Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO SANTOS | ||
Descritores: | PRESUNÇÕES JUDICIAIS PROVA REGRAS DE EXPERIÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/08/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE/REVOGADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | 1.– Em sede de julgamento da factualidade controvertida, vedado não está o recurso pelo julgador a presunções judiciais, nos termos dos artºs 349º a 351º, do CC, impondo-se designadamente ao Juiz o recurso às regras da experiência, sendo que, o uso destas últimas consubstancia também critério de julgamento, aplicável na resolução de questões de facto. 2.– Outrossim em sede de formação da sua convicção, há-de o convencimento do órgão jurisdicional operar-se à luz de critérios de racionalidade, utilizando-se as máximas da experiência, sendo de exigir que o juiz atente ao que acontece na normalidade dos casos, como parâmetro para concluir pela validade ou não de uma determinada pretensão, e não olvidando que tal convencimento do juiz não é asséptico, pois que, o juiz, ao formar seu convencimento sobre o facto, não age como ser inerte e neutro, desprovido de qualquer “pré-conceito”, preconceitos ou vontade anterior. 3.– Por último, também nesta sede importa atentar que, sendo certo que a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos ( cfr. artº 341º, do CC), tal demonstração não exige de todo uma convicção assente num juízo de certeza lógica, absoluta, sob pena de o direito falhar clamorosamente na sua função essencial de instrumento de paz social e de realização da justiça entre os homens. Sumariando ( cfr. artº 663º, nº7, do CPC). | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA. 1.–Relatório: A [ …. - Mediação Imobiliária, Lda ], propôs - em 9/5/2016 - procedimento de injunção - que se transmutou em acção declarativa sob a forma de processo comum - contra B [ …. - Mediação Imobiliária, Lda ], requerendo a notificação da Requerida para que proceda ao pagamento do montante total de €50.438,06, correspondendo €39.125,00 a capital devido pela intermediação imobiliária efectuada, €8.99500 referente a IVA, €2.161,31 referente a juros de mora vencidos e 153,00€ referente a taxa de justiça. 1.1.–Para tanto alegou a autora, em síntese, que : - No âmbito de uma angariação partilhada com a Ré , lograram ambas concluir uma transacção, no âmbito da qual ficou acordado que a vendedora ( angariada pela requerente ) suportaria uma comissão de 10% sobre o valor da venda ; - Ainda no âmbito da venda referida ( que atingiu o valor de €1.050.000,00 ) , acordado ficou que da comissão a suportar pela vendedora , uma sua percentagem de 7,5% seria para a requerente, cabendo o remanescente de 2,5% à requerida; - Ocorre que, cabendo à requerente a quantia total de €96.862,00 ( €78,750,00 + IVA ), a título de comissão , certo é que até ao presente apenas lhe foi pago pela requerida o montante total de €3075,00, e isto apesar de a requerente, a pedido da requerida ( que referiu apenas estar em condições de liquidar a quantia de 37.125,00 + IVA ) , ter emitido uma factura no valor total de €45,663,75 ( €37,125,00 + IVA). 1.2.–Regularmente notificada para, em prazo, querendo, deduzir oposição, veio a Requerida fazê-lo, no essencial apresentando defesa por impugnação motivada, esclarecendo não corresponder à verdade que à requerente fosse devida a percentagem ( a título de comissão ) que alega e, ademais, acordado ficou que à requerente apenas seria paga a sua comissão quando a requerida viesse a receber da compradora a sua totalidade - da comissão - , o que ainda não se verificou. 1.3.–Proferido despacho a considerar dispensável a realização de uma AUDIÊNCIA PRÉVIA, seguiu-se a prolação de despacho saneador, tabelar, fixando-se a factualidade ASSENTE e bem assim, o objecto do litígio, e tendo-se ainda enunciado os temas da PROVA. 1.4.–Finalmente, iniciada e concluída a audiência de discussão e julgamento ( em 28/6/2017 ), e conclusos os autos para o efeito, foi proferida a competente sentença, e sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor: “ (…) IV–DECISÃO Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e consequentemente decido: a) condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de €39.125,00 (trinta e nove mil cento e vinte cinco euros) de capital e €8.998,75 ( oito mil novecentos e noventa e oito euros e setenta e cinco cêntimos ) correspondente ao IVA à taxa de 23% ; b) condenar a Ré a pagar à Autora sobre a quantia de €39.125,00, os respectivos juros de mora vencidos e vincendos à taxa de juros comercial a contar desde a data de citação da Ré - 27 de Maio de 2016 e até 30 de Junho de 2016 à taxa de 7,05% ao ano, o que corresponde a €264,50, desde 01 de Julho de 2016 a 31 de Dezembro de 2016 à taxa de 7% ao ano, que corresponde a €1.380,63, desde 01 de Janeiro de 2017 a 30 de Junho de 2017 à taxa de 7% ao ano, que corresponde a €1.358,12, e desde 01 de Julho de 2017 e até efectivo e integral pagamento à taxa que vier a ser fixada nos Avisos legais; c) absolver a Ré do restante pedido formulado pela Autora; d) Custas a cargo da Autora e Ré na proporção do decaimento. Registe e notifique. (processei e revi) Almada, 10 de Julho de 2017” 1.5.–Não se conformando com a decisão/sentença do tribunal a quo, da mesma apelou então a Ré B [ …. - Mediação Imobiliária, Lda ] , alegando e deduzindo as seguintes , conclusões : 1.- Vem o presente recurso interposto da, aliás douta, sentença proferida pelo Tribunal a quo, que condenou a recorrente a pagar à recorrida a quantia de €39.125,00 ( trinta e nove mil cento e vinte cinco euros ) de capital e de €. 