Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
24428/05.0YYLSB-F.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: AGENTE DE EXECUÇÃO
REMUNERAÇÃO ADICIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I–A remuneração adicional do agente de execução prevista na Portaria n.º 282/2013, de 29-08, é sempre devida desde que haja produto recuperado ou garantido.
II–Como exceção a esta regra prevê-se unicamente, no artigo 50º, n.º 12 da referida Portaria, que nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que há lugar à citação prévia do executado, se este efectuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução, não há lugar ao pagamento de remuneração adicional.
III–Porém, se sendo deduzidos embargos à execução, e tendo embora o embargante prestado caução para obter a suspensão da execução, for na pendência daqueles celebrada transação pela qual o exequente desiste do pedido, desde logo autorizando que fosse libertada a garantia bancária prestada como caução, nenhum valor tendo sido «recuperado», também nenhum valor resultou «garantido», pelo que não há lugar, nesse caso, ao pagamento de qualquer remuneração adicional ao agente de execução.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


I–Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa, em que é exequente “P ………. S. A.”, e executada “A………., S. A.”, deduziu esta oposição por embargos de executado.

Requerendo a suspensão da execução e prestando, para o efeito, caução sobre a totalidade da quantia exequenda e custas prováveis, através de garantia bancária on first demand emitida por duas instituições de crédito autorizadas a operar em Portugal.

Vindo a caução a ser julgada idônea e suspensa a execução.

A 8 de Junho de 2015 exequente e executada celebraram transação, nos seguintes termos:
"1-A Exequente desiste do pedido;
2-As partes acordam em suportar as custas em partes iguais, prescindindo de custas de parte, procuradoria e demais encargos, na parte disponível;
3-Tendo em conta a baixa complexidade da causa, a extinção dos presentes autos antes da realização da audiência de julgamento, e a conduta das partes, desde já se requer a V. Exa., nos termos do n.º  7 do artigo 6.º do Regulamento de Custas Processuais, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça;
4-A Exequente autoriza desde já que seja libertada a garantia bancária prestada como caução pela Executada junta aos autos.”.

A transação das partes foi homologada e foi determinado o levantamento da caução prestada a favor do Executado.

Sendo extintos os apensos de prestação de caução de embargos de executado, assim como a execução.

O Sr. Agente de execução apresentou ao Exequente uma nota de honorários no valor de € 51.388,89.

Inconformada com tal nota, a Exequente apresentou reclamação, sobre a qual recaiu despacho de 2016-07-11, reproduzido a folhas 12 e 13, que manteve a remuneração adicional do Sr. Agente de Execução nos termos do artigo 50º, n.º 5, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, calculada pelo valor garantido, entendendo-se como tal o valor da caução prestada pela Executada para obter a suspensão da execução.

Determinando a revisão da nota justificativa, com exclusão dos valores respeitantes aos juros compensatórios.

Subsistindo a remuneração adicional do Sr. Agente de Execução, no valor de € 4.029,71 + IVA = € 5.117,01.

Ainda inconformada, recorreu a Exequente, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
“1.-A remuneração adicional devida ao agente de execução nos termos do art.º 50.º da Portaria 282/2013, de 29 de Agosto, não prescinde da verificação do nexo causal entre a recuperação ou a garantia de valores pelo Exequente e as diligências desenvolvidas pelo Agente de Execução.
2.-A remuneração adicional destina-se a premiar o Agente de Execução pelos resultados obtidos pelo Exequente, pelo que está dependente da eficácia da atuação do Agente de Execução na recuperação ou garantia dos créditos exequendos.
3.-Esta é a interpretação que se impõe considerando os critérios imperativos fixados no art. 9.º do CC, quando, logo no Preâmbulo, o legislador deixou claro que é devido o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas. Essa é a ratio legis.
4.-Entender-se, nomeadamente como fez a douta sentença recorrida, que a remuneração adicional do Agente de Execução é sempre garantida independentemente dos atos praticados e do sucesso da recuperação viola o princípio constitucional de direito de acesso à justiça e aos tribunais já que o custo a suportar pelo Exequente, no caso de ter um crédito avultado, é desmesurado e desproporcional.
5.-A interpretação do art. 50.º nº 5 da Portaria nº 282/2013, de 29 de Agosto como foi feita pela douta sentença recorrida, significa que a remuneração adicional do Agente de Execução apenas depende, à final, do valor da execução bastando que executado que preste caução com a oposição para justificar a premiação do Agente de Execução, o que subverte por completo a intenção legislativa e o princípio da tutela da materialidade subjacente à norma que prevê a remuneração adicional do Agente de Execução.
6.-A citação prévia do executado - concretizada pelo Agente de Execução - e a consequente prestação de caução voluntária para efeitos de suspensão da execução não pode ser considerado um meio idóneo apto a garantir resultados à Exequente.
7.-In casu, o Agente de Execução não recuperou qualquer montante a título de adjudicação, produto da venda, penhora ou pagamento voluntário do executado e a Exequente não recebeu qualquer valor no âmbito daquela execução nem por parte daquele Executado, logo o Agente de Execução não tem direito à remuneração adicional.”.

Remata com a revogação da decisão recorrida.

Não se mostram apresentadas contra-alegações.

II-Corridos que foram os determinados vistos, cumpre decidir.

Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do Código de Processo Civil – é questão proposta à resolução deste Tribunal, a de saber se é devida, in casu, remuneração adicional ao Sr. Agente de Execução, e em que termos.
***

Com interesse emerge da dinâmica processual o que se deixou referido supra, em sede de relatório.
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Vejamos.
1.-A remuneração do agente de execução encontra-se presentemente regulamentada na Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, que absorvendo integralmente a Portaria n.º 225/2013, de 10 de Julho, reformulou toda a Portaria n.º 331-B/2009, de 30 de Março.
Correspondendo em qualquer caso o artigo 50º da Portaria n.º 282/2013, ao artigo 18º da Portaria n.º 331-B/2009, de 30 de Março.
E não sendo posta em crise a aplicação – que não a interpretação – feita no despacho recorrido, daquela Portaria n.º 282/2013.

De acordo com o disposto no artigo 50º, n.º 1, daquele diploma:
“Sem prejuízo do disposto nos nºs 2 a 4, o agente de execução tem direito a ser remunerado pela tramitação dos processos, atos praticados ou procedimentos realizados de acordo com os valores fixados na tabela do anexo VII da presente portaria, os quais incluem a realização dos atos necessários com os limites nela previstos.”.

E (n.º 5):
 “Nos processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função:
a)Do valor recuperado ou garantido;
b)Do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido;
c)Da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar”.

Dispondo-se no n.º 6 do mesmo inciso que:
Para os efeitos do presente artigo, entende-se por:
a)«Valor recuperado» o valor do dinheiro restituído, entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados, pelo agente de execução ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente;
b)«Valor garantido» o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global.
(…)”.

Estabelecendo-se, no n.º 9 do referido artigo 50º, que “O cálculo da remuneração adicional efetua-se nos termos previstos do anexo VIII da presente portaria, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.”.

Do n.º 11 do mesmo artigo resulta que “O valor da remuneração adicional apurado, nos termos da tabela do anexo é reduzido a metade na parte que haja sido recuperada ou garantida sobre bens relativamente aos quais o exequente já dispusesse de garantia real prévia à execução.”.

Sendo que no aludido Anexo, se determina que o cálculo da remuneração adicional do agente de execução “destinado a premiar a eficácia e a eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução nos termos do artigo 50º é (…) com base nas taxas marginais constantes da tabela abaixo, as quais variam em função do momento processual em que o valor foi recuperado ou garantido e da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.” (grifado nosso).

Finalmente, e encerrando este inicial viaticum, temos que de acordo com o expresso pelo legislador na exposição de motivos da sobredita Portaria, “No que respeita à remuneração do agente de execução pelo exercício das suas funções, (…) Pretende-se que o regime seja tão simples e claro quanto possível. Só assim poderão quaisquer interessados avaliar, com precisão, todos os custos de um processo e decidir quanto à viabilidade e interesse na instauração do mesmo, sobretudo, quando esteja em causa o cumprimento coercivo de uma obrigação não satisfeita voluntária e pontualmente, na maioria dos casos, a cobrança coerciva de uma dívida. Previsibilidade e segurança num domínio como o dos custos associados à cobrança coerciva de dívidas são, reconhecidamente, factores determinantes para o investimento externo na economia nacional e para a confiança dos cidadãos e das empresas.
(…)

Nos termos deste novo regime deixam de existir montantes máximos até aos quais o agente de execução pode acordar livremente com as partes os valores a cobrar.
Passam, ao invés, a existir tarifas fixas quer para efeitos de adiantamento de honorários e despesas, quer para honorários devidos pela tramitação dos processos, quer ainda pela prática de actos concretos que lhes caiba praticar.
(…)

Por outro lado, com vista a promover uma maior eficiência e celeridade na recuperação das quantias devidas ao exequente, reforçam-se os valores pagos aos agentes de execução, a título de remuneração adicional, num sistema misto como o nosso que combina uma parte fixa com uma parte variável. Uma vez que parte das execuções é de valor reduzido, prevê-se a atribuição de um valor mínimo ao agente de execução quando seja recuperada a totalidade da dívida, precisamente para incentivar a sua rápida recuperação.

Procura-se igualmente estimular o pagamento integral voluntário da quantia em dívida bem como a celebração de acordos de pagamento entre as partes, que pretendam pôr termo ao processo. Para tanto, prevê-se o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas, ou a dispensa do pagamento de qualquer remuneração adicional ao agente de execução quando, logo no início do processo, a dívida seja satisfeita de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução.”. (idem quanto ao grifado).

2.-Em Acórdão da Relação do Porto, de 02-06-2016,[1] julgou-se que “I - O critério da constituição do direito à remuneração adicional é a obtenção de sucesso nas diligências executivas, o que se verifica sempre que na sequência das diligências do agente de execução se conseguir recuperar ou entregar dinheiro ao exequente, vender bens, fazer a adjudicação ou a consignação de rendimentos, ou ao menos, penhorar bens, obter a prestação de caução para garantia da quantia exequenda ou que seja firmado um acordo de pagamento. II - A remuneração adicional do agente de execução prevista na Portaria n.º 282/2013, de 29.08, é sempre devida desde que haja produto recuperado ou garantido, excepto, nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que há lugar à citação prévia do executado, se este efectuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução. III - O artigo 50.º, n.º 5, em conjugação com a tabela VIII, da Portaria n.º 282/2013, interpretado no sentido de permitir que o agente de execução possa pedir de remuneração variável mais de €73.000,00 quando apenas procedeu à penhora de quatro imóveis indicados pelo exequente e hipotecados para garantia do crédito exequendo e, por sua iniciativa, à penhora de um crédito, após o que a execução se extinguiu por acordo de pagamento entre exequente e executado, é inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso ínsitos no princípio do Estado de direito democrático consignado no artigo 2.º da Constituição. IV - É ainda inconstitucional por violação do direito de acesso à justiça e aos tribunais na medida em que da referida norma resulte responsabilidade para o próprio exequente, o qual, face ao custo desmesurado que poderá ter de suportar com o pagamento ao agente de execução nos casos em que o seu direito de crédito tenha um valor significativo, verá significativa e desproporcionadamente cerceado o seu direito de acesso à justiça sempre que for incerta a existência de bens cuja penhora e venda possa gerar um produto suficiente para aquele pagamento.”.

Sendo de assinalar, por um lado, que o assim concluído em I e II do sumariado daquele Acórdão, passou, designadamente, pela consideração de que “À partida seria muito difícil estabelecer ou determinar quando é que a recuperação da quantia teve lugar “na sequência de diligências promovidas”, para usar a expressão da exposição de motivos, sendo certo que “na sequência” não é o mesmo que “em consequência” ou “em resultado” e pode ser compatível “com a participação”, “após a intervenção”.

Instaurada a acção executiva e iniciados os actos de apreensão de bens para futura e se necessária venda coerciva dos mesmos, todo o produto que se venha a obter para satisfação do direito do credor é “sequência” da actuação do agente de execução. E ainda que para esse desfecho este possa ter contribuído mais (v.g. quando o produto resulta da venda dos bens que ele realizou depois de ter praticado todos os actos anteriores), ou menos (v.g quando o executado para evitar a venda decide pagar voluntariamente a dívida), não parece possível afirmar que a actuação do agente de execução foi totalmente irrelevante para a obtenção do referido produto (mesmo no último exemplo pode sempre sustentar-se que a decisão do executado foi tomada em resultado da pressão exercida pela penhora dos bens realizada pelo agente de execução).
A nosso ver, resulta da redacção do artigo 50.º da Portaria que desde que haja produto recuperado ou garantido a remuneração adicional é sempre devida, excepto numa situação, a de nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que há lugar à citação prévia do executado este efectuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução (n.º 12), caso em que a intervenção do agente de execução foi apenas para realizar a citação, acto que não é exclusivo nem específico da acção executiva, pelo que se pode entender que a intervenção do agente que é própria da execução coerciva ainda não se iniciou.” (grifado nosso).

E, por outro, que a concluída inconstitucionalidade do artigo 50º, n.º 5, da Portaria n.º 282/2013, perde suporte desde que se não acolha o entendimento primeiramente defendido no mesmo Acórdão quanto aos pressupostos de atribuição da remuneração adicional ao agente de execução.

Finalmente, importará esclarecer que o Acórdão desta Relação, de 2011-09-22, citado naquele Acórdão da Relação do Porto, em nota de rodapé n.º 2 – e de que foi relator o mesmo do presente acórdão – tratava de hipótese no domínio da Portaria n.º 708/2003, de 04 de Agosto, sendo que naquela inexistia exposição de motivos com os dizeres da agora em causa e também no anexo II da mesma não havia nada de parecido com a afirmação de escopo do anexo VIII da portaria 282/2013.

Isto, para além, e desde logo, de não ser suscitada, naquele outro Acórdão desta Relação, a questão do nexo entre as tais eficácia e eficiência e a recuperação ou garantia do crédito.

 3.-Já em Acórdão da Relação de Coimbra, de 03-11-2015,[2] se julgou que “I. A remuneração adicional devida ao agente de execução nos termos do art.º 50.º da Portaria 282/2013, de 29 de Agosto, não prescinde da verificação do nexo causal entre a recuperação de valores pelo exequente e as diligências que nesse sentido foram por aquele desenvolvidas. II. Destinando-se a premiar o resultado obtido, a dita remuneração adicional só se justifica quando a recuperação ou a garantia dos créditos da execução tenha ficado a dever-se à eficiência e eficácia da actuação do agente de execução. III. Tal interpretação é aquela que se impõe considerando os critérios interpretativos fixados no art.º 9.º do CC, quando, logo no Preâmbulo, o legislador deixou claro que é devido o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas.”.

4.-Ora propendendo-se para a interpretação feita do artigo 50º, n.º 5 da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, no citado Acórdão da Relação do Porto, reconhecemos que, tendo em vista as regras fundamentais em matéria hermenêutica, plasmadas no artigo 9º do Código Civil, não é aquela isenta de dúvidas.

Assim, e pelo que toca ao pensamento legislativo, reitera-se o expresso na exposição de motivos respetiva: “prevê-se o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas”.

Sendo plausível o entendimento de que “na sequência” não aponte, no contexto, para a mera sucessão cronológica.
Certo ser sinónimo de tal substantivo feminino, no dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, o “acto ou efeito de dar continuidade ao que foi iniciado”[3]

E, tanto mais, que no também já citado Anexo VIII – para que remete o n.º 9 do artigo 50º - se consignou, recorda-se, que: “O valor da remuneração adicional do agente de execução destinado a premiar a eficácia e a eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução nos termos do artigo 50º é calculado com base nas taxas marginais constantes da tabela abaixo, as quais variam em função (…)”.

Não se lobrigando referência equiparável no Anexo II da Portaria n.º 708/2003, para que remetia o artigo 8º, n.º 1, alínea a), daquela.

Retenha-se que o agente de execução tem já direito a uma remuneração fixa, “pela tramitação dos processos, atos praticados ou procedimentos realizados de acordo com os valores fixados na tabela do anexo VII da presente portaria, os quais incluem a realização dos atos necessários com os limites nela previstos”, vd. n.º 1 do cit. artigo 50º, sendo nosso, ainda e sempre, o grifado.

Ponto é, porém, que como refere Oliveira Ascensão,[4] o artigo 9º do Código Civil ao contrapor “à letra o “pensamento legislativo”” não “quis tomar partido na querela objectivismo/subjectivismo” em matéria de relevância do pensamento do legislador.

Aderindo aquele Autor à tese objetivista, de acordo com a qual “o sentido da lei é um sentido objetivo, que não está condicionado por aquilo que foi o intento histórico”.

Sendo que “O que o “autor” da lei e os seus colaboradores pessoalmente pensaram, é para os juristas apenas um meio, e não o fim do conhecimento.”.[5]

Ora, deveras impressiva, no sentido do caráter “sistemático” da remuneração adicional, é a circunstância de no artigo 50º em questão, apenas num único caso se afastar expressamente o pagamento de remuneração adicional (havendo valor recuperado) a saber, “Nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar a citação prévia, se o executado efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução …”, (n.º 12).

Ao que acresce a previsão – para os casos de sustação da execução nos termos do artigo 794º do Código de Processo Civil e de substituição do agente de execução – da repartição entre agentes de execução do valor da retribuição adicional “na proporção do trabalho por cada qual efetivamente realizado no processo”, vd. n.ºs 13 e 15 (idem quanto ao grifado).

Assinale-se ainda que, para Rui Pinto,[6] a parte adicional variável dos honorários do agente de execução é “dependente da consumação dos efeitos ou resultados pretendidos com a actuação do agente de execução.”, sem qualquer formulação de requisito adicional, atinente a nexo entre a “eficiência ou eficácia” da atuação do agente de execução e a recuperação ou garantia de créditos na execução.~

5.-Ainda assim, não poderá subsistir o despacho recorrido.
É que – e pelo que agora aqui interessa – por “valor garantido” para efeitos do dito artigo 50º, e como visto já, entende-se “o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global.”.

Sendo que se ateve a decisão recorrida ao valor da caução prestada para obter a suspensão da execução, nos quadros do artigo 733º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.

Simplesmente, tendo a Exequente – na transação celebrada com a Executada – desistido do pedido exequendo, desde logo autorizando que fosse libertada a garantia bancária prestada como caução, nenhum valor tendo sido «recuperado», também nenhum valor resultou «garantido».

Poder-se-á especular quanto a eventuais “entendimentos” não vertidos na letra da transação, mas o que se não pode é concluir – para os efeitos em causa ou quaisquer outros com incidência processual – pela efetiva recuperação, ou garantia de pagamento, designadamente no âmbito de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global.

Como alega o Recorrente, na sua reclamação sobre que recaiu o despacho recorrido, baseando-se a execução “na falta de pronúncia do notificado na penhora de créditos” – como é o caso – “basta imaginar que a oposição à execução é julgada procedente – nomeadamente através da ilisão da presunção em que se funda o título executivo – antes da desistência do pedido; acaso o Agente de Execução teria direito a alguma remuneração adicional pelo facto de, durante o julgamento da oposição, ter sido prestada caução pelo executado? A resposta só pode ser negativa.”
…Por isso que nenhuma recuperação ou garantia de créditos se verificaria, também, nessa hipótese, contemplada no artigo 777º, n.º 4, do Código de Processo Civil, e, anteriormente, no artigo 860º, n.º 3, do Código de Processo Civil de 1961.

Em vista do assim considerado quanto à verificação dos requisitos da atribuição de remuneração adicional ao Sr. Agente de Execução, nos quadros do artigo 50º, n.º 5, da Portaria queda prejudicada qualquer incursão em sede de constitucionalidade do artigo 50º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto (como do artigo 18º da Portaria n.º 331-B/2009, de 30 de Março).

Com procedência, nesta conformidade, das conclusões da Recorrente.

III–Nestes termos, acordam em julgar a apelação procedente, e revogam o despacho recorrido, na parte em que manteve a remuneração adicional do Sr. Agente de Execução, devendo proceder-se à revisão da Nota Justificativa respetiva, com exclusão, também, do valor relativo a tal remuneração adicional.

Sem custas, por a elas não ter dado causa a Recorrente, não tendo a Executada acompanhado o despacho recorrido.
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Lisboa, 2017-02-09


(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)
(Maria Teresa Albuquerque)


[1]Proc. 5442/13.9TBMAI-B.P1, Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf.
[2]Proc. 1007/13.3TBCBR-C.C1, Relatora: MARIA DOMINGAS SIMÕES, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf.          
[3]“Temas & Debates, Tomo XVI, 2005, pág. 7294.
[4]In “O Direito Introdução e Teoria Geral”, 13ª ed., Almedina, 2006, pág. 400.
[5]Apud Rehbinder, Einführung,§ 12.2., citado por Oliveira Ascensão, in op. cit., pág. 300, nota 587.
[6]In “Manual da execução e do despejo”, Coimbra Editora, 2013, pág. 100.