Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3443/11.0TDLSB.L1-9
Relator: FERNANDO ESTRELA
Descritores: ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
ERRO DE JULGAMENTO
PRESUNÇÕES
CONCURSO PÚBLICO
AJUSTE DIRECTO
PARTICIPAÇÃO ECONÓMICA EM NEGÓCIO
MEIO DE PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: I - Os meios de prova directos não são os únicos a poderem ser utilizados pelo julgador. Existem os meios de prova indirecta, que são os procedimentos lógicos, para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um (ou vários) factos conhecidos, ou seja as presunções.

II - As presunções pressupõem a existência de um facto conhecido (base das presunções) cuja prova incumbe à parte que a presunção favorece e pode ser feita por meios probatórios gerais; provado esse facto, intervém a Lei (no caso de presunções legais) ou o julgador (no caso de presunções judiciais) a concluir dele a existência de outro facto (presumido), servindo-se o julgador, para esse fim, de regras deduzidas da experiência da vida

III - Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode utilizar o juiz a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência ou, se se quiser, vale-se de uma prova de primeira aparência.

IV - A contratação de advogados, seja a título individual ou colectivo, através de ajuste directo tem sido frequentemente objecto de recusa de visto pelo Tribunal de Contas, considerando que a contratação de serviços jurídicos não está excluída, a priori, da sujeição a um procedimento concursal, tanto no âmbito da vigência do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, como na do Código dos Contratos Públicos (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro).

V - É entendimento do Tribunal de Justiça que as obrigações decorrentes do direito primário relativas à igualdade de tratamento e à transparência se aplicam de pleno direito a contratos excluídos do âmbito das directivas e a contratos relativos a serviços incluídos no Anexo II B36. O referido acórdão afirma também inequivocamente que a obrigação de transparência decorrente dos princípios do Tratado CE implica que os referidos contratos sejam precedidos de um procedimento que, ainda que não siga as regras da directiva, deve envolver necessariamente uma publicitação prévia, que permita a potenciais interessados manifestar o seu interesse na obtenção do contrato. Os serviços jurídicos estão incluídos no Anexo II B da Directiva 2004/18/CE, aplicando-se-lhes integralmente a jurisprudência acabada de referir.

VI - os elementos subjectivos do crime pertencem à vida íntima e interior do agente. Contudo, é possível captar a sua existência através e mediante a factualidade material que os possa inferir ou permitir divisar, ainda que por meio de presunções ligadas ao princípio da normalidade ou às regras da experiência comum.

VII - O crime de participação económica em negócio é, em qualquer das suas modalidades, um crime de dano (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de resultado.

VIII - O crime é cometido por funcionário. Na modalidade prevista no n.° 1, a qualidade de funcionário é uma circunstância agravante do crime de infidelidade (artigo 224.º) (crime específico impróprio). Nas modalidades previstas nos n.°s 2 e 3, a qualidade de funcionário funda o ilícito, uma vez que não há incriminação geral correspondente para não funcionários (crime específico próprio).

IX - A qualidade de funcionário é comunicável, nos termos do artigo 28.°, n.° 1, aos comparticipantes que a não possuam. O crime de participação económica tem a natureza de um crime de comparticipação necessária imprópria (ver sobre este conceito a anotação ao artigo 10.°), não sendo punível a contra-parte no negócio ou acto jurídico realizado pelo funcionário.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na 9.ª Secção Criminal de Lisboa:

I – No proc.º n.º 3443/11.0TDLSB da Instancia Central de Lisboa, 1.ª Secção Criminal, Juiz 5, por acórdão de 10 de Julho de 2014, foi decidido:

I) Absolver os arguidos:

- RP..., IM... e AS..., da prática dos crimes pelos quais vêm pronunciados, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de participação económica em negócio, p. e p. pelo artº 377º, nº 1, com referência aos artºs 26º, 28º, nº 1 e 386º, nº 1, al. d), todos do Código Penal;

- IM..., em concurso real com o de participação económica em negócio, em autoria material e na forma consumada da prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artºs 255º, al. a) e 256º, nº 1, al. d), ambos do Código Penal;

- RP... em concurso real com o de participação económica em negócio, em autoria material e na forma consumada da prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artºs 255º, al. a) e 256º, nº 1, al. d) e nº 4, ambos do Código Penal.

II) Absolver o arguido RP... da pena acessória de proibição do exercício de todas e quaisquer funções públicas que integrem a competência para autorizar a realização de despesa com a aquisição de bens e serviços.

III) Absolver os arguidos do pagamento ao Estado do montante de € 27.835,20.

II – Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. Por acórdão de 10 de Julho de 2014, depositado no dia seguinte, o Tribunal Colectivo absolveu:

i) os arguidos RP..., IM... e AS..., de um crime de PARTICIPAÇÃO ECONÓMICA EM NEGÓCIO, p. e p. pelo art. 377º n.º 1, com referência aos arts. 26º, 28º n.º 1 e 386º n.º 1 al. d), todos do Código Penal.

ii) a arguida IM..., de um crime de FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO, p. e p. pelos arts. 255º al. a) e 256º n.º 1 al. d), ambos do Código Penal;

iii) o arguido RP..., de um crime de FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO, p. e p. pelos arts. 255º al. a) e 256º n.º 1 al. d) e n.º 4, ambos do Código Penal.

2. Analisado o acórdão recorrido, nomeadamente os fundamentos da motivação da decisão de facto que fundamentaram a condenação do arguido, constata-se que a prova não foi apreciada pelo Tribunal Colectivo de forma racional e globalmente nem foi devidamente conjugada com as regras da lógica e da experiência comum mas sim de forma discricionária, subjectiva e de forma isolada e fragmentada.

3. Também se constata que, no acórdão recorrido, o Tribunal Colectivo não analisa as normas do Código de Procedimento Administrativo, do Código dos Contratos Públicos nem da Constituição da República Portuguesa norteadoras da actividade da Administração Pública e dos seus funcionários, tarefa essencial para aferir da violação dos deveres que impendiam sobre os arguidos, elemento do tipo objectivo do crime de participação económica em negócio.

4. O Tribunal Colectivo decidiu absolver in totum os arguidos por considerar, em suma, que a adjudicação, pelo arguido RP..., de quatro estudos/pareceres à sociedade de advogados A&L..., foi efectuada sem a intenção de beneficiar patrimonialmente as arguidas IM..., irmã da sua companheira à data dos factos e tia da sua filha, e AS..., que com aquele colaboravam, na qualidade de juristas avençadas, na Direcção Municipal de Cultura da Câmara de Lisboa e que, no final de 2008, viram as respectivas avenças cessar.

5. Mais considerou o Tribunal Colectivo que o montante acordado por essa adjudicação, de cerca de € 47.000,00 sem IVA, não era excessivo, apesar de muito próximo do limite máximo da sua delegação de competências para aquisição de serviços.

6. No decurso da audiência de julgamento a testemunha AC esclareceu que:

1:35 a 1:57

Ministério Público (MP): “Sabe alguma coisa sobre um contrato celebrado entre a CML, mais concretamente entre a DMC e a A&L...?”

Testemunha (AC): “Só sei porque veio nos jornais e depois quando fui ouvido na fase de inquérito.”

2:48: AC: “Sobre o contrato em específico não (…)”

15:23: AC: “Não, nunca conheci o estudo”

16:44 (em resposta à questão da Mma. Juiz Presidente (JP) se sabia se o estudo existiu) AC: “Não, não sei”

17:20 a 18:58

AC: “Esse assunto era directamente acompanhado pelas vereadoras. Depois não sei como as coisas correram na transição”

JP: “E não seria as advogadas ou os juristas que estavam nessa Direcção Municipal de Cultura, não poderiam fazer esse estudo? Estavam avençadas”

AC: “Talvez, talvez sim, não lhe sei dizer em concreto qual é a competência”

JP: “Na realidade, foram elas que estavam lá que fizeram”

AC: “O departamento jurídico assegura o contencioso e depois cada direcção municipal tende a ter juristas especializados”

JP: “Se o director municipal entendeu especializadas essas pessoas que estavam na própria Câmara a trabalhar porque não fazer elas enquanto juristas da Câmara e não por ajuste directo”

AC: “Provavelmente porque considerou que nenhuma delas era a pessoa adequada ou habilitada para fazer esse estudo e que preferiu contratar (?) fora, mas aí…”

JP: “Mas foram elas”

AC: “Ah, foram as próprias! Isso aí terá que perguntar ao director municipal e aí não sei”

JP: “Já perguntei, estou a perguntar ao sr. dr. agora”

AC: “Está bem… se me pergunta se a mesma pessoa enquanto avençada do Município não pode realizar o trabalho que está contratado e tem de o realizar fora, não vejo razão, a não ser que o contrato expressamente tenha outra natureza mas, fora isso, de facto não vejo razão; se é esse juízo de valor…”

JP: “Não tem explicação”

AC: “Não tenho”

24:13 a 24:27

AC: “Em regra, o que é normal é que esses trabalhos sejam entregues ao vereador e o vereador reporta se entender que há interesse nisso, mas em princípio é o próprio vereador”

35:20 – diz q JA... trabalhava na CML

37:15: esmagadora maioria dos avençados foi integrada na Câmara

38:57 a 39:21

AC: “Acho que é tudo registado, presumo que seja, quer dizer, os papéis que me chegam à secretária vêm com carimbo de entrada, com uma numeração, há lá um código, de arquivo e de entrada, data de entrada, local de entrada, há um sistema de entrada dos documentos”

43:47 a 43:55

AC: “Às vezes entregam-me directamente e eu entrego precisamente à minha chefe de gabinete e às minhas secretárias para registarem e darem entrada”

44:48 a 45:12

AC: “Nem todos os documentos chegam por via postal, quer dizer, muitas vezes já tive reunião em que as pessoas me entregam os documentos e o que eu faço a seguir é depois entregar às minhas secretárias ou à minha chefe de gabinete para proceder ao registo e ficar devidamente arquivado na Câmara. Se havia um sistema de registo e de arquivo, isso há. Por vezes não vem por correio, isso é verdade”

47:22

AC (em resposta à pergunta da Mma. Juiz Presidente sobre o desaparecimento de documentos): “Não é habitual nem normal que assim aconteça”

47:35 a 49:58

AC: “Não, os directores municipais recorrerem e contratarem, não, não é normal, e não é comum a Câmara solicitar. Solicita em algumas circunstâncias, quer dizer…”

Mmo. Juiz Adjunto (JA): “E existe alguma regra interior na Câmara de Lisboa no sentido…”

AC: “Em regra pergunta-se à directora do departamento jurídico se tratamos em casa ou se tratamos fora de casa. Mesmo no contencioso, muitas vezes tratamos fora. Por exemplo, contencioso junto do Tribunal de Contas, em regra recorremos a serviço externo, por ser matéria especializada, o direito financeiro, e em regra não temos em casa”

JA: “Ou seja, naquelas situações em que essa contratação está dentro do âmbito que o director tem por competência delegada para adjudicar directamente, mesmo nesses casos, deve-se recorrer a esse procedimento que acabou de falar, ou seja, de ir ao departamento jurídico saber se há possibilidade de fazer interno?”