8.998,75 (oito mil novecentos e noventa e oito euros e setenta e cinco cêntimos) correspondente ao IVA à taxa de 23%, acrescida ainda de juros de mora vencidos e vincendos à taxa de juro comercial, a contar desde a data de citação da Ré; 2.- Salvo melhor opinião, a douta sentença proferida é nula por não especificar os fundamentos de direito que a justificam - cfr. alínea b) do n.° 1 do art. 615.° do C.P.C.. 3.- Atentando no teor da, aliás douta, sentença proferida nos presentes autos, é manifesto que a mesma não especifica as razões de direito, em que se terá alicerçado para condenar a ora R. nos termos em que a mesma foi condenada. 4.- Com efeito, e salvo naturalmente melhor opinião, impunha-se que a decisão recorrida tivesse procedido à caracterização da relação jurídica estabelecida entre A. e R., e da qual supostamente emergirá a obrigação de pagamento em cujo cumprimento a ora R. foi condenada, o que, contudo, não aconteceu. 5.- A, aliás douta, decisão não identificou o tipo contratual celebrado entre A. e R., não identificou quais as obrigações que do mesmo emergem para ambas as partes, quais as consequências do incumprimento dessas obrigações, nem tão pouco identificou quaisquer normas jurídicas que pudessem regular a relação contratual estabelecida e que tivessem sido, de facto, incumpridas pela ora R. 6.- A decisão ora recorrida padece de absoluta falta de fundamentação de direito, não sendo de todo possível à ora R. apreender as motivações jurídicas que determinaram a sua condenação nos termos constantes da sentença ora recorrida. 7.- Na perspectiva da ora recorrente, o Tribunal a quo incorreu, ainda, em erro de julgamento, pois considerou como não provado o facto constante do 2.° parágrafo do ponto II. 2 da, aliás douta, sentença recorrida, pese embora tenha sido produzida prova mais do que suficiente sobre o mesmo. 8.- Com efeito, o depoimento das testemunhas ouvidas em julgamento foi, sobre esta matéria, unânime. Todas as testemunhas que se pronunciaram sobre este facto - inclusivamente a testemunha indicada pela A., ora recorrida - foram unanimes em afirmar que, nos casos de angariação partilhada os pagamentos entre as agências, terão de ser efectuados, de forma imediata, mas após boa cobrança. 9.- Tal resultou claramente do depoimento da testemunha Sandra …., que exerce funções de jurista junto da Remax Portugal, e cujo depoimento se encontra gravado em suporte magnético (CD), 00h01m a 00h35m55s, nomeadamente da parte do depoimento prestado entre os minutos 06m.23s e 08m.36s e entre os minutos 12m.09s e 15m.46s, parte do depoimento em que esclareceu ainda que se a agência angariadora nunca receber, ninguém recebe. Nem a Remax Portugal recebe os royalties, nem a outra agência recebe a comissão. 10.- E explicou que assim é pois seria manifestamente injusto que as agências angariadoras, que não recebem do cliente, ainda tivessem que pagar o que não receberam. 11.- O depoimento desta testemunha foi ainda confirmado pela da testemunha MARIA ….. - cujo depoimento se encontra gravado em suporte magnético (CD). 00h38m33s a 00h59m00s - em particular pela parte compreendida entre o minuto 45m.00s a 45m.58s e pelo depoimento da testemunha ANA ….. - cujo depoimento se encontra gravado em suporte magnético (CD), 00h00m0ls a 00h56m58 - em particular pela parte compreendida entre os minutos 12ml0s a 12m43s. 12.- Tal facto resultou também provado do documento que em sede de audiência de discussão e julgamento, por determinação da MM.a Juiz, foi junto aos autos e que se encontrava na posse da testemunha MARIA …. - conforme informação constante da acta da audiência de discussão e julgamento. 13.- Em face do ora exposto, o facto constante do 2.° parágrafo do ponto II.2 - factos não provados - da sentença recorrida deverá ser transposto para o ponto II. 1 - matéria de facto provada - sob a letra N, assim o impondo os meios probatórios ora indicados. 14.- Acresce que, conforme resulta da matéria de facto dada como provada, o Tribunal a quo nenhum facto apurou sobre a possível relação jurídica estabelecida entre A. e R. que pudesse determinar a obrigação da R. proceder ao pagamento à A. da quantia em que foi condenada. 15.- Antes, pelo contrário! Na perspectiva da ora Recorrente a matéria de facto considerada provada pelo Tribunal a quo sob os pontos H., J. e L. impunha decisão diversa da ora recorrida. 16.- Com efeito, em face da matéria de facto considerada provada pelo Tribunal a quo provada parecem evidentes as seguintes conclusões: - Quem seria responsável pela comissão de 10% seria a Ti Saloia Lda., tendo essa comissão sido estabelecida por acordo firmado entre as três partes envolvidas : A., R. e C. - facto H; - Que a parte da comissão efectivamente recebida - 5% - foi também efectivamente dividida entre A. e R. - facto J; - Que no dia da escritura A., R. e C., acordaram que esta última procederia ao pagamento da comissão em falta, em poucos dias e em prestações - facto L; - Que até à presente data, a C. não pagou os restantes 5% de comissão - facto M. 17.- Salvo melhor opinião, os factos dados como provados pelo Tribunal a quo não consentem, não fundamentam, nem justificam, de forma alguma, que a final a R. tenha sido condenada a pagar à A. a quantia de €39.125,00, quantia essa que o Tribunal a quo havia reconhecido ser obrigação de terceiro (C) - factos H. e L. 18.- Salvo melhor opinião, é mais do que manifesto que o Tribunal a quo errou na aplicação do direito aos factos que considerou como provados. 19.