Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
304/18.6PDSNT.L1-5
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PREVENÇÃO GERAL
CÚMULO DE PENAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: - Para que se proceda à alteração da matéria de facto, teria este que se demonstrar que a convicção obtida pelo tribunal a quo constitui uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação das aludidas regras, uma manifestamente errada utilização de presunções naturais, não bastando que apresente uma argumentação no sentido de que outra convicção era possível.
- No crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nºs 1 e 2, do Código Penal, fazem-se especialmente sentir, tendo em conta o bem jurídico violado no crime em questão – a autodeterminação sexual de crianças –,  as exigências de prevenção geral revestem elevada intensidade, porquanto os crimes em causa são graves e repugnam fortemente à consciência da comunidade, havendo ainda que ter em atenção o aumento considerável deste tipo de crimes que se vem registando, impondo-se que se desmotivem os demais indivíduos da prática de condutas desta natureza, assim se repondo, também, a confiança na validade da norma e eficácia do sistema jurídico.
- Para se encontrar a pena única “tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade (...) de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO
1. Nos presentes autos com o NUIPC 304/18.6PDSNT, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Central Criminal de Sintra – Juiz 2, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, foi o arguido A. condenado, por acórdão de 16/04/2020, nos seguintes termos:
Pela prática de 16 crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, por cada um deles;
Após cúmulo jurídico, foi aplicada a pena única de 10 anos de prisão,
Foi fixada à ofendida LS a quantia de 30.000 euros a título de montante compensatório, nos termos do artigo 16º, da Lei nº 130/2015, de 04/09 e artigos 67º-A e 82º-A, do CPP, e o arguido condenado a pagar-lhe tal importância.
2. Também em 16/04/2020, foi proferido despacho em que se indeferiu a pelo arguido assinalada nulidade da sessão da audiência de julgamento de 02/04/2020 e actos subsequentes, por não ter sido assegurado o direito à defesa na sua plenitude em virtude da substituição da sua defensora por outra nomeada para o acto.
3. O arguido não se conformou com o teor da decisão condenatória e bem assim com o despacho referido e deles interpôs recurso, na mesma peça processual, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):
I. O presente recurso tem como objeto a apreciação das questões que se seguem.
II. Da nulidade insanável do decurso da sessão de dia 02/04/2020 da audiência, a qual se realizou sem a presença da defensora nomeada no primeiro interrogatório de Arguido detido, subscritora da presente peça, ainda que feita com a presença da defensora indevidamente nomeada, prevista na alínea c), do art. 119º, do CP.
III. Da inconstitucionalidade por violação do artigo 20.º, n.º 4 e do artigo 32.º, n.º 1, ambos da CRP e do princípio da segurança e da confiança jurídica, ínsito no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.º, também da CRP, a norma da alínea c), do artigo 119.º, do CPP.
IV. Da decisão proferida quanto à matéria, nomeadamente: concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados.
V. E, ainda, a determinação da medida da pena.
VI. Face à matéria dada como provada, a medida da pena aplicada não nos parece que seja adequada.
VII. De facto, as exigências de prevenção geral e especial não justificam tal medida, face aos contornos extremamente simplistas em que os factos ocorreram.
VIII. Pelo exposto, o tribunal a quo violou o artigo 71º do CP.
Nestes termos, e sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.as, deverá ser dado provimento ao presente recurso, declarando a invocada nulidade insanável ou, caso assim não se entenda, declarando a alegada inconstitucionalidade.
Sem conceder, sempre se requer que seja reapreciada a prova, requerendo- se, desde já, a realização de audiência, devendo a Menor ser convocada para prestar os esclarecimentos acima suscitados.
Requer-se, ainda, a V.Ex.as que, caso venham a substituir a decisão final proferida, sempre o façam com a aplicação ponderada da medida da pena.
4. O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu à motivação de recurso, pugnando por lhe ser negado provimento.
5. Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
6. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.
7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência (pese embora o arguido tenha requerido a realização de audiência, esta pretensão foi oportunamente indeferida e determinado o julgamento do recurso em conferência).
Cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
1.   Âmbito do Recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.
No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:
Verificação da nulidade insanável prevista no artigo 119º, alínea c), do CPP/inconstitucionalidade da norma.
Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento.
Dosimetria das penas parcelares e única aplicadas.
2. O despacho recorrido, proferido aos 16/04/2020, tem o seguinte teor, na parte que releva e conforme consta da acta escrita da audiência de julgamento (transcrição):
Quanto ao requerimento atravessado pela Ilustre Defensora do arguido, reconhecendo-se o atraso da disponibilização da ata, tal vício que não consubstanciaria nulidade, encontra-se sanado.
Quanto à questão da nulidade de todos os atos entretanto praticados, como é consabido, o regime das nulidades é orientado pelo princípio da tipicidade e não foi, em concreto, indicada qualquer norma jurídica na qual se possa depreender estarmos perante tal vício, que, a existir, insiste-se, estará sanado.
A ata não se limita à peça processual subscrita pelo Juiz Presidente mas que é também constituída pelo suporte digital de gravação de tudo o que se passou na audiência (e tal gravação não foi subtraída à defesa) e dela constam os motivos pelos quais se entendeu ser indispensável a substituição, para o ato, da Ilustre defensora do arguido, substituída nos termos do artigo 64º do Código de Processo Penal por Ilustre defensora a quem foram expostos os motivos da nomeação e mecanismo no artigo 358 nº 1 e 3, e que declarou prescindir do prazo de organização de defesa que, tanto que poderá alcançar da audiência e da ata, foi assegurado com a diligência possível.
Assim, inexiste qualquer fundamento, por força dos motivos indicados pela Ilustre defensora do arguido, para ser adiada a presente audiência de julgamento e ser repetido o ato processual ocorrido em 02-04-2020.
Acresce que os motivos invocados no requerimento prévio a tal sessão de audiência de discussão e julgamento se prendiam com a organização pessoal da Ilustre Defensora e que sempre poderiam ter sido, mais atempadamente, ser apresentados ao tribunal. E isto sem se pôr em causa que estamos em perante situações excepcionais em que vivemos e que a todos temos que nos habituar
3. O acórdão recorrido
O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):
1. LS nasceu a 06-02-2007.
2. A menor residia, entre 2015 e novembro de 2018, com os seus pais na Praceta ... , no Monte Abraão, ainda que o seu pai se tivesse ausentado daquela morada durante alguns meses.
3. O arguido era amigo do pai da LS .
4. Em setembro de 2017, o arguido foi residir para aquela habitação, em troca do pagamento de quantia mensal acordada com os pais da LS .
5. O arguido dormia na sala da casa.
6. O arguido deixou de residir na casa da menor LS em fevereiro de 2018.
7. Pouco após essa data, o arguido continuou a frequentar a habitação da menor.
8. Até ao dia 2 de novembro de 2018, o arguido encontrou-se sozinho pelo menos uma vez por semana com a menor.
9. Esta, por rotina, chegava a casa vinda da escola por volta das 18h00.
10. Nessas ocasiões, à hora que a LS chegava, a sua mãe, que chegava entre as 19h00 e as 20h00, não se encontrava em casa.
11. Em datas não concretamente apuradas, entre maio de 2018 e o dia 2 de novembro de 2018, com uma frequência pelo menos semanal, quando a LS regressava da escola e aproveitando-se do facto de se encontrar sozinho com a menor, na referida residência, o arguido chamava-a até à sala.
12. Em seguida, o arguido abria a braguilha das calças que envergava, retirava o pénis e, com o mesmo ereto, agarrava na cabeça da LS , introduzindo-o na boca da menor, a quem dizia para efetuar movimentos de sucção.
13. A menor fazia esses movimentos de sucção e, decorrido algum tempo, o arguido ejaculava no interior da boca daquela.
14. Após ejacular o arguido, em tom sério, dizia à menor que “se contasse a alguém que a matava”, o que causava medo na LS.
15. Por diversas vezes, nesse período e naquela habitação, e com a mesma frequência semanal, o arguido beijou a menor na boca.
16. Num número não apurado de vezes, nessas mesmas ocasiões, o arguido retirou a roupa que a menor envergava e, com o pénis ereto, introduzia o mesmo no interior do ânus desta, causando-lhe dor.
17. No dia 2 de novembro de 2018, cerca das 19h00, o arguido estava na residência da LS .
18. Nessa ocasião, o arguido, aproveitando-se do facto de se encontrar sozinho com ela, disse-lhe para entrar no quarto dela, de onde a menor estava a sair, o que ela fez.
