Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5245/14.3YYLSB-B.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: MEAÇÃO NOS BENS COMUNS
PARTILHA
PATRIMÓNIO COMUM
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/14/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1– A meação reporta-se ao conjunto dos bens comuns/património comum – quaisquer bens que advenham ao executado após a partilha, bem como o direito deste sobre bens comuns - e não já a bens individualizados/concretos.

2– Após a partilha dos bens comuns, bens esses que lhes podem ter advindo, inclusive, por via sucessória, assiste ao executado o direito a metade desse património que pode ser integrado por bens ou por dinheiro.

3– O executado tem direito à meação dos bens comuns, não é herdeiro dos pais da embargante, não podendo ser penhorado o seu direito sobre um bem de uma herança de que não é herdeiro.

(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:



Em 22/1/2015, MV, ex-cônjuge do executado AV, deduziu oposição, mediante embargos de terceiro, na execução para pagamento de quantia certa (intentada por FV contra o executado AV), concluindo pelo recebimento dos embargos, ordenando-se o levantamento das penhoras sobre o direito registadas por meio da AP. 000 de 2014/12/23 e da Ap. 000 de 2015/01/06 e de todas as outras que se mostrarem registadas sobre os bens imóveis das heranças de HP e AP: a) fracções “O” e “T” do prédio sito na Praça JR, descrito na CRP de Lisboa sob o nº 000, da freguesia de Areeiro e inscrito na matriz sob o nº 00; b) Prédio urbano sito na Rua DE, nº 183, em Lisboa, descrito na CRP sob o nº 000, freguesia de S. Sebastião da Pedreira e inscrito sob o art. 00; c) dois lotes de terreno descritos na CRP de Almada, freguesia Costa da Caparica: o lote 00, descrito com a ficha nº 000 e inscrito na matriz sob o art. 00 e lote 00, descrito com a ficha nº 000, inscrito na respectiva matriz sob o art. 00.

Alegou, para tanto, que o título dado à execução é uma sentença, proferida em acção declarativa, na qual o executado A...D...V... foi condenado, sentença transitada, em data posterior a 26/11/2013.

A embargante foi casada com o executado no regime de comunhão geral de bens, tendo-se divorciado, em 6/5/2013 (decisão transitada).

A dívida exequenda é da exclusiva responsabilidade do executado e incomunicável à embargante.

Ainda não foi efectuada a partilha dos bens comuns tendo a embargante, aquando da citação para a execução, requerido, em 23/9/2013, inventário para a separação de bens (Apenso A) e a sustação da execução (art. 740 CPC).

Com a nova lei do divórcio (art. 1790 CC), alguns dos bens que eram comuns reverteram para a sua esfera patrimonial exclusiva, nomeadamente os bens que herdou por decesso de seus pais – H e AP -, não respondendo tais bens pelas dívidas do seu ex-marido e, como tal, objecto de penhora.

O direito ao património indiviso que lhe adveio por herança, desconhecendo qual a quota-parte que lhe cabe, incide sobre vários bens imóveis.

Na sequência de negociações havidas com os demais herdeiros e aquando da celebração da escritura de venda relativa a um andar desse património, em 7/1/2015, foi informada que sobre o imóvel estava pendente um registo de penhora que obstava à realização da escritura porquanto a venda do bem prometido era livre de ónus e encargos.

Alguns dias depois, por consulta ao registo predial, efectuada, em 13/1/2015, tomou conhecimento de que se tratava de penhora ordenada nos autos principais – ap. 00 de 2014/12/23, registada no sistema, em 2015/01/08.

Por informação da Conservatória tomou conhecimento de que estarão pendentes registos de penhora sobre outros bens da herança, cujos registos desconhece e de que ainda não foi notificada na qualidade de cabeça-de-casal e que foi efectuada a penhora do direito do executado AV sobre o imóvel com a descrição 00 da Costa da Caparica – Ap. 00 de 2015/01/06.

Estes actos de penhora ofendem o direito que a embargante detém sobre o património de seus pais e, sobre os quais o executado não tem qualquer direito, não podendo ser objecto de penhora.

Apenas a meação do executado nos bens comuns do casal, com exclusão dos bens da herança, é que podem ser alvo de penhora e, apenas subsidiariamente, art. 1696/1, 2ª parte do CC.

Na contestação o embargado/exequente arguiu a extemporaneidade dos embargos, defendeu a comunicabilidade da dívida por ter sido contraída em proveito comum do casal e excepcionou o abuso do direito na obtenção do divórcio, concluindo pela manutenção das penhoras e extemporaneidade dos embargos.

Quanto à intempestividade referiu que a citação da embargante para a execução ocorreu, em 28/8/2014, tendo esta requerido a separação de meações, em 23/9/2014, tendo tal pedido sido indeferido, em 6/4/2016, com fundamento em incompetência absoluta do tribunal (competência dos Cartórios Notariais).

Assim, desde a data da citação (28/8/2014) tomou a embargante conhecimento de que todos os bens que faziam parte do património de ambos estavam a ser penhorados, assistindo-lhe o prazo de 30 dias para deduzir embargos de terceiro, ex vi art. 344/2 CPC, prazo este não observado já que a p.i. de embargos deu entrada, em 22/1/2015. 

Quanto ao abuso do direito referiu que a embargante e o executado estava casados há 50 anos, sendo o divórcio uma forma de afastar do acervo patrimonial do casal determinados bens – fls. 68 e sgs.

Replicou a embargante concluindo pela tempestividade dos embargos – oposição ao registo das penhoras enunciadas na p.i. – e improcedência do abuso de direito – fls. 89/90.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador e proferida sentença que concluindo pela tempestividade dos embargos, ordenou o levantamento das seguintes penhoras:
- “direito do executado nos bens que compõem a herança indivisa por óbito de HP” (auto de penhora de 14-7-2015)
- “direito do executado na fracção autónoma com a letra O, descrita com o numero 00, na CRP de Lisboa, (auto de penhora de 23.12.2014)
- “direito do executado na fracção autónoma com a letra T, descrita com o numero 000, na CRP de Lisboa, (auto de penhora de 23.12.2014)
- O cancelamento dos registos da penhora, que com base em tais autos tenham sido efectuados, concretamente os que incidem sobre tais imóveis e ainda sobre o sobre o prédio descrito na CRP de Almada sobre o n.º000.

