Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7004/22.0T8ALM.L1-8
Relator: CARLA FIGUEIREDO
Descritores: CITAÇÃO
CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEPÇÃO
NULIDADE
ARGUIÇÃO
RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - A lei estabelece diferentes formas de reacção contra a nulidade de citação: a reclamação através da arguição da nulidade, nos termos previstos nos arts. 195º e seguintes do CPC (entre os quais o art. 198º, 2); a interposição de recurso ordinário, quando a mesma tiver sido explicita ou implicitamente objecto de decisão judicial e, quando verificados os pressupostos de recorribilidade previstos nos arts. 627º e seguintes do CPC (veja-se, Alberto dos Reis, ob. cit. p. 507 e 510; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 183; Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1985, p. 393 e ac. STJ, de 26.02.1998, proc. 98B060, disponível em www.dgsi.pt); a interposição de recurso extraordinário de revisão se arguida após o trânsito em julgado e verificados os pressupostos mencionados nos arts. 696º e seguintes do CPC; e, no caso das execuções, por meio de oposição à execução, de acordo com o artigo 729º, alínea d) do CPC;
- Tendo os Réus optado por arguir a falta/nulidade de citação em sede de recurso e uma vez que a mesma acabou por ser implicitamente objecto de decisão judicial (por duas vezes, a primeira, aquando do despacho de 19/1/2023 que considerou confessados os factos alegados na p.i. por falta de citação e, a segunda, quando os mesmos foram inseridos na sentença proferida), cumpre a este tribunal apreciar tal questão de acordo com os elementos constantes dos autos;
- A lei estabelece uma presunção juris tantum no caso de a carta de citação ser recebida por pessoa diversa do citando: a presunção de que a carta de citação foi oportunamente entregue ao destinatário e de que este dela teve oportuno conhecimento (cfr. nº 4 do artigo 225º e nº 1 do 230º do CPC);
- O facto de as cartas enviadas ao abrigo do art. 233º do CPC, não devolvidas, terem sido entregues a outra pessoa que não os Réus não gera a nulidade da citação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório
R... e V..., ambos residentes em S…, Suíça, instauraram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra J... e M..., ambos residentes na Rua…..
Alegaram os autores, em síntese, que celebraram com os réus um contrato- promessa de compra e venda, tendo por objecto um imóvel pertencente aos réus, por efeito do qual pagaram o sinal ajustado e marcaram reiteradamente a escritura pública de compra e venda, não tendo os réus comparecido nesse acto por três vezes consecutivas, pelo que os autores lhes comunicaram ter ocorrido o incumprimento definitivo do contrato promessa, conforme os advertiram que sucederia na última marcação, e solicitaram a devolução do sinal entregue.
Em conclusão, pedem os autores que a acção seja julgada procedente e, em consequência, sejam os réus condenados a devolver-lhes o sinal em dobro, ou seja, condenados a pagar aos autores a quantia de € 80.000,00, acrescida de juros, contados desde a citação, bem como sejam os réus condenados nas custas do processo.
Foi enviada carta registada com aviso de recepção para citação dos réus para a morada constante da petição inicial, vindo os ARs devolvidos (com entrada nos autos a 2/11/2022), assinados por uma terceira pessoa (M…), no dia 26/10/22 (refs. 34046821 e 34046831).
No dia 3/11/22, seguiram cartas registadas para notificação dos réus, para a mesma morada, nos termos do art. 233º do CPC (refs. 420254387 e 420254435), as quais não foram devolvidas.
A 19/1/23 foi proferido o seguinte despacho:
Não tendo a acção sido contestada, após regular citação do/a(s) réu/ré(s), julgo confessados os factos articulados pelo/a(s) autor/a(es)(s) sobre os quais a confissão pode recair (art.º 567.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e desde já determino se cumpra o disposto no art.º 567.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, facultando-se o processo ao/à Ilustre Mandatário/a do/a(s) autor/a(es)(s), para exame, incluindo o suporte físico dos autos, se necessário, durante o prazo de 10 (dez) dias, a fim de, querendo, vir apresentar as suas alegações, por escrito”.
O referido despacho foi notificado ao Ilustre Mandatário dos autores.
A 14/4/23, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
Julgo a acção procedente, por provada, e, em consequência:
a) Declaro validamente resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado no dia 5 de Abril de 2022, entre os autores R... e V... e os réus J... e M....
b) Condeno os réus J... e M... a pagar aos autores R... e V... a quantia de € 80.000,00 (oitenta mil euros), acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, todos contados à taxa legal de 4%, calculados desde a citação e até integral pagamento;
c) Condeno os réus no pagamento das custas do processo”.
A sentença proferida foi notificada aos réus, a 18/4/23, por carta registada, na mesma morada que consta dos autos.
Por requerimento apresentado a 21/5/23, os réus vieram constituir mandatário, protestando juntar procuração em cinco dias, o que fizeram no dia 25/5/23 (procuração onde consta como morada dos réus a morada conhecida nos autos). No mesmo dia, apresentaram o seu recurso, pagaram a taxa de justiça devida e a multa pela apresentação das alegações no terceiro dia útil (ref.36073020).
Por despacho de 5/1/2024, foram os apelantes convidados por este tribunal, ao abrigo do disposto pelo art. 639º, nº3 do Código de Processo Civil, a sintetizar as conclusões do recurso.
Os Apelantes apresentaram, então, requerimento em que juntaram as seguintes conclusões aperfeiçoadas:
I – Os recorrentes não foram citados para contestar a ação intentada pelos recorridos ocorrendo FALTA DE CITAÇÃO.
II - Por facto que não lhes é imputável.
III – Foram privados de apresentar a sua defesa e contestar a ação.
IV – Os Recorrentes apenas tiveram conhecimento dos autos com a notificação da sentença sendo a interposição do recurso de apelação a sua primeira intervenção no processo.
V - No dia 24/10/2022 a secretaria judicial procedeu ao envio de 2 cartas de citação, via postal para a morada sita na “Rua…”.
VI – Os recorrentes não tiveram conhecimento das 2 cartas de citação.
VII – Os 2 avisos de recepção juntos aos autos em 02/11/2022 foram assinados pela M… no dia 26/10/2022 identificada em tal acto pelo cartão de cidadão nº …. a qual não as entregou aos recorrentes.
VIII – A M … recebeu as 2 cartas de citação em morada diversa da morada de residência dos recorrentes, na Rua…, local onde funciona uma cresce de crianças “…” propriedade da filha dos recorrentes e onde aquela prestava serviços.
IX – O funcionário dos CTT entregou as 2 cartas de citação à M em morada diversa dos citandos, omitindo tal facto.
X- No dia 07 de Novembro de 2022 a secretaria judicial do Tribunal “a quo” procedeu à notificação através do envio postal registado de 2 advertências tendo como destinatários os recorrentes para a sua morada dando cumprimento ao disposto no artigo 233.º, do C.P.C.
XI – As referidas missivas não foram entregues aos requerentes mas sim à “…”, conforme documentos nºs 3 e 4 juntos aos autos.
XII – Entre a data de assinatura dos 2 avisos de recepção pela M …. em 26/10/2022 até à entrega efetiva das 2 cartas de advertência em 09/11/2012 decorreram 13 dias, dos quais 7 são dias úteis.
XIII- O prazo para a contestação dado aos recorrentes de 30 dias + 5 de dilação, foi encurtado de forma ilegal em 13 dias, ficando deste modo os recorrentes com um prazo de 22 dias de prazo para apresentar a sua contestação.
XIV – O prazo de 2 dias úteis para o envio da advertência foi violado.
XV – Foi ilidida a presunção de citação prevista nos artigos 225.º, n.º4 e 230.º, n.º 1 do C.P.C.
XVI – Ocorreu FALTA DE CITAÇÃO e sempre se verificaria a NULIDADE DA CITAÇÃO já que foram preteridas formalidades essenciais para o efeito, devendo em consequência ser anulados todos os actos praticados após a petição inicial nos termos do disposto nos artigos 187.º, al. a) e 188.º, n.º 1, al. a) e e), do C.P.C.
XVII – A sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, constitui uma “DECISÃO-SURPRESA” já que foi inviabilizado o direito de defesa aos recorrentes.
XVIII – Tornando-se assim NULA por excesso de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC), porquanto, através dela, o tribunal pronuncia-se sobre algo de que não podia conhecer antes de ouvir os recorrentes previamente na demanda.
XIX - Os recorridos ao interporem a presente ação pediram ao Tribunal a condenação dos recorrentes a devolver-lhes o sinal em dobro no pagamento da quantia de 80.000,00 € (oitenta mil euros) sabendo da falsidade de tal facto.
XX – Os recorrentes nada devem aos recorridos.
XXI - Tal pedido não tem qualquer fundamento fáctico ou jurídico e carece de prova.
XXII - Os recorridos não resolveram o contrato promessa de compra e venda celebrado com os recorrentes em 05 de Abril de 2022, porquanto nem sequer o peticionaram.
XXIII - O Tribunal “a quo” errou ao substituiu-se aos recorridos e por sua iniciativa determinou a resolução do contrato de promessa de compra e venda celebrado, sem que tal lhe fosse pedido.
XXIV – É falso que os recorridos tenham comunicado aos recorrentes, “dar o contrato promessa por definitivamente incumprido e RESOLVIDO”.
XXV – A sentença padece assim de nulidade pelo facto do Tribunal “a quo” conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento, e de ter condenado em objecto diverso do peticionado pelos recorrentes, violando o disposto nos artigos 609.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1 als. c), d) e e) do C.P.C.