- Sendo a responsabilidade do pagamento em causa nos autos de terceiro (a C) apenas a este lhe poderia ser exigido o pagamento, conforme decorre do princípio geral estabelecido no art. 817.° do Código Civil. Nestes termos, e sempre com o mui douto suprimento de V.Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, declarando-se a nulidade da sentença recorrida nos termos requeridos, com o que se fará JUSTIÇA. 1.6.–A apelada não apresentou contra-alegações . * Thema decidendum 1.7.–Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir são as seguintes: A)–Na apelação interposta pela Ré B. I- Aferir se padece a sentença apelada do vício de nulidade previsto no art.º 615º, n.º 1, alínea b), do CC ; II- Apurar se, no seguimento da impugnação da decisão do tribunal da 1ª instância proferida sobre a matéria de facto , se impõe introduzir alterações na referida decisão de facto; III- Aferir se, em consequência da alteração da matéria de facto fixada pelo tribunal a quo, ou independentemente de qualquer alteração, se impõe alterar o julgado, devendo revogar-se a sentença recorrida, sendo a Ré absolvida do pedido . *** 2.–Motivação de Facto. Em sede de sentença, fixou o tribunal a quo, a seguinte FACTUALIDADE : A)–PROVADA 2.1.–A Autora é titular da marca Remax Solução e a Ré é titular da marca Remax Latina (alínea A) dos factos admitidos por acordo). 2.2.–Do documento junto a folhas 11 a 12 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta: " (...) REMAX Latina II Contrato de mediação imobiliária (Nos termos da Lei n° 15/2013 de 8 de Fevereiro) Compra/Arrendamento/Trespasse/Outros Entre: B (...) adiante designada como Mediadora. E C (...) adiante designado(s) como segundo(s) contratante(s) (...) é celebrado o presente contrato de Mediação Imobiliária que se rege pelas seguintes cláusulas: Cláusula 1ª (Identificação do imóvel) Imóveis e Exploração Galp e demais explorações O segundo contratante é proprietário e legitimo possuidor da fracção autónoma/prédio (rústico/urbano)/ estabelecimento comercial destinado(s) comércio (...) sito na (Rua, Av., Etc) Rua Luís de Camões, em (freguesia) Caneças, (concelho) Odivelas (...). Cláusula 2ª (Identificação do negócio) 1- A Mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado (...) pelo preço de 1.200.000,00 Euros (um milhão e duzentos mil euros) desenvolvendo para o efeito, acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis. 2- Qualquer alteração ao preço fixado no número anterior deverá ser comunicada de imediato e por escrito à Mediadora. (...) Cláusula 5ª (Remuneração) 1- A remuneração será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato e também, nos casos em que o contrato tenha sido celebrado em regime de exclusividade, o negócio não se concretize por causa imputável ao cliente. 2- O segundo contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração: A quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, acrescida de IVA á taxa legal em vigor. (...)." (alínea B) dos factos admitidos por acordo). 2.3.–O valor global da venda foi de €1.050.000,00 (um milhão e cinquenta mil euros) (alínea C) dos factos admitidos por acordo). 2.4.–Aquando da celebração do contrato promessa a Autora recebeu €2.500,00, acrescidos de IVA, num total de €3.075,00, tendo esta emitido a factura n° 32/2015, datada de 13 de Janeiro de 2015 e com vencimento em 13 de Janeiro de 2015 (alínea D) dos factos admitidos por acordo). 2.5.–Posteriormente, em 10 de Agosto de 2015 a Ré pagou à Autora o valor de €37.125,00 acrescido de IVA, no valor total de €45.663,75, tendo esta emitido a factura n° 305/2015, datada de 10 de Agosto de 2015 e com vencimento em 10 de Agosto de 2015 (alínea E) dos factos admitidos por acordo). 2.6.–Apesar de interpelada a Ré não pagou à Autora a quantia de €39.125,00 (alínea F) dos factos admitidos por acordo). 2.7.–A Autora emitiu a factura n° 298/205, datada de 29 de Julho de 2015, com vencimento em 29 de Julho de 2015, no valor de €93.787,50 com IVA à taxa legal incluído, a qual foi devolvida pela Ré, tendo a Autora emitido a factura a que alude a alínea E). 2.8.–Entre Autora, que tinha o comprador, e a Ré, que tinha o vendedor , foi acordado com o vendedor "Ti Saloia" uma comissão de 10 %, da qual 2,5% seria para a Autora, 2,5% para a Ré e 5% para o intermediário de mercado internacional, sendo que os 5% seriam entregues à Autora que, após, os entregaria ao referido intermediário. 2.9.–A gerente da C comunicou à Ré que aceitava que a comissão passasse a ser de 10%. 2.10.–Com a realização da escritura a C apenas pagou a comissão de 5% à Ré, ficando a Ré com 2,5% e pago à Autora 2,5%. 2.11.– A Autora, a Ré e a C " no dia da celebração da escritura de compra e venda, que ocorreu em 17 de Julho de 2015, acordaram que os restantes 5% de comissão ainda em divida seriam pagos pela " C " em poucos dias, após a libertação de uma garantia bancária e que o valor remanescente, após deduzido o valor da referida garantia, seria pago em prestações. 2.12.–Até à presente data a "C " não pagou os restantes 5% de comissão ainda em divida. B)–NÃO PROVADO. 2.13.–Que da comissão de 10% , 7,5% seria para a Autora e 2,5% para a Ré. 2.14.–Que ficou acordado entre Autora e Ré que a parte que cabia à Autora apenas seria paga após a Ré receber da "C ". 2.15.–Mais acordaram Autora e Ré que quando a "C " pagasse a quantia em falta a mesma seria dividida entre Autora e Ré na proporção de 2,5% para cada. * 3.–Da apelação interposta pela Ré B. 3.1.- Do vício de nulidade previsto no art.º 615º, n.º 1, alínea b), do CPC . Invoca a apelante que o tribunal a quo incorre no vício de nulidade do art.