Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
454/2006-7
Relator: ARNALDO SILVA
Descritores: ORDEM PÚBLICA
REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
PODER PATERNAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/03/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: CONCEDIDA A REVISAO
Sumário: A decisão que homologa a delegação do poder paternal dos pais da menor a favor de sues tios não conduz a resultado que seja manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português e, portanto, deve ser revista e confirmada (artigos 1094º e 1096º, alínea f) do Código de Processo Civil).

(SC)
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
Acordam os juízes, em conferência, na 7.ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
1. A, casada  requereu contra B e C, residentes em […] Cabo Verde, revisão e confirmação de sentença proferida em 07-06-2005 pelo Tribunal Judicial da Comarca de Santa Cruz, Cabo Verde, que homologou a delegação dos poderes paternais dos pais da menor D filha de B e C.

Os requeridos foram citados e não deduziram oposição.

Ninguém alegou.

Cumpre decidir.
*
II. Fundamentos:

A) De facto:
Estão provados os seguintes factos:
1. A menor D nasceu em 24-06-1997, em Cabo Verde, e é filha de B e C.

2. Os pais da menor são naturais da freguesia de […] e residem […] Cabo Verde.

3. A menor vive em Portugal com os tios A e marido, ele português e ela de nacionalidade cabo-verdiana, e ora requerente.

4. Por sentença judicial de 07-06-2005, proferida pelo Tribunal Judicial […] Cabo Verde, foi homologado a delegação dos poderes paternais dos pais da menor D, B e C, a favor dos tios da menor A e marido, nos termos dos art.ºs 1863º e segs. do Cód. Civil de Cabo Verde.
*
B) De direito:

1. A delegação de poderes:

Reconhecer uma sentença estrangeira é assegurar a continuidade e estabilidade das situações jurídico-privadas (1) internacionais, a fim de que os direitos adquiridos e as expectativas dos interessados não sejam ofendidos. Trata-se, pois, de uma justiça formal, própria do DIP (Direito Internacional Privado), embora em certos casos excepcionais, possam estar igualmente presentes preocupações de justiça material (2). Em Portugal, fora o caso do reconhecimento ispo jure, reconhecimento automático, independentemente de qualquer formalidade, por força ressalva quanto aos tratados prevista no art.º 1094º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, o sistema de revisão é misto. É um sistema que contempla uma revisão formal ou de delibação (regime de princípio) (3) e uma revisão de mérito. Na revisão formal ou de delibação o tribunal português não aprecia o mérito da causa. Esta revisão está patente no art.º 1096º do Cód. Proc. Civil. Segundo este artigo, os requisitos entre nós exigidas para a confirmação de uma sentença estrangeira sobre direitos privados não respeitam senão à regularidade da decisão e do processo de que ela constitui o último termo (4). A revisão de mérito está prevista entre os fundamentos da impugnação do pedido (5) (n.º 2 do art.º 1100º do Cód. Proc. Civil) e na al. c) do art.º 771º do Cód. Proc. Civil ex vi art.º 1100º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil.

Depois de revista, confirmar uma sentença estrangeira é reconhecer-lhe, no Estado do foro, os efeitos que lhe cabem no Estado de origem, como acto jurisdicional, segundo a lei desse Estado (6).

De entre os requisitos cumulativos necessários (7) para a que uma sentença estrangeira sobre direitos privados seja confirmada em Portugal, está este: « que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português ». O conceito de ordem pública internacional difere do de ordem pública interna (8). Esta restringe a liberdade individual. Aquele limita a aplicabilidade das leis estrangeiras. Por isso, a ordem pública internacional é uma excepção ou limite à aplicação de uma norma de direito estrangeiro, fundada no interesse do Estado local (lex fori). Uma lei de ordem pública interna deve sempre ser aplicada pelo juiz do Estado local, ao passo que uma lei de ordem pública internacional tem a sua aplicação dependente de uma regra de conflitos local lhe atribuir ou não competência, podendo, portanto, ser aplicada ela ou uma lei estrangeira. Assim, nos Estados que admitem o princípio locus regit actum, a lei reguladora da forma externa dos actos é uma lei de ordem interna, mas nos Estados que proíbem a poligamia, a lei que impede um segundo casamento sem que o primeiro tenha sido dissolvido, é uma lei de ordem pública internacional (9). « O conteúdo da noção de ordem pública internacional é forçosamente impreciso e vago. Ordem pública internacional é um conceito indeterminado (10), um conceito que não pode ser definido pelo seu conteúdo, mas só pela sua função: como expediente que permite evitar que situações jurídicas dependentes de um direito estrangeiro e incompatíveis com os postulados basilares de um direito nacional venham inserir-se na ordem sócio-jurídica do Estado do foro e fiquem a poluí-la (11) ». Apesar de não existir até hoje uma fórmula precisa, nítida e infalível do conceito de ordem pública, e até talvez isso seja impossível, pelo menos no actual estado da ciência do direito internacional privado, na maioria dos casos, é possível, com grande aproximação, delimitar a ordem pública internacional através da síntese de vários critérios gerais de orientação que têm sido avançados com vista a fixar o conteúdo da ordem pública internacional (12). E então, dentro desta linha de orientação, e com vista a orientar o juiz para determinar se a lex fori deve ou não ser considerada de ordem pública internacional, pode dizer-se que são de ordem pública internacional as leis relativas à existência do Estado e essencialmente divergentes (divergência profunda) da lei estrangeira normalmente competente para regular a respectiva relação jurídica, devem ser leis rigorosamente imperativas que consagram interesses superiores do Estado. E os interesses que estão aqui em causa são os princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa. Mas porque estas características também convêm às leis de ordem pública interna, e nem todas as normas de ordem pública interna são normas de ordem pública internacional (13), para que possa intervir a excepção de ordem pública internacional será necessário que as disposições da lex fori essencialmente divergentes da lei estrangeira normalmente aplicável sejam fundadas em razões de ordem económica, ético-religiosa ou política. E isto não é uma definição, repete-se, mas apenas um critério de orientação para o juiz, e com valor aproximativo (14). Assim, por exemplo, são leis de ordem pública internacional a expropriação sem indemnização (confisco), as leis que proíbem a poligamia e que impedem um segundo casamento sem que o primeiro tenha sido dissolvido (editada por razões morais), e também teria de intervir a reserva de ordem pública internacional se a aplicação do direito estrangeiro atropelasse grosseiramente a concepção de justiça material como o Estado do foro a entende, abalando os próprios fundamentos da ordem jurídica interna, pondo em causa interesses da maior transcendência e dignidade, que choquem a consciência, como seria o caso de lei estrangeira que admitisse a morte civil ou a escravidão, ou como foi o caso das leis que, na Alemanha nazi, negavam aos judeus direitos fundamentais (ditadas por razões políticas, de polícia ou de economia política), ou a norma estrangeira que estabelecesse como impedimento à celebração do casamento a diversidade de raça ou de religião, ou  repúdio de um marido muçulmano de uma esposa portuguesa, sem que esta tenha prestado o seu consentimento (15). Mas já não é uma lei de ordem pública internacional, mas de ordem pública interna, a lei que exige a forma escrita para o contrato de arrendamento urbano (art.º 7º do R.A.U.) que, de acordo com o princípio locus regit actum admitido pelo nosso direito (16), só interessa aos arrendamentos celebrados em Portugal, e cujo fim a que obedeceu a dita norma em nada é comprometido ou atraiçoado pelo facto de em Portugal ser reconhecido como válido um arrendamento urbano celebrado verbalmente (17). Estão fora do âmbito da ordem pública internacional as leis políticas, as leis penais, as leis de polícia e de segurança, e todas as leis de direito público, visto que as leis de ordem pública internacional que interessam ao direito internacional privado, não podem deixar de ser o direito privado (civil ou comercial) do país do tribunal onde a questão se coloca, porque o recurso ao conceito de ordem pública internacional significa precisamente que se está em presença de um caso de competência normal da lei estrangeira designada pelo DIP da lex fori (18). Resta aditar, ao que vem dito, que são características da ordem pública internacional, para além da feição nacional __ as exigências da ordem pública internacional variam de Estado para Estado, segundo os conceitos dominantes em cada um deles (19) __ a excepcionalidade, a imprecisão e actualidade. A excepcionalidade e a imprecisão já resultam do que ficou dito, as leis de ordem pública internacional são um limite à aplicação da lei normalmente competente para regular as relações jurídicas, consistindo a sua função em desviar a aplicação dessa lei, substituindo-a pela lex fori, a imprecisão da sua noção é um mal sem remédio, e a sua actualidade ou mobilidade, mostra que as leis de ordem pública internacional têm um cunho nacional, são função das de concepções no tempo e no espaço do País onde a questão se põe, hão-de vigorar na ocasião do julgamento, e podem deixar de o ser e vice-versa, visto que podem variar de acordo com a variação das exigências do interesse geral (20).

Obtido assim um critério de orientação para o juiz, mas não uma definição, repete-se, do que seja a ordem pública internacional, a excepção de ordem pública internacional ou reserva de ordem pública, implícita em toda a remissão que o DIP opera para os direitos estrangeiros, visa impedir que a aplicação de uma norma estrangeira, pela via indirecta da execução de sentença estrangeira, conduza, no caso concreto, a um resultado intolerável. O domínio operacional desta excepção ou reserva de ordem pública situa-se ao nível dos casos concretos sub judice e não comporta qualquer juízo de desvalor sobre a própria norma estrangeira cuja aplicação é recusada, nem muito menos, sobre o ordenamento jurídico estrangeiro. Toda a acção preclusiva da ordem pública internacional incide directa e unicamente sobre os efeitos jurídicos que, para o caso, defluem da lei estrangeira e não sobre a lei em si (21). Não é, portanto, a decisão propriamente que conta, nem os seus fundamentos, mas o resultado a que conduziria o seu reconhecimento. A decisão pode apoiar-se numa norma que, considerada em abstracto, pode contrariar a ordem pública internacional do Estado Português, mas cuja aplicação concreta o não seja. E, ao invés, pode a lei em que se apoiou a decisão não ofender, em abstracto, a ordem pública internacional do Estado Português, mas a sua aplicação concreta assentar em motivos inaceitáveis (22). E o que está aqui em causa são, repete-se, os princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa (23).

À luz do que vem dito, vejamos.

A Constituição refere os direitos e deveres dos pais relativamente à manutenção e educação dos filhos (art.º 36º, n.ºs 3, 5 e 6). E o conjunto destes direitos-deveres ou poderes-deveres dos pais para com os filhos e de direitos dos pais face ao Estado (direitos fundamentais) têm dupla natureza (24). A finalidade altruística, em prol do interesse dos filhos, é conciliada com o interesse dos pais dirigido à realização da sua personalidade (autênticos direitos de personalidade dos pais). Assim, o conteúdo do poder paternal (25) é composto por um conjunto de direitos ou poderes dirigidos à realização da personalidade dos pais __ direitos-deveres irrenunciáveis, inalienáveis e originários __ de conteúdo altruístico __ funcionalizado à realização do interesse dos filhos menores não emancipados, e mediante os quais os pais assumem a responsabilidade de educação e manutenção dos filhos. A Constituição não exclui que possa haver situações em que, no interesse dos filhos, seja restringido o direito dos pais à educação e à manutenção dos filhos, impondo ao Estado, no art.º 69º, um dever de protecção das crianças e admitindo, inclusivamente, no art.º 36º, n.º 6, como ultima ratio (26), uma decisão judicial que ordene a separação dos filhos dos pais, embora impondo uma especial justificação (não cumprimento pelos pais dos seus deveres fundamentais para com os filhos. E o problema não se põe apenas em face de comportamentos culposos dos pais. Basta que o interesse dos filhos esteja objectivamente em perigo, para que a intervenção Estadual seja legítima (27). Estes direitos e deveres têm sido concretizados pelo legislador ordinário, designadamente com a Lei de Protecção de Crianças em e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/99, de 01-09, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2003, de 22-08) e com a Lei Tutelar Educativa (Lei n.º 166/99, de 14-09). Noutro plano, há ainda a salientar a Convenção sobre os Direitos das Crianças, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12-09. E nos termos do art.º 5º desta Convenção « os Estados Partes respeitam as responsabilidades e deveres dos pais, e sendo caso disso, dos membros da família alargada ou da comunidade e dos costumes locais, dos representantes legais ou de outras pessoas que tenham a criança legalmente a seu cargo ».

Na constância do matrimónio, o exercício do poder paternal pertence a ambos  os pais (art.º 1901º, n.º 1 do Cód. Civil), e nos termos do art.º 1822º do Cód. Civil, os pais não podem renunciar ao poder paternal. Esta irrenunciabilidade abrange não só a abdicação ou alienação do aglomerado integral dos direitos-deveres que integram, no plano jurídico, a autoridade paterna, mas também a perda voluntária de qualquer das faculdades isoladas, parcelares ou sectoriais em que o conjunto, analiticamente, se decompõe (28). As regras referentes à atribuição do pátrio poder são de ordem pública, impondo-se aos pais e a terceiros (29). E são-no porque o interesse do Estado e da família o exigem, face à importância da missão atribuída aos pais, e só o reconhecimento da natureza de ordem pública garantiria essa missão. Mas o facto de serem de ordem pública não significa que sejam de ordem pública internacional. Na verdade, como se deixou dito, uma coisa é o conceito de ordem pública internacional e outro é o conceito de ordem pública interna, e nem todas as normas de ordem interna são normas de ordem pública internacional. E só esta limita a aplicabilidade das leis estrangeiras. Por outro lado, há que ter em conta que, por diversas causas previstas na lei, o poder paternal pode sofrer restrições ou alterações, como sucede nos casos de separação de facto ou de direito dos pais, nos casos de divórcio (art.ºs 1906º e segs. do Cód. Civil), inibição do poder paternal (art.ºs 1913º a 1917º do Cód. Civil). E para além do já referido no art.º 5º da Convenção Sobre os Direitos da Criança __ « os Estados Partes respeitam as responsabilidades e deveres dos pais, e sendo caso disso, dos membros da família alargada ou da comunidade e dos costumes locais, dos representantes legais ou de outras pessoas que tenham a criança legalmente a seu cargo » __, que vigora na ordem interna (art.º 8º, n.º 2 da C.R.P.) (30), a lei nacional também pode confiar o menor a terceira pessoa por via da adopção ou da tutela, e a designação do tutor pelos próprios pais é válida (art.º 1927º do Cód. Civil).

Face à matéria de facto provada supra descrita em II. A) pontos 1. a 4. verifica-se que os pais confiaram a menor a terceira pessoa. Não uma pessoa qualquer, mas aos tios. Ele português e ela cabo-verdiana. Foi feita uma homologação judicial da delegação de poderes feita pelos pais aos tios da menor. Foi feita voluntariamente por ambos os pais, e por razões que deixam antever uma situação de dificuldades dos pais para dela cuidarem e lhe darem uma vida melhor, aproveitando, para o efeito, o facto tios da menor viverem em Portugal e se encontrarem em melhores condições para o efeito. Nada permite afirmar que tenham querido contornar o regime legal da tutela, ou as leis da emigração, através da fraude à lei. A menor já vive com os tios em Portugal. O que todos quiseram foi, com a delegação de poderes, regularizar a situação da menor face à lei nacional (31). Por outro lado, muito embora esta delegação de poderes seja uma transferência legal dos poderes-deveres dos pais para os tios, isso não significa que seja uma transferência definitiva e irreversível, e que os pais não o possam posteriormente vir a avocar, como decorre da própria figura da delegação de poderes.

Tendo em conta tudo isto, e considerando que as leis de ordem pública internacional, para além de rigorosamente imperativas, se fundam em razões de ordem económica, ético-religiosa ou política, e que só podem afastar a lei estrangeira quando estejam em profunda divergência com os princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa, e que toda a acção preclusiva da ordem pública internacional incide directa e unicamente sobre os efeitos jurídicos que, para o caso, defluem da lei estrangeira e não sobre a lei em si, e que não é a decisão em si, nem os seus fundamentos que contam, mas o resultado concreto a que conduziria o seu reconhecimento, isto é a entrega da menor aos tios ao abrigo de uma delegação de poderes, não se nos afigura que este resultado esteja contra os nossos princípios ético-religiosos fundamentais, nem sequer, que esteja em divergência profunda com os princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa.

Donde, e por todo o exposto, não se está perante qualquer excepção ou reserva de ordem pública internacional.

Inexistem dúvidas sobre a autenticidade do documento que contém a esta sentença, e a mesma é inteligível.

Não foram violados os princípios de ordem pública portuguesa, nem a decisão é ofensiva das disposições de direito privado português ou ofensiva dos requisitos mencionados no art.º 1096º als. b), c), d) e e) do Cód. Proc. Civil.

Logo procede a requerida revisão e confirmação de sentença estrangeira  
***
*
Assim e pelo exposto, de harmonia com os art.ºs 1099º, n.º 2, 1100º e 1101º do Cód. Proc. Civil, concede-se a pedida revisão e confirmação da referida sentença que homologou a delegação do poder paternal da menor A.[…] a favor dos seus tios […], para que produza todos os seus efeitos em Portugal.

Custas pelos requerentes e requeridos (art.º 446º, n.º 1 in fine do Cód. Proc. Civil).

Valor para efeitos de custas: 40 Ucs.

Notifique e, oportunamente, cumpra-se o disposto no art.º 79º, n.º 4 do Cód. de Registo Civil.

Lisboa, 3/10_/2006
Arnaldo Silva
Graça Amaral
    Orlando Nascimento



_____________________________________
1.-Cfr. infra pág. 6 e respectiva nota 18.

2.-Vd. A. Ferrer Correia, Lições de Direito Internacional Privado, Vol. I, 3.ª Reimpressão da Edição de Outubro de 2000, Liv. Almedina – 2005, pág. 460; António Marques dos Santos, « Revisão e Confirmação de Sentenças Estrangeiras do Novo Código de Processo Civil de 1997 (Alterações ao Regime Anterior), in Aspectos do Novo Código de Processo Civil, Lex, Lisboa – 1997, pág. 106. Entre nós, há preocupações de justiça material nos casos em que se deve efectuar de revisão de mérito ou aqueles em que a sentença estrangeira não for reconhecida por o reconhecimento conduzir “a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português” [art.º 1096º al. f)]. Cfr. o mesmo autor, ibidem, pág. 106 e nota 7.

3.-Sistema que, entre nós, vem já do Código de Processo Civil de 1876. Vd. Machado Villela, opus cit., págs. 636 e segs.

4.-Vd. A. Ferrer Correia, opus cit., pág. 466.

5.-Antes da revisão processual de 1996/1996 (Dec. Lei n.º 329-A/95, de 12-12) __ revisão que entrou em vigor no dia 01-01-1977 (art.º 16º com a alteração introduzida pelo art.º 4º do Dec. Lei n.º 180/96, de 25-09 __ o disposto que consta no actual n.º 2 do art.º 1100º constava na al. g) do art.º 1096º. Com a reforma processual de 1995/1996 transitou para o n.º 2 do art.º 1100º. E isto porque se vinha entendendo que o escopo do preceito era tão só pôr ao alcance do português vencido no pleito um meio de evitar a execução no nosso país da sentença, se tal fosse do seu interesse. Preceito que não funcionaria se o interesse da parte portuguesa fosse precisamente o inverso. Com base no texto do Prof. A. Ferrer Correia e o Dr. F. A. Ferreira Pinto, a disposição da al. g) do art.º 1096º transitou para os fundamentos da impugnação do pedido (n.º 2 do art.º 1100º). Vd. Sobre a questão, A. Ferrer Correia, opus cit., págs. 466-467; António Marques dos Santos, opus cit., págs. 1141 e segs.

6.-Esses efeitos são o efeito de caso julgado e o efeito de título executivo, embora se possa falar ainda de efeitos constitutivos, de efeitos secundários ou laterais e de efeitos de sentença estrangeira como simples meio de prova, os quais, por vezes, se produzem independentemente da necessidade de qualquer reconhecimento. Vd. A. Ferrer Correia, opus cit., pág. 454; António Marques dos Santos, opus cit., pág. 105.

7.-Basta a falta de qualquer deles para impedir o reconhecimento da sentença estrangeira, como se depreende da 1.ª parte do n.º 1 do art.º 1100º. Vd. António Marques dos Santos, opus cit., págs. 115-116.

8.-São de ordem pública interna as normas e os princípios jurídicos absolutamente imperativos (normas inderrogáveis, ius cogens) que formam os quadros fundamentais do sistema, sobre eles se alicerçando a ordem económico-social, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos. São assim de ordem pública as normas as normas que estabelecem as regras fundamentais da organização económica, as que visam garantir a segurança do comércio jurídico e proteger terceiros, as que tutelam a integridade dos indivíduos e a independência da pessoa humana, que protegem os fracos e incapazes, as que respeitam à organização da família e ao estado das pessoas, visando satisfazer um interesse geral da colectividade. São normas que restringem a liberdade individual. A aplicabilidade destas normas supõe uma relação puramente interna ou uma relação internacional dependente desse ordenamento segundo as respectivas regras de conflitos de leis ou segundo a respectiva norma de extensão (caso de normas de aplicação imediata). As leis de ordem interna têm a sua aplicação dependente das regras de competência legislativa formulada pela lex fori, enquanto que a leis de ordem pública internacional desviam a aplicação da lei competente segundo as regras de conflitos, funcionam como um limite à aplicação da lei estrangeira. Vd. Baptista Machado, Lições de Direito Internacional Privado, Depositária Atlântida Editora, S.A.R.L., Coimbra – 1974, pág. 254; A. Ferrer Correia, opus cit., pág. 405; Machado Villela, opus cit., págs. 567-568; J. A. Reis, Processos Especiais, Vol. II (reimpressão), Coimbra Editora, Ld.ª- 1982, págs. 175-176.

9.-Vd. Machado Villela, opus cit., pág. 568.

10.-No mesmo sentido, vd. Machado Villela, opus cit., págs. 565-580 __ para quem as leis de ordem pública internacional são vagas, elásticas, não sendo possível enumerá-las taxativamente; J. A. Reis, opus cit., pág. 178 __ o conceito de ordem pública internacional é vago e elástico __; Baptista Machado, opus cit., págs. 253 e 259 para quem a ordem pública internacional é um conceito indeterminado ou cláusula geral, de entre outras, como a « boa fé », « bons costumes », « justa causa », « diligência de um bom pai de família, etc. », é indefinível conceitualmente, como indefinível é o « estilo » ou « alma » de uma ordem jurídica.

11.-Vd. A. Ferrer Correia, opus cit., pág. 410. No mesmo sentido de que a noção de ordem pública internacional é um conceito indefinido, no estado actual da ciência do direito internacional privado, vd. Machado Villela, opus cit., págs. 563 e 571; J. A. Reis, opus cit., págs. 174 e segs.; Baptista Machado, opus cit., pág. 259. Diz este professor que a ordem pública internacional não é uma noção unívoca, se bem que o seja a sua função.

12.-Vários critérios têm sido avançados, todos contendo uma parcela de verdade, mas nenhum sendo porém decisivo. Vd. Machado Villela, opus cit., págs. 562 e segs.; Baptista Machado, opus cit., págs. 260-261.
,O critério da natureza dos interesses ofendidos; o critério do grau de divergência e o critério da imperatividade. Vd. Baptista Machado, opus cit., págs. 260-261.

13.-Por exemplo, as normas que exigem para a validade de certos negócios jurídicos a forma autêntica, visando garantir a segurança do tráfego jurídico são normas de ordem pública interna, mas não impedem que o DIP aplique, na generalidade dos casos, a regra « locus regit actum ». E o mesmo se diga, mutatis mutandis, em relação à norma do Código Civil que proíbe os testamentos conjuntos, como ensina o Prof. Baptista Machado, opus cit., pág. 261.

14.-Vd. Machado Villela, opus cit., págs. 565 e segs.; Baptista Machado, opus cit., pág. 261.

15.-O divórcio muçulmano cobra efeito pelo simples facto de o marido pronunciar três vezes a palavra Talak. Este divórcio, que não pressupõe o consentimento da mulher, é um repúdio. Ora o repúdio colide com o princípio que, na nossa Constituição, consagra a igualdade dos cônjuges. Se a mulher prestou o seu assentimento, mesmo posteriormente, ou se é a própria mulher a solicitar o reconhecimento do divórcio, já não existem quaisquer obstáculos à atribuição de eficácia jurídica em Portugal ao deferimento da pretensão. Vd. A. Ferrer Correia, opus cit., pág. 459.

16.-Vd. Machado Villela, II Vol., pág. 82.

17.-Vd. mutatis mutandis J. A. Reis, opus cit., págs. 175-176.

18.-Vd. Machado Villela, I Vol. citado, págs. 571-572; Baptista Machado, opus cit., pág. 259; A. Ferrer Correia, opus cit., pág. 455; António Marques dos Santos, opus cit., pág. 105.

19.-Vd. Machado Villela, I Vol. citado, pág. 581.

20.-Vd. Machado Villela, I Vol. citado, págs. 581-583; A. Ferrer Correia, opus cit., págs. 409 e segs.

21.-Vd. Baptista Machado, opus cit., pág. 269.

22.-Vd. A. Ferrer Correia, opus cit., pág. 483.

23.-Vd. António Marques dos Santos, opus cit., pág. 139.

24.-Vd. José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra Editora – 1998, pág. 158 e nota 30.

25.-É esta a linguagem da lei (art.ºs 1877º e segs. do Cód. Civil). O que mostra o cariz patriarcal ainda vigente na nossa sociedade, não obstante as alterações da lei realçando a responsabilidade igual de ambos os progenitores face às necessidades dos filhos, e o crescente reconhecimento do papel da mulher-mãe na educação dos novos cidadãos. Vd. Maria Clara Sottomayor, Exercício do Poder Paternal, Publicações Universidade Católica, Porto – 2005, págs. 22 e segs. A autora mostra preferência por outras expressões como: « responsabilidade parental », « cuidado parental ».

26.-Por exigências do princípio da proporcionalidade, não pode ser decretada se existirem outras soluções menos gravosas.

27.-Vd. Jorge Miranda, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora – 2005, págs. 415-416.

28.-Vd. P. Lima e A. Varela, Cód. Civil Anot., Vol. V, Coimbra Editora – 1995, pág. 343 anotação 4. ao artigo 1882.

29.-Estes não podem, por meio de uma liberalidade ou por uma convenção particular, ferir as prerrogativas que a lei reconhece ao pai e à mãe, nem os direitos destes sobre a pessoa dos seus filhos. Vd. Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Civil, Vol. VII, Lisboa – 2002, pág. 108. anotação ao artigo 1882.

20.-Onde se prevê uma regra de recepção plena do Direito internacional convencional.

31.-No mesmo sentido, numa situação idêntica à dos presentes autos, vd. Ac. desta Relação de 27-04-2004: Revista, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/, etc., Proc. n.º 7793/2003-7 - Relator Desembargador António Geraldes – unanimidade, pág. 2.