AC: “Eu acho que esse é o percurso normal, esse é o percurso normal. Eu, pessoalmente, quando tenho necessidade de algum apoio jurídico pergunto em regra à directora o que é que tem a sugerir e peço aliás à directora para sugerir quem contratar. Às vezes, nem sempre, às vezes já tenho tomado a iniciativa. Recordo-me de um processo particularmente complicado em que decidimos contratar o Professor AM... da Universidade de Coimbra e até fui eu que sugeri à directora do departamento jurídico que fosse consultado o Doutor AM..., porque era uma questão muito complexa do ponto de vista do Direito privado e em que estavam em causa, a Câmara tinha sido condenada em 130 milhões de euros de indemnização e era um tema muito sensível e achei que era preciso tratar as questões…”

JA: “Esse procedimento é algo, existe alguma coisa escrita nesse sentido, ou isso é uma regra de conduta?”

AC: “Acho que é uma regra de conduta, quer dizer, acho que é uma regra de conduta normal, não é? Quer dizer, quando se trata de uma coisa relativa aos espaços verdes, pergunta-se ao responsável pelos espaços verdes. Quando se trata de uma matéria de natureza jurídica, pergunta-se à responsável pelo departamento jurídico, quer dizer, acho que esse é o caminho normal, não é?”

7. No decurso da audiência de julgamento a testemunha FMV esclareceu que:

2:20 a 2:56

Testemunha FMV (FMV): “Tive conhecimento deste contrato quando, na sequência, digamos, do envio da documentação para o departamento jurídico da Câmara com a parte com que fui confrontado, se fez o levantamento da documentação que diz respeito…”

Ministério Público (MP): “E em que altura foi isso, tem presente?”

FMV: “As datas não tenho, digamos, muito rigorosamente mas terá sido na segunda metade de 2009, portanto depois de Julho de 2009.”

3:21 a 3:35

FMV: “Houve um dia que nos encontrámos, num final de tarde, não sei exactamente a hora exacta, mas qualquer coisa em volta do dia 8, 7, 8 de Janeiro de 2009”

4:26 a 4:40

MP: “E alguma vez lhe foi falado nalgum trabalho que tinha sido recentemente entregue por essa sociedade de advogados?”

FMV: “Não, não, nem a conversa entrou em detalhes tão…”

MP (4:55): “Não abordaram questões concretas?”

FMV (4:58): “Não, não.”

MP (5:02): “Em cima de secretária ficou algum monte de documentos?”

F. MV: (5:04 a 5:50): “Que eu me lembre (…) em cima da secretária estava um dossiê com o orçamento e o plano (…) conversamos dele e mais nada. Gavetas estavam vazias, havia alguns livros deixados nas prateleiras.”

6:10 a 6:23

MP: “Nunca foi referido esse contrato efectuado com essa sociedade de advogados?”

FMV: “Não, não.”

MP: “Não lhe foi referido a existência de algum estudo sobre direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa propriedade da Câmara Municipal de Lisboa?”

MV: “Não.”

8:37 a 8:48

FMV: (relatando o que disse inicialmente às arguidas em Julho de 2009) “Não há uma carta de entrega, está aqui uma carta, que já tinha entrada dada”

MP: “Já agora, só aí, a propósito de entrada dada, todos os documentos que dão lá entrada (…) enquanto lá esteve, eram carimbados?”

FMV: “Sim.”

12:58 a 13:27

FMV: “Sei qual foi o resultado, foi que para a vereadora, pelos vistos, foi algo de muito surpreendente, que aquele contrato tivesse sido feito e que aqueles estudos tivessem sido pedidos e, portanto, o próprio gabinete, na análise que fez, entendeu que havia ali questões que deviam ser analisadas pelo departamento jurídico e enviou o processo para o departamento jurídico (…)”  

FMV (21:46): “Em cima da mesa absolutamente não!”

FMV (23:45 a 23:56): “Há, digamos, algum trabalho feito até sobre esse tema do ponto de vista da Biblioteca Nacional, portanto que tem também a esse respeito alguma reflexão feita (..)”

FMV (26:00 a 26:04): “Na Câmara a questão da contratação externa estava completamente posta de parte, nem se colocava”

8. O Tribunal recorrido não valorou minimamente as declarações destas duas testemunhas nem as conjugou devidamente com a restante prova produzida, nomeadamente documental e indirecta, esta a única susceptível de conduzir à prova do dolo.

9. A formação da convicção do Tribunal recorrido não assentou de forma alguma num processo lógico e racional na apreciação da prova, o que fez com que incorresse, naturalmente, em erro de julgamento.

10. O Tribunal Colectivo dá por provada a urgência porque, basicamente, existiria uma “pressão política” no sentido de o estudo sobre os direitos de autor do espólio de Fernando Pessoa ser concluído o quanto antes.

11. Ora, desde logo da mera leitura da informação que deu origem ao procedimento de ajuste directo (fls. 197 a 199 dos autos), subscrita pela arguida AS..., se percepciona o erro de julgamento do Tribunal Colectivo.

12. De facto, nem nessa informação nem na subsequente (fls. 194 a 196 dos autos), que sustenta a decisão de adjudicação, se faz qualquer menção, directa ou indirecta (por exemplo, invocando a norma do Código dos Contratos Públicos que a prevê) a uma suposta urgência na adjudicação em causa.

13. Das duas uma: ou a urgência era tanta que a arguida AS... se esqueceu de aludir a essa circunstância, o que não foi alegado nem por si nem por ninguém, ou, como nos parece cristalino, essa arguida omitiu-a como fundamento da abertura do procedimento precisamente porque não existia qualquer urgência na adjudicação.   

14. Ou seja, o Tribunal Colectivo dá como provada uma circunstância que, pasme-se, nem os próprios arguidos, em particular a arguida AS..., se lembraram à época de invocar.

15. O Tribunal Colectivo, ao dar como provada a urgência na adjudicação com fundamento na “insistência” do Presidente da Câmara, olvidou que tal circunstância não consta do elenco constante do art. 24º n.º 1 do Código dos Contratos Públicos. 

16. Nem o facto das arguidas se terem recusado a vincular-se, por contrato de trabalho, à CML, pode ser visto de modo favorável à defesa, pois como juristas internas e não avençadas estariam impedidas de continuar a advogar e usufRP...r de honorários de outros clientes.

17. Aliás, tal opção das duas arguidas, diversa da “esmagadora maioria” das suas colegas que se encontravam a prestar serviços à CML (segundo a testemunha AC, a 37:15 do seu depoimento), somente reforça, a nosso ver, a prova de que lhes era mais conveniente continuarem a receber da autarquia doutro modo, como se confirmou e acabaram por conseguir. 

18. Ou bem que passavam a juristas internas da CML (com tudo o que isso implicava) ou bem que deixavam de prestar serviços à CML (como o contrato em causa lhes continuou a permitir e em condições mais favoráveis, dado o menor volume de trabalho). Ter sol na eira e chuva no nabal, como as arguidas conseguiram, é que não!

19. O zelo e a isenção aferem-se por factos concretos e não pelos testemunhos abonatórios de terceiros, mesmo que magistrados ou membros do executivo, sem conhecimento directo ou sequer indirecto dos factos.

20. Se o arguido foi um gestor zeloso, isento e competente por onde passou ou actualmente exerce funções, tal só releva para efeitos da medida da pena e não, como ocorreu neste caso, para aferir da prática ou não dos factos em causa.

21. De todo o modo, acaba por interessar, para a apreciação correcta da prova, o que uma das testemunhas abonatórias do arguido RP..., a Dra. MG, Procuradora da República, declarou. Conforme se transcreve no Acórdão a fls. 1562, essa testemunha referiu que o arguido “teve sempre uma preocupação de fazer adjudicações muitas vezes não pelo valor máximo mas por um valor inferior, tendo havido plafonds que não chegaram a ser atingidos, tendo sempre um cuidado com a despesa do Estado.”

22. Ou seja, para essa testemunha e para o Tribunal Colectivo é relevante não atingir o valor máximo das adjudicações. Nada de mal se vê nisso, obviamente. O que se não entende, de todo, é a desconsideração, na apreciação global da actuação do arguido, do facto da adjudicação em causa (no montante de cerca de € 47.000,00 sem IVA) ter sido feita quase pelo valor máximo da subdelegação de competências da vereadora RV na sua pessoa (€ 49.879,00).

23. Sob pena de se entrar em contradição na motivação, como nos parece ter ocorrido, não é possível valorar positivamente uma determinada actuação no âmbito da apreciação da personalidade do arguido ao mesmo tempo que a actuação contrária, indiciadora da prática de crime, é praticamente ignorada no caso concreto.

24. Sendo tão urgente como os arguidos pretenderam fazer crer e o Tribunal deu como provado, e, por outro, aparentemente exequível em seis dias (um dos quais feriado de ano novo), mais estranho e, consequentemente, inverosímil se nos afigura que, pelo menos desde o dia 14 de Novembro de 2008 (data da informação que dá origem ao ajuste directo, sendo que a necessidade do mesmo já era falada há mais tempo) e até ao final desse ano, as arguidas IM... e AS... não conseguissem, nesse período, encontrar disponibilidade para fazer o mesmo estudo/parecer enquanto advogadas avençadas da CML.

25. Ninguém duvida que se perdem documentos todos os dias e em todo o lado. Porém, coisa diversa é ninguém, com excepção dos arguidos (como não podia deixar de ser), ter dito em audiência de julgamento que viu o estudo em causa. Ora, só se pode dar ou considerar perdido pelo destinatário (in casu CML) aquilo que lhe foi entregue, o que não ocorreu com o primeiro dos estudos adjudicados.

26. Ao invés do que alegam os arguidos ter sucedido aquando da entrega do primeiro estudo, quando FMV recebeu das mãos das arguidas, em Julho de 2009, o relativo ao MUDE, este vinha acompanhado de uma carta de entrada devidamente registada. Esta diferença não é de somenos e reforça os indícios da não entrega do primeiro dos estudos contratados.

27. É recorrente a opção da Câmara Municipal de Lisboa de não deduzir pedido de indemnização civil quando estão em causa antigos dirigentes. Apesar de igualmente notificada para o efeito, também não deduziu pedido de indemnização civil no denominado processo-crime “BRAGAPARQUES”, cujo julgamento ainda decorre, precisamente nas Varas Criminais de Lisboa, pelo que desse facto não é possível retirar qualquer ilação dessa opção relativamente aos factos em causa.