º 615º, n.º 1, alínea b), do CPC, pois que, para todos os efeitos, não se mostram especificados na sentença recorrida quais os fundamentos de direito que justificam o subsequente comando decisório. É que, no entender da apelante, não apenas não consta da sentença do tribunal a quo a caracterização da relação jurídica estabelecida entre A. e R., e da qual supostamente emergirá a obrigação de pagamento em cujo cumprimento a ora R. foi condenada, como, ademais, limita-se o julgador a concluir que entre A. e R. não foi celebrado um contrato de mediação imobiliária típico sujeito ao regime jurídico da mediação imobiliária. Adiantando desde já o nosso veredicto, é de alguma forma manifesto e ostensivo que, caso seja pertinente apontar á sentença apelada um qualquer vício adjectivo, não é ele certamente o de ausência de fundamentação de direito. Desde logo, e como é entendimento uniforme e há muito consolidado, quer na jurisprudência (1) , quer na doutrina (2) , uma coisa é a falta absoluta de motivação ( quando a mesma não existe de todo), e , outra bem diferente - o que não integra já o vício de nulidade - , é a existência de alguma fundamentação, sendo porém ela escassa, deficiente ou até mesmo pobre. Ou seja, para que ocorra o vício de nulidade a que se refere o artº 615º, nº.1, al. b), do Código de Processo Civil, seja de facto e/ou de direito, necessário é que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão – em termos de facto e de direito – seja deficiente, apoucada, ou incompleta, vício este último que, podendo é verdade afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, não a fulmina de nulidade. (3) “Alinhando” pelo referido entendimento, praticamente também consensual na doutrina, também Teixeira de Sousa (4) considera que “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”. Ora, no seguimento do acabado de referir, e descendo agora ao concreto, que é o mesmo que dizer, à estrutura da sentença apelada, certo é que é manifesto que não padece a mesma, de todo, do vício de nulidade subsumível à previsão da alínea b, do nº1, do artº 615º, do CPC, pois que, integra a sentença - concorde-se ou não com mesma - a fundamentação de facto e de direito, e , ademais, consta/resulta deste último segmento que permite a factualidade assente concluir que entre a Apelante e a apelada terá sido celebrado um contrato que não é todavia de “mediação imobiliária típico sujeito ao regime jurídico da mediação imobiliária, razão porque pertinente não era aplicar-se-lhe o regime legal ( da Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro ) do típico contrato de mediação imobiliária. De resto, forçoso não é também que a todos os vínculos contratuais sejam atribuídos específicos nomen juris ( conferidos ou não pelas partes , sendo que, de resto, a qualificação jurídica que as partes fazem dos negócios que celebram não vincula o juiz ), antes importa sobretudo é aferir da vontade das partes expressa nas respectivas declarações negociais, interpretando as mesmas à luz dos critérios a que alude o art.º 236.º do C. Civil. Por último, sempre se acrescenta que, ainda que se entenda que in casu se justificava uma fundamentação - na referida parte - mais exaustiva e cuidada, porque como vimos supra não conduz ao vício de nulidade em apreciação a existência de uma fundamentação exígua ou escassa, inevitável é portanto a improcedência da apelação no tocante à invocada nulidade da sentença. Em suma, não padece, portanto, a sentença apelada da nulidade tipificada no citado art.º 615º, do C. P. Civil, em particular a da mencionada alínea b) do seu n.º1. * 3.2.–Da impugnação da decisão do tribunal da 1ª instância proferida sobre a matéria de facto . No âmbito das alegações ( stricto sensu ) e conclusões da Ré Sold Fast - Mediação Imobiliária, Lda, descortina-se com clareza a não aceitação pela mesma do julgamento de facto efectuado pelo tribunal a quo, designadamente a discordância no tocante à não recondução ao elenco dos factos provados de concreta “factualidade” ( que indica ), porque para todos os efeitos suficientemente comprovada com base em prova produzida em audiência de discussão e julgamento. Por outra banda, mas agora tão só em sede de alegações recursórias, indica a apelante, no que à prova gravada diz respeito, quais as passagens da gravação - o respectivo timing - nas quais fundamenta o erro de apreciação da prova que imputa ao tribunal a quo. Na sequência do exposto, e tendo a recorrente indicado outrossim quais as decisões ( cfr. alínea c), do nº1, do artº 640º, do CPC ) que, no seu entender, devem ser proferidas por este tribunal no tocante aos pontos de facto impugnados, nada obsta, portanto, a que proceda este Tribunal da Relação à análise do “mérito” da solicitada/impetrada alteração das respostas aos pontos de facto indicados e impugnados, porque cumpridos todos os ónus impugnativos plasmados no artº 640º, do CPC. Ora bem. Tendo o tribunal a quo julgado Não Provado que ( cfr. item 2.14. ) “acordado foi entre Autora e Ré que a parte ( a título de comissão ) que cabia à Autora apenas seria paga após a Ré receber da "Ti Saloia", é entendimento da apelante que, tendo presente a globalidade dos depoimentos testemunhais prestados em audiência de julgamento, exigia-se que à referida factualidade tivesse o tribunal a quo respondido afirmativamente - como PROVADO. Já o tribunal a quo, no tocante ao ponto de facto nº 2.14., e no âmbito da especificação dos fundamentos que foram decisivos para a formação da respectiva convicção, refere que a resposta negativa se deveu à falta de consistência dos depoimentos prestados em audiência de julgamento. Mais explica/justifica o tribunal a quo que, v.g. a testemunha Sandra …., não conhecendo o contrato celebrado entre a Remax Portugal a Autora e Ré , limitou-se a esclarecer que nos casos de angariação partilhada , e quando o cliente de uma parte não paga , a outra parte só recebe quando aquela receber do cliente, e desde que respeitados alguns procedimentos , e , já as testemunhas Maria …. e Ana …. , também invocando a existência de um manual de procedimentos, referiram que as partes envolvidas em angariação partilhada só recebem quando o cliente paga e, caso não pague , ninguém recebe. Concluiu assim o tribunal a quo que, todos os referidos depoimentos, porque vagos e pouco precisos , maxime no tocante ao acima referido manual de procedimentos, “obrigavam” a que não se considerasse provada a factualidade vertida no ponto 2.14 ora em apreciação. Isto dito, ou seja, percebida a ratio da convicção do tribunal a quo, urge agora aferir se a prova indicada pela apelante justifica/obriga que o ad quem enverede por uma outra diferente, sendo que, neste âmbito, importa referir que, se é certo que o princípio da imediação não pode constituir obstáculo à efectivação do recurso da matéria de facto, a pretexto de, na respectiva decisão, intervirem elementos não racionalmente explicáveis (5), a verdade é que [ o que ninguém ousa questionar ] muito do apreendido pelo Julgador da primeira instância nunca chega - porque não é gravado ou registado - ao ad quem, sempre existindo inúmeros factores difíceis de concretizar ou verbalizar e que são importantes e decisivos em sede de formação da convicção , e , consequentemente, no âmbito do julgamento da impugnação da decisão de facto, há-de o Tribunal da Relação evitar a introdução de alterações quando não lhe seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de um erro de apreciação da prova relativamente aos concretos pontos de facto impugnados .(6) Depois, pertinente é também nesta sede recordar que, sendo certo que a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos ( cfr. artº 341º, do CC), tal demonstração não exige de todo uma convicção assente num juízo de certeza lógica, absoluta, sob pena de o direito falhar clamorosamente na sua função essencial de instrumento de paz social e de realização da justiça entre os homens . (7) É que, para o referido efeito, o que releva e é exigível é, tão só , que (8) em função de critérios de razoabilidade essenciais à aplicação do Direito, o julgador forme uma convicção assente na certeza relativa do facto , ou , dito de um outro modo, psicologicamente adquira a convicção traduzida numa certeza subjectiva da realidade de um facto, existindo assim um alto grau de probabilidade (mas suficiente em razão das necessidades práticas da vida ) da sua verificação. Postas estas breves considerações, vejamos já de seguida da valia da prova invocada pela apelante tendo em vista a almejada alteração da decisão de facto. Ora, começando pela prova testemunhal, maxime pelo depoimento prestado pela testemunha Sandra …. [ jurista da Remax ] , foi a depoente peremptória em afirmar/reconhecer não estar a par daquilo que efectivamente ficou acertado/acordado entre Autora e Ré no tocante ao pagamento/partilha da comissão devida pela vendedora/proprietária do imóvel, mas, ainda assim, estava certa que, de acordo com concreto manual de procedimentos da Remax, a regra é a de que apenas é devido ou é exigível o referido pagamento - da comissão - entre mediadoras [ obrigação da mediadora do vendedor perante a mediadora do comprador ] , quando na presença de angariação partilhada ] após a boa e efectiva cobrança da comissão junto da Cliente/obrigado. Mais esclareceu a testemunha Sandra …. que, sendo ambas as Rés franchisadas da Remax, é seu convencimento [ até pelo que lhe foi dado aperceber, na/s reunião/ões em que participou com A. e Ré ] que o acordado entre autora e ré não terá contrariado/divergido do que consta do referido manual de procedimentos, sendo que, é de resto prática corrente também no âmbito da angariação partilhada que uma imobiliária só está obrigada a pagar à outra quando o cliente da primeira paga [ se necessário após efectuar todas as diligências necessárias à boa cobrança ]. Já a testemunha MARIA …… [ prestadora de serviços para a Remax, tendo tido intervenção na questão discutida nos autos ], tendo esclarecido o que ficou acordado no tocante à repartição da percentagem da comissão devida a cada um dos intervenientes, foi assertiva em afirmar que os pagamentos em causa apenas seriam devidos/realizados após o recebimento dos montantes devidos pelo vendedor C. Por fim, a testemunha ANA …. [ formadora , por conta própria, na área de desenvolvimento pessoal e de psicologia, tendo sido assistente - durante dois anos - de vendedoras/consultoras da B ], tendo acompanhado o negócio dos autos, a ponto de ter estado presente aquando da assinatura do Contrato de mediação imobiliária entre a Ré e a vendedora C e, outrossim, aquando da celebração da escritura, esclareceu - com segurança e ponderação - que desde o inicio que estava ajustado que todos os intervenientes no negócio ( maxime as imobiliárias , e também as Isabéis ) apenas receberiam - sempre - após o recebimento das quantias pagas pela cliente/vendedora C [ cfr. minutos 12.12 e segs. ]. Aqui chegados, compulsada a prova testemunhal acima referida , e coadjuvada a mesma com a prova documental junta aos autos, maxime com teor do documento que consta de fls. 101 e 102 [ email enviado por José … à testemunha Isabel …. , abordando o assunto do pagamento da comissão ], e impondo-se decidir se a convicção da Exmª Juiz a quo se mostra de todo pertinente, sendo a que melhor combina com as mais elementares regras da experiência ou da normalidade da vida, com todo o respeito, é entendimento do ad quem que a resposta não pode ser positiva, antes se aceitava/exigia uma convicção diversa . Senão, vejamos. Em sede de julgamento da factualidade controvertida, é sabido que, ao julgador, vedado não está o recurso a presunções judiciais, nos termos dos artºs 349º a 351º, do CC, impondo-se designadamente ao Juiz o recurso às regras da experiência, sendo que, o uso destas últimas (9), consubstancia também “ (…) critério de julgamento, aplicável na resolução de questões de facto, não na interpretação e aplicação de normas legais, que fortalece o princípio da livre apreciação da prova, como meio de descoberta da verdade, apenas subordinado à razão e à lógica”. Ainda em sede de julgamento de facto, mister é que o julgador aprecie a prova segundo a sua experiência, prudência e bom senso, e isto porque, não raro, determinados alibis/versões, ainda que prima facie amparados em alguns testemunhos produzidos, não devem de todo merecer qualquer acolhimento da sua parte, desde logo porque à partida desprovidos de qualquer valor cognoscitivo e fundamento racional, ou de todo desajustado das máximas da experiência e da normalidade da vida, sendo que, como bem nota Luís Filipe de Sousa (10), no âmbito da livre apreciação da prova, o juiz tem o dever de raciocinar correctamente e de utilizar oficiosamente as máximas da experiência e das quais não deve em principio estar arredado, sob pena de proferir decisões não sensatas porque desfasadas da realidade da vida. É que, precisamente em sede de função probatória, hão-de as máximas da experiência servir de filtro à adesão do julgador a determinadas alegações fácticas, actuando então como elementos auxiliares do juiz em sede de valoração das provas, e isto porque, não se deve olvidar, é também o juiz um ser humano como qualquer outro, estando portanto sujeito a valorações subjectivas da realidade que o cerca, razão porque em principio se lhe exige e dele se espera que a valoração que faça das provas carreadas para os autos não deve em principio afastar-se muito da opinião comum/média que em relação às mesmas faria o bónus pater famílias - o modelo da pessoa capaz e responsável. Ou seja, como bem notou CALAMANDREI (11) , há-de o convencimento do órgão jurisdicional operar-se à luz de critérios de racionalidade, utilizando-se as máximas da experiência, sendo de exigir que o juiz atente ao que acontece na normalidade dos casos, como parâmetro para concluir pela validade ou não de uma determinada pretensão, e não olvidando que tal convencimento do juiz não é asséptico, pois que, o juiz, ao formar seu convencimento sobre o facto, não age como ser inerte e neutro, desprovido de qualquer “pré-conceito”, preconceitos ou vontade anterior. Em suma, e dito de uma outra forma, não sendo é certo as regras da experiência meios de prova, mas antes raciocínios, juízos hipotéticos de conteúdo genérico, assentes na experiência comum, independentes dos casos individuais em que se alicerçam, com validade, muitas vezes, para além da hipótese a que respeitem“, a verdade é que, “permitem eles muitas vezes atingir continuidades, imediatamente, apreensivas nas correlações internas entre factos, conformes à lógica, sem incongruências para o homem médio e que, por isso, legitimam a afirmação de que dado facto é a natural consequência de outro, surgindo com toda a probabilidade forte, próxima da certeza, sem receio de se incorrer em injustiça. (12) Ora tudo o acabado de aduzir, coadjuvado pelos depoimentos das testemunhas acima indicadas, justifica e permite que o julgador considere como provada a factualidade inserta no item 2.14. da motivação de facto, no sentido de que “ ficou acordado entre Autora e Ré que a parte que cabia à Autora apenas seria paga após a Ré receber da C", não se traduzindo tal julgamento em manifesta utilização imprudente e insensata - porque ancorada em excessivo voluntarismo - de uma presunção judicial. Desde logo, porque é claro que é sobre a vendedora/"C " que em última instância incide a responsabilidade única pelo pagamento da comissão “mãe”, posteriormente a dividir pelos diversos interessados/comissionistas intervenientes no negócio. Depois porque, convenhamos, e em caso de dúvida, é para nós inequívoco que o facto controvertido, provado, é sem dúvida aquele que melhor casae conduz a um maior equilíbriodos interesses de todos os interessados/comissionistas intervenientes no negócio. De resto, do teor da própria escritura de compra e venda ( a fls. 18 a 20), resulta/decorre a colocação da Autora e Ré em plano de igualdade no âmbito da intervenção no negócio, ao da mesma constar que “ no presente negócio, houve intervenção das empresas de mediação imobiliária B , com a licença 7001-AMI e A, com a licença 7020-AMI…” Acresce ainda que , e para além de , como vimos supra, não se mover de todo o exercício de poderes jurisdicionais por princípios de certeza absoluta ou inabalável, certo é que não é também aceitável que o julgador lance mão de imediato ( à mínima dúvida, e quase que por mera comodidade/facilidade ) ao princípio a que alude o artº 414º, do CPC, antes o deve fazer tão só quando a conjugação de toda a prova produzida conduz a uma dúvida bastante consistente e de todo inultrapassável [ quando v.g. qualquer das versões fácticas em confronto se revelam altamente razoáveis, verosímeis e bem fundamentadas ]. Na verdade, quando confrontado com meios de prova diversificados, cabe em princípio ao tribunal, no exercício da sua função, tomar posição, quer optando pela prova mais credível e mais imparcial, quer pela versão mais consentânea com as regras da experiência, da normalidade da vida e do senso comum. Por último, importa não olvidar que, também da própria factualidade provada fixada pela primeira instância [ vide o item 2.8. ] decorre/resulta que a comissão [ e de resto a maior ] devida ao intermediário do mercado internacional apenas seria a este último paga depois de recebida pela Autora. 