XXVI - O Tribunal “a quo” errou ao dar como provado que os recorridos liquidaram a quantia de 40.000,00 € aos recorrentes a título de sinal.
XXVII – Não existe qualquer documento nos autos que faça prova do pagamento do sinal.
XXVIII – Os recorridos nunca procederam ao pagamento de 40.000,00 € a título de sinal ou outro.
XXIX – A cláusula terceira do contrato promessa de compra e venda não faz prova do pagamento do sinal.
XXX – O termo “PAGARÃO” não faz prova que efetivamente tenha ocorrido o pagamento.
XXXI - Inexiste quitação dada pelos recorrentes no citado contrato, em documento anexo ou outro.
XXXII – As regras da experiência comum não permitem ao Tribunal “a quo” dar como provado o pagamento de um sinal no montante de 40.000,00 € sem ser junto qualquer comprovativo de pagamento nos autos ou dada quitação desse pagamento.
XXXIII – O Tribunal a “quo” deveria dar como não provado que os recorridos tenham pagado 40.000,00 € aos recorrentes no âmbito do citado contrato promessa de compra e venda.
XXXIV – Inexistindo prova do pagamento do sinal, não podia o Tribunal “a quo” dar como provado o incumprimento definitivo ou mora dos recorrentes no âmbito do citado contrato de promessa, por tal facto.
XXXV - Inexistem, fundamentos para a condenação dos recorrentes, que na verdade deveriam ter sido absolvidos pelo Tribunal “a quo”.
XXXVI- A cláusula resolutiva também designada por “termo resolutivo absoluto” (essencial) foi estipulada e aceite pelos recorrentes e recorridos, no qual estabeleceram previamente as consequências para a eventualidade de não ser obtido financiamento bancário (decorridos 30 dias após a assinatura do contrato promessa de compra e venda).
XXXVII - O contrato promessa de compra e venda foi automaticamente resolvido já que os recorridos não obtiveram o financiamento bancário nos moldes referidos.
XXXVIII – A assinatura do contrato deu-se no dia 05 de Abril de 2022 sendo facto notório que os promitentes compradores deveriam ter obtido financiamento bancário até ao dia 05 de Maio de 2022.
XXXIX - O que determinou a imediata resolução do contrato de promessa e cessação dos seus efeitos.
XL - Os recorridos não lograram afastar a aplicabilidade de tal cláusula resolutiva absoluta e não lograram provar factos que impedissem a sua verificação.
XLI – Os recorrentes não interferiram no processo de concessão de crédito bancário por parte dos recorridos.
XLII - Os recorridos dolosamente protelaram o processo de concessão de crédito para tirar dividendos desse facto imputando o incumprimento aos recorrentes.
XLIII – Os recorridos protelaram por sua culpa exclusiva uma data para o banco fazer a avaliação do imóvel no âmbito do processo de crédito.
XLIV – É facto notório que após a assinatura do contrato promessa de compra e venda em 05 de Abril de 2022, os recorridos teriam de obter financiamento bancário até ao dia 05 de Maio de 2022.
XLV - Os recorridos não conseguiram financiar-se no prazo de 30 dias estipulado ou posteriormente.
XLVI - É facto provado que a data agendada para a realização da avaliação bancária foi o dia 27 de Junho de 2022., tendo em vista a eventual concessão de financiamento bancário.
XLVII - Os recorridos sabiam que no citado dia 27 de Junho de 2022, já tinha expirado há muito o prazo para estes obterem financiamento bancário para o pagamento do preço.
XLVIII - O QUAL EXPIROU AUTOMATICAMENTE NO DIA 05 de MAIO DE 2022, por verificada a condição resolutiva.
XLIX - A verificação do termo resolutivo absoluto (essencial) inserido na cláusula 8ª do contrato promessa de compra e venda fez aquele cessar a produção dos seus efeitos, por intermédio de uma resolução automática.
L - As partes condicionaram a produção de efeitos jurídicos do contrato promessa de compra e venda à obtenção do financiamento bancário de 140.000,00 € no citado prazo de 30 dias, o que não se verificou tenho operado o termo.
LI – Tal cláusula é omissa no que concerne à data acordada pelas partes para realização de eventual avaliação bancária.
LII - Os recorridos não juntaram aos autos qualquer documento a identificar qual a entidade bancária financiadora e eventuais impedimentos relatados por esta.
LIII - NUNCA existiu qualquer incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda, ou mora, por parte dos recorrentes.
LIV - Os recorridos litigam de má-fé, denotando agir em Abuso de Direito já que quando intentaram a presente ação sabiam de antemão que o contrato promessa já tinha cessado os seus efeitos por verificação da cláusula resolutiva no dia 05 de Maio de 2022 e não pagaram qualquer sinal.
LV - O Tribunal “a quo” ao dar como provados todos os factos constantes da petição inicial deveria dar como provada a resolução do contrato de promessa de compra e venda por verificação da cláusula resolutiva e não por incumprimento definitivo dos recorrentes.
LVI - O Tribunal “a quo” não podia condenar os recorrentes no pagamento do dobro do sinal “80.000,00 €” já que para além de não ser feita prova do pagamento do sinal ou da quitação dada pelos promitentes vendedores, inexiste qualquer incumprimento definitivo, mora ou simples incumprimento do contrato promessa de compra e venda por parte dos recorrentes.
LVII - O Tribunal “a quo” errou ainda quando aplicou mal o direito aos seguintes factos provados:
“17. Os réus não compareceram no dito Cartório no dia 5 de Julho de 2022.
18. Os réus também não compareceram no Cartório Notarial do Dr. ….no dia 18 de Julho de 2022.”
LVIII- Não podia o Tribunal “a quo” dar como provados tais factos já que os RR não compareceram no citado Cartório Notarial pelo facto de nas referidas datas de 5 e 18 de Julho de 2022, o contrato já se encontrar resolvido automaticamente desde o dia 05 de Maio de 2022.
LXIX – Os recorrentes também não foram notificados para comparecer nas citadas datas no cartório notarial.
LX- A recorrente M..., não consta como destinatária do aviso de recepção (Doc. 7 outro) para comparência no cartório notarial nas datas agendadas para celebrar a dita escritura.
LXI - Aquela como promitente vendedora, tinha de ser notificada das datas, horas e local onde seria realizada a escritura, o que não se verificou.
LXII- Os recorrentes não compareceram no cartório porque não estavam obrigados e não foram notificados para o efeito, sendo violada a clausula 4ª do contrato promessa celebrado.
LXIII – Os recorrentes não podiam incumprir definitivamente o contrato promessa a que se vincularam, porquanto o mesmo se encontrava extinto pela cláusula resolutiva ter operado.
LXIV - Resulta do contrato promessa e da sua cláusula Quarta, que os recorridos tinham a obrigação de realizar a escritura de compra e venda no prazo de 90 dias da data de assinatura do contrato.
LXV - E tinham de avisar ambos os recorrentes por carta registada com A/r com a antecedência mínima de 10 dias do dia, hora e local onde se realizaria a escritura não tendo cumprido com tal obrigação.
LXVI – Assim no dia 05 ou 18 de Julho de 2022 ultrapassavam o prazo limite de 90 dias para a realização da escritura desde a data de assinatura do contrato promessa ocorrida em 05 de Abril de 2022.
LXVII - O Tribunal “a quo” ao dar como provado o clausulado do contrato, errou pelo facto de não declarar o contrato promessa celebrado resolvido pela verificação do termo absoluto constante da clausula oitava do mesmo.
LXVIII - Os recorridos litigam de má-fé e com abuso de direito, não podendo ignorar da falta de fundamento da sua pretensão devendo este Tribunal caso assim o entenda sancioná-los com multa processual, taxa sancionatória excecional ou no pagamento de uma indemnização a liquidar aos recorrentes conforme alegado.
LXIX - O Tribunal “a quo” errou no julgamento dos factos e da aplicação do direito já que devia ter julgado a ação totalmente improcedente por não provada e absolvido os recorrentes do pedido.
A douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos: 187.º, al. a), 188.º, n.º 1 als. a) e e), 191.º, n.ºs 1, 2 e 4, 195.º, n.º 2, 196.º, 198.º, n.º 2, 199.º, n.º 1, 200.º, n.º 1, 219.º, n.º 1, 225.º, n.º 4, 228.º, n.ºs 1 e 2, 230.º, n.º 1, 233.º, 567.º, n.ºs 1 e 2, 568.º, 609.º, n.º 1, 615.º, n.º1, als. b), c), d) e e) , 696.º, al. e) e ii, todos do C.P.C., e ainda os artigos 410.º, n.º 1, 432.º, 433.º, 436.º, n.º 1 e 224.º, n.º 1, 1ª parte, 441.º, 442.º, n.º 2, 798.º, 799.º, 801.º, n.º 1, 808.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil e ainda o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra de acordo com as pretensões dos ora recorrentes por ser de Justiça!”.
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Os autores/recorridos contra-alegaram, com as seguintes, apresentando as seguintes conclusões:
“1. Os Recorrentes foram regularmente citados para a presente acção, conforme a seguir se evidenciará.
2. As citações de 24.10.2022 foram recebidas na morada dos Réus (Rua ….) pela Senhora D. M…, funcionária da filha dos Recorrentes. É isto o que resulta dos documentos juntos aos autos, inclusive dos documentos que os próprios Recorrentes juntaram com o recurso interposto. As ditas citações não foram, como os Recorrentes alegam, recebidas na Rua…. Foram recebidas na morada dos Recorrentes pela Senhora D. M…, que as entregou aos Recorrentes.
3. Afirmam os Recorrentes que o funcionário dos CTT entregou as ditas citações no nº 31 da Rua …para não perder tempo. Acontece que o nº …e o nº …são duas entradas diferentes do mesmo edifício. O nº …da Rua … e o nº … da Rua …fazem parte de um conjunto de 12 edifícios constituídos por dois blocos de 5 e 7 edifícios cada, descrito na Conservatória do Registo Predial da …sob o nº…– cf. certidão predial que se junta e se dá por integralmente reproduzida. Não se percebe, por isso, seguindo a teoria dos Recorrentes, qual seria o tempo que o funcionário dos CTT iria perder para entregar as cartas de citação dos Recorrentes numa outra entrada do mesmo edifício.
4. Acresce que, os Recorridos têm conhecimento que a filha dos Recorrentes, Senhora D…., proprietária da creche “…” utiliza o apartamento dos seus pais, aqui Recorrentes, dada a proximidade com a creche de que é proprietária, como apoio à actividade desenvolvida, ali guardando alguns mantimentos e provisões, cozinhando algumas refeições e tratando de parte da roupa da creche, sendo, por isso, normal que uma funcionária da Senhora D…., no caso a Senhora D. M …., estivesse em casa dos Recorrentes quando o funcionário dos CTT lhe entregou as citações.
5. Os Recorrentes afirmam que também não receberam as advertências previstas no artigo 233º do Código de Processo Civil, que essas missivas foram recebidas por um terceiro de nome Y. Também esta afirmação não traduz a verdade. Como é óbvio essas advertências foram recebidas pela filha dos Recorrentes, Senhora D…., proprietária da creche “…”, que as entregou aos Recorrentes.
6. Não se verificou, por isso, a falta de citação dos Recorrentes.
7. Também não houve qualquer nulidade da citação conforme alegado pelos Recorrentes. Na verdade, o prazo de 2 dias úteis previstos no artigo 233º, nº 2 do Código de Processo Civil, como é óbvio, não se conta a partir do momento em que a citação é feita em pessoa diversa do citando, como os Recorrentes pretendem, mas sim a partir do momento em que o Tribunal tem conhecimento de que a citação foi feita em pessoa diversa do citando.
8. O Tribunal a quo cumpriu o prazo previsto no artigo 233º do Código de Processo Civil. A citação dos Recorrentes foi efectuada cumprindo escrupulosamente o que está estipulado no Código de Processo Civil.
9. Os Recorrentes afirmam que só tiveram conhecimento dos presentes autos em Abril de 2023 quando foram notificados da sentença proferida. A ser verdade, porque motivo o Ilustre Mandatário dos Recorrentes, rectius um colega de escritório do Ilustre Mandatário dos Recorrentes, requereu a consulta electrónica do processo em Março de 2023!?
10. Acresce que os Recorrentes defendem que a sentença proferida nos autos é nula por violação do disposto nos artigos 609º, nº 1 e 615º, nº 1, alíenas b), c), d) e e). Não lhes assistindo razão como a seguir se evidenciará.
11. Os Recorridos peticionaram a condenação dos Recorrentes na devolução em dobro do sinal que receberam, ou seja, a pagar aos Recorridos a quantia de 80.000,00 € (oitenta mil euros), acrescida de juros, enquanto que a sentença condenou os Recorrentes a pagar aos Recorridos a quantia de 80.000,00 €, acrescida de juros, isto é a sentença condena os Recorrentes exactamente no pedido formulado pelos Recorridos. Não se percebendo em que sentido é que existe uma condenação superior ou em objecto diverso do pedido.
12. Não é a sentença que resolve o contrato promessa dos autos. Não há qualquer substituição dos Recorridos pelo Tribunal a quo. O contrato promessa dos autos foi resolvido pelos Recorridos através da missiva junta à petição inicial como documento 13, documento esse que os Recorridos deram por integralmente reproduzido. A sentença limitou-se a declarar, e bem, válida essa resolução.
13. No artigo 4º da petição inicial os ora Recorridos alegam o seguinte: “Tendo os Autores pago aos Réus, através de transferência bancária, a quantia de 40.000,00 € (quarenta mil euros) a título de sinal e princípio de pagamento (...)”. Os Recorrentes, regularmente citados, não contestaram a acção, o que – nos termos do disposto no artigo 567º, n º 1, implica a confissão dos factos articulados pelos Recorridos.
14. Não se percebe porque motivo o Tribunal a quo, atenta a confissão dos Recorrentes, não deveria ter dado como provado o pagamento o pagamento da quantia de 40.000 € a título de sinal e princípio de pagamento.
15. As alusões a um documento e/ou acordo escrito datado de 28 de Agosto de 2019 e a um contrato promessa de partilha, nada mais são do que meros lapsos, facilmente detectáveis tendo em conta o contexto em que se enquadram, que não acarretam a nulidade da sentença, mas tão só a respectiva correcção, desde que tal seja requerido por algumas das partes ao abrigo do disposto no artigo 614º do Código de Processo Civil.
16. Não existe qualquer oposição ou discrepância entre o fundamento de facto e a decisão.
17. Também no que respeita à clásula 8ª do contrato promessa de compra e venda, importa salientar que os Recorridos alegaram que só não conseguiram o financiamento atempadamente por culpa dos Recorrentes. Sendo certo que, repita-se, os Recorrentes, regularmente citados, não contestaram a acção, o que – nos termos do disposto no artigo 567º, n º 1, implica a confissão dos factos articulados pelos Recorridos.
18. Os Recorridos não litigam de má-fé. São os Recorrentes que, ao deduzir falsos argumentos cuja falta de fundamento não ignoram, litigam de má fé, devendo, por isso, ser-lhes aplicada a multa no valor de 2.500 € que peticionaram para os Recorridos.
19. Os Recorridos não apresentam conclusões. No entanto, a falta de conclusões dos Recorridos não tem consequências ao contrário do que sucede com a falta de conclusões dos Recorrentes (indeferimento do recurso), e o Tribunal a quo não terá deixado de espoletar o efeito legal consentâneo (cf. artigo 641º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Civil) e, se assim for, o recurso a que à cautela se responde nem deveria ter chegado a esta fase. Se – por hipótese que se tem por improvável – cá tiver chegado, não deixarão certamente os Venerandos Desembargadores de aplicar a lei e de o rejeitar liminarmente.
Destarte, rejeitando o recurso ou negando-lhe provimento, farão V. Exas. a habitual Justiça”
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A 2/10/23, a Srª Juiz a quo, pronunciando-se sobre a questão prévia de falta/nulidade de citação dos réus suscitada como questão prévia na alegações destes, proferiu a seguinte decisão:
Termos em que não se pode considerar integrada a previsão do art.º 188.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil, nem a previsão do seu art.º 191.º, n.º 1, não existindo, pois, motivo para declarar nulas as citações dos réus.
As citações em causa também não padecem de qualquer irregularidade. Perante quanto se deixou precedentemente expresso, julgo improcedente, por não provada, a nulidade consistente na falta de citação dos réus, julgando-se regular e válida a sua citação.
Custas do incidente pelos réus – cfr. art.º 527.º, do Código de Processo Civil.
Notifique”.
Na mesma data, admitiu o recurso, como de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (arts. 644º, nº 1, a), 645º, nº 1, a) e 647º, nº 1 do CPC) e pronunciou-se quanto às nulidades da sentença suscitadas no recurso, sustentando que não se verificam qualquer das nulidades elencadas no art. 615º do CPC. 
O referido despacho foi notificado aos Réus no dia 10/10/2023 (ref.429269445) e dele não foi interposto recurso.
O processo foi remetido a este Tribunal no dia 9/11/2023.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - Objecto do recurso
O objecto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (arts. 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, excepto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso ou sejam de conhecimento oficioso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito – art. 665º nº 2 do mesmo diploma.
Face teor das alegações e conclusões importa verificar:
- Se ocorreu falta/nulidade de citação dos réus;
- se a sentença padece das nulidades invocada pelos Apelantes (art. 615º, c), d) e) do CPC);
- se perante as questões suscitadas, deve ser revogada a decisão sob recurso;
-se as partes litigaram com má-fé.
III – Fundamentação
De facto
Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes:
1. Mostra-se inscrita no registo predial, sob a ap…., de…, a favor dos réus, casados um com o outro sob o regime da comunhão de adquiridos, a aquisição, por compra, da fracção autónoma designada pelas letras «…», que correspondente ao primeiro andar esquerdo, destinado a habitação, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua…., na Rua ….n.ºs…, na Rua…., n.ºs…., e na Rua…., n.ºs …, Quinta…, descrito na Conservatória do Registo Predial ….sob o n.º …e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ….
2. No dia 28 de Agosto de 2019, foi celebrado, entre os autores e os réus, um acordo, por escrito e por ambas as partes subscrito, cuja cópia consta de fls. ….e se dá por reproduzida, o qual designaram de “Contrato Promessa de Compra e Venda” e no qual declararam, os autores, na qualidade de “promitentes compradores” e os réus na qualidade de “promitentes vendedores”, entre o mais, o seguinte:
“E considerando que:
A – Os PROMITENTES VENDEDORES são donos e legítimos proprietários da fracção autónoma designada pelas letras “…”, que corresponde ao primeiro andar esquerdo, destinado a habitação, do bloco …do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, Rua …, Rua …, e Rua …, Quinta …, descrito na Conservatória do Registo Predial da …sob o nº …, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo …, para o que foi emitida a autorização de utilização …pela Câmara Municipal da ….
B – Os PROMITENTES VENDEDORES e os PROMITENTES COMPRADORES estão recíproca e respectivamente interessados em vender e em comprar o imóvel identificado na alínea A.
É celebrado o presente contrato promessa de compra e venda que se regulará nos termos e condições seguintes:
Cláusula Primeira
(Objecto)
1 – Pelo presente contrato promessa de compra e venda os PROMITENTES VENDEDORES prometem vender aos PROMITENTES COMPRADORES, que prometem comprar, no estado de uso e nas condições em que se encontra, o imóvel identificado supra na alínea A dos Considerandos.
2 – O sobredito imóvel será vendido devoluto de pessoas e bens e livre de quaisquer ónus ou encargos que o onerem.
Cláusula Segunda
(Preço)
O preço total da venda é de 140.000,00 € (cento e quarenta mil euros).
Cláusula Terceira
(Condições de Pagamento)
1 - Os PROMITENTES COMPRADORES pagarão aos PROMITENTES VENDEDORES o montante estipulado na cláusula anterior da seguinte forma:
a) 40.000,00 € (quarenta mil euros) a título de sinal e princípio de pagamento, na presente data, através de transferência bancária da conta dos PROMITENTES COMPRADORES com o IBAN …;
b) O remanescente do preço, no total de 100.000,00 € (cem mil euros), será pago, através de cheque bancário ou visado, simultaneamente com a assinatura do contrato prometido.
Cláusula Quarta
(Escritura Pública/Documento Particular de Compra e Venda)
A escritura pública / documento particular de compra e venda será realizado no prazo de 90 (noventa) dias a contar da presente data, em dia, hora e local a designar pelos PROMITENTES COMPRADORES, devendo estes avisar os PROMITENTES VENDEDORES, através de carta registada com aviso de recepção, com a antecedência de pelo menos 10 (dez) dias.
Cláusula Quinta
(Documentos)
Os PROMITENTES VENDEDORES obrigam-se a obter e entregar, em tempo útil, aos
PROMITENTES COMPRADORES todos os documentos necessários à celebração da escritura pública / documento particular de compra e venda, que estes comprovadamente não consigam obter.
Cláusula Sexta
(Despesas)
1 – As despesas com a escritura pública / documento particular de compra e venda serão suportadas pelos PROMITENTES COMPRADORES.
2 – Todos os encargos fiscais, contribuições, impostos ou taxas passarão a ser da responsabilidade dos PROMITENTES COMPRADORES a partir da data da celebração da escritura pública / documento particular de compra e venda, desde que tais encargos se reportem a período posterior à compra.
Cláusula Sétima
(Tradição do bem)
A entrega do imóvel identificado na alínea A dos Considerandos ocorrerá concomitantemente com a assinatura do contrato prometido.
Cláusula Oitava
(Resolução)
Os contraentes acordam que caso os PROMITENTES COMPRADORES, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da assinatura do presente contrato promessa de compra e venda, não consigam obter financiamento bancário para pagamento do preço estabelecido na cláusula segunda, consideram o presente contrato promessa de compra e venda resolvido, devendo ser devolvida aos PROMITENTES COMPRADORES toda e qualquer quantia paga a título de sinal e de princípio de pagamento.
Cláusula Nona
(Incumprimento e Execução Específica)
1 – O incumprimento definitivo e culposo do presente contrato promessa de compra e venda imputável aos PROMITENTES VENDEDORES confere aos PROMITENTES COMPRADORES o direito de exigir dos PROMITENTES VENDEDORES a restituição em dobro de todas as importâncias entregues a título de sinal e princípio de pagamento.
2 – No caso de o incumprimento se ficar a dever aos PROMITENTES COMPRADORES, aos PROMITENTES VENDEDORES assiste o direito de fazer suas todas as importâncias que tenham recebido a título de sinal e princípio de pagamento.
3 – A existência de sinal não afasta a execução específica.
Cláusula Décima
(Intervenção de Mediação Imobiliária)
As partes declaram que, nos termos e para os efeitos do artigo 40.º da Lei número 15/2013, de 08 de Fevereiro, existe, nesta transação, intervenção da mediadora imobiliária ….
Cláusula Décima Primeira
(Foro)
Para todas as questões emergentes da interpretação e execução do presente contrato, as Contraentes elegem – com expressa renúncia a qualquer outro – o Tribunal Judicial da Moita.
Cláusula Décima Segunda
(Formalidades)
Os Contraentes declaram prescindir do reconhecimento presencial das suas assinaturas a qua se refere o nº 3 do artigo 410º do Código Civil.
Cláusula Décima Terceira
(Comunicações)
Os contraentes obrigam-se a comunicar prontamente, por escrito, qualquer alteração das respectivas moradas mencionados no presente contrato. (...)”
3. Os autores pagaram aos réus, através de transferência bancária, a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros), a título de sinal e princípio de pagamento, nos termos previstos na cláusula terceira do acordo mencionado em 2.
4. Os autores, por efeito do mesmo acordo, tinham que agendar a escritura pública de compra e venda para uma data até 4 de Julho de 2022 e deveriam avisar os réus desse agendamento até 24 de Junho de 2022.
5. Aconteceu que os réus não cuidaram de obter atempadamente toda a documentação necessária para a realização da escritura pública de compra e venda, incluindo a declaração de “não dívida ao Condomínio” e o distrate das hipotecas registadas sobre o imóvel a favor do «Banco… ».
6. Os réus também não trataram atempadamente da comunicação do negócio às entidades com direito legal de preferência.
7. No dia 11 de Abril de 2022, C…., filha dos réus, recebeu o e-mail, que se junta como documento n.º 4 e se dá por reproduzido, com os dados para pagamento da taxa devida pela comunicação mencionada em 6..
8. Os réus não pagaram a taxa correspondente ao anúncio referido em 7..
9. Os réus também não permitiram que os autores instruíssem atempadamente o processo de crédito bancário mencionado na cláusula oitava do acordo referido em 2., pois os autores tiveram dificuldades em agendar com os réus uma data para a avaliação do imóvel por parte do Banco que iria financiar parte do valor da aquisição.
10. Após esse agendamento, para o dia 27 de Junho de 2022, para o qual os réus confirmaram a sua disponibilidade, no próprio dia, os mesmos avisaram os autores que não tinham disponibilidade para abrir a porta do imóvel acima identificado, com vista à realização da avaliação bancária.
11. Essa avaliação teve, por isso, que ser reagendada.
12. Após os precedentes eventos, os autores conseguiram agendar a escritura pública de compra e venda para 5 de Julho de 2022, mas, por causa dos constrangimentos acima descritos, apenas conseguiram comunicar esse agendamento aos réus no dia 30 de Junho de 2022, nos termos da comunicação junta como documento n.º 5, que se considera reproduzida.
13. Os autores, uma vez que não tinham conseguido cumprir o prazo de dez dias mencionado na cláusula quarta do “contrato promessa de compra e venda”, como decorrência dos descritos eventos, agendaram, à cautela, duas datas para a realização da escritura de compra e venda do imóvel, sendo a primeira o dia 5 de Julho de 2022, pelas 15 horas, no Cartório Notarial do Dr. …, e a segunda o dia 18 de Julho de 2022, à mesma hora, no mesmo local.
14. Na primeira data agendada para a outorga da escritura pública de compra e venda, os autores deslocaram-se ao Serviço de Finanças da Moita, com o objectivo de liquidar os impostos devidos pela transmissão do sobredito imóvel, concretamente o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis e o Imposto de Selo.
15. Os autores não conseguiram liquidar os referidos impostos, tendo-lhes sido transmitido que “havia um problema que só os réus poderiam resolver”.
16. Esta situação foi comunicada aos réus, por intermédio da sua filha, C…, através dos mails que se juntam como documentos n.º 7 e n.º 8 e se dão por reproduzidos.
17. Os réus não compareceram no dito Cartório no dia 5 de Julho de 2022.
18. Os réus também não compareceram no Cartório Notarial do Dr. … no dia 18 de Julho de 2022.
19. Os autores enviaram, por isso, a 20 de Julho de 2022, a carta junta como documento n.º 11 e se que considera reproduzida, através da qual informaram os réus que reagendaram a escritura pública de compra e venda para dia 8 de Agosto de 2022 e que, caso os réus não outorgassem a escritura nessa data, considerariam o contrato promessa de compra e venda dos autos definitivamente incumprido, ficando os réus obrigados a devolver o sinal em dobro.
20. Os réus, uma vez mais, não compareceram no Cartório Notarial do Dr. … no dia 8 de Agosto de 2022.
21. Os réus, até à presente data, não devolveram aos autores o montante de € 40.000,00 (quarenta mil euros) que receberam a título de sinal e princípio de pagamento.
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II.2. – Factos Não Provados:
Inexistem factos não provados”.
Além destes factos, são relevantes para a decisão os factos já elencados no relatório.
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De Direito
1 - Prende-se a primeira questão com a arguida falta/nulidade de citação suscitada pelos réus.
Esta questão foi suscitada nas alegações de recurso como “Questão prévia”, constando das conclusões apresentadas a final.
Importa, pois, reflectir sobre a forma como foi efectuada a arguição desta falta/nulidade de citação.
É perante a citação que o réu estrutura a sua defesa e a tal acto estão associadas várias decorrências, quer de ordem substantiva, quer adjectiva.
A doutrina e a jurisprudência são unânimes em considerar que a citação é um acto fundamental do processo, razão pela qual o legislador a rodeou de várias formalidades a observar com vista à certeza da sua correcta efectivação.
Segundo Manuel de Andrade, in Noções Elem. Proc. Civil, 1979, p. 176, e A. Varela Manual, in Proc. Civil, 1984, p. 373, as nulidades de processo, importando a anulação do processado, são desvios do formalismo processual: prática de um acto proibido, omissão de um acto prescrito na lei e a realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
O art. 195º, nº 1 do CPC (norma relativa às regras gerais da nulidade dos actos processuais), prescreve que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreve, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Já do art. 187º, a) do mesmo diploma legal resulta que a não citação do réu implica a nulidade do processado posteriormente à petição.
Por seu turno, o art. 188º, nº1 do CPC, dispõe que há falta de citação, nomeadamente:
“(…)
e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável”.
Nos termos do art. 189º do CPC, se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.
De igual modo, sem prejuízo do disposto no artigo 188º do CPC, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei, conforme prescreve o art. 191º, nº 1 do mesmo diploma legal.
E, nos termos dispostos pelo nº 2 deste art. 191º, o prazo para arguição desta nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação.
Donde resulta que existem duas modalidades de nulidade da citação: a falta de citação propriamente dita, prevista no citado art. 188º do CPC e a nulidade da citação, em sentido estrito, regulada no art. 191º do mesmo diploma legal.
Em termos de prazo para a arguição de nulidades processuais, a regra geral, constante dos arts. 149º, nº 1, e 199º, do CPC, apenas se aplica na falta de disposição especial. Esta existe para a arguição da nulidade da falta de citação e também, em certos casos, para a arguição da nulidade da citação.
No caso dos autos, os Réus/Apelantes invocam, em primeira linha, a falta de citação a que se refere o artigo 188º, al. e), do CPC, alegando que não chegaram a ter conhecimento da citação, já que as duas cartas para citação foram entregues a M…, em local diverso onde deveria ter ocorrido a citação, sendo que esta nunca as entregou aos Réus. Invocam, ainda, que ocorre nulidade da citação pois o tribunal a quo não cumpriu com o disposto no art. 233º do CPC, pois a advertência aos citando não foi expedida no prazo de dois dias úteis, conforme ali prescrito e, por outro lado, as mesmas notificações foram entregues a uma “Y” e não aos Réus.
Como se disse, a falta de citação deve ser arguida com a primeira intervenção no processo, em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada (arts. 189º e 198º, nº 2, do CPC). Já a nulidade de citação deve ser arguida no prazo indicado para a contestação.
Os Réus argumentam que apenas com a notificação da sentença tiveram conhecimento dos autos, sendo a interposição do recurso a sua primeira intervenção no processo. É certo que os Réus, por requerimento apresentado a 21/5/23, vieram constituir mandatário, protestando juntar procuração em cinco dias, o que fizeram no dia 25/5/23. No entanto, considerando que a constituição de mandatário no processo, não configura um acto processual relevante para os efeitos do disposto no art. 189º do CPC, por dele não se poder concluir que o réu tomou conhecimento do seu processado por forma a ficar em condições de assegurar o seu efectivo direito de defesa (conforme tem sido entendimento de grande parte da jurisprudência - neste sentido, cfr. os Acs. da RG de 29/6/17, 23/1/20, 4/3/21, 15/12/22, da RP de 7/4/22 e da RE de 29/9/22), poderiam os Réus ter suscitado a questão até à data em que interpuseram o presente recurso (quer quanto à falta de citação, quer quanto à nulidade de citação prevista no art. 191º do CPC, atento o prazo ali previsto).
A lei estabelece diferentes formas de reacção contra a nulidade de citação: a reclamação através da arguição da nulidade, nos termos previstos nos arts. 195º e seguintes do CPC (entre os quais o art. 198º, 2); a interposição de recurso ordinário, quando a mesma tiver sido explicita ou implicitamente objecto de decisão judicial e, quando verificados os pressupostos de recorribilidade previstos nos arts. 627º e seguintes do CPC (veja-se, Alberto dos Reis, ob. cit. p. 507 e 510; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 183; Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1985, p. 393 e ac. STJ, de 26.02.1998, proc. 98B060, disponível em www.dgsi.pt); interposição de recurso extraordinário de revisão se arguida após o trânsito em julgado e verificados os pressupostos mencionados nos arts. 696º e seguintes do CPC; e, no caso das execuções, por meio de oposição à execução, de acordo com o artigo 729º, alínea d) do CPC.
No caso dos autos, os Réus optaram por arguir a nulidade da citação aquando da apresentação do recurso interposto.
Teria sido mais avisado arguir tal falta/nulidade do acto processual da citação, nomeadamente a prevista no art. 188º, nº 1, al. e) do CPC de forma incidental para o tribunal recorrido, tanto mais que aos Réus cumpria, além de alegar, provar que não tiveram conhecimento tempestivo do acto de citação e que tal sucedeu por facto que não lhe foi imputável. Tal questão seria susceptível de ser decidida mediante prova a produzir por via incidental, no tribunal recorrido. Tal arguição configuraria um incidente inominado, comportando uma sequência de actos que exorbitam da tramitação normal do processo, não fazendo parte do encadeado lógico necessário à resolução do pleito, a cuja tramitação seria, então, aplicável o disposto nos arts. 292º e ss do CPC, devendo ser oferecido o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova. Aliás, no corpo das alegações, os Réus mencionam duas pessoas que poderiam ser “chamadas aos autos a fim de esclarecerem cabalmente o tribunal a quo” a respeito da questão suscitada. Como é de clara evidência, não cabe a este tribunal a produção de prova para apreciar, em sede incidental, se ocorreram ou não os factos que determinariam, segundo os Apelantes, a falta de citação.
De qualquer forma, o tribunal recorrido decidiu da questão suscitada em sede de recurso e indeferiu a arguida falta/nulidade de citação por despacho de 2/10/2023, notificado às partes em 10/10/23, pelo que não tendo os réus recorrido de tal despacho, sempre se poderia defender que o mesmo transitou em julgado – art. 644º, nº 2, g) e art. 638º, nº 1 do CPC.
Mas mesmo que assim não se considere, uma vez que a arguida falta/nulidade de citação acabou por ser implicitamente objecto de decisão judicial (por duas vezes, a primeira, aquando do despacho de 19/1/2023 que considerou confessados os factos alegados na p.i. por falta de citação e, a segunda, quando os mesmos factos foram inseridos na sentença proferida), e porque os Réus optaram por suscitar a questão em sede de recurso, cumpre desde já adiantar que não lhes assiste razão.
Efectivamente, não resulta de forma alguma dos documentos constantes dos autos, nomeadamente os Avisos de recepção, que estes foram entregues em morada diferente daquela que deles consta. As cartas foram recebidas/assinadas por uma terceira pessoa, motivo pelo qual foi cumprido o disposto no art. 233º do CPC, conforme também resulta no relatório, no prazo indicado na lei (dentro de dois dias úteis após a recepção, pela secretaria, da devolução dos ARs).
A citação dos Réus foi efectuada ao abrigo do art. 228º, nºs 1 e 2 do CPC, referindo o art. 230º, nº 1 do mesmo Código que “A citação postal efetuada ao abrigo do artigo 228.º considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.”
A lei estabelece uma presunção juris tantum no caso de a carta de citação ser recebida por pessoa diversa do citando: a presunção de que a carta de citação foi oportunamente entregue ao destinatário e de que este dela teve oportuno conhecimento (cfr. nº 4 do artigo 225º e nº 1 do 230º do CPC). Como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2023, pp. 285-286, notas 5 e 6), o “momento em que o citando adquire o conhecimento da citação corresponde àquele em que chega à sua posse a carta registada recebida pelo terceiro com os elementos enunciados no art.º 227.º. A partir da entrada destes elementos na posse do citando, é irrelevante que este não tome deles efetivo conhecimento, pois estão já na sua esfera de controlo (cf. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anot., vol. I, 4.ª ed., p. 445)”. E, como se sabe, “as presunções legais relativas (iuris tantum) constituem prova plena quanto ao facto presumido enquanto não se prove o contrário. Não podem ser infirmadas quanto ao facto presumido por simples contraprova, mas por prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto (art.347º do CC)” (cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, p. 81). Como se viu, essa prova não foi efectuada pelos Réus.
Os Apelantes alegam, ainda, que a citação está ferida de nulidade pois a secretaria não cumpriu o prazo de dois dias referido no art. 233º do CPC e, porque as cartas não foram entregues aos Réus, mas a uma “C…”. Quanto à primeira alegação, é clara a falta de razão, na medida em que o prazo de dois dias úteis referido no art. 233º conta-se, como supra referido, a partir do dia em que os AR são recebidos na secretaria e não desde a data de assinatura dos ARs. A lógica e o bom senso não permitiriam outra interpretação do preceito.
Quanto ao facto de as cartas enviadas ao abrigo do art. 233º do CPC terem sido, eventualmente, entregues a outra pessoa que não os Réus, importa referir, sem entrar em grandes considerações, que o disposto no art. 233º do CPC, constitui uma diligência complementar e cautelar imposta pelo legislador. Tendo em conta a presunção de que os réus se encontram citados na data em que se mostra assinado o aviso de recepção por terceira pessoa, “II (…) leva a que a generalidade da doutrina e jurisprudência considerem que a formalidade enunciada no referido art.º 233º do CPC, não é um ato essencial da citação, posto que esta se considera realizada e o prazo para a dedução da oposição pelo citando se inicia independentemente do cumprimento ou não desta formalidade. III – Ademais tem sido entendido que o não cumprimento do preceituado neste art.º 233º do n.C.P.Civil, quando seja legalmente imposto, não gera a “falta de citação”, mas que se está perante a mera omissão de uma diligência complementar, cautelar ou confirmativa da citação quase-pessoal antes efetuada e que, por conseguinte, a omissão dessa diligência por parte da Secção não determina a “falta de citação” prevista nos art.ºs 187º, al. a), 188º, nº1, als. a), b) ou e) e 189º do n.C.P.Civil, mas apenas poderá determinar a “nulidade da citação” a que aludem os art.ºs 191º, nos 1 e 2 do n.C.P.Civil . IV – Contudo, em conformidade com o ínsito no artigo 188º, nº1 al. e) [cuja aplicação está ressalvada na 1ª parte do nº1 do art.º 191º do mesmo n.C.P.Civil], para que ocorra nulidade de citação é necessário que o respetivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do ato por motivo que não lhe foi imputável (…)” (cfr. Ac. da RC de 13/7/2020, e Ac. da RL de 29/9/2022, disponíveis em www.dgsi.pt). Pode, pois concluir-se que o não cumprimento do preceituado no art. 233º do CPC, bem como o seu eventual “deficiente” incumprimento não gera a “falta de citação”, podendo apenas gerar nulidade da citação, nos termos do art. 291º, nº 1 e 2 do CPC.
Note-se, no entanto, que ao contrário do alegado, as cartas enviadas para cumprimento do disposto no art. 233º do CPC cumpriram todos os requisitos legais (como se pode ver nas ref. citius citadas no relatório) e não foram devolvidas. Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2023, pp. 300, nota 4, o “cumprimento deste preceito não exige o efectivo recebimento desta segunda carta registada remetida para a efectiva morada ou local de trabalho do citando, produzindo a mesma efeitos ainda que venha devolvida (…)”.
Conclui-se, assim, que no caso em concreto não está demonstrado que tenha ocorrido a arguida falta ou nulidade de citação dos Réus.
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2 – A segunda questão suscitada no recurso prende-se com as nulidades apontadas à sentença (art. 615º, c), d) e) do CPC).
Nos termos do art. 615º nº 1 al. c) do CPC, “é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
No tocante a esta causa de nulidade, tem-se entendido, de forma pacífica, que a oposição entre os fundamentos e a decisão constitui um vício da estrutura da decisão. Radica na desarmonia lógica entre a motivação fáctico-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferido outro de sentido oposto ou, pelo menos, diverso (ver neste sentido o Ac. do STJ de 2/6/16, proc. 781/11, disponível in www.dgsi.pt).
Nada nas conclusões recursivas aponta para a referida contradição entre os fundamentos esgrimidos na sentença e a decisão. O único ponto de sustentação desta nulidade, se bem se entende, radica no facto de o tribunal a quo ter dado como provados factos que, em seu entender, não o deveriam ter sido e, assim, inexistirem fundamentos para a condenação dos Apelantes. A questão não se prende com a contradição entre a fundamentação e a decisão, mas apenas com o facto de os Apelantes não concordarem com o facto de terem sido dados como provados os factos alegados na p.i. e essa é uma questão que está ultrapassada. De resto, não se vislumbra, a apontada nulidade.
Os Réus/Apelantes defendem, ainda, que a sentença é nula nos termos do art. 615º nº 1 al. d) do CPC. Segundo esta norma, “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Esta causa de nulidade da sentença está directamente relacionada com o art. 608º nº 2 do CPC, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Mais uma vez, tomando como ponto de partida o facto de ter havido falta de citação, defendem os Réus que a sentença proferida constitui uma “decisão surpresa”, tornando-se nula pois “o tribunal pronunciou-se sobre algo que não podia conhecer antes de ouvir os recorrentes previamente na demanda.” Repete-se que essa questão está já decidida, tendo sido concluído que não ocorreu a falta/nulidade de citação, pelo que os factos alegados na petição inicial pelos Autores foram dados como provados ao abrigo do art. 567º do CPC, pelo que nada pode ser apontado à sentença a este respeito. O Sr. Juiz a quo pronunciou-se sobre os factos da petição inicial validamente considerados confessados, não se podendo falar de “decisão surpresa”, nem de “inviabilização do direito de defesa dos recorrentes”.
Improcede, pois, a arguição desta nulidade.
Por fim, alegam os Réus que a sentença é nula nos termos da al. e) do nº 1 do art. 615º do CPC, nos termos da qual, é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. Tem esta norma estreita relação com o disposto no art. 609º, nº 1 do CPC. Como escreve Abrantes Geraldes, in Código Processo Civil anotado, vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, 3ª ed. pág. 783, “trata-se de uma esfera em que domina o princípio do dispositivo, o qual, em termos paralelos, também vigora em sede de sustentação fática da pretensão. Em ambos os casos, prevalece a estratégia assumida pelo autor, sem que nela se possa imiscuir o juiz. Consequentemente, a sentença deve inserir-se no âmbito do pedido (e da causa de pedir), não podendo o juiz condenar (ou fazer a apreciação corresponder ao tipo de acção em causa) em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
É lícito, no entanto, ao tribunal, através de uma requalificação ou reconfiguração normativa do pedido, atribuir ao autor, por uma via jurídica que pode não ser não totalmente coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter.
 “A limitação contida no referido art.º 609.º, n.º 1, do CPC – consubstanciada na velha máxima do direito romano ne eat iudex ultra vel extra petita partium – constitui um corolário do princípio dispositivo, numa área que compreende o núcleo irredutível deste princípio. Será, assim, sobre o titular de determinado direito subjectivo que recairá o ónus de escolher, de entre diversas providências possíveis, aquela que melhor satisfaça os seus interesses, sendo o tribunal alheio a essa escolha, que depende única e exclusivamente da vontade do interessado e que uma vez efectuada – através da dedução do pedido – delimitará os poderes do juiz (art.º 3.º, n.º 1, do CPC). É certo que a “interpretação do pedido não deve cingir-se aos estritos dizeres da formulação do petitório, devendo antes ser conjugada com o sentido e alcance resultantes dos fundamentos da pretensão” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Janeiro de 2017, proc. n.º 873/10.9T2AVR.P1.S1, in www.dgsi.pt.). No entanto, como também já se referiu supra, o juiz não pode extravasar dos pedidos formulados pelas partes, nem conhecer de causas de pedir não invocadas, sob pena de cometer nulidade. Ou seja, as partes, através do pedido (art.º 3.º, n.º 1 do CPC), circunscrevem o thema decidendum, indicam a providência requerida, não tendo o juiz que cuidar de saber se perante a real situação conviria, ou não, providência diversa. Neste sentido, vide Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 728. Trata-se de uma esfera em que, como já dito, “domina o princípio do dispositivo, o qual, em termos paralelos, também vigora em sede da sustentação fáctica da pretensão. Em ambos os casos, prevalece a estratégia assumida pelo autor, sem que nela se deva imiscuir o juiz. Consequentemente, a sentença deve inserir-se no âmbito do pedido (e da causa de pedir), não podendo o juiz condenar (ou fazer a apreciação que corresponder ao tipo de ação em causa) em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir” ( Idem, ibidem.). Também é verdade, e nós assim o entendemos, que, como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Abril de 2016, “é lícito ao tribunal, através de uma requalificação ou reconfiguração normativa do pedido, atribuir ao A., por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter; mas já não será processualmente admissível atribuir-lhe, sob a capa de tal reconfiguração da materialidade do pedido, bens ou direitos substancialmente diversos do que o A. procurava obter através da pretensão que efectivamente, na sua estratégia processual, curou de formular”( Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Abril de 2016, proc. n.º 842/10.9TBPNF.P2.S1, in www.dgsi.pt.)”.
Os Réus sustentam a apontada nulidade, escrevendo nas suas conclusões:
XIX - Os recorridos ao interporem a presente ação pediram ao Tribunal a condenação dos recorrentes a devolver-lhes o sinal em dobro no pagamento da quantia de 80.000,00 € (oitenta mil euros) sabendo da falsidade de tal facto.
XX – Os recorrentes nada devem aos recorridos.
XXI - Tal pedido não tem qualquer fundamento fáctico ou jurídico e carece de prova.
XXII - Os recorridos não resolveram o contrato promessa de compra e venda celebrado com os recorrentes em 05 de Abril de 2022, porquanto nem sequer o peticionaram.
XXIII - O Tribunal “a quo” errou ao substituiu-se aos recorridos e por sua iniciativa determinou a resolução do contrato de promessa de compra e venda celebrado, sem que tal lhe fosse pedido.
XXIV – É falso que os recorridos tenham comunicado aos recorrentes, “dar o contrato promessa por definitivamente incumprido e RESOLVIDO”.
Ora, na petição inicial, os a Autores alegaram que enviaram aos Réus uma carta através da qual lhes deram a conhecer que tinham reagendado a escritura de compra e venda e que caso os Réus não a outorgassem nesse dia, considerariam o contrato promessa definitivamente incumprido, ficando estes obrigados a devolver o sinal em dobro. Os Autores citam, a seu favor, jurisprudência que pressupõe o incumprimento definitivo do contrato promessa para que se opere a sua resolução e em que termos pode ocorrer esse incumprimento definitivo. Com base nestes fundamentos e nos restantes factos alegados, pediram, a final:
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá a presente acção ser julgada procedente, por provada e, em consequência, ser os Réus condenados a devolver aos Autores o sinal em dobro, ou seja, condenados a pagar aos Autores a quantia de 80.000,00 € (oitenta mil euros), acrescida de juros, os quais por facilidade de cálculo se computarão, apenas, a partir da citação da presente acção”.
Como se pode ler na fundamentação jurídica da sentença recorrida “Os réus não compareceram em nenhuma das duas primeiras datas marcadas para a celebração do contrato definitivo, assim incorrendo em mora no cumprimento dessa obrigação, pelo que os autores marcaram nova data e, desde logo, comunicaram aos réus que, caso não outorgassem a escritura nessa data, considerariam o contrato promessa de compra e venda definitivamente incumprido, ficando os réus obrigados a devolver o sinal em dobro, daqui decorrendo uma declaração tácita de resolução do contrato promessa na eventualidade de os réus não cumprirem a sua obrigação de celebração do contrato definitivo nesse prazo adicionalmente concedido para o efeito”. No fundo, foi considerado que a interpelação final dos Autores aos Réus, para que cumprissem a sua obrigação na data fixada, sob pena de se considerarem definitivamente incumprido o contrato promessa, situação em que seria exigida a restituição do sinal prestado, traz implícita a declaração de resolução do contrato, pois que essa restituição foi desde logo prevista no contrato promessa como consequência da resolução.
O Sr. Juiz a quo apreciou a questão do incumprimento definitivo e resolução do contrato promessa, alegadas na petição inicial como causa de pedir. Apesar de o pedido de resolução do contrato não ter sido expressamente pedido pelos Autores, nada impedia que a mesma constasse do dispositivo, porque implícita e subjacente ao pedido formulado de restituição do sinal em dobro. E, a final, a condenação dos Réus na obrigação de restituir aos Autores a quantia de € 80.000,00, coincide, totalmente, com a pretensão jurídica destes.
Assim, também aqui improcede a arguição da nulidade da sentença.
*
3- Tendo sido improcedentes as nulidades invocadas e mantendo-se intocada a matéria de facto dado como provada na primeira instância, cumpre apreciar se a decisão sob recurso fez uma errada subsunção jurídica dos factos.
Parte da motivação do recurso constante das alegações prende-se, mais uma vez, com o sufragado pelos Apelantes quanto à matéria de facto que entendem que não deveria ter sido dada como provada, tal como a entrega pelos Autores aos Réus da quantia de € 40.000,00 e a notificação das datas para comparecerem no cartório notarial.
Entendem, igualmente, os Réus que o contrato promessa foi automaticamente resolvido, já que os Autores não obtiveram financiamento bancário no prazo de 30 dias como previsto no contrato promessa, sendo certo que os mesmos protelaram dolosamente a concessão de crédito para tirar dividendos desse facto.
Concluem que não ocorreu incumprimento definitivo, sendo certo que os Réus não compareceram no cartório notarial como referido nos pontos 17 e 18 dos factos provados porque nas datas ali referidas o contrato já estava resolvido automaticamente desde o dia 4/5/22. Por outro lado, entendem que os Autores tinham de avisar os Réus por carta registada com A/r com a antecedência mínima de 10 dias do dia, hora e local onde se realizaria a escritura, não tendo cumprido com tal obrigação e que, no dia 05 ou 18 de Julho de 2022, ultrapassaram o prazo limite de 90 dias para a realização da escritura desde a data de assinatura do contrato promessa ocorrida em 05 de Abril de 2022.
Sem necessidade de grandes considerações, uma vez que a sentença recorrida está juridicamente muito bem fundamentada, adiantamos desde já que o recurso deverá improceder.
Na verdade, os factos provados não deixam margem para dúvidas.
Resulta da matéria factual assente que, no dia 5/4/22 (e não no dia 28/8/2019, como por lapso consta dos factos provado, lapso revelado não só pelo que consta da p.i., mas também pelo documento nº 3 que foi dado como reproduzido), foi celebrado entre as partes um contrato promessa de compra e venda de uma fracção autónoma, tendo os Autores entregado aos Réus, a título de sinal e início de pagamento, a quantia de € 40.000,00 (arts. 440º e 441º do CC). O remanescente do preço, € 100.000,00 seria pago com a celebração da escritura de compra e venda, a outorgar no prazo de 90 dias a contar do dia 5/4/2022, cabendo aos Autores a sua marcação, comunicando aos Réus com uma antecedência mínima de 10 dias. Aos Réus cabia entregar aos Autores, em tempo útil, todos os documentos necessários à celebração das escritura pública de compra e venda, que estes não conseguissem obter (cláusula 5ª do contrato). Mais acordaram que se os Autores, no prazo de 30 dias a contar do dia 5/4/22, não conseguissem obter financiamento bancário para o pagamento do preço estabelecido na cláusula 2ª, as partes considerariam resolvido o contrato promessa (cláusula 8ª).
 O contrato-promessa consiste na convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato (art. 410º, nº 1 do CC).
Do contrato-promessa celebrado entre a Autores e Réus, contrato promessa de compra e venda bilateral, nasceu uma verdadeira relação obrigacional múltipla e complexa que, na sua estrutura engloba, a par dos deveres jurídicos principais (o dever de os Réus, celebrarem, como vendedores, o contrato prometido e o dever de os Autores celebrarem, como compradores e com os Réus, o mesmo contrato prometido), outros deveres acessórios e secundários, entre eles o dever de os Autores, como promitentes-compradores, pagarem como sinal previsto, de agendarem a escritura pública no prazo de 90 dias, nos termos previstos no contrato; da parte dos Réus, cabia-lhes a obrigação de obter e entregar aos Autores todos os documentos necessários à celebração da escritura pública que aqueles não conseguissem obter.
“Os deveres principais de prestação constituídos através de um contrato promessa concretizam-se em obrigações de contratar: a promitente-compradora tem, como dever principal de prestação, a obrigação de comprar – de outorgar no contrato definitivo como compradora –; a promitente-vendedora tem, como dever principal de prestação, a obrigação de vender – de outorgar o contrato definitivo como vendedora”.
Contudo, e uma vez que só a conclusão válida e eficaz do contrato prometido satisfará o interesse do credor, ao comportamento debitório principal encontrar-se-ão incindivelmente ligadas condutas debitórias acessórias, positivas e negativas e instrumentais da sua realização: a conservação do bem no estado em que se prometeu vender, o levantamento de um ónus ou encargo sobre ele incidente, a obtenção de documentos com vista à marcação da escritura, etc.
A regra básica, em matéria de incumprimento, é a de que as partes devem cumprir pontualmente as obrigações decorrentes dos contratos que celebram, em relação ao que se presume a culpa do devedor - arts. 406º, 1 e 799º, 1 do CC.
O devedor cumpre a sua obrigação quando realiza pontualmente a prestação a que está vinculado – art. 762º, 1 do CC. Se o devedor, na altura do vencimento da obrigação, não realiza, no todo ou em parte, a sua prestação - ou se a realiza mal, ocorre uma situação de inexecução lato sensu.
Quanto às consequências jurídicas do incumprimento obrigacional a lei distingue entre a falta de cumprimento, a mora e o cumprimento defeituoso.
A mora consiste no atraso ou no retardamento no cumprimento da obrigação, a qual, reportada ao contrato promessa se traduz na falta de celebração oportuna do contrato prometido por causa imputável ao promitente faltoso (art. 804º, nº 2 do CC).
Já o incumprimento definitivo do contrato-promessa ocorre, quando a celebração do contrato prometido se tornou impossível ou quando, em virtude da mora, o promitente fiel tenha perdido interesse na celebração do contrato prometido, ou este não tenha sido celebrado no novo prazo razoável concedido pelo promitente fiel (art. 808º, nº 1 do CC).
Antes de avançarmos, importa referir que subscrevemos inteiramente a posição sufragada na sentença apelada e dominante na doutrina (cfr., entre outros, JOÃO CALVÃO DA SILVA, “Sinal e Contrato Promessa”, 11ª ed., Almedina 2006, pág. 123 a 128, e “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 4ª ed., pag. 299, ANA PRATA, “O Contrato Promessa e o se Regime Civil”, Almedina, pp. 780-781, MANUEL JANUÁRIO DA COSTA GOMES, “Em Tema de Contrato Promessa”, 6ª reimpressão, p. 27, nota 4, e pp. 48 e 49, JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA, “Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral, A Dualidade Execução Específica – Resolução”, Separata do número especial do BFDC – Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. António Ferrer Correia, 1984, Coimbra 1987., p. 115, e 117 a 1126, em especial, pp. 125, e 154 e 155) e na jurisprudência (cfr., entre muitos outros, Acórdãos do STJ de 03/10/2010, de 28/06/2011, relatados por Moreira Alves, e de 12/11/2009, relatado por Garcia Calejo, 06/10/2011, relatado por Lopes do Rego, e 06/07/2011, relatado por Granja da Fonseca, todos disponíveis in www.dgsi.pt), de que, também no contrato promessa, por regra, só o incumprimento definitivo justifica a resolução do contrato e a exigência do sinal em dobro (ou a perda do sinal, se o incumprimento for do promitente-comprador).
O incumprimento definitivo é susceptível de derivar da impossibilidade da prestação – art. 790º, 1 - ou da falta de cumprimento imputável ao devedor, legalmente equiparada à impossibilidade da prestação – art. 808º do CC.
