, e bem assim, quando a pessoa afetada for comerciante em nome individual, na conservatória do registo comercial, com base em comunicação eletrónica ou telemática da secretaria, acompanhada de extrato da sentença.
4 - Ao aplicar o disposto na alínea e) do n.º 2, o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas ou, caso tal não seja possível em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença”.
Esta redação foi introduzida pela Lei 16/2012, de 20-04 [ [28] ] e com a mesma o legislador corrigiu vício de inconstitucionalidade que vinha sendo apontado pela doutrina e em várias decisões judiciais, culminando com o referido acórdão do TC nº 173/2009, não se cuidando aqui de avaliar o mérito da solução encontrada [ [29] ] [ [30] ] [ [31] ].
É essa discussão que o apelante pretende retomar, sem fundamento em face da alteração da redação do diploma [ [32] ]. Efetivamente, deixou de se aludir à sanção da “inabilitação”, sendo que era essa imposição, como efeito necessário da situação de insolvência culposa, que foi entendida como violadora do art. 18.º, n.º 2 e o artigo 26.º da Constituição, na parte em que este último reconhece o direito à capacidade civil. Considerou-se, em síntese, e fazendo referência a anteriores arestos, que a inabilitação prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE só podia ser configurada como tendo um alcance punitivo, traduzindo-se numa verdadeira pena para o comportamento ilícito e culposo do sujeito atingido. “Essa "pena" fere o sujeito sobre quem recai com uma verdadeira capitis diminutio, sujeitando-o à assistência de um curador (artigo 190.º, n.º 1). Ele perde a legitimidade para a livre gestão dos seus bens, mesmo os não apreendidos ou apreensíveis para os fins da execução, situação que se pode prolongar para além do encerramento do processo [artigo 233.º, n.º 1, alínea a)]. Consequência que, tendo também presente a globalidade dos efeitos da insolvência, e em particular a inibição para o exercício do comércio, não pode deixar de ser vista como inadequada e excessiva. O que tudo leva a concluir pela desconformidade do artigo 189.º, n.º 2, alínea b), do CIRE com o artigo 26.º, conjugado com o artigo 18.º, da Constituição da República”.
Ora, na sentença recorrida aplicou-se à pessoa afetada pela qualificação a medida de inibição e não a sua inabilitação, pelo que não tem razão de ser a crítica dos apelantes, afigurando-se-nos ser orientação jurisprudencial prevalecente a que considera que as medidas de inibição a que alude o artº. 189º, nº.  2, alíneas b) e c), não ofendem qualquer parâmetro constitucional, mormente o princípio da proporcionalidade, tanto mais que não se acolheu interpretação, nem fez aplicação, de entendimento que desconsidere, na definição da medida da inibição, a conduta do administrador apelante e as necessidades do caso, ou um qualquer automatismo judiciário.
Como se referiu aquando da prolação do despacho que manteve ao recurso interposto pelo apelante efeito meramente devolutivo, mesmo que se admita que a sentença proferida no âmbito do presente processo, mormente quando se concluiu pela qualificação da insolvência e afetação do seu administrador/gerente, como aqui acontece, possa ter alguns reflexos de âmbito pessoal, a nível do administrador/gerente, afetando interesses que têm tutela constitucional uma vez que o legislador consagrou expressamente o direito à liberdade de exercício da profissão e o direito à iniciativa privada ou atividade económica (arts. 47.º e 61.º da CRP, respetivamente) também é certo que resulta do disposto nos citados preceitos que o exercício desses direitos está sujeito a restrições em função do “interesse coletivo” (art. 47.º, n.º 1) e tendo em conta o “interesse geral” (art. 61.º, n.º 1). Acrescente-se que está inteiramente sedimentado na jurisprudência constitucional o entendimento que nem a liberdade de escolha da profissão, nem a liberdade de iniciativa privada são direitos absolutos, estando sujeitos, no seu exercício, às restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à própria capacidade dos interessados ou ao interesse geral [ [33] ] [ [34] ].
O que nos conduz a outra questão suscitada pelo apelante, de índole diversa – ainda que este a tenha enquadrado na mesma temática (cfr. o corpo das alegações de recurso, sob a epígrafe “A INCONSTITUCIONALIDADE (por um lado) E A VIOLAÇÃO (por outro) DO DISPOSTO NO ARTIGO 189.º, N.º2 DO CIRE)” e a referida conclusão kk) –, a saber, a adequação da inibição concretamente aplicada ao apelante, questão que passamos a analisar.

