Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
977/04.7TYLSB-H.L1-8
Relator: ISOLETA COSTA
Descritores: INSOLVÊNCIA
CUSTAS DE EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: As custas de execuções apensas ao processo de insolvência que corriam termos contra o falido/insolvente, não devem ser consideradas como custas deste processo e encargo da massa insolvente, para efeitos do disposto no artº 208º do CPEREF.
Tais custas constituem crédito comum que deve ser reclamado (artº 196º e 188º do CEPEREF.

(Sumário elaborado pelo Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:

Resulta dos autos que:
Por  sentença proferida, em 16/04/2007, foi o credor, J julgado habilitado, no lugar do Banco, em virtude deste último, ter cedido ao primeiro, o seu crédito, no valor de € 27.255,90.

Em 18/04/2007, foi proferida, no âmbito do processo supra, sentença de verificação e graduação de créditos, da qual ninguém reclamou ou recorreu, tendo a mesma transitado em julgado e os créditos ali sido graduados, da seguinte forma:
“4.-Decisão
Pelo exposto, julgando procedentes todas as reclamações, reconheço os créditos de :
B, S.A. (J,  após trânsito da decisão proferida no apenso D)  - €27.255,90;
Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional - € 19,58
Sobre os falidos A e  mulher L que graduo nos seguintes termos :
Para serem pagos pelo produto da liquidação dos bens apreendidos na falência :
Todos os créditos reclamados, os quais devem ser satisfeitos proporcionalmente.
As custas da falência e todas as que devam ser suportadas pela massa, bem como as despesas da liquidação, incluindo a remuneração do Sr. Liquidatário, saem precípuas de todo o produto da massa nos termos do disposto no art.º 208º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência.”

Foi elaborado o segundo mapa de rateio, em 28/11/2016, pelo Tribunal, e,  notificado, o mesmo ao aqui Apelante,  pelo Tribunal, em 22/12/2016, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 31º/3 do Regulamento das Custas Processuais;
Neste segundo mapa de rateio, datado de 28/11/2016, o Tribunal declara que nos autos se encontra depositada, a quantia de €30.001,10, e que após retiradas as custas, fica, para  ratear pelos credores, a quantia de € 20.415,20.

O Tribunal “ a quo”, ao elaborar a segunda conta/mapa de rateio,  retirou para além das custas processuais  3 verbas, nos valores de € 1.349,09, €1.636,88 e € 246,51, conforme segue:
Conta de Custas                                                        €6.353,42
Conta 82572006 - fls 144-T.Oeiras                          €1.349,09
Conta 82592006 - fls.146-T.Oeiras                          €1.636,88
Conta 81312006 - fls. 164. Ex 7º J. Cível Lisboa      € 246.51
Notificado que foi o aqui Apelante, da segunda conta/mapa de rateio, o mesmo, apresentou RECLAMAÇÃO, no dia 29/12/2016.

Sobre a reclamação apresentada, pelo Apelante, pronunciaram-se:
Em primeiro lugar, a Sra. Escrivão de Direito, em 17/01/2017, que disse o seguinte: “A fls. 140-159 e 160 a 169 veio a Ex.ª Magistrada do Mº Pº requerer a junção de certidões extraídas dos Processos nºs 132/1997 do 3º Juízo Cível de Oeiras, Pº 3980/04.3TBOER do 2º Juízo Cível de Oeiras e Pº 24996/03.1YXLSB do 7º Juízo Cível, 3ª Secção de Lisboa, para pagamento das custas pela Massa Falida nos montantes respectivamente de 1.349,09€, 1.636,88€ e 246,51€ , tendo recaído o despacho proferido pelo Mmª Juiz de Direito de fls. 177 "...Fls 140 a 159 e 160 a 169: Tenha-se em conta – art.º 208º do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência."
Tendo em conta o disposto no art.º 208º do CPEREF, cujo teor se transcreve: " Artigo 208.º Pagamento precípuo das custas e das despesas de liquidação As custas da falência e todas as demais que devam ser suportadas pela massa falida, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração do liquidatário, saem precípuas de todo o produto da massa e, na devida proporção, do produto de cada espécie de bens, móveis ou imóveis, embora tenham sido objecto de garantia real." tais valores foram tidos em conta.
Em 31/01/2017, pronunciou-se o Ministério Público, nos termos que se seguem :  “ Fls. 315: Visto.  Concordando, inteiramente, com a informação prestada pela Srª Escrivã de Direito, promovo o indeferimento do requerido a fls. 307/312.
Foi proferido, em 20/02/2017, despacho pelo Mmº Juíz “ a quo” que indeferiu a reclamação da conta,  nos termos que se seguem :  “Fls. 307-312  Ante a informação prestada pela Senhora Escrivã de Direito a fls. 315, que se dá por reproduzida por razões de economia processual, e o disposto no artigo 208.º do CPEREF indefiro o pedido de reforma da conta.
Notifique, com cópia de fls. 315 para melhor esclarecimento.
(…)”

Deste despacho proferido, em 20/02/2017, apelou J, o credor, reclamante que lavrou as conclusões ao adiante nos autos à margem identificados, interpôs recurso do despacho, que indeferiu a reclamação da conta.

No segundo mapa de rateio, datado de 28/11/2016, o Tribunal declara que nos autos se encontra depositada, a quantia de €30.001,10, e que após retiradas as custas, fica, para  ratear pelos credores, a quantia de € 20.415,20.

O douto despacho recorrido, diz apenas : “Ante a informação prestada pela Senhora Escrivã de Direito a fls. 315, que se dá por reproduzida por razões de economia processual, e o disposto no artigo 208.º do CPEREF indefiro o pedido de reforma da conta.”

Os pagamentos aos credores deverão ser efetuados de harmonia com o que está declarado na douta sentença de verificação e graduação de créditos, proferida, em 18/04/2007, que reconheceu todos os créditos que foram reclamados incluindo, os do Mº Pº em representação da Fazenda Nacional, no valor de € 19,58, tendo ali ficado decidido que “todos os créditos reclamados, os quais devem ser satisfeitos proporcionalmente.”.

A douta sentença de verificação e graduação de créditos, é muito clara, e refere expressamente  “….só pode atender-se aos créditos reclamados nos termos do disposto no art.º 188º do mesmo Código” , referindo, ainda que “…os créditos reclamados pelo Ministério Público por dívidas de imposto e custas são exigíveis como créditos comuns. Não gozando, assim, qualquer dos créditos reclamados, de garantias reais ou privilégios creditórios, todos são créditos comuns, devendo ser satisfeitos rateadamente ( art.º 604º do Código Civil ).

No mapa de rateio constam e bem as custas do processo de falência, no valor de € 6.353,42 ; no entanto, constam ali ainda mais 3 verbas, nos valores de €1.349,09, €1.636,88 e €246,51, as quais somadas ascendem a €3.232,48 não foram reclamadas, ou reconhecidos, no processo supra, ainda foram ali inseridas no mapa de rateio como privilegiadas…!

No art.º 208º do CPEREF, referido no douto despacho recorrido, não está previsto que as custas de uma qualquer execução que venha a ser apensa ao processo de falência, sejam pagas no âmbito deste, em primeiro lugar, como aconteceu na conta que foi objecto de reclamação, e que foi indeferida, e que está agora a ser objecto de recurso.

O Mmº Juiz “ a quo” no douto despacho recorrido preteriu o crédito do aqui Apelante e privilegiou três créditos de custas, oriundos de três processos de execução, sem fundamentar, aquela sua decisão, como era seu dever, por força do disposto no artigo 154º do CPC e 205º da Constituição da Republica Portuguesa, não obstante o reclamante, aqui apelante, na reclamação apresentada ter feito referência expressa por diversas vezes à sentença de verificação e graduação de créditos, ao abrigo da qual devem ser pagos todos os créditos, o que acarreta a nulidade do douto despacho recorrido, nos termos designadamente, do disposto no art.º 615º/1b) do CPC.

Não basta apensar um qualquer processo de execução, para que as custas do mesmo, possam ser admitidas e pagas, no âmbito do processo de insolvência. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 24/09/2015, proc. 75/14.5TBAVS.E1 (2ª Secção Cível), disponível em www.dgsi.pt
Nos termos do disposto, designadamente,  nos artigos 248º e 249º do CPEREF ( art.º 303º e 304º do CIRE), só  as custas do processo de falência saem precípuas.

É por demais evidente, que execuções movidas contra os executados/falidos, não cabem na previsão do art.º 248º do CPEREF e não podem ser consideradas um incidente do processo de falência.

Se atentamos no CIRE, o resultado é o mesmo, conforme resulta da conjugação do disposto, nomeadamente, nos artigos art.º 46º/1, 47º/4, 51º, 173º.

É assim manifesto que aquelas 3 verbas, nos valores de €1.349.09, €1.636,88 e €246,51, para além de nem sequer terem sido reclamadas, como deveriam ter sido, para poderem ser admitidas, no mapa de rateio, não cabem no art.º 208º do CPEREF, pelo que, deverão ser retiradas do mapa de rateio/conta, sendo o valor a ratear pelos credores de €23.647,68 ( €30.001,10-€6.353,42 ), e não de €20.415,20, como vem referido na conta/mapa de rateio em crise, e que foi confirmado pelo douto despacho recorrido. Violou, assim, o douto despacho recorrido, designadamente, o disposto nos arts. 208º, 214º, 248º e 249º do CPEREF, ( artigos 47º, 51º, 173º , 182º, 303º e 304º do CIRE) e arts.º 154º e 527º do CPC. 
Não houve resposta.

São as conclusões do apelante que delimitam o âmbito da matéria a decidir por este tribunal.

Nesta senda o apelante coloca como questões a decidir:
Saber se o despacho recorrido enferma de nulidade por falta de fundamentação prevista no artº 615 b) do cpc.
Saber se as custas de execuções apensas ao processo de insolvência devem ser consideradas como custas deste processo e encargo da massa insolvente para efeitos do disposto no artº 208º do CPEREF.

Fundamentação de facto:
Dá-se aqui por reproduzida a factualidade supra.

Fundamentação de direito:

Da nulidade do despacho impugnado.
A decisão proferida é telegráfica, referindo tão só a norma aplicável.

Todavia e ainda assim de acordo com o entendimento perfilhado no Ac do STJ de 25.11.2014 nota 35 ao artº 615 in código de processo civil anotado Abilio Neto 4ª ed “é a falta absoluta de fundamentos ( de facto ou de direito)  que se subsume ao conceito, sendo a mera insuficiência rastreável em sede de erro de direito”.
Somos de entender que a remissão para a norma legal e para a informação constante dos autos prestada pela Srª Escrivã, afasta (tangencialmente, diga-se,) aquela nulidade que assim se desatende.

Quanto a “Saber se as custas de execuções apensas ao processo de insolvência devem ser consideradas como custas deste processo e encargo da massa insolvente para efeitos do disposto no artº 208º do CPEREF”.

Alinhamos pelo entendimento expresso no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 24.09.2015 no processo 75/14.5TBAVS.E1 in dgsi  sem qualquer duvida.

Efectivamente, dispõe o artigo 249º, nº 2, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), aprovado pelo DL nº 132/93, de 23 de Abril, aplicável, ao caso em análise, por força do preceituado pelo artigo 13º, do DL nº 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que “as custas do processo de falência são encargo da massa falida”, sendo certo que, acrescenta o artigo 248º, do CPEREF, nos seus nºs 1 e 2, “para efeitos de tributação, o processo de falência abrange o processo principal… e quaisquer incidentes, ainda que processados em separado, se as respectivas custas houverem de ficar a cargo da massa”.

Por outro lado, o artigo 248º, nº 2, do CPEREF, determina quais os trâmites do processo de falência e seus incidentes, quer estes corram por apenso ou em separado, cujas custas hajam de ser suportadas pela massa falida preceituando que (…) “o processo de falência abrange o processo principal, as propostas de concordata particular, a apreensão dos bens, os embargos do falido, ou do seu cônjuge, descendentes, herdeiros, legatários ou representantes, a liquidação do activo, a verificação do passivo, o pagamento aos credores, as contas de administração, os arrestos decretados antes de ser declarada a falência, se não tiver havido oposição de pessoa diferente das indicadas, e quaisquer incidentes, ainda que processados em separado, se as respectivas custas houverem de ficar a cargo da massa”.

O artº 208º do CPEREF dispõe que: “as custas da falência e todas as demais que devam ser suportadas pela massa falida, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração do liquidatário, saem precípuas de todo o produto da massa e, na devida proporção, do produto de cada espécie de bens, móveis ou imóveis, embora tenham sido objecto de garantia real”.

Da conjugação do teor desta norma com a constante do nº 2 do artº 249º se impõe concluir que as custas de tais processos executivos que corriam termos contra o insolvente não podem nem devem ser suportadas pela massa não como “dívidas da massa” antes constituem  crédito comum que deve ser reclamado (artº 196º e 188º do CEPEREF).

Donde que os artº 248º e 249º do CPEREF, bem como os correspondentes artº 303º e 304º do CIRE para efeitos de base de tributação não englobam nos trâmites do processo falimentar e seus incidentes os processos executivos que corriam termos contra o declarado falido/insolvente.
Procede pois a apelação.

Segue deliberação:
Revoga-se o despacho recorrido e consequentemente ordena-se a reforma da conta de custas devendo eliminar-se da mesma as verbas referentes às custas das contas:
Conta 82572006 - fls 144-T.Oeiras                          €1.349,094
Conta 82592006 - fls.146-T.Oeiras                          €1.636,88
Conta 81312006 - fls. 164. Ex 7º J. Cível Lisboa      € 246.51.
O rateio deve ser efectuado de acordo com a sentença de graduação de créditos sendo apenas contadas como custas para efeitos do disposto no artigo 208º do CPEREF as custas do próprio processo que ascendem a €6.353,42 euros.
Custas pela massa.



Lisboa, 30 de Novembro de 2017



Isoleta de Almeida Costa
Carla Mendes
Octávia Viegas
Decisão Texto Integral: