Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5/11.6IDFUN.L1-5
Relator: CID GERALDO
Descritores: FRAUDE FISCAL
INÍCIO DA PRESCRIÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
PESSOA COLECTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/17/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: -O crime de fraude fiscal, com recurso a facturas falsas ou fictícias, consuma-se na data da emissão dessas facturas, independentemente de ter havido ou não declaração do contribuinte (declaração periódica do IVA ou a entrega anual da declaração do IRC, sendo para efeitos de consumação irrelevantes tais declarações.
-Por remissão directa do R.G.I.T. (art. 21°, n° 2), é de aplicar (atenta a moldura penal correspondente) neste tipo de crime, não o disposto no seu art. 21°, n° 1, mas antes o disposto no art. 118°, n° 1, alínea b), do Código Penal, sendo, pois, o prazo de prescrição de 10 anos e não 5 anos e, é assim, independentemente de se tratar de pessoa singular ou de pessoa colectiva, não obstante a esta última apenas poder ser apenas aplicada pena de multa.
O n° 2, do art. 21° do R.G.I.T., que expressa e inequivocamente afirma que o prazo de prescrição do procedimento criminal previsto no n° 1 não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal, quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos, remete directamente para o disposto no art. 118° do Código Penal, sendo irrelevante que a redacção do n° 3, do art. 118°, do Código Penal presentemente em vigor não existisse ainda à data da ocorrência dos factos ora em crise e que, por isso, e por constituir um regime menos favorável às sociedades arguidas, não pode ser aqui aplicada.
Na verdade, a norma que importa aqui aplicar não é aquela mas sim a alínea b), do n° 1, do aludido art. 118° do Código Penal, cujo actual conteúdo já estava em vigor à data da prática dos factos sob apreciação e segundo a qual o prazo de prescrição para os crimes de fraude fiscal qualificada (mesmo estando em causa a imputação deste ilícito penal a uma pessoa colectiva) é, indiscutível e inexoravelmente, de 10 anos e não de 5 anos, sendo certo, ainda, que o art. 21°, n° 2, do R.G.I.T. sempre pretendeu para ela remeter, independentemente da existência ou não do actual n° 3, do art. 118°, do Código Penal, sujeitando ao seu regime também as pessoas colectivas no domínio dos crimes fiscais elencados no R.G.I.T.
Quer o n° 1, quer o n° 2, do art. 21° do R.G.I.T. não pretendeu fazer nenhuma distinção entre o regime de prescrição aplicável aos crimes cometidos por pessoas colectivas ou singulares, em função desta sua natureza, pois nada aí ficou dito sobre esta matéria, nem em nenhum outro lugar deste diploma legal, não havendo razão para o intérprete fazer distinção se o próprio legislador a não efectuou.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:
 
 
1.-No âmbito do processo nº 5/11.6IDFUN, da Comarca da Madeira - Funchal - Inst. Local - Secção Criminal – J1, o MºPº acusou as arguidas " TCO Lda", actualmente, " CT, SA", e " BCU, Lda", pela prática de um crime de fraude fiscal, previsto e punido, pelo disposto pelos arts. 103°, e 104°, n.°s 1 e 2, do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias, na redacção dada pela Lei n.° 15/2001, de 05/06, aplicável, à data da prática dos factos), a que corresponde uma pena abstracta de prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1 200 dias para as pessoas colectivas.

Por decisão de 6.02.16, o Mmº juiz a quo declarou extinto, por efeito da prescrição, o procedimento criminal instaurado contra a arguida "TCO Lda", actualmente, "CT,SA", e "BCU, Lda".          *   
       