6. Da adequação da medida de inibição aplicada ao apelante (art. 189.º, n.º 2, alíneas b) e c)
O tribunal aplicou ao administrador da devedora as medidas a que alude o art. 189.º, nº2, alíneas b) e c), fixando a inibição deste “para o exercício da administração de patrimónios de terceiros, para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão da sociedade comercial ou civil, associação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa” pelo período de 6 (seis) anos. O apelante alega, essencialmente, que “[a] severidade da condenação não encontra respaldo em qualquer racional associado à qualificação da insolvência, tal como a mesma foi pensada no CIRE”.
A moldura da inibição para o exercício das atividades e funções aludidas nas alíneas b) e c) do nº 2 do art. 189.º foi estabelecida entre um período de 2 (dois) a 10 (dez) anos; donde, a zona mediana da esfera de proteção da norma situa-se nos seis anos, exatamente a medida concretamente aplicada ao apelante.
O legislador não especifica qualquer critério de determinação da medida de inibição, entendendo-se que essa fixação deve ser feita em função da culpa do agente e das circunstâncias do caso, quer as que militam a favor, quer contra as pessoas afetadas pela qualificação, ponderando a ratio que preside à imposição da medida de inibição, que não reside, essencialmente, na vertente sancionatória, mas na de prevenção, tendo em vista a proteção do comércio em geral [ [35] ] [ [36] ] [ [37] ].
Assim, releva, nomeadamente:
- O grau de ilicitude do facto, não sendo irrelevante a subsunção da atuação da pessoa afetada pela insolvência a uma ou mais das hipóteses tipificadas nas várias alíneas dos nºs 2 e 3 do art.186.º; a ilicitude será tanto maior quantas as modalidades de conduta tipificadas pelo legislador nessas alíneas dos nºs 2 e 3 do art.186.º se mostrarem concretamente preenchidas; ou, no âmbito da mesma alínea, a reiteração de várias condutas ou comportamentos, ao longo do período juridicamente relevante;
- A gravidade das suas consequências, refletidas no universo dos créditos em concurso e ponderando o seu grau de satisfação pelas forças da massa;
- A intensidade do dolo;
- As condições pessoais do agente;
- A conduta anterior e posterior à declaração de insolvência, nomeadamente quando esta seja destinada à reparação dos danos causados aos credores.
No caso, mesmo que se considerasse que o grau de ilicitude não é particularmente elevado, porquanto a infração praticada pelo apelante se subsumiu, exclusivamente, à conduta tipificada na referida alínea d) do número 2 do art. 186.º – o tribunal afastou a subsunção do caso a outras alíneas, tendo a decisão, nessa parte, transitado em julgado e não podendo esta Relação sindicar esse juízo –, sempre teríamos de relevar os demais fatores de ponderação, não se justificando reduzir a medida aplicada para o mínimo legal, de dois anos, como parece entender o apelante, em segunda linha.
É que, ao contrário do que o apelante insiste em alegar, a factualidade assente suporta a afirmação de prejuízos para os credores, sendo acentuado o desvalor da sua conduta, particularizando-se o elevado valor da dívida da insolvente, superior a três milhões e quinhentos mil euros, dos quais a dívida perante o Fundo de Garantia Salarial, Autoridade Tributária e Segurança Social atinge os 868.533,42€, o que causa perplexidade considerando o curto período em que a sociedade devedora atuou no mercado: a sociedade foi constituída em janeiro de 2021, no decorrer do mês de dezembro desse ano procedeu-se a uma restruturação dos serviços, passando todos os trabalhadores das empresas do grupo a integrar a estrutura da devedora insolvente, o processo de insolvência deu entrada em junho de 2023, por impulso de credores trabalhadores e a insolvência declarada em outubro de 2023.
Por outro lado, entendemos que a culpa do apelante é muito elevada, afigurando-se que o modelo de gerência/administração personificado pelo apelante é exatamente aquele que o legislador rejeita e que penalizou com o regime normativo em vigor. O apelante era o administrador único da insolvente e quem igualmente geria todas as outras cinco sociedades do grupo, duas das quais também já foram declaradas insolventes, sendo ainda particularmente impressivo que o apelante seja ainda sócio de outras sociedades por quotas, mais precisamente, nove sociedades, que se constituem devedoras da insolvente, não tendo o administrador da insolvência recuperado esse crédito (número 57 dos factos provados).    
No entanto, considerando que se desconsiderou o negócio realizado em 26-04-2023 alusivo à cessão da quota da sociedade Winnerconstruction Lda não podendo, pois, extrair-se do comportamento do apelante que este reincidiu nesse tipo de atuação, justifica-se diminuir a medida fixada pelo tribunal de 1.ª instância, afigurando-se equilibrada a aplicação de um período de quatro anos de inibição, procedendo, pois, parcialmente, a pretensão recursiva. Ainda assim, não se justifica a aplicação de sanção mais leve, pela completa ausência de fatores que militem a favor do apelante.
 
7. Da condenação do apelante no pagamento de uma indemnização (art. 189.º, n.º2, alínea e)
A 1.ª instância condenou o apelante “a indemnizar os seus credores no valor de € 1.350,00 (valor nominal da quota que a Insolvente detinha na Winnerconstruction), acrescido da diferença entre o valor de € 511.991,68 (quinhentos e onze mil, novecentos e noventa e um euros e sessenta e oito euros) (correspondente ao valor mínimo do dano resultante da cedência da quota que a Insolvente detinha na sociedade Winnerproperties) e o valor que vier a ser obtido com a liquidação da referida quota nos autos de insolvência (na sequência da sua restituição à massa insolvente decorrente da validade da resolução em benefício da massa insolvente, reconhecida no apenso F). Caso o valor assim apurado seja superior ao valor dos créditos verificados que não obtenham satisfação, o valor da indemnização corresponderá a este último valor”.
O apelante não questiona os parâmetros fixados pelo tribunal para a ponderação da responsabilidade civil que impende sobre o apelante, mas, tão somente, os termos em que a 1.ª instância concluiu pela indemnização devida, sendo certo que a 1.ª instância não fixou em valor certo o montante a indemnizar.
Aceitando-se esses parâmetros e aderindo-se inteiramente ao aresto referido na sentença recorrida (acórdão do TRL de 16-01-2024, processo: 18172/20.6T8LSB-B.L1-1, Relator: Amélia Sofia Rebelo), o raciocínio feito pela 1.ª instância, contra o qual se insurge o apelante, foi o seguinte:
“No que diz respeito à quota que a Insolvente detinha na Winnerconstruction e que foi cedida pelo seu valor nominal de € 1.350,00, desconhecemos qual o seu valor de mercado aquando da efetivação da apreensão de bens por parte do Sr. Administrador da Insolvência (se não tivessem sido cedidas as quotas da Insolvente, estariam na propriedade da devedora e seriam assim apreendidos, com fixação do respetivo valor). // Considerando, no entanto, que a referida sociedade fora constituída três meses antes da aludida cessão, com o capital social de € 1.500,00, e tratando-se de uma sociedade que não era titular de quaisquer ativos, bens ou direitos, consideramos razoável, na falta de outros elementos, fixar o valor do dano, neste segmento, no valor nominal da quota que, de resto, não foi liquidado à Insolvente, ou seja, em € 1.350,00. // Já em relação à quota que a Insolvente detinha na Winnerproperties e que foi cedida pelo seu valor nominal de € 1.050,00, que também não foi pago, importa ter presente que a mesma abrangia, à data da cessão, o valor do património societário decorrente, pelo menos, do valor do imóvel identificado no ponto 17, al. b) (vendido em ação executiva no passado mês de janeiro de 2025 pelo valor de € 683.200,00) e da última tranche do preço devido pela venda das frações B” e “C”, do prédio urbano identificado no ponto 17 alínea a), mais concretamente o valor de € 46.716,68, entregues à Winnerproperties, a 5 de junho de 2023, na proporção da percentagem no capital social da quota cedida, pertença da Insolvente, ou seja, 70% (facto provado n.º 11). // Ora, considerando o valor nominal da quota cedida e, bem assim, o valor do património societário à data da cessão nos termos acima referidos, correspondente à percentagem da quota da Insolvente (70% do capital social), consideramos que o valor mínimo do dano corresponde, neste segmento, a € 511.991,68 [€ 1.050,00 + € 510.941,68 (€ 683.200,00 + € 46.716,68 x 70%)]. // O mesmo é dizer que o valor do património envolvido nos atos praticados pelo requerido ascende a um total de € 513.341,68 (€ 1.350,00 + € 511.991,68), pelo que, pelo menos em termos aproximados, seria este o valor que era expectável obter com a liquidação dos bens na insolvência, pelo que o dano a indemnizar não será superior a esse valor. // É verdade que o imóvel identificado no ponto 17, al. b) dos factos provados foi, entretanto, vendido em ação executiva no passado mês de janeiro de 2025 pelo valor de € 683.200,00, valor que beneficiou a credora LCPT (factos provados n.ºs 76 e 77). // No entanto, se a quota que a Insolvente detinha na Winnerproperties (e o património societário decorrente) tivesse sido apreendida e vendida na insolvência, o seu valor reverteria para pagamento dos créditos privilegiados reconhecidos aos trabalhadores, Autoridade Tributária e Segurança Social, no montante global de € 868.533,42 (facto provado n.º 75) e não para a credora LCPT, credora comum, pelo que é inócuo, para efeitos de fixação do valor indemnizatório, que esta credora LCPT tivesse visto o seu crédito sobre a Insolvente parcialmente pago. // Ou seja, não obstante a redução do crédito da credora LCPT, o dano – que, como vimos, corresponde ao valor dos créditos que não venham a ser satisfeitos no processo de insolvência e que seriam satisfeitos caso os bens em causa tivessem sido apreendidos e liquidados nestes autos -, não foi reparado (ao menos parcialmente), na justa medida em que não foram pagos os créditos privilegiados dos trabalhadores e Autoridade Tributária, que tinham precedência sobre o crédito comum da LCPT. // Em face do exposto e sem esquecer a resolução em benefício da massa insolvente decidida no apenso F, por sentença mantida pelo Tribunal da Relação de Lisboa e pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr. acórdão junto ao r/ de 26/05/2025), podemos concluir que àquele valor mínimo do dano de € 511.991,68, importará deduzir o valor que vier a ser obtido com a efetiva liquidação na insolvência da referida quota. // Assim, o valor da indemnização a pagar (eventualmente) pelo requerido, afetado pela qualificação da insolvência deverá corresponder ao valor nominal da quota que a Insolvente detinha na Winnerconstruction, acrescido da diferença entre o supra referido valor mínimo do dano resultante da cedência da quota que a Insolvente detinha na sociedade Winnerproperties (ou seja, € 511.991,68) e o valor que vier a ser obtido com a liquidação da referida quota nos autos de insolvência, em face da validade da resolução em benefício da massa insolvente, reconhecida no apenso F e da restituição à massa insolvente que daí decorre da referida quota. // Caso o valor assim apurado seja superior ao valor dos créditos verificados que não obtenham satisfação, o valor da indemnização corresponderá a este último valor” (destaque nosso).
O raciocínio exposto está correto e a única alteração que se impõe decorre da alteração introduzida quanto à matéria de facto, porquanto se considerou como recebido o valor nominal das quotas. Assim sendo, há apenas que retirar da equação definida pela 1.ª instância, os valores de 1.350,00 alusivos à quota que a insolvente detinha na Winnerconstruction e o valor de 1.050,00€ relativo à quota na Winnerproperties.
No mais, a alegação do apelante em sede de recurso não procede, porquanto parte de pressupostos de facto que não estão verificados, a saber, a “ausência de prejuízos” e que o pagamento alusivo ao valor da última prestação convencionada no contrato promessa (46.716,68€) “foi alocado a responsabilidades tributárias e laborais da empresa proprietária”; salienta-se que o apelante refere ainda que “[e]sta afirmação não é contestada, nem contrariada por nenhuma prova documental junta aos autos e consta da petição inicial que motivou o apenso F destes autos. // Pelo que, desse valor nada era lucro a quinhoar entre os sócios”, tendo-se por evidente que esse juízo factual é impertinente nesta fase processual e nestes autos. No mais, quanto ao valor da quota da sociedade Winnerproperties, remete-se para o que já se referiu supra a esse propósito.  
Em suma, justifica-se a condenação do apelante a indemnizar os credores no montante correspondente à diferença entre o valor de 510.941,68€ (511.991,68€ – 1.050,00€) (quinhentos e dez mil, novecentos e quarenta e um euros e sessenta e oito cêntimos) (correspondente ao valor mínimo do dano resultante da cedência da quota que a Insolvente detinha na sociedade Winnerproperties) e o valor que vier a ser obtido com a liquidação da referida quota nos autos de insolvência (na sequência da sua restituição à massa insolvente decorrente da validade da resolução em benefício da massa insolvente, reconhecida no apenso F). Caso o valor assim apurado seja superior ao valor dos créditos verificados que não obtenham satisfação, o valor da indemnização corresponderá a este último valor.
*
Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por LE e, consequentemente:
1. Altera-se a factualidade dada por assente nos termos supra indicados;
2. Declara-se o requerido LE inibido pelo período de 4 (quatro) anos, para o exercício da administração de patrimónios de terceiros, para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão da sociedade comercial ou civil, associação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa;  
3. Condena-se o apelante a indemnizar os credores no montante correspondente à diferença entre o valor de 510.941,68€ (quinhentos e dez mil, novecentos e quarenta e um euros e sessenta e oito cêntimos) e o valor que vier a ser obtido com a liquidação da referida quota nos autos de insolvência e, caso o valor assim apurado seja superior ao valor dos créditos verificados que não obtenham satisfação, o valor da indemnização corresponderá a este último valor;
4. No mais, mantém-se a sentença recorrida.
5. Custas pelo apelante, na proporção de 80%, proporção que se afigura equilibrada ponderando o seu grau de decaimento (art. 527.º, n.º1 do CPC).
6. Notifique.
*
Lisboa, 28-10-2025
Isabel Fonseca
Ana Rute Costa Pereira
Amélia Sofia Rebelo
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[1] Indicando-se como segue, relativamente aos factos referidos sob os números 76 e 77: “[c]om base no teor dos documentos que acompanham os requerimentos juntos em 06/05/2025, no apenso A, pela credora LCPT, e em 30/05/2025, neste apenso B, pela Insolvente e requeridos, considero igualmente provados os seguintes factos, com relevo para a decisão a proferir”.
[2] É evidente, decorrendo do próprio texto das alegações de recurso, que a referência ao número 17 dos factos dados como provados se deve a lapso, porquanto a factualidade a que o apelante se reporta foi consignada sob o número 16 e não 17, sendo que a matéria consignada sob o número 17, alusiva aos bens imóveis de que a sociedade Winnerproperties era proprietária, não foi minimamente questionada pelo apelante.
[3] Quando refere que, inquirido expressamente pela Juiz quanto ao pagamento do preço da cessão das quotas o AI respondeu negativamente, explicitando, segundo a transcrição do apelante, cuja fidedignidade não foi posta em causa pela apelada, como segue: “O que é que sucede? As quotas continuavam registadas na titularidade da Holding, mas já estavam vendidas. Também não estavam pagas, como é lógico: não tinha sido registada a alienação delas, também não estavam pagas. Certo é - ao contrário do que está dito na escritura - que foram pagas. Não, não foram pagas”.
[4] Com a seguinte redação:
“4. A Winnerproperties, sociedade por quotas, pessoa coletiva n.º 515173215 e com o capital social de € 1.500,00, foi constituída a 28/11/2018, tendo como sócios o Autor, LE, com uma quota no valor nominal de €1.050,00, e PC, com uma quota no valor nominal de € 450,00. // 5. Em assembleia geral extraordinária da sociedade Winnerproperties, Lda., realizada em 28/03/2022, foi deliberada a cedência, pelo Autor à Insolvente, da quota que aquele detinha na referida sociedade pelo preço de € 1.050,00, correspondente ao valor nominal da quota cedida. // 6. Mediante contrato denominado “Cessão de Quota”, celebrado em 09/05/2023, a Insolvente declarou ceder ao Autor, que aceitou, a quota que detinha na sociedade Winnerproperties, Lda., no valor nominal de € 1.050,00, mediante o pagamento do preço correspondente ao valor nominal da quota cedida. // 7. Atualmente, a Winnerproperties, Lda., é detida, pelos seus beneficiários efetivos, o Autor, titular de uma quota societária no valor nominal de € 1.050,00 e PC, titular de uma quota no valor nominal de € 450,00, ou seja, retomando a mesma realidade societária que a existente à data da sua constituição. // 8. Em 09/05/2023, a Winnerproperties, Lda., era proprietária dos seguintes imóveis: // a. Frações autónomas designadas pelas letras “B” e “C”, do prédio urbano sito na freguesia de Belém, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 2683 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 3182, cada fração correspondente a 353m2; // b. Prédio urbano sito na união de freguesias do Montijo e Alfonsoeiro, concelho do Montijo, descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o n.º 1014 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 6624”. 

[5] Com o seguinte segmento dispositivo:
“Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em, julgando integralmente procedente a apelação, revogar a decisão recorrida e, em consequência:
- Declaram inválidas e ineficazes as resoluções levadas a cabo pela massa insolvente mediante as cartas de 17/01/2024 do Sr. Administrador da Insolvência de Winnerholding Portugal, SA, mantendo-se a aquisição pelos AA. LE e PC, respetivamente, das quotas no valor nominal de € 750,00 e de € 600,00 no capital social da sociedade Winnerconstruction, Lda.
Custas na presente instância recursiva pela recorrida, sem prejuízo do beneficio de apoio judiciário.
Notifique”.
 
[6] Com a seguinte redação:
“6. A Winnerconstruction, Lda., sociedade por quotas, pessoa coletiva n.º 517276950 e com o capital social de € 1.500,00, foi constituída a 11 de janeiro de 2023, tendo, inicialmente, como sócios e beneficiários efetivos a Insolvente, detentora de uma quota com o valor nominal de € 1.350,00, e o Autor, LE, detentor de uma quota com o valor nominal de € 150,00 e gerente da suprarreferida empresa. // 7. Mediante contrato denominado “Contrato de Divisão, Cessão e Unificação de Quotas”, cujo teor damos por reproduzido, celebrado em 26/04/2023 entre a Insolvente, na qualidade de cedente, e os Autores, na qualidade de cessionários, a primeira declarou proceder à divisão da totalidade da sua quota na sociedade Winnerconstruction, Lda., no valor nominal de € 1.350,00, representativa de 90% do capital social, em duas novas quotas, uma no valor nominal de € 750,00 e outra no valor nominal de € 600,00, e declarou igualmente cedê-las, a primeira ao Autor e a segunda à Autora, mediante o pagamento do preço correspondente ao valor nominal das quotas cedidas”.
[7] Saliente-se que a situação de facto analisada em ambos os arestos não é similar, basicamente porque se apurou, exatamente nos mesmos termos do que aqui aconteceu, que a sociedade Winnerproperties era, à data do contrato de cessão, titular do direito de propriedade incidindo sobre vários imóveis, ao contrário do que acontecia com a sociedade Winnerconstruction, que não era titular de quaisquer ativos, bens ou direitos.

[8] Como se referiu no acórdão deste TRL de 10-07-2025 (processo: 1932/19.8T8PDL-E.L1-1, Relator: Isabel Fonseca), acessível in www.dgsi.pt, como todos os demais a que aqui se fizer referência:
“1. Os efeitos do caso julgado material podem ser vistos numa dupla perspetiva, tratando-se de realidades distintas: a exceção de caso julgado, exceção dilatória a que alude o art. 577.º, alínea i) do CPC, aferindo-se pela identidade dos sujeitos, pedido e causa de pedir (art. 581.º do CPC), pressupondo a repetição de uma causa; trata-se de exceção de conhecimento oficioso e dá origem à absolvição da instância (arts. 578.º e 576.º, n.º 2 do CPC); e a autoridade do caso julgado, que importa a aceitação de decisão proferida anteriormente, noutro processo, cujo conteúdo importa ao presente e que se lhe impõe, assim obstando que uma determinada situação jurídica ou relação seja novamente apreciada, considerando parte da jurisprudência e doutrina que, nesta aceção, não se exige a tríplice identidade, mas exige-se sempre coincidência de identidade entre os sujeitos processuais
2. Do ponto de vista subjetivo, o caso julgado (na sua aceção ampla) tem eficácia restrita àqueles que tiveram intervenção no respetivo processo, exatamente em face da oportunidade que aí tiveram de influenciar o resultado da ação (dimensão substancial do princípio do contraditório); essa regra, no entanto, pode ceder, aceitando-se que, em determinadas situações, a eficácia do caso julgado se possa projetar na esfera jurídica de terceiros (eficácia reflexa ou extensão do caso julgado), desde que o terceiro manifeste a sua concordância.
3. A eficácia do caso julgado material incide sobre a parte dispositiva da sentença, podendo ainda estender-se à decisão das questões prévias suscitadas no processo. Ainda que se reconheça que a eficácia do caso julgado não incide concreta e individualmente sobre cada um dos fundamentos de facto enunciados na decisão (factos provados), ponderando o raciocínio silogístico com base no qual se deve elaborar a decisão e que constitui o antecedente lógico da respetiva parte dispositiva, tem de se reconhecer igualmente que os termos em que a solução jurídica do pleito foi construída, na sua parte factual e jurídica, não são irrelevantes para a conformação da nova decisão; outra interpretação, mais restritiva, é suscetível de contender com a ratio que preside ao instituo do caso julgado material”.