Inconformado, apelou o exequente/embargado formulando as conclusões que se transcrevem:
A– O presente Recurso vem da Sentença, datada de 15/12/2017, constante de fls.., que decidiu que os Embargos de Terceiro foram tempestivamente instaurados, tendo decidido ainda determinar o levantamento das penhoras correspondentes ao “direito do executado nos bens que compõem a herança indivisa por óbito de HP” (auto de penhora de 14-7-2015)”; ao “direito do executado na fracção autónoma com a letra O, descrita com o numero 000, na CRP de Lisboa, (auto de penhora de 23.12.2014)”; e ao “direito do executado na fracção autónoma com a letra T, descrita com o número 000, na CRP de Lisboa, (auto de penhora de 23.12.2014)”, decidido ainda pelo cancelamento dos registos destas mesmas penhoras.
B– O Recorrente não se conforma com a referida Sentença, concretamente, quer na parte que decidiu pela tempestividade, quer na parte que decidiu pelo levantamento das referidas penhoras e do cancelamento dos registos das mesmas, pelo que vem interpor recurso da mesma.
C– O Recorrente dá por integralmente reproduzido tudo o que supra foi Alegado.
D– Do 12º Ponto de Facto dado como Provado na Sentença Recorrida, que se transcreve: “12. A embargante foi notificada do auto de penhora dos bens comuns do casal (o datado de 28.11.2014) em 3.12.2014). (provado em face do que consta da execução e esclarecimentos da AE sobre as citações/notificações efectuadas)”, constata-se que a ora Recorrida desde esse dia que tomou conhecimento que todos os bens comuns do casal estavam penhorados.
E– Dos presentes autos constata-se que a Petição Inicial correspondente aos presentes Embargos de Terceiro foi submetida a Juízo no dia 22/01/2015, a qual deu origem ao presente Apenso B de Embargos de Terceiro.
F– É determinante apurar, em face do que foi dado como provado no 12º Ponto de Facto Provado, se o estatuto dos bens comuns se mantém para todos ou apenas para os bens adquiridos na constância do casamento.
G– Dispõe o n.º 1 do artigo 1730 CC (não foi alterado pela Lei 61/2008, de 31/10), que “Os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso.”, ou seja, os bens integrados na comunhão, invariavelmente, têm que respeitar a regra da metade, tendo esta regra como especial importância a necessidade de fixar a quota-parte a que cada um dos cônjuges tem direito no momento da partilha do património comum, subsequente à dissolução do casamento.
H– Este artigo 1730 tem aplicação ao regime da Comunhão Geral por força da remissão do artigo 1734 CC.
I– Dispõe o artigo 1732 que “Se o regime de bens adoptado pelos cônjuges for o da comunhão geral, o património comum é constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, que não sejam exceptuados por lei.”
J– Ou seja, no regime da Comunhão Geral, todos os bens são comuns, quer sejam os adquiridos antes do casamento, quer sejam os adquiridos depois do casamento, tenha sido a título oneroso ou tenha sido a título gratuito, e que fazem parte da Comunhão Geral, mantiveram essa natureza jurídica, não a alteraram, pelo que, como bens comuns estão sujeitos a partilha e a todas as operações próprias do processo de inventário designadamente as licitações e o modo de compor os quinhões de cada um dos ex-cônjuges.
K– Isto para dizer, tal como nos ensina o Prof. Pereira Coelho, in “Curso de Direito de Família”, vol. I, a pág. 660, diz que o artigo 1790 CC “não implica a substituição do regime da comunhão geral pelo da comunhão de adquiridos. Não podem pois os cônjuges pedir a inscrição a seu favor dos bens que levaram para o casamento ou depois lhe advirem por herança ou doação com base na decisão do divórcio. Tendo estipulado o regime da comunhão geral, esses bens entraram na comunhão e nela permanecem até à partilha; só depois desta poderá saber-se a quem ficam a pertencer.”
L– Conclui-se que numa situação de Divórcio, mesmo quando o regime do casamento era o da Comunhão Geral de Bens, como é o caso dos presentes autos, o estatuto dos bens comuns do Executado e da Recorrida, invariavelmente, têm de se manter para todos os bens e não só para os bens adquiridos a título oneroso na constância desse seu casamento.
M– Também “Os efeitos patrimoniais do divórcio só podem ser opostos a terceiro a partir da data do registo da sentença”, nos termos do n.º 3, do artigo 1789 CC, ou ainda, como ensina o Prof. Pereira Coelho na supra citada obra, a pág. 657, da decisão de Divórcio no Assento de Casamento e nos Assentos de Nascimento dos cônjuges.
N– Ensina-nos Rita Lobo Xavier, in “Recentes Alterações ao Regime Jurídico do Divórcio e das Responsabilidades Parentais”, na pág. 35, que a modificação “ex Lege” operada no artigo 1790 CC “não poderá afectar os bens que entraram no património comum até à entrada em vigor da lei; só pode aplicar-se àqueles que casaram segundo este regime depois da sua entrada em vigor e, quanto aos cônjuges que casaram anteriormente em tal regime, quando muito só poderá excluir do património comum a partilhar os bens que nele ingressaram após a data de início da vigência da lei.”
O– O Pai da Recorrida, Sr. HP, faleceu no dia 23/06/2003, tendo sido nesta data que a Recorrida, casada com o Executado AV, no regime da Comunhão Geral de Bens, conforme se comprova pelo teor dos 1º, 2º e 3º Pontos de Facto dados como Provados na Sentença sob Recurso, adquirem o direito ao quinhão hereditário pelo óbito do referido Sr. HP e, consequentemente, na senda do que supra foi concluído esse quinhão hereditário passou a ser mais um dos bens comuns do referido casal, nessa data composto pela Recorrida e pelo aí seu marido e Executado nos autos de Execução.
P– Ora, a Lei n.º 61/2008, de 31/10 e, consequentemente, o artigo 1790 CC só entraram em vigor em data manifestamente posterior à data desse óbito.
Q– Invariavelmente, esse quinhão hereditário tem que ser considerado um bem comum do referido casal e assim manter esse estatuto de bem comum até à partilha por Divórcio dos mesmos, concluindo-se ainda que o mesmo é passível de ser penhorado, como o foi no caso concreto, para responder à dívida a que corresponde a quantia exequenda peticionada nos autos de Execução com o n.º 5145/14.3YYLSB.
R– Sendo este quinhão hereditário um dos bens comuns do casal composto pela Recorrida e pelo Executado, melhor identificado nos autos de Execução n.º 5145/14.3YYLSB, bem como mantendo esse mesmo quinhão o estatuto de bem comum até à partilha, forçosamente e por decorrência do 12º Ponto de Facto dado como Provado na Sentença Recorrida, resulta a indubitável conclusão de que a Recorrida, no dia 03/12/2014, foi efectivamente notificada de que este quinhão hereditário por óbito do seu Pai se encontrava Penhorado, tal como todos os restantes bens comuns que compõem o acervo de bens comuns que resultaram do seu casamento com o Executado AV.
S– Assim, procedendo à contagem do prazo de 30 dias, concedido pelo disposto no art. 344/2 CPC, temos por verificado que a notificação da Penhora do quinhão hereditário à Recorrida se concretizou no dia 03/12/2014, deverão V. Exas., Venerandos Desembargadores, concluir que, efectivamente, o prazo a que aludem os artigos 341/1 e 344/2 CPC, para a dedução dos Embargos de Terceiro, é extintivo do respectivo Direito Potestativo de acção, por tratar-se de um prazo de caducidade, que define a vida de um direito, ou seja, o direito à propositura ou não dos Embargos de Terceiro, assim, por se tratar de um prazo substantivo e não de um prazo judicial, a respectiva contagem não obedece às regras do artigo 139/4 a 6 CPC, mas antes aos princípios próprios do artigo 279CC, pelo que, consequentemente, deveria a petição de Embargos de Terceiro da Recorrida ter dado entrada em Juízo até ao dia 5 de Janeiro de 2015, primeiro dia útil após o terminus das férias judiciais, por força do estipulado pelo artigo 279 e), do CC, e não, como aconteceu, no dia 22/01/2015, dezassete dias depois.
T– Concluindo, em face dos factos supra referidos, vem o Recorrente FV requerer que V. Exas., Venerandos Desembargadores, profiram Acórdão a Revogar a Sentença Recorrida e, consequentemente, declarem verificada a Extemporaneidade do acto de Instauração dos presentes Embargos de Terceiro em Juízo pela Recorrida, dado que a mesma deixou caducar o Direito Potestativo que lhe adveio da notificação da Penhora do referido quinhão hereditário adquirido no dia 23/06/2003 e por força do óbito do seu Pai HP , notificação essa que foi concretizada no dia 3 de Dezembro de 2014, conforme o 12 Ponto dos Factos Provados.
U– Sem prescindir quanto à questão do que se alegou supra, da verificação da ocorrência da Extemporaneidade da entrada dos Embargos de Terceiro em Juízo, porque não se concede outra Decisão de V. Exas. Venerandos Desembargadores, que não seja aquela que se requereu no precedente parágrafo, no entanto, por Dever de Patrocínio, sempre se dirá que, dando-se aqui por integralmente reproduzidas todas as alegações relativas à supra explanada demonstração de que todos os bens que a Recorrida e o Executado AV trouxeram para o seu casamento, bem como os bens nele adquiridos, quer a título oneroso, quer a título gratuito, são bens comuns e, por conseguinte, são bens passíveis de serem Penhorados, onde se inclui também o supra referido quinhão hereditário adquirido, no dia 23/06/2003, por força do óbito do Sr. HP, pai da Recorrida, por o mesmo ser indiscutivelmente um desses bens comuns da Recorrida e do referido Executado AV.
V– Pelo que se conclui que, caso V. Exas. Venerandos Desembargadores, não reconheçam que se verificava a invocada Extemporaneidade na data da Instauração dos Embargos de Terceiro, bem como que, consequentemente, já tinha caducado o Direito Potestativo da Recorrida a instaurar essa acção, deverão V– Exas. proferir Acórdão no qual devem decidir Revogar a Sentença Recorrida, na parte em que foi Ordenado o Levantamento das supra referidas Penhoras e ainda Revogar a Ordem de Cancelamento dos Registos dessas mesmas Penhoras de Bens, uma vez que é evidente que o Executado AV, na data do óbito do seu sogro, ocorrido no dia 26/06/2003, em simultâneo com a aquisição do direito ao quinhão hereditário, adquiriu o direito à Meação desse quinhão, pelo facto de um dos bens comum do casal que formava com a ora Recorrida.
X–  A sentença ora objecto de Recurso, na modesta opinião do Recorrente, por ter efectuada errada subsunção dos Factos Provados às Normas Legais a aplicar, violou o disposto na alínea e) do artigo 279/1 e arts. 1730, 1732/3, 1789, 1790 CC e 341/1 e 344/2 CPC.

Nas contra-alegações a embargante pugnou pela manutenção da decisão.

Os factos que a 1ª instância considerou assentes:
1– A embargante e o executado casaram um com o outro em 5 de Setembro de 1963. (provado em face do assento de fls.80)
2– O casamento foi dissolvido por divórcio decretado por decisão de 6.5.2013 transitada em julgado na mesma data. (provado em face do assento de fls.80 e acta de conferência de fls.81)
3– O regime de bens do casamento era o regime da comunhão geral de bens. (provado em face do assento de fls.80 e acta de conferencia de fls.81)
4– HP , falecido em 23.6.2003 deixou como herdeiros a mulher, AP e as filhas MA e a ora embargante. (provado em face da escritura de habilitação de herdeiros de fls.14)
5– AP faleceu no dia 18.8.2013 e deixou como única herdeira a filha, ora embargante. (provado em face da escritura de habilitação de herdeiros de fls.23)

6Na execução foram penhorados os seguintes bens:
a)- “direito do executado nos bens que compõem a herança indivisa por óbito de HP ” (auto de penhora de 14.7.2015)
b)- “direito à meação nos bens comuns do casal por divórcio de MV” (auto de penhora de 28.11.2014)
c)- direito do executado na fracção autónoma com a letra O, descrita com o numero 000, na CRP de Lisboa, (auto de penhora de 23.12.2014, a fls.201 da execução)
d)- direito do executado na fracção autónoma com a letra T, descrita com o numero 000, na CRP de Lisboa, (auto de penhora de 23.12.2014) (provado com base os autos de penhora juntos na execução).

7– Está registada a penhora, por referência ao processo de execução, do direito do executado sobre o prédio descrito na CRP de Lisboa sobre o n.º000, pela ap. 00 de 2014/12/23. (provado em face da certidão do registo predial junta aos autos)
8– Esse prédio integra as heranças de APe HP  (provado em face da certidão do registo predial de fls.51, sendo que não resulta impugnado que o bem pertença à herança)
9– Está registada a penhora, por referência ao processo de execução, do direito do executado sobre o prédio descrito na CRP de Almada sobre o n.º000, pela ap. 00 de 2015/01/06. (provado com base na certidão do registo predial, a fls.231 da execução)
10– Esse prédio integra as heranças de AP e HP. (provado com base na certidão do registo predial, a fls.231 da execução de onde resulta registada a aquisição, sendo que não resulta impugnado que o bem pertença à herança)
11– A embargante foi citada na execução na qualidade de cônjuge do executado, em 25.8.2014, e nessa altura foi dado conhecimento das penhoras a que respeitam os autos de penhora de 27.6.2014 (relativo a fracções autónomas, conforme consta a fls.262 da execução), auto de penhora de 8.7.2014 (relativo a penhora de 1/3 da pensão do executado) e auto de penhora de 1.7.2014 (duas quotas em sociedades comerciais identificadas nesse auto, a fls.266). (provado em face do que consta da execução)
12– A embargante foi notificada do auto de penhora dos bens comuns do casal (o datado de 28.11.2014) em 3.12.2014). (provado em face do que consta da execução e esclarecimentos da AE sobre as citações/notificações efectuadas)
13– A embargante requereu a separação de bens, por apenso à execução em 23.9.2014. (provado em face do apenso A)
14– A penhora do direito do executado na herança de HP  foi notificada à embargante, como cabeça de casal, em 9.6.2015 (provado em face da informação da AE de fls.314 da execução) 
Adita-se ainda aos factos provados o seguinte, sob o nº 15, a saber:
15– A embargante por consulta ao registo predial efectuada, em 13/1/2015, tomou conhecimento das penhoras mencionadas nos factos sob os nºs 6 alíneas a), c) e d) e 9. 

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Vejamos, então:

Atentas as conclusões do apelante que delimitam, como é regra, o objecto do recurso – arts. 639 e 640 CPC – as questões a decidir cobnsistem em saber se os embargos são ou não tempestivos e se há ou não lugar ao levantamento das penhoras e cancelamento dos registos.

a)– Tempestividade dos embargos

Os embargos de terceiro traduziam-se num processo especial limitado à defesa da posse ofendida por diligência judicialmente ordenada, designadamente, penhora, arrolamento, arresto, posse judicial avulsa e o despejo – cfr. art. 1037 CPC.
O terceiro ofendido (por não ter tido intervenção no processo) pudesse, como lesado, fazer-se restituir à posse. 
Após a reforma (DL 329-A/95, de 12/12) o processo especial passou a ser caracterizado como sendo um incidente da instância com vista a neutralizar um acto judicialmente ordenado com a virtualidade de ofender o direito patrimonial do impetrante, tendo sido revogadas as acções possessórias do conjunto dos processos especiais (arts. 1033 a 1043 CPC).
“Em termos estruturais o que caracteriza os embargos de terceiro é a circunstância de a pretensão do embargante se enxertar num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de um acto de agressão patrimonial, judicialmente ordenado no interesse de alguma das partes da causa e que terá atingido ilegitimamente o direito invocado por terceiro” – Ac. STJ de 6/11/2012, proc. 786/07.ITJVNF-B.P1.S1.
Os embargos de terceiro são uma sub-espécie da oposição espontânea, sob a denominação de oposição mediante embargos de terceiro (arts. 351 e sgs. CPC). E assim, como é do conceito de oposição, encontramo-nos perante um incidente que permite a um terceiro intervir na causa para fazer valer o confronto de ambas as partes, um direito próprio, total ou parcialmente incompatível com por aquelas deduzidas – cfr. Amâncio Ferreira, in Curso do Processo de Execução, 5ª ed. Pág. 48.
No fundo os embargos de terceiro representam uma forma particular de reclamação tendente à revisão, pelo mesmo órgão juridiscional, da questão sobre que incidiu a decisão que derivou a diligência posta em causa. Não visam, porém, a destruição da prova em que assentou a decisão que ordenou a diligência dita ofensiva. A estrutura dos embargos é essencialmente caracterizada, não tanto pela particularidade de se consubstanciarem numa acção declarativa que corre pos apenso a uma acção executiva, com a especificidade de inserirem uma sub-fase introdutória de apreciação sumária da sua viabilidade, mas, sobretudo por a pretensão do embargante se inserir num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de algum acto judicial de afectação ilegal de um direito patrimonial do embargante – Salvador da Costa, in Os incidentes da Instância, 4ª ed., 195/196 e Ac. STJ de 15/1/2013, relator Sebastião Póvoas, in www.dgsi.pt.

Assim, se qualquer acto, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro – art. 351/1 CPC.

Este art. foi alterado com a reforma do CPC (Lei 41/2013 de 26/6), sob o art. 342/1, com a seguinte redacção: “Se a penhora ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte  na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.

Daqui se extrai que os embargos de terceiro se estribam em dois fundamentos: ofensa do exercício da posse (ofensa da posse em nome próprio correspondente ao direito de propriedade ou a um direito real limitado de gozo – art. 1251 CC) e/ou ofensa da titularidade de um direito incompatível com a execução em causa, nomeadamente o direito de propriedade.

Os embargos são processados por apenso e são deduzidos “nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois dos respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados” – art. 344/1 e 2 CPC.

Este prazo de 30 dias é um prazo de caducidade, recaindo sobre o embargado o ónus de alegação e prova da extemporaneidade, no caso dos embargos não terem sido liminarmente indeferidos – cfr. art. 343/2 CPC.

In casu, afastada está a apreciação da comunicabilidade ou não da dívida exequenda porquanto, tal como referido pela 1ª instância, o título executivo é uma sentença em que a embargante é alheia, diz respeito ao executado AV e tal questão não foi suscitada no requerimento executivo.

A embargante insurge-se contra as penhoras efectuadas sobre os bens da herança que lhe advieram de seus pais – Henrique e AP- e não sobre a meação do executado nos bens comuns.
Dos factos apurados verifica-se que a embargante foi notificada, em 3/12/2014, do auto de penhora dos bens comuns do casal – meação do executado sobre os bens comuns.
Aquando da sua citação para requerer a separação de bens, não foi esta notificada das penhoras sobre as quais se insurge em sede de embargos.
Só, em 13/1/2015, tomou conhecimento de que tinham sido penhorados bens pertença da herança de seus pais e, em 9/6/2015, enquanto cabeça-de-casal, de que tinha sido penhorado o direito do executado na herança de seu pai HP .
Destarte e atento o supra extractado, constata-se que os embargos, deduzidos, em 22/1/2015, na sequência do conhecimento por parte da embargante das penhoras efectuadas sobre os bens objecto dos embargos, foram tempestivos, por deduzidos nos 30 dias após o conhecimento do acto ofensivo, soçobrando a pretensão do apelante.

b)– Levantamento das penhoras e cancelamento dos registos

No caso em apreço, não obstante o divórcio, a partilha ainda não ocorreu, tendo sido penhorada a meação do executado sobre os bens comuns do casal.

A meação reporta-se ao conjunto dos bens comuns/património comum – quaisquer bens que advenham ao executado após a partilha, bem como o direito deste sobre bens comuns  - e não já a bens individualizados/concretos.

Após a partilha dos bens comuns (bens esses que constituem o acervo patrimonial do casal e que lhes podem ter advindo, inclusive, por via sucessória), assiste ao executado o direito a metade desse património que pode ser integrado por bens ou por dinheiro (tornas).

O executado não é herdeiro dos pais da embargante (sogros), tem direito à meação nos bens comuns, sendo que a meação, tal como se disse supra, pode integrar bens pertença da herança.

Assim, não pode ser penhorado o direito sobre um bem de uma herança de quem não é herdeiro, sendo certo que, mesmo no caso dos herdeiros, a penhora é afastada no que concerne a bens concretos incluídos na comunhão herditária ou parte especificada deles, ex vi art. 743 CPC.

Destarte, por legalmente inadmissíveis, não há lugar às penhoras efectuadas, direito do executado sobre bens imóveis concretos, pertença da herança dos pais da embargante, bem como a penhora do direito do executado à herança de HP, pai da embargante, por ofensa da posse dos herdeiros sobre os bens da herança, falecendo a pretensão do apelante.

Concluindo:
1– A meação reporta-se ao conjunto dos bens comuns/património comum – quaisquer bens que advenham ao executado após a partilha, bem como o direito deste sobre bens comuns  - e não já a bens individualizados/concretos.
2– Após a partilha dos bens comuns, bens esses que lhes podem ter advindo, inclusive, por via sucessória, assiste ao executado o direito a metade desse património que pode ser integrado por bens ou por dinheiro.
3– O executado tem direito à meação dos bens comuns, não é herdeiro dos pais da embargante, não podendo ser penhorado o seu direito sobre um bem de uma herança de que não é herdeiro.

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirma-se a decisão.
Custas pelo apelante.



Lisboa, 14-06-2018



(Carla Mendes)
(Octávia Viegas)
(Rui da Ponte Gomes)