Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
113/14.1TTFUN.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: DENÚNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO
PRÉ-AVISO
DESPEDIMENTO VERBAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I – A exigência de forma escrita previsto no artigo 400.º, número 1, do Código do Trabalho respeita ao aviso prévio e não à denúncia propriamente dita.
II – Os efeitos jurídicos da falta de formalização do aviso prévio traduzem-se nas restrições de carácter probatório constantes do artigo 364.º, número 2, 393.º, número 1, 351.º, 388.º e 390.º, todos do Código Civil, cabendo ao trabalhador a demonstração do momento em que denunciou verbalmente o contrato de trabalho, bem como no eventual funcionamento do regime constante do artigo 401.º, caso não logre tal prova, sem prejuízo, finalmente, das dificuldades de aplicação, em tais circunstâncias, do disposto no artigo 402.º, todos do Código do Trabalho de 2009.
III - A declaração de despedimento traduz-se juridicamente numa declaração unilateral e receptícia, que produz efeitos a partir do momento em que é recebida ou chega ao conhecimento do destinatário, nos termos dos artigos 224.º e seguintes e 295.º do Código Civil, recaindo o ónus da prova da sua efetiva emissão sobre o trabalhador.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I – RELATÓRIO:

AA, desempregada, contribuinte fiscal n.º (…), residente na Rua(…), n.º 27, 1.º Direito, (…) Odivelas, veio instaurar, em 22/01/2010, a presente ação declarativa de condenação com processo comum laboral contra BB, LDA., contribuinte fiscal n.º (…), com sede na Rua (…), n.º 4, Funchal, (…) Funchal, pedindo, em síntese, que a presente ação seja julgada procedente, e em consequência:
1. Ser declarado ilícito o despedimento da autora efetuado pela ré;
2. Condenar-se a Ré a pagar à Autora:
a) As retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento ilícito (08/01/2014) até ao trânsito em julgado da Sentença, acrescida dos juros legais de mora a contar da data de vencimento da respetiva retribuição mensal e até efetivo e integral pagamento;
b) As importâncias relativas a férias não gozadas e subsídio de férias, vencidas a 01 de Janeiro de 2014, no valor global de 1.800,00€ (mil e oitocentos euros), acrescidas dos juros legais de mora até efetivo e integral pagamento;
c) As importâncias relativa a férias não gozadas e a subsídio de férias vincendas, até à data do Trânsito em julgado da sentença, bem assim as importâncias de subsídio de Natal, considerando a remuneração base mensal de 900,00€ (novecentos euros), acrescidas dos juros legais de mora até efetivo e integral pagamento;
d) Uma indemnização em substituição da reintegração da trabalhadora, pela qual o Autor desde já declara optar, calculada nos termos do n.ºs 1 e 2 do artigo 391.º do Código do Trabalho, a qual deve ser fixada em nunca menos do que a razão de 45 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade da trabalhadora, para computo da qual deverá atender-se a todo o tempo decorrido, desde a data do despedimento ate ao trânsito em julgado da decisão judicial, e que, nesta data ascende a €12.595,50 (doze mil, quinhentos e noventa e cinco euros e cinquenta cêntimos) (419,85 dias x €900: 30), acrescida dos juros legais de mora, a contar da citação e até efetivo e integral pagamento;
e) Uma indemnização por danos não patrimoniais, no montante de €10.000,00 (dez mil euros), por danos não patrimoniais causados pela Ré à Autora pelo despedimento ilícito, acrescida dos juros legais de mora, a contar da citação e até efetivo e integral pagamento.