[9] Carvalho Fernandes e João Labareda, 2015, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Lisboa: Quid Juris, p. 680.

[10] Luís Menezes Leitão, 2019, Direito da Insolvência. Coimbra: Almedina, pp. 285-286.

[11] Assim:
Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: (…)” (sublinhado nosso). 

[12] No sentido de que o “nº 2 do art. 186º do CIRE estabelece presunções iuris et de iure, quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade do comportamento do insolvente, para a criação ou agravamento da situação de insolvência” cfr., entre outros, o ac. STJ de 15-02-2018, processo:7353/15.4T8VNG-A.P1.S1 (Relator: José Rainho); no mesmo aresto considerou-se que “[a] presunção de culpa fundada na alínea d) do nº 2 do art. 186º do CIRE aplica-se ao insolvente pessoa singular, sendo para o caso indiferente que não seja uma empresa ou que não seja comerciante”. Esse entendimento é largamente maioritário da jurisprudência, sendo partilhado pela 1.ª secção deste TRL
Na doutrina, no mesmo sentido, considerando que verificados os factos tipificados no art. 186º, nº2 o juiz terá necessariamente de decidir no sentido da qualificação da insolvência como culposa, cfr. Menezes Leitão, obr. e loc. citados e Carvalho Fernandes e João Labareda, obr. e loc. citados. 

[13] A propósito do nº 2 do art. 186.º escreve Maria do Rosário Epifânio:
 “A doutrina e jurisprudência têm-se questionado acerca do alcance destas presunções: será que também se presume o nexo de causalidade entre a conduta legalmente tipificada e a criação ou agravamento da situação de insolvência? // No direito espanhol, fonte direta da inspiração do nosso legislador, a doutrina tem considerado que a prática dos factos elencados é suficientemente gravosa para legitimar a presunção de tal nexo de causalidade. (…) // Tratando-se de presunções inilidíveis, quando se preencha alguns dos factos elencados no nº2 do art. 186º, a única forma de escapar à qualificação da insolvência como culposa será a prova, pela pessoa afetada, de que não praticou o ato” (2019, Manual de Direito da Insolvência, Coimbra: Almedina, pp.154-155).   

[14] Há autores que distinguem entre a previsão contida nas alíneas a) a g) do nº2 do art. 186º, a contida nas alíneas h) e i) do mesmo nº2 e a previsão do nº 3 do art. 186º; os factos descritos nas alíneas a) a g) “correspondem indiscutivelmente a presunções (absolutas) de insolvência culposa (ou de culpa na insolvência)” (Catarina Serra, 2012, O Regime Português da Insolvência. Coimbra: Almedina, pp.140-141); cfr., ainda, o ac. STJ de 23-10-2018, processo: 8074/16.6T8CBR-D.C1. S2 (Relator: Catarina Serra).  

[15]  Menezes Leitão, obr. cit. p. 286.

[16] Manuel de Andrade, 1987, Teoria Geral da Relação Jurídica. Vol. I, Coimbra: Almedina, p. 206. Cfr. o Capítulo II, a propósito do conceito de “coisas” e “património”, pp.199-217. 

[17]  Sendo que se introduz um conceito gradativo, a carecer de preenchimento, já que se exige que o património seja atingido “no todo ou em parte considerável”.

[18] Em que a ora relatora teve intervenção como 2.ª adjunta.
[19] Em 06-05-2025 a credora LCPT, Unipessoal Lda, veio indicar no processo (apenso A) que “recuperou” o valor de 383.911,48€, requerendo que o valor que aqui reclamou seja reduzido naquele montante, sendo que se trata de credora comum.

[20] Como corretamente assinalado na sentença recorrida:
“Foi o requerido LE quem, na qualidade de administrador único da Insolvente, subscreveu a “Resolução do Administrador Único” constante da ata n.º 3, datada de 21/04/2023, e decidiu ser do interesse da Insolvente, por um lado, a cessão para si próprio e pelo seu valor nominal, da quota que a Insolvente que detinha na sociedade Winnerproperties, e, por um lado, a divisão e a cessão da totalidade da quota detida pela Insolvente na Winnerconstruction para si próprio e para PC, também pelo seu valor nominal. // E foi na sequência dessa “Resolução do Administrador Único” que vieram a ser celebrados os contratos denominados “Cessão de Quota” e “Contrato de Divisão, Cessão e Unificação de Quotas” em 09/05/2023 e 26/04/2023, respetivamente”.

[21] Como refere Remédio Marques, “[a] penhora da quota atinge os direitos patrimoniais que lhe são inerentes” (CSC Em Comentário, coordenação de Coutinho de Abreu, 2016, Vol. III, Coimbra, Almedina, p. 554).

[22] Na sentença que declarou a insolvência da devedora, proferida em 17-10-2023 e transitada em julgado deu-se como assente que a requerida não tem dinheiro disponível para proceder ao pagamento das suas dívidas e não tem património mobiliário ou imobiliário conhecido, para além das participações sociais nas sociedades que gere” (número 36 dos factos provados). E, conforme resulta do apenso D), os únicos bens apreendidos à insolvente foram, em 21-02-2024 um saldo bancário de 45.900,83€ e em 14-05-2024 bens móveis (vários monitores), avaliados em 400,00€.    

