Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20409/19.5T8SNT-A.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: MEIO DE PROVA
DEPOIMENTO DE PARTE
DOCUMENTO
APRESENTAÇÃO
REQUERIMENTO
TEMPESTIVIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - A lei processual admite, entre outras provas, o depoimento de parte e as declarações de parte.
- O depoimento de parte pressupõe um requerimento efectuado por quem pretende ouvir a parte contrária, ao invés, as declarações de parte, enquanto meio voluntário de natureza potestativa, são da iniciativa da própria parte.
 - O requerimento probatório relativo ao depoimento de parte deve ser apresentado nos articulados (arts. 552 e 572 CPC), no limite, na audiência prévia se esta tiver tido lugar (art. 598 CPC) ou, face a uma circunstância posterior, haja necessidade de apresentar requerimento probatório, na sequência de notificação pelo Tribunal, o que sucedeu, in casu (Acórdão da Relação de Lisboa).
 - Esta regra comporta excepções, excepções essas, (alterações aos requerimentos probatórios), consagradas nos arts. 552/2, 572 d) e 598 CPC.
 - As declarações de parte, ao contrário do depoimento de parte, podem ser requeridas/prestadas até ao início das alegações orais em 1ª instância (factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo) – art. 466 CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

A demandou as rés B [ …. –  Serviços de Saúde, S.A.], C [ ….. Actividades Laboratoriais, S.A.]  e D [ …, Participações e Investimentos, Lda.] .
Em sede de audiência de julgamento que teve lugar, em 4/12/23, após a prestação de declarações de parte do legal representante da 1ª ré (Referência – Serviços de saúde, S.A.), o Ilustre Mandatário do autor requereu que este (autor) prestasse declarações de parte “para efeitos de contra prova à matéria invocada pela ré Referência, aquando do seu requerimento de declarações de parte”.
As rés opuseram-se, pugnando pelo seu indeferimento.
Sustentaram que o autor esteve presente nas audiências anteriores e, como tal, tomou conhecimento do depoimento das testemunhas e declarações de parte do representante legal da 1ª ré, pelo que o seu depoimento está inquinado.
O autor sabia, desde 1/3/23, que o Administrador da 1ª ré tinha requerido a prestação de declarações de parte aos factos constantes dos artigos 103 a 125 da contestação, pelo que deveria ter requerido, nessa altura, a prestação das suas declarações de parte.
As declarações de parte não servem para contraprova das declarações de parte dos demais intervenientes.
Foi proferido despacho que admitiu a prestação das declarações de parte do autor, com fundamento, em suma:
- Art. 466/1 CPC.
- O facto do autor ter estado presente nas audiências anteriores, não obsta a que as declarações sejam prestadas, porquanto não se subsumem a um depoimento, resumindo-se a declarações que consubstanciam a versão que a parte trás ao processo, destinando-se a esclarecer o alegado no seu articulado, tendo conhecimento da posição que a parte contrária adoptou no seu articulado.
- As declarações de parte são uma prova de diminuta credibilidade (parte defende a sua posição/interesse).
- “O direito a estar presente em audiência é um direito que assiste a qualquer das partes, sendo que conciliar o direito a estar presente com o direito a prestar declarações de parte implica, naturalmente, que o exercício de um direito não pode obstar ao exercício do outro”.
Em sede de continuação de audiência, em 12/1/24, a 1ª ré (Referência, S.A.), alicerçada no facto de terem sido admitidas as declarações de parte do autor, não obstante a sua oposição, requereu que o autor prestasse depoimento de parte, aos factos constantes da sua contestação - 113 a 118, 121, 123 e 125 -, ex vi art. 456 CPC..
O Ilustre Mandatário do autor pugnou pelo indeferimento, sustentando que a ré deveria ter requerido esta prova aquando da apresentação da sua contestação (art. 572 CPC), sendo que, após a contestação, a prova por confissão das partes, apenas poderá ser determinada pelo juiz.
Nessa altura, a Sra. Juiz indeferiu, por extemporâneo, o requerido pela ré Referência, com fundamento no facto de que a única prova que pode ser requerida até ao final da produção de prova são as declarações de parte, todas as demais devem ser produzidas (o caso dos documentos) e requeridas (caso das testemunhas ou depoimento de parte) como requerimento probatório, seja no próprio articulado, seja após o saneamento dos autos, sendo que todas as partes, in casu, foram notificadas após a prolação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa para oferecerem prova quanto à matéria que aquele Tribunal entendeu dever ser apreciada.
Após a prolação do despacho o Exmo. Mandatário do autor prescindiu das declarações de parte do autor.
O Ilustre Mandatário da ré Referência (1ª ré), por entender que o depoimento do autor é essencial para a descoberta da verdade material, requereu, ex vi do art. 452/1 CPC, que o Tribunal, de motu proprio, determinasse que o autor prestasse o depoimento de parte aos factos 113 a 116 indicados na contestação, os quais são essenciais para a boa decisão da causa.
Na resposta, o Exmo. Mandatário do autor, opôs-se sustentando que a afirmação – meio de prova essencial/indispensável à descoberta da verdade material – é conclusiva.
Em seguida foi proferido despacho que indeferiu o requerido com fundamento em que as declarações de parte apenas podem ser requeridas pela própria parte, tendo já havido pronúncia do tribunal quanto ao depoimento de parte.
No decurso da audiência, o Ilustre mandatário da ré Referência requereu, ex vi arts. 423/3, 411 e 436 CPC, a junção aos autos do relatório de contas da ré Referência relativo ao ano de 2013.
Justificou a sua junção sustentando que “na sequência do depoimento prestado nesta audiência pela testemunha R …., nomeadamente, na sequência da contra instância do Ilustre Mandatário do autor se referiu à data da insolvência do Laboratório Nova Era Luz se reportar ao ano de 2015, no entanto, no ano de 2013 o Laboratório apresentava um capital negativo de € 253.330,28 de acordo com o relatório de contas aprovado nesse ano. Mais consta do relatório de contas de 2012, que o valor em caixa no final desse ano reportava-se a € 3.800,00 euros, o que é bem demonstrativo da situação financeira da ré Referência à data da renúncia à administração por parte do autor, os presentes documentos destinam-se ainda a provar os fatos constantes da contestação da ré Referência, nomeadamente dos arts. 113, 114, 115, 116, 117, 118 e 125”.
O Exmo. Mandatário do autor pugnou pelo indeferimento da junção, sustentando:
- Tal matéria não é nova, nem tem qualquer tipo de virtualidade para o que foi referido pelo depoimento da testemunha ainda que para efeitos de esclarecimentos, por si solicitados.
- A junção requerida não cabe na previsão da norma do         art. 423/3 CPC, sendo que esta prova, para os quesitos indicados, deveria ter sido requerida aquando da notificação da ré, Março de 2023.
- Caso assim se não entenda, deve a ré Referência ser condenada em multa.
Em seguida foi proferido despacho que indeferiu a junção aos autos do documento pretendido, cuja fundamentação se transcreve:
“Pretende a ré comprovar nos autos as dificuldades financeiras que alegou na sua contestação.
Estão em causa factos essenciais à boa decisão da causa.
A prova documental quanto a factos essenciais deve ser produzida com o articulado em que tais factos são alegados.
Pode ainda sê-lo nos 20 dias que antecedem a audiência de discussão e julgamento ainda que com multa.
Fora destas situações apenas são admitidos os documentos que se tenham tornado necessários por via de ocorrência posterior.
Tem sido entendimento da jurisprudência que o depoimento de uma testemunha pode consubstanciar ocorrência posterior quando venha a revelar um facto acessório para a boa decisão da causa.
O depoimento da testemunha R …. apenas revelou a data da declaração de insolvência de uma dada sociedade a qual apenas pode ser comprovada por certidão judicial do teor da sentença que a declarou tal.
Tal certidão mostra-se junta aos autos pelo que não se vê o que possa o documento ora apresentado acrescentar à mesma”.
Em ambas as audiências estiveram presentes os Ilustres Mandatários de todas as partes.
Inconformada a ré B apelou formulando as seguintes conclusões:
1 – O Tribunal “a quo” por despacho devidamente fundamentado admitiu na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 4 de Dezembro de 2023 a prestação de declarações de parte do autor aos factos constantes dos arts. 113 a 115 e 117 a 125 da contestação da Ré, B., vide ata da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 4 de Dezembro de 2023.
2 – O Tribunal “a quo” na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 12 de Janeiro de 2024, não admitiu a prestação das declarações de parte do autor quando se apercebeu que aos factos a que o mesmo iria prestar declarações lhe eram desfavoráveis. 
3 – Sendo certo que essa intercorrência não é impeditiva da prestação de declarações de parte, pois, caso o autor confirmasse os factos insertos nos arts. 113 a 115, 117 a 125 da contestação ter-se-iam por confessados os mesmos, na medida em que lhe eram desfavoráveis e teria sido lavrada a respectiva assentada. Caso contrário, o Tribunal “a quo” apreciaria livremente as suas declarações, de acordo com o estatuído no art. 607/5 CPC.
4 – Acresce que, com o despacho de admissibilidade das declarações de parte do autor proferido na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 4 de Dezembro de 2023, o Tribunal “a quo” esgotou nesse momento o seu poder jurisdicional sobre esta matéria, ut. art. 613/1 e 3 CPC.
5 – Assim, não poderia na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 12 de Janeiro de 2024, “dar o dito por não dito”, ou seja, despachar em sentido oposto ao que tinha já feito na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 4 de Dezembro de 2023, porquanto, como supra se mencionou, o poder jurisdicional do Tribunal “a quo” já estaria esgotado, no que a esta matéria diz respeito.
6 – No caso concreto, o Tribunal “a quo” pura e simplesmente limitou-se a impedir o autor de prestar declarações de parte sem ter, de forma alguma, proferido qualquer despacho que fundamentasse tal atitude, vide gravação da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 12 de Janeiro de 2024, com início pelas 10:00 horas e respectiva ata da referida diligência.
7 – O Tribunal “a quo” ao não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificaram tal decisão determina a nulidade da mesma, ut. arts. 615/1 alínea b) conjugado com o plasmado nos    arts. 613/1 e 3 e 195/1 CPC.
8 – O Tribunal “a quo”, na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 12 de Janeiro de 2024, violou ainda o princípio do contraditório plasmado no art. 3 CPC, porquanto não concedeu a palavra às rés para se pronunciarem sobre a decisão, inesperada e inexplicável, de não admitir a prestação de declarações de parte do autor na referida audiência de discussão e julgamento, o que determina a nulidade de tal decisão, ut. arts. 3/3, 195/1 e 613/3 CPC.
9 – O Tribunal “a quo” ao não admitir a junção aos autos do relatório de prestação de contas do ano de 2013 referente à ré, B , na sequência do depoimento da testemunha R que relatou factos novos referentes a situação económica e financeira da ré, B , bem como ao Laboratório Nova Era Luz, Lda., violou o disposto nos arts. 423/3 “in proemio”, 411 e 436 CPC, assim como o disposto no art. 341 CC.
10 – Além de que o Tribunal “a quo” fez tábua rasa do princípio basilar do CPC, qual seja o princípio da descoberta da verdade material inserto nos arts. 7, 417, 411 e 436 CPC, ao não admitir a junção do relatório da prestação de contas da ré, B, do ano de 2013. Tal junção deveria ter sido admitida atento o teor e conteúdo do aludido documento, o qual se afigura imprescindível para a descoberta da verdade material dos factos insertos nos arts. 113 a 115, 117 a 125 da contestação apresentada pela Ré e ora Recorrente, B.
11 – Assim, atento todo o exposto, ambos os despachos  proferidos na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 12 de Janeiro de 2024, violam o disposto nos arts. 607/5, 613/ 1 e 2,  615/1 alínea b), 613/3, 195/1, 3/3, 423/3 “in proémio”, 7, 417, 411 e 436 CPC e ainda o art. 341 CC.
12 – Pelo que devem os referidos despachos ser revogados e substituídos por outros que admitam, por um lado, a prestação de declarações de parte do autor aos factos insertos nos arts. 113 a 115 e 117 a 125 da contestação da ré, ora Recorrente, B  e, por outro, a junção aos autos da certidão do relatório da prestação de contas referente ao ano de 2013 da Ré, ora Recorrente, B
Não foram deduzidas contra-alegações
Os factos com interesse para o recurso constam do relatado supra, dando-se aqui por reproduzido o conteúdo das actas de audiência de julgamento (4/12/23 e 12/1/24).
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
As questões a decidir (arts. 639 e 640 CPC) consistem em saber se há ou não lugar à nulidade do despacho, violação do princípio do contraditório e se devem ou não ser admitidos o depoimento de parte e a junção do documento.
Vejamos, então.
a) Nulidade do despacho
Sustenta o apelante a nulidade do despacho proferido na audiência de julgamento, de 12/1/23, que não admitiu a prestação das declarações de parte do autor, quando na anterior audiência (4/12/23) tinha admitido que o autor prestasse declarações de parte, sem ter especificado os fundamentos de facto e de direito justificativos da decisão, sendo certo que o tribunal não o poderia ter feito, por esgotado estar o seu poder jurisdicional.
A sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, estendendo-se esta nulidade aos despachos - arts. 615/1 b) e 613/3 CPC.
Esta nulidade tem lugar quando haja falta de motivação, ou seja, julgador não especifica os fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão.
Uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas.
A razão substancial reside no facto de que a sentença/despacho deve representar a adaptação da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à apreciação do juiz; ao comando abstracto e geral da lei, o juiz substitui um comando particular e concreto.
No entanto, este comando não se pode gerar arbitrariamente, uma vez que o juiz, não tem, o poder de ditar normas de conduta, de impor a sua vontade às vontades individuais que estão em conflito, porque a sua atribuição é unicamente a de extrair da norma formulada pelo legislador a disciplina que se ajusta ao caso sujeito à sua decisão, cumpre-lhe demonstrar que a solução dada ao caso é legal e justa, é a emanação correcta da lei.
As razões práticas residem no facto de que as partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão. Sobretudo a parte vencida tem o direito de saber por que razão a sentença lhe foi desfavorável; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o tribunal superior. Este carece também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso.
Não basta que o juiz decida a questão posta, é necessário e indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto.
O valor doutrinal da sentença, valor como elemento de convicção, vale o que valerem os seus fundamentos.
Acresce ainda que existe uma distinção entre a falta total de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada.
O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiente ou deficiente motivação, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não acarreta nulidade – cfr. A. Reis CPC Anotado, vol. V – 138 segs., Coimbra Editora, ano 1981.
In casu, na sequência de requerimento do Ilustre Mandatário do autor, na audiência de julgamento, de 4/12/23, no sentido deste prestar as declarações de parte, o Tribunal deferiu o pedido, não obstante as rés se terem pronunciado em sentido inverso.
Na audiência, de 12/1/23 (continuação de julgamento), o Ilustre Mandatário da ré B (1ª ré), respaldado na admissão das declarações de parte do autor na audiência pretérita, requereu que o autor prestasse o seu depoimento de parte aos factos constantes da sua contestação (113 a 118, 121, 123 e 125).
Opôs-se o Ilustre mandatário do autor, tendo sido proferido despacho de indeferimento, alicerçada em extemporaneidade, porquanto todas as provas devem ser reproduzidas (documentos) e requeridas (testemunhas e depoimento de parte) com o requerimento probatório, seja no próprio articulado, seja após o saneamento dos autos, excepção feita às declarações de parte, sendo que, in casu, todas as partes foram notificadas após a prolação do acórdão da Relação de Lisboa para oferecerem prova quanto à matéria que este tribunal entendeu dever ser apreciada.
Após, o Ilustre mandatário do autor prescindiu das suas declarações de parte.
O Ilustre mandatário da 1ª ré, por entender ser essencial para a descoberta da verdade, requereu que o Tribunal, de motu proprio, determinasse que o autor prestasse depoimento de parte a determinados factos (113 a 116/contestação), por essenciais à boa decisão da causa.
No seguimento da oposição do Ilustre mandatário do autor o Tribunal indeferiu o requerido com fundamento no facto das declarações de parte apenas poderem ser requeridas pela parte, tendo já havido pronúncia quanto ao depoimento de parte.
Ora, tendo em atenção estas premissas, constata-se a inexistência de falta de fundamentação, já que o tribunal, sustentou e explicou a sua decisão no que concerne ao momento em que podem ser requeridas as provas (próprio articulado/após o saneamento dos autos/as partes foram notificadas para apresentarem a prova), não sendo admissível, após este (s) momento (s), a admissão de mais provas, excepção feita às declarações de parte.
Não se olvida que as declarações de parte foram admitidas (4/12/23), no entanto, na audiência de, 12/1/24, o que foi requerido foi o depoimento de parte e não já as declarações de parte, sendo que, após o seu indeferimento (depoimento de parte), foram prescindidas as declarações de parte do autor.
Assim sendo, afastada está a nulidade arguida, soçobrando a pretensão.
b) Violação do princípio do contraditório
Defende a apelante a violação do princípio do contraditório porquanto o Tribunal ao não admitir a prestação de declarações de parte do autor, decisão inesperada e inexplicável, não concedeu a palavra aos Ilustres Mandatários das rés para, sobre ela, se pronunciarem.
Antes de nos pronunciarmos sobre a questão dir-se-á o seguinte (questão prévia).
Os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte na causa, tenha ficado vencido – art. 631 CPC.
A legitimidade afere-se através do prejuízo que a decisão determina na esfera jurídica do recorrente.
Daqui decorre, que apenas pode interpor recurso quem, sendo parte principal na causa tenha ficado vencido ou, quem não sendo parte na causa ou sendo apenas parte acessória, tenha ficado directa e efectivamente prejudicado com a decisão, sendo também necessário que a parte que tem legitimidade para interpor recurso tenha interesse na sua efectiva decisão.
Por seu turno, o interesse em agir, enquanto pressuposto essencial à admissão e conhecimento do recurso interposto, não confundível com a legitimidade, pressupõe a legitimidade para a interposição do recurso – cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos Novo CPC, 4 ed., Almedina, 2017-78.
In casu, o apelante, relativamente à questão de violação do contraditório, no que concerne às 2ª e 3ª rés, face ao explanado supra, carece de legitimidade.
Destarte, não se conhece do recurso, quanto a este segmento (violação do contraditório) relativamente a estas rés, excepção feita à apelante (1ª ré).
O art. 3/3 CPC surgiu com a reforma do CPC introduzida pelo DL 329-A/95 de 12/12 constando do preâmbulo que: “Assim, prescreve-se, como dimensão do princípio do contraditório, que ele envolve a prolação de decisões surpresa, não sendo lícito aos tribunais decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem…” 
Dispunha o art. que: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de, agindo com a diligência devida, sobre elas se pronunciarem”. 
Com o DL 180/96 de 25/9, substituiu-se a expressão “agindo com a diligência devida”, pela de “salvo manifesta desnecessidade”, passando a ter a seguinte redacção: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo casos de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. 
A substituição da expressão “agindo com a diligência devida” pela de “manifesta desnecessidade”, não significa, face aos princípios gerais que enformam o nosso código, que tivesse aliviado as partes de usarem a diligência devida para alcançarem as questões que vêm a ser, ou podem vir a ser, importantes para a decisão que virá a ser tomada – cfr. Lopes do Rego, Comentários ao CPC, I - 33 e Abílio Neto – anot. ao art. 3; Lebre de Freitas, CPC Anot., I-9.
Daqui decorre que o Tribunal não deve apenas assegurar que seja cumprido o princípio do contraditório, no sentido do atempado e recíproco conhecimento dos actos processuais e das questões suscitadas como deve o Tribunal, ele próprio, observá-lo.
Estabeleceu-se um dever do Tribunal em cada momento do decurso do processo decidir questões de facto ou de direito, ainda que cognoscíveis ex officio, após ter facultado a respectiva pronúncia às partes, salvo em caso de manifesta desnecessidade.
A reforma de 96, reforçou o princípio da audição complementar das partes nas questões que o juiz oficiosamente entenda decidir, no entanto, subjacente às mesmas existe um núcleo essencial – a audição e complementar das partes, precedendo a decisão do pleito e realizada fora dos momentos normalmente idóneos para produzir alegações de direito, só deverá ter lugar quando surjam questões jurídicas susceptíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, na decisão e quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela, mantendo-se a mesma linha de orientação no actual CPC (Lei 41/2103 de 26/6).
Na nossa lei existem muitos preceitos que apontam para a ideia de que após a discussão – factual e jurídica – se sucede a apreciação e decisão pelo tribunal, deixando a convicção de que, quanto a esta, o tribunal decide – aproveitando ou não o teor dessa discussão – sem que se abra nova disputa, ainda que situada em campo diferente.
Vejam-se os arts. 5 – “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito…” - 607 – “concluída a discussão do aspecto jurídico da causa, é o processo concluso ao juiz, que proferirá a sentença dentro de 30 dias” - 607/3 – “seguem-se os fundamentos da sentença devendo o juiz …interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes” - e 639/2 “enquanto impõe ao recorrente que indique as normas jurídicas violadas e o sentido como devem ser interpretadas e aplicadas sem que se preveja que constitua deficiência a omissão do que vier a ser relevante na decisão”.
De ressalvar, que o princípio segundo o qual o juiz não está sujeito às alegações das partes no que toca à indagação, interpretação e aplicação do direito – art. 5 CPC – deve ser compatibilizado com as proibições absolutas das decisões surpresa – art. 3/3 CPC – devendo, antes da prolação da sentença, ser facultado às partes o exercício do contraditório, sempre que a qualificação jurídica a adoptar ou a subsunção a um determinado instituto não correspondam à previsão das partes, expressa ao longo do processo – cfr. Lopes do Rego –    ob. cit. e Abílio Neto – anotação ao art. 664 CPC, CPC Anot., 20ª ed. – 901.
In casu, consta das actas que os Ilustres Mandatários das partes (todas) estiveram presentes nas audiências, de 4/12/23 e 12/1/24.
Na acta de 4/1/23, consta que foi dada a palavra aos Ilustres Mandatários de todas as rés para se pronunciarem sobre o requerimento do autor no sentido de prestar as suas declarações de parte.
Na acta, de 12/1/24, ficou exarado, face aos requerimentos efectuados pela 1ª ré que foi concedida a palavra ao autor para se pronunciar.
O autor prescindiu das declarações de parte.
Ora, face ao extractado supra e o exarado nas actas, afastada está a violação do princípio do contraditório/decisão surpresa, porquanto a ré Referência, S.A., participou, acompanhou o desenrolar do julgamento, requereu a prestação do depoimento de parte, bem como de documento, pronunciou-se sobre o (s) requerimento (s) efectuado pelo autor, em suma, foi-lhe dada sempre oportunidade de pronúncia.
Acresce, no que concerne às declarações de parte, sendo estas da iniciativa da própria parte (meio voluntário de natureza potestativa) o tribunal não deu o “dito por não dito”, nem tinha que dar a palavra à apelante, porquanto o autor prescindiu das mesmas.
Destarte, a pretensão soçobra.
c) Depoimento de parte
A instrução tem por objecto os temas de prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova – art. 410 CPC.
É admissível a prova por confissão das partes, não definindo a lei o conceito do depoimento da parte, limitando-se a traçar os seus limites objectivos - quem pode prestá-lo, de quem pode ser exigido e quais os factos pode recair, atenta a relação com a pessoa do depoente – cfr. arts. 452 a 454 CPC.
A confissão traduz-se no reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável – art. 352 CC.
A confissão judicial é feita em juízo, traduzindo-se a confissão judicial provocada no depoimento de parte – cfr. arts. 355 e 356/2 CC.
A confissão, como meio de prova, típico e diferenciado, pressupõe o reconhecimento de um facto contrário ao interesse do confitente; se a parte alega facto favorável ao seu interesse, não confessa, faz uma afirmação cuja veracidade tem de demonstrar, pela razão simples de que ninguém pode, por simples acto seu, formar ou fabricar provas a seu favor. A confissão constitui prova, não a favor de quem a emite, mas a favor da parte contrária; portanto recai necessariamente sobre factos desfavoráveis ao confitente e favoráveis ao adversário – cfr. A. Reis, CPC anot. vol. IV, 76.
É uma declaração de ciência pela qual uma pessoa reconhece a realidade de um facto que lhe é desfavorável (contra se pronuntiatio) - de um facto cujas consequências jurídicas lhe são prejudiciais e cuja prova competiria à outra parte, nos termos do art. 342 CPC – cfr. art. 352 CC – cfr. M. Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 240.
Se a confissão judicial se destina a provocar a confissão da parte e se esta, pelo seu objecto, implica o reconhecimento de factos desfavoráveis ao depoente e favorecentes da posição da parte contrária, bem se compreende que o depoimento só possa ser exigido quando esteja em causa o reconhecimento pelo depoente de factos cujas consequências jurídicas lhe são prejudiciais e cuja prova competiria à parte contrária.
O depoimento (parte) só pode ter por objecto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento, não sendo admissível sobre factos criminosos ou torpes, de que a parte seja arguida – art. 454/1 e 2 CPC.
A lei processual faz menção às declarações de parte, declarações estas de livre apreciação pelo tribunal, salvo se as mesmas constituírem confissão - art. 466 CPC.
O depoimento de parte pressupõe um requerimento efectuado por quem pretende ouvir a parte contrária, ao invés, as declarações de parte, enquanto meio voluntário de natureza potestativa, são da iniciativa da própria parte.
Tendo em atenção esta distinção parece óbvio que o legislador (vontade) não foi a de atribuir à parte contrária a faculdade de requerer a prova por declarações de parte, pois à partida iria prejudicar-se lançando mão deste meio probatório, porquanto o desiderato/fim último das declarações de parte (requerer) é a de fazer a prova da sua verdade.
Os requerimentos probatórios (prova documental, testemunhal, depoimentos de parte) devem ser apresentados nos articulados       (arts. 552 e 572 CPC), no limite, na audiência prévia se esta tiver tido lugar (art. 598 CPC) ou, face a uma circunstância posterior, haja necessidade de apresentar requerimento probatório, na sequência de notificação pelo Tribunal, o que sucedeu, in casu (Acórdão da Relação de Lisboa).
Não obstante, esta regra comporta excepções, excepções essas, (alterações aos requerimentos probatórios), consagradas nos         arts. 552/2, 572 d) e 598 CPC.
As declarações de parte, ao contrário do depoimento de parte, podem ser requeridas/prestadas até ao início das alegações orais em 1ª instância (factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo) – art. 466 CPC,
In casu, as partes, na sequência do acórdão desta Relação, foram notificadas para apresentar os requerimentos probatórios, o que fizeram, sendo certo que neles não foi requerido, por parte da      1ª ré Referência, S.A., a prestação do depoimento e/ou declarações de parte por parte do autor.
Assim, face ao exarado supra, assistia ao autor solicitar ao tribunal, em sede de audiência, a prestação das declarações de parte, tendo tal sido atendido, não se olvidando que posteriormente o seu Ilustre Mandatário prescindiu das mesmas.
Já no que concerne à 1ª ré Referência, o requerimento efectuado em sede de audiência de julgamento, no sentido do autor prestar depoimento de parte, foi extemporâneo, estando-lhe vedado requerer as declarações de parte (do autor).
Não se olvida, que o juiz, na esteira do princípio do inquisitório e cooperação (arts. 411 e 7/2 CPC) pode, em qualquer altura do processo, determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento, de informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa - art. 452/1 CPC.
Não obstante, uma coisa é o juiz, por sua livre iniciativa, decidir pela produção desse meio de prova e outra, completamente distinta, é ser a parte a requerer, como sucedeu in casu (a 1ª ré requereu o depoimento de parte do autor, em sede de julgamento).
Tal como referido supra, a lei é clara na distinção destas duas situações – sendo o depoimento da parte contrária (autor) requerido pela contra parte (1ª ré Referência, S.A.), este requerimento tem de ser efectuado nos articulados ou na audiência prévia e, neste caso, após a notificação na sequência do acórdão desta Relação.
A opção do legislador foi no sentido de atribuir essa prerrogativa ao juiz, por sua iniciativa (motu proprio) e não já à parte ou, ao juiz, sob pedido ou impulso da parte, e à luz de uma pretensa aplicação (desvirtuada) do princípio do inquisitório – cfr. Ac. RP, de 14/12/22, relator Jorge Seabra, in www.dgsi.pt.
Destarte, nada a apontar à decisão impugnada que indeferiu o depoimento de parte do autor, soçobrando a pretensão.
d) Junção de documentos
Esgrime o apelante que o tribunal ao não ter admitido a junção do relatório de prestação e contas da 1º ré B., relativa ao ano de 2013, na sequência do depoimento da testemunha R … que relatou factos novos referentes à situação económica e financeira desta ré, bem como ao Laboratório Nova Luz, Lda., violou o disposto nos arts. 423/3 “in proemio”, 411 e 436 CPC e 341 CC, tendo feito tábua rasa do princípio da descoberta da verdade material inserto nos arts. 7, 417, 411 e 436 CPC, documento que se mostra imprescindível para a descoberta da verdade material dos factos insertos nos arts. 113 a 115, 117 a 125 da contestação da ré.
A instrução tem por objecto os temas de prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova – art. 410 CPC.
As provas, na qual se inclui a documental, têm por função a demonstração da realidade dos factos – art. 341 CC.
Constituem objecto de instrução quaisquer factos que o juiz possa conhecer, a saber: factos essenciais que integram a causa de pedir ou as excepções opostas, factos instrumentais que resultem da instrução e que sejam complemento ou concretização do que as partes alegaram – cfr. Ac. TC, de 26/9/19, in www.dgsi.pt.
Os documentos destinados a fazer prova da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes; não sendo apresentados no articulado respectivo, podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final; após essa data só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior – art. 423 CPC.
Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento – art. 425 CPC.
Antes de ser ordenada a junção ou não dos documentos deve o juiz verificar se os documentos são impertinentes ou desnecessários …- art. 443/1 CPC.
In casu, a junção do relatório foi pedida após o depoimento da testemunha R ….
O autor opôs-se à sua junção com fundamento na sua impertinência, tendo em atenção um documento junto anteriormente, pela ré Referência, S.A., na sequência da prova que requereu após a prolação do acórdão da Relação, não se trata de matéria nova, nem tem qualquer tipo de virtualidade para o que foi referido pelo depoimento da testemunha, não cabendo no âmbito do art. 423/3 CPC, sendo que a prova para os quesitos indicados deveria ter sido requerida aquando da notificação da ré, em Março de 2023.
O Tribunal não admitiu a sua junção, fundamentando a sua decisão, nos seguintes termos:
“Apesar do depoimento de uma testemunha poder consubstanciar ocorrência posterior quando venha a revelar um facto acessório para a boa decisão da causa, no caso dos autos a testemunha (R ….) apenas revelou a data da declaração de insolvência de uma dada sociedade, a qual apenas pode ser comprovada por certidão judicial que a declarou, certidão essa que se encontra junto aos autos, não se vislumbrando o que possa o documento pretendido juntar acrescentar algo.
 Ora, face ao exarado e constante da acta, concluiu-se que o relatório pretendido juntar, não é um documento pertinente, nem necessário, pelo que afastada está a violação do art. 20 CRP (direito à prova), bem como os princípios da cooperação e inquisitório, soçobrando a pretensão.   
Concluindo:
- A lei processual admite, entre outras provas, o depoimento de parte e as declarações de parte.
- O depoimento de parte pressupõe um requerimento efectuado por quem pretende ouvir a parte contrária, ao invés, as declarações de parte, enquanto meio voluntário de natureza potestativa, são da iniciativa da própria parte.
 - O requerimento probatório relativo ao depoimento de parte deve ser apresentado nos articulados (arts. 552 e 572 CPC), no limite, na audiência prévia se esta tiver tido lugar (art. 598 CPC) ou, face a uma circunstância posterior, haja necessidade de apresentar requerimento probatório, na sequência de notificação pelo Tribunal, o que sucedeu, in casu (Acórdão da Relação de Lisboa).
 - Esta regra comporta excepções, excepções essas, (alterações aos requerimentos probatórios), consagradas nos arts. 552/2, 572 d) e 598 CPC.
 - As declarações de parte, ao contrário do depoimento de parte, podem ser requeridas/prestadas até ao início das alegações orais em 1ª instância (factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo) – art. 466 CPC.

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirma-se as decisões.
Custas pelos apelantes.

Lisboa,18/4/2024
Carla Mendes
Cristina Lourenço
Amélia Puna Loupo