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Para tanto, alegou a Autora, em síntese, que trabalhava para a Ré desde 1.09.2004 e que foi objeto de um despedimento verbal sem precedência de qualquer procedimento disciplinar, sem qualquer causa justificativa e, como tal, foi alvo de um despedimento ilegal e ilícito.
Devido ao comportamento do administrador da Ré a Autora sofreu danos morais, reclamando uma indemnização pelos mesmos.
Mais referiu que a Ré não lhe pagou qualquer retribuição relativa ao mês de janeiro de 2014, qualquer valor respeitante ao subsídio de férias vencidas a 1.01.2014, no valor de € 900,00, e não gozou as férias vencidas em janeiro de 2014, devendo a Ré ser condenada a pagar-lhe o valor equivalente às férias não gozadas, no montante de € 900,00.

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Designada data para audiência de partes (despacho de fls. 27), que se realizou, nos termos do artigo 54.º do Código do Processo do Trabalho, com a presença da Autora e da Ré (fls. 33 e 34) - tendo esta última sido citada para o efeito a fls. 31, por carta registada com Aviso de Recepção - não foi possível a conciliação entre as mesmas.

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A Ré BB, LDA. apresentou, a fls. 37 e seguintes, contestação, sustentando em síntese que a Ré denunciou verbalmente o contrato de trabalho, tendo sido acordado verbalmente entre ambas que aquela produziria os seus efeitos a 5.01.2014.
Concluiu, pedindo que a presente ação seja julgada improcedente por não provada, e, consequentemente, deverá a Ré ser absolvida do pedido.

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Foi proferido ainda, a fls. 63 e 64, despacho saneador, onde foi fixado o valor da causa em € 24.395,50, considerada a instância válida e regular, sido julgada desnecessária a realização de Audiência Preliminar, dispensada a seleção da matéria de facto assente e a elaboração da base instrutória, admitidos os requerimentos de prova, deferidas algumas diligências de prova requeridas pela Ré contestante (depois complementadas por despacho de fls. 102 e 102 verso) e dada sem efeito a data da Audiência de Discussão e Julgamento marcada em Audiência de Partes (que veio a ser designada, posteriormente, a fls. 103).
Procedeu-se à realização de Audiência de Discussão e Julgamento, com observância das legais formalidades, conforme melhor resulta da respectiva acta (fls. 104 a 107 e 108 a 110 e 112), tendo a prova aí produzida sido objeto de registo-áudio.

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Foi então proferida a fls. 114 e seguintes e com data de 24/10/2014, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes:
“Com fundamento no atrás exposto, julgo improcedente por não provada a presente ação, e, em consequência, absolvo a Ré dos pedidos deduzidos contra si.
Custas pela Autora.
Notifique.
Registe.”

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A Autora AA, inconformada com tal sentença, veio, a fls. 124 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 189 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

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A Apelante apresentou, a fls. 126 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
(…)

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A Ré BB, LDA. apresentou contra-alegações dentro do prazo legal, tendo formulado as seguintes conclusões (fls. 153 e segs.):
(…
)
*
O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da improcedência do recurso de Apelação (fls. 197 e 197 verso), não tendo as partes se pronunciado acerca do seu teor dentro do prazo de 10 dias, apesar de notificadas para o efeito. 

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Tendo os autos ido a vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – OS FACTOS:

Foram considerados provados os seguintes factos pelo tribunal da 1.ª instância:

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III – OS FACTOS E O DIREITO:

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).

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A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS:

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente ação ter dado entrada em tribunal em 15/03/2014, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às ações que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, somente em 1/01/2010.
Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.
Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011, Lei n.º 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/2012, de 26 de Março, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2013 e Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, com início de vigência a 1 de Setembro de 2013 –, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido, essencialmente, na vigência do Código do Trabalho de 2009 (este último entrou em vigor em 17/02/2009), sendo, portanto, o regime dele decorrente que aqui irá ser chamado à colação.  
 
B – IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:
(…)

C – QUESTÕES DE DIREITO DA APELAÇÃO:

Chegados aqui e tendo mantida intocada a Factualidade dada como Provada e não Provada pelo Tribunal da 1.ª Instância, entremos no julgamento das duas questões jurídicas suscitadas neste recurso de Apelação.   

D – DENÚNCIA DO CONTRATO POR PARTE DA AUTORA:

A Apelante, no que concerne a esta primeira problemática, alega os seguintes nas suas conclusões:
«V) O Juiz a quo fez errada interpretação e aplicação do art.º 400.º a 402.º do C. Trabalho, ao considerar que a manifestação pela autora, no local de trabalho, da sua intenção de ir até Moçambique em data indefinida, e que o seu pedido à entidade empregadora, feito verbalmente, para que lhe fosse passada para o efeito uma licença sem vencimento, em Março de 2013, sem que tenha alguma vez efetuado tal viagem e sem que alguma vez a dita licença lhe tenha sido sequer concedida, configura uma denúncia do contrato de trabalho pela autora/trabalhadora, podendo, legitimando que a Ré/entidade empregadora fixe a qualquer momento a data da cessação do contrato e determine cessado o contrato de trabalho por denúncia pro parte da trabalhadora.
W) O Juiz “a quo” interpretou e aplicou erradamente o disposto no art.º 381.º do C. Trabalho, designadamente o disposto na alínea c), o n.º 1 do art.º 390.º e os nºs 1 e 2 do art.º 391.º do C. trabalho, que na Douta sentença resultam violados»
O tribunal qualificou a atitude da Autora como de denúncia do contrato de trabalho por tempo indeterminado firmado entre as partes, nos termos e para os efeitos dos artigos 400.º a 403.º do Código do Trabalho, com particular incidência para os números 1, 3 e 4 do artigo 400.º.
Os números 1, 3 e 4 do Código do artigo 400.º do Trabalho de 2009, quando interpretados conjugadamente, permitiam à Autora denunciar o contrato independentemente de justa causa, mediante comunicação ao empregador, por escrito, com a antecedência mínima de 30 dias.
Constata-se que, manifestamente, não foi esse o caso, pois não só a Apelante não fez qualquer comunicação escrita - só verbal - como excedeu muito largamente o prazo de 30 dias legalmente imposto.
Se quanto ao desrespeito (por excesso) do prazo de aviso prévio não é possível, segundo o artigo 401.º do Código do Trabalho, responsabilizar o trabalhador faltoso, mediante o pagamento de uma qualquer indemnização ao empregador (pois a norma só sanciona tal violação por defeito), já quanto à não comunicação por escrito se podem suscitar dúvidas, que, contudo, sob pena de se estar a premiar o infrator, também não pode ter como consequência a não produção de feitos jurídicos próprios da mesma.
Escusado será referir que o empregador não poderá forçar o trabalhador, num caso de denúncia meramente verbal, a passá-la a escrito, sendo um contrassenso jurídico retirar-lhe eficácia jurídica, pelo simples facto de não ter sido devidamente formalizada por quem o devia fazer e beneficia de tal declaração.
Se, como Pedro Romano Martinez, em “Direito do Trabalho”, página 972 (citado por João Leal Amado, obra e local referidos na Nota 17), afirma, «a exigência de forma tem em vista a proteção do declarante, pois não foi estabelecida para garantia da entidade patronal», sendo, por outro lado e de acordo com a doutrina citada, a denúncia do contrato de trabalho por parte do trabalhador, uma das principais manifestações d o princípio constitucional da liberdade de trabalho e profissão, compreende-se as dúvidas e hesitações doutrinais nesta matéria. 
A nossa doutrina e jurisprudência parecem ser mais ou menos unânimes na qualificação que fazem dessa exigência de forma escrita como uma “formalidade ad probationem” e não “ad substantiam[1]/[2], mas julgamos que tal qualificação, muito embora afasta a nulidade da denúncia meramente verbal, arrasta consigo problemas que, embora de natureza probatória, não são fáceis de ultrapassar.