Inconformado com a decisão, dela veio recorrer o Digno Magistrado do MºPº, formulando no termo da respectiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1.-A decisão ora sob recurso proferida de fls. 453 a 461 não é salvo o devido respeito e melhor opinião, uma decisão correcta do ponto de vista legal pois assenta numa errónea interpretação do disposto nos arts. 103°, 104°, n.° 2 e 21°, nºs. 1 e 2, todos do R.G.I.T., e dos arts. 118° e 119°, n° 1, do Código Penal, quer quanto ao momento em que o Tribunal recorrido considerou consumados os crimes imputados às sociedades arguidas, quer quanto à mensuração do prazo prescricional aplicável aos factos e crime sob análise.
2.-Salvo o devido respeito pela opinião contrária, entendemos que o crime de fraude fiscal qualificada não se consuma no dia da emissão das facturas, tal como se entendeu no despacho recorrido.
3.-Com efeito, tratando-se de uma factura falsa, terá de aceitar-se necessariamente como desconhecida a data da sua emissão. O facto de na factura constar uma data não garante, dada a natureza do referido do documento e o contexto em que foi emitido, que a mesma tenha sido emitida nessa altura. A este título, relembre-se que as facturas "falsas" têm como objectivo reduzir o montante de imposto a pagar num determinado período, pelo que, o normal será que as mesmas sejam sempre emitidas com uma data de "conveniência".
4.-Nesta linha de pensamento, convocamos desde logo um exemplo teórico, com correspondência em muitas situações reais, segundo o qual uma determinada sociedade apenas apresenta a declaração de I.R.C. referente ao ano de 2004 no ano de 2008. Quem pode garantir, nestas condições, que a data da factura "falsa" verificada (referente ao ano de 2004) é correspondente à que foi, efectivamente, emitida e não em data posterior? Quem garante (como frequentemente sucede) que a sociedade declarante, ao aperceber-se que teria de pagar imposto referente ao período da declaração, não a obtém apenas nessa altura mas datada de 2004? Poder-se-á dizer que o crime se consuma na data constante da factura?
5.-Por outro lado, temos ainda a seguinte evidência que contraria contundentemente a tese segundo a qual o momento da consumação do crime em causa corresponde à data aposta nas facturas como sendo a da sua emissão, e que é precisamente o facto de alguém ter uma factura falsa na sua posse não ser suficiente, só por si, para demonstrar que tal pessoa tivesse como objectivo a prática do crime de fraude fiscal qualificada ou qualquer outro.
6.-Poderá também acontecer que uma determinada sociedade (ou empresário em nome individual), embora tenha na sua posse uma factura "falsa", não a declara nem na declaração de I.V.A. respeitante ao período a que corresponde a data da factura nem, posteriormente, na declaração de I.R.C. do ano em referência. Será possível afirmar, neste caso, que o crime se encontra consumado? É possível demonstrar que o detentor da factura tinha intenção de lesar patrimonialmente o Estado? É nosso entendimento que não, desde logo pelo obstáculo intransponível que seria a impossibilidade de demonstrar a intenção de obtenção de vantagem patrimonial indevida.
7.-A tudo isto acresce que o tipo legal em causa exige a utilização de facturas, não se bastando com a mera detenção das mesmas pelo sujeito passivo, utilização essa que, se terá de concluir, há-de ser quando as mesmas são declaradas à Administração Tributária.
8.-Na verdade, o crime de fraude fiscal qualificada terá necessariamente de se consumir quando tais facturas são inseridas nas respectivas declarações à Autoridade Tributária, quer seja em sede de I.V.A., quer seja em sede de I.R.C. ou mesmo em I.R.S. (momento em que se tornam relevantes) e isto antes e independentemente da produção do resultado pretendido mas já com uma actuação objectivamente apta a produzir esse resultado e a demonstrar a intenção de obtenção de vantagem patrimonial indevida.
9.-E mais assim se mostra ser se aceitarmos que a vantagem patrimonial (superior a 15.000,00€) é um elemento típico para a verificação do crime que terá de ser objectivável e isso só pode acontecer depois de apresentada a respectiva declaração.
10.-Pelo exposto, entendemos que o crime de fraude fiscal qualificada terá necessariamente de se consumir apenas e só quando tais facturas são inseridas nas respectivas declarações à Autoridade Tributária, quer seja em sede de I.V.A., quer seja em sede de I.R.C. ou mesmo de I.R.S.
11.-No caso dos autos, os crimes de fraude fiscal qualificada imputados às sociedades arguidas referem-se a declarações de I.V.A. e I.R.C.. No concernente ao I.V.A. estão em causa as declarações dos meses de Março, Junho e Setembro de 2006, que são entregues até ao 10° ou 15° dia do segundo mês seguinte àquele a que respeitam as operações fiscalmente relevantes respectivas, ou, nalguns casos, e como sucede no dos presentes autos, através da entrega mensal de cada declaração periódica no final de cada mês de operações (cfr. art. 42° n° 1, alíneas a) e b), e n°2, do Código do I.VA. e os arts. l°e 6°da acusação pública). No respeitante ao I.R.C. está em causa a declaração referente ao exercício do ano de 2006, sendo certo que as declarações de I.R.C. são, nos termos da lei, entregues até ao último dia do mês de maio do ano seguinte a que diga respeito (cfr. art. 120° C.I.R.C.), tendo no caso vertente a declaração em causa sido entregue a 23 de Maio de 2007 (cfr. fls. 382 dos presentes autos).
12.-Sem prejuízo do que fica dito, devemos todavia esclarecer que, dadas as particularidades acima expostas quanto ao regime de I.V.A. a que estava sujeita a sociedade arguida "TCO Lda", actualmente, " CT, SA" (cfr. art. 42° n° l, alíneas a) e b), e n°2, do Código do I.V.A. e os arts. l°e 6° da acusação pública), e tendo em consideração que os crimes de fraude fiscal em sede de I.V.A. ora apreciados dizem respeito às declarações desta sociedade (embora as mesmas declarações determinem, paralelamente, a imputação dos mesmos crimes à sociedade arguida "BCU, Lda"), concordamos com a conclusão a que chegou o Tribunal recorrido quanto ao momento da consumação destes crimes (fraudes fiscais qualificadas em sede de 1. V.A.) pois, aqui, a data das facturas coincide com os meses em que foram feitas as declarações periódicas mensais de I.V.A. por banda da sociedade arguida "TCO Lda", actualmente, " CT, SA".
13.-Isto para dizer que, no caso vertente, e em termos práticos, apenas ressalta dos autos a nossa divergência, perante o conteúdo do despacho recorrido, entre a data da consumação dos crimes de fraude fiscal qualificada imputados às sociedades arguidas "TCO Ld°", actualmente, " CT, SA", e "BCU, Lda", em sede de I.R.C. (por referência à declaração de J.R.C. respeitante ao exercício de 2006 apresentada pela sociedade arguida "TCO fida", actualmente, "CT, SA",).
14.-Daqui decorre, portanto, que sendo a data da consumação dos crimes de fraude fiscal qualificada em sede de I.R.C. imputados às duas sociedades arguidas na acusação pública, a nosso ver, o dia 23 de Maio de 2007 (por corresponder à data da entrega, por banda da sociedade arguida "TCO Ld°", actualmente," CT, SA", da sua declaração de L R C. referente ao exercício de 2006 -cfr. fs. 382 destes autos) a data de prescrição de tais ilícitos penais em concreto, e contabilizando o prazo aplicável de 10 anos (como infra se demonstrará), apenas ocorrerá, sem prejuízo das causas interruptivas ou suspensivas da prescrição que eventual tenham ocorrido ou venham a ocorrer, a 23 de Maio de 2017, ou seja 10 anos depois da data tida com a da consumação dos crimes em foco (fraudes fiscais qualificadas em sede de 1. R.C.).
15.-Posto tudo isto, e ainda que não se acompanhe a nossa posição vinda de expor quanto ao momento de consumação/cometimento do crime de fraude fiscal qualificada na sua modalidade em análise nestes autos, sempre se dirá que o prazo de prescrição aplicável aos factos e aos crimes ora sob apreciação é, nos termos do disposto, conjuntamente, nos arts. 21°, 103° e 104° do R.G.I.T. e 118° e 119° do Código Penal, de 10 anos, o que significa que, mesmo admitindo que os crimes sob evidência se consumam nas datas apostas nas facturas, e com a simples elaboração das mesmas (o que no caso dos autos se reportará a 24/03/2006, 30/06/2006 e 30/09/2006 - quer no concernente às fraudes fiscais qualificadas referentes ao A. quer nas referentes ao LR.C.), o prazo de prescrição relativamente aos crimes imputados às sociedades arguidas acima mencionadas ainda não se verificou (pois ainda não decorreram 10 anos desde a data aposta nas facturas, o que só acontecerá em 24/03/2016, 30/06/2016 e 30/09/2016) pelo que não podia o Tribunal recorrido ter, como fez, declarado a prescrição dos mesmos e a extinção, nesta parte, do procedimento criminal.
16.-Como resulta do despacho recorrido, estão em causa quatro crimes de fraude fiscal qualificada, previstos e punidos pelos arts. 103° e 104°, n° 2 do R.G.I.T., imputáveis às sociedades arguidas "TCO Lda", actualmente, " CT, SA", e "BCU, Lda" (sendo, em rigor, imputados a cada uma delas um grupo de quatro crimes: 3 em sede de LV A, e l em sede de L R,C.)
17.-Os crimes em apreço têm por base as declarações de I.V.A. de Março, Junho e Setembro de 2006, apresentadas no final de tais meses pela sociedade arguida "TCO Ld°", actualmente, " CT, SA", e a declaração de I.R.C. referente ao exercício de 2006 apresentada pela mesma sociedade arguida em 2007 (mais precisamente no dia 23 de Maio de 2007– cfr. fls. 382).
18.-Os crimes em causa são puníveis com pena de prisão de um a cinco anos (arts. 103° e 104°, nrs. 1 e 2 do R.G.LT). Assim e por remissão directa do R.G.I.T. (art. 21°, n° 2), é de aplicar (atenta a moldura penal correspondente) neste tipo de crime, não o disposto no seu art. 21°, n° 1, mas antes o disposto no art. 118°, n° 1, alínea b), do Código Penal, sendo, pois, o prazo de prescrição de 10 anos e não 5 anos.
19.-E assim é independentemente de se tratar de pessoa singular ou de pessoa colectiva, não obstante a esta última apenas poder ser apenas aplicada pena de multa.
20.-Como tal, mesmo entendendo que o prazo de prescrição de 10 anos começava a contar a partir da data da "emissão" da última factura não poderia a Mma. Juiz A Quo entender que os crimes de fraude fiscal qualificada imputados nestes autos às sociedades arguidas supra identificadas estavam prescritos, desde logo porque as facturas aqui em destaque são datadas de 24 de Março de 2006, 30 de Junho de 2006 e 30 de Setembro de 2006, como resulta dos documentos juntos aos autos e do próprio teor do despacho de acusação, o que redunda no facto de que o prazo puro de prescrição, independentemente da eventual ocorrência de quaisquer causas de interrupção ou suspensão da prescrição, apenas encontraria o seu fim, para cada um dos aludidos casos, em 24 de Março de 2016, 30 de Junho de 2016 e 30 de Setembro de 2016.
21.-Nem se diga, como erradamente afirma o Tribunal A Quo, que o disposto no art. 118° do Código Penal não pode ter aplicação no caso vertente - em virtude de o seu actual n° 3 apenas ter sido introduzido com a reforma penal de 2007 e de os factos ora sob análise serem anteriores a esse momento - de molde a inviabilizar a aceitação de que, nos termos da lei penal, o prazo de prescrição do crime de fraude fiscal qualificada, quando imputado a pessoas colectivas, não é de 10 anos mas sim de 5 anos.
22.-A singrar esta tese defendida pelo Tribunal recorrido, estaríamos perante uma legalmente inadmissível interpretação derrogante do disposto no n° 2, do art. 21° do R.G.I.T., o qual, por sua vez: - i) expressa e inequivocamente afirma que o prazo de prescrição do procedimento criminal previsto no n° 1 não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal, quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos; e - ii) como atrás sublinhamos, remete directamente para o disposto no art. 118° do Código Penal.
23.-A nosso ver, e quanto à matéria ora em questão, é irrelevante, ao contrário do que defende o Tribunal A Quo, que a redacção do n° 3, do art. 118°, do Código Penal presentemente em vigor não existisse ainda à data da ocorrência dos factos ora em crise e que, por isso, e por constituir um regime menos favorável às sociedades arguidas, não pode ser aqui aplicada.
24.-Na verdade, a norma que importa aqui aplicar não é aquela mas sim a alínea b), do n° 1, do aludido art. 118° do Código Penal, cujo actual conteúdo já estava em vigor à data da prática dos factos sob apreciação e segundo a qual o prazo de prescrição para os crimes de fraude fiscal qualificada (mesmo estando em causa a imputação deste ilícito penal a uma pessoa colectiva) é, indiscutível e inexoravelmente, de 10 anos e não de 5 anos.
25.-E assim é pois, por um lado, esta já estava em vigor, como se disse, quando os crimes em apreço foram alegadamente praticados (seja qual for o entendimento que se sufrague para o momento da sua consumação) e, por outro, porque o art. 21°, n° 2, do R.G.I.T. sempre pretendeu para ela remeter, independentemente da existência ou não do actual n° 3, do art. 118°, do Código Penal, sujeitando ao seu regime também as pessoas colectivas no domínio dos crimes fiscais elencados no R.G.I.T..
26.-Note-se, a este respeito, que a conjugação entre os nºs. 1 e 2, do art. 21° do R.G.I.T. permite claramente perceber que se quis estabelecer que os crimes do R.G.I.T. prescrevem não só no prazo de 5 anos mas também nos prazos de 10 e 15 anos previstos no art. 118° do Código Penal, decorrendo da conjugação destas normas, tão só, a exclusão da aplicação aos crimes do R.G.I.T. do prazo de prescrição mais curto, de 2 anos, a que alude a parte geral do Código Penal, na alínea d) do n° 1, do art. 118° atrás mencionado.
27.-Logo, se o desiderato imanente ao conteúdo do art. 21° do R.G.I.T. é, como se vê, o de corporizar um regime global de prescrição mais gravoso (na perspectiva do agente do crime) do que aquele que figura no art. 118º do Código Penal - pois afasta prazos de prescrição inferiores a cinco anos previsto na parte geral do Código Penal -, que sentido faria interpretar-se tal normativo (art. 21º do R.G.I.T.), ou conjugação de normativos (art. 21º do R.G.I.T. e art. 118º do Código Penal), no sentido de o mesmo ou a mesma comprimir ou diminuir o prazo de prescrição dos crimes previstos no R.G.I.T. e imputáveis a pessoas colectivas face ao que naturalmente decorre quanto ao regime global de prescrição para os crimes cometidos por pessoas singulares no âmbito desse mesmo R.G.I.T.? A nosso ver nenhum sentido existe, nem se vislumbra que o Tribunal A Quo o tenha demonstrado ou encontrado na argumentação onde se estriba o seu despacho ...
28.-Ainda a este propósito, e reforçando a tese por nós ora defendida, afigura-se-nos ser claro que, quer no n° 1, quer no n° 2, do acima mencionado art. 21°, o R.G.I.T. não pretendeu fazer nenhuma distinção entre o regime de prescrição aplicável aos crimes cometidos por pessoas colectivas ou singulares, em função desta sua natureza, pois nada aí ficou dito sobre esta matéria, nem em nenhum outro lugar deste diploma legal. Logo, se o próprio legislador não efectuou nenhuma distinção, não vemos porque razão o intérprete deveria fazê-la, nem o Tribunal A Quo invocou nenhum argumento que possuísse força suficiente para justificar tal distinção.
29.-Nesta ordem de ideias, importa clarificar que a razão invocada pelo Tribunal A Quo para acolher a sua tese - razão esta relacionada com a excepcionalidade da responsabilidade criminal imputável às pessoas colectivas e com o facto de o Código Penal apenas a ter passado a prever a partir da reforma penal de 2007 (quando os crimes alegadamente cometidos e aqui apreciados ainda não tinham sido cometidos) - de nada pode valer, salvo melhor opinião, porquanto, como é consabido, o R.G.I.T. sempre previu esta espécie de responsabilidade criminal (de pessoas colectivas) quanto aos crimes nele elencados, designadamente o de fraude fiscal qualificada, e, nessa conformidade, sempre previu e contemplou outrossim a supra destacada remissão legal do art. 21°, n° 2, para as alíneas a) e b) do n° 1, do art. 118° do Código Penal, mesmo antes da reforma penal de 2007.
30.-Ademais, diga-se ainda que, no âmbito do processo n° 709/08.0IDFUN, o qual também corre os seus termos nesta Secção Criminal da Instância Local do Funchal, em sede do qual o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa foi chamado a resolver uma questão idêntica àquela que deste recurso emerge, foi superiormente decidido que o crime de fraude fiscal qualificada tem efectiva e inequivocamente um prazo de prescrição de 10 anos, mesmo quando imputado a pessoas colectivas, sendo certo que também nesse processo se julgaram factos ocorridos em momento anterior à reforma penal de 2007, mais precisamente em 2004 e 2005, tendo o Tribunal superior, não obstante, entendido aplicar nesse caso o disposto nos arts. 21°, n° 2, do R.G.I.T. e 118°, n° 1, alínea b), do Código Penal, para confirmar a duração de 10 anos do prazo de prescrição do crime de fraude fiscal qualificada cometido por pessoa colectiva (independentemente de qualquer causa suspensiva ou interruptiva que o pudesse estender), em conformidade com a tese por nós atrás defendida.
31.-Por fim, importa salientar também que, sem prejuízo de tudo o quanto acima ficou dito, acontece ainda que, quanto aos crimes imputados à sociedade arguida "TCO Ld", actualmente, "CT, SA", ocorreram várias causas de interrupção do decurso do prazo de prescrição, nos termos do disposto no art. 121°, nºs. 1, alíneas a) e b), e 3, do Código Penal, aqui aplicável ex vi art. 3º, alínea a), do R.G.I.T., como é o caso da sua constituição formal como arguida e sujeição a T.I.R. e da própria notificação da acusação (cfr. fls. 237 a 240 e 468), assim como se verificou também uma causa de suspensão do prazo de prescrição, nos termos do disposto no art. 120°, nºs. 1, alínea b), 2 e 6, todos do Código Penal, aqui aplicável ex vi art. 3º, alínea a), do R.G.I.T., com a pendência do processo a partir da notificação da acusação à antedita sociedade arguida (cfr. fls. 468 e seguintes). Porém, tais fenómenos não foram considerados pelo Tribunal recorrido sendo certo que, em concreto, os mesmos significaram, por força das normas legais sobreditas, uma extensão do prazo de prescrição dos crimes de fraude fiscal qualificada imputados à sociedade arguida "CT, SA" para, pelo menos, 15 anos, o que significa que, no presente caso, e independentemente da tese acolhida quanto ao momento de consumação do crime, a extinção, por prescrição, do presente procedimento criminal contra a referida sociedade arguida (por referência aos vários crimes em discussão) nunca se verificará antes de 2021.
32.-Em conclusão, e perante a globalidade dos fundamentos acima exarados, deverá, quanto a nós, a decisão proferida pelo Tribunal recorrido e ora impugnada ser revogada e substituída por outra que declare não prescritos os crimes de fraude fiscal imputados às sociedades arguidas "TCO Lda", actualmente, " CT, SA", e "BCU, Lda" e ordene o prosseguimento dos autos contra as mesmas, pela prática, por cada uma delas, de quatro crimes de fraude fiscal qualificada, previstos e punidos pelos arts. 103° e 104°, nrs. 1 e 2 do R.G.I.T. (3 em sede de l.V.A. e l em sede de I.R.C.) nos precisos termos exarados no despacho de acusação constante dos autos.
33.-Aqui chegados, resta recuperar o que já foi dito em B.l) e B.2) quanto à explicação dos erros nos quais o Tribunal A Quo assentou o seu raciocínio e reafirmar que por errada interpretação o julgador incorreu numa violação efectiva do disposto nos arts. 3°, alínea a), 21°, nºs. 1 e 2, 103°, n° 1, e 104°, nºs. 1 e 2, do R.G.I.T. e 118°, n° 1, alínea b), 119°, n° 1, 120°, nºs. 1, alínea b), 2 e 6, e 121°, nºs. 1, alíneas a) e b), e 3, todos do Código Penal.

34.-Neste passo, constatamos que por errada interpretação destas normas o Tribunal A Quo concluiu, erradamente, que os crimes de fraude fiscal qualificada aqui sob destaque se consumaram com o preenchimento e elaboração das facturas em causa, nas datas nelas apostas, bem como que os prazos de prescrição dos mesmos se computam em apenas 5 anos, quando, na realidade, a correcta interpretação e aplicação de tais normas impõe as seguintes conclusões:
 i)-de que o prazo de prescrição destes crimes é efectivamente de 10 anos e não 5 anos;
 ii)-de que os mesmos só se consumam no momento em que as facturas são indevidamente utilizadas através da sua inserção nas respectivas declarações à Autoridade Tributária, quer seja em sede de I.V.A., quer seja em sede de I.R.C. ou mesmo em I.R.S. (momento em que se tornam relevantes:
iii)-de que no caso vertente operaram as causas de interrupção e suspensão da prescrição atrás versadas com os específicos efeitos acima previstos em B.2) [cujo conteúdo aqui damos por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].

35.-Uma vez que dos autos constam todos os elementos necessários ao proferimento de uma ajustada decisão de mérito, o Tribunal Ad Quem estará em condições de, ao abrigo do disposto nos arts. 426°, n° 1, e 431°, n° 1, alínea a), ambos do Código de Processo Penal, revogar desde logo a decisão proferida - sem ordenar a baixa dos autos à primeira instância para prolacção de nova decisão - e substitui-la por outra que declare não prescritos os anteditos crimes e ordene o prosseguimento dos autos contra as sociedades arguidas "TCO Lda", actualmente, " CT, SA", e "BCU, Lda" , pela prática, por cada uma delas, por cada uma delas, de quatro crimes de fraude fiscal qualificada, previstos e punidos pelos arts. 103° e 104°, nºs. 1 e 2 do R.G.I.T. (3 em sede de I. V.A. e 1 em sede de I.R.C.) nos precisos termos exarados no despacho de acusação constante dos autos.
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Nesta Relação, o Digno Procurador-geral Adjunto proferiu parecer no qual subscreveu os fundamentos da motivação do recurso do Ministério Público, pugnando, igualmente, pela procedência do recurso e a subsequente revogação da decisão recorrida nos termos motivados.
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Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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2.-O despacho recorrido é do seguinte teor:

«O Tribunal é competente.
O M°P° tem legitimidade para o exercício da acção penal.
De acordo com a acusação proferida nos presentes autos, que delimita o objecto do presente processo, às arguidas " TCO Lda", actualmente, " CT, SA", e " BCU, Lda", foi-lhes imputada, a prática de um crime de fraude fiscal, previsto e punido, pelo disposto pelos arts. 103°, e 104°, n.°s 1 e 2, do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias, na redacção dada pela Lei n.° 15/2001, de 05/06, aplicável, à data da prática dos factos), a que corresponde uma pena abstracta de prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1 200 dias para as pessoas colectivas.

Dispõe o art°  21°,  do citado diploma que:
"1.-O procedimento criminal por crime tributário extingue se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos.
2.-O disposto no número anterior não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos.
3.-O prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.
4.-O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos   no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito    da suspensão do processo, nos termos previstos no n° 2 do artigo 42. ° e no artigo 47."

O artigo 104° do RGIT acolhe a forma qualificada do crime de fraude fiscal, prevendo o n° 2 "a fraude que tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes", sendo esta a forma de fraude fiscal imputada aos arguidos em co-autoria, que é punível, conforme supra referido, "com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 dias para as pessoas colectivas".

Resulta, assim, que o prazo de prescrição deste crime é de 5 anos, para as pessoas colectivas, de harmonia com o disposto no Código Penal e 21°, n° l, do RGIT, porquanto a estas só se aplicar pena de multa e nunca a pena de prisão, enquanto para as pessoas singulares é de 10 anos, nos termos da al.b), do n° 1, do art° 118° do Código Penal conjugado com o n° 2 cio art° 21° do RGIT. (neste sentido, vide Jorge Lopes Sousa e Manuel Simas Santos, Regime das Infracções Tributárias, p. 265).

Ainda que se entenda ser de aplicar o prazo de prescrição de 10 anos, mesmo estando em causa pessoa colectiva, por força do disposto no nº 3 do   artº 118°, do Código Penal, (neste sentido, pronunciou-se, num caso idêntico, por facturas emitidas entre 28.10.04 e 29.02.05, o Ac. da Relação de Lisboa, proferido no processo n° 709/08.0IDFUN, deste juízo), o mesmo não é aplicável aos autos, porquanto esta redacção só foi introduzida pela Lei n° 59/2007, de 4 de Setembro, com entrada em vigor a 15.09.2007, e não sendo manifestamente mais favorável não é de aplicar o disposto no n° 4 do art° 2 do Código Penal.

Entendemos também que não é de aplicar por uma outra razão: o direito português apenas conhece o princípio geral da responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas e o princípio da responsabilidade criminal das pessoas colectivas em certas áreas delimitadas de criminalidade, sendo o direito criminal das infracções tributárias (Lei nº 15/2001, de 5/6, na última redacção do Decreto-Lei n. 229/2002, de 31.10) uma dessas áreas, consagrando um regime próprio dos limites (máximo e mínimo e quantitativos diários) da pena de muita, sendo a multa mínima aplicável de € 100,00 e máxima aplicável é de € 9 600.000 (1920 dias X diária até 5000 euros, nos termos do n°l do art° 12° e n° 1, do 15°, ambos do RGIT.) e são aplicáveis as penas acessórias de interdição temporária do exercício de actividades, privação do direito de receber subsídios ou subvenções concedidos por entidades públicas, perda de benefícios fiscais ou inibição de os obter, privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos, do direito a subsídios e benefícios, do direito de participar em feiras, mercados, leilões ou arrematações e concursos de obras públicas, de fornecimento de bens ou serviços e de concessão, encerramento temporário de estabelecimento, cassação de licenças ou concessões e suspensão de  autorizações,  publicidade   da   decisão, dissolução (requisitos desta são idênticos aos do Decreto-Lei n. 28/84, de 20.1) ou perda de mercadorias, meios de transporte e outros instrumentos do crime.

Com a revisão operada pelo DL n° 59/07, de 4 de Setembro, com entrada em vigor a 15.09.07, introduziu-se no Código Penal a responsabilidade criminal das pessoas colectivas em certos ilícitos, daí o aditamento do Capitulo VI (art°s 90°-A a 90º-M) , consagrando-se no art° 90°-B a conversão das penas de prisão em penas de muita para as pessoas colectivas.

Em conclusão: o prazo de prescrição do procedimento criminal das pessoas colectivas tem regime próprio no RGIT no seu art° 21°, e não em função do limite máximo da pena de prisão, não havendo, por isso, que chamar á colação o n° 3 do art° 118° do CP.

Dito de outro modo, no RGIT - que já antes do Código Penal admitia a responsabilidade criminal das pessoas colectivas - o legislador fixou que "o  procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de   prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos".
* *

Sendo pacífico o entendimento jurisprudencial quanto à natureza do ilícito em análise, classificado como crime de perigo, têm apesar disso surgido algumas divergências relativamente ao momento determinante para efeitos de estabelecer o início de contagem do prazo prescricional.

A acusação descreve factos que consubstanciam uma situação de "facturas de favor", emitidas em resultado de um acordo do utilizador (JFC, BRS, GR, e TCO Lda que as incorporou na sua contabilidade fiscal) com vista a obter vantagens  patrimoniais,   recebendo  os emitentes (BCU Lda e DJ) uma contrapartida monetária correspondente a uma percentagem do valor de cada factura.

Não desconhecemos a orientação de alguma jurisprudência e doutrina no sentido que o momento relevante para o efeito da consumação do crime é aquele em que o contribuinte dá conhecimento às autoridades fiscais da declaração fraudulenta, mas não seguimos, com o devido respeito, esta posição.

Perfilhamos então o entendimento que julgamos ser dominante nos tribunais superiores de que o crime de fraude fiscal com recurso a facturas falsas ou fictícias se consuma na data da emissão dessas facturas, independentemente de ter havido ou não declaração do contribuinte (declaração periódica do IVA ou a entrega anual da declaração do IRC, sendo para efeitos de consumação irrelevantes tais declarações). (Neste sentido, entre outros, o já citado Ac. RL; o Ac. da Rel. do Porto de 5/01/2011 e de 3.12.2012 e Ac.  do TRG de 3.11.2014).

Assim, o crime de fraude fiscal, na modalidade de utilização de facturas de venda, a que não corresponde verdadeira transacção (que é, indiscutivelmente, a dos autos), consuma-se no dia da emissão das facturas, - 24.03.06., 30.06.06 e 30.09.06.

A sociedade " BCU, Lda" não chegou a prestar Termo de Identidade e Residência nestes autos, nem foi constituída como arguida na pessoa do seu representante legal até o limite de cinco anos após os factos que lhe foram imputados, isto é, até 30.09.11 e a sociedade " TCO Lda" foi constituída como arguida em 07.12.12 (fIs.237).

Não tendo ocorrido qualquer facto interruptivo nem suspensivo da prescrição, em relação às sociedades, o prazo prescricional do procedimento ocorreu em 30.09.11.

A prescrição é uma causa de extinção do procedimento criminal de conhecimento oficioso.

Pelo exposto, declaro extinto, por efeito da prescrição, o procedimento criminal instaurado contra a arguida "TCO Lda", actualmente, " CT, SA", e " BCU,  Lda".
Notifique.
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Após trânsito, venham os autos conclusos.
06.02.16 (sábado)».
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3.-O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, e neste caso, vem colocada uma única questão: saber se o procedimento criminal instaurado contra as arguidas se extinguiu por prescrição.
Entende o recorrente que a decisão recorrida assenta numa errónea interpretação do disposto nos arts. 103°, 104°, n.° 2 e 21°, nrs. 1 e 2, todos do R.G.1.T., e dos arts. 118° e 119°, n° 1, do Código Penal, quer quanto ao momento em que o Tribunal recorrido considerou consumados os crimes imputados às sociedades arguidas, quer quanto à mensuração do prazo prescricional aplicável aos factos e crime sob análise.

4.-Quanto ao momento da consumação dos crimes.
 
O momento em que se consuma o crime constitui questão importante a resolver, dada as implicações que tal resposta tem em termos de prescrição.

Desde logo, o momento da consumação do crime marca o início da contagem do prazo prescricional, assim o determina o artº 119º, nº1 do Código Penal quando estabelece que “O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado”.

Mas para a resolução desta questão importa que se caracterize o tipo de ilícito em causa.

Dispõe o art. 103° do R.G.I.T. o seguinte: “1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por: a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável: b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária; c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas; 2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 15000; 3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária”.

Por sua vez, em ordem a descrever as circunstâncias qualificadoras do tipo legal supra mencionado, o art. 104° do R.G.I.T. estabeleceu que: 1-Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias: a) - O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária; b) - O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções; c) - O agente se tiver socorrido do auxilio do funcionário público com grave abuso das suas funções; d) - O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária; e) - O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro; j) - Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável; g) - O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais; 2-A mesma pena é aplicável quando: a) - A fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente; ou b) - A vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 50 000; c)- Se a vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 200 000, a pena é a de prisão de 2 a 8 anos para as pessoas singulares e a de multa de 480 a 1920 dias para as pessoas colectivas; 3 - Os factos previstos nas alíneas d) e e) do n.° 1 do presente preceito com o fim definido no n.° 1 do artigo 103.° não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber.

Ora, a partir da análise dos referidos artigos, e como se refere no Acordão do Tribunal da Relação de Évora de 30-06-2009, Processo n° 1100/08-1 (disponível in www.dgsi.pt. ), constata-se que, ao tipificar o ilícito de fraude fiscal, o legislador pretendeu tutelar os valores da verdade e da transparência para com o Estado/Fisco tendo em vista a obtenção das receitas fiscais.

A fraude fiscal materializa-se numa defraudação que visa a obtenção de um benefício fiscal ou de causar um prejuízo ao fisco.
Trata-se de um crime de execução vinculada que só pode ser cometido através de uma das formas típicas descritas nas alíneas a), b) e c) do artº 103º do RGIT, ou seja, o tipo objectivo apenas se preenche com a adopção de condutas que visem a obtenção de uma situação tributária mais favorável, como sejam o não pagamento de um imposto, a sua redução ou a obtenção de benefícios fiscais, de reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.

Assim, para a punição do agente basta comprovar que este quis as respectivas acção ou omissão e que elas eram adequadas à obtenção das pretendidas vantagens patrimoniais e á consequente diminuição da receita tributária.

O artigo 104º do RGIT acolhe a forma qualificada do crime de fraude fiscal, prevendo o nº 2 “a fraude que tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes”, sendo esta a forma de fraude fiscal imputada às arguidas em co-autoria no caso dos presentes autos.

Quanto á natureza do crime de fraude fiscal, o STJ tem entendido tratar-se de um crime de perigo na modalidade de crime de aptidão. Isto porque não se exige a obtenção da vantagem patrimonial em prejuízo do fisco, mas apenas a conduta tipificada que vise essa vantagem ou prejuízo. Deste modo, o crime consuma-se ainda que nenhum dano ou vantagem patrimonial indevida venha a ocorrer efectivamente.

É o que resulta da expressão “susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias” (corpo do nº1 do artº 103º do RGIT).

Também a doutrina tem referenciado o crime de fraude fiscal como um “crime de resultado cortado”, em que o dano patrimonial enquanto tal é estranho ao tipo, mas está a ele associado pela mediação de um específico elemento subjectivo, pelo que o referido dano patrimonial figura como uma referência expressa da intervenção do agente e a produção efectiva de um dano ao património fiscal ou à obtenção de um beneficio fiscal ilegítimo, que se configura como indispensável à consumação da infracção.

Apesar deste entendimento jurisprudencial pacífico acerca da natureza deste ilícito, classificado como crime de perigo, têm apesar disso surgido algumas divergências relativamente ao momento determinante para efeitos de estabelecer o início de contagem do prazo prescricional.

Entendeu o despacho recorrido que o crime de fraude fiscal com recurso a facturas falsas ou fictícias se consuma na data da emissão dessas facturas, independentemente de ter havido ou não declaração do contribuinte (declaração periódica do IVA ou a entrega anual da declaração do IRC, sendo para efeitos de consumação irrelevantes tais declarações). Assim, no caso presente, o crime de fraude fiscal, na modalidade de utilização de facturas de venda, a que não corresponde verdadeira transacção (que é, indiscutivelmente, a dos autos), consumou-se no dia da emissão das facturas, - 24.03.06., 30.06.06 e 30.09.06.

Por sua vez, o recorrente Ministério Público, entende que o crime de fraude fiscal qualificada terá necessariamente de se consumar apenas e só quando as facturas são inseridas nas respectivas declarações à Autoridade Tributária, quer seja em sede de I.V.A., quer seja em sede de I.R.C. ou mesmo de I.R.S, citando, neste sentido, Carlos Teixeira e Sofia Gaspar in Comentário das Leis Extravagantes, vol. 11, Lisboa, 2011, página 456.

Discorda assim o recorrente que o momento da consumação da infracção ocorra no dia da emissão das facturas como se entendeu no despacho recorrido.

O recorrente invoca a seguinte argumentação:
Ao nível do tipo objectivo de ilícito, tem-se entendido que o crime de fraude fiscal se encontra estruturado por referência a três elementos, a saber: i) os comportamentos, ii o evento perigoso e, iii) o valor. No que tange ao primeiro dos elementos referidos - os comportamentos - o tipo de ilícito preenche-se com a adopção de condutas que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias, tendo o legislador concretizado legalmente e de forma taxativa esses comportamentos nas alíneas a), b), e c), do n° 1, do art. 103° do R.G.I.T. e na verificação de mais do que um dos previstos no n° 1 do art. 104°, ou ainda, verificada uma das situações ínsitas no n° 2 deste artigo 104°. Quanto ao elemento "evento perigoso", preenche-se com a realização de um evento dirigido a uma diminuição das receitas fiscais ou à obtenção de um beneficio fiscal injustificado e à consequente lesão do Estado Fisco. Tratando-se de crime de perigo, estamos em crer, tal como Alfredo de Sousa já o entendia no âmbito do Regime Geral das Infracções Fiscais Não Aduaneiras (doravante R.G.I.F.N.A.), que "para a punição do agente basta comprovar que quis as respectivas acções ou omissões e que elas eram adequadas à obtenção das pretendidas vantagens patrimoniais e à consequente diminuição das receitas tributárias" (CB. Infracções Fiscais Não Aduaneiras, 3ª ed., Almedina, 1998).

Isto significa, portanto, que a fraude fiscal se consuma antes da produção do resultado e independentemente da produção do mesmo.

No âmbito do tipo subjectivo de ilícito, tem-se entendido que o crime de fraude fiscal se encontra estruturado por referência a dois elementos, a saber: i) o dolo eii) um elemento subjectivo especifico de ilicitude. O dolo, traduz-se no conhecimento e vontade de praticar o facto típico descrito no tipo objectivo de ilícito, enquanto que o elemento subjectivo específico de ilicitude, surge como uma finalidade do agente, dirigida à não liquidação, entrega ou pagamento do imposto ou à obtenção indevida de vantagens patrimoniais, pelo que a intenção de obtenção de vantagem patrimonial indevida tem de estar presente no momento da consumação da conduta tipicamente consignada.

Como se acima referiu aquando da enunciação do texto da norma em apreço, o legislador, nos termos do n° 2 do art. 104° do R.G.I.T. qualifica a fraude quando esta "tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente". Como de tal enunciação igualmente se extrai, o legislador classificou abstractamente em três categorias a utilização fraudulenta de facturas, a saber: a) facturas ou documentos equivalentes relativos a operações inexistentes; b) facturas ou documentos equivalentes que referem valores diferentes dos valores reais; c) facturas ou documentos equivalentes que sugerem a intervenção de pessoas ou entidades distintas das envolvidas na relação subjacente.

À luz destas premissas, e salvo o devido respeito pela opinião contrária, entendemos que o crime de fraude fiscal qualificada não se consuma no dia da emissão das facturas como se entendeu no despacho recorrido (apoiado na jurisprudência indicada e em muita outra que não desconhecemos mas com a qual não concordamos).

Com efeito, tratando-se de uma factura falsa, terá de aceitar-se necessariamente como desconhecida a data da sua emissão. O facto de na factura constar uma data não garante, dada a natureza do referido do documento e o contexto em que foi emitido, que a mesma tenha sido emitida nessa altura. A este título, relembre-se que as facturas "falsas" têm como objectivo reduzir o montante de imposto a pagar num determinado período, pelo que, o normal será que as mesmas sejam sempre emitidas com uma data de "conveniência".

Nesta linha de pensamento, convocamos desde logo um exemplo teórico, com correspondência em muitas situações reais, segundo o qual uma determinada sociedade apenas apresenta a declaração de I.R.C. referente ao ano de 2004 no ano de 2008.

Quem pode garantir, nestas condições, que a data da factura "falsa" verificada (referente ao ano de 2004) é correspondente à que foi, efectivamente, emitida e não em data posterior? Quem garante (como frequentemente sucede) que a sociedade declarante, ao aperceber-se que teria de pagar imposto referente ao período da declaração, não a obtém apenas nessa altura mas datada de 2004? Poder-se-á dizer que o crime se consuma na data constante da factura?

Por outro lado, temos ainda a seguinte evidência que contraria contundentemente a tese segundo a qual o momento da consumação do crime em causa corresponde à data aposta nas facturas como sendo a da sua emissão, e que é precisamente o facto de alguém ter uma factura falsa na sua posse não ser suficiente, só por si, para demonstrar que tal pessoa tivesse como objectivo a prática do crime de fraude fiscal qualificada ou qualquer outro.

Poderá também acontecer que uma determinada sociedade (ou empresário em nome individual), embora tenha na sua posse uma factura "falsa", não a declara nem na declaração de I.V.A. respeitante ao período a que corresponde a data da factura nem, posteriormente, na declaração de I.R.C. do ano em referência.

Será possível afirmar, neste caso, que o crime se encontra consumado? É possível demonstrar que o detentor da factura tinha intenção de lesar patrimonialmente o Estado?

É nosso entendimento que não, desde logo pelo obstáculo intransponível que seria a impossibilidade de demonstrar a intenção de obtenção de vantagem patrimonial indevida.

A tudo isto acresce que o tipo legal em causa exige a utilização de facturas, não se bastando com a mera detenção das mesmas pelo sujeito passivo, utilização essa que, se terá de concluir, há-de ser quando as mesmas são declaradas à Administração Tributária.

Na verdade, o crime de fraude fiscal qualificada terá necessariamente de se consumir quando tais facturas são inseridas nas respectivas declarações à Autoridade Tributária, quer seja em sede de I.V.A., quer seja em sede de I.R.C. ou mesmo em I.R.S. (momento em que se tornam relevantes) e isto antes e independentemente da produção do resultado pretendido mas já com uma actuação objectivamente apta a produzir esse resultado e a demonstrar a intenção de obtenção de vantagem patrimonial indevida.

E mais assim se mostra ser se aceitarmos (como é nosso entendimento, apoiados não só na análise própria do tipo de crime em apreço mas também na sua evolução histórica e na própria orientação da jurisprudência que pensamos cada vez mais dominante) que a vantagem patrimonial (superior a 15.000,006) é um elemento típico para a verificação do crime que terá de ser objectivável e isso só pode acontecer depois de apresentada a respectiva declaração.

Pelo exposto, entendemos que o crime de fraude fiscal qualificada terá necessariamente de se consumir apenas e só quando tais facturas são inseridas nas respectivas declarações à Autoridade Tributária, quer seja em sede de I.V.A., quer seja em sede de I.R.C. ou mesmo de I.R.S. (neste sentido veja-se Carlos Teixeira e Sofia Gaspar in Comentário das Leis Extravagantes, vol II, Lisboa, 2011, página 456).
*

Não desconhecemos a orientação de alguma jurisprudência e doutrina neste sentido, referindo Augusto Silva Dias que “A regra é que a consumação se verifica no momento da liquidação, se esta é realizada pela administração financeira ou, no caso de auto liquidação, quando o contribuinte entrega a declaração na repartição de finanças” e, no mesmo sentido, Carlos Teixeira e Sofia Gaspar, in Comentário das Leis Extravagantes, vol 2, Lisboa, 2011, pág. 456, citada pelo recorrente.

Discordamos, porém, de tal orientação, perfilhando o entendimento do despacho recorrido, no sentido de que o crime de fraude fiscal com recurso a facturas falsas ou fictícias se consuma na data da emissão dessas facturas, independentemente de ter havido ou não declaração do contribuinte (declaração periódica do IVA ou a entrega anual da declaração do IRC, sendo para efeitos de consumação irrelevantes tais declarações), com apoio em jurisprudência vária, nomeadamente, Ac. RL de 25-02-2015, Ac. da Rel. do Porto de 5/01/2011 e de 3.12.2012 e Ac.  do TRG de 3.11.2014.

Seguindo a tese segundo a qual o momento da consumação do crime em causa corresponde à data aposta nas facturas como sendo a da sua emissão, convocamos a argumentação, clara e concisa, do douto Ac. da Relação de Lisboa de 25-02-2015, Relatora:Conceição Gonçalves, que subscrevemos na íntegra;

«Em primeiro lugar as facturas tornam-se relevantes logo que emitidas porque cumprem um objectivo querido pelo agente: o de serem incorporadas na contabilidade com vista à obtenção de vantagens fiscais ilegítimas. A data que vem aposta na factura serve o objectivo visado pelo agente, tendo por isso um significado preciso. Neste quadro, estando em causa um crime de perigo, para a punição do agente basta comprovar que ele quis incorporar aquelas facturas na sua escrita, e que elas eram adequadas à obtenção das pretendidas vantagens patrimoniais e à consequente diminuição da receita tributária.
Por outro lado, como dissemos, a obtenção de vantagem patrimonial não é elemento do tipo, bastando apenas que as condutas do agente sejam preordenadas à obtenção de tal vantagem, não sendo de exigir para a consumação do crime que o agente represente com exactidão o montante da vantagem ou benefício patrimonial indevido, bastando a representação da consequência da diminuição da receita fiscal.
Deste modo, o ilícito consuma-se quando o agente, com a intenção de lesar o Fisco, atenta contra a verdade e transparência exigidas na relação Fisco-contribuinte, através de qualquer das modalidades de falsificação, previstas no artº 103º, nº 1 do RGT. Deste modo, o momento a partir do qual começa a contar o prazo de prescrição é o momento da acção delituosa, com vista ao não pagamento da prestação tributária.
Assim, a verificação do crime não só não depende da liquidação como necessariamente a precede.
Perfilhamos então o entendimento que julgamos ser dominante nos tribunais superiores de que o crime de fraude fiscal com recurso a facturas falsas se consuma na data da emissão dessas facturas, independentemente de ter havido ou não declaração do contribuinte (declaração periódica do IVA ou a entrega anual da declaração do IRC, sendo para efeitos de consumação irrelevantes tais declarações). Neste sentido, entre outros, o ac. da Rel. do Porto de 5/01/2011 e de 3.12.2012 e  ac. do TRG de 3.11.2014).
Também a liquidação se revela absolutamente desnecessária do nosso ponto de vista, no entendimento que perfilhamos de não ser aplicável à fraude fiscal qualificada, o nº 2 do artº 103º (limite dos 15.000€ para ser punível), nomeadamente quando a execução do crime passa pela utilização de facturas falsas (v. neste sentido, entre outros, o ac.TRG de 18.05.2009).
Em conclusão, consumando-se o crime de fraude fiscal com a emissão da factura, é a sua data de emissão relevante para o início do prazo de prescrição do procedimento criminal».

5.-quanto à mensuração do prazo prescricional

Entendeu o despacho recorrido que o prazo de prescrição deste crime é de 5 anos, para as pessoas colectivas, de harmonia com o disposto no Código Penal e 21°, n° l, do RGIT, porquanto a estas só se aplicar pena de multa e nunca a pena de prisão, enquanto para as pessoas singulares é de 10 anos, nos termos da al. b), do n° 1, do art° 118° do Código Penal conjugado com o n° 2 cio art° 21° do RGIT. (neste sentido, vide Jorge Lopes Sousa e Manuel Simas Santos, Regime das Infracções Tributárias, p. 265).

E, ainda que se entenda ser de aplicar o prazo de prescrição de 10 anos, mesmo estando em causa pessoa colectiva, por força do disposto no nº 3 do  artº 118°, do Código Penal, o mesmo não é aplicável aos autos, porquanto esta redacção só foi introduzida pela Lei n° 59/2007, de 4 de Setembro, com entrada em vigor a 15.09.2007, e não sendo manifestamente mais favorável não é de aplicar o disposto no n° 4 do art° 2 do Código Penal.

Entende ainda o despacho recorrido que não é de aplicar por uma outra razão: o direito português apenas conhece o princípio geral da responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas e o princípio da responsabilidade criminal das pessoas colectivas em certas áreas delimitadas de criminalidade, sendo o direito criminal das infracções tributárias (Lei nº 15/2001, de 5/6, na última redacção do Decreto-Lei n. 229/2002, de 31.10) uma dessas áreas, consagrando um regime próprio dos limites (máximo e mínimo e quantitativos diários) da pena de muita, sendo a multa mínima aplicável de € 100,00 e máxima aplicável é de € 9 600.000 (1920 dias X diária até 5000 euros, nos termos do n°l do art° 12° e n° 1, do 15°, ambos do RGIT.) e são aplicáveis as penas acessórias de interdição temporária do exercício de actividades, privação do direito de receber subsídios ou subvenções concedidos por entidades públicas, perda de benefícios fiscais ou inibição de os obter, privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos, do direito a subsídios e benefícios, do direito de participar em feiras, mercados, leilões ou arrematações e concursos de obras públicas, de fornecimento de bens ou serviços e de concessão, encerramento temporário de estabelecimento, cassação de licenças ou concessões e suspensão de  autorizações,  publicidade   da   decisão, dissolução (requisitos desta são idênticos aos do Decreto-Lei n. 28/84, de 20.1) ou perda de mercadorias, meios de transporte e outros instrumentos do crime.

Com a revisão operada pelo DL n° 59/07, de 4 de Setembro, com entrada em vigor a 15.09.07, introduziu-se no Código Penal a responsabilidade criminal das pessoas colectivas em certos ilícitos, daí o aditamento do Capitulo VI (art°s 90°-A a 90º-M) , consagrando-se no art° 90°-B a conversão das penas de prisão em penas de multa para as pessoas colectivas. Assim, o prazo de prescrição do procedimento criminal das pessoas colectivas tem regime próprio no RGIT no seu art° 21°, e não em função do limite máximo da pena de prisão, não havendo, por isso, que chamar á colação o n° 3 do art° 118° do CP.

Por sua vez, entende o recorrente, que o prazo de prescrição aplicável aos factos e aos crimes ora sob apreciação é, nos termos do disposto, conjuntamente, nos arts. 21°, 103° e 104° do R.G.I.T. e 118° e 119° do Código Penal, de 10 anos, e não de 5 anos como defende o Tribunal a quo.
 
Vejamos:

Estabelece o artº 21º do RGIT, o seguinte:
1.-O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos.
2.-O disposto no número anterior não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos.

O crime de fraude qualificada é punível com prisão de 1 a 5 anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas (artº 104º, nº 1, do RGIT).

Estando em causa pena de prisão cujo limite máximo é igual a 5 anos, importa atentar nos prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal, mais concretamente no artº 118º, nº 1, al. b) que “extingue o procedimento criminal, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido 10 anos”.

Assim e por remissão directa do R.G.I.T. (art. 21°, n° 2), é de aplicar (atenta a moldura penal correspondente) neste tipo de crime, não o disposto no seu art. 21°, n° 1, mas antes o disposto no art. 118°, n° 1, alínea b), do Código Penal, sendo, pois, o prazo de prescrição de 10 anos e não 5 anos.

E assim é, independentemente de se tratar de pessoa singular ou de pessoa colectiva, não obstante a esta última apenas poder ser apenas aplicada pena de multa.

Como tal, não poderia o despacho recorrido entender que o prazo prescricional do procedimento pelos crimes de fraude fiscal qualificada imputados nestes autos às sociedades arguidas ocorreu em 30.09.11, desde logo porque as facturas aqui em destaque são datadas de 24 de Março de 2006, 30 de Junho de 2006 e 30 de Setembro de 2006, como resulta dos documentos juntos aos autos e do próprio teor do despacho de acusação, o que redunda no facto de que o prazo puro de prescrição, independentemente da eventual ocorrência de quaisquer causas de interrupção ou suspensão da prescrição, apenas encontraria o seu fim, para cada um dos aludidos casos, em 24 de Março de 2016, 30 de Junho de 2016 e 30 de Setembro de 2016.