28. Se uma acusação ou uma condenação dependessem da apresentação de queixa, como se sabe desnecessária para a investigação de crimes públicos (é o caso do em apreciação nestes autos e no outro aludido), e/ou da dedução de pedidos de indemnização civil por parte das entidades públicas lesadas com condutas do género da sub iudice, não só esta e aquelas como muitas outras ficariam sem a devida punição. 

29. Na esteira do exarado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Abril de 2011 (processo n.º 936/08.0JAPRT.S1, in www.dgsi.pt), relatado pelo Exmo. Conselheiro Santos Cabral), os indícios elencados e apreciados pelo Tribunal Colectivo, ao arrepio das regras da experiência comum e de normalidade, para dar como provada a entrega do estudo, não permitem infirmar os fortes indícios coligidos nos autos, que de seguida se elenca, dos quais é possível inferir, sem margem para uma dúvida razoável, em sentido oposto, isto é, pela não entrega do estudo.

30. Com excepção, naturalmente, dos arguidos, ninguém afirma ter visto aquele parecer/estudo.

31. As arguidas AS... e IM..., previamente à entrega em mão do segundo estudo ao então Director Municipal de Cultura FMV, deram entrada da carta que acompanhava esse estudo, a qual foi objecto de registo (conforme depoimento daquela testemunha supra transcrito), o que não ocorreu em Janeiro de 2009.

32. A arguida IM... era desorganizada.

33. A nosso ver, esta conveniente característica da arguida IM..., associada à, por si, alegada incapacidade de se recordar de datas, é tão indiciadora de que esta arguida não guarda estudos/pareceres elaborados, ou os comprovativos da sua suposta entrega, como de que a mesma não consegue cumprir com as suas obrigações contratuais e prazos de entrega de estudos/pareceres alegadamente elaborados, muito provavelmente a verdadeira razão para o não ter feito.

34. Ninguém deu o exemplo de qualquer estudo, documento ou papel cuja entrada tenha sido registada e não tenha sido visto.

35. O Tribunal Colectivo alude às declarações da testemunha AC, na parte em que referiu não se encontrarem por vezes documentos solicitados pelo DIAP, para chegar à conclusão de que o desaparecimento de documentos não implica, necessariamente, a sua não entrega.

36. Tais exemplos reportam-se todos, seguramente não por acaso, a situações que desencadearam a instauração de inquéritos-crime, pois caso contrário não seria o DIAP de Lisboa a solicitar os documentos cujo desaparecimento se veio a constatar. Aparentemente, o desaparecimento de documentos na Câmara Municipal de Lisboa anda associado, et pour cause, a suspeitas de crime. Donde, também estas declarações da testemunha AC devem ser valoradas em sentido contrário ao seguido pelo Tribunal Colectivo.

37. Nenhum outro documento ou papel deixado pelo arguido RP... no seu gabinete ao seu sucessor FMV desapareceu ou deixou de ser visto.

38. Se realmente o ambiente não era propício à boa-sorte dos papéis, como aceitar que apenas o estudo em causa, decerto o mais valioso documento que alegadamente estaria no gabinete do Director Municipal de Cultura, tenha desaparecido? É que não existe noticía de não se encontrar qualquer outro documento que ali estivesse.

39. Nenhuma das arguidas tirou ou ficou com uma cópia, guardou um ficheiro digital, uma cópia em papel ou um comprovativo da alegada entrega do estudo/parecer em causa.

40. A este respeito, é de notar que os factos ocorreram no final de 2008, quando era já corrente o uso de e-mail e suportes digitais para guardar e enviar versões provisórias e definitivas de documentos.

41.   Também não se afigura credível, à luz das regras da experiência comum e de normalidade, que nenhuma das arguidas tenha solicitado e conservado uma cópia e/ou o comprovativo da entrega de um estudo/parecer pelo qual vieram a receber o montante total de €27.835,20, tanto mais que são ambas advogadas, a lei adjectiva impõe a entrega de duplicados e a prática forense é a de levar e carimbar cópias do que se entrega. Qualquer profissional sério acautela-se adoptando esse procedimento. Mesmo que se pudesse admitir que nem todos os documentos são credores de mínima atenção, há documentos e documentos! Não pode tomar-se por boa a justificação das arguidas, advogadas, quando está em causa um trabalho pago, literalmente, a peso de ouro.

42.   A arguida IM... referiu que o trabalho “tinha cerca de trinta, quarenta ou cinquenta folhas” (conforme declarou na sessão de julgamento do dia 4 de Junho de 2014, a 12:27).

43. A arguida IM... não tem a certeza se a arguida AS... assinou o estudo/parecer alegadamente entregue ao arguido RP... (conforme declarou na sessão de julgamento do dia 4 de Junho de 2014, a 10:51).

44. A arguida IM... disse que entregou o estudo ao arguido RP... sozinha (conforme declarou na sessão de julgamento do dia 4 de Junho de 2014, a 11:45).

45. A arguida IM... disse que entregou o estudo ao arguido RP... sozinha.

46. O arguido RP... referiu que recebeu esse estudo das mãos das duas arguidas.

47. A nosso ver, são demasiadas e relevantes incongruências entre os próprios arguidos, não justificáveis pelo lapso de tempo decorrido desde a prática dos factos, as quais somente têm o condão de confirmar aquilo que decorre, para além de qualquer dúvida razoável, de toda a prova coligida nos autos e das regras de experiência comum, apreciadas conjugadamente: o estudo não foi entregue.

48. O arguido RP..., apesar da matéria relativa à qual o estudo/parecer se destinava estar a ser acompanhada pela vereadora RV e pelo presidente da Câmara e de o mesmo ser, alegadamente, urgente, não informou nenhum desses seus superiores hierárquicos do contrato que celebrou com a sociedade de advogados de que a sua cunhada “de facto” era sócia nem da suposta entrega daquele estudo/parecer, como se impunha, se tal tivesse ocorrido;

49. Apesar de terem sido as alegadas qualidades e competências na área dos direitos de autor da arguida IM... a servirem de justificação principal para a adjudicação em causa e da sua sócia RL não trabalhar nessa área, o contrato foi celebrado com a sociedade de advogados A&L..., facto que indicia a tentativa de ocultar, o que foi conseguido até meados de 2011, a adjudicação do arguido RP... a uma familiar sua (cunhada “de facto”) através da interposição de uma pessoa colectiva, cuja personalidade jurídica deve ser desconsiderada precisamente por isso;

50. De notar que a subdelegação de competências da vereadora RV não abrangia a aquisição de serviços a pessoas individuais, sendo de concluir que a adjudicação à referida sociedade permitiu contornar a impossibilidade do arguido RP... adjudicar a elaboração dos estudos/pareceres em causa directamente às duas arguidas;

51. Entre a alegada data de entrega do estudo/parecer em causa (7 de Janeiro de 2009) e a reunião do arguido RP... com o seu sucessor FMV (7 ou 8 de Janeiro de 2009, conforme depoimento desta testemunha, de 3:21 a 3:35) decorreu um ou, no limite, dois dias, sendo que nesse período nenhuma testemunha declarou ter visto aquele “estudo/parecer”.

52. Na reunião que teve com o seu sucessor FMV no dia 7 ou 8 de Janeiro, o arguido RP... não fez qualquer menção, por mínima que fosse, ao primeiro dos estudos contratados ou que este estivesse no respectivo gabinete, apesar de, alegadamente, ter sido entregue um ou dois dias antes e a CML ter de liquidar a módica quantia de € 27.835,20 pelo mesmo;

53. Face à regra de experiência, ou máxima da vida, não é crível que, tendo no gabinete onde se reuniu com o seu sucessor um estudo avaliado em cerca de €28.000,00, lhe omitisse esse facto aquando da passagem de pasta.

54. As mesmas regras dizem que seria normal também disso informar os seus superiores hierárquicos, a vereadora RV (independentemente de estar ou não em conflito com a mesma) e o presidente da Câmara AC (até por causa do conflito com a vereadora).

55.Os sobreditos factos são graves, precisos e concordantes, no sentido em que o Exmo. Conselheiro Santos Cabral o sustenta no artigo e no Acórdão citados, quanto à não entrega do estudo.

56. A aposição da data de 5 de Janeiro no verso do original azul da factura, e não de 7 de Janeiro ou posterior, não se trata de mero lapso do arguido RP.... Em lapso, compreensível, incorreu o Tribunal Colectivo ao fazer constar, no Acórdão, o ano de 2007 e não o de 2009 no facto provado n.º 65.

 57. Já o arguido RP... apôs a data que pretendia. O Tribunal Colectivo não atribuiu qualquer importância à data de 5 de Janeiro de 2009 porque olvidou, certamente também por lapso, que, no dia em que a factura terá sido apresentada ao arguido RP... pela arguida IM... (a 7 de Janeiro de 2009), a Assembleia Municipal deliberou nomear aquele arguido director de recursos humanos e a testemunha FMV director de cultura.

58. Não obstante tal deliberação só produzir efeitos a 11 desse mês, a partir daquele dia 7 (inclusive) ficou o arguido RP... praticamente destituído de legitimidade (a qual já estava bastante restringida por via da gestão corrente desde 25 de Novembro de 2008, cfr. fls. 172) para assinar o que quer que fosse como director municipal de cultura, sobretudo quanto a pagamento de despesa. Exemplo disso é que se reuniu com o seu sucessor nesse mesmo dia (7) ou no seguinte. De notar que 10 e 11 eram dias de fim-de-semana, pelo que 5 e 6 eram os dias do “tudo ou nada” para autorizar o pagamento.

59. Como decorre das regras de experiência comum, não foi mera coincidência o facto da arguida IM... ter entregue a factura enquanto o arguido RP... ainda estava na DMC e não depois disso, sendo que podia fazê-lo, juntamente com o estudo/parecer, até ao dia 15 de Janeiro. Caso tivesse mesmo sido entregue com cerca de 8 dias de antecedência, seria um dos raros casos em que um prestador de serviços entregaria o seu trabalho, mais a mais um com “30, 40 ou 50 páginas” (nas palavras da arguida IM...), tantos dias antes do seu terminus…prescindido de mais de metade do prazo total (15 dias). Como é evidente, não se trata de mais um mero fait divers ou coincidência, a somar a tantos outros, a saber:

60. O procedimento apenas se iniciou após os arguidos terem conhecimento de que as avenças das arguidas iriam cessar no final de 2008;

61. Apenas a sociedade de advogados de que a cunhada do decisor e colega da subscritora da informação era sócia foi convidada a apresentar proposta;

62. De início a fim, esse procedimento desenrolou-se, quase de forma clandestina, somente entre os três arguidos;

63. O convite, resposta, escolha e adjudicação demorou apenas cinco dias, dois dos quais de fim-de-semana;

64. O arguido não determinou às arguidas que fizessem o primeiro dos estudos/pareceres adjudicados até ao final do período das suas avenças (31/12/2008), sendo que a informação que dá origem ao procedimento é de 14 de Novembro de 2008 (fls. 194 dos autos);

65. O valor da adjudicação é muito próximo do máximo para o qual o arguido estava autorizado a adquirir serviços;

66. O valor da proposta apresentada pela arguida IM..., através da sua sociedade de advogados, não foi negociado pelo arguido RP..., como se impõe a qualquer gestor zeloso;

67. Não existe evidência documental, nomeadamente das informações subscritas pela arguida AS..., ou testemunhal, de que que foi consultada qualquer outro prestador de serviços quanto ao preço do estudo/parecer relativo aos direitos de autor do espólio de Fernando Pessoa;

68. Também não existe evidência documental, como deveria se fosse séria ou real, das alegadas consulta e proposta de CB para elaboração de um estudo relativo ao MUDE por um valor entre € 75.000,00 a € 125.000,00;

69.   O valor, com IVA, da adjudicação em causa corresponde exactamente ao dobro da soma dos montantes recebidos, no segundo semestre de 2008, pelas arguidas IM... e AS... da Câmara Municipal de Lisboa (facto provado n.º 38, do qual o Tribunal Colectivo nenhuma ilação retira).

70. Conforme decorre da mera leitura da noticia de jornal de fls. 3 e 4 dos autos, que constitui prova documental para todos os efeitos e cujo teor não foi desmentido pelo arguido RP..., este, em dia anterior a 24 de Maio de 2011 (provavelmente a 23), foi questionado pelo jornalista do diário Público JC sobre o estudo/parecer em causa, e não apenas aquando do seu interrogatório na Polícia Judiciária (ocorrido quase dois anos depois, a 7 de Março de 2013), pelo que, a partir daquela data e estando ainda na Câmara como director de recursos humanos, poderia ter diligenciado internamente pelo esclarecimento do assunto, algo que nem sequer alegou ter feito.

71. Os requisitos da contraparte da CML foram, como comummente ocorre nestes casos, “feitos à medida” da sociedade de advogados de que era sócia a arguida IM..., de forma a que esta “encaixasse” perfeitamente ali.

72. Como nos parece evidente, o arguido RP... não determinou, nem a arguida AS... consignou, nas informações e contratos em causa, que se pretendia uma sociedade com advogados especialistas em direitos de autor precisamente porque nenhuma das sócias da A&L... o era.

73. Pelo menos, a arguida AS..., dada a sua qualidade de advogada, não podia desconhecer a existência de colegas seus especialistas nos vários ramos do Direito e, consequentemente, que a arguida IM... o não era. Por essa razão é que invocou um conceito diverso e de mais difícil aferição (“com experiência”) nas informações que subscreveu.

74. Mesmo que a arguida IM... ou a sua sociedade, o que vai dar ao mesmo, fossem as mais habilitadas a prestar os serviços jurídicos em causa (e isso não pode cingir-se a uma mera alegação, tem de ser demonstrado minimamente, em confronto com outros concorrentes, em atenção aos princípios da igualdade, transparência e imparcialidade), e os estudos fossem urgentes e absolutamente necessários, nem mesmo assim o arguido RP... podia intervir no procedimento e muito menos nos termos conhecidos. É que a mera suspeição sobre a sua isenção, como se viu justificada, já impunha o seu afastamento, única decisão que podia ter tomado. Ou então continuar mas sem convidar a sociedade de que a sua cunhada era sócia. E só o não fez porque sabia que, sem a sua intervenção, jamais quer a A&L... quer as arguidas seriam contratadas, em particular, como se disse, por causa da opção da autarquia em procurar soluções internas (aliás, de que o arguido RP... foi directamente informado e que justificou a cessação das avenças com as arguidas).

75. A contratação de advogados, seja a título individual ou colectivo, através de ajuste directo tem sido frequentemente objecto de recusa de visto pelo Tribunal de Contas, considerando que a contratação de serviços jurídicos não está excluída, a priori, da sujeição a um procedimento concursal, tanto no âmbito da vigência do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, como na do Código dos Contratos Públicos (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro).

76. No Acórdão n.º 39/10, de 3 de Novembro, da 1ª S/SS, reportando-se à contratação de uma sociedade de advogados por ajuste directo na vigência do Código dos Contratos Públicos, o Tribunal de Contas sustentou que “apesar da impossibilidade da elaboração das especificações contratuais e da definição qualitativa e quantitativa dos factores de avaliação das propostas, a entidade adjudicante é forçada a seguir procedimentos de natureza concorrencial e a encontrar a melhor forma de avaliar e seleccionar as propostas. Assim, deve concluir-se que a caracterização dos serviços a adquirir como de natureza intelectual e uma eventual impossibilidade ou dificuldade em definir as respectivas especificações e atributos a valorar não autoriza, só por si, a não utilização de procedimentos concorrenciais.”  

77. Nesse Acórdão, o Tribunal de Contas invoca ainda a jurisprudência comunitária: “É entendimento do Tribunal de Justiça que as obrigações decorrentes do direito primário relativas à igualdade de tratamento e à transparência se aplicam de pleno direito a contratos excluídos do âmbito das directivas e a contratos relativos a serviços incluídos no Anexo II B36. O referido acórdão afirma também inequivocamente que a obrigação de transparência decorrente dos princípios do Tratado CE implica que os referidos contratos sejam precedidos de um procedimento que, ainda que não siga as regras da directiva, deve envolver necessariamente uma publicitação prévia, que permita a potenciais interessados manifestar o seu interesse na obtenção do contrato. Os serviços jurídicos estão incluídos no Anexo II B da Directiva 2004/18/CE, aplicando-se-lhes integralmente a jurisprudência acabada de referir.”

78. É certo que no referido Acórdão “admite-se que nos serviços de natureza intelectual, a avaliação da aptidão técnica do prestador de serviços seja, para o adquirente, a forma mais fiável de prever a qualidade das prestações a adquirir. E que, por isso, a entidade pública prefira avaliar essa aptidão técnica a avaliar aspectos da proposta, que poderiam redundar em apreciações meramente formais de documentos sem conteúdo verdadeiramente relevante para as aquisições em causa. Admite-se também que a avaliação da aptidão técnica do prestador de serviços não pode integrar os elementos de definição do critério da proposta economicamente mais vantajosa, nos termos previstos para os concursos. Mas não pode concluir-se daí que a mera percepção subjectiva dessa aptidão técnica seja legalmente reconhecida como critério de escolha e adjudicação.

79. Da jurisprudência do Tribunal de Contas e do Tribunal de Justiça, seja no âmbito do Decreto-Lei n.º 197/99 ou no do Código dos Contratos Públicos, resulta o afastamento de qualquer “clausula geral ou princípio que declare a aquisição de serviços jurídicos insusceptível de se subordinar a uma escolha concorrencial”, devendo a aplicação de uma excepção “estar inequivocamente justificada, fundamentada e demonstrada, em termos de afastar, em concreto e não em abstracto, a viabilidade de qualquer outra solução concorrencial” (p. 25 do Acórdão n.º 39/10).

80. O conflito que existia entre o arguido RP... e a vereadora RV não pode servir de justificação, como aceitou o Tribunal Colectivo, para não se encontrar o alegado estudo. Pelo contrário, a ser destacado, tem forçosamente de ser como a circunstância que levou o arguido RP... a ocultar a essa vereadora o contrato em causa, que seguramente se oporia à sua celebração, pois tal contrariava a decisão de não recorrer a serviços jurídicos externos, e, por maioria de razão, ao respectivo pagamento.

81. Considerando, por um lado, a flagrante violação dos princípios consagrados no art. 266º da Constituição da República Português, do disposto nos arts. 24º n.º 1 do Código dos Contratos Públicos e nos art. 1º, 3º, 4º, 6º, 44º n.º 1 al. b) e 48º n.º 1, todos do Código do Procedimento Administrativo, e, por outro, sendo a arguida AS... advogada, jurista avençada de uma Câmara Municipal e conhecendo, como não podia deixar de conhecer, que a arguida IM..., sua colega na Direcção Municipal de Cultura, era sócia da sociedade A&L... (nem que fosse através de certidão do registo comercial ou do site da Ordem dos Advogados) e cunhada “de facto” do arguido RP..., é a nosso ver manifesto que a mesma não apreciou criticamente a contratação em causa pura e simplesmente porque não quis, dado o acordo prévio que estabeleceu com os outros dois arguidos. 

82. Se a arguida AS... tivesse apreciado verdadeiramente os requisitos legais, não poderia deixar de invocar, como era sua obrigação, a violação dos princípios da legalidade e da isenção, não só devido à relação familiar dos arguidos RP... e IM... como, por outro lado, à inexistência de urgência para adoptar o procedimento de ajuste directo.

83.   Fossem outros os intervenientes e, seguramente, a arguida AS... não teria elaborado e muito menos subscrito as informações de fls. 194 a 199 que suportaram, rectius, deram cobertura ao ajuste directo ilegal em causa.

84. A única explicação para o ter feito prende-se com o acordo prévio estabelecido com os outros dois arguidos e do qual, passadas poucas semanas, veio a beneficiar patrimonialmente.

85. Tal acordo, aliás como a intenção dos arguidos, que o Tribunal Colectivo qualifica como especulação, somente podem ser apreendidos indirectamente, em consonância com a jurisprudência citada do Supremo Tribunal de Justiça, e a prova dessa natureza coligida nos autos, abundante e inequívoca, aponta toda, e de forma congruente, nesse sentido. 

86. Nem o testemunho de IA contraria a prova daquele acordo prévio porquanto não só esta jurista como a própria JA... (cfr. depoimento de AC a 35:29), irmã da arguida IM... e companheira do arguido RP... à data dos factos, foram colegas de ambas as arguidas na Câmara Municipal de Lisboa e, por conseguinte, o seu depoimento não pode ser considerado isento nem, o que mais importa, verdadeiro.

87. Por maioria de razão, também o depoimento de JA... deve ser desvalorizado. A respeito de um pretenso, e conveniente, afastamento das irmãs A… durante o período em que os factos ocorreram, que o Tribunal Colectivo invoca na sua motivação para, como se fosse possível, arredar a intenção do arguido RP... beneficiar a irmã da sua companheira, chama-se a atenção para o teor do relatório social da arguida IM..., do qual nada consta a esse respeito. Bem pelo contrário, a sua irmã aparece como a figura familiar de referência, deixando bem à vista mais um erro de julgamento do Tribunal Colectivo.

88. Do cotejo dos factos constantes da acusação/pronúncia com os considerados provados pelo Tribunal Colectivo, pode dizer-se que, do essencial, somente ficou por provar a entrega do estudo e, como ainda é habitual neste tipo de criminalidade, o elemento subjectivo.

89. Relativamente ao recurso sobre a matéria de facto consideram-se incorrectamente julgados, nomeadamente, os seguintes factos que foram dados como provados:

57. O estudo das implicações da alteração dos modelos de gestão era (…) urgente, em particular no que respeita à Casa Fernando Pessoa.

119. O MUDE era um projecto da CML de carácter prioritário.

151. O estudo das implicações da alteração dos modelos de gestão dos dois equipamentos, em particular da Casa Fernando Pessoa, eram assuntos urgentes.

65. A data de 5 de Janeiro de 2007 aposta no verso do original azul deve-se a mero lapso de escrita.

72. Ao longo desse período [em que exerceu funções como director municipal de recursos humanos], o arguido nunca foi notificado, contactado e/ou interpelado pelo Director Municipal da Cultura, nem pela Vereadora da Cultura, nem pela Vereadora das Finanças, ou por quem quer que fosse, sobre o contrato celebrado e a entrega, recepção ou destino do referido Estudo.

73. Nunca foram solicitados ao arguido quaisquer informações ou esclarecimentos sobre o contrato celebrado, nem sobre o “Estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa, propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, dado o processo já iniciado de transformar a Casa Fernando Pessoa em Fundação”, seu paradeiro ou destino.

74. Sendo comunicado ao arguido a “pretensa inexistência” do estudo em sede de inquérito.

144. O Director Municipal da Cultura entendeu ser necessária a contratação de uma sociedade de advogados com experiência na área de direitos de autor e direitos conexos, para desenvolver os trabalhos que sustentassem as decisões sobre o futuro dos dois equipamentos cujo modelo de gestão se pretendia alterar – o MUDE e a Casa Fernando Pessoa.

153. A arguida AS... averiguou a conformidade jurídica da decisão executiva que lhe foi comunicada e instRP...u as peças do respectivo procedimento.

155. A Dra AS... quando instRP...u o referido procedimento contratual desconhecia que iria ser convidada pela referida sociedade para colaborar parcialmente na elaboração do trabalho.

156. Nessa data nem a própria arguida IM... sabia que ia convidá-la a prestar os serviços à sociedade A&L....

158. A Drª AS... nem sequer foi a primeira escolha da A&L... para a colaboração da realização do trabalho.

159. A Dra AS... é escolhida e aceita colaborar no referido trabalho, na sequência da recusa de colaboração da primeira escolha da A&L..., da advogada IA.

90. Como provas que impõem decisão diversa da recorrida, indicam-se as seguintes provas, a apreciar conjugadamente com as regras da experiência comum, explanadas na motivação, e com a prova documental coligida nos autos:

- As declarações da testemunha AC, gravadas no sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso neste tribunal, conforme consta da acta de audiência de discussão e julgamento, de 4 de Junho 2014, junta a fls. 1407 a 1414 dos autos, em concreto as sobrecitadas passagens.

- As declarações da testemunha FMV, gravadas no sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso neste tribunal, conforme consta da acta de audiência de discussão e julgamento, de 4 de Junho 2014, junta a fls. 1407 a 1414 dos autos, em concreto as sobrecitadas passagens.

91. No que tange às declarações destas testemunhas, gravadas no sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, conforme consta da acta de audiência de discussão e julgamento de 4 de Junho de 2014, dá-se aqui por reproduzido o que se referiu na motivação de recurso.

92. Tendo em conta que as provas indicadas desde que apreciadas globalmente e aferidas pelas regras da lógica e da experiência comum impõem, a nosso ver, decisão diversa da recorrida, deve haver lugar à modificação da matéria de facto nos seguintes termos:

Deverá ser levada à matéria de facto dada como não provada que:

119. O MUDE era um projecto da CML de carácter prioritário.

151. O estudo das implicações da alteração dos modelos de gestão dos dois equipamentos, em particular da Casa Fernando Pessoa, eram assuntos urgentes.

61. O “Estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa” foi efectuado e entregue ao arguido enquanto Director Municipal de Cultura.

62. Tal entrega foi efectuada em 7 de Janeiro de 2009, em mão e no seu gabinete.

63. Como era usual acontecer com os pareceres e estudos solicitados.

64. Nessa mesma data, o estudo foi conferido pelo arguido.

65. A data de 5 de Janeiro de 2007 aposta no verso do original azul deve-se a mero lapso de escrita.

73. Nunca foram solicitados ao arguido quaisquer informações ou esclarecimentos sobre o contrato celebrado, nem sobre o “Estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa, propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, dado o processo já iniciado de transformar a Casa Fernando Pessoa em Fundação”, seu paradeiro ou destino.

74. Sendo comunicado ao arguido a “pretensa inexistência” do estudo em sede de inquérito.

144. O Director Municipal da Cultura entendeu ser necessária a contratação de uma sociedade de advogados com experiência na área de direitos de autor e direitos conexos, para desenvolver os trabalhos que sustentassem as decisões sobre o futuro dos dois equipamentos cujo modelo de gestão se pretendia alterar – o MUDE e a Casa Fernando Pessoa.

153. A arguida AS... averiguou a conformidade jurídica da decisão executiva que lhe foi comunicada e instRP...u as peças do respectivo procedimento.

155. A Dra AS... quando instRP...u o referido procedimento contratual desconhecia que iria ser convidada pela referida sociedade para colaborar parcialmente na elaboração do trabalho.

156. Nessa data nem a própria arguida IM... sabia que ia convidá-la a prestar os serviços à sociedade A&L....

158. A Drª AS... nem sequer foi a primeira escolha da A&L... para a colaboração da realização do trabalho.

159. A Dra AS... é escolhida e aceita colaborar no referido trabalho, na sequência da recusa de colaboração da primeira escolha da A&L..., da advogada IA.

Deverá ser levada à matéria de facto provada que:

“(…) o que a arguida AS... bem sabia.” (parte final do art. 31º da pronúncia)

O arguido RP..., em dia anterior a 24 de Maio de 2011, foi questionado pelo jornalista do diário Público JC sobre o estudo/parecer em causa, tendo ficado a saber, desde pelo menos aquele dia que o estudo/parecer em causa tinha desaparecido.

Apesar disso, o arguido RP... não diligenciou nem prestou espontaneamente a quem quer que fosse na CML qualquer esclarecimento sobre o assunto e sobre tal estudo/parecer.

Face à impossibilidade de prorrogar, para além de 31 de Dezembro de 2008, os contratos de prestação de serviços das arguidas IM... e AS... com a Câmara Municipal de Lisboa, o arguido RP... acordou com as mesmas a atribuição em 2009 de montantes destinados a compensar a perda de rendimentos que adviria para ambas da cessação daqueles contratos, pretensão sem fundamento legal e como tal ilícita. 

Assim, foi decidido pelos arguidos que, em comunhão de esforços e no prazo mais curto possível, diligenciariam pela adjudicação, por ajuste directo, de serviços jurídicos à sociedade de advogados de que a arguida IM... era sócia, por um valor muito próximo do máximo para o qual o arguido RP... tinha competência subdelegada para autorizar, e que posteriormente as arguidas IM... e AS... repartiriam entre si os montantes que a Câmara Municipal de Lisboa viesse a pagar no âmbito dessa contratação. 

Com a descrita actuação concertada dos arguidos e sem ter entregado qualquer parecer, a arguida AS... recebeu em Janeiro de 2009 e de uma só vez da Câmara Municipal de Lisboa, por intermédio da arguida IM... e considerando o IVA e o montante retido na fonte para efeitos de IRS, um valor idêntico ao total auferido por si, enquanto advogada avençada desse Município, no segundo semestre de 2008 (€14.875,20).  

Com a descrita actuação concertada dos arguidos e sem ter entregado qualquer parecer, a arguida IM... recebeu, em Janeiro de 2009 e de uma só vez da Câmara Municipal de Lisboa, um valor idêntico ao total auferido por si, enquanto advogada avençada desse Município, no segundo semestre de 2008 (€ 12.960,00). 

93.   De forma surpreendente, o Tribunal Colectivo a quo não dedicou uma linha que fosse a dilucidar o art. 266º da Constituição da República Portuguesa, os arts. 24º n.º 1 do Código dos Contratos Públicos e os arts. 1º, 3º, 4º, 6º, 44º n.º 1 al. b) e 48º n.º 1, todos do Código do Procedimento Administrativo (o que, a nosso ver, configura a sua violação, o que se invoca nos temos do art. 412º n.º 2 al. a) do Código de Processo Penal), que definem os princípios norteadores da actividade da Administração Pública e dos seus funcionários, cuja violação constitui elemento do tipo legal de crime de participação económica em negócio, assim incorrendo em erro de Direito. É manifestamente insuficiente dar como provado o teor de duas dessas normas no art. 3º e 4º dos factos provados…

94.   A efectiva análise de tais normas, porventura com o auxílio de abundante jurisprudência e doutrina, é essencial para apurar, como se impõe, se os arguidos violaram os deveres que sobre si impendiam. Tal indagação relevava outrossim para a subsidiária apreciação e condenação pela prática, por ambos, do crime de abuso de poder, ilícito que o Tribunal Colectivo nem sequer, como devia, examinou.

95.   Caso tivesse invocado e interpretado o art. 266º da Constituição da República Portuguesa, os arts. 24º n.º 1 do Código dos Contratos Públicos e os arts. 1º, 3º, 4º, 6º, 44º n.º 1 al. b) e 48º n.º 1, todos do Código do Procedimento Administrativo, o Tribunal Colectivo forçosa e rapidamente chegaria à conclusão da violação do dever de imparcialidade que impendia sobre os arguidos.

96.   Incorreu ainda em erro de Direito o Tribunal Colectivo ao fazer depender o preenchimento do tipo legal de crime da prova da não entrega do estudo. Só assim se compreende, mas não se aceita, o teor do último parágrafo de fls. 57 e primeiro da seguinte do acórdão (fls. 1574 e 1575 dos autos).

97.   Não se alegou nem na acusação nem na pronúncia que os arguidos decidiram, ab initio, não executar ou não entregar algum ou todos os estudos objecto de adjudicação ou que iriam conseguir o pagamento recorrendo a um processo enganatório e astucioso.

98.   E não se afirmou tal porque, primeiro, isso não resultava do inquérito nem da instrução e, segundo, o preenchimento do tipo legal do crime de participação económica em negócio não dependia, nem depende, da prova da não entrega do estudo.

99.   Mesmo que este tivesse sido entregue (e não foi, como supra se pugnou), o crime de participação económica em negócio consumar-se-ia na mesma, se não logo com a adjudicação, pelo menos logo que o pagamento relativo ao primeiro estudo fosse, como foi, efectuado.

100. E isto simplesmente porque, com a sua conduta criminalmente ilícita, asseguraram às arguidas IM... e AS... aquilo que já em 2009 não estava ao alcance de todos, e muito menos do modo que foi: trabalho e correspondente pagamento (ainda par mais empolado ao limite). Salvo o muito e devido respeito, foi esta realidade que, estamos em crer, o Tribunal ignorou no decurso do julgamento e, consequentemente, ao longo do Acórdão.      

101. A (não) entrega do estudo, sem prejuízo de poder ser tomada em consideração na aferição do grau da ilicitude da conduta principal dos arguidos (adjudicação por ajuste directo em violação do dever de imparcialidade), constitui o facto juridicamente relevante falsamente feito constar, pelos arguidos RP... e IM..., dos documentos em causa, pelo que releva sobretudo para aferição da prática dos crimes de falsificação de documento pelos quais aqueles foram pronunciados.

102. As aludidas normas da CRP, do CPA e do CPA impõem o afastamento, espontâneo ou forçado, de interveniente (seja dele decisor ou técnico) relativamente ao qual seja razoável suspeitar-se da sua isenção, como obviamente ocorre quando a sócia de uma sociedade contratada por uma autarquia é cunhada “de facto” do decisor, além de tia da sua filha. Porque consabido é que à mulher de César não basta ser séria, é preciso parecer!

103. É certo que tentou demonstrar a ausência de intenção do arguido RP... em favorecer a tia da sua filha e cunhada de facto.

104. Porém, daí só se retira que o Tribunal desconhece o verdadeiro significado e o âmbito, alargado, do dever de isenção/imparcialidade que se impõe a um dirigente da Administração Pública, salvo o muito e devido respeito.

105. Estamos em crer que a avaliação do respeito por esse dever e a aferição da intenção não podem assentar em argumentos como o do arguido não ter contratado a sua filha, igualmente licenciada em Arqueologia, para a Câmara de Lisboa, o que apenas não surpreende dado que vem na linha da sobrevalorização dos testemunhos abonatórios.

106. Como nos parece inquestionável, a adjudicação a um qualquer parente, neles se incluindo uma cunhada “de facto” e uma tia da filha do decisor público, não pode deixar de integrar o âmbito da previsão daquelas normas, sob pena de se abrir uma verdadeira auto-estrada à violação do princípio da imparcialidade na Administração Pública e à legitimação do nepotismo no seu âmbito. Porque é disso mesmo que se trata! Uma correcta aplicação das regras da experiência comum não autoriza outra conclusão.

107. Prova maior do acordo dos arguidos e da intenção de compensar patrimonialmente as arguidas IM... e AS... pela cessação das avenças com a CML, que o Tribunal Colectivo a quo, apesar de dar como provado (art. 38º), desconsidera em absoluto, é a coincidência (no sentido de correspondência e não de mero acaso) dos montantes (sem IVA) daquelas avenças no segundo semestre de 2008 com o do contrato celebrado entre o arguido RP... e a sociedade de advogados A&L..., conforme decorre dos documentos de fls. 182.

108. Somente uma total desconsideração das regras da experiência comum podem reduzir a correspondência exacta de valores (num intervalo, note-se, de € 1,00 a € 50.000,00) a uma mera e grande coincidência.

109. O facto de tal tornar mais evidente a actuação criminosa dos arguidos só demonstra o sentimento de impunidade dos mesmos à data dos factos, os quais não tiveram pudor algum em garantir às arguidas IM... e AS..., para o primeiro semestre de 2009, proventos idênticos aos do segundo semestre que estava a terminar por menos trabalho.

110. E tanto bastaria para, ao menos, condenar os arguidos RP... e AS... pela prática de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art. 382º.

111. O Acórdão recorrido deve ser substituído por outro que, atendendo aos apontados erros de julgamento e de Direito, proceda à modificação da base factual e à alteração da qualificação jurídica, com a consequente condenação dos arguidos pela prática de um crime de participação económica em negócio e falsificação de documento nos termos em que foram acusados e pronunciados.

112. Caso assim não se entenda, devem os arguidos RP... e AS..., subsidiariamente, ser condenados pela prática de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art. 382º do Código Penal.

113. No acórdão recorrido, o Tribunal Colectivo violou o preceituado no artigo 127.º e incorreu em erros de Direito (art. 412º n.º 2 al. a)) e de julgamento (art. 412º n.º 3), todos do Código de Processo Penal.

Termos em que deverá ser dado provimento ao recurso e o acórdão recorrido ser revogado no sentido proposto.

Vossas Excelências, no entanto, apreciando e decidindo em mais alto critério, farão JUSTIÇA!

III - Em resposta, vieram os três arguidos RP..., IM..., e AS... pugnar pela manutenção do decidido na 1.ª instância.

IV - Transcreve-se a decisão recorrida.

I. RELATÓRIO

Com fundamento na factualidade descrita de fls. 737 a 751, os arguidos:

RP..., nascido a 13 de Agosto de 1957, divorciado, professor universitário,…;

IM..., nascida a 27 de Outubro de 1975, solteira, jurista,…; e,

AS..., nascida a 5 de Abril de 1967, casada, advogada,..,

foram acusados e pronunciados pela prática:

I – Os arguidos RP..., IM... e AS..., em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de participação económica em negócio, p. e p. pelo artº 377º, nº 1, com referência aos artºs 26º, 28º, nº 1 e 386º, nº 1, al. d), todos do Código Penal;

II – A arguida IM..., em concurso real com o de participação económica em negócio, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artºs 255º al. a) e 256º, nº 1, al. d), ambos do Código Penal;

III – O arguido RP..., em concurso real com o de participação económica em negócio, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artºs 255º, al. a) e 256º, nº 1, al. d) e nº 4, ambos do Código Penal.  

Foi ainda requerido quanto ao arguido RP... que fosse condenado “na pena acessória de proibição do exercício de todas e quaisquer funções públicas que integrem a competência para autorizar a realização de despesa com a aquisição de bens e serviços, por período não inferior a cinco anos, ao abrigo do disposto no artº 66º, nº 1, al. a), do Código Penal.”

O Ministério Público requereu também que, “nos termos do disposto no artº 111º, nº 2 e 4, do Código Penal se declare perdido e, consequentemente, se condene os arguidos a pagarem ao Estado o montante de € 27.835,20, uma vez que o mesmo constitui produto do crime cuja prática lhes é imputada.”

(…)

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA

Efectuada a produção de prova e discutida a causa, resultou apurada, com interesse para a decisão da causa, a seguinte factualidade:

I – Da Pronúncia:

1. No dia 10 de Novembro de 2005, com efeitos a partir do dia 26 desse mês, o arguido RP... foi nomeado, em regime de comissão de serviço e pelo período de três anos, Director Municipal de Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, o qual exerceu essas funções até ao dia 10 de Janeiro de 2009.

2. A partir de 25 de Novembro de 2008, o arguido RP... exerceu essas funções em regime de gestão corrente pelo facto da sua comissão de serviço ter cessado nesse dia.

3. No âmbito dessas funções o arguido RP... estava obrigado a:

I – actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estavam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhe foram conferidos;

II – prosseguir o interesse público;

III – a tratar de forma justa e imparcial todos os que com ele entrassem em relação no exercício daquela função.

4. O arguido RP... estava ainda obrigado a pedir dispensa de intervir em procedimento no qual ocorresse circunstância pela qual pudesse razoavelmente suspeitar-se da sua isenção ou da rectidão da sua conduta.

5. No dia 6 de Novembro de 2007, a Vereadora do pelouro da Cultura RV subdelegou no arguido RP..., entre outras, a competência para, em matéria da contratação e realização de despesas, adquirir e locar bens móveis e serviços, nos termos do Decreto-Lei nº 197/99, de 8 de Junho, aprovando os projectos, os programas de concurso, os cadernos de encargos e proceder às adjudicações respectivas, até ao limite de € 49.879,00, com excepção da aquisição de serviços a pessoas individuais.

6. A arguida IM... prestou serviços de consultadoria jurídica, em regime de avença, à Direcção Municipal de Cultura da Câmara Municipal de Lisboa entre os dias 1 de Janeiro de 2006 e 31 de Dezembro de 2008.

7. Nesse período temporal, a arguida IM... foi sócia da A&L... Sociedade de Advogados RL.

8. À data dos factos, o arguido RP... vivia em união de facto com JA..., irmã da arguida IM....

9. O arguido RP... e JA... têm uma filha em comum, nascida no dia 6 de Julho de 2004.

10. A arguida AS... prestou serviços de consultadoria jurídica, em regime de avença, à Direcção Municipal de Cultura da Câmara Municipal de Lisboa entre os dias 1 de Dezembro de 2005 e 31 de Dezembro de 2008.

11. As arguidas IM... e AS..., apesar de reunirem em 2008 todos os requisitos para ingressar no quadro de pessoal de direito privado da Câmara Municipal de Lisboa, passando a exercer as suas funções ao abrigo de um contrato de trabalho por tempo indeterminado e não através de um vínculo precário, optaram por não requerer esse ingresso.

12. No dia 14 de Julho de 2008, o arguido RP... propôs à Vereadora da Cultura, RV, a manutenção dos contratos de prestação de serviços em regime de avença, celebrados com as arguidas IM... e AS... e com a jurista MJS, cuja data limite era 31 de Dezembro de 2008.

13. No dia 28 de Julho de 2008, a Vereadora RV remeteu essa proposta ao vereador com o pelouro das Finanças, JCS, manifestando a sua concordância com a mesma.

14. No dia 31 de Julho de 2008, o Vereador JCS remeteu essa proposta à Direcção Municipal de Recursos Humanos para análise.

15. No dia 4 de Setembro de 2008, MV, jurista da Divisão de Recrutamento e Gestão de Carreiras do Departamento de Gestão de Recursos Humanos da Câmara Municipal de Lisboa, subscreveu a informação nº 933/DMRH/DGRH/DRGC, na qual sustentou que “o tipo de serviço em causa, apoio jurídico à Direcção Municipal de Cultura (…), não se afigura verificar-se o requisito de inexistência no quadro de pessoal do município quem possa assgurar o tipo de serviços que se pretende contratar.”

16. No dia 5 de Setembro de 2008, o Chefe da Divisão de Recrutamento e Gestão de Carreiras da Câmara Municipal de Lisboa, PC, manifestou a sua concordância com o teor da informação subscrita por MV e submeteu o mesmo à consideração superior.

17. No dia 3 de Outubro de 2008, o arguido RP..., informando que a jurista MJS denunciou, com efeitos a 1 de Novembro de 2008, o contrato de prestação de serviços que tinha celebrado com a Câmara Municipal de Lisboa, solicitou ao Director Municipal dos Recursos Humanos da Câmara Municipal de Lisboa, LF, a manutenção e renovação dos contratos de prestação de serviços, em regime de avença, celebrados com as arguidas AS... e IM....

18. No dia 6 de Outubro de 2008, o Director Municipal dos Recursos Humanos da Câmara Municipal de Lisboa informou o Vereador JCS que, na sua opinião, estavam preenchidos os requisitos previstos nos artigos 35º e seguintes da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, para a celebração de contrato de prestação de serviços com pessoa singular.

19. No dia 9 de Outubro de 2008, o Vereador JCS informou a Vereadora RV que, na sua opinião, aquele “tipo de trabalho deve acabar de acordo com a lei em vigor e a política definida por este executivo.”

20. Nesse mesmo dia, 9 de Outubro de 2008, a Vereadora RV determinou ao arguido RP... que desenvolvesse as diligências necessárias junto da Direcção Municipal de Recursos Humanos para encontrar uma solução com recursos internos da Câmara Municipal de Lisboa.

21. Os arguidos tinham conhecimento, desde então, que os contratos de prestação de serviços com as arguidas IM... e AS... não seriam prorrogados para além do dia 31 de Dezembro de 2008 e, consequentemente, que estas deixariam de receber os pagamentos correspondentes em 2009.

 22. No dia 15 de Outubro de 2008, o Director-Geral da Biblioteca Nacional, Jorge Couto, informou a Directora da Casa Fernando Pessoa, IP, que aquela instituição considerava que o espólio documental de Fernando Pessoa devia ser qualificado de interesse nacional, pelo que a notificava para, querendo, dizer por escrito o que se lhe oferecesse sobre esse assunto no prazo de 20 dias.

23. No dia 16 de Outubro de 2008, a Directora da Casa Fernando Pessoa solicitou um pedido de parecer às juristas afectas à Direcção Municipal de Cultura da Câmara Municipal de Lisboa sobre aquele assunto.

24. No dia seguinte, 17 de Outubro de 2008, o arguido RP... determinou às arguidas AS... e IM... que elaborassem o parecer solicitado pela Directora da Casa Fernando Pessoa.

25. O que as arguidas AS... e IM... não fizeram, nem o arguido RP... lhes veio a reiterar que o fizessem, nomeadamente dentro do prazo concedido pelo Director da Biblioteca Nacional ou, no limite, até ao termo dos seus contratos de prestação de serviços.

 26. No dia 14 de Novembro de 2008, a arguida AS... submeteu à consideração do arguido RP... a informação nº 151-a/DMC/2008, com vista à obtenção de autorização para contratar, por ajuste directo e pelo valor estimado de cerca de € 47.000,00, acrescido de IVA, a A&L..., Sociedade de Advogados, RL, com vista à prestação dos seguintes serviços jurídicos à Câmara Municipal de Lisboa:

I – Soluções jurídicas para o funcionamento do futuro Museu do Design e da Moda;

II – Estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa, propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, dado o processo já iniciado de transformar a Casa Fernando Pessoa em Fundação;

III – O levantamento das Fundações nacionais que se dedicam à promoção e estudo de autores com obras de relevante interesse nacional;

IV – Formas de protecção da marca Casa Fernando Pessoa.

27. Naquela informação, constava, como fundamento para a contratação da A&L..., Sociedade de Advogados RL, que o “trabalho específico e de natureza excepcional” em causa exigia, pela sua importância e dimensão”, a “contratação de uma sociedade de advogados com experiência na área do Direito Administrativo do Direito de Autores e Direitos Conexos e Direito Civil.”

28. Naquela informação, a arguida AS... propôs que o convite à A&L..., Sociedade de Advogados RL para apresentação de proposta fosse entregue em mão e informou que a despesa relativa à contratação dessa sociedade não teria efeitos económicos no ano económico de 2008, constituindo um encargo apenas para o ano 2009.

29. Nem a arguida IM... nem RL, as duas únicas sócias da A&L..., Sociedade de Advogados RL, à data desse convite, eram advogadas especialistas em direito de propriedade intelectual ou em direitos de autor ou conexos, como vem definido nos termos do artº 3º do Regulamento Geral das Especialidades da Ordem dos Advogados.

30. RL não teve conhecimento prévio da existência dessa informação.

31. Não foi proposto pela arguida AS... nem determinado pelo arguido RP... a consulta a qualquer outra sociedade de advogados, nomeadamente a uma que tivesse advogados especialistas em direito da propriedade intelectual, reconhecidos como tal pela Ordem dos Advogados em Novembro de 2008.

32. No dia 14 de Novembro de 2008, o arguido RP... autorizou a aquisição dos serviços jurídicos referidos à A&L... através de ajuste directo.

33. Nesse mesmo dia, o arguido RP... subscreveu e entregou em mão à arguida IM... o convite para apresentação de proposta no âmbito do referido procedimento, acompanhado das especificações técnicas e minuta de declaração de inexistência de dívidas.

34. No dia 17 de Novembro de 2008, a sociedade de advogados A&L... RL apresentou a sua proposta para prestação dos serviços referidos pelo valor de € 46.392,00, acrescido de IVA à taxa de 20%, no total de € 55.670,40, a pagar nos termos constantes do convite.

35. Essa proposta foi assinada somente pela sócia, ora arguida, IM..., a qual a entregou em mão ao arguido RP....

36. No dia 19 de Novembro de 2008, a arguida AS... elaborou e submeteu à consideração do arguido RP... a informação nº 154/DMC/2008, propondo:

- a adjudicação da prestação de serviços jurídicos à A&L... Sociedade de Advogados RL pelo valor de € 46.392,00, acrescido de IVA à taxa legal de 20%, no total de € 55.670,40, a pagar em duas prestações de igual valor, no montante de € 23.196,00 acrescido de IVA À taxa legal de 20%, e autorização para a realização da respectiva despesa;

- a aprovação da minuta de contrato a celebrar entre a Câmara Municipal de Lisboa e a A&L..., Sociedade de Advogados RL para a prestação de serviços jurídicos;

- caso se tivesse por conveniente, que fosse exigido a essa sociedade certidão comprovativa da inexistência de dividas ao Estado e à Câmara Municipal de Lisboa.

37. No dia 19 de Novembro de 2008, o arguido RP... adjudicou à A&L... Sociedade de Advogados RL a prestação dos referidos serviços jurídicos pelo exacto valor proposto por essa sociedade.

38. O valor, com IVA, dessa adjudicação corresponde exactamente ao dobro da soma dos montantes recebidos, no segundo semestre de 2008, pelas arguidas IM... e AS... da Câmara Municipal de Lisboa.

39. Naquele mesmo dia, 19 de Novembro de 2008, a arguida IM... recebeu em mão do arguido RP... o original da notificação de autorização da adjudicação.

40. Entre a informação que deu origem ao procedimento, no dia 14 de Novembro de 2008, e a notificação da adjudicação, a 19 desse mês, decorreram apenas cinco dias, dois dos quais de fim-de-semana.

41. No dia 10 de Dezembro de 2008, quando a sua comissão de serviço tinha já cessado e exercia funções em regime de gestão corrente, o arguido RP... outorgou, em representação da Câmara Municipal de Lisboa, o contrato de prestação de serviços com a A&L... Sociedade de Advogados RL, representada pela arguida IM..., cujo contrato de prestação de serviços naquele Município ainda se encontrava em vigor.

42. Nos termos do nº 2 da cláusula 4ª desse contrato, 50% do valor global, correspondente a € 23.196,00, acrescido de IVA, seria pago logo no dia 15 de Janeiro de 2009 e apenas com a entrega do “estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa”, um dos quatro serviços jurídicos contratados.

43. Com data de 7 de Janeiro de 2009, a arguida IM... entregou ao arguido RP... a factura nº 2009000001, no valor total de € 27.835,20 (€ 23.196,00 mais € 4.639,20 de IVA) para pagamento de um estudo, por si entregue com essa factura sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio do Fernando Pessoa.

44. Dessa factura consta que foi emitida por “supervisor”, sem qualquer alusão à arguida IM....

45. Após receber da arguida IM... a referida factura, o arguido RP... declarou, no verso do respectivo original azul, com data de 5 de Janeiro de 2009, que conferiu o serviço prestado pela sociedade de advogados A&L... Sociedade de Advogados RL e que o mesmo se encontrava em condições de ser processado.

46. Ainda no verso dessa factura, o arguido RP... determinou o envio da mesma à contabilidade para processamento.

47. No dia 9 de Janeiro de 2009, o arguido RP... apôs o seu carimbo e assinatura noutro documento contabilístico necessário ao pagamento do montante de € 27.835,20 à A&L... Sociedade de Advogados RL, o qual foi efectuado no âmbito do processo de despesa/receita nº 709000030.

48. No dia 15 de Janeiro de 2009, foi creditado na conta bancária nº 9-3665298/000/001, titulada pela A&L... Sociedade de Advogados RL no BPI, o montante de € 27.835,20, transferido pela Câmara Municipal de Lisboa no dia anterior.

49. - No dia seguinte, 16 de Janeiro de 2009, a arguida IM... emitiu o cheque nº 14856656, no valor de € 12.396,00, sacado sobre a referida conta da A&L... no BPI, a favor da arguida AS....

50. No dia 16 de Janeiro de 2009, a arguida AS... emitiu o recibo nº 0185449, a favor da A&L... Sociedade de Advogados RL relativo ao recebimento do montante de € 12.396,00, sendo que foi retido na fonte, para efeitos de IRS, o montante de € 2.479,20, igual ao do valor do IVA.

51. No dia 20 de Janeiro de 2009, a arguida AS... descontou o cheque nº 14856656, no valor de € 12.396,00, sacado sobre a conta nº 9-3665298/000/001, titulada pela A&L... Sociedade de Advogados RL no BPI.

52. No dia 1 de Julho de 2009, a A&L... emitiu e entregou à Câmara Municipal de Lisboa a factura nº 2009000018, no valor de € 27.835,20, acompanhada do parecer relativo a soluções jurídicas para o funcionamento do futuro Museu do Design e da Moda (MUDE), subscrito pelas arguidas IM... e AS..., a fim de receber aquele montante, correspondente aos restantes 50% dos honorários contratualizados.

53. No dia 2 de Dezembro de 2009, a Câmara Municipal de Lisboa notificou a arguida IM... de que, por despacho da Vereadora da Cultura CVP, de 18 de Novembro de 2009, o procedimento relativo à formação do contrato de prestação de serviços celebrado entre aquele Município e a A&L... tinha sido revogado, “com fundamento na sua anulabilidade, a qual (…) decorre da violação do princípio da imparcialidade previsto no artº 6º do CPA.

54. Em consequência, nem a A&L... nem as arguidas IM... e AS... vieram a receber da Câmara Municipal de Lisboa qualquer valor pelo parecer relativo a soluções jurídicas para o funcionamento do futuro Museu do Design e da Moda (MUDE).

II – Da Contestação do arguido RP...:

55. A outorga do aludido contrato de prestação de serviços com a “A&L... Sociedade de Advogados RL” teve subjacente a necessidade dos estudos ali enunciados, no âmbito das finalidades da Direcção Municipal de Cultura, que então se perfilavam.

56. Mais concretamente no que respeita à Casa Fernando Pessoa e ao MUDE, equipamentos para os quais se equacionava uma alteração do seu modelo de gestão.

57. O estudo das implicações da alteração dos modelos de gestão era necessário e urgente, em particular no que respeita à Casa Fernando Pessoa.

58. A celebração do contrato de prestação de serviços jurídicos cabia no âmbito das funções do arguido, enquanto Director Municipal de Cultura e responsável por aqueles equipamentos da Câmara Municipal de Lisboa (Casa Fernando Pessoa e MUDE).