Importa não esquecer que a falta das formalidades “ad probationem” só pode ser suprida pela via determinada na segunda parte do número 2 do artigo 364.º do Código Civil: “...pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contando que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório”, o que exclui a possibilidade da sua prova por testemunhas, presunção judicial, exame pericial ou inspeção judicial – cf., respetivamente, os artigos 393.º, número 1, 351.º, 388.º e 390.º do Código Civil.
Ora, a ser assim, caso a entidade empregadora não logre obter do trabalhador tal confissão judicial ou extrajudicial, tal quererá dizer que não poderá demonstrar em juízo a referida denúncia informal e irregular? E o trabalhador poderá acobertar-se debaixo de tal cenário adjetivo e dele retirar consequências jurídicas indevidas, v. g., as derivadas do despedimento ilícito, a não ser que a entidade patronal logre invocar e demonstrar os factos constitutivos da exceção do abuso de direito?
Não podendo ter sido esta a solução procurada pelo legislador, quando determinou a forma escrita para a denúncia (cfr. artigo 9.º, número 3, do Código Civil), importa recordar aqui a divisão que se desenhou ao nível da nossa doutrina, defendendo a maioria, segundo cremos, que tal exigência formal respeita apenas ao prazo de aviso prévio[3], ao passo que outros, como o Dr. Pedro Furtado Martins, a direcionam igualmente à própria denúncia.[4]
Apesar do Dr. Pedro Furtado Martins ir ao encontro da restante doutrina no que toca aos efeitos jurídicos da denúncia não formalizada[5] e sem ignorarmos a norma do artigo 402.º (revogação da denúncia), que parece querer estender a forma escrita à própria denúncia, julgamos, ainda assim e depois de ponderar os diversos elementos interpretativos – por vezes contraditórios e/ou infelizes –, que ressaltam do regime respeitante à denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador, que a interpretação mais adequada e conforme a tal regime é a que restringe a exigência de forma escrita ao aviso prévio e não à denúncia propriamente dita.
Importa recordar que o artigo 403.º do Código do Trabalho de 2009 consagra um tipo de denúncia que dispensa qualquer declaração expressa do trabalhador quer por via escrita como verbal, para operar juridicamente (basta o empregado deixar de comparecer ao trabalho, sem nunca mais dar notícias, por um período mínimo de 10 dias úteis seguidos).
O próprio artigo 401.º, ainda que referente ao desrespeito do prazo de aviso prévio, pode ser invocado em reforço de tal tese, por conferir eficácia jurídica a uma denúncia imediata, ainda que sujeita às consequências legais de índole indemnizatória que derivam de tal atitude inesperada e irregular.
O princípio constitucional da liberdade de trabalho e profissão parece igualmente apoiar tal interpretação, por não ser facilmente conciliável com tais restrições de índole formal, quer no plano substantivo, como adjetivo, à livre denúncia do contrato de trabalho por parte do trabalhador (cfr., acerca dessa tensão entre as duas realidades, João Leal Amado, obra citada, páginas 447 e seguintes).
Os efeitos jurídicos da falta de formalização do aviso prévio reconduzem-se às restrições de carácter probatório já acima referenciados, sendo certo que cabe ao trabalhador a demonstração do momento em que denunciou verbalmente o contrato de trabalho, bem como ao eventual funcionamento do regime constante do artigo 401.º, caso não logre tal prova, sem prejuízo, finalmente, das dificuldades de aplicação, em tais circunstâncias, do disposto no artigo 402.º, todos do Código do Trabalho de 2009.        
Sendo assim, tem de confirmar-se a sentença impugnada, que, no que toca a esta questão da denúncia, entendeu e bem que a Autora denunciou, ainda que verbalmente, o vínculo laboral existentes entre ambos.
Sendo assim, pelos fundamentos expostos, tem esta parte da Apelação do Autor de ser igualmente julgada improcedente.          
           
E – DESPEDIMENTO ILÍCITO:

No que respeita à ocorrência de um despedimento ilícito, afirma a recorrente, nas suas conclusões, o seguinte:
«E JULGANDO PROVADO QUE A AUTORA FOI DESPEDIDA ILICITAMENTE, PORQUE DE FORMA VERBAL, SEM PRECEDÊNCIA DE PROCESSO DISCIPLINAR E SEM JUSTA CAUSA, E POR CONSEQUÊNCIA JULGANDO A ACÇÃO PROCEDENTE E CONDENANDO-SE A RÉ A PAGAR A PETICIONADA INDEMNIZAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO DA REINTEGRAÇÃO, NO VALOR DE 12.595,50€, A PAGAR À AUTORA AS RETRIBUIÇÕES QUE DEIXOU DE AUFERIR DESDE A DATA DO DESPEDIMENTO ILÍCITO ATÉ À DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA, ACRESCIDA DOS JUROS LEGAIS DE MORA; BEM ASSIM JULGANDO-SE PROVADOS OS DANOS PATRIMONIAIS CAUSADOS À AUTORA EM VIRTUDE DO MESMO DESPEDIMENTO, E CONDENANDO-SE A RÉ A PAGAR-LHE A INDEMNIZAÇÃO DE 10.000,00€ PETICIONADA, ACRESCIDA DOS JUROS LEGAIS DE MORA A CONTAR DA CITAÇÃO E ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO.”
Perante o que ficou provado e não provado, não se pode falar em qualquer cessação ilícita do contrato de trabalho por parte da Ré, sendo certo que, nos termos das regras do ónus da prova já antes referenciadas, não só o trabalhador não logrou demonstrar os factos constitutivos do seu direito, como a entidade empregadora conseguiu a fazer a prova da denúncia do dito contrato por parte daquela.
Tal cenário implica naturalmente a improcedência da Apelação nesta outra vertente jurídica.     

IV – DECISÃO:

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 662.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto por AA, confirmando-se, nessa medida, a sentença recorrida.

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Custas do presente recurso a cargo da Autora, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido – artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.

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Registe e notifique.


Lisboa, 29 de Abril de 2015     

José Eduardo Sapateiro)
Sérgio Almeida
Jerónimo Freita)


[1] Cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/09/2010, processo n.º 293/07.2TTSNT.L1.S1, relator: Vasques Dinis, publicado em www.dgsi.pt e na CJSTJ, 2010, Tomo III; páginas 251 a 254
«IV – Nos termos do artigo 384.º, do Código do Trabalho de 2003, o contrato de trabalho pode cessar por caducidade, revogação, resolução ou denúncia – por sua vez, o artigo 447.º, do mesmo diploma legal, estabelece que o trabalhador pode denunciar o contrato independentemente de justa causa mediante comunicação escrita enviada ao empregador, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respetivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade.
V – Todavia, a comunicação escrita a que alude o artigo 447.º, n.º 1, do Código do Trabalho, é uma formalidade ad probationem, não produzindo a sua falta a invalidade da denúncia, justificando-se a exigência da sua forma escrita para prova de que foi respeitado o prazo de antecedência mínima referido no artigo 447.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
VI – Com efeito, no caso da cessação do contrato de trabalho por iniciativa e vontade unilateral do trabalhador, prevalece o princípio da denúncia livre ou da liberdade de desvinculação: o trabalhador não pode ser forçado a continuar a prestar trabalho contra a sua vontade, independentemente do modo como tal vontade se tenha manifestado.
VII – Assim, a declaração verbal da denúncia por parte da trabalhadora – nos termos exarados em III – tem como efeito válido a extinção do contrato, sendo extemporânea, face ao disposto no artigo 449.º, n.º 1, do Código do Trabalho, a declaração, por si produzida em 20 de Julho de 2006, de que havia mudado de ideias.» 
[2] Cf., quanto à distinção entre esse tipo de formalidades (“ad substantiam”) e aquelas qualificadas como “ad probationem”, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 3.ª Edição Revista e Atualizada, 1982, páginas 321 e 322, em anotação ao artigo 364.º do Código Civil.
[3] Maria do Rosário Palma Ramalho, em “Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais”, Volume II, Almedina, Julho de 2006, página 922, Nota 520 afirma isso mesmo, citando igualmente a esse respeito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/01/2004, publicado em CJ, 2004, Tomo I, páginas 149 e seguintes: «Em bom rigor, é o aviso prévio da denúncia que se sujeita à exigência da forma escrita e não a própria denúncia…».
Também Abílio Neto, em “Novo Código do Trabalho e Legislação Complementar Anotados”, 2.ª Edição, Setembro de2010, EDIFORUM, página 956, Nota 2, vai nesse mesmo sentido.
João Leal Amado, em “Contrato de Trabalho”, 2.ª Edição, Janeiro de 2010, publicação conjunta de Wolters Kluwer e Coimbra Editora, Nota 624 da página 451, sem tomar posição expressa sobre a controvérsia doutrinal existente, refere que Albino Mendes Batista, no seu texto “A cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador no Código do Trabalho”, publicado em Estudos sobre o Código do Trabalho”, páginas 54 a 56, sustenta a mesma posição da Professora Palma Ramalho.       
[4] Pedro Furtado Martins (citado, aliás, pela Professora Palma Ramalho, obra e local citados na Nota anterior) em “Cessação do Contrato de Trabalho”, 3.ª Edição revista e atualizada, Julho de 20102, Principia, páginas 546 e 547, sustenta o seguinte, a esse propósito, infletindo assim na sua posição anterior: «IV. A denúncia deve ser declarada «mediante comunicação ao em­pregador, por escrito», com a antecedência atrás referida (artigo 400.º, n.º 1). Em ocasiões anteriores, sustentamos que a exigência de forma escrita não se referia à denúncia em si mesma, mas ao aviso prévio que o trabalhador tem do conceder'. Revemos esta posição, por hoje nos parecer mais cor­reto e conforme aos dados normativos referenciar a exigência de forma à declaração de denúncia em si mesma. Contudo, à inobservância de forma não se aplica a regra geral do artigo 220.º que comina a nulidade da declaração, uma vez que a denúncia continua a ser válida e eficaz, produzindo a cessação da relação contratual. Verifica-se assim a exceção que a regra do C6digo Civil prevê, admitindo sanção diversa da nulidade. O que significa, em suma, que a forma escrita da denúncia não é condição de validade e da eficácia da declaração extintiva, mas apenas da sua regularidade.
É certo que a legislação laboral não se refere diretamente à falta de forma da denúncia. Regula apenas a hipótese em que o trabalhador não cumpra, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio, associando ao incumprimento o dever de indemnizar o empregador (artigo 401.º). E, em rigor, são coisas diferentes a declaração de denúncia (que pode ou não ser formalizada por escrito) e a comunicação dessa declaração ao empregador, que deve ser efetuada com certa antecedência. Por isso poder-se-ia pensar que a denúncia não formalizada por escrito seria nula, nos termos gerais, mantendo-se o contrato de trabalho vigente, ainda que contra a vontade do próprio trabalhador em fazê-lo cessar. Temos por certo que esta hipotética leitura não é correta. Ela seria diretamente contraditada pelo regime que a lei estabelece, quer para a ausência de aviso prévio quer, em especial, para os casos de abandono do trabalho (cft. artigo 403.º e infra. n.º 5.4). A única solução que assegura a coerência do regime legal - ou, se se preferir, aquela que decorre desse regime, considerado na sua globalidade - é admitir a validade e a eficácia da denúncia não devidamente formalizada, tal como sucede nos casos de abandono do trabalho, em que a denúncia nem sequer chega a ser comunicada por qualquer modo, escrito ou verbal) ao empregador».  
[5] Muito embora nos pareça que o referido autor, ao chamar à colação o regime do artigo 220.º do Código Civil e qualificar aparentemente a forma escrita da denúncia como mera formalidade “ad probationem”, não clarifica depois qual é a sanção especial prevista na última parte daquela disposição legal, para tal omissão. (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada na Nota 16, em anotação ao artigo 220.º do Código Civil). 

Decisão Texto Integral: