Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOSÉ MOURO | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE MÉDICA ÓNUS DA PROVA INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/15/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – No âmbito da responsabilidade médica, a falta de preparação técnica do A./paciente sobre quem recaia o ónus da prova e a especial dificuldade dessa prova para o mesmo, não constituirão fundamento suficiente para a inversão do ónus da prova, nos termos do nº 2 do art. 344 do CC, excepto se tal especial dificuldade/impossibilidade tiver sido causada pela parte contrária. II - Justificar-se-á, nesses casos, uma eventual diminuição no grau de exigência da prova produzida pelo paciente na exacta medida em que tal seja necessário para criar uma situação de igualdade entre as partes na acção. III – São dois os requisitos exigidos pelo nº 2 do art. 344 do CC para a inversão do ónus da prova: o comportamento culposo da parte não onerada com a demonstração do facto controvertido e a impossibilitação por essa razão da respectiva prova. IV – No caso de o A./paciente haver requerido a notificação do R. para que este juntasse documentação clínica, incumprindo este injustificadamente o seu dever de colaboração para a descoberta da verdade, o seu comportamento será livremente apreciado pelo Tribunal, podendo até levar à inversão do ónus da prova, nos termos do ponto anterior (art. 529 e nº 2 do art. 519 do CPC). V – Nos autos, nada nos nos leva a concluir que qualquer dos RR. haja eliminado ou ocultado o relatório operatório que tivesse integrado o processo da A., impossibilitando por esse modo, culposamente, a prova a cargo da A.; tal como não podemos afirmar, com segurança, que detendo eles próprios cópia do dito relatório não tenham querido proceder à junção, incumprindo injustificadamente o seu dever de cooperação para a descoberta da verdade. Não há, pois, lugar à inversão do ónus da prova nos termos do nº 2 do art. 344 do CC e dos arts. 529 e 519, nº 2, do CPC. VI – No caso dos autos não estão demonstrados os pressupostos da obrigação de indemnizar, desde logo não se havendo apurado que o 1º R. tenha actuado em desconformidade com as leges artis e tenha causado um dano à integridade física e à saúde da A., ou não lhe tenha prestado os cuidados devidos. | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: * I - A intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra B e C. Alegou a A. em resumo: Em 18-3-2005 a A. sofreu um acidente de trabalho, quando ao serviço da sua entidade patronal, D, deu uma queda. A R. seguradora assumiu a responsabilidade pelo tratamento da A. visto a entidade patronal haver para ela transferido a responsabilidade por acidentes de trabalho, tendo agendado à A. para o dia 21-3-2005 consulta com médico ortopedista e aí recebido instruções para ser seguida em Lisboa por médico neurocirurgião, o R. B. Na consulta que teve lugar em 23-3-2005 a A. queixou-se de dores de cabeça, nas costas, no braço e tonturas; realizados exames a A. foi sujeita a intervenção cirúrgica – disectomia C6-7, com colocação de um espaçador CBK a esse nível - realizada pelo próprio R. em 17-5-2005. Após a alta a A. sentiu fortes dores no braço direito e na zona lombar, dores que foram persistindo e aumentando gradualmente; o seu braço e a mão direitos começaram a inchar e perdeu a força nesses membros; ficou afónica. Disto deu conta ao R. B o que este desvalorizou. Foi examinada por médico ortopedista, na sequência do que se confirmou tendinopatia da coifa rotadores à direita e iniciou tratamento médico e fisiátrico, mas sem melhoria, sendo seguida, também, pela especialidade de otorrinolaringologia sendo sujeita a sessões de terapia da fala. Em Setembro de 2005 o membro superior direito da A. estava inchadíssimo, não logrando a A. movimentá-lo livremente nem com ele suportar qualquer esforço. Na consulta com o 1º R. havida em 2-9-2005, este, perante a suspeita de relação entre o estado do membro e a intervenção cirúrgica desinteressou-se da A. não mais a querendo ver. Em Dezembro de 2005 a A. passou a ser seguida por outra médica com a especialidade de neurocirurgia que se mostrou receosa com a situação da A., encaminhando-a para a especialidade de cirurgia vascular, passando a A. a ser seguida por médico daquela especialidade. Feitos vários exames evidenciou-se que todo o problema do membro superior direito da A. era devido à intervenção cirúrgica de 17-5-2005. Em Novembro de 2006 a R. foi internada com o diagnóstico de fístula carótido-jugular direita a fim de ser sujeita a intervenção cirúrgica, mas os danos provocados eram já irreversíveis. A A. vinha sofrendo de doença mental, angústia marcada, tudo derivado do estado do seu braço e previsibilidade de irreversibilidade. O 1º R. ao operar a A. não agiu com os deveres e cuidados que lhe eram exigidos, nem segundo as exigências das legis artis. Provocando na A. uma fístula carótido-jugular não se certificou da sua inexistência, nem a tratou, sanou ou corrigiu, não ligando às queixas da A. que desvalorizou, não tratando de se interrogar e investigar as suas causas, não diligenciando pela realização de intervenção correctiva em tempo útil, desinteressando-se da A. e do seu estado. A responsabilidade pelo tratamento da A. era da 2ª R., tendo os vários médicos mencionados intervindo por determinação da R. que os indicou à A.; aquela, após o “abandono” pelo 1º R. não diligenciou desde logo que a A. fosse seguida por outro médico. A A. que sofreu muitas e fortes dores, tem grande vergonha da sua situação física, ficou impossibilitada de executar as mais elementares tarefas domésticas., sente-se triste, revoltada, diminuída e amargurada, perdendo a alegria de viver. Tendo alta clínica em 1-10-2009, com IPP de 91,64% e incapacidade absoluta para o trabalho habitual, parte da incapacidade é consequência directa da própria operação e deficiência e omissão dos tratamentos subsequentes. Concluiu que repercutindo-se a indemnização/pensão pelo acidente de trabalho em apenas 70%, tem direito à diferença que deixou de receber, correspondente a 30%, que reclama dos RR. a título de lucros cessantes, computando a indemnização por danos patrimoniais sofridos em 31.000,00 €. No que respeita aos danos não patrimoniais sofridos pede uma quantia não inferior a 150.000,00 €. Pediu a A. que os RR. sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 181.000,00 €, acrescida de juros à taxa legal desde a citação. Citados, os RR. contestaram. O R. B apresentou uma diversa versão dos factos, dizendo essencialmente: Após a A. ter voltado à consulta por uma terceira vez e feitos vários exames, apresentando dores na coluna cervical, ombro e braço direito e não melhorando com o tratamento conservador, o R. propôs à E que se procedesse a discectomia C6-7, com colocação de um espaçador CBK, opinião que esta aceitou. Assim, a A. foi operada no dia 17-5-2005, intervenção que decorreu sem dificuldades aparentes, estando tudo bem no dia seguinte pelo que foi dada alta à A. para o dia 18. Alguns dias depois a A. telefonou ao R. dizendo que estava a sentir alguma disfagia e disfonia e o R. requisitou radiografias e medicou-a. Os exames realizados e a observação da A. nada sugeriam de anormal. O R. voltou a examinar a A., em 15-7 – verificando que o seu quadro clínico tinha um componente depressivo e medicando-a em conformidade - e em 10-8, referindo agora dores no ombro direito com irradiação à face externa do cotovelo e que lhe tinham requisitado uma ecografia daquele ombro que mostrava “tendinite da coifa dos rotadores, com derrame articular”. Quando a A. voltou à consulta, acompanhada do seu marido, o R. viu a ressonância magnética da coluna cervical que havia requisitado, informando o que em seu entender resultava do seu exame, a A. e seu marido reagiram mal e acabaram por saindo levando com si a ressonância. A A. estava a ser seguida por ORL, terapia da fala e ortopedia e, parecendo ao R. mais correcto que a A. fosse observada por outro neurocirurgião, a «E escolheu a F, tendo o R. transmitido a informação a esta médica por quem a A. passou a ser seguida. A hipótese diagnóstica de fístula carótico-jugular só apareceu a 30-6-2006, vindo a A. a ser operada em Dezembro do mesmo ano. Na consulta de 3-9 não foi mencionado o edema do membro superior. O R. realizou a intervenção cirúrgica adequada com rigor e acompanhou-a no pós-operatório, com escrupuloso respeito pelas regras clínicas, de arte e deontológicas. Não só no pós-operatório como num período longo após a intervenção da A. não houve qualquer evidência de lesão vascular. Concluiu pela improcedência da acção. A R. E referiu, que a cirurgia efectuada pelo R. B em 17-5-2005 o foi sem notícia de qualquer intercorrência “anormal” antes, no decurso, ou após o acto cirúrgico e que a R. desde o início da assistência da A. lhe facultou todos os tratamentos das várias especialidades que se foram mostrando medicamente adequados. Acrescentou que o R. B não cometeu por acção ou por omissão, qualquer negligência e que a R. contestante sempre actuou de acordo com as prescrições médicas medicamentosas e terapêuticas das várias especialidades que acompanharam a reabilitação da A. desde o momento em que se dirigiu aos serviços da R. até à data da alta. Também ela concluiu pela improcedência da acção. O processo prosseguiu vindo, a final, a ser proferida sentença que absolveu os RR. do pedido. Apelou a A., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso: (…) O 1º R. contra alegou nos termos de fls. 1017 e seguintes. * II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: Dos Factos Assentes: A – No dia 18.03.2005, a A. foi assistida no G e no H; B – No dia 23.03.2005, a A. consultou, em Lisboa, o 1.º R. B, médico neurocirurgião, ao serviço da 2.ª R. C; C – Nessa consulta, o 1.º R. determinou que a A. efectuasse Raio-x à coluna cervical e T.A.C. do crânio; D – Posteriormente, o 1.º R. determinou que a A. efectuasse uma ressonância magnética à cervical; E – Essa ressonância magnética detectou, conforme relatório de 23.4.2005: “Rectificação da curvatura lordótica cervical na posição de estudo, ausência de desvios listésicos dos elementos vertebrais cervicais. O canal cervical central tem dimensões dentro dos limites da normalidade. Assinalamos em C6/C7 discopatia degenerativa, traduzida por dimensão da altura e do normal estado de hidratação do disco intersomático, a que se associa hérnia discal póstero-lateral direita, obliterando o espaço subaracnoideu adjacente, contactando e moldando a vertente Anterolateral homolateral da imagem medula e desviando posteriormente o radicelo anterior da raiz de C7 direita. Em C3/C4 observa-se adicionalmente hérnia discal póstero-mediana, reduzindo a permeabilidade do espaço subaracnoideu adjacente, não parecendo contactar ou deformar significativamente a imagem da medula. Ausência de significativas outras alterações morfológicas nos restantes discos intersomáticos cervicais ou da permeabilidade dos foramina neurais, não se observando aspectos sugestivos de compressões mielo-radiculares extrínsecas. Ausência de significativas alterações focais da evolução do sinal medular. Está mantida a regular morfologia e topografia das amígdalas cerebelosas”; F – Em face disso, o 1.º R. diagnosticou à A. discartrose C6 C7 com cervicobraquialgia direita e determinou-lhe uma intervenção cirúrgica, a realizar por ele próprio: discectomia C6-7, com colocação de um espaçador CBK a esse nível; G – No dia 17/05/2005, a A. foi sujeita à referida intervenção cirúrgica, que, por indicação da R. Seguradora, foi realizada no I; H – A A. esteve internada no I; I – A A. queixou-se ao 1.º R. que sentia alguma disfagia e disfonia; J – No dia 15/07/2005, a A. foi observada pelo 1.º R. em consulta; L – Nessa consulta, o 1.º R. prescreveu à A. antidepressivos: Tofranil 25, 1+1+1, Metamidol 5, 1+0+1, e Rantudil 90 Retard, 0+1; M – No dia 02/09/2005, a A. compareceu a uma consulta com o 1.º R.; N – No dia 15/12/2005, a A. foi observada pela Sr.ª F, médica neurocirurgiã; O – A A. foi submetida a Eco Venosa dos membros superiores com doppler, tendo sido elaborado um relatório datado de 10/1/2006, com o seguinte teor: “O estudo da circulação venosa do som eco doppler a cores e espectral revela aspectos de flebotrombose profunda não recanalizada com trombo de aspecto sub-agudo da veia umeral direita cujo trombo se objectiva praticamente desde a prega do cotovelo até à transição para a veia axilar sem extensão mais proximal do trombo. Patência luminal da veia axilar, veia sub-clávia e veias jugulares interna e externa direita. Dificuldade no retorno venoso do antebraço e da mão com evidente edema sendo o retorno efectuado através do sistema venoso subcutâneo que se encontra ectasiado objectivando-se alguns vasos com sinais de varicoflebite sem trombo oclusivo evidente”; P – Após alguns exames efectuados, por determinação da R. Seguradora e dos médicos por esta contratados, a A. foi internada em 15/11/2006 no J, com o diagnóstico de fístula carótido-jugular direita, a fim de ser sujeita a intervenção cirúrgica para correcção endovascular com colocação de wallgraft na artéria carótida primitiva direita, por abordagem femoral, sob anestesia regional; Q – Tal intervenção ocorreu em 14/12/2006 (médico assistente e equipa do L); R – A A. teve alta do internamento em 19/12/2006; S – Através do documento junto a fls. 86, que aqui se dá por reproduzido, a D participou à R. Seguradora que a ora A. sofreu um acidente de trabalho, no dia 18.03.2005, pelas 16h00m; T – A D e a R. Seguradora celebraram um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho titulado pela apólice n.º 202006762; U – A R. Seguradora assumiu a responsabilidade pelo tratamento da A., em face da natureza do acidente e do contrato de seguro referido; V – Quer o 1.º R., quer todos os médicos e técnicos de saúde, com a excepção da médica de família da A., assistiram a A. por determinação e conta da R. Seguradora, que os indicou à A.; X – Foi a R. Seguradora que determinou os locais de exames, internamentos, tratamentos e intervenções cirúrgicas a que a A. foi sujeita; Da Base Instrutória: N.º 1 – No dia 18/3/2005, pelas 16,00 horas, a A. exercia a sua actividade profissional de ajudante de lar, por conta, direcção e fiscalização da D, nas instalações daquela, denominadas Lar da D; N.º 2 – No circunstancialismo referido no n.º 1, a A. deu uma queda, caindo de costas no chão; N.ºs 3, 4 e 5 – A A. sofreu traumatismo craniano com perda de conhecimento e contusão cervical, teve vómitos e foi observada no H; N.º 6 – No dia 20.03.2005, foi colocado à A. um colar cervical; N.º 8 – Na consulta de 23/03/2005 referida na al. B), a A. queixou-se, pelo menos, de dores de cabeça, de dores no ombro direito e referiu que tinha tido tonturas; N.º 9 – Após a intervenção referida na al. G), a A. teve alta hospitalar no dia 19.05.2005; N.º 10 – A A. deu conta ao 1.º R., pelo menos, que tinha dificuldade em falar e em engolir; N.º 12 – Na consulta de 15/07/2005, referida na al. J), o 1.º R. considerou que as queixas de disfagia e disfonia apresentadas pela A. eram relativamente comuns no pós-operatório, mas transitórias; N.º 14 – E diagnosticou uma depressão à A.; N.º 15 – Em 19.07.2005, a A. foi examinada pelo Sr. Dr. M, médico ortopedista, em …; N.ºs 16 e 17 – Este médico, diagnosticou à A. tendinopatia da coifa dos rotadores à direita, confirmado após uma ultrassonografia do ombro direito; N.º 18 – A A. iniciou tratamento médico e fisiátrico, mas sem melhoria; N.º 19 – O Dr. N, médico otorrinolaringologia, diagnosticou à A. disfonia devida à intervenção cirúrgica a que foi sujeita, com escape glótico, provavelmente por traumatismo do nervo laríngeo superior; N.º 20 – Por indicação deste médico, a A. submeteu-se a sessões de terapia da fala, desde o final de Setembro de 2005; N.ºs 21 e 22 – A A. padeceu de dores no membro superior direito, desde data não apurada, mas, pelo menos, desde o dia 15.07.2005, sendo que a A., no dia 27.08.2005, esteve presente numa consulta de urgência no H, onde se queixou de dor na região lombar, desde há dois dias; N.º 23 – A A. não melhorou com a fisioterapia; N.º 24 – O Sr. Dr. M, por escrito de 01/09/2005, informou que “não há melhoria com a fisioterapia” e interroga-se se haverá relação do estado da A. com a operação à coluna cervical realizada; N.º 26 – Na consulta de 02/09/2005, referida na al. M), a A. estava nervosa e munida de duas cartas do Dr. M, datadas de 01.09.2005; N.º 27 – Nessa consulta, a dado momento e em circunstâncias não apuradas, o 1.º R. saiu da sala onde a consulta decorria; N.º 29 – Em 30/9/2005, a A. recebeu alta da ortopedia, mantendo-se o seguimento por ORL e neurocirurgia; N.º 30 – A A. fez uma Eco do ombro, que mostrou diminuição da ecogenicidade dos rotadores e pequenas imagens hiperecogénicas correspondendo a calcificação; N.º 31 – No dia 06.10.2005, a A. foi reobservada pelo O, que lhe determinou que realizasse ressonância magnética; N.º 32 – A A. efectuou uma ressonância magnética ao ombro direito, em 19/12/2005, que mostrou ruptura da coifa dos rotadores; N.º 33 – No dia 14/11/2005, a terapeuta da fala P elaborou um relatório, relativo às sessões a que a A. se sujeitou desde o final de Setembro de 2005, com o teor que consta de fls. 167 e que se dá aqui por reproduzido; N.º 34 – Em 03/12/2005, a A. foi assistida de urgência no H, por ter dor e limitação funcional importante com edema direito de componente inflamatório; N.º 35 – O que consta da al. N) ocorreu na sequência de pedidos da A. à R. Seguradora nesse sentido; N.º 38 – A partir de 03.01.2006, a A. passou a ser seguida pelo Sr. K, médico da especialidade de cirurgia vascular, no L; N.º 41 – O Sr. L requisitou que a A. fosse submetida à Eco Venosa dos membros superiores com doppler, referida na al. O), e a linfocintigrafia (relatório de 17/1/2006); N.º 42 – Desde, pelo menos, Fevereiro de 2006 que a médica de família da A. vinha solicitando e insistindo para que lhe fosse prestado acompanhamento psicológico/psiquiátrico; N.º 43 – A A. requereu esse acompanhamento junto da R. Seguradora, em 19.06.2006; N.º 44 – Em 19/4/2006, a A. foi encaminhada para consulta de urgência no H, por perturbação depressiva reactiva ao seu problema físico; N.º 45 – Em 11/4/2006, a A. foi submetida a nova Eco Venosa dos membros superiores com doppler, cujo relatório consta de fls. 203 e que aqui se dá por reproduzido; N.º 46 – O Sr. L determinou a realização de Ecodoppler venoso dos membros superiores, agora a outra entidade; N.º 47 – Esse Ecodoppler, em 30/6/2006, acusou: “O estudo do sistema venoso dos membros superiores com Eco-Doppler codificado a cores revela: - permeabilidade dos eixos úmero-subclavios e distais sem sinais de lesões obstrutivas nesses sectores. - os eixos venosos superficiais (basílica e cefálica) apresentam-se bilateralmente com características morfológicas normais. - identifica-se fluxo de características arteriais em todos os eixos venosos do membro superior direito e veia jugular interna. - observa-se imagem compatível com fistula arterio-venosa carótida jugular interna direita cerca de 2/3 cm acima da clavícula”; N.º 53 – Devido aos problemas no membro superior direito, a A. foi sujeita a apoio psicológico e psiquiátrico; N.º 54 – O qual foi assegurado pela R. Seguradora porque o Dr. … deu conta da A. apresentar então ideias suicidas e porque a sua médica de família voltou a insistir para esse efeito, dando conta das ideias suicidas da A. e desta afirmar pretender matar o médico que lhe provocou a sua situação; N.º 55 – A A. ficou com o membro superior direito inchado, desde data não apurada; N.º 56 – Actualmente, a A. apresenta um edema do tipo linfático na mão e antebraço direitos; N.º 57 – Devido aos problemas no membro superior direito, a A. sofreu fortes dores; N.ºs 58 e 59 – Durante período de tempo não apurado, a A. sofreu limitações dos movimentos e da força do membro superior direito; N.º 60 – Durante período de tempo não apurado, a A. sentiu vergonha pela sua condição física; N.º 61 – Durante período de tempo não apurado, a A. tinha dificuldade em vestir-se e era-lhe difícil encontrar roupa adequada ao volume do seu braço direito; N.º 63 – Durante período de tempo não apurado, a A. deixou de à praia e de usar roupa de manga curta, mesmo no Verão; N.º 64 – A A. ficou impossibilitada de executar algumas tarefas domésticas; N.º 65 – Desde data não apurada, a A. necessita do auxílio de 3ª pessoa; N.º 66 – A A. experimentou sentimentos de tristeza, revolta e amargura devido ao problema no seu membro superior direito; N.º 67 – A A. experimentou estados de grande nervosismo devido aos problemas no seu membro superior direito; N.º 68 – A A. que ficou abalada quando tomou noção de que não poderia retomar a sua actividade profissional; N.ºs 69 a 71 – Durante períodos de tempo não apurados, a A. perdeu a alegria de viver, teve insónias e ficou angustiada pelos tratamentos a que foi sujeita; N.º 72 – A A. foi medicada; N.º 73 – Só em 1/10/2009 teve alta clínica; N.º 74 – Antes dessa alta, a A. esteve em situação de I.T.A.; N.º 75 – No processo de acidente de trabalho que correu termos pelo Tribunal de Trabalho de …, sob o n.º …, foi determinada à A. incapacidade absoluta para o trabalho habitual de 91,64%, desde 01/10/2009, com necessidade de acompanhamento médico regular, de tomar antidepressivos, ansiolíticos e hipnóticos, e de apoio de 3ª pessoa nas actividades básicas da vida diária; N.º 76 – No processo de acidente de trabalho que correu termos pelo Tribunal de Trabalho de …, sob o n.º …, foi determinado que a A. sofre das seguintes incapacidades, com referência ao DL 341/93: I. 3.2.7.3 c) – 0,15; III.7 – 0,15; IV.5.b) – 0,30; V.3.2.4.b) – 0,70; V.4 – 0,10; VI.2.1.3.a) – 0,20; VI.2.3 – 0,10; X.2.2 Grau II –0,15; N.º 78 – No H, a A. fez exames, tendo-lhe sido dada alta para o domicílio; N.º 79 – A A. não se sentia bem, tinha cefaleias, vómitos e desequilíbrio; N.º 80 – Por isso, voltou ao H no dia 20/03/2005; N.º 81 - Por ter queixas de cervicalgias foi-lhe colocado colar cervical; N.º 82 – No dia 21/03/2005, porque os sintomas persistiam, a A. dirigiu-se à dependência da R. Seguradora, que a encaminhou para uma clínica de …, onde a A. foi informada da necessidade de consultar um neurocirurgião; N.º 83 – Na consulta de 23/03/2005, referida na al. B), a A. apresentava cefaleias de predomínio direito, náuseas, desequilíbrio e “bolinhas brancas quando fechava os olhos” e dores na proeminência cervical; N.º 84 – Nessa consulta, a A. nada referiu sobre antecedentes pessoais; N.º 85 – A A. estava medicada com Brufen 600, 3 comprimidos por dia; N.º 88 – Nessa consulta, o 1.º R. entregou à A. declaração de incapacidade transitória absoluta (ITA), com recomendação de repouso até à próxima consulta, quando tivesse os exames realizados; N.º 89 – A A., voltou à consulta do 1.º R. cerca de um mês a um mês e meio após a primeira consulta, queixando-se, então e pelo menos, de dores na cabeça e no braço direito na zona do ombro; N.º 91 – O 1.º R. medicou a A. com analgésicos/anti-inflamatórios e requisitou-lhe a ressonância magnética referida na al. D), mantendo a ITA; N.º 92 – A A. voltou à consulta do 1.º R. cerca de um mês a um mês e meio depois da anterior e continuava com dores na coluna cervical, ombro e braço direitos; N.º 93 – A ressonância aludida na al. D) mostrava uma protrusão C3-4, sem efeitos compressivos, e C6-7, que poderia comprimir a raiz respectiva no canal de conjugação; N.º 95 – A intervenção referida na al. F) foi realizada na data disponibilizada pelo I (onde a R. Seguradora efectua as intervenções de rotina), sendo que não havia razão objectiva para uma maior urgência; N.º 96 – Tal intervenção decorreu sem dificuldades aparentes: a A. tinha um disco muito degenerado e aplicou o espaçador; N.º 97 – Uma intervenção ao nível baixo do pescoço, sobretudo num pescoço curto e forte, exige sempre um certo grau de retracção: para a linha média do esófago e da traqueia, onde há a contar ainda com a resistência do tubo endotraqueal, de anestesia; para fora está a carótida, a veia jugular interna, e o nervo pneumogástrico; na linha média anterior, atrás do disco, está a medula; N.º 98 – O 1.º R. iniciou a sua experiência cirúrgica com este tipo de intervenção cirúrgica com um conhecido neurocirurgião no Hospital de …, do …; N.º 99 – O 1.º R. trabalhou com o cirurgião/referência desta intervenção, no Reino Unido, Mr. …; N.º 100 – No dia seguinte à intervenção referida na al. G), tudo estava bem com a A. e, por isso, de comum acordo, foi-lhe dada hospitalar para o dia 19.05.2005; N.º 101 – A A. tinha (disponibilizado por ele) o número de um telemóvel do 1.º R.; N.º 108 – Na primeira consulta com o 1.º R. após a intervenção cirúrgica referida na al. G), a ferida estava bem cicatrizada, não havendo qualquer evidência de hematoma; N.º 109 – Na consulta referida no n.º 108, o 1.º R. manteve a ITA; N.º 110 – Na consulta de 15/07/2005, referida na al. J), a A. apresentava uma certa dificuldade na fala; N.º 111 – Nessa consulta, a A. referiu ao 1.º R. uma dor na anca direita; N.º 112 – O exame neurológico da A. era normal ou havia uma possível depressão ligeira do tricipital direito e da força de preensão da mão direita; N.º 114 – Nessa consulta, o 1.º R. pediu uma nova radiografia simples da coluna cervical; N.º 115 – No dia 10/08/2005, a A. referiu ao 1.º R., pelo menos, dores no ombro direito; N.º 126 – Na consulta de 02/09/2005, a A. acabou por sair, levando consigo a ressonância magnética; N.º 131 – Em 01.11.2005, a A. estava a ser seguida por ORL, por terapia da fala e pelos médicos da R. Seguradora (ortopedia); N.º 134 – A A. passou a ser seguida pela F; N.º 136 – A Sr.ª F concluiu, num relatório de 13.01.2006, que a A. não tinha qualquer patologia do foro neurocirúrgico; N.º 139 – A A. passou a ser seguida nas consultas de ortopedia e cirurgia vascular; N.º 140 – A hipótese diagnóstica de fístula carótico-jugular só apareceu no dia 30.06.2006, por um ecodoppler venoso dos membros superiores; N.º 141 – Em 15.07.2005, o 1.º R. diagnosticou à A. uma depressão, que foi, posteriormente, confirmada por outros médicos; N.º 146 – O Depo-Medrol não é “cortisona”, embora da família, mas um anti-inflamatório esteróide, o qual, ministrado em dose única, pode ajudar a resolver um caso, sem efeitos colaterais importantes; N.º 147 – Nem no relatório do Centro Clínico do …, nem no relatório do Dr. M, ambos de 01/9/2005, é mencionado edema do membro superior; N.º 150 – A causa de uma flebotrombose venosa de membro superior não é, vulgarmente, uma fístula carótico-jugular; N.º 151 – Até 2006, o ombro direito da A. foi estudado, tendo efectuado vários exames; N.º 152 – Uma das causas prováveis da flebotrombose da humeral poderá ser um traumatismo. * III - Situando-se no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, considerou o tribunal de 1ª instância que não estavam preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar, atenta a factualidade provada. Assim, não se teria apurado que o R. houvesse praticado, de forma activa ou omissiva, qualquer facto ilícito e que houvesse omitido deveres de diligência médica. A A., na apelação, depois de se referir à “ desigualdade de armas” entre o paciente e o Médico/Seguradora, insurge-se contra as respostas dadas pelo Tribunal de 1ª instância aos artigos 25, 28, 48 a 50, 55, 56, 58, 59, 77 e 96 da Base Instrutória, defendendo decisão diversa, com as necessárias consequências em termos de deferimento da pretensão plasmada na p.i., aplicadas que sejam as pertinentes regras de direito. Definindo as conclusões da alegação de recurso do apelante o objecto do mesmo recurso, apresentam-se como questões essenciais a considerar nos autos, a definição sobre os termos de apreciação da prova em acções como a presente (a propósito do que a apelante alude a presunções e, até, à inversão do ónus da prova) antecedendo esta definição, em termos lógicos, a questão fundamental da reapreciação das respostas à matéria de facto impugnadas e com as eventuais consequências, no caso de alteração, em termos da aplicação do direito aos factos. * IV – 1 - No que à «desigualdade de armas» concerne a A. refere que a posição do paciente é mais fraca que a do Médico e Seguradora, por não ter ao seu dispor o mesmo tipo de conhecimentos e acesso ao material probatório e que nestes autos essa desigualdade é flagrante e notória, pois nunca o R. juntou «relatório da intervenção que efectuou – assumindo a falta gravíssima de não o ter elaborado» tendo a A. repetidamente requerido «a junção de todos os elementos que lhe respeitassem, pelo que se dos autos não constam, tal só pode ser assacado aos RR.». Refere, ainda, que decorridos «mais de quatro anos e meio, ainda não há notícia do Parecer do Colégio da Especialidade de Angiologia e Cirurgia Vascular do Conselho Disciplinar Regional do Sul da Ordem dos Médicos - e agora também já não adianta». Este segundo aspecto não é susceptível de interferência na decisão sobre a matéria de facto – trata-se de processo alheio a estes autos, desconhecendo-se, pesem embora as insinuações da A., a razão de não haver notícia do mesmo. Atentemos então à outra vertente da «desigualdade de armas» suscitada pela A.. Não se poderá negar a diferença de condição no âmbito do processo entre o paciente/leigo e o médico e/ou seguradora, profissionais demandados ([1]) a que acresce a especificidade da matéria. Henriques Gaspar, em estudo publicado sob o título «A responsabilidade civil do médico» ([2]) salientava que neste tipo de acções a prova requeria «delicadas operações de apreensão» e suscitava «questões específicas derivadas da particular natureza desta matéria», especificando que «a prova do próprio facto em si pode suscitar, e suscitará naturalmente, problemas de “arte”, técnica e ciência – exame e interpretação de regras técnicas, das leges artis médicas e dos princípios científicos que o agente seguiu, ou devia ter seguido, na prática do acto em apreciação. E depois, a relação causal entre esse facto, que se prova ser ilícito e culposo, e os danos sofridos pelo sujeito da intervenção médica cuja verificação é necessária para que surja a obrigação de indemnizar…» A regra no nosso direito – com as excepções previstas na lei, designadamente no art. 344 do CC - é a de que recai sobre quem demanda o ónus da prova dos factos constitutivos do direito invocado e cujo reconhecimento é pretendido – nº 1 do art. 342 do CC. Na realidade, a falta de preparação técnica do autor/paciente sobre quem recaia o ónus da prova e a especial dificuldade dessa prova para o mesmo, não constituirão fundamento suficiente para a inversão do ónus da prova, nos termos do nº 2 do art. 344 do CC, excepto se essa dificuldade houver sido causada pela parte contrária. A propósito dizia-nos Teixeira de Sousa ([3]) que no «direito português não é possível alterar ou inverter a repartição legal do ónus da prova com o fundamento na falta de preparação técnica da parte onerada ou na especial dificuldade dessa prova para essa parte (…) mas é possível compensar – se assim se pode dizer – o formalismo da repartição legal do ónus da prova imposta pelo art.º 342º do Código civil através da liberdade de apreciação da prova realizada pela parte, pois que, como se estabelece no art. 655º, nº 1, do Código de Processo Civil, a apreciação da prova depende da convicção que o tribunal formar sobre a actividade probatória desenvolvida pela parte. Quer dizer, assiste ao tribunal a faculdade de considerar, na sua própria avaliação da prova, as naturais dificuldades da sua realização e de, nessas circunstâncias, julgar suficiente uma prova que, noutra situação não seria bastante para a prova do facto. Convém acentuar, no entanto, que uma eventual diminuição no grau de exigência da prova produzida pelo paciente só é justificável na exacta medida em que tal seja necessário para criar uma situação de igualdade entre as partes na acção» (destaque nosso). Apontando para a prova de primeira aparência (ou prima-facie), baseada nas presunções judiciais ou naturais que, por sua vez se fundamentam numa relação de probabilidade típica, estabelecida através de regras da experiência comum ou de regras técnicas entre um facto e a sua causa, como podendo assumir uma importância determinante. O que veio a obter a anuência de outros autores ([4]). Aliás, já anteriormente Figueiredo Dias e Sinde Monteiro ([5]) haviam escrito: «…verificando-se uma lesão que, de acordo com a experiência médica, é tipicamente de atribuir a um determinado erro culposo de tratamento, deve presumir-se a existência deste erro de tratamento, podendo naturalmente o médico provar que se verificou um decurso atípico dos acontecimentos. Esta prova por presunções, muito próxima da prima facie Beweis germânica e da doutrina anglo-saxónica da res ipsa loquitur, deve porém ser utilizada com prudência neste domínio, dada a necessidade de uma prova autêntica e séria». Saliente-se que na prova prima facie não deixam de se observar as regras gerais de repartição do ónus da prova – apenas essas regras são amenizadas nos termos aduzidos. Dizendo, a propósito, Manuel Rosário Nunes ([6]) que «quando uma certa situação de facto corresponda, segundo a experiência, a um curso causal típico e determinado, produzindo-se um resultado danoso posterior à referida situação, esta situação levar-nos-á a considerar que a origem do resultado danoso se encontra na causa que ordinariamente o produz, de modo que, em princípio, a mera constatação da sua alegação permite dar como provada a situação de facto. Desta forma, a prova pela primeira aparência não implica uma inversão do ónus da prova mas apenas uma facilitação da prova.» Neste – e apenas neste - contexto nos poderemos mover para eventualmente “repor” a situação de igualdade entre as partes, afigura-se-nos. É certo, como refere a apelante, que Manuel Rosário Nunes ([7]) diz defender «que as dificuldades da prova em matéria de responsabilidade civil médica deverão, de iure constituendo, fundamentar a inversão do onus probandi a favor do paciente». Trata-se, todavia, de uma manifestação de iure constituendo, não se reportando à realidade efectivamente existente. * IV – 2 - Consoante o já aludido nº 2 do art. 344 do CC ocorre inversão do ónus da prova nos casos em que a parte contrária culposamente, isto é, com dolo ou negligência, houver tornado impossível a prova ao onerado. Tal acontecerá, por exemplo, no caso de o médico ter extraviado ou destruído a ficha clínica do doente. Como refere Rute Teixeira Pedro ([8]) avultam aqui dois requisitos para a inversão do ónus da prova: o do comportamento culposo da parte não onerada com a demonstração do facto controvertido (comportamento que pode ser anterior ou concomitante ao período de pendência da acção em juízo) e o da impossibilitação, por esse facto, da respectiva prova (referindo-se o legislador à impossibilidade e não à mera dificuldade de produção de prova). Sublinhando que a «mera “falta de preparação técnica da parte onerada” ou a “especial dificuldade da prova” devida não serão, em princípio, argumentos capazes de fundar uma alteração ou inversão da repartição legal do ónus da prova». No caso de o paciente/autor haver requerido a notificação do réu para que juntasse documentação clínica, nos termos do art. 528 do antigo CPC, não juntando o réu aquela documentação, consoante o art. 529 do mesmo Código, ser-lhe-á aplicável o nº 2 do art. 519; ou seja, incumprindo injustificadamente o seu dever de cooperação para a descoberta da verdade, o seu comportamento será livremente apreciado pelo tribunal, podendo até levar à inversão do ónus da prova. Como explica Teixeira de Sousa ([9]) se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios o que significa que essa recusa vale como princípio de prova. Mas se a parte tiver culposamente tornado impossível a prova à contraparte onerada, inverte-se o ónus da prova, isto é, a parte que impossibilitou a prova passa a ser onerada com a demonstração da não verificação do facto. No caso que nos ocupa a não junção do relatório da intervenção cirúrgica poderia ter consequências a registar a propósito dos artigos da Base Instrutória cujas respostas foram impugnadas e que em virtude da omissão da junção poderiam ter havido uma resposta diferente. Reportamo-nos, essencialmente, aos artigos 48) e 96) da Base Instrutória ([10]) artigos directamente relacionados com aquilo que sucedeu quando da intervenção cirúrgica à A. levada a cabo pelo 1º R.. Vejamos, pois, se se verifica o condicionalismo aludido no nº 2 do art. 344 do CC e nos arts. 529 e nº 2 do art. 519 do CPC. No seu requerimento de prova o R. B adiantou manifestar a sua concordância relativamente à junção e requisição de todos os processos clínicos que viesse a ser requerida ou ordenada oficiosamente (fls. 144). Quanto à A., havendo junto vários documentos, requereu que a R. seguradora fosse notificada para juntar aos autos toda a documentação clínica respeitante à A. (fls. 153) – o que foi deferido por despacho de fls. 239. A fls. 434, notificada da junção de documentos pela R. E veio a A. dizer que da mesma não consta nenhum escrito do R. B pos e nem sequer o relatório da operação por ele feita, além de que não se encontra muita da documentação junta pela própria A.. Requereu que a R. seguradora juntasse a documentação em falta, havendo o Tribunal determinado (fls. 436) que aquela R. juntasse aos autos o processo cínico referente à A. existente nos seus serviços, com todos os elementos que dele fizessem parte. Esta veio dizer haver junto toda a documentação em seu poder, tentando não repetir a que já fora junta ao processo, salientando não possuir qualquer relatório da cirurgia dado, em regra, a mesma ficar com o processo do doente, no caso no I [onde a intervenção fora realizada] e que quanto muito quem poderia ter uma cópia era o R. B (fls. 452). A A. ripostou que no processo clínico da A. no I não se encontra anexado nenhum relatório sobre a intervenção cirúrgica em causa, juntando uma cópia do referido processo e requerendo que o R. B fosse notificado para se pronunciar sobre a existência e destino de tal relatório (fls. 456-460). O R. B veio aos autos informar que o único elemento de que ele dispunha era a ficha informativa por si elaborada para uso próprio e que juntou então (fls. 462-463). Entretanto foi junta aos autos pelo Hospital … toda a informação clínica que disse deter relativamente à A. (fls.527 -529), o mesmo tendo sido feito pelo J (fls. 565-635). Do que acabámos de expor resulta que a R. seguradora afirmou não possuir qualquer relatório da cirurgia que, em regra, se encontraria no processo da A. no Hospital onde a intervenção fora realizada, embora houvesse a hipótese de o R. B ter uma cópia. Afigura-se que, efectivamente, na normalidade das coisas se encontrariam no estabelecimento hospitalar em que a A. foi intervencionada os elementos respeitantes à intervenção cirúrgica ali ocorrida (é isso que acontece, por exemplo, em relação à operação realizada no J, em que a fls. 572 encontramos um «Protocolo Operatório» e a fls. 573 um documento do bloco operatório). Nada nos autos nos leva a concluir que qualquer dos RR. haja eliminado ou ocultado o relatório operatório que tivesse integrado o processo da A. no I, impossibilitando por esse modo, culposamente, a prova a cargo da A.; tal como não podemos afirmar, com segurança, que detendo eles próprios cópia do dito relatório não tenham querido proceder à junção, incumprindo injustificadamente o seu dever de cooperação para a descoberta da verdade. Refira-se que o R. B disponibilizou a ficha que, segundo disse, possuía. Aliás, a situação dos autos reveste características que dificultariam a responsabilização dos RR. pela não junção aos autos do relatório da intervenção cirúrgica tendo em conta que nunca foi ordenado ao I pelo próprio Tribunal a junção de todo o processo da A., incluindo o relatório da intervenção cirúrgica. O que sucedeu foi que a A. veio dizer que o I detinha apenas aos elementos cuja cópia ela apresentou e o Hospital nem chegou a ser confrontado com a alegada inexistência do relatório da intervenção cirúrgica ali realizado pelo R. B ([11]). Deste modo, entende-se não haver lugar à inversão do ónus da prova, nos termos do nº 2 do art. 344 do CC, mesmo com recurso ao disposto nos arts. 529 e 519, nº 2, do CPC. * IV – 3 - De acordo com o art. 655 do CPC ([12]) o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – princípio que apenas cederá perante situações de prova legal (que se reconduzem, fundamentalmente, a casos de prova por confissão, por documento e por presunção legal). Como vimos, será neste âmbito – da livre apreciação da prova – que se poderão ter em consideração as naturais dificuldades de realização da prova com que a A. se encontre onerada. O princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: «é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência aplicáveis» ([13]). Ninguém negará, no que à prova testemunhal respeita, a relevância da imediação. Daí a vantagem do Tribunal de 1ª instância, perante quem a prova se produziu e que pôde assimilar elementos que, através das gravações da prova, não são susceptíveis de chegar a este Tribunal. As diferentes circunstâncias em que se encontra o Tribunal de 1ª instância e o Tribunal de 2ª instância «terão de ser ponderadas na ocasião em que o Tribunal da Relação proceda à apreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações na decisão da matéria de facto quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados» ([14]). Vejamos, então. Perguntava-se nos artigos 25) e 45) da Base Instrutória e tiveram eles as seguintes respostas: 25) «Nesta data (1-9-2005) o membro superior direito da A. estava inchado, com o diâmetro do braço direito de aproximadamente o dobro do do esquerdo, não logrando a A. movimentá-lo livremente nem com ele suportar qualquer esforço?» Não Provado. 55) «Desde meados de Agosto de 2005 que a A. ficou com o membro superior direito completamente inchado?» Provado, apenas, que a A. ficou com o membro superior direito inchado, desde data não apurada. No que concerne a estas repostas o Tribunal de 1ª instância fundamentou o decidido nos seguintes termos: - «A resposta negativa ao n° 25 da BI é imputável ao facto de a prova testemunhal produzida ter sido vaga e inconclusiva, sendo que, apenas, a testemunha Maria … confirmou que o braço da A. já se apresentava inchado no verão de 2005, o que foi insuficiente para convencer o Tribunal, dada a ausência de referência desse facto na documentação clínica mencionada, que, certamente, a verificar-se, o teria referido, tendo em conta a relevância do mesmo em face do quadro clínico da A. na altura». - «A restrição introduzia ao n.° 55 deve-se ao facto de a documentação clínica junta aos autos nunca referir o inchaço no braço da A. na data em causa, sendo a prova testemunhal a este respeito vaga e inconclusiva (apenas a testemunha Maria … referiu que a A. apresentava o braço inchado no verão de 2005, o que foi insuficiente para formar uma convicção segura por parte do Tribunal, tendo, nomeadamente, em conta o tempo decorrido)». A apelante apoia-se fundamentalmente nos depoimentos de … e de …, pretendendo que aqueles artigos houvessem resultado integralmente provados. Ouvida a gravação do depoimento da testemunha Maria … (que foi colega da A. na D e que dela foi vizinha) constata-se que ela afirmou que a A. tinha dores no braço e que ficou com o braço e mão inchados e que foi com a A. a uma consulta em que ela já se apresentava assim, não localizando, embora, essa consulta no tempo. Mencionou que o braço já estava inchado no Verão e por isso a A. só usava manga comprida e não manga curta e que no princípio de Setembro o braço estava assim, não o mexendo a A. livremente. Já a testemunha Gracinda … (irmã da A.), ouvida a gravação do respectivo depoimento, disse que não se lembra em que época do ano a A. foi operada, sabendo apenas que ela a seguir à operação ficou com o braço inchado, o que sucedeu passado pouco tempo, não sabendo precisar quantos meses (2, ou 3 ou 4 meses, não sabe). A verdade é que a documentação junta aos autos não sugere que desde meados de Agosto de 2005 a A. tivesse o braço direito inchado e que em 1-9-2005 o mesmo estivesse inchado, com o diâmetro do braço direito de aproximadamente o dobro do do esquerdo, não logrando a A. movimentá-lo livremente nem com ele suportar qualquer esforço. O resumo de episódio de urgência documentado a fls. 26, com data de 27-8-2005, não menciona qualquer inchaço no braço (já referindo, embora, o edema o relatório de fls. 24-25, reportado a 3-12-2005). Anteriormente, em 15-7-2005, o R. B, dirigindo-se à E, menciona que a A. refere «também dores no MSD» não sendo então mencionado qualquer edema (fls. 159). As comunicações médicas de fls. 164 e 165, datadas de Setembro de 2005 não fazem referência a edema. Neste contexto, entende-se justificarem-se as respostas que pelo Tribunal de 1ª instância foram dadas aos artigos 25) e 55) da Base Instrutória, não sendo de alterar as mesmas. * IV – 4 - Perguntava-se no artigo 28) da Base Instrutória, o qual teve a resposta de «não provado»: 28) «Desde então, o 1º R. desinteressou-se completamente pela A., não mais a querendo ver?» O Tribunal de 1ª instância fundamentou a sua resposta negativa ao artigo 28) da Base Instrutória na ausência de prova sobre os factos em causa - sendo o depoimento da testemunha Maria … inócuo porque assente no que a A. lhe dissera – havendo a A. confirmado, em depoimento de parte, que fora sua opção não ser mais seguida pelo 1º R.. Com interesse para o perguntado no artigo 28) da Base Instrutória temos que a A., quando prestou depoimento de parte na audiência de discussão e julgamento (sessão de 1-7-2013) declarou que após a consulta de 2-9-2005 com o 1º R. «não mais quis ser seguida pelo mesmo, informação que prestou perante o seu marido e que este transmitiu à seguradora» (fls. 967). Aquela consulta não terá corrido de forma pacífica, tanto mais que – como decorre da resposta ao artigo 27) – «a dado momento e em circunstâncias não apuradas, o 1º R. saiu da sala onde a consulta decorria». Face ao que foi dito pela própria A., em depoimento de parte, depois dessa consulta ela própria não mais quis ser seguida pelo R. o que não coincide exactamente com o aludido desinteresse do R. na sequência da consulta. Não convence, pois, a argumentação da A., sendo que era à mesma que competia fazer a prova do por si alegado, o que não sucedeu. * IV – 5 - Perguntava-se, respectivamente nos artigos 25), 28), 48) a 50), 55), 56), 58), 59), 77) e 96) da Base Instrutória e obtiveram aqueles as seguintes respostas: 48) «Na intervenção cirúrgica de 17-5-2005 referida na alínea G), o 1º R. provocou na A. uma fístula carótido-jugular e não se certificou da sua inexistência e, por via disso, não a tratou, sanou ou corrigiu?» Não Provado. 49) «… Pelo que o sangue arterial da A. foi-se, sucessivamente, misturando com o venoso?» Não Provado. 50) «E foi por isso que: - o braço, antebraço e mão direita da A. incharam e aumentaram o seu volume exponencialmente; - a A. sentiu fortes e constantes dores nesse membro; - a A. perdeu a capacidade de movimentar livremente esse membro; - a A. perdeu toda a sua força nesse membro?» Não Provado. 52) «Apesar da intervenção cirúrgica de 14-12-2006, referida na alínea Q), os danos provocados em todo o membro superior direito da A. são irreversíveis e mantêm-se e manter-se-ão no futuro?» Não Provado. 56) «…O que ainda sucede?» Provado, apenas que, actualmente, a A. apresenta um edema do tipo linfático na mão e antebraço direitos. 58) «Perdeu a capacidade de o movimentar livremente?» 59) «Perdeu a sua força?» Provado apenas que durante período de tempo não apurado a A. sofreu limitações dos movimentos e da força do membro superior direito (resposta conjunta a 58 e 59) . 77) «Parte dessas incapacidades [com referência ao artigo anterior] são consequência directa da intervenção cirúrgica a que a A. foi sujeita em 17-5-2005 e da deficiência e omissão dos tratamentos adequados subsequentes?» Não Provado. 96) «Tal intervenção decorreu sem dificuldades aparentes: a A. tinha um disco muito degenerado que o R. removeu e aplicou o espaçador, conforme programado?» Provado, apenas, que tal intervenção decorreu sem dificuldades aparentes: a A. tinha um disco muito degenerado e o R. aplicou o espaçador. Os artigos 48) e 96) da Base Instrutória apresentam, essencialmente, duas perspectivas diversas do que sucedeu quando da intervenção cirúrgica de 17-5-2005 – a da A. e a do 1º R. – e os restantes artigos ora transcritos reportam-se, fundamentalmente, às consequências do que a A. diz que teria então ocorrido. Quanto às repostas aos artigos 48) a 50), 52), 56), 58), 59) e 77) da Base Instrutória a pretensão da apelante é a de resposta positiva aos mesmos, com o consequente afastamento da resposta dada ao artigo 96). Justifica-se, pois, o tratamento conjunto destas matérias. Referiu a propósito o Tribunal de 1ª instância, quando da motivação da matéria de facto provada: «…a prova pericial realizada (especialidades de neurocirurgia e cirurgia vascular – cfr. fls. 759, 760 e 841 e fls. 857 a 859) não permitiu concluir que a fístula carótido jugular tenha sido provocada durante a intervenção cirúrgica de 17.05.2005 ou que dela resulte, em termos de probabilidade razoável, e, por conseguinte, que tenha tido as consequências a que se aludem os n.°s 49 a 51 e 77 da BI. Acresce que, embora na documentação clínica de fls. 630 se refira uma causa traumática para o aparecimento da referida fístula, a testemunha João …, médico que subscreveu tal informação (e que esclareceu que a mesma não constituía um relatório médico), referiu em audiência de julgamento que tal conclusão foi precipitada, devendo-se a razões administrativo-burocráticas, e que, na verdade, desconhecia as causas do aparecimento de tal fístula, até porque desconhecia, também, as zonas anatómicas atingidas pela intervenção cirúrgica de 17.05.2005. De resto, a informação de fls. 573 terá sido lavrada, de acordo com o referido pela mesma testemunha João …, por uma enfermeira, sem qualquer rigor científico. Finalmente, todas as testemunhas que participaram na intervenção cirúrgica de 17.05.2005 (Maria …, anestesista; Clara …, cirurgiã ajudante; e Adelaide …, enfermeira circulante e responsável pelo bloco operatório em causa, à data dos factos) referiram, peremptoriamente, a inexistência de qualquer ocorrência ou complicação anormal. A resposta negativa ao n.° 52 da BI decorre da prova pericial produzida (cfr. fls. 858) e do depoimento da testemunha João …, cirurgião vascular, que ainda acompanha a A., e que declarou, referindo-se ao membro superior da A., que "igual nunca fica, mas com a intervenção melhorou bastante"». Vejamos. Foi determinada a realização de três perícias médico-legais – especialidades de oftalmologia e neurocirurgia (requeridas pelo R. B) e de cirurgia vascular (requerida pela A.) – ver fls. 436 e 469. Destas, com interesse para as respostas a que nos reportamos temos, essencialmente, o relatório da perícia de cirurgia vascular (fls. 857-859) e acessoriamente os “esclarecimentos” dos peritos de neurocirurgia a fls. 841 ([15]). Estes últimos escreveram que «uma fístula carótido-jugular cervical é uma complicação extremamente rara neste tipo de procedimento cirúrgico admitindo-se neste caso, na ausência de outra causa, a possibilidade de poder ter resultado indirectamente da intervenção cirúrgica em apreço. Todavia, a etiopatogenia desta complicação releva do foro de cirurgia vascular». No que respeita à perícia de cirurgia vascular os peritos disseram que não dispunham de elementos que lhes permitissem inferir que a fístula carótido-jugular tivesse alguma relação com qualquer tratamento médico ou cirúrgico previamente efectuado, acrescentando que os relatórios dos exames complementares não ajudam ao esclarecimento da questão e «tornam ainda mais remota a possibilidade da referida fístula ter alguma relação com a cirurgia efectuada em 17-5-2005». Acrescentaram que existindo a fístula a mistura de sangue arterial e venoso existiria e a mesma poderia condicionar algum grau de edema, preferencialmente localizado à região cervical e ombro direitos cujo tratamento entretanto realizado levaria a uma regressão significativa do mesmo. Disseram, também, que observando a doente em Fevereiro de 2013 se constatava «a presença de um edema do tipo linfático (e não do tipo venoso como seria eventualmente de esperar em razão da sequela de trombose venosa) localizado à mão e antebraço direitos» e que este edema não parece ter «qualquer relação nem com a fístula carotídeo-jugular (entretanto corrigida) nem com a sequela de trombose venosa», bem como que a fístula carotídeo-jugular (entretanto já tratada) e a sequela de trombose venosa «não conduzem a limitações na capacidade de movimentar o membro», nem conduzem a perda de força do membro. Concluíram, por fim, que do «ponto de vista da especialidade de cirurgia vascular, a intervenção cirúrgica efectuada em 17-5-2005 não nos parece ser responsável pelas incapacidades que a doente apresenta, nem ser consequência dessa intervenção». Ouvida a respectiva gravação, pese embora a argumentação aduzida pela apelante, afiguraram-se sérias e convincentes as respostas dos peritos aos pedidos de esclarecimentos que lhes foram formulados. Os mesmos disseram não saber qual a etiologia da fístula carótido-jugular mencionada nos autos, mas - em cerca de 30 anos de profissão - nunca haverem tido referência a uma situação de fístula carótido-jugular como complicação na sequência de uma intervenção cirúrgica à cervical como aquela que a A. sofrera. Que consultaram a literatura e não encontraram descrita essa situação; e que embora em medicina não haja verdades absolutas é altamente improvável que tal tenha sucedido (possibilidade remota em cima de possibilidade remota). A fístula como complicação da cirurgia será excepcional. Disseram, ainda, que o edema é de características linfáticas e que a perda de movimentação não tem a ver com o edema, não tem origem vascular, bem como que a fístula não provocaria aquele tipo de edema no braço. Por outro o lado, o K – especialista em angiologia e cirurgia vascular que tratou a A. e continua a segui-la - no depoimento que prestou em audiência referiu, nomeadamente, que: a A. tinha um edema moderado no braço; não saber quando o edema surgiu; ter pedido exames e ter vindo a considerar a existência de uma fístula, não podendo dizer, com certeza, que fosse uma fístula traumática, tratando-se de uma suposição. Confrontado com fls. 573 mencionou que teria sido preenchido pela enfermeira do bloco. Acrescentou que a fístula foi de difícil diagnóstico, não sabendo estabelecer a etiologia - o mais provável era ter sido provocada pela intervenção cirúrgica, havendo um nexo temporal entre as duas situações, mas o quadro não é claro (podendo até ter uma origem congénita); o primeiro diagnóstico foi de flebotrombose que foi tratada; as causas do edema do braço terão sido a flebotrombose e a fístula, mas não é de excluir o componente linfático; a A. movimenta com mais dificuldade o braço; este havendo melhorado bastante igual nunca ficará e a A. deve manter fisioterapia. A testemunha Maria … foi a médica anestesista na intervenção cirúrgica à A. realizada pelo 1º R. e é mulher deste; no seu depoimento referiu que se tratou de uma intervenção absolutamente normal. A testemunha Adelaide …, enfermeira que participou na intervenção cirúrgica á cervical da A. referiu não se lembrar de ter havido qualquer ocorrência fora do comum nas intervenções do 1º R., entre as quais se encontrava a da A. que não lembra especificamente. Na «nota operatória» documentada a fls. 463 o R. B escrevera: «Incisão transversa 1/3 inferior lado direito pescoço. Exposição C6-7 (grande HD anterior e osteofito que marcavam bem o local). Confirmação do nível com rx. Disco muito estreito adiante. Microscópio operatório. Discectomia: disco muito degenerado e saíram bons e muitos fragmentos. Exposta dura em toda extensão. Colocada gaiola CBK de 70. Controlo radiográfico em 2 pp da posição da prótese. Tudo OK excepto afastador (esófago a fazer hérnia para o local op - compressa de protecção). Não se deixou dreno. Encerramento por planos». A apreciação dos relatórios periciais, bem como da documentação junta aos autos, tendo em conta os esclarecimentos prestados pelos peritos médicos em audiência, em conjugação com os depoimentos supra referidos levam-nos a concordar com as respostas dadas aos artigos a que nos reportamos pelo Tribunal de 1ª instância. O que foi trazido aos autos através dos diversos meios de prova não nos permite concluir, desde logo, que na intervenção cirúrgica a que procedeu o R. B provocou na A. uma fístula carótido-jugular, fístula esse causadora da situação que resultou apurada – ela própria não inteiramente coincidente com o alegado pela A., como ressalta do resumo dos elementos de prova acima apontado. Saliente-se que na análise objectiva daquilo de que dispomos não concluímos que os peritos de cirurgia vascular hajam elaborado um «relatório errado, parcial e tendencioso, com respostas desconexas e desencaixadas das respectivas matérias e, sobretudo evasivas», nem que o que consta do relatório seja diferente dos esclarecimentos depois prestados, como entende a apelante. Os esclarecimentos complementam as respostas, clarificando-as, mas não contendem com elas, pronunciando-se os peritos sobre os elementos que possuíam e que haviam analisado, salvaguardando-se de afirmações sobre as quais não tinham suporte. Diremos que examinando os elementos de prova não poderemos asseverar com segurança que a fístula carótido-jugular não foi provocada na intervenção cirúrgica de 17-5-2005, mas isso não nos serve, inexistindo – como inexiste – no caso, inversão do ónus da prova. Mesmo usando de alguma brandura no grau de exigência da prova ([16]) os elementos de que dispomos não são de molde a julgar provados os factos respeitantes à intervenção cirúrgica e suas consequências consoante pretendido pela apelante. É de salientar, o alto grau de improbabilidade mencionado pelos peritos médicos. Refira-se, ainda, que a operação teve lugar em 17-5-2005 e só muito posteriormente foi detectada a fístula: no relatório do ecodoppler venoso dos membros superiores com data de 30 de Junho de 2006 (fls. 204) é que foi referido «observa-se imagem compatível com fístula arterio-venosa carótido-jugular interna direita cerca de 2/3 cm acima da clavícula». Assim, no relatório médico de 27 de Abril de 2007 é relatado que a A. foi observada na consulta de cirurgia vascular em Janeiro de 2006, que em Junho de 2006 foi detectada a fístula carótido-jugular, que em Dezembro de 2006 foi submetida a correcção endovascular da fístula e que àquela data de 27-4 apresenta melhoria acentuada do edema do membro superior e melhoria da sua actividade funcional (fls. 268). Muito embora a A. se queixasse de dores no membro superior direito já em 15-7-2005, o relatório de ultrassonografia do ombro direito realizada em 20-6-2005 concluíra que os aspectos ali referenciados são «compatíveis com a suspeita clínica de tendinite da coifa dos rotadores com derrame articular» (fls. 162), no relatório da ecografia ao ombro direito datado de 24-11-2005 a conclusão é de aspectos ecográficos a favor de peri-artrite (fls. 258), no relatório da ressonância magnética ao ombro direito datado de 19-12-2005 é emitida conclusão no sentido de ruptura da coifa dos rotadores, provável comunicação através daquela ruptura entre o espaço sub-acromiodeltoideu e a cavidade articular gleno-umeral com moderado conteúdo líquido, provável lesão fibrocartilagínea do labrum glenoideu e provável distensão capsular pós traumática acromioclavicular (fls. 259). Em 10-1-2006 foi realizado um exame, «eco venosa dos membros superiores com doppler» cujo relatório se encontra a fls. 184, ali se mencionando revelar-se aspectos de flebotrombose profunda com trombo de aspecto sub-agudo da vaia umeral direita e dificuldade no retorno venoso do braço e da mão com evidente edema. Temos, assim, uma situação cuja complexidade e dilatação no tempo não permitiria estabelecer uma relação entre a intervenção cirúrgica à cervical e a fístula carótido-jugular. Por tudo o exposto se mantêm, nos seus precisos termos, as respostas aos artigos 25), 28), 48) a 50), 55), 56), 58), 59), 77) e 96) da Base Instrutória. * IV – 6 - Como vimos, a sentença recorrida situou-se no âmbito da responsabilidade extracontratual cujos pressupostos considerou não verificados. Muito embora faça menção, nas conclusões da sua alegação de recurso, ao art. 799 do CC – que se refere à presunção de culpa do devedor, logo à responsabilidade contratual – a A. não defende que estejamos perante um caso de responsabilidade contratual ([17]) não colocando essa questão. Sem dúvida que o médico que agindo negligentemente atinge a integridade física do paciente poderá responder nos termos dos arts. 70 e 483 do CC ([18]) ([19]). De qualquer modo, só existirá falta médica «quando o médico viola, cumulativamente, uma lei da arte e o dever de cuidado que lhe cabe, e assim se afasta daquilo que dele é esperado naquele caso» ([20]). Na verdade, os pressupostos da responsabilidade extracontratual médica, no essencial, coincidem com os da responsabilidade contratual. Exigir-se-á um facto voluntário e ilícito do médico (ilicitude que consistirá na violação de uma norma de comportamento ou de um direito de outrem em virtude do incumprimento das leges artis e que deverá ser demonstrada pelo lesado, não se presumindo), culposo (aqui a culpa não se presume, como na responsabilidade contratual em que se presumiria a culpa do cumprimento defeituoso) que cause danos ao paciente, verificando-se um nexo de causalidade entre o facto e o dano ([21]). Pressupostos que não estão demonstrados no caso dos autos em que, desde logo, não se apurou que o 1º R. tenha actuado em desconformidade com as leges artis e tenha causado um dano à integridade física e à saúde da A., ou não lhe tenha prestado os cuidados devidos. O que, como considerado na sentença recorrida, leva ao insucesso da acção. * V – Face ao exposto, acordam os Juízos desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida. Custas pela A. * Lisboa, 15 de Maio de 2014 Maria José Mouro Teresa Albuquerque Isabel Canadas [1] O que, aliás, não ocorrerá apenas neste tipo de acção. [2] Na Colectânea de Jurisprudência, ano III, tomo 1, pags. 335 e seguintes. [3] Em «Sobre o Ónus da Prova Nas Acções de Responsabilidade Civil Médica», em «Direito da Saúde e Bioética», edição da AAFDL, 1996, pags. 123 a 144, nas pags. 140-142. [4] Assim, Rute Teixeira Pedro, em «A dificuldade de demonstração do nexo de causalidade nas acções relativas à responsabilidade civil do profissional médico…», Revista do CEJ , 1º Semestre de 2011, nº 15, pags. 9 a 62, referindo como uma 1ª via, as presunções judiciais, a prova prima facie e a apreciação livre da prova ( pags. 36-38); bem como Luís Filipe Sousa em «O ónus da prova na responsabilidade civil médica…», Revista do CEJ , 2º Semestre de 2011, nº 16, pags. 37-80 (pags. 77-78) . [5] Em «Responsabilidade Médica em Portugal», publicado no BMJ nº 332, pags. 21 e seguintes, nas pag. 46-47. [6] Em «O Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil por Actos Médicos», Almedina, pag. 37. [7] Na obra citada, pag. 61. [8] Texto citado, pags. 38-39. [9] Em «Estudos sobre o Novo Processo Civil», Lex, pag. 321. [10] Nos quais se inquiria: se na intervenção cirúrgica de 17-5-2005 o 1º R. provocou na A. uma fístula carótido-jugular e não se certificou da sua inexistência e, por via disso, não a tratou, sanou ou corrigiu (48); ou se a intervenção decorreu sem dificuldades aparentes: a A. tinha um disco muito degenerado que o R. removeu e aplicou o espaçador, conforme programado (96). [11] Designadamente teria interesse saber qual a razão que aquele Hospital adiantaria para a escassez de elementos do processo. [12] Antigo CPC, diploma em vigor à data em que as respostas aos artigos da Base Instrutória tiveram lugar. [13] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, «Código de Processo Civil Anotado», Coimbra Editora, II vol., pag. 635. [14] Abrantes Geraldes, «Recursos em Processo Civil – Novo Regime», Almedina, pag. 282. [15] O relatório da perícia de neurocirurgia (que se encontra a fls. 758-760) e os da perícia de oftalmologia (que se encontram a fls. 664-675 com esclarecimentos a fls. 746 e a fls. 831) não contribuem relevantemente para as respostas aos artigos da Base Instrutória a que nos reportamos no presente recurso. [16] Na perspectiva de criação de uma situação de igualdade entre as partes. [17] Em simultâneo faz menção ao art. 483 do CC. [18] Podendo haver neste domínio a concorrência ou cúmulo de responsabilidades, contratual e extracontratual que são fonte de uma única obrigação. Neste sentido, diziam Figueiredo Dias e Sinde Monteiro em «Responsabilidade Médica em Portugal», no BMJ nº 332, pag. 40: «O mesmo facto pode constituir uma violação do contrato e um facto ilícito (…) Pensamos que na inexistência de uma norma que especificamente venha dizer o contrário, se deve aceitar, como a “solução natural”, a da concorrência (rectius, cúmulo) de responsabilidades». [19] O STJ, no seu acórdão de 15-12-2011, a que se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 209/06.3TVPRT.P1.S1, entendeu: «Tendo-se o autor apresentado aos réus médicos a coberto de um contrato de seguro celebrado pela sua entidade patronal e tendo estes actuado no âmbito de um contrato de prestação de serviços médico-cirúrgicos, previsto no art. 1154.º do CC, que mantinham com a seguradora, o conteúdo da relação estabelecida entre o autor e os médicos está impressivamente contratualizado, encontrando-se no domínio da responsabilidade civil contratual». [20] Vera Lúcia Raposo, em «Do ato médico ao problema jurídico», Almedina, pag. 15. [21] Ver Vera Lúcia Raposo, obra citada, pag. 41. | ||
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