3.3.–Em conclusão, porque : - Escalpelizada toda a prova produzida, testemunhal e documental, permite a mesma enveredar por convicção diversa da formada pelo tribunal a quo ; - A inclinação pela formação de convicção diversa da sufragada pelo tribunal a quo não pressupõe necessariamente uma utilização imprudente - e impregnada de um excessivo voluntarismo - de meras presunções ou de máximas da experiência , bem pelo contrário ; - É jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, que a reapreciação da decisão de facto impugnada, por parte do tribunal de 2.ª instância, não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção (13) ; - A conjugação de toda a prova produzida e acima escalpelizada, justifica e conduz, à luz do poder efectivo deste tribunal em sede de relativo à sua livre apreciação, a uma convicção totalmente oposta à do julgador de primeira instância, obrigando a mesma a diferente julgamento direccionado para concreto ponto de facto controvertido e impugnado ; Determina este tribunal, nos termos do artº 662º,nº1, do CPC, e no seguimento da procedência da impugnação da decisão de facto deduzida pela recorrente, a modificação da decisão do tribunal a quo e relativa à matéria de facto nos seguintes termos : Item 2.14 - Provado que “ acordado foi entre Autora e Ré que a parte da comissão que à primeira cabia seria paga após a Ré receber da vendedora C"”. * 4.–Se, em consequência da alteração da matéria de facto fixada pelo tribunal a quo, ou independentemente de qualquer alteração, se impõe alterar o julgado, devendo revogar-se a sentença recorrida, sendo a Ré absolvida do pedido. Como decorre do relatório do presente Ac. , e , sobretudo, das conclusões recursórias da apelante dirigidas para a sentença recorrida, manifesto é que a pretendida alteração do julgado [ ser a sentença da primeira instância substituída por Acórdão que declare a acção improcedente ] assentava e exigia, em primeira linha e como de “pão para a boca”, a modificação/alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo. Como vimos supra, e em razão dos fundamentos aduzidos nos itens 3.1 a 3.3 do presente Acórdão, considerou este tribunal da Relação existirem motivos pertinentes e relevantes para ser atendida a impugnação da decisão de facto proferida pela 1ª instância. Destarte, tendo ficado assente que [ Item 2.14 ] “ acordado foi entre Autora e Ré que a parte da comissão que à primeira cabia seria paga após a Ré receber da vendedora "C"”, e estando outrossim assente que [ item 2.12. ] “Até à presente data a " C " não pagou os restantes 5% de comissão ainda em divida “, é manifesta a inevitabilidade da procedência da apelação e a consequente revogação da sentença recorrida [ em face do disposto no artº 406º, do Código Civil ] . Mas, ainda que não alterada a decisão de facto, temos para nós que, a alteração do julgado mostrava-se também de todo inevitável, o que equivale a dizer que, também o tribunal a quo, com a factualidade que fixou, podia e devia ter julgado a acção improcedente. Senão ,vejamos. Como é consabido, a quem invoca um direito em juízo incumbe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, quer o facto seja positivo, quer negativo ( actor incumbit probatio), competindo à parte contrária provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito ( cfr. artº 342º do Código Civil - reus excipiendo fit actor ). Assim, em sede de acção de condenação e destinada a obter o pagamento de uma dívida pecuniária, como o é a presente, cabe ao autor alegar e provar a existência dos factos constitutivos do crédito, cuja titularidade se arroga e que afirma estar sendo violado, provando nomeadamente a realização do facto jurídico ( v.g. o acordo/contrato com demandado outorgado) donde o crédito emerge. Ao réu competirá, por seu turno, provar os factos impeditivos modificativos ou extintivos ( v.g. o pagamento ). Não logrando o autor provar, como lhe compete, o facto constitutivo do respectivo direito, não conseguindo v.g. provar que outorgou com a apelada/Ré um qualquer negócio jurídico do qual emerge um vínculo jurídico que incide sobre o demandado a ponto de estar este último adstrito/obrigado a realizar-lhe uma prestação [ conduta a que o devedor está obrigado, ou seja , o comportamento devido (14) - cfr. artº 397º, do CC ], inevitavelmente a acção só pode/deve improceder. Ou seja, em sede de acção de condenação e destinada a obter o pagamento de uma dívida pecuniária, obrigado está o autor em alegar e provar a existência do negócio jurídico do qual emerge o direito a exigir do demandado/devedor determinada conduta ( o direito à prestação , e a obter uma sentença de fundo favorável - garantia judiciária ), e , bem assim, o dever do demandado de realizar a prestação - o dever de prestar, ficando o seu património sujeito à execução. Em suma, pressupondo a obrigação a existência de uma relação jurídica, a qual por sua vez integra um direito subjectivo e um dever, e à semelhança do que sucede com outros vínculos jurídicos, demanda o êxito de uma acção a prova - a cargo daquele que se arroga credor - dos elementos constitutivos do referida relação , maxime dos respectivos sujeitos, objecto e facto jurídico . (15) Isto dito, e descendo agora à realidade provada , e com pertinência em sede de prova do facto constitutivo do direito pela Autora invocado, vemos que apenas se mostra assente que : - item 2.8. - Entre Autora, que tinha o comprador, e a Ré, que tinha o vendedor , foi acordado com o vendedor " C " uma comissão de 10 %, da qual 2,5% seria para a Autora, 2,5% para a Ré e 5% para o intermediário de mercado internacional, sendo que os 5% seriam entregues à Autora que , após, os entregaria ao referido intermediário ; - item 2.10.