19. No quarto, o arguido abriu a braguilha das calças que envergava, retirou o pénis e, com o mesmo ereto, agarrou na cabeça da menor e introduziu o mesmo na boca desta, dizendo-lhe para ela efetuar movimentos de sucção, o que ela fez, não tendo o arguido ejaculado porquanto a mãe da menor entrou em casa.
20. Nas ocasiões acima descritas, o arguido nunca utilizou preservativo.
21. O arguido sabia que a LS era menor e que a mesma, à data dos factos, tinha 11 anos de idade.
22. O arguido agiu com o propósito concretizado de satisfazer os seus desejos sexuais com uma criança e de manter com a mesma relações sexuais completas de coito anal e oral, aproveitando-se do facto de estar várias vezes sozinho com a mesma na habitação.
23. Mais, sabia o arguido que a sujeição da menor LS a contactos dessa natureza era suscetível de interferir com o seu desenvolvimento e autodeterminação sexual e, ainda assim, não se coibiu de atuar da forma descrita.
24. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal como crime e tinha capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
25. Na Guiné Bissau, país de origem do arguido, as pessoas mais velhas são, por tradição, tratados por “tios”, independentemente da relação familiar ou grau de intimidade que exista.
26. O arguido é conhecido, por aqueles com quem priva, pelo diminutivo de “Dôdô”.
27. O arguido é natural e nacional da Guiné-Bissau, país onde habitou até aos 35 anos de idade.
28. O seu processo de desenvolvimento pautado pela estabilidade afetiva e por regras e valores socialmente ajustados, decorreu integrado num agregado familiar de origem Cabo Verdiana de mediana condição social.
29. O pai era comerciante e a mãe dedicava-se às lides domésticas, colaborando também com o cônjuge na atividade agrícola.
30. Os pais já são ambos falecidos.
31. O arguido frequentou a escola em idade própria, concluindo o 11º ano de escolaridade aos 20 anos de idade.
32. A sua origem Cabo Verdiana desencadeou algumas reações de descriminação por parte dos seus colegas de escola.
33. O arguido efetuou algumas formações, nomeadamente na área de produção de arroz durante um período de dois anos e, posteriormente em estatística agrícola.
34. O arguido, no âmbito desses programas de formação, esteve integrado em projetos de agricultura/fruticultura durante oito meses.
35. Entre 1987 e 1990, trabalhou no Ministério do Desenvolvimento Rural e Agrícola da Guiné.
36. Em 1991, efetuou um estágio de estatística agrária e, posteriormente, exerceu o cargo coordenador duma província da Guiné, atividade que desempenhou até 2001.
37. Nesse ano, imigrou para Portugal a convite de um familiar.
38. Esta decisão foi precipitada pela situação de instabilidade político-social em que se encontrava o seu País de origem.
39. O arguido, em Portugal, integrou o mercado de trabalho essencialmente na área da construção civil, atividade que tem mantido.
40. Em Portugal, residiu em vários locais, como Setúbal, Santo António dos Cavaleiros, Porto, entre outros.
41. O Arguido atribui à crise económica vivida em Portugal o facto de não manter de forma duradoura o local de habitação, com inclusão frequente em diferentes agregados da família alargada.
42. Na Guiné, o arguido tem um filho, atualmente com 26 anos de idade, fruto de uma relação afetiva que manteve naquele país até aos seus 27 anos de idade.
43. A mãe do filho faleceu há cerca de ano.
44. O arguido manteve ainda outro relacionamento amoroso, aos 43 anos de idade, que durou cerca de dois anos, que terá terminado por ciúmes da parte da companheira.
45. Em 2016, iniciou uma relação de namoro com a atual companheira com quem passou a residir desde maio de 2018.
46. O arguido é reconhecido, no seu meio social e profissional, como uma pessoa íntegra, respeitadora, trabalhadora e amável, com um percurso de vida normativo e bom relacionamento com os vizinhos, na localidade onde vive atualmente.
47. Ao nível da estruturação do quotidiano, o arguido estava integrado no mercado de trabalho, ocupando os tempos livres e o convívio social com a família e amigos.
48. No Verão de 2018, o arguido trabalhava para a TL , S.A.), com quem tinha celebrado um contrato de trabalho a termo incerto e auferia € 581,00 brutos por mês.
49. O arguido é diabético e hipertenso.
50. Enquanto recluso, tem recebido visitas regulares da companheira e do primo.
51. Mantém um comportamento adequado, em meio institucional, não tendo sido alvo de qualquer sanção disciplinar.
52. Não tem sanções averbadas no seu registo disciplinar.
53. O arguido não tem qualquer condenação averbada no seu registo criminal.
Quanto aos factos não provados, considerou como tal (transcrição):
a. Que entre outubro de 2017 e maio de 2018, o arguido, com uma frequência quase diária tivesse atuado conforme se descreveu de 11. a 19.
b. Que a mãe de LS se quisesse vingar do arguido por este não querer manter o relacionamento sexual que tivera com esta.
c. Que MCB  não se conformasse com o fim do relacionamento sexual que manteve com o arguido.
d. Que qualquer relação anal com uma menor de 11 anos produzisse fissuras e sequelas.
e. Que o pai da LS vivesse na Margem Sul do Tejo mantendo contacto de vez em quando com a menor.
Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):
A convicção do tribunal, quanto aos factos imputados na douta pronúncia e que se deram por assentes, funda-se no confronto crítico das declarações prestadas pelo arguido, com os depoimentos das testemunhas LS (inquirida em declarações para memória futura) MCB , DG , MTN e FSS , com as fotografias de fls. 26 a 28, processo clínico de fls. 141 a 147, certidão de assento de nascimento de fls. 290 e resumo das obras e horários mantidos pelo arguido nos anos de 2017 a 2018, de fls. que antecedem e com a prova pericial relevante, em concreto, os autos de exame pericial de clínica forense - sexologia - de fls. 118 e de perícia de natureza sexual, de fls. 134 a 137 e 210, completados com os esclarecimentos das peritas que os elaboraram, Prof. Drª AN e Dr.a VR , relatório de exame pericial de pesquisa de vestígios biológicos e análise de ADN de fls. 164 e ss. e fls 218 e o relatório de perícia médico-legal de psicologia de fls. 364 e ss, que teve por objeto a menor LS.
Ora, apesar do arguido negar os factos, avançando com uma explicação alternativa dos mesmos, resumida à teoria de que MCB , a mãe da menor, orquestrou a versão desta para se vingar por ele não pretender manter o relacionamento sexual que os tinha ligado, o certo é que nada corrobora a sua alegação. Em concreto, o depoimento de APF, a sua companheira, não permite infirmar a força probatória dos depoimentos e demais meios de prova ora nomeados, já que não tem conhecimento direto e suficiente de factos que permitam dar crédito à versão do arguido.
Também a postura corporal do arguido e a clarividência do seu discurso não são de molde a convencer o Tribunal ou, sequer, suscitar dúvidas assinaláveis.
Já a versão levada à acusação e à pronúncia foi amplamente demonstrada, ainda que não em toda a sua extensão, na medida em que não se comprovou que o arguido manteve relações sexuais de coito oral e anal, no interior da habitação da menor LS quando coabitava com esta e, em concreto, no período que decorreu de outubro de 2017 a maio de 2018.
Ainda que a interpretação do valor probatório dos depoimentos, em especial o da menor LS esteja sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, não se impondo qualquer prova corrobotória, a concatenação dos demais depoimentos e da prova pericial permite ancorar, de forma segura, a certeza de que o arguido, nos seis meses que antecederam o dia 2 de novembro de 2018, com uma frequência semanal, praticou os factos que se deram por assentes de 8. a 20..
Quanto ao episódio de dia 2 de Novembro de 2018, que coincide com a denúncia, as perceções das testemunhas MCB e DG  são coerentes entre si e com o relato que vem a ser apresentado pela menor LS.
O próprio arguido não afasta que, nesse dia, houve um confronto verbal com a depoente MCB  no interior da casa desta, onde permanecia, no quarto de dormir, a menor LS . E reconhece que tinha, ainda que por descuido, a braguilha aberta, o que originou que a MCB , chegada a casa naquele momento, e segundo ele, inopinada e desproporcionadamente, fizesse um “escândalo”. Admite, igualmente, bem saber a idade da menor, assente em 1., facto corroborado pela certidão de assento de nascimento de fls. 290.
A testemunha MCB  assevera que, ao chegar a casa, pelas 19 horas, teve como que um pressentimento, ou seja, percecionou que algo se passava no interior da casa que fugia à normalidade. Aí, quando se encontrava à porta, vê o arguido a sair do quarto de dormir da testemunha e da LS e onde esta se encontrava. Observa, não tem dúvidas, que o arguido vinha descomposto, com o pénis ainda ereto, por fora das calças. Quando a depoente MCB  abre a porta, constata que a sua filha estava deitada e escondida, envergonhada, por debaixo da roupa da cama. E reconhece que, desnorteada, brigou com o arguido e com a própria testemunha DG , dizendo-lhes que se “uniram para lhe fazer mal”, reação que se reputa como normal, atentas as circunstâncias e a perturbação provocada por aquele cenário, e que excluem qualquer premeditação ou calculismo por parte da testemunha.
Aliás, esta assumiu, sempre num depoimento espontâneo e clarividente, o relacionamento sexual que manteve com o arguido A., incentivada que foi pelo DG . Ao contrário do que o arguido conta, MCB  revela que apenas se envolveu sexualmente com ele entre Agosto e em Setembro de 2018 e por duas vezes, na sala e na cozinha. Apesar destes contactos, a própria depoente não se mostrou interessada em continuar com o relacionamento, explicando que o arguido era homem “que andava com muitas mulheres”, o que não lhe interessava.
Ou seja, não se admite como plausível que a situação tenha sido empolada por MCB  que, nesta data e deparada com esta situação, obtém o esclarecimento da filha, a medo e após insistência sua, sobre a subjugação sexual da que vinha sendo sujeita pelo arguido.
E a sua reação temperamental e natural numa mãe, foi percecionada por DG .
Este, num depoimento mais evasivo (percebe-se o incómodo do depoente que tem uma relação profunda de amizade com o arguido) nada refere que possa desabonar o depoimento e credibilidade de MCB  e da filha LS.
DG  afirma que jamais se apercebeu que o arguido andasse “de volta da miúda”, mas naquele dia 2 de novembro, este veio entregar dinheiro à testemunha para que esta pagasse o quarto, o que dá conta da familiaridade existente entre ambos, do grau de dependência do primeiro em relação ao segundo para a realização das mais básicas tarefas e de que era habitual a presença de A. na casa.
Ainda que a testemunha se esforce por dizer que naquele dia veio cá baixo abrir a porta e subiram juntos, apenas em sede de últimas declarações é que o arguido deixa claro que o trinco estava estragado, o que não foi confirmado por MCB  e marido.
A testemunha DG explica, igualmente, que naquele dia não se apercebeu se o arguido saiu da casa, já que se fechou no seu quarto, o que permite compreender que DG  concedia a A. uma amplitude de movimentos na casa, mesmo depois de ter deixado de ali residir, pouco compaginável com a de mera visita a um hóspede.
E tal como se pareceu desinteressar do que o arguido se manteve a fazer naquela casa, onde apenas se encontrava uma menor de 11 anos, tudo indica que esta testemunha não esteja em condições de assegurar que o arguido não mereceu, noutras data, esta amplitude de movimentos.
O depoente admite que se encerrou no seu quarto e que, passado algum tempo, ouviu a MCB  a falar alto com o arguido. Então, saiu do quarto e apercebeu-se que aquela acusava o arguido, além do mais, de manter a braguilha aberta.
Depois do arguido sair, reconhece a testemunha, aconselhou a MCB  a não falar com a criança, preocupação anómala que permite concluir que esta testemunha ou se apercebeu, naquele momento, do que se podia ter passado, ou não se mantinha na ingenuidade quanto ao que se vinha passando em datas anteriores.
Ora, o depoimento da LS, mesmo que antecipada e mediatamente realizado através do Mm° Juiz de Instrução Criminal, é valorado por este tribunal como absolutamente espontâneo, consistente, objetivo e, tanto quanto é possível à menor, fundamentado.
Perpassa do depoimento da menor a vivência na primeira pessoa de episódios traumáticos, parecendo fazer uma ativação emocional adequada à sua idade.
O valor probatório deste depoimento é fortificado pelos depoimentos dos seus pais, FSS  e MCB  e pelo depoimento de Maria Teresa Lopes Nunes, pelos esclarecimentos das peritas AN e VR e, sobretudo, pelo relatório de perícia médico-legal de psicologia de fls. 364 e ss.
Ora, as perícias forenses, com força probatória reforçada prevista pelo artigo 163.º do Código de Processo Penal, assentam num juízo técnico, científico e artístico que se presume subtraído à livre apreciação do julgador.
O relatório pericial ora nomeado, assente em juízos técnico-científicos expostos de forma clara e coerente, permite ancorar a convicção do Tribunal quanto à dinâmica dos factos que são descritos pela vítima e à credibilidade que esta merece.
Ali, observou-que que a menor LS “apresentou à data do exame um humor eutímico (normal), com uma postura calma e globalmente colaborante perante a avaliação pericial, tendo produzido um discurso espontâneo, organizado, contextualizado espácio- temporalmente, detalhado e compreensível sobre os factos em apreço, revelando uma linguagem adequada para a sua idade e num registo, globalmente, consistente e credível com as suas declarações prévias.
(....) O seu discurso foi coerente e consistente, sem que tal seja hipoteticamente produto da sua imaginação ou induzido por terceiros. (...) Não se observa particular suscetibilidade interpessoal no registo comportamental e psíquico da menor (....)”, mais se concluindo que “a menor revela capacidade de compreensão sobre a gravidade do conteúdo dos autos” e que “relativamente a eventual sofrimento psicológico diretamente associado ao conteúdo dos autos, constata-se que o impacto foi acentuado e diretamente imputável às vivências abusivas em apreço nos autos, com grave prejuízo para a sua saúde e desenvolvimento mental e emocional, com repercussões significativas ao nível psicossocial e na construção da sua personalidade”.
Ou seja, este relatório pericial, apoiado no recurso à Escala de Crenças sobre Abuso Sexual (ECAS) e na Escala de Percepções e Atribuições da Criança (CAPS), conclui pela genuinidade do depoimento da menor, isento de contaminação pela influência de adultos ou de outros pares, e reforça a confiança que o mesmo merecera ao Tribunal.
Este relatório pericial, assente em juízos técnico-científicos, apoia a decisão do Tribunal de dispensar a menor de prestar depoimento presencialmente, concluindo, também, que tal apenas serviria como um maior “foco de agravamento do seu sofrimento, não possuindo esta da maturidade ou da robustez psicológica para ser sujeita a tal”.
Também outros profissionais e técnicos experientes, que contataram no exercício das suas funções com a menor, como a Inspetora da Polícia Judiciária MTN e as Peritas AN e VR , ficaram com a perceção de que a menor estava a experimentar um sofrimento genuíno e que não seria induzido por terceiros.
Para além de MCB , a mãe da LS , que presenciou factos que lhe permitem ter ficado com a perceção das sevícias sexuais de que a menor vinha sendo alvo, o pai da LS , FSS , tem um depoimento que permite reforçar a certeza de que o sofrimento que esta vinha experimentado era real.
Repare-se que este depoimento foi arrolado pela defesa e revelou manifesta espontaneidade e lisura.
A testemunha confirma que chegou de viagem, coincidentemente no dia 2 de novembro de 2018, facto igualmente corroborado pela testemunha DG .
Para além de ter ouvido o relato feito pela sua filha, a testemunha assevera que esta estava mesmo triste, a chorar, após o exame, pretendendo evitar falar do assunto.
Alcança-se do depoimento desta testemunha que esta não teria qualquer especial interesse em se vingar do arguido, sendo certo que se torna óbvio que o seu interesse não deveria convergir com o que A. atribui à mãe da menor. Ou seja, não faz sentido que estes relatos convergissem todos de forma coerente apenas para o prejudicar e para penalizá-lo por não querer continuar com o relacionamento sexual com MCB .
O depoimento da menor, assim enquadrado, relata e confirma os factos que se deram por assentes em 17. a 19., data que se encontra assente por estar presente na memória dos vários intervenientes e por coincidir com a da denúncia na Esquadra da PSP.
A menor confirma que o arguido, nesse dia, não ejaculou, o que se depreende deste ter sido interrompido pela mãe daquela. Assim, e também por essa razão, o resultado negativo do exame pericial de pesquisa de vestígios biológicos e análise de ADN de fls. 164 e ss. e fls 218 não causa qualquer perplexidade.
A menor LS , nas suas declarações para memória futura de dezembro de 2018, situa o início dos abusos, por reporte a esta data, 7 meses antes.
A menor explica que o arguido que, na sua objetividade pueril, designa como “um amigo do pai, que viveu em sua casa”, lhe pedia para chupar o pénis.
E revela que estas situações se foram arrastando, pois que ele lhe dizia que a matava se ela contasse a quem quer que fosse.
A certeza do tribunal quanto à recorrência dos abusos assenta no depoimento da menor, reforçado pelos depoimentos e elemento pericial já descrito. Da absoluta certeza, por tudo o que fica dito, de que os factos ocorreram tal como assente no dia 2 de novembro, permite-se com base nas declarações para memória futura, extrapolar os demais factos relatados pela menor.
É de admitir a falibilidade do depoimento da testemunha na definição temporal dos factos e a possibilidade destes se estenderem a momento anterior a maio de 2018, designadamente a momento em que o arguido ainda vivia em sua casa e em que tinha um acesso ainda mais privilegiado à menor.
De todo o modo, como já se percebeu do depoimento de DG  e do que parece resultar do próprio depoimento da menor, o arguido tinha uma grande amplitude de movimentos naquela casa. Repare-se que a LS explica que “na casa estava outro amigo” (do pai) referindo-se necessariamente ao hóspede DG .
O que permite compreender e acreditar na menor quando esta afirma, reportando-se ao primeiro contacto sexual com o arguido, que chegou a casa (vinda da escola) e foi tomar banho. O arguido, depois do banho, foi tocar à porta do quarto e disse para ela ir para a sala. Depois, deu um beijo e pediu para beijar o pénis. Passado algum tempo “Saiu uma coisa branca”. O arguido ordenou-lhe, então, que ela fosse para o seu quarto e avisou-a que a matava bem como a quem ela contasse o sucedido.
A menor explica que foi para o quarto e ficou com medo.
LS assevera ainda que, quando estava sozinha, o arguido pedia-lhe para fazer a mesma coisa.
Assim, nos sete meses antecedentes (ao seu depoimento), a testemunha mantinha o mesmo horário escolar - ia a pé para a escola às 9 horas e retornava, sozinha, às 18 horas.
Com a frequência semanal, encontrava o arguido e, nesses momentos, “isso acontecia”, ou seja, os factos desenrolavam-se como assente de 9. a 15..
Explica a menor que a sua mãe chegava entre as 19 e as 20 horas, excluindo o pai, o que permite reforçar a convicção do tribunal de os factos ocorreram quando este estava no estrangeiro. FSS exibiu ao Tribunal o passaporte do qual se observa que permaneceu na Guiné de 11/5/2018 a 2/11/2018.
Comente-se que faz sentido que o arguido iniciasse os abusos após este se ausentar para o estrangeiro, por sentir a maior vulnerabilidade da menor na ausência do progenitor.
A menor revela que, algumas dessas vezes, o arguido punha o pénis “no rabo” e elucida que “metia mesmo”, numa forma menos eloquente e mais infantil de descrever a introdução do pénis no ânus.
Parece resultar da explicação da menor que esta prática era mais rara do que a prática do sexo oral.
Assim, também não surpreende, atento este relato, que os exames periciais de fls. 118 e 210 concluíssem pelo estado de virgindade anatómica e de ausência se sequelas traumáticas a nível anal.
Em audiência, as Exmas peritas Prof. Drª AN e Drª VR prestaram esclarecimentos às dúvidas suscitadas pela defesa e a última, em particular, concretiza que, em abstrato, é possível haver penetração anal de uma menor sem haver vestígio de lesões anais, pois que o esfíncter é bastante elástico. Assim, atenta essa elasticidade, é possível haver penetração anal de uma menor de 11 anos por um adulto que não deixe vestígios.
A menor esclarece que estes factos ocorriam na sala, para onde o arguido a chamava.
As divagações do arguido não são sustentadas, como se disse, por qualquer meio de prova, sendo que a sua postura corporal e o seu discurso, que revela um grau de inteligência apreciável, não são, como se assinalou, particularmente convincentes.
Repare-se que os documentos que foram juntos a fls. que antecedem, contendo as listagens das entidades beneficiárias do trabalho do arguido - obras onde este prestou trabalho - e respetivos horários, permitem concluir que, à semelhança do que aconteceu no dia 2 de novembro, o arguido teve oportunidade, no período delimitado na acusação e, sobretudo, nos factos assentes, de se encontrar com a menor em casa desta, antes da mãe ali chegar. Particularmente às sextas feiras o horário era mais reduzido e a localização das obras permitiam que este se encontrasse com a menor pelo menos a rondar as 19 horas.
Deste modo, atento o depoimento prestado pela menor e o que ficou dito, acaba por não relevar para a descoberta da verdade as explicações do arguido sobre o modo como se desenvolvia a dinâmica de funcionamento do agregado familiar e sua interação com os dois hóspedes, enquanto habitou a casa.
Numa parte do seu relato que coincide com o afirmado por MCF , DG  e FSS , o arguido conta que foi viver como hóspede para a casa identificada em 2, a troco de uma renda mensal, em Setembro de 2017. E no que veio a ser confirmado pela sua companheira e pela própria MCB , o arguido conta que saiu da casa desta em Fevereiro de 2018.
Enquanto permaneceu na habitação identificada em 2, o arguido pernoitava num espaço improvisado, em parte da sala que era dividida com um guarda fatos, enquanto a testemunha DG ocupava num dos quartos que se visionam nas fotografias de fls. 27.
Ao sair da casa da MCB , ainda foi para um quarto arrendado mas depois da tia da sua companheira o ter autorizado, o arguido foi para casa desta.
As declarações do arguido são particularmente pouco credíveis quando afirma que ia tentando resistir aos avanços de MCB, numa altura em que o companheiro desta ainda estava em casa.
Segundo o arguido, este saiu da casa pelo facto de MCB  ter feito uma cena e que, em Abril de 2018, foi persuadido pelo DG a ir lá casa, para fazer as pazes com aquela, pois que o irmão dela tinha falecido.
A MCB disse-lhe para esquecer a zanga e para visitar o DG sempre que quisesse.
Estima o arguido que apenas foi visitar o DG  naquela casa umas cinco vezes.
E explica que, numa dessas ocasiões, a mãe da LS passou por ele envolta numa toalha e deixou-a cair ao chão, desnudando-se. Depois, abordou-o e retirou o pénis dele e meteu-o na boca, nem se apercebendo que o DG estava ali. O arguido diz que rejeitou- a e numa explicação que é pouco compatível com as regras de experiência comum, revela que assinalou a data na parede da cozinha.
Quanto ao dia 2 de Novembro, o arguido alega que o DG é que lhe abriu a porta. Foi então à casa de banho e esteve a falar com o DG .
Questionado, o arguido não sabe explicar porque é que a testemunha DG não reparou que este tinha a braguilha tão flagrantemente aberta ao ponto de ser logo evidente a quem entrava naquele momento em casa.
A explicação é ainda mais esdrúxula quando explica que, depois de falar com o DG, informou-o de que a MCB queria falar com ele e, por isso, iria bater na porta do quarto desta. Ali, encontrou apenas a menor a ver televisão, com a porta semi aberta. A criança levanta-se para falar com ele e, coincidentemente, nesse momento, entra a mãe, que larga a mala e faz um “escândalo” por causa da braguilha aberta.
Assim, este discurso não permite lançar qualquer dúvida que infirmasse a prova já comentada e que se reputou como decisiva.
Para além do que já se comentou sobre a clareza do depoimento de MCB, esta conta que, efetivamente, numa determinada altura em que chamou a atenção do arguido, enquanto hóspede, por causa de um assunto trivial relacionado com um pão e um fiambre, este ficou desagradado e disse-lhe que queria sair da casa e que ia trabalhar para fora.
A testemunha, ainda que de forma não muito perentória, por não estar certa das datas, esclarece que o arguido saiu em março de 2018. Seguramente, afirma que o seu companheiro sempre ali viveu enquanto o arguido ali permaneceu como hóspede.
Esta depoente revela, ainda, que o arguido entregou a chave ao sair.
Essa altura, reconhece, coincidiu com a doença do seu irmão, que chegou a hospedar para lhe dar algum apoio.
Revela a testemunha que depois do falecimento deste seu irmão, o arguido passou a frequentar a casa para ajudar o DG , que não sabia ler e precisava de ajuda nas contas.
A testemunha é perentória em esclarecer que, naquela altura, trabalhava num lar e chegava a casa pelas 20 horas e dá conta, de forma coerente, da razão pela qual no dia 2 de novembro chegou mais cedo do que o habitual - houve um problema com os comboios.
A depoente reconhece, como se disse, o relacionamento sexual que manteve com o arguido A. e, de forma espontânea, clara e credível, explica que tal ocorreu após o seu companheiro se ausentar (em maio, como se observou) para a Guiné, sem lhe dar qualquer explicação do que ia fazer, atuando como se despedisse, permanecendo seis meses sem a contactar.
Assim, em agosto de 2018, a testemunha, incentivada e apoiada pelo DG , envolveu-se sexualmente com o arguido, que já há muito tempo a vinha abordando.
A depoente esclarece que há um dia, pouco antes de se envolver, que, na brincadeira, e num desses convívios que ocorria em sua casa, propõe ao arguido que lhe exibisse o sexo.
A propósito do que ocorreu no dia 2 de novembro, a testemunha esclarece que após ter sido confrontado por ela, o arguido deu uma desculpa esfarrapada de que tinha ido à casa de banho e ausentou-se justificando que tinha de ir buscar a irmã.
Nesse momento, a depoente procurou indagar, aflita, junto da menor, o que se tinha passado e o DG , no que, comente-se, mais uma vez se estranha, disse-lhe que não valia a pena pois que a menor iria mentir.
A depoente confirma que a menor trajava o pijama que se encontra a fls. 28 e que veio a entregar às autoridades policiais.
Quanto ao DG , este justificou o seu recato no quarto por estar a dormir.
MCB  nega que tenha ligado ao arguido no dia 2 de novembro ou que quisesse falar com ele nesse dia.
A menor, esclarece, não gosta de se lembrar do que se passou e está a ser acompanhada em psicologia, o que permite reforçar a perceção de que o seu sofrimento é elevado.
DG , para além do que já se comentou sobre o seu depoimento, esclareceu que houve ocasiões em que, quando chegava a casa, encontrou a LS e o A. sozinhos em casa, mas nunca suspeitou de nada.
APF , a companheira do arguido, tem um depoimento que, apesar de abonatório do caráter do arguido, não permite, como se disse, infirmar a prática dos factos.
Repare-se que esta esclarece que o arguido se mudou para a sua casa também situada em Monte Abraão.
Depois do arguido se mudar, ele chegava a casa entre as 19 horas e as 19h 30m, o que não contraria a versão levada à pronúncia e a parte em que esta se deu por assente.
O relatório social de fls. 293, o relatório de exame pericial de psiquiatria forense ao arguido, de fls. 345 a 348, o exame complementar psicológico de perícia à personalidade de fls. 349 a 352, os recibos de vencimento de fls. 354 verso a 357 e o contrato de trabalho de fls. 357 a 358 permitem confirmar os factos que se deram por assentes sobre a personalidade do arguido e suas condições económicas e sociais - factos de 25 a 52.
Os factos assentes em 22 a 24, essencialmente ligados ao processo cognoscitivo e volitivo resultam objetivados da sua projeção no exterior através da conduta do arguido, mostrando-se ainda decisivas as conclusões dos exames periciais de psiquiatria e psicologia de que este foi objeto.
A ausência de antecedentes criminais resulta do certificado de registo criminal junto aos autos.
Os factos que se deram por não assentes e que estão descritos de a) a e) justificaram- se pelo que ficou dito, em particular no que tange ao depoimento de LS e pela falta de qualquer meio de prova que os confirmasse.
Apreciemos.
Verificação da nulidade insanável prevista no artigo 119º, alínea c), do CPP/inconstitucionalidade da norma
O arguido veio, em peça processual única e amalgamando nas conclusões da motivação de recurso a matéria relativa ao despacho recorrido com a que se reporta ao acórdão condenatório, interpor recurso de ambos.
Pese embora formalmente tal procedimento se não mostre correcto, ainda assim se conhecerá dos recursos – vero é também que foi admitido como um único recurso pelo tribunal a quo - considerando-os na sua unicidade.
Sustenta a recorrente que a sessão da audiência de julgamento de 02/04/2020 padece de nulidade insanável, prevista na alínea c), do artigo 119º, do CPP, porquanto se realizou sem a presença da defensora nomeada e que o assiste desde o primeiro interrogatório judicial de arguido detido, tendo sido nomeada para o acto, indevidamente, uma outra defensora.
Ora, aos 05/03/2020 realizou-se sessão da audiência de julgamento, em que esteva presente a Ilustre defensora do arguido, Dr.ª Teresa Nabais, igualmente subscritora do recurso aqui em apreciação, tendo sido designada a data de 02/04/2020, pelas 15.00 horas, para a sua continuação.
No dia 02/04/2020, pelas 11:53 horas, a Ilustre causídica fez entrar no tribunal um requerimento dirigido ao Exmº(a). Senhor(a) Dr(a). Juiz de Direito em que expunha que face às determinações governamentais de encerramento das escolas, a signatária encontra-se impedida de comparecer em qualquer diligência ou ato processual no exterior da sua residência, atendendo a que se encontram a seu cargo os seus dois filhos menores de 1 e 4 anos.
Termos em, caso entenda V. Ex.ª não anular a marcação da diligência, sempre se requer que se digne a julgar verificado o justo impedimento da defensora.
Requer-se, ainda, muito respeitosamente, que V. Ex.ª se digne determinar a notificação à defensora de todos os documentos que tenham sido juntos ao processo, para que sobre os mesmos a defesa se possa pronunciar.
No dia 02/04/2020, reaberta a audiência de julgamento, o Mmº Juiz Presidente proferiu despacho para a acta que, tendo-se procedido à sua audição na gravação disponibilizada pelo tribunal, tem o seguinte teor, na parte que releva:
(…) defere-se o pedido de escusa (da Dr.ª Manuela Gonçalves, primeira advogada nomeada para o acto, entenda-se) e atenta a absoluta urgência da prática do acto, nomeia-se em representação do arguido e para o acto, a Ilustre Srª Dr.ª… (Isilda de Almeida).
O tribunal foi avisado apenas agora da parte da tarde que a sua colega que tem seguido diligentemente, diga-se muito diligentemente, este acto é uma defensora oficiosa, mas desde 31 de Outubro este julgamento, começámos este julgamento no dia 31 de Outubro, hoje não pôde vir, explicou os motivos, que se prendem com a sua vida privada, teve de, por questões logísticas teve de ficar com as crianças de tenra idade.
Ela tem Skipe, tinha essa possibilidade, o tribunal deu essa possibilidade de poder fazer a continuação da audiência de discussão e julgamento com ela presente por videoconferência, mas disse que não se considerava, enfim, que isso não seria viável uma vez que as crianças são muito pequenas, portanto, que estariam a dormir e não haveria essa possibilidade.
Isto é um julgamento que começou no dia 31 de Outubro (…) a prisão preventiva a que o arguido está sujeito, o prazo máximo da prisão preventiva atingir-se-á no dia 5 de Maio (rectificado para 3 de Maio de 2020) portanto este tribunal considera que é absolutamente indispensável (a substituição da defensora) (…) a sua colega justificou a falta, não obstante, enfim (…).
No dia 13/04/2020, requereu o arguido:
Exmo(a). Senhor(a) Dr(a). Juiz de Direito
A., Arguido nos autos à margem referenciados e neles melhor identificado vem pelo expor e requerer o seguinte:
Como questão prévia, sempre se deixa dito que até ao momento presente em que se envia este requerimento, não se encontra ainda disponível na plataforma Citius a ata da sessão da audiência de julgamento realizada no dia 02/04/2020. Sendo que, aguadava o Arguido pela disponibilização da ata para poder confrontar o que nela consta com os factos ocorridos nessa data. (Cfr. Doc. n.º 1, que se trata de um print screan do processo visível a partir do Citius da defensora do Arguido)
Como tal, reserva-se o Arguido reserva-se o direito de vir impugnar o teor da mesma, logo que tenha acesso ao conteúdo da ata lavrada.
No passado dia 02/04/2020 realizou-se, assim, uma sessão da audiência de julgamento nos presentes autos. Contudo, ao Arguido não foi assegurado o direito à sua defesa na plenitude do seu conceito.
Vejamos:
Nas circunstâncias excecionais em que vivemos em virtude da situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, foram tomadas medidas pelo Governo Português que impactaram a vida pessoal e profissional de todos, nomeadamente da impossibilidade de deslocação da sua residência, conforme reportado em requerimento próprio da defensora do Arguido, que deu a conhecer ao Tribunal que se encontrava impossibilitada de comparecer na audiência agendada, por ter aos seus cuidados naquele dia os seus dois filhos menores de idade, de 1 e 4 anos.
O Tribunal procedeu à nomeação de Ilustre Advogada, cujo nome e cédula profissional se desconhece, que se encontrava de escala, para ser possível realizar a audiência de julgamento, a qual chegou a falar com o Arguido em privado, tendo frisado que não estaria em condições de realizar a audiência, atendendo à fase processual em que se encontravam os autos, sendo que se tratava de uma sessão que tinha sido agendada para serem proferidas alegações.
Sucedeu que, o Tribunal decidiu, desconhece-se em que condições e por que motivo, proceder à nomeação da Dra. Isilda de Almeida, Ilustre Advogada.
Assim, sem que seja possível recorrer a mais fundamentação por indiponibilidade de consulta da mencionada ata, requer-se, muito respeitosamente, que V. Ex.a se digne a declarar a nulidade dos actos processuais aqui colocados em crise, e, em consequência ser reagendada nova data para a realização da continuação da audiência de julgamento.
Mais se requer, muito respeitosamente, que sejam asseguradas as condições necessárias para que a diligência se realize com recurso a meios que permitam a teleconferência.
Pois bem, de acordo com o estabelecido no artigo 67º, nº 1, do CPP, “se o defensor, relativamente a um acto em que a assistência for necessária, não comparecer, se ausentar antes de terminado ou recusar ou abandonar a defesa, é imediatamente nomeado outro defensor; mas pode também, quando a nomeação imediata se revelar impossível ou inconveniente, ser decidido interromper a realização do acto.”
E, o artigo 330º, inserido no Título II (“da audiência”), capítulo II (“dos actos introdutórios”), do CPP, consagra no nº 1:
“Se, no início da audiência, não estiver presente o Ministério Público ou o defensor, o presidente procede, sob pena de nulidade insanável, à substituição do Ministério Público pelo substituto legal e do defensor por outro advogado ou advogado estagiário, aos quais pode conceder, se assim o requererem, algum tempo para examinarem o processo e prepararem a intervenção.”
No caso em apreço, a Ilustre defensora nomeada ao arguido/recorrente para o 1º interrogatório judicial de arguido detido, que o vem desde então assistindo, ao comunicar o seu impedimento para comparecer à sessão da audiência de julgamento para 02/04/2020 designada, não impetrou – no seu requerimento com a mesma data, recebido pelas 11:53 horas desse dia – que tal data fosse dada sem efeito, nem que a sessão não deveria realizar-se sem a sua presença pois violaria os direitos de defesa do arguido, pois apenas refere que “caso entenda V. Ex.ª não anular a marcação da diligência, sempre se requer que se digne a julgar verificado o justo impedimento da defensora” e também não se menciona no mesmo que o arguido não consentia na substituição do defensor e pretendia que a defesa fosse assegurada somente pela mesma.
Acresce que, também não resulta da acta da sessão, ao contrário do que inculca o recorrente, que em momento algum tenha o arguido manifestado a sua oposição à nomeação de um novo defensor - apenas para o acto - em substituição da Sr.ª Dr.ª Teresa Nabais.
E, cumpre ainda se diga, não se subscreve o entendimento de que quando o defensor justifica a falta, nos termos do artigo 117º do CPP, não pode ser substituído por outro defensor nomeado para o acto, visto que essa interpretação não tem sustentáculo no texto legal e também se não pode em concreto considerar que essa substituição conduz necessariamente a uma limitação das garantias de defesa do arguido, tanto mais que este não manifestou vontade opositora.
Por outro lado, estamos perante audiência de julgamento de arguido preso e, ao tempo, regia a Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, na sua versão originária, versão que se manteve, para os processos urgentes, entre 09/03/2020 e 06/04/2020.
No seu artigo 7.º estabelecia-se:
“(…)
8 - Sempre que tecnicamente viável, é admitida a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente por teleconferência ou videochamada.
9 - No âmbito do presente artigo, realizam -se apenas presencialmente os atos e diligências urgentes em que estejam em causa direitos fundamentais, nomeadamente diligências processuais relativas a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente, diligências e julgamentos de arguidos presos, desde que a sua realização não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes”.
Importa ainda ter em atenção a Divulgação do Conselho Superior da Magistratura nº 81/2020, onde se lê:
“O CSM adopta as seguintes medidas excepcionais de gestão: 1 - Nos Tribunais Judiciais de 1ª Instância deverão ser realizados os actos processuais e diligências nos quais estejam em causa direitos fundamentais, sem prejuízo da possibilidade de realização do demais serviço a cargo dos Srs. Juízes (as) que possa ser assegurado remotamente, tais como (…) d) - Diligências/julgamentos de arguidos detidos ou presos, em respeito pelas recomendações das autoridades de saúde, ou indispensáveis a garantir a liberdade das pessoas, ali se incluindo o julgamento de arguidos privados da liberdade e mediante um juízo de proporcionalidade que tenha em linha de conta o tempo de privação da liberdade, os prazos de duração da medida de coacção aplicada e as necessidades de segurança sanitária; (…)
2. Sem prejuízo das situações em que a audição presencial de pessoas ou a produção de meios de prova se revele essencial para a descoberta da verdade material ou a justa composição do litígio, todas essas diligências deverão ser asseguradas, preferencialmente por videoconferência, videochamada ou outro meio de comunicação à distância, pelos respectivos Senhores Juízes titulares ou, em caso de impedimento, de acordo com as regras inerentes às substituições legais em vigor em cada comarca.”
Bem assim, importa ter em conta a Divulgação do Conselho Superior da Magistratura nº 83/2020, de acordo com a qual:
“Exmo/a. Senhor/a Juiz/a de Direito,
Faz-se saber que, foi hoje feita pelo CSM, uma comunicação aos Senhores Juízes Presidentes de Comarca, com conhecimento a Sua Excelência o Bastonário da Ordem dos Advogados e aos Presidentes dos Conselhos Regionais da Ordem dos Advogados, nos seguintes termos: “Tendo sido constatado por este CSM que estão a ser adiados vários julgamentos/diligências de arguidos presos, em situação de prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação, com fundamento na impossibilidade de comparência dos defensores ou mandatários constituídos, por ordem de Sua Excelência o Sr. Vice Presidente, vimos pelo presente solicitar a V. Exª.s que coordenem e sensibilizem os Exmo.s Srs. Juízes respectivos, no sentido de serem contactados os Advogados que se encontram escalados, para esse dia, pela Ordem dos Advogados, a fim de realizarem aquelas diligências judiciais urgentes e, quando tal venha a acontecer, mas não seja possível a sua comparência, independentemente do motivo, seja o órgão representante dos Advogados, em última instância a respectiva Delegação Distrital, que os representa nessa comarca/tribunal, por forma a ser assegurada a respectiva defesa dos arguidos (…).”
A Ilustre causídica dispunha do software Skipe, sendo-lhe facultada pelo tribunal recorrido a participação na sessão da audiência de 02/04/2020 por videoconferência, o que rejeitou.
Face a tal e tendo também em atenção que o termo final do prazo da prisão preventiva do arguido estava previsto para o dia 3 de Maio de 2020, não podemos deixar de concluir que a decisão do tribunal a quo se mostra isenta de censura, respeitando integralmente o direito de defesa do arguido e sem obliterar a liberdade de escolha do defensor que lhe assiste nos termos consagrados no artigo 61º, nº 1, alíneas e) e f), do CPP.
Destarte, não se verifica a invocada nulidade, nem a interpretação efectuada da norma contida na alínea c), do artigo 119º, do CPP, oblitera o estabelecido nos artigos 20º, nº 4, 32º, nº 1 e 2º, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que a sessão da audiência de julgamento decorreu na presença do arguido e com a assistência de defensor, a quem foi conferida a possibilidade estabelecida na lei de se inteirar do objecto do processo – que, aliás, lhe foi cabalmente transmitido pelo Mmº Juiz Presidente do Tribunal Colectivo - e de preparar a sua intervenção.
Improcede, por conseguinte, o recurso neste segmento.
Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento
Critica ainda o recorrente a matéria de facto dada como assente pela 1ª instância, afirmando que se mostra insuficiente a prova produzida em audiência de julgamento para a alicerçar e chamando a terreiro, entre o mais, as declarações do próprio e bem assim os depoimentos das testemunhas LS (em declarações para memória futura), Maria Barros, DG  e Ana Fernandes, em audiência prestados
Quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto nesta modalidade, as conclusões do recurso, por força do estabelecido no artigo 412º, nº 3, do CPP, têm de descriminar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
Segundo o nº 4 da mesma disposição legal, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, sendo que, neste caso, o tribunal procederá à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa - nº 6.
Para dar cumprimento a estas exigências legais tem o recorrente nas suas conclusões de especificar quais os pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, quais as provas (específicas) que impõem decisão diversa da recorrida, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as (se na acta da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados) ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos (quando na acta da audiência de julgamento se faz essa referência – o que se verifica no caso em apreço - o que não obsta a que, também nesta eventualidade, o recorrente, querendo, proceda à transcrição dessas passagens).
Analisando as conclusões e a motivação de recurso, constata-se que se não mencionam os concretos pontos de facto considerados como incorrectamente julgados, antes se faz uma crítica genérica dos mesmos.
Para além disso, não se especificam quais as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, com individualização das passagens que alicerçam a impugnação e nem relacionado se mostra o conteúdo específico de cada meio de prova susceptível de impor essa decisão diversa com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado, o que se mostra essencial, pois, julgando o tribunal de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e só sendo admissível a alteração da matéria de facto quando as provas especificadas conduzam necessariamente a decisão diversa da recorrida – face à exigência da alínea b), do nº 3, do artigo 412º, do CPP, a saber: indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida - a demonstração desta imposição compete também ao recorrente.
Na verdade, nem na motivação de recurso (corpo da mesma), nem nas respectivas conclusões, o recorrente estabelece a relação entre um concreto segmento, individualizado pela menção ao seu início e termo ou transcrito, das declarações e depoimentos a que faz apelo e o ponto ou pontos de facto que, por este meio, almeja alterar.
E, não sendo o recurso um novo julgamento, mas um mero instrumento processual de correcção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada pelo recorrente, é patente a necessidade de impugnação especificada com a devida fundamentação da discordância no apuramento factual, em termos de a prova produzida, as regras da lógica e da experiência comum imporem diversa decisão.
Não tendo cumprido o recorrente (nas conclusões ou sequer no corpo da motivação, como vimos) o ónus de impugnação especificada a que estava vinculado, não pode este Tribunal da Relação conhecer do respectivo recurso nesta parte afectada e defeso estava fazer-lhe convite para aperfeiçoamento, pois trata-se de uma deficiência da estrutura da motivação, equivalente a uma falta de motivação na plenitude dos seus fundamentos, que coloca até em crise a delimitação do âmbito do recurso e esse procedimento equivaleria, na verdade, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso – neste sentido, Ac. do STJ de 07/10/2004, Proc. nº 3286/04, 5ª Secção, disponível em www.dgsi.pt e Acs. do Tribunal Constitucional nºs 259/2002, de 18/06/2002 e 140/2004, de 10/03/2004, ambos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.
Não obstante, o que realmente resulta, desde logo, das conclusões do recurso, é a divergência entre a convicção pessoal do arguido sobre a prova produzida em audiência e aquela que o tribunal firmou sobre os factos, o que se prende com a apreciação da prova em conexão com o princípio da livre apreciação da mesma consagrado no artigo 127º, do CPP, cumprindo não olvidar, como é jurisprudência corrente dos nossos Tribunais Superiores, que o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum. Se a decisão sobre a matéria de facto do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.
Analisemos então.
O tribunal recorrido dá-nos a conhecer, com clareza e profundidade, como formou a sua convicção quanto à factualidade colocada em causa e, também, as razões da valoração que fez relativamente à credibilidade dos depoimentos das testemunhas LS, MCB , FS, APF e MTN (inspectora da Polícia Judiciária).
Igualmente elucida sobre o juízo efectuado no que tange às declarações do arguido e depoimento das testemunhas DG  e DG .
Ora, como se salienta no Acórdão R. do Porto, de 21/04/2004, Processo nº 0314013 e Acs. R. de Coimbra de 18/02/2009, Proc. nº 1019/05.0OGCVIS.C1, de 10/11/2010, Proc. nº 2354/08.1PBCBR.C2, e de 09/01/2012, Proc. nº 102/10.5 TAANS.C1, todos consultáveis em www.dgsi.pt, entendimento que temos vindo a sustentar sistematicamente neste Tribunal da Relação, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum.
No caso sub judice, o tribunal recorrido explicita cabalmente as razões da valoração que fez e não se vislumbra esta inadmissibilidade, pois o juízo de credibilidade e não credibilidade efectuado não conflitua, de modo algum, com a boa lógica e a experiência comum.
Acresce que, não só a prova pessoal contribuiu para a formação da convicção dos julgadores da 1ª instância, pois foram tidos também em consideração os esclarecimentos prestados pelas peritas AN e VR , bem como o relatório de perícia-médico-legal de psicologia de fls. 364 e segs.
O recorrente vem apontar a inexistência de vestígios seus de ADN na menor LS e criticar o entendimento do tribunal recorrido de que a menor confirma que o arguido, nesse dia, não ejaculou, o que se depreende deste ter sido interrompido pela mãe daquela. Assim, e também por essa razão, o resultado negativo do exame pericial de pesquisa de vestígios biológicos e análise de ADN de fls. 164 e ss. e fls 218 não causa qualquer perplexidade, argumentando que “os vestígios analisados com o conhecimento biológico são: sangue, esperma, pelos humanos e DNA. Logo não se procurava apenas encontrar esperma, mas sim qualquer tipo de vestígio que permanece quando há contacto. E não havia qualquer vestígio na Menor nem nas suas roupas do Arguido”.
Mas, esta argumentação não merece acolhimento.
Na verdade, a procura de vestígios reporta-se à ocorrência do dia 02/11/2018, em que o arguido retirou o pénis e, com o mesmo ereto, agarrou na cabeça da menor e introduziu o mesmo na boca desta, dizendo-lhe para ela efetuar movimentos de sucção, o que ela fez.
No que tange à perícia de fls. 164 e segs., o material a pesquisar era uma camisola e um par de calças de pijama da menor, pelo que, tendo em atenção que o acto sexual praticado foi o coito oral e as circunstâncias em que ocorreu, sem ejaculação, não surpreende, efectivamente, a não detecção de vestígios biológicos e de ADN do arguido.
Quanto à perícia de fls. 218, o objectivo da perícia era a identificação de material biológico em amostras relacionadas com LS Soares, concretamente em amostras recolhidas com zaragatoas orais, pelo que vale também o que se referiu.
Para que se proceda à alteração da matéria de facto no sentido propugnado pelo recorrente, teria este que demonstrar que a convicção obtida pelo tribunal a quo constitui uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação das aludidas regras, uma manifestamente errada utilização de presunções naturais, não bastando que apresente uma argumentação no sentido de que outra convicção era possível.
Tal demonstração de que as provas que aponta (não concretizadas, como vimos) conduzem inequivocamente a uma convicção diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, não a fez, pelo que não merece acolhimento a sua pretensão de alteração da matéria de facto.
Termos em que, cumpre concluir que da análise efectuada resulta que a factualidade considerada provada objecto de impugnação se apresenta sustentada por prova suficiente, adequada e legalmente permitida, não se registando obliteração das regras da experiência comum, sem margem para dúvidas razoáveis, não havendo, por isso, fundamento para a pretendida alteração da matéria de facto, não podendo proceder a pretensão do recorrente de impor a sua convicção pessoal face à prova produzida em audiência em detrimento da do julgador, pois a decisão sobre esta está devidamente fundamentada, tendo sido proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção – artigo 127º, do CPP.
Assim, carecendo de razão o recorrente no que tange à alteração da matéria de facto, tem de se considerar esta definitivamente fixada nos termos mencionados, improcedendo também o recurso nesta parte.
Dosimetria das penas parcelares e única aplicadas
Tendo em atenção os factos que provados se encontram, resulta que as condutas do recorrente preenchem os elementos objectivos e subjectivos do crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nºs 1 e 2, do Código Penal, (dezasseis crimes), por que se mostra condenado.
Porém, considera ele que as penas aplicadas são desproporcionadas.
O tribunal a quo condenou o arguido nas penas parcelares de 4 anos e 6 meses de prisão.
O crime em causa é punido com pena de prisão de 3 anos a 10 anos de prisão.
Conforme resulta do estabelecido no artigo 40º, do Código Penal, toda a pena tem como finalidades “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” – nº 1, sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” – nº 2.
Nos termos do artigo 71º, do Código Penal, para a determinação da medida da pena cumpre atender à culpa do agente, às exigências de prevenção e bem assim às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele.
De acordo com estes princípios, o limite superior da pena é o da culpa do agente.
O limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva, segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor.
A pena tem de corresponder às expectativas da comunidade.
Daí para cima, a medida exacta da pena é a que resulta das regras de prevenção especial de socialização. É a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade – cfr. Ac. do STJ de 23/10/1996, in BMJ, 460, 407 e Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, págs. 227 e segs.
Ou, dito de outra forma, opera através da “neutralização-afastamento” do delinquente para que fique impedido fisicamente de cometer mais crimes, como intimidação do autor do crime para que não reincida e, sobretudo, para que sejam fornecidos ao arguido os meios de modificação de uma personalidade revelada desviada, assim este queira colaborar em tal tarefa - Claus Roxin, Derecho Penal-Parte Especial, I, Madrid, Civitas, 1997, pág. 86.
Assim, do exposto resulta que a pena concreta, numa primeira fase, é encontrada em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento, quer resultem a favor ou contra o agente.
Destarte, daquela primeira aproximação decorrem duas regras basilares: a primeira, explícita, consiste em que a culpa é o fundamento para a concretização da pena, devendo esta proteger eficazmente os bens jurídicos violados; a segunda, que está implícita, é que se impõe ter em conta os efeitos da pena na vida futura do arguido no seio da comunidade e da necessidade desta dele se defender, mantendo a confiança na tutela da correspondente norma jurídica que foi violada.
Percorrendo o acórdão recorrido, como enunciado se mostra, verifica-se que, para a determinação da medida concreta das penas parcelares, considerou o tribunal a quo:
O tipo de crime em apreço é fortemente estigmatizante e preocupa a comunidade, sendo, assim, prementes as exigências de prevenção geral.
Apesar da imagem social do crime ser muito negativa e apesar dos valores jurídicos ofendidos pela conduta, atenta a moldura penal prevista para o caso (3 anos a 10 anos), vista a integração social do arguido e ausência de antecedentes criminais, entende-se que a pena tolerada pela comunidade poderá ainda coincidir com 4 anos, perto do limite mínimo daquela moldura.
Dentro do espetro das ações típicas previstas no tipo, a intensidade da danosidade da conduta perpetrada pelo arguido, que submeteu a menor de 11 anos a sexo oral em quase todas as ocasiões e, em algumas outras, a sexo anal, sempre desprotegido, é elevada. Assim, atenta a amplitude da moldura, entende-se que o limite superior da submoldura, deverá atingir os oito anos e meio.
Procurando, agora, dentro desta sub - moldura, encontrar a justa medida exigida pelas necessidades de prevenção especial, tem-se em conta que:
- a intensidade do dolo, direto, é já significativa - o arguido não é afetado por parafilias conhecidas, ou de qualquer perturbação de personalidade, que contenda com a sua capacidade de regular a sua conduta de acordo com o juízo normativo que é capaz de fazer. O arguido age motivado pelo desejo de obter satisfação sexual, empreendendo reflexão suficiente em cada caso concreto.
- a intensidade de cada ilícito é semelhante, repetindo os atos sexuais em duração e na sua dinâmica, não havendo nenhum cuja censurabilidade que emerja em relação aos demais.
- a conduta anterior ao facto, revelada pela falta de antecedentes criminais e boa integração social e profissional deve ser valorada a favor do arguido.
- o arguido não elabora juízo de auto censura, mas tal assunção é muito rara em crimes desta natureza.
Face ao que, cumpre concluir que o acórdão revidendo teve em consideração e de forma correcta os factores relevantes para a determinação concreta das penas parcelares, nos termos estabelecidos no artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
Cumpre se diga ainda que a motivação do arguido para o seu comportamento delituoso, como se conclui dos factos provados, apresenta-se como a usual nestas situações, a saber: a satisfação dos instintos libidinosos.
E, não possuindo o arguido antecedentes criminais, o que o favorece, certo é, porém, que a esta circunstância não pode ser conferida significativa relevância, atento a que o mínimo que se pode exigir a alguém é que não pratique crimes e a primariedade não corresponde necessariamente a bom comportamento.
Saliente-se também que as exigências de prevenção geral revestem elevada intensidade, porquanto os crimes em causa são graves e repugnam fortemente à consciência da comunidade, havendo ainda que ter em atenção o aumento considerável deste tipo de crimes que se vem registando, impondo-se que se desmotivem os demais indivíduos da prática de condutas desta natureza, assim se repondo, também, a confiança na validade da norma e eficácia do sistema jurídico.
As exigências de prevenção especial assumem também fortíssima relevância, desde logo tendo em atenção que, prestando declarações em audiência de julgamento, não revelou interiorização alguma do desvalor das suas condutas delituosas.
Assim, ponderando a culpa do recorrente, como medida superior da pena, atendendo às exigências de prevenção e às demais circunstâncias previstas no artigo 71º, do Código Penal, as penas parcelares encontradas para o condenar não excedem a medida da respectiva culpa, como também não ultrapassam os limites dentro dos quais a justiça relativa havia de ser encontrada, apresentando-se como adequadas e proporcionais.
Vejamos agora quanto à medida da pena única.
No que tange à pena única, que o tribunal a quo fixou em 10 anos, por força do estabelecido no artigo 77º, do Código Penal, importa considerar, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tendo a pena única aplicável como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – não podendo exceder os 25 anos - e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Ensina Figueiredo Dias, em Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 290/292 que, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 72º, nº 1 (correspondente ao actual artigo 71º, nº 1), um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte.
Mais acrescenta o Mestre que, para se encontrar a pena única “tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade (...) de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso, conforme tem sido entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça – cfr. por todos, Ac. do STJ de 25/11/2009, Proc. nº 490/07.0TAVVD.S1, consultável em www.dgsi.pt.
O tribunal de 1ª instância enunciou as circunstâncias a que atendeu para a fixação desta pena única, nos seguintes termos:
De acordo com os traços de personalidade demonstrados pela sua atuação e evidenciados pelo relatório à personalidade do arguido, visto estarmos perante um arguido primário, que se afigura como um delinquente ocasional e atenta a homogeneidade da conduta e a imagem global da ação delinquente, julga-se adequado condenar o arguido na pena única global de 10 (dez) anos, aquém do quarto da diferença da pena máxima aplicada e da pena máxima aplicável em abstrato.
No caso em apreço, a moldura da punição será de 4 anos e 6 meses a 25 anos de prisão (a soma aritmética seria de 72 anos de prisão).
Como se salienta no Ac. do STJ de 18/06/2009, Proc. nº 334/04.5PFOER.L1.S1, que pode ser lido no mesmo sítio, parafraseando o Exmº Conselheiro Carmona da Mota, a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, este efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos já aludidos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar no conjunto de todas elas.
Existe conexão entre os ilícitos, porque praticados dentro do mesmo quadro circunstancial e com a mesma vítima.
Quanto à ilicitude do conjunto dos factos, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, estamos perante crimes de abuso sexual de crianças em que o valor jurídico tutelado é a autodeterminação sexual da criança, e, por isso, embora verificando-se identidade dos bens jurídicos violados, tem de se considerar como significativa.
O recorrente agiu sempre com dolo, na modalidade de directo (a mais grave) e de grau intenso, o que o desfavorece.
No que concerne à personalidade do recorrente, importa considerar a inexistência de condenações penais anteriores, assim como o que provado se mostra quanto às suas condições de vida, de onde resulta, pelo menos por ora, não ser o ilícito global em apreciação determinado por alguma propensão ou tendência criminosa, antes será fruto de factores meramente ocasionais.
As exigências de prevenção geral são muito elevadas, fazendo-se especialmente sentir neste tipo de infracção, “tendo em conta o bem jurídico violado no crime em questão – a autodeterminação sexual de crianças – e impostas pela frequência de condutas deste tipo e do conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam na comunidade, maxime, nos últimos anos, em que estas questões passaram a assumir muito maior visibilidade, justificando resposta punitiva firme, sendo de ter em conta os prejuízos que são susceptíveis de acarretar na formação da personalidade e desenvolvimento afectivo e emocional das vítimas”, conforme se pode ler no Acórdão do STJ de 12/09/2012, Proc. nº 2745/09.0TDLSB-L1.S1, em www.dgsi.pt.
No que tange à prevenção especial, dúvidas não há de que o arguido, pese embora a ausência de antecedentes criminais, carece de socialização, com necessidade de fidelização ao Direito, tendo-se em vista a prevenção da prática de futuros crimes, considerando a sua personalidade, traduzida também na forma como actuou ao longo de largos meses, aliado à falta de interiorização do desvalor das suas condutas delituosas.
Face ao exposto, cumpre concluir que a pena única de 10 anos de prisão encontrada pela 1ª instância está conforme aos critérios estabelecidos nos nºs 1 e 2 do artigo 77º, do Código Penal, situando-se entre os limites fixados na lei e mostrando-se ajustada à consideração conjunta dos factos e da personalidade manifestada pelo recorrente.
Em conclusão, inexiste fundamento para alterar a medida em que a pena única foi fixada.
Termos em que, igualmente não merece nesta parte provimento o recurso interposto e, em consequência, tem de lhe ser ele negado integralmente.
III – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam os Juízes da 5ª Secção desta Relação em negar provimento ao(s) recurso(s) interposto(s) pelo arguido A. e confirmar a(s) decisão(ões) recorrida(s).
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC.
Comunique de imediato e via fax o teor deste acórdão à 1ª instância.

Lisboa, 13 de Outubro de 2020
Artur Vargues
Jorge Gonçalves