Entende, ainda, a decisão recorrida, que o prazo de prescrição do crime de fraude fiscal qualificada, quando imputado a pessoas colectivas, não é de 10 anos mas sim de 5 anos, uma vez que o disposto no art. 118° do Código Penal não pode ter aplicação no caso vertente, em virtude de o seu actual n°3 apenas ter sido introduzido com a reforma penal de 2007 e de os factos ora sob análise serem anteriores a esse momento.

Discordamos de tal orientação uma vez que, como bem salienta o recorrente, a singrar esta tese, estaríamos perante uma legalmente inadmissível interpretação derrogante do disposto no n° 2, do art. 21° do R.G.I.T., o qual, expressa e inequivocamente afirma que o prazo de prescrição do procedimento criminal previsto no n° 1 não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal, quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos e remete directamente para o disposto no art. 118° do Código Penal, sendo irrelevante que a redacção do n° 3, do art. 118°, do Código Penal presentemente em vigor não existisse ainda à data da ocorrência dos factos ora em crise e que, por isso, e por constituir um regime menos favorável às sociedades arguidas, não pode ser aqui aplicada.

Na verdade, a norma que importa aqui aplicar não é aquela mas sim a alínea b), do n° 1, do aludido art. 118° do Código Penal, cujo actual conteúdo já estava em vigor à data da prática dos factos sob apreciação e segundo a qual o prazo de prescrição para os crimes de fraude fiscal qualificada (mesmo estando em causa a imputação deste ilícito penal a uma pessoa colectiva) é, indiscutível e inexoravelmente, de 10 anos e não de 5 anos, sendo certo, ainda, que o art. 21°, n° 2, do R.G.I.T. sempre pretendeu para ela remeter, independentemente da existência ou não do actual n° 3, do art. 118°, do Código Penal, sujeitando ao seu regime também as pessoas colectivas no domínio dos crimes fiscais elencados no R.G.I.T.

Por outro lado, como bem observa o recorrente, «afigura-se-nos ser claro que, quer no n° 1, quer no n° 2, do acima mencionado art. 21°, o R.G.I.T. não pretendeu fazer nenhuma distinção entre o regime de prescrição aplicável aos crimes cometidos por pessoas colectivas ou singulares, em função desta sua natureza, pois nada aí ficou dito sobre esta matéria, nem em nenhum outro lugar deste diploma legal. Logo, se o próprio legislador não efectuou nenhuma distinção, não vemos porque razão o intérprete deveria fazê-la, nem o Tribunal A Quo invocou nenhum argumento que possuísse força suficiente para justificar tal distinção.
Nesta ordem de ideias, importa clarificar que a razão invocada pelo Tribunal A Quo para acolher a sua tese - razão esta relacionada com a excepcionalidade da responsabilidade criminal imputável às pessoas colectivas e com o facto de o Código Penal apenas a ter passado a prever a partir da reforma penal de 2007 (quando os crimes alegadamente cometidos e aqui apreciados ainda não tinham sido cometidos) - de nada pode valer, salvo melhor opinião, porquanto, como é consabido, o R.G.I.T. sempre previu esta espécie de responsabilidade criminal (de pessoas colectivas) quanto aos crimes nele elencados, designadamente o de fraude fiscal qualificada, e, nessa conformidade, sempre previu e contemplou outrossim a supra destacada remissão legal do art. 21°, n° 2, para as alíneas a) e b) do n° 1, do art. 118° do Código Penal, mesmo antes da reforma penal de 2007».

Assim, e em conclusão, entendemos que o prazo de prescrição aplicável é de 10 anos, mesmo estando em causa pessoa colectiva, sendo o prazo de prescrição do procedimento criminal determinado em função do limite máximo da pena de prisão.
Assiste assim razão ao recorrente nesta parte.
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Importa agora apreciar se o procedimento criminal pelos factos imputáveis às sociedades arguidas, estão ou não extintos, por prescrição.

Como resulta do despacho recorrido, estão em causa quatro crimes de fraude fiscal qualificada, previstos e punidos pelos arts. 103° e 104°, n° 2 do R.G.I.T., imputáveis às sociedades arguidas "TCO Ld"', actualmente, " CT, SA", e "BCU, Lda" (sendo, em rigor, imputados a cada uma delas um grupo de quatro crimes: 3 em sede de IV A. e 1 em sede de IR C.)

Os crimes em apreço têm por base as declarações de I.V.A. de Março, Junho e Setembro de 2006, apresentadas no final de tais meses pela sociedade arguida "TCO Lda", actualmente, " CT, SA", e a declaração de I.R.C. referente ao exercício de 2006 apresentada pela mesma sociedade arguida em 2007 (mais precisamente no dia 23 de Maio de 2007-cfr. fls. 382).

A consumação ocorreu nas datas apostas nas facturas, o que no caso dos autos se reportará a 24/03/2006, 30/06/2006 e 30/09/2006.

O prazo puro de prescrição, independentemente da eventual ocorrência de quaisquer causas de interrupção ou suspensão da prescrição, apenas encontraria o seu fim, para cada um dos aludidos casos, em 24 de Março de 2016, 30 de Junho de 2016 e 30 de Setembro de 2016.

A sociedade " BCU, Lda" não chegou a prestar Termo de Identidade e Residência nestes autos, nem foi constituída como arguida na pessoa do seu representante legal.

Assim, não tendo ocorrido qualquer facto interruptivo nem suspensivo da prescrição em relação à sociedade " BCU, Lda", o prazo prescricional referente ao exercício de 2006, ocorreu em 30/09/2016, importando assim declarar extinto, por prescrição, o procedimento criminal instaurado contra a arguida pelos imputados crimes de fraude qualificada p. e p. pelos arts. 103º e 104º, nos. 1 e 2, da RGIT, referente ao exercício do ano de 2006.
Quanto aos crimes imputados à sociedade arguida "TCO Ld"', actualmente, "CT, SA", ocorreram várias causas de interrupção do decurso do prazo de prescrição, nos termos do disposto no art. 121°, nºs. 1, alíneas a) e b), e 3, do Código Penal, aqui aplicável ex vi art. 3°, alínea a), do R.G.I.T., como é o caso da sua constituição formal como arguida e sujeição a T.I.R. e da própria notificação da acusação (cfr. fls. 237 a 240 e 468), assim como se verificou também uma causa de suspensão do prazo de prescrição, nos termos do disposto no art. 120°, nºs. 1, alínea b), 2 e 6, todos do Código Penal, aqui aplicável ex vi art. 3°, alínea a), do R.G.I.T., com a pendência do processo a partir da notificação da acusação à sociedade arguida (cfr. fls. 468 e seguintes) que operam uma extensão do prazo de prescrição dos crimes de fraude fiscal qualificada imputados à sociedade arguida "CT, SA" para, pelo menos, 15 anos, o que significa que a extinção, por prescrição, do presente procedimento criminal contra a referida sociedade arguida (por referência aos vários crimes em discussão) nunca se verificará antes de 2021, devendo os autos prosseguir para julgamento quanto à mesma sociedade.
Procede, assim, parcialmente o recurso.
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6.-Face ao exposto, acordam os Juízes da ...ª secção deste Tribunal da Relação de Lisboa, julgando parcialmente procedente o recurso, em declarar extinto o procedimento criminal, por prescrição, instaurado contra a arguida "BCU, Lda" relativamente aos imputados crimes de fraude qualificada, referente ao exercício do ano de 2006, revogando-se quanto ao mais a decisão recorrida, determinando o prosseguimento dos autos contra a sociedade arguida "TCO Ld"', actualmente, "CT, SA", pela prática de quatro crimes de fraude fiscal qualificada, previstos e punidos pelos arts. 103° e 104°, nºs. 1 e 2 do R.G.I.T. (3 em sede de I.V.A. e 1 em sede de LR.C.) nos precisos termos exarados no despacho de acusação constante dos autos, por se não mostrarem prescritos.
Sem custas por não serem devidas.

 
 
Lisboa, 17 de janeiro de 2017



Cid Geraldo
Ana Sebastião