- Com a realização da escritura a "C " apenas pagou a comissão de 5% à Ré, ficando a Ré com 2,5% e pago à Autora 2,5% ; - item 2.11 - A Autora, a Ré e a " C " , no dia da celebração da escritura de compra e venda, que ocorreu em 17 de Julho de 2015, acordaram que os restantes 5% de comissão ainda em dívida seriam pagos pela " C " em poucos dias, após a libertação de uma garantia bancária e que o valor remanescente, após deduzido o valor da referida garantia, seria pago em prestações ; e que, - item 2.12.- Até à presente data a " C " não pagou os restantes 5% de comissão ainda em divida. Em rigor, portanto, não se descobre no âmbito da referida factualidade que entre a Autora e a Ré tenha sido celebrado um negócio jurídico do qual resulte um vínculo jurídico que incida sobre a apelante B, a ponto de estar esta última adstrita/obrigada/vinculada a realizar à apelada A, uma prestação. De resto, e curiosamente, apenas com a integração no elenco dos factos provados do item 2.14 [ “acordado foi entre Autora e Ré que a parte da comissão que à primeira cabia seria paga após a Ré receber da vendedora " C " ], passa a existir ( ainda que implicitamente ) a prova de um vínculo jurídico que incide sobre a demandada B, e o qual confere à apelada A , o direito de lhe exigir concreta prestação. Tudo visto e ponderado, e porque mais considerações se revelam inúteis, a apelação forçosamente procede, impondo-se a revogação da sentença apelada. * 5.- Sumariando ( cfr. artº 663º, nº7, do CPC). 5.1.- Em sede de julgamento da factualidade controvertida, vedado não está o recurso pelo julgador a presunções judiciais, nos termos dos artºs 349º a 351º, do CC, impondo-se designadamente ao Juiz o recurso às regras da experiência, sendo que, o uso destas últimas consubstancia também critério de julgamento, aplicável na resolução de questões de facto. 5.2.- Outrossim em sede de formação da sua convicção, há-de o convencimento do órgão jurisdicional operar-se à luz de critérios de racionalidade, utilizando-se as máximas da experiência, sendo de exigir que o juiz atente ao que acontece na normalidade dos casos, como parâmetro para concluir pela validade ou não de uma determinada pretensão, e não olvidando que tal convencimento do juiz não é asséptico, pois que, o juiz, ao formar seu convencimento sobre o facto, não age como ser inerte e neutro, desprovido de qualquer “pré-conceito”, preconceitos ou vontade anterior. 5.3.- Por último, também nesta sede importa atentar que, sendo certo que a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos ( cfr. artº 341º, do CC), tal demonstração não exige de todo uma convicção assente num juízo de certeza lógica, absoluta, sob pena de o direito falhar clamorosamente na sua função essencial de instrumento de paz social e de realização da justiça entre os homens. *** 6.–Decisão. Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa , em , concedendo provimento ao recurso de apelação interposto por Sold Fast - Mediação Imobiliária, Lda ; 6.1.- Alterar a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo; 6.2.- Revogar a sentença recorrida, sendo a acção intentada por A , julgada improcedente e, a Ré B, absolvida do pedido ; *** As custas serão suportadas : Na acção e na apelação = in totum pela autora e apelada A. *** LISBOA, 8/2/2018 António Manuel Fernandes dos Santos(O Relator) Eduardo Petersen Silva (1º Adjunto) Cristina Isabel Ferreira Neves (2ª Adjunta) (1)Cfr. o Ac. do STJ de 5/5/2005, in www.dgsi.pt. (2)Cfr. o Prof. José Alberto dos Reis, in C. Proc. Civil anotado, V , Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141; Prof. Antunes Varela e Outros, in Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 687 a 689 e Luís Filipe Brites Lameiras, in Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36. (3)Cfr. Prof. José Alberto dos Reis, ibidem, pág.140. (4)In Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Editora Lex, 1997, pág. 221. (5)Cfr. Ac. do STJ de 8/6/2011, Proc. nº 350/98.4TAOLH.S1, in www.dgsi.pt. (6)Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, 3ª Edição, pág. 318. (7)Cfr. Prof. Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 1984, págs. 420 e segs. (8)Cfr. Prof. Antunes Varela e outros, ibidem. (9)Cfr. Ac. do STJ de 6/7/2011, Proc. nº 3612/07.6TBLRA.C2.S1, in www.dgsi.pt.. (10)In Prova por Presunção no Direito Civil, 2012, Almedina, págs. 77 e segs.. (11)In Veritá e verossimiglianza nel processo civile, Rivista di diritto processuale, Padova, CEDAM, 1955. (12)Cfr. ainda Ac. do STJ acima indicado e de 6/7/2011. (13)Cfr. Ac. do STJ de 07-09-2017, Proc. nº 959/09.2TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.. (14)Cfr. Pessoa Jorge, in Direito das Obrigações, 1º Vol. , aafdl, pág. 55 e 124. (15)Cfr. Inocêncio Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 3ª Edição, Coimbra editora, págs. 23 e segs.. |