[23] Conforme resulta da sentença de verificação e graduação de créditos proferida em 09-07-2025 (apenso A), transitada em julgado, salientando-se o montante devido ao Fundo de Garantia Salarial, de 346.505,00€, os créditos ao Estado, no valor de 321.433,85€ e 200.594,57€ (Autoridade Tributária e Segurança Social, respetivamente), e os demais créditos comuns, no valor de 2.702 077,41€ - cfr. ainda a factualidade aqui dada por assente sob o número 75.
[24] Cfr., ainda, sobre essas questões, quer na ponderação da culpa, quer do nexo de causalidade, o acórdão nº 136/20 de 03-03-2020, processo 804/19 (Relator: Lino Rodrigues Ribeiro).
[25] A afirmação vertida no corpo das alegações de recurso, a este propósito e antecedendo “argumentos de ordem constitucional” convocados, não tem, pois, qualquer suporte factual sendo desconforme à realidade dos factos: “[e]xistindo evidência de que a cessão de quotas não só não foi prejudicial para a Winnerholding e, por conseguinte, para os seus credores, // E existindo argumentos irrefutáveis no sentido de entender que tais cessões foram benéficas para Winnerholding e, por conseguinte, para os seus credores, // A decisão que qualifica a presente insolvência como culposa violou, assim, o disposto no artigo 186.º, n.º 1, do CIRE. // Neste ponto, adicionalmente a todo o supra exposto, convocam-se os argumentos de ordem constitucional esgrimidos pelos Autores supra referidos, no sentido de ser inconstitucional, por violação no disposto nos artigos 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação normativa extraída do artigo 186.º, n.º 1, do CIRE, que considere sempre a existência de insolvência culposa em resultado de uma presunção inilidível de causalidade, se resultar que do preenchimento dos factos tipos indiciadores de insolvência culposa, em particular o disposto na alínea d), do n.º 2, não resultou qualquer contributo para a criação ou para o agravamento da insolvência. // Estando associadas à declaração de insolvência culposa consequências gravosas tanto a nível pessoal, como a nível patrimonial ‒ cf. artigo 189.º do CIRE ‒ não é admissível que os visados não possam, sem violação do princípio da proporcionalidade e do princípio da indefesa, provar que a situação de insolvência ou agravamento de insolvência não resulta dos factos genericamente apurados como preenchendo a previsão normativa de uma qualquer das alíneas do n.º 2, do artigo 186.º do CIRE. // Em face do exposto, fica evidenciada a apreciação errada que o Tribunal de Primeira Instância fez, quanto a esta matéria, da prova produzida e do Direito ao mesmo aplicável, devendo de ser revogada por decisão que reconheça a qualificação da insolvência como fortuita e que, pelo menos, absolva o Recorrente de ser afectado por uma qualificação culposa” (sublinhado nosso).  
[26] Mas não pode estranhar-se a afetação do gerente, verificado o condicionalismo legal. Como se referiu no acórdão do TRC de 16-06-2015, processo: 1033/13.2TBFIG-B.C1 (Relator: Barateiro Martins), “[v]ale isto para dizer e explicar que, sendo assim, a qualificação, como culposa, da insolvência duma sociedade por quotas tem necessariamente que afectar e que se reflectir sobre as pessoas que constituem o órgão que forma e manifesta a sua vontade; sobre as pessoas – enquanto elementos e “partes componentes” da sociedade – que não cumpriram os deveres societários, o mesmo é dizer, o gerente nomeado”, acrescentando-se, em nota, que “[c]omo é evidente, se afectasse apenas o ente jurídico autónomo, seria bastante inócuo”.
 
[27] “As consequências da declaração de insolvência caracterizam-se pela patrimonialidade.
Porém, no caso de qualificação da insolvência como culposa, aos efeitos patrimoniais da declaração de insolvência podem somar-se efeitos pessoais, quer relativamente à pessoa do devedor – se for uma pessoa física ou singular – quer no tocante aos administradores do devedor, quando este não tenha aquela qualidade.
Efeitos que atingem logo direitos fundamentais e mesmo direitos fundamentais que têm por objecto bens e direitos de personalidade” (acórdão do TRC de 07-02-2012, processo: 2273/10.1TBLRA-B.C1, Relator: Henrique Antunes).
[28] A Lei n.º 9/2022, de 11/01, alterou a redação do número 4.

[29] Ainda que de forma limitada porquanto circunscrevendo-se apenas ao administrador de sociedade declarada insolvente, o TC declarou, no referido acórdão de 02-04-2009, processo 777/08 (Relator: Joaquim de Sousa Ribeiro) “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do artigo 189.º, n.º 2, alínea b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, na medida em que impõe que o juiz, na sentença que qualifique a insolvência como culposa, decrete a inabilitação do administrador da sociedade comercial declarada insolvente”.

[30] Cfr. as referências feitas por Menezes Leitão, obr. cit. pp. 240-241.
 
[31] Criticando a opção legislativa, refere Catarina Serra:
“Deveria ter-se escolhido uma que fosse útil e eficaz, isto é, capaz de desempenhar plenamente as funções preventiva e sancionatória ou punitiva das sanções civis, de produzir um efeito simultaneamente inibidor e repressivo dos comportamentos em causa (causadores da insolvência ou do seu agravamento). Ora, não é certo que a inibição para a administração de bens alheios tenha tal aptidão (Os efeitos patrimoniais da declaração de insolvência após a alteração da lei n.º 16/2012 ao código da insolvência. JULGAR - n.º 18 – 2012, p. 183).

[32] O preceito tinha a seguinte redação dada pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18-03:
Artigo 189.º
Sentença de qualificação
1 - A sentença qualifica a insolvência como culposa ou como fortuita.
2 - Na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve:
a) Identificar as pessoas afectadas pela qualificação;
b) Decretar a inabilitação das pessoas afectadas por um período de 2 a 10 anos;
c) Declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;
d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
3 - A inibição para o exercício do comércio tal como a inabilitação são oficiosamente registadas na Conservatória do Registo Civil, e bem assim, quando a pessoa afectada fosse comerciante em nome individual, na conservatória do registo comercial, com base em certidão da sentença remetida pela secretaria.

[33] Nesse sentido cfr. o acórdão do TRG de 14-09-2017, processo: 838/16.7T8GMR-B.G1 (Relator: Maria Purificação Carvalho).

[34] A questão já tinha sido colocada no âmbito do CPEREF, a propósito de medida similar imposta ao administrador da sociedade, ainda que noutro contexto. Assim, no acórdão do TC n.º 414/02 de 10-10-2002, proferido no processo 39/02 (Relator: Artur Maurício), em que foi suscitada a questão da inconstitucionalidade da norma do art. 148.º, n.º1 do CPEREF, na parte em que se preceitua que a declaração de falência, no caso de sociedade ou pessoa coletiva, implica a inibição “dos seus administradores para o exercício do comércio, incluindo a possibilidade de ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa”, o TC considerou:
“Já tendo em conta os direitos de livre escolha de profissão e de propriedade (artigos 47º nº 1 e 62º nº 1 da CRP) se admite que eles sejam condicionados ou afectados por aqueles efeitos. // No que concerne ao primeiro, deve, contudo, salientar-se que o preceito constitucional ressalva "as restrições legais impostas pelo interesse colectivo". // Ora, desde logo, o fundamento da inibição do exercício de determinadas actividades, constante do artigo 148º nº 1 do CPEREF, radica claramente em razões de interesse colectivo, constitucionalmente atendíveis. // Enquanto aplicável a pessoas singulares, ele visa evitar a ocorrência de futuras falências, impedindo aquele que revelou incapacidade para gerir o seu património de exercer funções que possam colocar em risco a solvabilidade económica das empresas ou, de novo, do próprio falido em prejuízo dos seus credores que têm o direito de ver satisfeitos os seus créditos. // Trata-se, de facto, de uma medida perfeitamente justificada, atendendo ao seu fim e à incumbência do Estado em "assegurar o funcionamento eficiente dos mercados" (artigo 83º, alínea e) da CRP) e, em geral, aos objectivos de política agrícola, comercial e industrial, plasmados no Título III, Parte II da Constituição. // Note-se, aliás, que a preocupação de justa medida do legislador foi ao ponto de admitir a possibilidade de o falido exercer as actividades previstas no citado nº 1 do artigo 148º do CPEREF quando "se justifique pela necessidade de angariar os meios indispensáveis de subsistência" desde que não prejudique a liquidação da massa, mediante autorização do juiz, sob proposta do liquidatário ou a pedido do próprio falido (nº 3 do mesmo artigo 148º). // Trata-se, assim, de uma limitação dos direitos do falido consentida pelo citado artigo 47º nº 1 da CRP, não sendo arbitrária nem desproporcionada”.
[35] Numa primeira análise, este efeito assume duas importantes funções: uma preventiva, ao proteger o património de terceiros de quem não inspira a necessária confiança às pessoas e ao mercado; e uma função repressiva, pois visa sancionar actuações culposas, numa tentativa de moralizar mais o sistema” (Carina Magalhães, “Incidente de qualificação da insolvência. Uma visão geral” in Estudos de Direito da Insolvência, Cordenadora: Maria do Rosário Epifânio, 2017. Coimbra: Almedina, p.127).

[36] “Revela-se aqui uma atitude de desconfiança quanto à atuação, na área económica, em relação a quem, pelo seu comportamento, com dolo ou culpa grave, de algum modo contribuir para a insolvência. // É aliás, este mesmo sentimento que justifica a extensão da inibição à administração de quaisquer patrimónios de terceiros com o alcance que emerge da noca redação da al. b)” (Carvalho Fernandes e João Labareda, obr. cit. p. 695.

[37] A propósito da inibição para o exercício do comércio, refere Coutinho de Abreu que não parece que a mesma “seja qualificável como incapacidade. Ela não se funda em défices nas faculdades pessoais dos afetados, e visa proteger não os inibidos mas o comércio; os sujeitos proibidos de comerciar têm capacidade para praticar atos negociais, inclusive atos de comércio, e a inobservância da inibição não provoca a invalidade dos atos correspondentes” (Curso de Direito Comercial, 2020, Vol. I, Coimbra: Almedina, p. 145).