Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8/23.8T8PDL.L1-8
Relator: VÍTOR RIBEIRO
Descritores: CONTRATO DE MANDATO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
PERDA DE CHANCE
CLÁUSULA PENAL COMPULSÓRIA
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário: (da responsabilidade do relator - cfr. artigo 663.º, nº 7, do Código de Processo Civil):
- Apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram a matéria decisória e que se identificam com os pedidos formulados, com a causa de pedir e com as exceções invocadas constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa. Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não estão abrangidos pelo dever de pronúncia a que o juiz está adstrito;
- A proposta apresentada pelo Secretariado-Geral da FIFA, ao abrigo do preceituado no artigo 20.º das regras processuais dessa instância desportiva (Procedural Rules Governing The Football Tribunal), configura uma proposta de decisão que, sendo aceite, explícita ou tacitamente, se converte numa decisão final e vinculativa para as partes;
- O dano resultante da perda de chance processual só releva se se tratar de uma chance consistente, designadamente se se puder concluir, com elevado grau de probabilidade ou de verosimilhança, que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida e para determinar essa probabilidade de êxito na obtenção de tal benefício o tribunal que julga a indemnização deverá realizar um “julgamento dentro do julgamento”, atendendo às circunstâncias do caso concreto e à jurisprudência seguida na matéria;
- Pode cumular-se licitamente uma cláusula penal compulsória com a exigência do pagamento da quantia em dívida e juros de mora.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes Desembargadores que compõem este coletivo da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - RELATÓRIO
1.1. Abreu e Associados, Sociedade de Advogados S.P.R.L., intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Santa Clara Açores, Futebol, S.A.D., peticionando a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 22.049,04, acrescida de juros, à taxa de 4%, desde a data de cada uma das faturas e até integral e efetivo pagamento.
Alegou, para o efeito, em síntese, ser uma sociedade de advogados que, no âmbito da sua atividade, prestou à ré, na sequência de solicitação desta, diversos serviços de advocacia, inclusive através de avença mensal, sendo que, relativamente a esses serviços, elaborou a devida faturação, tendo em conta o trabalho desenvolvido e as despesas efetuadas, faturas que totalizam € 22.049,04, que não foram pagas pela ré.
A ré contestou, aceitando ter solicitado os serviços de advocacia prestados pela autora e que esta realizou a generalidade das tarefas, trabalhos e patrocínios indicados na petição inicial, com ressalva do alegado serviço relacionado no âmbito do processo de insolvência de AA, facto que desconhece em absoluto, e defendendo que nem todo o crédito reclamado se mostra devido, uma vez que as partes, quanto à remuneração, acordaram num valor fixo, ou retribuição na modalidade de avença mensal, no montante de € 2.500,00, sem qualquer outra contrapartida adicional ou fórmula de pagamento de honorários distinta, pelo que reconhece ser devedora dos valores cobrados a título de remuneração pelos serviços prestados que não extravasem o valor da avença mensal, acrescido de IVA à taxa de 16%.
Na contestação, a ré deduziu reconvenção, pedindo a condenação da autora/reconvinda a pagar-lhe a quantia de € 42.164,38, alegando, em resumo, que:
- A autora cumpriu defeituosamente o patrocínio que se lhe impunha realizar, porquanto no processo n.º FPSD-4295 (que correu termos na FIFA), com respeito ao recebimento do preço da transferência da venda do atleta BB para o clube adquirente Al Shabab, olvidou a formulação do competente pedido de condenação na liquidação dos juros moratórios devidos, sendo prova inabalável dessa atuação negligente a circunstância de, tendo o clube comprador voltado a violar a obrigação de pagamento da prestação seguinte, a ré, agora com recurso a outra sociedade de advogados, ter conseguido, num pleito em tudo idêntico, obter a condenação no pagamento de juros moratórios, à taxa anual de 5%.
A autora replicou, argumentando não ter reclamado juros moratórios por decisão da administração da ré, designadamente por ter sido reclamado o pagamento da cláusula penal, para além do remanescente em dívida na venda do atleta BB.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
. Julgar a acção parcialmente procedente, condenando a Ré Santa Clara Açores, Futebol, S.A.D. a pagar à Autora Abreu e Associados, Sociedade de Advogados S.P.R.L. a quantia de €17.926,05 acrescida de IVA à taxa de 16%, num total de €20.794,74, a que acrescem juros à taxa legal, contados sobre o valor e data de cada uma das facturas supra identificadas.
. Julgar a reconvenção parcialmente procedente, condenando a Autora Abreu e Associados, Sociedade de Advogados S.P. R.L. a pagar à Ré Santa Clara Açores, Futebol, S.A.D. a quantia de €37.947,94, acrescida de juros de mora, à taxa legalmente prevista, contados desde a citação.
1.2. A autora, inconformada com o decidido, apelou, tendo apresentado alegações e as seguintes conclusões:
1 - A douta sentença, ao julgar ainda que parcialmente procedente o pedido reconvencional apresentado pela recorrida e na percentagem de 90% do montante por ela peticionado incorreu em erro na apreciação da matéria de facto;
2 - Na verdade, ao contrário do que a douta sentença sufragou, a comunicação da FIFA datada de 6 de dezembro de 2021, junta pela recorrida como Doc. 1 com a contestação, não constitui uma decisão judicial daquela entidade, mas antes uma proposta de acordo entre as partes, como resulta claramente do seu texto como acima se transcreveu a parte relevante;
3 - Sendo a comunicação da FIFA de 6 de dezembro de 2021 uma proposta de transação e não uma decisão stricto sensu apresentada às partes pelo Secretariado Geral da FIFA, impõe-se a alteração da resposta à matéria de facto, com base nas comunicações juntas pela recorrida como Doc. 1 com a sua contestação, passando a resposta a ser a seguinte:
“No seguimento do processo referido em 6), o Secretariado Geral da FIFA apresentou uma proposta de transação quanto ao objeto do litígio, a qual veio a ser aceite pelas partes, explicita ou tacitamente, e objeto de homologação por comunicação datada de 10 de janeiro de 2022.”
4 - Daqui resultando não existiram verdadeiras decisões de mérito por parte da FIFA quanto ao objecto do litígio, mas antes a homologação de uma proposta de transação a que as partes não se opuseram.
5 - Com efeito, a decisão da FIFA foi apenas a de homologar uma transação que havia sido por si proposta. A recorrida tinha o direito e o poder de rejeitar a proposta de transação apresentada, se considerava que a mesma devia contemplar juros de mora, o que não fez.
6 - Em momento algum a recorrida veio invocar nos presentes autos que a transação em questão foi celebrada sem o seu conhecimento ou ao arrepio da sua vontade, pelo que ficou a ela vinculada, sendo insólito vir agora reclamar o pagamento de uma indemnização com base numa transação feita no âmbito da FIFA e a qual poderia ter rejeitado.
7 - De igual modo, é importante salientar que o segundo processo em que terão sido peticionados juros de mora também foi concluído por transação homologada pela entidade competente da FIFA, pelo que também neste caso não foi possível ficar a saber qual a orientação jurisprudencial quanto a esta questão em concreto.
8 - É nesse sentido que a recorrente sustenta que a douta sentença não deveria ter julgado procedente o pedido reconvencional apresentado pela recorrida, levando em consideração a circunstância de, tendo a mesma logrado o pagamento de juros por ela peticionados no segundo processo instaurado junto da FIFA, que esse seria também o resultado no primeiro processo caso os mesmos tivessem sido peticionados.
9 - E, na perspectiva da recorrente, esse aspecto também releva ainda que a douta sentença tenha dado provimento à reconvenção na percentagem de 90% do valor alegado pela recorrida como grau de probabilidade da recorrida poder, ou melhor pudesse ter ganho nesse segmento, como refere, pois não se pode asseverar com inabalável certeza de que o êxito, nessa parte, seria atingido plenamente, incorrendo assim a douta sentença em erro de julgamento.
10 - Das decisões acima referidas emerge, na perspectiva da recorrente, existir entendimento de que não poderá existir cumulação entre a quantia pedida a título de clausula penal e juros de mora a não ser que o pagamento de juros estivesse previsto contratualmente;
11 - Juros que poderiam ser peticionados em conjunto com a clausula penal desde que aqueles estivessem previstos no contrato de venda dos direitos desportivos de jogador, o que não é o caso dos presentes autos;
12 - Ora, atentando na situação dos autos, constata-se que do contrato de venda do referido jogador por parte da recorrida nada consta no sentido de, em caso de incumprimento, a mesmo poder reclamar, para além da clausula penal por incumprimento, o pagamento de juros de mora.
13 - Sufraga deste modo a recorrente, salvo melhor opinião, que o tribunal não deveria ter considerado que a recorrente, no exercício do seu mandato, ao não ter peticionado juros, violou a obrigação de meios a que se encontrava adstrita, ou tendo violado um direito da ré e, consequentemente, praticado um acto ilícito que poderá levar à responsabilização contratual.
14 - Nesse sentido entende a recorrente que deverá ser dado provimento ao presente recurso, sendo revogada a sentença, absolvendo-a do pedido reconvencional, em concreto no pagamento à ré ora recorrida da quantia de 37.947,94 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legalmente prevista.
No corpo das alegações, a recorrente citou 3 decisões da instância desportiva internacional (FIFA) e reproduziu (em língua portuguesa) segmentos dessas decisões, tendo a final protestado juntar essas decisões, o que veio a fazer por requerimento de 07.02.2025, apresentando cópia integral dessas três decisões, na sua versão original, em língua inglesa, com a respetiva tradução em português.
Justificou a junção de tais decisões em sede de alegações com a circunstância de a sentença recorrida ter dado relevância ao facto de a recorrida ter logrado o pagamento de juros de mora no segundo processo desencadeado junto daquela instância.
1.3. A ré/recorrida contra-alegou, pugnando pela não admissão dos documentos que a recorrente protestou juntar com as alegações e pela manutenção da decisão recorrida, apresentando as seguintes conclusões:
A. É inequívoco que o presente recurso está votado ao insucesso a despeito das esforçadas alegações que lhe procuram emprestar um mínimo de solidez e consistência que inescapavelmente a pretensão da Autora/Recorrente não tem, nem pode aspirar.
B. Com efeito, e tal vem a ser incontrovertido, a aqui Recorrente, tendo alegado com base numa mentira (como bem sabe), entendeu nestes autos defender-se do pedido reconvencional afirmando (cf. artigo 21.º da réplica) que apenas não peticionou o pagamento dos juros porque havia recebido instrução expressa da aqui Recorrida (sua cliente) para não o fazer.
C. Ora, perante tal (mentirosa) tese, mas que foi aquela que decidiu abraçar, para todos os devidos e preclusivos efeitos, nunca a Autora suscitou, sequer, a questão da hipotética ilegalidade da cumulação da cláusula penal e dos juros moratórios.
D. Nem o podia fazer, dado que, de acordo com a sua alegação, apenas não tinha formulado tal pedido condenatório porque a sua cliente a isso se havia oposto.
E. Tese factual que foi naturalmente rechaçada pelo Tribunal (e tal matéria assente não foi impugnada pela Recorrente - em concreto, por exemplo, o facto provado n.º 9 e o facto não provado b), demonstrando-se abundantemente o contrário e diametralmente oposto.
F. Destarte, a factualidade alegada pela Recorrente só podia ser dada como não provada, ficando plenamente demonstrado nos autos, como é situação prototípica, que a cliente confiou e mandatou a Autora para o exercício do seu patrocínio forense de acordo com os padrões exigíveis às melhores práticas profissionais e de acordo com a leges artis aplicável,
G. Na verdade, quando a Autora logrou entender que a sua tese factual não convenceria o Tribunal (i.e., que foi por decisão da Recorrida que não formulou o pagamento dos juros), então, estrategicamente há que dizê-lo, é que se orientou, a partir daí, no decurso do julgamento, para a nova tese de que se tivesse formulado o pedido não seria «líquido» que a FIFA assim decidisse,
H. E exatamente porquanto a Autora entendeu alegar que apenas não formulou tal pedido (pagamento dos juros) por decisão da sua própria cliente, naturalmente que teria que ficar «refém» de tal tese, não podendo simultaneamente (ao menos, na réplica, não o deduziu, ainda que subsidiariamente),
I. Alegar também que não o fez porque entendia que existiria uma séria disputa jurisprudencial sobre o tema, e que mesmo assim, nunca seria de supor que lhe fosse dado provimento a tal pedido!
J. E dizemos categoricamente nunca, porque mesmo que fosse verdade que existisse querela doutrinária ou jurisprudencial sobre o tema, com residuais chances de ganho de tal pedido, sempre (um advogado zeloso e consciencioso) teria formulado tal pedido – como se diz, à cautela de patrocínio.
K. Ora, ao invocar inovatoriamente tal questão em sede de recurso - fundamento emergente da discussão sobre a eventual ilicitude da cumulação da cláusula penal com a exigência do pagamento dos juros moratórios (embora nem sequer problematize e a fortiori demonstre se estávamos efetivamente perante uma cláusula penal indemnizatória ou uma cláusula penal sancionatória/compulsória),
L. É notório que, por se trata de questão nova, está este tribunal impedido de a apreciar e cogitar.
M. Destarte, o único fundamento do presente recurso não pode ser apreciado por este Tribunal, donde resulta evidente a necessidade de confirmação da douta decisão recorrida.
N. E é manifesto que a eventual ilicitude da cumulação de cláusula penal (cujo subtipo nem sequer foi antes questionada e debatida) com a exigibilidade do pagamento de juros não constitui questão de conhecimento oficioso (isto mesmo entre uma disputa direta entre as partes credora e devedora da prestação),
O. Como ainda menos constitui questão de conhecimento oficioso in casu, como fundamento específico de defesa da Recorrente para convencer da sua falta de responsabilidade contratual, ou que o resultado obtido sempre seria igual caso tivesse formulado o pedido de condenação no pagamento dos juros.
P. Nesta conformidade, é evidente que o Tribunal ad quem está impossibilitado de agora se pronunciar sobre a discussão da (i)licitude da cumulação da cláusula penal e dos juros, pelo que derrubado o único fundamento do recurso, soçobra inapelavelmente a pretensão da Recorrente.
Q. Por outro lado, ainda, está fatalmente destituída de fundamento a pretendida impugnação do facto provado n.º 10.
R. A Recorrente esforça-se em sede de recurso (embora novamente não o tenha invocado antes) para convencer o Tribunal que a decisão tomada nos dois «siameses» (menos nos resultados alcançados para a Recorrida) processos FIFA em análise nos autos não foi uma verdadeira decisão, mas antes uma «proposta».
S. Em rigor, pois, nem sequer se trata da uma questão factual, mas antes uma decisão sobre a interpretação do Direito aplicável (logo, matéria de Direito), e as normas em questão, que a Recorrente até cita, são meridianas e cristalinas quanto ao facto de:
T. Se a dita Proposta não for contestada (sendo que a aceitação tácita vale como não contestação) tem por efeito que se forma uma decisão final vinculativa para ambas as partes – nem sendo passível de recurso.
U. Dito por outras palavras, no sentido inverso ao preconizado pela Recorrente, o que a regulação FIFA determina é que a ausência de contestação do clube demandado vai determinar a formação de uma decisão final, por conversão automática daquela proposta de decisão,
V. E final justamente porquanto a não contestação vale como aceitação (ainda que tácita, segundo aquela regra), logo, será vinculativa para ambos os intervenientes nos autos.
W. E a própria matéria provada nos autos (entre factos principais e instrumentais) aponta decisivamente no sentido de que: se o clube demandado nem sequer contestou igualmente a 2.ª demanda FIFA, onde inclusivamente foi peticionado o pagamento simultâneo do valor da cláusula penal e dos juros.
X. Por que haveria de contestar (não aceitar, ainda que tacitamente) a 1.ª demanda FIFA, se nela também fosse incluído (como devia) a condenação no pagamento do valor da cláusula penal!
Y. Na verdade, tal como no ordenamento jurídico doméstico, na regulação FIFA, vale o princípio do pedido – pelo que a condenação em algo requer que haja formulação (prévia) da correspondente pretensão.
Z. Em síntese: a Proposta, como tal, não é uma decisão final e vinculativa durante a fase em que está para aceitação/rejeição das partes, mas torna-se final e vinculativa (e portanto, não passível de recurso), caso ambas partes aceitem (expressa ou tacitamente – tal como indica o n.º 3 do artigo 20.º), que foi precisamente o que aconteceu nos dois casos em apreço (logo, houve aceitação, e portanto a FIFA converteu a Proposta em Decisão Final e vinculativa através da “Confirmation Letter”.
AA. Em consequência, a argumentação também inovatoriamente expendida pela Recorrente em sede de recurso, não logra qualquer convencimento, antes se consubstanciando numa interpretação totalmente avessa e nos antípodas da Regulação Processual FIFA.
BB. Além de que é esmagador o entendimento da instância FIFA quanto à admissibilidade da coexistência entre a cláusula penal e os juros moratórios.
CC. Mas obviamente mesmo que assim não fosse, a boa prática exigível ao advogado consistiria sempre na formulação do correspondente pedido de pagamento, quer da cláusula penal, quer dos juros, porque sabido é que se não for pedido nunca pode ser concedido.
DD. Ao contrário de outras situações de mandato forense, no caso presente, o dano causado pela Recorrente, no exercício das suas funções de patrocínio e representação judiciária da Recorrida, foi consequência direta, imediata e causal do cumprimento defeituoso da prestação,
EE. Donde não restam dúvidas da sua responsabilidade contratual, e do crédito da Recorrente sobre aquela, no valor peticionado, por força da sua atuação culposa, ilícita (violadora da leges artis) e geradora do prejuízo objetivo e real, que não meramente hipotético ou presumido, como bem notou perifrasticamente a decisão recorrida.
FF. Termos em que, por não merecer mácula ou reparo, deve a sentença recorrida ser plenamente confirmada na ordem jurídica, mais se rejeitando, por estar legalmente vedada, a apreciação de argumentos inovatórios (fundamentos de defesa pela primeira vez formulados em sede recursória),
GG. Do mesmo modo que improcede in totum a questionada impugnação do facto provado n.º 10, quando na realidade a matéria em apreço até é de direito e não factual, mostrando-se perentória a regulação FIFA quanto ao modo de formação (o que ocorreu nos dois casos submetidos) da decisão final e vinculativa – para ambas as partes, insuscetível de revisão.
HH. Por fim, entende-se ainda que o presente recurso é manifestamente inepto, porque s.m.o., não vem sequer identificada nenhuma norma pretensamente violada pela decisão recorrida, em franca e insuprível violação do consignado no artigo 639.º, n.º 2, do CPC.
II. E quanto à pretensão da Recorrente em juntar documentos em fase de recurso, a mesma só pode ser indeferida, tanto assim que não resultou de nenhuma decisão surpresa do tribunal a quo a sua eventual acuidade para a defesa da Recorrente, tanto que desde a apresentação da contestação com reconvenção que a Recorrida fixou a sua defesa, pelo que a Recorrente desde então sabia que factos podia/devia ter impugnado, com sucesso.
1.4. Por requerimento de 07.02.2025, a recorrente juntou as 3 decisões da instância desportiva internacional que tinha protestado juntar com as alegações.
O recorrido, notificado, pugnou pela inadmissibilidade da junção de tais decisões, argumentando, no essencial, inexistir qualquer superveniência na junção em causa e negando que a decisão recorrida tenha tornado absolutamente necessária essa junção.
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
*
II. Questão prévia.
Da admissibilidade da junção dos documentos apresentados pela recorrente.
Convém começar por precisar que os documentos em causa, ou seja, as três decisões da instância desportiva internacional, não visam a prova de quaisquer factos, mas, sim, rebater a argumentação jurídica expendida na sentença recorrida a respeito do juízo de probabilidade na obtenção do benefício (juros de mora) não fora a chance processual perdida em consequência da conduta imputada à autora/recorrente.
Dito isto, é sabido que, no corpo das alegações, o recorrente pode, sendo, aliás, aconselhável que o faça, citar jurisprudência, indicando a respetiva fonte, bem como lhe é lícito reproduzir segmentos ou excertos dessas decisões, certo que nada impede, apesar de não ser adequado, que reproduza integralmente o teor dessas mesmas decisões.
A citação de jurisprudência, no corpo das alegações, com indicação das decisões, da instância (judicial ou arbitral) que as proferiu e da fonte que permite o acesso a essas decisões, não vale como meio de prova e tem apenas por função contribuir para esclarecer a interpretação que vem sendo dada pela jurisprudência, de forma unânime ou não, às normas jurídicas aplicáveis ao caso e ao respetivo enquadramento jurídico.
Na situação em análise, a recorrente, no corpo das alegações, citou três decisões da instância desportiva internacional e aí reproduziu (em língua portuguesa) excertos dessas decisões.
Posteriormente, tal como tinha protestado fazer, a recorrente juntou cópia integral das três decisões em causa, na sua versão em língua inglesa com a respetiva tradução em português.
A recorrida, por sua vez, nas contra-alegações, onde, desde logo, pugnou pela inadmissibilidade da pretendida junção das 3 referidas decisões da instância desportiva internacional, citou, em nota de rodapé, 2 decisões dessa mesma instância, aí reproduzindo excertos (em língua inglesa) dessas mesmas decisões.
Há, ainda, a referir que as citadas, pela recorrente e recorrida, decisões da instância desportiva internacional (FIFA) são de livre acesso na internet, nomeadamente com recurso aos sites http://goldengate-law.com//pdf/fifa/fifa_psc_3122555.pdf (quanto à decisão de 30.01.2012, citada pela recorrente) e https//jurisprudence-tas-cas.org (quanto às demais decisões citadas pela recorrente e pela recorrida).
Feito este enquadramento, impõe-se concluir que, tendo a recorrente citado, no corpo das alegações, jurisprudência e reproduzido excertos das pertinentes decisões, as quais são de livre acesso na internet, não se vislumbra que exista qualquer efeito útil na junção, sobretudo no momento processual em que tal ocorreu (quando o processo já se encontrava neste tribunal de recurso), de cópias da versão integral das decisões já citadas no corpo das alegações.
Decisão.
Pelo exposto, indefere-se à requerida junção de documentos (das cópias da versão integral das decisões da instância desportiva internacional - FIFA - já citadas no corpo das alegações e de livre acesso na internet), devendo os mesmos ser desentranhados e devolvidos à apresentante.
Custas do incidente a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em valor correspondente a metade de uma Unidade de Conta.
*
III - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal cuja apreciação ainda não se mostre precludida, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
No caso, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, as questões a decidir são as seguintes:
1. Saber se ocorreu erro na decisão relativa à matéria de facto no que respeita ao ponto 10 da factualidade provada enunciada na sentença recorrida;
2. Saber se foi correta a subsunção jurídica dos factos efetuada na sentença recorrida.
*
IV. FUNDAMENTAÇÃO.
A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A.1. Na primeira instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
Da Petição Inicial
1. A Autora é uma sociedade de advogados que, no âmbito da sua actividade, presta serviços de advocacia, encontrando-se registada na Ordem dos Advogados com o n.º 23/92.
2. No âmbito da sua actividade a Autora prestou à Ré, na sequência de solicitação desta, diversos serviços de advocacia, inclusive através de avença mensal no montante de €2.500,00, acrescido de IVA.
3. Relativamente a esses serviços, solicitados pela Ré, a Autora elaborou a devida facturação, tendo em conta o trabalho desenvolvido, nos seguintes termos:
a. 900114906, datada de 31/01/2022, no montante de 1.397,24 euros
b. 900114910, datada de 31/01/2022, no montante de 3.434,90 euros
c. 900116119, datada de 28/02/2022, no montante de 3.724,54 euros
d. 900117387, datada de 31/03/2022, no montante de 3.075,00 euros
e. 900120631, datada de 31/05/2022, no montante de 3.075,00 euros
f. 900122149, datada de 30/06/2022, no montante de 3.075,00 euros
g. 900122150, datada de 30/06/2022, no montante de 283,39 euros
h. 900123619, datada de 29/07/2022, no montante de 3.075,00 euros
i. 900123620, datada de 29/07/2022, no montante de 103,32 euros
j. 900123621, datada de 29/07/2022, no montante de 670,35 euros
k. 900123622, datada de 29/07/2022, no montante de 135,30 euros
4. Serviços prestados pela Autora à Ré, devidamente identificados, discriminando os actos praticados pela primeira, através dos advogados que a integram, nos seguintes termos:
a. Factura n.º 900114906 composta por 2 páginas: Assunto: 2021/22 UEFA Club Monitoring Proceedings; 14-01-2022 - Notificação da UEFA; 19-01-2022 - Análise das Observações do UEFA CFCB First Instance Chamber. Análise do Settlement Agreement celebrado entre o Santa Clara e o Benfica. Elaboração e envio ao Appeal Chamber de Comentários às referidas observações; 25-012022 - Análise da Decisão da Câmara de Apelo hoje notificada. Discussão interna sobre diligências a adotar; 31-01-2022 Analysis of documents. Internal conferences. Emails with the Translator. Emails and conference calls with the client. Draft of the letter to UEFA and respective submission; 31-01-2022 Despesas Gerais 51,37; 31-01-2022 - Despesas com Traduções 57,20.
b. Factura n.º 900114910 composta por 3 páginas: Assuntos gerais; 04-01-2022 - Processo disciplinar ...: Análise da Acusação. Análise das normas relevantes do Código Mundial Antidopagem. Análise das normas relevantes da Lei Antidopagem. Análise de jurisprudência relevante. Contactos com especialistas em Medicina Desportiva. Início da elaboração da defesa escrita e requerimento probatório; 05-01-2022 - Deslocação a Leiria para reunião sobre a Final 4; 05-01-2022 - Continuação da elaboração da Defesa escrita e Requerimento Probatório (Processo Disciplinar ...); 06-01-2022 - Revisão de Defesa do Santa Clara; 06-01-2022 - Revisão da contestação para a AdoP. Conf. Tel. com .... 06-01-2022 - Revisão de minuta de defesa no âmbito do processo disciplinar movido contra o jogador CC; 07-01-2022 Conclusão e revisão final da defesa escrita (Processo de doping ...); 0701-2022 - Revisão da contestação para a AdoP e envio; 12-01-2022 - Troca de e-mails. Conferência telefónica com DD e com o EE. Assuntos diversos; 14-01-2022 - Participação na AG da Santa Clara SAD; 14-01-2022 - Análise de contrato de cessão de créditos com BHP Assets Management (Contrato FF); 16-01-2022 - Continuação da análise de contrato de cessão de créditos com BHP Assets Management (Contrato FF); 17-01-2022 - Análise de contrato de financiamento. Análise de pedido do Tribunal; 17-01-2022 - Continuação da análise de contrato de cessão de créditos com BHP Assets Management (Contrato FF); Conversações internas sobre modelo de cessão com / sem recurso e implicações no contrato; 18-01-2022 - Conferência telefónica ... e EE. participação na reunião do CA. Análise de documentos; 18-01-2022 - Conferência telefónica com AdOP e análise conjunta interna da resposta a dar à notificação da AdOP (Processo ...); 19-01-2022 - Revisão de contrato de financiamento; 19-01-2022 - Revisão de contrato de cessão de créditos com BHP Assets Management de acordo com novo modelo sem recurso; 21-012022 - Revisão de acta da AG. Envio de e-mail para os acionistas. Assinatura. Assuntos diversos; 24-01-2022 - Preparação de Compensation Agreement com o ...; 25-01-2022 - Preparação da Assembleia geral da SAD. Diversas conferências telefónicas com o Presidente da Mesa. Participação na Assembleia geralda SAD; 27-01-2022 - Envio de Compensation Agreement para os advogados do ...; 27-01-2022 - CONFIRMAR FVG - Reunião com Cliente sobre venda de parte do capital da Sociedade; 28-01-2022 - Assuntos diversos. Troca de e-mails e mensagens. Conf. tel. com o EE e com o GG. Troca de e-mails com o .... Assessoria ao CA e reunião do CA; 30-01-2022 – Conferência telefónica com o DD, troca de mensagens com o EE; 07-01-2022 - Despesas com Traduções 162,54 euros; 18-01-2022 - Despesas com Traduções 130,06.
c. Factura n.º 900116119 composta por 3 páginas: Avença de Fevereiro de 2022. Assuntos gerais; 04-02-2022 - Análise da Decisão Disciplinar deliberada pela Subcomissão do Colégio Disciplinar Antidopagem proferida no âmbito do processo movido contra ... 04-02-2022 - Assuntos diversos. Notificação da AdoP, e-mail para o cliente; 04-02-2022 - Análise da Decisão no Processo Disciplinar n.º 13/2021/CDA hoje notificado pela AdOP. Conferências internas; 04-02-2022 - Análise do documento remetido pelo AFC Botosani e remessa do mesmo para a UEFA. Análise de ofício da UEFA sobre novo processo relativo a violação das regras do break even. Conferências internas; 07-02-2022 - Troca de e-mails e verificação de documentos; 09-022022 -Troca de e mails e verificação de documentos. Análise dos grounds da decisão final da UEFA. Preparação e envio de resposta para a UEFA; 10-02-2022 - Envio de resposta para a UEFA e documentos; 14-02-2022 - Análise de dossier e assuntos pendentes; 16-02-2022 – Conferência telefónica com o ... e com o advogado do Santander. Conferência telefónica com HH e troca de e-mails assunto da AG; 16-02-2022 - Notificação da UEFA. Conferência telefónica e troca de e-mails com II; 17-02-2022 - Assuntos gerais Santander; 21-02-2022 - Envio de e-mail para a UEFA. Análise de documentos e traduções; 23-02-2022 - Assuntos diversos. Contactos com o cliente e com o Dr. HH. Conferência telefónica com HH. 31-01-2022 - Despesas com Traduções 30,00 euros; 10-022022 - Despesas com Traduções 413,08 euros; 17-02-2022 - Despesas com Traduções 50,00 euros; 21-02-2022 - Despesas com Traduções 35,00 euros.
d. Factura n.º 900117387 composta por 2 páginas: Avença de Março de 2022; Assuntos gerais; 04-03-2022 - Análise de assuntos pendentes. Conferência telefónica com .... Troca de mensagens com HH e com EE; 08-03-2022 - Análise da carta do Jogador e da consulta colocada pelo Cliente; comentários para consulta colocados pelo Cliente; 09-03-2022 - Email sobre a situação do JJ; 21-03-2022 - Participação na Assembleia Geral da SAD; 25-03-2022 - Assuntos diversos. Revisão de acta da AG e envio de e-mail.
e. Factura n.º 900120631 composta por 2 páginas: Avença de Maio 2022. Assuntos gerais; 02-05-2022 - Análise do assunto da UEFA; 03-05-2022 - Assuntos pendentes; 03-05-2022 - Análise do assunto da UEFA; 16-05-2022 - Preparação e envio de resposta para a UEFA; 20-05-2022 - Preparação e envio de e-mail sobre o processo na UEFA; 23-05-2022 - Verificação de assuntos pendentes; 27-05-2022 - Assembleia Geral; 28-05-2022 - Conferência telefónica com DD. Análise de contratos; 29-05-2022 - Revisão de contrato de empréstimo ao Sabah Football Club e carta. Conferência telefónica com DD; 30-05-2022 - Conferência telefónica com o Presidente da SAD.
f. Factura n.º 900122149 composta por 3 páginas: Avença de Junho 2022; Assuntos gerais; 02-06-2022 - Conferência telefónica com DD, análise de e-mail da FIFA e resposta; 11-06-2022 - Transferência do KK para o Fenerbahçe; 12-06-2022 - Transferência do KK para o Fenerbahçe; 13-06-2022 - Transferência do KK para o Fenerbahçe; 14-062022 - Troca de e-mails, carta para o Fenerbahçe e e-mail; 15-06-2022 - Carta para o Fenerbahçe. Preparação de acta da AG e lista de presenças. Diversas conferências telefónicas com DD. Troca de e-mails e Registo comercial; 17-06-2022 - Registo comercial. Resolução da questão da cópia certificada da acta e entrega da mesma; 18-06-2022 - Conversações com Colegas sobre certificação de ata para entrega na Liga; Elaboração de certificação e deslocação à Liga de Clubes para entrega; 18-06-2022 - Resolução da questão da cópia certificada da acta e entrega da mesma; 20-062022 - Assuntos diversos; 20-06-2022 - Certificação de Declarações do Gestor Executivo; 20-06-2022 - Deslocação e entrega de documentação autenticada à Liga Portuguesa de Futebol; 21-06-2022 - Assuntos diversos; 21-06-2022 - Assuntos diversos; 24-06-2022 - Assuntos gerais; 24-06-2022 - Revisão de acordo de revogação de CTD; 28-06-2022 - E-mail para o Fenerbahçe.
g. Factura n.º 900122150 composta por 2 páginas: Assunto: DRN Registos e Notariado; 15-06-2022 - Apresentação no Registo Comercial da renúncia do Fiscal Único e do seu Suplente; 15-06-2022 - Apresentação no Registo Comercial da designação de novo Fiscal Único e do seu Suplente; 21-06-2022 - Pedido de certidão permanente da sociedade SANTA CLARA AÇORES, FUTEBOL, SAD.
h. Factura n.º 900123619 composta por 3 páginas: Avença de Julho de 2022: Assuntos gerais. 01-07-2022 - Pequena nota sobre a incidência de IVA e momentos de faturação na transferência de jogador (LL) para o Fenerbahçe Futebol; 01-07-2022 - Assuntos diversos. Resposta a e-mails. Reconhecimento de assinaturas no acordo de revogação. Conferências telefónicas; 03-07-2022 - Estudo do assunto do empréstimo e direitos de formação. 04-07-2022 - Assuntos diversos. Questão do pagamento do Fenerbahçe. 05-07-2022 - E-mails do Fenerbahçe e do .... 06-07-2022 - E mails do Fenerbahçe e resposta. 08-07-2022 - E mails do Fenerbahçe e resposta. Análise da contratação do MM. Conferência telefónica com DD; 22-07-2022 Assembleia Geral e envio de e-mail para o ROC; 27-07-2022 - Conferência telefónica com Dra. NN sobre procedimentos a adotar no âmbito do processo de insolvência ...
i. Factura n.º 900123620 composta por 2 páginas: Assuntos: DRN Registos e Notariado; 01-07-2022 - Reconhecimento de assinatura de OO em Acordo de Revogação do Contrato de Trabalho Desportivo; 01-07-2022 - Reconhecimento de assinatura de dois membros do CA em Acordo de Revogação do Contrato de Trabalho Desportivo.
j. Factura n.º 900123621 composta por 2 páginas: Assuntos: FIFA - BB - AL SHABAB; 06-12-2021 - Notificação da FIFA; 10-01-2022 - Notificação da FIFA. E-mail para o cliente; 14-01-2022 - Notificação da FIFA e resposta; 28-02-2022 - Estudo do assunto, preparação e envio de pedido de suspensão do Al Shabab; 02-03-2022 - Notificação da FIFA e e-mail para o cliente.
k. Factura n.º 900123622 composta por 2 páginas: Assuntos: 2021/22 UEFA Club Monitoring Proceedings; 03-06-2022 E-mail do Orhan Simsek, análise do processo da UEFA e resposta.
5. Por cartas datadas de 9 de Agosto e 28 de Setembro de 2022, enviadas à Ré, a Autora instou a Ré a pagar-lhe o montante relativo às facturas acima elencadas.
Da Contestação
6. A Ré, através dos serviços da Autora, intentou o processo n.º FPSD-4295 (que correu termos na FIFA), com respeito ao recebimento do preço da transferência da venda do atleta BB para o clube adquirente Al Shabab.
7. No caso, já estava ultrapassado o prazo de pagamento de uma parcela do preço, preço esse que estava fraccionado em pagamento prestacional.
8. Mais concretamente, estava em discussão o pagamento da primeira parcela do preço no valor de €900.000,00, cuja liquidação devia ter ocorrido pelo clube comprador à Ré, até 26.08.2021, sendo que tal pagamento apenas viria a ocorrer em 03.08.2022.
9. No referido processo n.º FPSD-4295, a Autora não formulou o pedido de condenação na liquidação dos juros moratórios devidos, que ascendiam ao montante de €42.164,38.
10. No seguimento do processo referido em 6), a decisão proferida pela instância judicial da FIFA, determinou, em 06.12.2021, que o clube comprador apenas tivesse que liquidar à Ré o valor de €900.000,00, bem como o valor de €45.000,00 (cláusula penal), sem qualquer condenação a título de juros de mora.
11. O clube adquirente Al Shabab voltou a violar a obrigação de pagamento da prestação seguinte.
12. Recorrendo a outra sociedade de advogados, a Ré conseguiu receber o montante que peticionou, incluindo a condenação no pagamento daqueles juros moratórios à taxa anual de 5%.
A.2. E foram considerados não provados os seguintes factos:
a) As partes, quanto à remuneração, acordaram num valor fixo, ou retribuição na modalidade de avença mensal, no montante de €2.500,00, sem qualquer outra contrapartida adicional ou fórmula de pagamento de honorários distinta.
b) No processo n.º FPSD-4295, a Autora não reclamou juros por decisão da Administração da Ré.
B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Quanto à primeira questão: Impugnação da matéria de facto no que respeita ao ponto 10 da factualidade provada enunciada na sentença recorrida.
Têm-se por observados os ónus de impugnação da decisão de facto prescritos no artigo 640.º, nºs e 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Nada obsta, portanto, a que este tribunal tome conhecimento da impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
A recorrente entende que o Tribunal recorrido incorreu em erro na apreciação da matéria de facto quanto ao ponto 10 da factualidade provada, porquanto para sustentar a decisão respeitante a esse ponto o Tribunal alicerçou a sua convicção com a “alegada assunção genérica dos factos pela autora ora recorrente e por parte da ré ora recorrida”, o que não corresponde inteiramente à verdade, uma vez que a recorrente impugnou expressamente, no artigo 25º da réplica, a alegação da recorrida, sendo certo, ainda, que a comunicação da FIFA, datada de 06.12.2021, junta como documento 1 com a contestação, não constitui uma decisão daquela entidade, mas antes uma proposta de acordo entre as partes, como resulta do seu texto, proposta essa que veio a ser aceite pelas partes, impondo-se, por isso, a alteração da redação dada ao referido ponto 10, que deverá passar a ser a seguinte:
“No seguimento do processo referido em 6), o Secretariado Geral da FIFA apresentou uma proposta de transação quanto ao objeto do litígio, a qual veio a ser aceite pelas partes, explicita ou tacitamente, e objeto de homologação por comunicação datada de 10 de janeiro de 2022.”
Por sua vez, a recorrida, nas suas contra-alegações, defende que, em rigor, não se está perante uma questão factual, mas antes uma decisão sobre a interpretação do Direito aplicável (logo, matéria de Direito), acrescentando, ainda, que, conforme resulta da lei processual regulatória - FIFA Procedural Rules -, se a proposta não for contestada tem por efeito que se forma uma decisão final vinculativa para ambas as partes - nem sendo passível de recurso -, ou seja, o que a regulação FIFA determina é que a ausência de contestação do clube demandado vai determinar a formação de uma decisão final, por conversão automática daquela proposta de decisão.
Recordemos o teor do referido facto:
No seguimento do processo referido em 6), a decisão proferida pela instância judicial da FIFA, determinou, em 06.12.2021, que o clube comprador apenas tivesse que liquidar à Ré o valor de €900.000,00, bem como o valor de €45.000,00 (cláusula penal), sem qualquer condenação a título de juros de mora.
Consta da sentença recorrida, no segmento destinado à “Motivação da Matéria de Facto”, que o facto em causa, oriundo da contestação, foi considerado provado, porquanto foi genericamente assumido pela autora, “como se confirma da leitura da réplica”.
É certo que, no artigo 21º da contestação/reconvenção, a ré/reconvinte alegou que “(…) a decisão proferida pela instância judicial da FIFA, determinou, em 06.12.2021, que o clube comprador apenas tivesse que liquidar à Ré o valor de € 900.000,00, o valor de € 45.000,00 (cláusula penal) e não também, incluído, o valor de 5%, a título de juros moratórios (cf. Cópia do processo ora junto como Doc.1)”.
E é certo, também, que, no artigo 25.º da réplica, a autora/reconvinda fez constar que impugnava “em conformidade, todo o argumentário expendido nos artigos 13.º a 33.º, inclusive, da contestação, o qual não deverá merecer qualquer acolhimento”.
A impugnação feita pela autora/reconvinda no artigo 25.º da réplica traduz-se numa impugnação genérica, global, não concretizada ou numa impugnação em termos gerais.
Todavia, no caso, não assume relevância saber se uma impugnação em termos gerais, genérica, é ou não operante (desde a reforma do processo civil operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, a impugnação não tem de ser feita facto por facto, individualizadamente, podendo ser genérica), uma vez que, como é sabido, não podem considerar-se admitidos por acordo, expresso ou o decorrente da falta de impugnação, os factos que só puderem ser provados documentalmente.
Ora, os factos respeitantes à concreta tramitação de um processo que correu termos numa instância judicial ou arbitral, no caso, o denominado Tribunal de Futebol da FIFA, bem como quanto ao meio (transação, decisão/sentença homologatória de transação, decisão/sentença de mérito) que pôs termo a esse processo, só documentalmente se podem provar.
No caso, para prova do alegado no artigo 22º da contestação/reconvenção a ré/reconvinte juntou, como documento nº 1, cópia do processo que correu termos na referida instância desportiva internacional.
Da análise desse documento, resulta que:
1. No seguimento do processo referido em 6, a FIFA comunicou, em 06.12.2021, ao demandante Clube Santa Clara Açores e ao demandado Clube Al Shabab que o Secretariado-Geral da FIFA, em conformidade com o disposto no artigo 20º das regras processuais da FIFA (Procedural Rules Governing The Football Tribunal), propunha a resolução da questão nos seguintes termos:
O demandado, Al Shabab, pagará ao demandante, Santa Clara Açores:
- EUR 900,000, a título de taxa de transferência em dívida;
- EUR 45,000, a título de cláusula penal (“contractual penalty).
2. Nessa missiva consta, ainda, além do mais, o seguinte:
Se ambas as partes aceitarem a proposta, será emitida uma carta de confirmação. A carta de confirmação será considerada uma decisão final e vinculativa nos termos do regulamento da FIFA.
3. Em 10.01.2022, a FIFA enviou ao demandante Clube Santa Clara Açores e ao demandado Clube Al Shabab uma carta de confirmação com o seguinte teor:
Referimo-nos à proposta apresentada pelo Secretariado-Geral da FIFA, em conformidade com o artigo 20º das regras processuais que regem o Tribunal do Futebol.
Dado que ambas as partes - explícita ou tacitamente - aceitaram a proposta, confirmamos que o que se segue constitui agora uma decisão final e vinculativa para todas as partes, nos termos dos Regulamentos da FIFA relativos ao estatuto e à transferência de jogadores.
Decisão (…idêntica à proposta):
O demandado, Al Shabab, pagará ao demandante, Santa Clara Açores:
- EUR 900,000, a título de taxa de transferência em dívida;
- EUR 45,000, a título de cláusula penal (“contractual penalty).
Assim sendo, procede a impugnação, embora não inteiramente nos termos pretendidos, como abaixo de verá.
Além disso, impondo-se alterar a redação do facto enunciado no ponto 10 da factualidade provada, importa, também, por forma a contemplar o que resulta da análise do referido documento 1, junto com a contestação/reconvenção, aditar a essa factualidade dois novos factos, sob os pontos 10-A e 10-B.
Em conformidade, decide-se:
1. O ponto 10 enunciado na factualidade provada passa a ter a seguinte redação:
Na sequência do processo a que se alude no ponto 6, a FIFA comunicou, em 06.12.2021, ao demandante Clube Santa Clara Açores e ao demandado Clube Al Shabab que o Secretariado-Geral da FIFA, em conformidade com o disposto no artigo 20.º das regras processuais da FIFA (Procedural Rules Governing The Football Tribunal), propunha a resolução da questão nos seguintes termos:
O demandado, Al Shabab, pagará ao demandante, Santa Clara Açores:
- EUR 900,000, a título de taxa de transferência em dívida;
- EUR 45,000, a título de cláusula penal (“contractual penalty).
2. Aditar a factualidade provada dois novos factos, sob os pontos 10-A e 10-B, com a seguinte redação:
10-A
Na missiva a que se alude em 10, consta, ainda, além do mais, o seguinte:
Se ambas as partes aceitarem a proposta, será emitida uma carta de confirmação. A carta de confirmação será considerada uma decisão final e vinculativa nos termos do regulamento da FIFA.
10-B
Em 10.01.2022, a FIFA enviou ao demandante Clube Santa Clara Açores e ao demandado Clube Al Shabab uma carta de confirmação com o seguinte teor:
Referimo-nos à proposta apresentada pelo Secretariado-Geral da FIFA, em conformidade com o artigo 20º das regras processuais que regem o Tribunal do Futebol.
Dado que ambas as partes - explícita ou tacitamente - aceitaram a proposta, confirmamos que o que se segue constitui agora uma decisão final e vinculativa para todas as partes, nos termos dos Regulamentos da FIFA relativos ao estatuto e à transferência de jogadores.
Decisão (…idêntica à proposta):
O demandado, Al Shabab, pagará ao demandante, Santa Clara Açores:
- EUR 900,000, a título de taxa de transferência em dívida;
- EUR 45,000, a título de cláusula penal (“contractual penalty).
Cumpre referir que a questão de saber se a decisão da FIFA de 10.01.2022 é uma decisão final vinculativa ou apenas, como defende a recorrente, uma mera homologação de uma anterior proposta de transação a que as partes não se opuseram constitui matéria de direito, que, como tal, não deve ser apreciada em sede de decisão relativa à matéria de facto (ou, no caso de recurso, em sede de impugnação dessa decisão).
Tal questão será, por isso, apreciada, no presente recurso, aquando da apreciação da subsunção jurídica dos factos ao direito feita na sentença recorrida.
Prosseguindo, ainda no que respeita à factualidade provada enunciada na sentença recorrida, na decorrência da análise da pretensão de alteração propugnada pela autora/recorrente, facilmente somos levados à constatação da incompletude dessa factualidade, uma vez que aí não se mostra contemplado o contrato de transferência do jogador PP celebrado, em 17.08.2021, entre a ré/reconvinte/recorrida e o clube de Futebol Al Shabab e cujo incumprimento esteve na origem do processo desencadeado junto da FIFA a que se alude no ponto 6 da factualidade provada enunciada na sentença recorrida.
Como assinala Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, pág. 293, para além das situações de obscuridade e de contradição das decisões sob recurso, estas podem revelar-se total ou parcialmente deficientes em resultado “da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares”, “de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso”.
Nestas situações, havendo elementos probatórios acessíveis ao Tribunal de Recurso (que constem do processo) que permitam sustentar a tomada de decisão sobre a matéria de facto que importa à completude da sentença, deve esse Tribunal suprir a incompletude em causa.
Deste modo, uma vez que o aludido contrato de transferência consta do documento nº 1 junto pela ré na contestação, decide-se aditar à matéria de facto provada um novo facto, sob o nº 5-A, com o seguinte teor:
- Em 17.08.2021, o Santa Clara Açores - Futebol, Sad - celebrou com o ... um contrato de transferência do jogador PP nos termos do qual o ... se comprometeu a pagar ao Santa Clara Açores - Futebol, Sad -, a título de taxa de transferência, a quantia de € 2.500.000,00, que seria paga da seguinte forma:
- € 900.000,00 a pagar em ou antes de 26.08.2021;
- € 800.000,00 a pagar em ou antes de ........2022;
- € 800.000,00 a pagar em ou antes de 01.02.2023.
Nesse contrato, ficou, ainda, acordado, na cláusula 5ª, que, caso o Al Shabab atrasasse mais de 30 dias o pagamento de qualquer prestação da taxa de transferência, ficava sujeito ao pagamento de uma cláusula penal igual a 5% do montante do pagamento em atraso.
Para uma melhor sistematização, passa a enunciar-se o novo elenco dos factos provados (os provenientes do elenco descrito na sentença recorrida surgem a itálico):
1. A Autora é uma sociedade de advogados que, no âmbito da sua actividade, presta serviços de advocacia, encontrando-se registada na Ordem dos Advogados com o n.º 23/92.
2. No âmbito da sua actividade a Autora prestou à Ré, na sequência de solicitação desta, diversos serviços de advocacia, inclusive através de avença mensal no montante de €2.500,00, acrescido de IVA.
3. Relativamente a esses serviços, solicitados pela Ré, a Autora elaborou a devida facturação, tendo em conta o trabalho desenvolvido, nos seguintes termos:
a. 900114906, datada de 31/01/2022, no montante de 1.397,24 euros
b. 900114910, datada de 31/01/2022, no montante de 3.434,90 euros
c. 900116119, datada de 28/02/2022, no montante de 3.724,54 euros
d. 900117387, datada de 31/03/2022, no montante de 3.075,00 euros
e. 900120631, datada de 31/05/2022, no montante de 3.075,00 euros
f. 900122149, datada de 30/06/2022, no montante de 3.075,00 euros
g. 900122150, datada de 30/06/2022, no montante de 283,39 euros
h. 900123619, datada de 29/07/2022, no montante de 3.075,00 euros
i. 900123620, datada de 29/07/2022, no montante de 103,32 euros
j. 900123621, datada de 29/07/2022, no montante de 670,35 euros
k. 900123622, datada de 29/07/2022, no montante de 135,30 euros
4. Serviços prestados pela Autora à Ré, devidamente identificados, discriminando os actos praticados pela primeira, através dos advogados que a integram, nos seguintes termos:
a. Factura n.º 900114906 composta por 2 páginas: Assunto: 2021/22 UEFA Club Monitoring Proceedings; 14-01-2022 - Notificação da UEFA; 19-01-2022 - Análise das Observações do UEFA CFCB First Instance Chamber. Análise do Settlement Agreement celebrado entre o Santa Clara e o Benfica. Elaboração e envio ao Appeal Chamber de Comentários às referidas observações; 25-012022 - Análise da Decisão da Câmara de Apelo hoje notificada. Discussão interna sobre diligências a adotar; 31-01-2022 Analysis of documents. Internal conferences. Emails with the Translator. Emails and conference calls with the client. Draft of the letter to UEFA and respective submission; 31-01-2022 Despesas Gerais 51,37; 31-01-2022 - Despesas com Traduções 57,20.
b. Factura n.º 900114910 composta por 3 páginas: Assuntos gerais; 04-01-2022 - Processo disciplinar ...: Análise da Acusação. Análise das normas relevantes do Código Mundial Antidopagem. Análise das normas relevantes da Lei Antidopagem. Análise de jurisprudência relevante. Contactos com especialistas em Medicina Desportiva. Início da elaboração da defesa escrita e requerimento probatório; 05-01-2022 - Deslocação a Leiria para reunião sobre a Final 4; 05-01-2022 - Continuação da elaboração da Defesa escrita e Requerimento Probatório (Processo Disciplinar ...); 06-01-2022 - Revisão de Defesa do Santa Clara; 06-01-2022 - Revisão da contestação para a AdoP. Conf. Tel. com .... 06-01-2022 - Revisão de minuta de defesa no âmbito do processo disciplinar movido contra o jogador CC; 07-01-2022 Conclusão e revisão final da defesa escrita (Processo de doping ...); 0701-2022 - Revisão da contestação para a AdoP e envio; 12-01-2022 - Troca de e-mails. Conferência telefónica com DD e com o EE. Assuntos diversos; 14-01-2022 - Participação na AG da Santa Clara SAD; 14-01-2022 - Análise de contrato de cessão de créditos com BHP Assets Management (Contrato FF); 16-01-2022 - Continuação da análise de contrato de cessão de créditos com BHP Assets Management (Contrato FF); 17-01-2022 - Análise de contrato de financiamento. Análise de pedido do Tribunal; 17-01-2022 - Continuação da análise de contrato de cessão de créditos com BHP Assets Management (Contrato FF); Conversações internas sobre modelo de cessão com / sem recurso e implicações no contrato; 18-01-2022 - Conferência telefónica ... e EE. participação na reunião do CA. Análise de documentos; 18-01-2022 - Conferência telefónica com AdOP e análise conjunta interna da resposta a dar à notificação da AdOP (Processo ...); 19-01-2022 - Revisão de contrato de financiamento; 19-01-2022 - Revisão de contrato de cessão de créditos com BHP Assets Management de acordo com novo modelo sem recurso; 21-012022 - Revisão de acta da AG. Envio de e-mail para os acionistas. Assinatura. Assuntos diversos; 24-01-2022 - Preparação de Compensation Agreement com o ...; 25-01-2022 - Preparação da Assembleia geral da SAD. Diversas conferências telefónicas com o Presidente da Mesa. Participação na Assembleia geralda SAD; 27-01-2022 - Envio de Compensation Agreement para os advogados do ...; 27-01-2022 - CONFIRMAR FVG - Reunião com Cliente sobre venda de parte do capital da Sociedade; 28-01-2022 - Assuntos diversos. Troca de e-mails e mensagens. Conf. tel. com o EE e com o GG. Troca de e-mails com o .... Assessoria ao CA e reunião do CA; 30-01-2022 – Conferência telefónica com o DD, troca de mensagens com o EE; 07-01-2022 - Despesas com Traduções 162,54 euros; 18-01-2022 - Despesas com Traduções 130,06.
c. Factura n.º 900116119 composta por 3 páginas: Avença de Fevereiro de 2022. Assuntos gerais; 04-02-2022 - Análise da Decisão Disciplinar deliberada pela Subcomissão do Colégio Disciplinar Antidopagem proferida no âmbito do processo movido contra ... 04-02-2022 - Assuntos diversos. Notificação da AdoP, e-mail para o cliente; 04-02-2022 - Análise da Decisão no Processo Disciplinar n.º 13/2021/CDA hoje notificado pela AdOP. Conferências internas; 04-02-2022 - Análise do documento remetido pelo AFC Botosani e remessa do mesmo para a UEFA. Análise de ofício da UEFA sobre novo processo relativo a violação das regras do break even. Conferências internas; 07-02-2022 - Troca de e-mails e verificação de documentos; 09-022022 -Troca de e mails e verificação de documentos. Análise dos grounds da decisão final da UEFA. Preparação e envio de resposta para a UEFA; 10-02-2022 - Envio de resposta para a UEFA e documentos; 14-02-2022 - Análise de dossier e assuntos pendentes; 16-02-2022 – Conferência telefónica com o ... e com o advogado do Santander. Conferência telefónica com HH e troca de e-mails assunto da AG; 16-02-2022 - Notificação da UEFA. Conferência telefónica e troca de e-mails com II; 17-02-2022 - Assuntos gerais Santander; 21-02-2022 - Envio de e-mail para a UEFA. Análise de documentos e traduções; 23-02-2022 - Assuntos diversos. Contactos com o cliente e com o Dr. HH. Conferência telefónica com HH. 31-01-2022 - Despesas com Traduções 30,00 euros; 10-022022 - Despesas com Traduções 413,08 euros; 17-02-2022 - Despesas com Traduções 50,00 euros; 21-02-2022 - Despesas com Traduções 35,00 euros.
d. Factura n.º 900117387 composta por 2 páginas: Avença de Março de 2022; Assuntos gerais; 04-03-2022 - Análise de assuntos pendentes. Conferência telefónica com .... Troca de mensagens com HH e com EE; 08-03-2022 - Análise da carta do Jogador e da consulta colocada pelo Cliente; comentários para consulta colocados pelo Cliente; 09-03-2022 - Email sobre a situação do JJ; 21-03-2022 - Participação na Assembleia Geral da SAD; 25-03-2022 - Assuntos diversos. Revisão de acta da AG e envio de e-mail.
e. Factura n.º 900120631 composta por 2 páginas: Avença de Maio 2022. Assuntos gerais; 02-05-2022 - Análise do assunto da UEFA; 03-05-2022 - Assuntos pendentes; 03-05-2022 - Análise do assunto da UEFA; 16-05-2022 - Preparação e envio de resposta para a UEFA; 20-05-2022 - Preparação e envio de e-mail sobre o processo na UEFA; 23-05-2022 - Verificação de assuntos pendentes; 27-05-2022 - Assembleia Geral; 28-05-2022 - Conferência telefónica com DD. Análise de contratos; 29-05-2022 - Revisão de contrato de empréstimo ao Sabah Football Club e carta. Conferência telefónica com DD; 30-05-2022 - Conferência telefónica com o Presidente da SAD.
f. Factura n.º 900122149 composta por 3 páginas: Avença de Junho 2022; Assuntos gerais; 02-06-2022 - Conferência telefónica com DD, análise de e-mail da FIFA e resposta; 11-06-2022 - Transferência do KK para o Fenerbahçe; 12-06-2022 - Transferência do KK para o Fenerbahçe; 13-06-2022 - Transferência do KK para o Fenerbahçe; 14-062022 - Troca de e-mails, carta para o Fenerbahçe e e-mail; 15-06-2022 - Carta para o Fenerbahçe. Preparação de acta da AG e lista de presenças. Diversas conferências telefónicas com DD. Troca de e-mails e Registo comercial; 17-06-2022 - Registo comercial. Resolução da questão da cópia certificada da acta e entrega da mesma; 18-06-2022 - Conversações com Colegas sobre certificação de ata para entrega na Liga; Elaboração de certificação e deslocação à Liga de Clubes para entrega; 18-06-2022 - Resolução da questão da cópia certificada da acta e entrega da mesma; 20-062022 - Assuntos diversos; 20-06-2022 - Certificação de Declarações do Gestor Executivo; 20-06-2022 - Deslocação e entrega de documentação autenticada à Liga Portuguesa de Futebol; 21-06-2022 - Assuntos diversos; 21-06-2022 - Assuntos diversos; 24-06-2022 - Assuntos gerais; 24-06-2022 - Revisão de acordo de revogação de CTD; 28-06-2022 - E-mail para o Fenerbahçe.
g. Factura n.º 900122150 composta por 2 páginas: Assunto: DRN Registos e Notariado; 15-06-2022 - Apresentação no Registo Comercial da renúncia do Fiscal Único e do seu Suplente; 15-06-2022 - Apresentação no Registo Comercial da designação de novo Fiscal Único e do seu Suplente; 21-06-2022 - Pedido de certidão permanente da sociedade SANTA CLARA AÇORES, FUTEBOL, SAD.
h. Factura n.º 900123619 composta por 3 páginas: Avença de Julho de 2022: Assuntos gerais. 01-07-2022 - Pequena nota sobre a incidência de IVA e momentos de faturação na transferência de jogador (LL) para o Fenerbahçe Futebol; 01-07-2022 - Assuntos diversos. Resposta a e-mails. Reconhecimento de assinaturas no acordo de revogação. Conferências telefónicas; 03-07-2022 - Estudo do assunto do empréstimo e direitos de formação. 04-07-2022 - Assuntos diversos. Questão do pagamento do Fenerbahçe. 05-07-2022 - E-mails do Fenerbahçe e do .... 06-07-2022 - E mails do Fenerbahçe e resposta. 08-07-2022 - E mails do Fenerbahçe e resposta. Análise da contratação do MM. Conferência telefónica com DD; 22-07-2022 Assembleia Geral e envio de e-mail para o ROC; 27-07-2022 - Conferência telefónica com Dra. NN sobre procedimentos a adotar no âmbito do processo de insolvência ...
i. Factura n.º 900123620 composta por 2 páginas: Assuntos: DRN Registos e Notariado; 01-07-2022 - Reconhecimento de assinatura de OO em Acordo de Revogação do Contrato de Trabalho Desportivo; 01-07-2022 - Reconhecimento de assinatura de dois membros do CA em Acordo de Revogação do Contrato de Trabalho Desportivo.
j. Factura n.º 900123621 composta por 2 páginas: Assuntos: FIFA - BB - AL SHABAB; 06-12-2021 - Notificação da FIFA; 10-01-2022 - Notificação da FIFA. E-mail para o cliente; 14-01-2022 - Notificação da FIFA e resposta; 28-02-2022 - Estudo do assunto, preparação e envio de pedido de suspensão do Al Shabab; 02-03-2022 - Notificação da FIFA e e-mail para o cliente.
k. Factura n.º 900123622 composta por 2 páginas: Assuntos: 2021/22 UEFA Club Monitoring Proceedings; 03-06-2022 E-mail do Orhan Simsek, análise do processo da UEFA e resposta.
5. Por cartas datadas de 9 de Agosto e 28 de Setembro de 2022, enviadas à Ré, a Autora instou a Ré a pagar-lhe o montante relativo às facturas acima elencadas.
5-A. Em 17.08.2021, o Santa Clara Açores - Futebol, Sad - celebrou com o ... um contrato de transferência do jogador PP nos termos do qual o ... se comprometeu a pagar ao Santa Clara Açores - Futebol, Sad -, a título de taxa de transferência, a quantia de € 2.500.000,00, que seria paga da seguinte forma:
- € 900.000,00 a pagar em ou antes de 26.08.2021;
- € 800.000,00 a pagar em ou antes de ........2022;
- € 800.000,00 a pagar em ou antes de 01.02.2023.
Nesse contrato, ficou, ainda, acordado, na cláusula 5ª, que, caso o Al Shabab atrasasse mais de 30 dias o pagamento de qualquer prestação da taxa de transferência, ficava sujeito ao pagamento de uma cláusula penal igual a 5% do montante do pagamento em atraso.
6. A Ré, através dos serviços da Autora, intentou o processo n.º FPSD-4295 (que correu termos na FIFA), com respeito ao recebimento do preço da transferência da venda do atleta BB para o clube adquirente Al Shabab.
7. No caso, já estava ultrapassado o prazo de pagamento de uma parcela do preço, preço esse que estava fraccionado em pagamento prestacional.
8. Mais concretamente, estava em discussão o pagamento da primeira parcela do preço no valor de €900.000,00, cuja liquidação devia ter ocorrido pelo clube comprador à Ré, até 26.08.2021, sendo que tal pagamento apenas viria a ocorrer em 03.08.2022.
9. No referido processo n.º FPSD-4295, a Autora não formulou o pedido de condenação na liquidação dos juros moratórios devidos, que ascendiam ao montante de €42.164,38.
10. No seguimento do processo referido em 6, a FIFA comunicou, em 06.12.2021, ao demandante Clube Santa Clara Açores e ao demandado Clube Al Shabab que o Secretariado-Geral da FIFA, em conformidade com o disposto no artigo 20º das regras processuais da FIFA (Procedural Rules Governing The Football Tribunal), propunha a resolução da questão nos seguintes termos:
O demandado, Al Shabab, pagará ao demandante, Santa Clara Açores:
- EUR 900,000, a título de taxa de transferência em dívida;
- EUR 45,000, a título de cláusula penal (“contractual penalty).
10-A. Na missiva a que se alude em 10, consta, ainda, além do mais, o seguinte:
Se ambas as partes aceitarem a proposta, será emitida uma carta de confirmação. A carta de confirmação será considerada uma decisão final e vinculativa nos termos do regulamento da FIFA.
10-B. Em 10.01.2022, a FIFA enviou ao demandante Clube Santa Clara Açores e ao demandado Clube Al Shabab uma carta de confirmação com o seguinte teor:
Referimo-nos à proposta apresentada pelo Secretariado-Geral da FIFA, em conformidade com o artigo 20º das regras processuais que regem o Tribunal do Futebol.
Dado que ambas as partes - explícita ou tacitamente - aceitaram a proposta, confirmamos que o que se segue constitui agora uma decisão final e vinculativa para todas as partes, nos termos dos Regulamentos da FIFA relativos ao estatuto e à transferência de jogadores.
Decisão (…idêntica à proposta):
O demandado, Al Shabab, pagará ao demandante, Santa Clara Açores:
- EUR 900,000, a título de taxa de transferência em dívida;
- EUR 45,000, a título de cláusula penal (“contractual penalty).
11. O clube adquirente Al Shabab voltou a violar a obrigação de pagamento da prestação seguinte.
12. Recorrendo a outra sociedade de advogados, a Ré conseguiu receber o montante que peticionou, incluindo a condenação no pagamento daqueles juros moratórios à taxa anual de 5%.
*
2. Quanto à segunda questão: Subsunção jurídica dos factos efetuada na sentença recorrida.
2.1. Da decisão de 10.01.2022 da FIFA.
A recorrente defende que a comunicação da FIFA datada de 06.12.2021 constitui uma proposta de acordo entre as partes e, por sua vez, a comunicação dessa mesma instância desportiva internacional datada de 10.01.2022 constitui uma homologação da transação proposta em 06.12.2021.
Não lhe assiste, porém, razão. Vejamos.
O artigo 20º das regras processuais da FIFA (Procedural Rules Governing The Football Tribunal) dispõe [tradução para português com recurso ao Deepl translator (www.deepl.com)], nos seus números 1 a 4, o seguinte:
1. Depois de determinar que a reclamação está completa, nos litígios sem factos ou questões jurídicas prima facie complexos, ou nos casos em que tal seja claramente jurisprudência estabelecida, o Secretariado-Geral da FIFA poderá apresentar uma proposta para finalizar a questão sem uma decisão emitida por uma câmara. Tal proposta não prejudica qualquer decisão futura emitida por uma câmara.
2. As partes deverão aceitar ou rejeitar a proposta dentro do prazo concedido pelo Secretariado-Geral da FIFA.
3. Considerar-se-á que a parte que não responder à proposta a aceitou.
4. Se uma proposta for aceite, será emitida uma carta de confirmação pelo secretariado-geral da FIFA. A carta de confirmação será considerada uma decisão final e vinculativa nos termos dos regulamentos relevantes da FIFA.
Confrontando os números 1 e 4 do citado artigo 20º, concluiu-se que a proposta, prevista no número 1, configura uma proposta de decisão, que, caso seja aceite, conduz à emissão de uma carta de confirmação que constituirá uma decisão final e vinculativa para as partes.
Isso mesmo resulta também da análise conjugada das missivas de 06.12.2021 e de 10.02.2022, uma vez que, desta última, consta expressamente:
- “Decisão (… igual à proposta)”, ou seja, igual à proposta apresentada na missiva de 06.12.2021;
- “(…) confirmamos que o que se segue constitui agora uma decisão final e vinculativa para todas as partes, nos termos dos Regulamentos da FIFA relativos ao estatuto e à transferência de jogadores”.
Temos, assim, que a missiva de 06.12.2021 constituiu uma proposta de decisão, que, por ter sido aceite - explícita ou tacitamente -, se converteu numa decisão final e vinculativa para as partes.
Dir-se-á, ainda, que a missiva de 06.12.2021 nunca poderia ser encarada como proposta de transação, como defende a recorrente, uma vez que a transação é - diz-nos o artigo 1248.º, n.º 1, do Código Civil - “um contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante reciprocas concessões”.
Ora, na proposta de 06.12.2021 não estão contempladas reciprocas concessões entre as partes. Ao invés, essa proposta limitou-se a acolher, nos seus precisos termos, a pretensão deduzida no processo a que se alude no ponto 6 da factualidade provada pelo demandante Clube Santa Clara Açores.
Cumpre, também, referir que, como resulta do acima citado preceito legal, é intrínseco à natureza da transação o ato volitivo das partes, o que não ocorre na proposta em causa, uma vez que a mesma foi apresentada pelo Secretariado-Geral da FIFA, não resultando de qualquer negociação entre as partes.
Por fim, a aceitar-se a tese da recorrente, ou seja, que a decisão de 10.02.2022 configura uma homologação da proposta de transação (apresentada, na versão da recorrente, na missiva de 06.12.2021), sempre se teria de ter presente, contrariando o que a propósito vem alegado pela recorrente, que uma decisão/sentença homologatória de transação constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma decisão de mérito, equiparada à que julga aplicando os factos ao direito - cfr. artigo 290º, nº 3, do Código de Processo Civil -, sendo dotada de eficácia de caso julgado, na medida em que, por ela, é o réu condenado ou absolvido nos precisos termos do ato dispositivo celebrado (cfr., entre outros, acórdão da Relação de Lisboa de 17.03.2015 - relatora Teresa Albuquerque -, disponível em www.dgsi.pt).
Argumenta, ainda, a recorrente que a recorrida tinha o direito e o poder de rejeitar a proposta de transação apresentada (que, como dissemos, representava, não uma proposta de transação, mas, sim, uma proposta de decisão) se considerava que a mesma devia contemplar juros de mora, o que não fez.
Tal argumento não colhe.
De facto, a recorrente parece ignorar que a recorrida, para intentar o processo a que se alude no ponto 6 da factualidade provada na sentença recorrida, contratou os serviços de uma sociedade de advogados, a recorrente.
A recorrente, enquanto profissional especialista em matéria jurídica, o que não é o caso da recorrida, encontrava-se naturalmente habilitada a entender o verdadeiro sentido e alcance da proposta constante da missiva de 06.12.2021, cabendo-lhe, no exercício das suas funções de patrocínio e representação judiciária da recorrida, além do mais:
- O dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente (cfr. artigo 97º, nº 2, do Estatuto da Ordem dos Advogados);
- Dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca, assim como prestar, sempre que lhe for solicitado, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas (cfr. artigo 100.º, nº 1, alínea a), do Estatuto da Ordem dos Advogados).
Acresce que a proposta de decisão constante da missiva de 06.12.2021 acolheu a pretensão da recorrida nos precisos termos em que a mesma foi deduzida pela recorrente, no exercício do mandato que lhe foi conferido pela primeira.
Logo, inexistia qualquer fundamento para a rejeição de tal proposta.
2.2. Da cumulação da cláusula penal com os juros de mora.
Impõe-se, previamente, saber se a invocada, em sede de alegações de recurso, inviabilidade de cumulação da cláusula penal com os juros moratórios constitui, como defendido pela recorrida, uma questão nova, que, por isso, este tribunal está impedido de apreciar.
A figura do recurso exige, por definição, uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido. Só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido.
Escreve a propósito Abrantes Geraldes, em “Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., pág. 119”, que “a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas”.
A única exceção a esta regra, como bem se compreende, são as questões de conhecimento oficioso, das quais o Tribunal tem a obrigação de conhecer, mesmo perante o silêncio das partes.
No que respeita a saber quais sejam as questões a apreciar, importa atentar na configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as exceções invocadas.
Assim, as questões serão apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão jurídica que se visa obter. Não serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes - cfr. acórdãos do STJ de 07.04.2005 - relator Salvador da Costa - e de 14.04.2005 - relator Ferreira de Sousa -, disponíveis em www.dgsi.pt.
Portanto, apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum” constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa.
As questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se, como acima se referiu, com os pedidos formulados, com a causa de pedir e com as exceções invocadas.
Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que, repete-se, não constituem questões, sendo que o dever de pronúncia a que o juiz está adstrito não abrange os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, desde logo por o juiz não estar sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito - cfr. artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Aplicando, agora, estes princípios ao caso em apreço, temos que, quanto à matéria da reconvenção deduzida pela recorrida, constituem questões: o pedido formulado, a causa de pedir e as exceções deduzidas pela reconvinda, aqui recorrente.
A título de exceção, a reconvinda alegou que, no processo a que se alude no ponto 6 da factualidade provada enunciada na sentença recorrida intentado junto da FIFA na sequência do incumprimento da primeira prestação da taxa de transferência prevista no contrato celebrado, em 17.08.2021, entre a reconvinte e o ..., não reclamou juros moratórios por decisão da administração da reconvinte.
Essa é (foi) a questão.
O alegado, em sede de recurso, a propósito da inviabilidade de cumulação da cláusula penal com os juros de mora é um argumento jurídico.
É de frisar que, questionando a recorrente, no recurso, o juízo de probabilidade feito na sentença recorrida quanto ao êxito de obtenção dos juros moratórios, juntamente com a cláusula penal, ainda que o acima referido argumento aduzido em sede de alegações não tivesse sido suscitado, sempre se imporia a este tribunal, para apreciar da correção do juízo de probabilidade firmado na sentença recorrida, recorrer à jurisprudência com o objetivo de aferir da admissibilidade da cumulação de uma cláusula penal com os juros de mora.
Com efeito, estando em causa, na reconvenção, o dano resultante da perda de chance processual, tal dano só releva se se tratar de uma chance consistente, designadamente se se puder concluir, “com elevado grau de probabilidade ou de verosimilhança”, que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida e para determinar essa probabilidade de êxito na obtenção de tal benefício o tribunal que julga a indemnização deverá realizar um “julgamento dentro do julgamento” (cfr. acórdão do STJ de 05.05.2020 - relator António Magalhães -, disponível em www.dgsi.pt), atendendo às circunstâncias do caso concreto e à jurisprudência seguida na matéria.
Dito isto, importa determinar a natureza da cláusula penal fixada no contrato de transferência celebrado, em 17.08.2021, entre o Santa Clara Açores - Futebol, Sad - e o ...
Nos termos do artigo 810.º, nº1, do Código Civil “As partes podem (…) fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal”.
Apesar da definição legal, está hoje ultrapassada a tese da dupla função e natureza mista da cláusula penal, aceitando-se pacificamente a existência de várias penas convencionais, consoante a finalidade visada pelas partes e cada uma delas com a sua específica função.
Podem, assim, as partes, além do mais, estipular:
- Uma cláusula de simples fixação antecipada do montante indemnizatório - a prevista no artigo 810.º, n.º 1;
- Uma cláusula penal de índole exclusivamente compulsória, cujo escopo não é já estabelecer a indemnização devida ao contraente fiel em consequência do inadimplemento da contraparte, mas, antes, forçar o cumprimento através da ameaça de uma pena que acresce à execução específica (ao cumprimento) ou à indemnização a que houver lugar.
Na cláusula penal de natureza compulsória a finalidade das partes é a de pressionar o devedor a cumprir, e já não a de substituir a indemnização (cfr., entre outros, acórdão do STJ de 30.11.2023 - relator Nuno Ataíde das Neves -, disponível em www.dgsi.pt).
Como se lê no acórdão do STJ de 19.06.2018 (relator Fonseca Ramos), disponível em www.dgsi.pt, a “especificidade desta cláusula traduz-se no facto de ela ser acordada como um plus, como algo que acresce à execução específica da prestação ou à indemnização pelo não cumprimento”.
Isso mesmo explica Pinto Monteiro, em “Cláusula Penal e Indemnização”, Almedina, 1990, pp. 605 e ss., págs. 604 e 605, ao referir que “esta pena não é convencionada como reparação pelo dano do incumprimento, ela é estritamente compulsória exactamente porque não se destina a substituir o cumprimento da prestação ou a indemnização pelo não cumprimento (…) assim , não cumprindo o devedor sponte sua, o facto de a pena acrescer à execução especifica ou à indemnização pelo inadimplemento não conduz a uma situação de cúmulo, pois o interesse que o credor satisfaz, por qualquer destas vias, não coincide nem absorve o que o levara a estipular a pena”.
No caso, está provado que:
- Em 17.08.2021, o Santa Clara Açores - Futebol, Sad - celebrou com o ... um contrato de transferência do jogador PP nos termos do qual o ... se comprometeu a pagar ao Santa Clara Açores - Futebol, Sad -, a título de taxa de transferência, a quantia de € 2.500.000,00, que seria paga da seguinte forma:
. € 900.000,00 a pagar em ou antes de 26.08.2021;
. € 800.000,00 a pagar em ou antes de ........2022;
. € 800.000,00 a pagar em ou antes de 01.02.2023.
- Nesse contrato, ficou, ainda, acordado, na cláusula 5ª, que, caso o Al Shabab atrasasse mais de 30 dias o pagamento de qualquer prestação da taxa de transferência, ficava sujeito ao pagamento de uma cláusula penal igual a 5% do montante do pagamento em atraso.
Tendo presente os ensinamentos jurisprudenciais e doutrinais anteriormente expostos, não há dúvidas que a pena estabelecida na cláusula 5ª do referido contrato de transferência tem uma natureza nitidamente compulsória, destinando-se a compelir o demandado ... ao pontual cumprimento do programa contratual delineado pelas partes.
Note-se que, quanto ao montante da cláusula penal (5% do valor da prestação em falta), as partes previram e aceitaram que esse montante fosse devido para além da quantia (da prestação da taxa de transferência) que à data se encontrasse em dívida.
Essa circunstância - a pena não excluir nem substituir o valor correspondente ao cumprimento omitido, mas acrescer ao mesmo - é um indício forte de que as partes pretenderam que a pena funcionasse como pressão para o cumprimento.
Além disso, tendo ficado estipulado que o pagamento do preço da transferência, no valor de € 2.500.000,00, se faria em 3 prestações (a primeira no valor de € 900.000,00 e as duas restantes no valor de € 800.000,00 cada uma), a referida pena foi convencionada para qualquer incumprimento do pagamento nos prazos fixados, fosse da 1ª, fosse da 2ª, fosse da 3ª prestação.
Ora, não faria sentido, estando em causa prestações nos valores de € 900.000,00, € 800.000,00 e € 800.000,00, que o credor aceitasse a fixação de uma cláusula penal indemnizatória ou de liquidação prévia do dano decorrente do não pagamento nos prazos fixados de qualquer uma das referidas prestações no valor de apenas € 45.000,00 (no caso da primeira prestação) ou de € 40.000,00 (no caso das duas outras prestações), o que reforça a conclusão a que chegamos no sentido de se estar perante uma cláusula penal compulsória.
Firmada a antecedente conclusão, importa recuperar a seguinte factualidade que resultou provada:
- A Ré, através dos serviços da Autora, intentou o processo n.º FPSD-4295 (que correu termos na FIFA), com respeito ao recebimento do preço da transferência da venda do atleta BB para o clube adquirente Al Shabab;
- Estava em discussão o pagamento da primeira parcela do preço no valor de €900.000,00, cuja liquidação devia ter ocorrido pelo clube comprador à Ré, até 26.08.2021, sendo que tal pagamento apenas viria a ocorrer em 03.08.2022;
- No referido processo n.º FPSD-4295, a Autora não formulou o pedido de condenação na liquidação dos juros moratórios devidos, que ascendiam ao montante de €42.164,38;
- Após a missiva de 06.12.2021, a que se alude no ponto 10 da factualidade provada enunciada em IV-B, ponto 1, a FIFA comunicou, em 10.01.2022, ao demandante Clube Santa Clara Açores e ao demandado Clube Al Shabab que, tendo ambas as partes - explícita ou tacitamente - aceite a proposta de 06.12.2021, o que se seguia constituía agora uma decisão final e vinculativa para todas as partes, nos termos dos Regulamentos da FIFA relativos ao estatuto e à transferência de jogadores.
Decisão (…idêntica à proposta):
O demandado, Al Shabab, pagará ao demandante, Santa Clara Açores:
- EUR 900,000, a título de taxa de transferência em dívida;
- EUR 45,000, a título de cláusula penal (“contractual penalty).
A recorrente defende que, caso os juros moratórios tivessem sido peticionados, não se pode asseverar com inabalável certeza de que o êxito, nessa parte (pagamento de juros moratórios), seria atingido plenamente, na medida em que existe, na instância desportiva em causa, entendimento de que não poderá existir cumulação entre a quantia pedida a título de clausula penal e juros de mora a não ser que o pagamento de juros esteja previsto contratualmente, o que não sucedia no caso.
A recorrida, por sua vez, defende, nas contra-alegações, que “é esmagador o entendimento da instância FIFA quanto à admissibilidade da coexistência entre a cláusula penal e os juros moratórios”.
Que dizer?
Tratando-se de uma cláusula penal compulsória - a que foi estabelecida na cláusula 5ª do contrato de transferência celebrado, em 17.08.2021, entre o Santa Clara Açores - Futebol, Sad - e o ... -, a mesma encontra-se excluída do âmbito de aplicação do artigo 811.º do Código Civil, disposição legal reservada às cláusulas penais de fixação antecipada de indemnização.
Consequentemente, pode cumular-se licitamente essa cláusula com a exigência do pagamento da quantia em dívida e juros de mora, certo que o argumento de que tais juros só são exigíveis se estiverem previstos no contrato não é correto, porquanto a indemnização correspondente aos juros de mora decorre da lei [no nosso ordenamento jurídico, nas obrigações pecuniárias, incorrendo o devedor em mora, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora, tal como determina o artigo 806°, nºs 1 e 2, do Código Civil; na legislação Suíça (aplicável aos litígios que correm termos no Tribunal do Futebol da FIFA) a solução é a mesma, como resulta do artigo 104.º, nº 1, do Código Civil Suíço, o qual dispõe que “O devedor inadimplente no pagamento de uma dívida pecuniária deverá pagar juros de mora de 5% ao ano, mesmo que tenha estipulado contratualmente uma taxa de juros menor” (tradução em português com recurso ao Deepl translator - www.deepl.com -].
Tal entendimento - licitude da cumulação de uma cláusula penal compulsória com a exigência do pagamento da quantia em dívida e juros de mora - é, ao que cremos, unânime na jurisprudência nacional (cfr., entre outros, acórdão do STJ de 09.10.2003 - relator Neves Ribeiro -, acórdão da Relação do Porto de 09.11.2020 - relatora Fernanda Almeida - e os acórdãos da Relação de Coimbra de 15.12.2016 - relatora Maria João Areias - e de 12.09.2017 - relatora Maria Domingas Simões -, disponíveis em www.dgsi.pt).
Quanto à jurisprudência da instância desportiva internacional (FIFA), analisadas as decisões dessa instância citadas pela recorrente, nas alegações, e pela recorrida, nas contra-alegações, em nota de rodapé, verifica-se que:
1. Nas decisões [traduzidas para português com recurso ao Deepl translator (www.deepl.com)] de 30.01.2012 (decisão do juiz singular do Comité do Estatuto dos Jogadores), disponível em http://goldengate-law.com//pdf/fifa/fifa_psc_3122555.pdf, e de 09.04.2019 (Arbitragem CAS 2018/A/5737), disponível em https://jurisprudence.tas-cas.org, citadas pela recorrente, em que foi negada a cumulação da cláusula penal com juros moratórios, estavam em causa cláusulas penais moratórias, como decorre, no que respeita à primeira decisão, do teor do ponto II, nº 13, onde se lê “…uma sanção por atraso de pagamento não pode ser pedida juntamente com juros de mora..”, e, no que respeita à segunda decisão, do teor, entre outros, do ponto II-B, número 13, onde se lê “ 15. (…) uma indemnização ou penalização por atraso de pagamento não pode ser pedida juntamente com juros de mora, uma vez que ambos os pedidos são de natureza punitiva e visam compensar o credor pelo atraso de pagamento”.
2. Na decisão [traduzida para português com recurso ao Deepl translator (www.deepl.com)] de 09.01.2025 (Arbitragem CAS 2014/A/3664), também citada pela recorrente, disponível em https://jurisprudence.tas-cas.org, a cláusula penal fixada no contrato em causa foi considerada como sendo uma cláusula penal compulsória (cfr. pontos II-B, número 12, e VIII, número 69). Todavia, lendo-se essa decisão, não se pode concluir, com segurança, que ela aponta para a impossibilidade da cumulação da cláusula penal com os juros de mora, uma vez que aí se afirma que “em princípio” “não podem ser atribuídos juros de mora para além de uma sanção contratual”, o que significa que essa cumulação não está, de todo, afastada, dependendo das circunstâncias do caso, nomeadamente, como ocorria na situação em apreço, quando a atribuição dos juros de mora se encontra contratualmente fixada.
3. Na decisão [traduzida para português com recurso ao Deepl translator (www.deepl.com)] de 30.03.2020 (Arbitragem CAS 2019/A/6568), disponível em https://jurisprudence.tas-cas.org, citada pela recorrida, lê-se, no ponto IX-C, números 62 a 64, o seguinte:
“62. (…) no presente recurso, não se trata de saber se são devidos juros sobre a sanção (como foi inicialmente solicitado pelo Estoril no processo FIFA e, como tal, rejeitado pelo Juiz Singular), mas se podem ser atribuídos juros sobre o montante inicial de EUR 350.000,00, para além da sanção pecuniária compulsória de EUR 35.000,00, como foi decidido pelo Juiz Singular na decisão recorrida.
Este facto é agora contestado pelo Bursaspor no presente recurso, uma vez que alega que “não serão devidos juros sobre o montante principal uma vez acionada a cláusula penal”. O Árbitro Único, contudo, não concorda com o Bursaspor.
63. O Árbitro Único deseja sublinhar que nada impede um órgão adjudicatório de atribuir tanto juros como uma taxa de penalização, como também está claramente estabelecido na jurisprudência do CAS (ver, inter alia, CAS 2014/A/3664). A este respeito, o Árbitro Único concorda com o Estoril que existe efetivamente uma diferença concetual entre uma sanção e juros. Os juros, por um lado, apenas compensam o credor pelo atraso de pagamento do devedor e pelas perdas financeiras (juros) do credor como resultado de o privar de pagamentos a que tem direito (CAS 2015/A/3909). As cláusulas penais, por outro lado, são disposições contratuais que as partes podem utilizar para impor sanções mútuas no caso de uma delas violar uma obrigação contratual. De facto, a sanção tem por objetivo pressionar o devedor a fim de favorecer o cumprimento in terrorem sob a ameaça de ter de pagar uma sanção (…).
64. Para além disso, o Árbitro Único também concorda com o Estoril que, se não forem aplicáveis juros e não puderem ser atribuídos se a sanção já for devida, e portanto não cumulativamente, tal não incentivaria a parte infratora a efetuar o pagamento do montante inicial”. 4. Na decisão [traduzida para português com recurso ao Deepl translator (www.deepl.com)] de 28.06.2021 (Arbitragem CAS 2020/A/6809), disponível em https://jurisprudence.tas-cas.org, citada pela recorrida, lê-se, nos pontos IX-D, números 172 e 176, o seguinte:
“172. O Painel deseja salientar que o Acordo de Transferência, tal como acima explicado, estabelece claramente que o montante da transferência pendente, a taxa de juro e o montante da penalização podem ser atribuídos complementarmente e, por conseguinte, nada impede que um órgão adjudicatório atribua tanto a penalização como a taxa de juro. O Painel não considera, como alegado pelo Mineiro, essa taxa de juro como uma multa ou uma sanção para o hipotético incumprimento de pagamento que teria constituído uma segunda sanção para além do montante da sanção especial. Deve ser meramente considerada como uma taxa de juro simples a aplicar em caso de falta de pagamento para compensar o QQ pelas perdas financeiras resultantes do facto de privar o clube, devido ao atraso nos pagamentos, de receber a taxa de transferência acordada pelas Partes;
176. Por último, o Painel considera que a decisão recorrida está correta ao estabelecer que a taxa de juro é aplicável apenas ao montante da transferência em dívida e não à penalidade (…). De qualquer modo, a QQ não solicitou no seu documento de recurso o pagamento de juros de mora sobre o montante da sanção pecuniária compulsória, o que impediria, de qualquer modo, o Painel de conceder esses juros”.
Em resumo, da análise das acima referidas decisões não resulta que a jurisprudência da instância desportiva internacional (FIFA) aponte, inequívoca e unanimemente, no sentido da inviabilidade da cumulação de uma cláusula penal compulsória com os juros de mora, nem que essa cumulação só seja admitida, naquela instância, desde que o pagamento de juros de mora esteja previsto contratualmente, atendendo ao que dispõe, à semelhança do nosso artigo 806°, nºs 1 e 2, do Código Civil, o artigo 104.º, nº 1, do Código Civil Suíço.
Ao invés, como abaixo se explicará, quando se passar a analisar a decisão proferida pela FIFA no segundo processo intentado na sequência do não pagamento da segunda prestação da taxa de transferência, somos levados a crer que a jurisprudência da referida instância desportiva internacional não impede essa cumulação.
Seja como for, no caso concreto, a factualidade provada enunciada na sentença recorrida sob os pontos 11 e 12 autoriza-nos a concluir que foi correto o juízo de probabilidade feito nessa sentença quanto ao êxito de obtenção dos juros moratórios, juntamente com a cláusula penal.
Com efeito, resultou provado que:
11. O clube adquirente Al Shabab voltou a violar a obrigação de pagamento da prestação seguinte.
12. Recorrendo a outra sociedade de advogados, a Ré conseguiu receber o montante que peticionou, incluindo a condenação no pagamento daqueles juros moratórios à taxa anual de 5%.
Concordamos, por isso, com a seguinte argumentação expendida na sentença recorrida:
- (…) cremos ser possível intuir, com larga a certeza se, caso a Autora tivesse peticionado os juros moratórios, a Ré os receberia (…). Veja-se o que sucedeu na acção posteriormente proposta (facto 12).
- Neste caso concreto, a oportunidade perdida é amplamente credível, isto é, é possível configurar a hipótese, não fosse o acto ilícito, da FIFA condenar o clube relapso no pagamento dos juros moratórios.
- (…) afigura-se adequado, tendo em conta o elevado grau de possibilidade de procedência do pedido de pagamento de juros moratórios, fixar-se em 90% o grau de probabilidade de a Ré ter obtido ganho de causa nesse segmento.
A acrescer ao que se acabou de expor e regressando à jurisprudência da instância desportiva internacional a respeito da cumulação da cláusula penal compulsória com os juros de mora, importa ter presente que, no segundo processo intentado contra o clube adquirente Al Shabab por violação da obrigação de pagamento da 2ª prestação da taxa de transferência, a decisão final proferida pela FIFA foi precedida, tal como tinha acontecido no primeiro processo, de uma proposta (para resolução da questão) de decisão apresentada pelo Secretariado-Geral em conformidade com o disposto no artigo 20.º das regras processuais da FIFA (Procedural Rules Governing The Football Tribunal).
De acordo com número 1 do citado artigo 20.º [traduzido para português com recurso ao Deepl translator (www.deepl.com)], a referida proposta de decisão é apresentada, depois de se determinar que o pedido está completo:
- Nos casos em que não existam factos ou questões jurídicas “prima facie” complexos;
- Nos casos em que tal seja claramente jurisprudência estabelecida.
Pois bem, se no segundo processo, em que foram peticionados juros de mora, juntamente com cláusula penal, o litígio terminou com uma decisão final e vinculativa adotada em conformidade com o aludido artigo 20.º, decisão essa que acolheu essa pretensão, pode afirmar-se que tal ocorreu porque a jurisprudência estabelecida da instância desportiva internacional não impede a cumulação da cláusula penal compulsória com os juros de mora.
Como tal, se essa cumulação foi admitida nesse segundo processo, com toda a probabilidade (num grau que a sentença recorrida fixou em 90%, que entendemos ser, face ao anteriormente expendido, correto) o mesmo teria sucedido, caso o pedido de condenação no pagamento de juros de mora tivesse sido deduzido, no primeiro processo.
*
Em conclusão, improcedendo todas as questões suscitadas na apelação da recorrente (sublinhando-se que, apesar de ter sido acolhida - não inteiramente nos termos pretendidos - a alteração da redação do facto enunciado sob o ponto 10 da factualidade provada descrita na sentença recorrida, não foi alcançado o efeito jurídico pretendido pela recorrente com essa alteração), impõe-se confirmar a decisão recorrida.
A recorrente, porque vencida na relação jurídico-processual recursiva, suportará o encargo do pagamento das custas do recurso - cfr. artigos 527.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
*
V - DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem este coletivo da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso improcedente, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 10 de julho de 2025,
Vítor Ribeiro
Carla Matos
Amélia Puna Loupo