Nos termos do art. 808º do CC, considera-se para todo os efeitos não cumprida a obrigação quando o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, sendo a perda do interesse apreciada objectivamente (art. 808º, nº 2 do CC).
Ou seja, quando a prestação for ainda possível, a situação de mora poderá converter-se em incumprimento definitivo, nas seguintes situações:
a) quando, em consequência da mora, o credor perder o interesse na prestação, perda de interesse a apreciar objectivamente;
b) quando o devedor em mora não realizar a prestação dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor (interpelação admonitória).
Nestes dois casos, a demora culposa no cumprimento da obrigação determinará, para o contraente faltoso, a obrigação de indemnizar os danos causados ao credor e confere a este o direito à resolução do negócio.
A denominada “interpelação admonitória” consiste na concessão de um prazo suplementar razoável ao devedor, com a advertência de que, caso não cumpra, se considerará definitivamente incumprida a obrigação.
Ou seja, incorrendo o devedor em mora, a lei atribui ao credor a faculdade de fixar ao devedor um prazo suplementar razoável – mas peremptório – dentro do qual se deverá verificar o cumprimento, sob pena de resolução automática do negócio.
A interpelação admonitória deve conter três elementos cumulativos:
a) intimação para o cumprimento;
b) fixação de um termo peremptório;
c) admonição ou cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo. 
No caso concreto, de acordo com a cláusula oitava do contrato promessa, o contrato seria resolvido se os Autores não conseguissem obter financiamento bancário para pagamento do preço estabelecido na cláusula segunda. No entanto, está assente que os Réus não permitiram que os Autores instruíssem atempadamente o processo de crédito bancário mencionado na referida cláusula (ponto 9). Assim, não sendo imputável aos Autores a não obtenção do financiamento bancário no prazo de 30 dias, não procede a argumentação dos Réus quanto à resolução automática do contrato promessa.
Por outro lado, sabemos que os Autores ficaram de agendar a escritura até ao dia 5/7/2022. Contudo, ressalta mais uma vez dos factos provados, que tal não lhes foi possível na medida em que os Réus não cuidaram de obter a documentação necessária à realização da escritura de compra e venda, como era sua obrigação (pontos 5, 6, 8, 14, 15, 16 e cláusula 5ª do contrato promessa).
Tendo em conta estes impedimentos causados pelos Réus, os Autores agendaram a escritura pública de compra e venda para o dia 5/7/22, mas atentos os referidos percalços, apenas comunicaram esse agendamento aos Réus no dia 30/6/22 (ou seja sem respeitar o prazo de 10 dias de antecedência); por assim ser, à cautela, agendaram logo uma segunda data para o dia 18 de Julho de 2022.
É certo que os Réus não compareceram em nenhuma das referidas datas, pelo que os autores lhes enviaram, a 20 de Julho de 2022, nova comunicação, através da qual informaram os Réus que reagendaram a escritura pública de compra e venda para dia 8/8/22 e que, caso os Réus não outorgassem a escritura nessa data, considerariam o contrato promessa de compra e venda definitivamente incumprido, ficando os Réus obrigados a devolver o sinal em dobro. Os Réus não compareceram, uma vez mais no cartório no dia e hora indicados pelos Autores, nem lhes entregaram aos autores o sinal por eles recebido, de € 40.000,00.
Como se conclui na sentença recorrida, “Estando, portanto, os réus primitivamente em mora, pois não outorgaram o contrato definitivo em nenhuma das duas datas inicialmente indicadas para o efeito, essa mora veio depois a converter-se em incumprimento definitivo, porquanto os autores interpelaram os réus a cumprir a sua obrigação numa outra data, assim lhes concedendo um prazo admonitório, sob pena de considerarem definitivamente incumprido o “contrato promessa” em causa, circunstância em que solicitavam a restituição do sinal prestado, declaração que traz implícita a de resolução do contrato, pois que essa restituição foi desde logo prevista no contrato promessa como consequência da resolução.
É patente que os réus, embora a tanto vinculados, se furtaram reiteradamente à celebração do contrato definitivo de compra e venda do imóvel que prometeram vender aos autores, quer inicialmente dentro do prazo convencionado entre ambas as partes para a sua outorga, como posteriormente omitiram a prática de tal acto depois de expressamente interpelados ao cumprimento dessa obrigação num prazo razoável, o que permite concluir verificar-se uma situação de inadimplemento definitivo do contrato-promessa por parte dos réus, nos moldes previstos no art.º 808.º, do Código Civil, e não um mero atraso no cumprimento da prestação ainda possível – cfr. art.º 804.º, n.º 2, do Código Civil.
Em situação em que se verifique o incumprimento definitivo e culposo de uma das partes no contrato promessa e sendo a obrigação ainda possível, o promitente cumpridor tem direito à execução específica, mediante obtenção de sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos promitentes faltosos, nos termos previstos no art.º 830.º, n.º 1 a n.º 3, do Código Civil (cfr. João Calvão da Silva, in “Sinal e Contrato-Promessa, 10.ª edição revista e aumentada, Almedina, pág. 140), em conjugação com o art.º 410.º, n.º 3, desse Código (admitindo-se a execução específica se existir sinal nas promessas a que alude este último normativo, nas quais se integra o contrato-promessa em apreço, respeitante à celebração de contrato oneroso de constituição de direito real sobre uma fracção autónoma integrante de um prédio urbano) e com o art.º 442.º, n.º 3, também do Código Civil, de acordo com o qual o contraente não faltoso pode, em alternativa aos direitos previstos no n.º 2 desse mesmo normativo, requerer a execução específica do contrato (nos termos do aludido art.º 830.º).
Sucede que os autores optaram por resolver o contrato-promessa, conforme lhes permitem as disposições conjugadas dos art.ºs 432.º, n.º 1, 436.º, 442.º, n.º 3 in fine, 801.º, n.º 2 e 808.º, do Código Civil.
E optaram por fazê-lo quer através da dita carta de interpelação, na qual anunciaram, desde logo, que, verificado que fosse o decurso do prazo admonitório concedido, sem que os réus cumprissem a sua prestação de outorgar na escritura pública de compra e venda, considerariam o contrato promessa definitivamente incumprido e resolvido, quer ainda através da presente acção, na qual peticionam, embora implicitamente, seja reconhecida a cessação do contrato por resolução, pois pedem a restituição do sinal que prestaram em dobro, desta pretensão se extraindo com clareza que consideram o contrato terminado e pretendem ver judicialmente reconhecida a cessação do contrato por válida resolução, assumindo eficácia tal declaração com a citação dos réus para a acção (cfr. art.ºs 224.º, n.º 1 e 436.º, n.º 1, do Código Civil), através do que os autores resolveram expressamente o contrato em causa nos autos.
Essa resolução ope voluntatis do contrato, mediante a emissão de declaração unilateral receptícia é válida, nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, e 436.º, n.º 1, do Código Civil, pois, baseando-se no incumprimento definitivo dos réus – presumidamente culposo, nos termos do art.º 799.º, do Código Civil –, tendo acolhimento no disposto no artigo 801.º, n.º 2, do Código Civil.
Com efeito reitera-se, o contrato bilateral pode ser unilateralmente extinto por uma das partes quando a parte contrária falta definitiva e culposamente ao seu cumprimento, considerando-se o contrato resolvido a partir do momento em que o credor comunica essa vontade resolutiva à parte inadimplente e esta toma conhecimento dela, nos termos conjugados dos artigos 436.º, n.º 1 e 224.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Civil (neste sentido, Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª Edição, pág.s 454 e 461).
Tendo em conta o disposto nos art.ºs 801.º, n.º 2, 433.º e 289.º, do Código Civil – pois a resolução do contrato bilateral é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, nada tendo as partes convencionado, em concreto, contra a eficácia retroactiva da resolução prevista no artigo 434.º, n.º 1, do Código Civil) –, tendo operado validamente a resolução do contrato-promessa por motivo de definitivo e culposo incumprimento dos réus (e assim procedendo a primeira pretensão deduzida), os autores têm direito à restituição do sinal que entregaram aos réus em dobro, conforme decorre das disposições conjugadas dos art.ºs 432.º, n.º 1, 436.º, 442.º, n.º 2, 801.º, n.º 2 e 808.º, do Código Civil”.
Por tudo o que foi exposto, falecem os argumentos invocados pelos Réus, devendo manter-se a decisão recorrida por fazer uma correcta subsunção jurídica dos factos provados.
*
4- Por fim, resta apreciar se as partes litigaram com má-fé.
De harmonia com o disposto no art. 542º, nº 2 do CPC, diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
“I – A má fé substancial verifica-se quando a atuação da parte se reconduz às práticas aludidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 542º, do CPC, enquanto a má fé instrumental se encontra prevista nas als. c) e d) do mesmo artigo;
II – Em qualquer dessas situações nos encontramos perante uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da atuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação e idêntica reação punitiva.
III - A condenação como litigante de má fé assenta num juízo de censura sobre um comportamento que se revela desconforme com um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de Direito.” (Ac. STJ de 12/11/2020, disponível em WWW.dgsi.pt).
Efectuado o enquadramento jurídico e analisando os factos provados, não se descortina qualquer actuação dos Autores ou dos Réus/Apelantes susceptível de integrar qualquer dos requisitos enunciados no preceito em análise.
Assim, nem Autores, nem Réus serão condenados como litigantes de má fé.
*
IV - Decisão
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e, em consequência, mantém-se a sentença recorrida.
Custas pelos Apelantes.

Lisboa, 18/4/24
Carla Figueiredo
Octávio Moutinho Diogo
Marília Leal Fontes