59. O objecto do contrato inseria-se nas competências técnico-jurídicas da sociedade de advogados contratada, em particular na experiência da sua sócia IM....

60. Nos termos do contrato, a entrega do “Estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, dado o processo já iniciado de transformar a Casa Fernando Pessoa em Fundação”, deveria ocorrer até 15 de Janeiro de 2009, data em que seria pago 50% do valor do global do contrato.

61. O “Estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa” foi efectuado e entregue ao arguido enquanto Director Municipal da Cultura.

62. Tal entrega foi efectuada em 7 de Janeiro de 2009, em mão e no seu gabinete.

63. Como era usual acontecer com os pareceres e estudos solicitados.

64. Nessa mesma data, o estudo foi conferido pelo arguido.

65. A data de 5 de Janeiro de 2007 aposta no verso do original azul deve-se a mero lapso de escrita.

66. Foi determinado o processamento para pagamento.

67. No dia 11 de Janeiro de 2009, o arguido iniciou funções como Director dos Recursos Humanos da Câmara Municipal de Lisboa.

68. Em 28 de Abril de 2011, passou a assessorar a Vereadora das Finanças da Câmara Municipal de Lisboa.

69. Funções em que se manteve até 28 de Junho de 2011.

70. Nesta data iniciou funções como Chefe de Gabinete da Secretária de Estado da Cultura.

71. Após cessar as funções como Director Municipal de Cultura, o arguido permaneceu quase dois anos e seis meses no exercício de funções na Câmara Municipal de Lisboa.

72. Ao longo desse período o arguido nunca foi notificado, contactado e/ou interpelado pelo Director Municipal da Cultura, nem pela Vereadora da Cultura, nem pela Vereadora das Finanças, ou por quem quer que fosse, sobre o contrato celebrado e a entrega, recepção ou destino do referido Estudo.

73. Nunca foram solicitados ao arguido quaisquer informações ou esclarecimentos sobre o contrato celebrado, nem sobre o “Estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa, propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, dado o processo já iniciado de transformar a Casa Fernando Pessoa em Fundação”, seu paradeiro ou destino.

74. Sendo comunicado ao arguido a “ pretensa inexistência” do estudo em sede de inquérito.

75. Em 1981 o arguido licenciou-se em Antropologia pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/UNL).

76. Em 1986 efectuou as Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica na FCSH/UNL.

77. E em 2006 efectuou o Doutoramento em Antropologia Social e Cultural na FCSH/UNL.

78. O arguido juntou aos autos o seu curriculum Vitae que aqui se dá por integralmente reproduzido – fls. 1252 a 1263.

79. Iniciou a actividade académica e científica, em 1981, como Docente da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

80. A par da docência, o arguido tem publicado obras e tido intervenção em Exposições Museológicas.

81. Desempenhou funções de Director de Municipal da Cultura e de Director Municipal de Recursos Humanos na Câmara Municipal da Cultura, nos anos, respectivamente, de 2005-2009 e 2009-2011.

82. Foi convidado para assessor da Vereadora da Finanças da Câmara Municipal de Lisboa, funções que exerceu até 28 de Junho de 2011.

83. Data em que iniciou funções como Chefe de Gabinete da Secretaria de Estado da Cultura.

84. Em 21 de Novembro de 2012, por despacho de Sua Excelência, a Senhora Ministra da Justiça, o arguido iniciou funções como Presidente do Conselho Directivo do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P., em regime de substituição.

85. Em 26 de Setembro de 2013 foi nomeado em regime definitivo, em resultado de procedimento concursal da CRESAP (Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública).

86. No dia 23 de Outubro de 2013 o arguido foi notificado da acusação na 9ª Secção do DIAP onde se deslocou quando ali foi chamado.

87. A Acusação foi deduzida a 23 de Outubro de 2013.

88. À data o arguido estava em exercício de funções como Presidente do Conselho Directivo do IGFEJ, I.P.

89. Tendo imediatamente demonstrado perante Sua Excelência, a Ministra da Justiça, a sua disponibilidade para formular, por escrito, o seu pedido de exoneração.

90. Face à posição assumida por Sua Excelência, a Ministra da Justiça, tal pedido não chegou a ser formalizado.

91. O arguido apresentou, de imediato, o pedido de suspensão das suas funções como Presidente do Conselho Directivo do IGFEJ, que exercia em Comissão de Serviço desde 21 de Novembro de 2012.

92. Por despacho de Sua Excelência, a Ministra da Justiça, exarado no requerimento apresentado, foi deferido o pedido de suspensão de funções apresentado pelo arguido.

93. No dia seguinte, 24 de Outubro de 2013, o arguido regressou ao exercício exclusivo da docência universitária, como Professor Auxiliar da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. 

94. O arguido mantém-se desde então, em exclusivo, na carreira docente.

95. No triénio 2013-2016 estão-lhe atribuídas as seguintes disciplinas: Antropologia do Ciberespaço, Antropologia do Colonialismo, Antropologia dos Direitos Humanos e Antropologia Linguística.

96. O arguido tem 56 anos de idade.

97. Exerceu ao longo de mais de 12 (doze) anos funções públicas.

98. Ao longo desses 12 anos não há conhecimento que lhe tivessem sido assacadas quaisquer irregularidades ou imputados quaisquer factos ilícitos no exercício dessas funções, com excepção dos vertidos nos presentes autos.

99. Durante o período em que exerceu funções na CML – inicialmente na DMC e, posteriormente, na DRH, aqui com particular incidência na gestão de dinheiros públicos –, não há conhecimento de qualquer outra conduta do arguido de idêntica natureza à que lhe é imputada nos presentes autos.

100. Não há conhecimento que ao arguido tivessem sido imputados quaisquer factos de igual ou idêntica natureza, durante o período em que esteve em exercício de funções como Presidente do Conselho Directivo do IGFEJ. 

101. No exercício das suas funções de gestão e direcção superior da Administração Pública o arguido é um homem rigoroso e preocupado com a causa pública.

102. O arguido é um Pai presente e participante na vida da sua filha.

III – Da Contestação das arguidas IM... e AS...:

103. A Câmara Municipal de Lisboa exerce a sua acção em inúmeras vertentes, desenvolvendo actividades muito diversificadas - desde o lixo, ao ordenamento do território, à cultura, entre outros, sendo um dos maiores empregadores a nível nacional.  

104. A Câmara Municipal de Lisboa, atenta a complexidade e diversidade do seu objecto recorre a prestadores de serviços, seja como avençados, seja ao nível da consultoria externa.

105. As arguidas foram contratadas, em momentos distintos, através de um procedimento de contratação autorizado pelo então vereador da cultura Dr. AL, no âmbito de um procedimento pré-contratual de aquisição de serviços.

106. O referido procedimento terminou com a celebração de um contrato de prestação de serviços, em regime de avença, com o fornecedor escolhido, que tinha como objecto prestações sucessivas no exercício de profissão liberal.

107. Enquanto avençadas da Direcção Municipal da Cultura, as arguidas tinham como funções prestar assessoria jurídica aos serviços dependentes da DMC, designadamente, às bibliotecas, aos arquivos, aos museus, à Casa Fernando Pessoa e ao futuro MUDE.

108. O trabalho em questão incluía a elaboração de protocolos, de contratos, a assessoria em reuniões, e a assessoria a todas as questões jurídicas que surgiam no dia-a-dia nos serviços na dependência da Direcção Municipal de Cultura, designadamente, instrução de procedimentos de contratação pública de acordo com as indicações do dirigente.

109. As arguidas prestavam essas funções numa base diária.

110. Na Direcção Municipal de Cultura, davam resposta às solicitações do dirigente, sendo conhecedoras das especificidades da área da cultura da CML.

111. De entre os equipamentos culturais na dependência da DMC integram-se, para além de outros, o MUDE e a Casa Fernando Pessoa.

112. A Colecção de FC estava exposta no museu do design do Centro Cultural de Belém.

113. A Câmara Municipal de Lisboa adquiriu a colecção de FC, de design de moda.

114. Com a aquisição da referida colecção a CML pretendia criar um museu do design em Lisboa, o MUDE.

115. A criação do MUDE tinha em vista a prossecução de três objectivos, a saber: i) estabelecer laços permanentes com o tecido industrial/empresarial, servindo de plataforma para a apresentação de novos projectos, produtos e serviços; ii) contribuir para a consciencialização da responsabilidade social do design e da importância da cultura de projecto na sociedade contemporânea; e iii) trazer modernidade à cidade com a inerente projecção internacional.

116. Consta do site do MUDE que, “para além do significativo contributo para a oferta cultural e artística da capital portuguesa, o MUDE, situado na pedonal Rua Augusta, integra-se no projecto de requalificação urbana da Baixa Pombalina, encontrando-se instalado num magnífico edifício que outrora foi sede de um banco.

117. Mais consta do site do MUDE que o edifício, num conceito work in progress, foi totalmente remodelado para albergar, em quatro pisos, o acervo do Museu e os serviços complementares, como a livraria e a cafetaria, assim como as salas de ensaio e de conferências. 

118. Como também se nota no dito site, “a ligação ao mundo do design e da moda, a excelência da colecção e o próprio conceito museológico, tornam o MUDE num espaço cultural único no contexto internacional, posicionando Lisboa como uma das novas “capitais do design””.

119. O MUDE era um projecto da CML de carácter prioritário.

120. A Casa Fernando Pessoa foi inaugurada em 1993, como um centro cultural destinado a homenagear Fernando Pessoa e a sua memória na cidade onde viveu e no bairro onde passou os seus últimos quinze anos de vida, Campo de Ourique.

121. Esta Casa possui um auditório, um jardim, salas de exposição, objectos de arte, uma biblioteca exclusivamente dedicada à poesia, e uma parte do espólio do poeta que inclui objectos e mobiliário que pertenceram a Fernando Pessoa e que são actualmente património municipal.

122. A Casa Fernando Pessoa, cujo objectivo é divulgar a vida e a obra do poeta Fernando Pessoa integra a actividade cultural da própria Câmara.  

123. À data dos factos a Directora da Casa Fernando Pessoa era a escritora IP.

124 - Por despacho do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, foi determinado que a Casa Fernando Pessoa passasse a reportar hierárquica e funcionalmente ao gabinete do Presidente da Câmara.

125. A Casa Fernando Pessoa tinha uma actividade cultural regular, com colóquios, sessões de leitura, conferências, cursos, sessões de apresentações de livros, espectáculos de música e de teatro.

126. As actividades da Casa Fernando Pessoa implicavam apoio jurídico das arguidas.

127. Em 2008 equaciona-se a possibilidade de autonomizar a Casa Fernando Pessoa da CML, dando-lhe uma nova natureza jurídica, mais especificamente, a fundacional.

128. A Directora da Casa Fernando Pessoa, reuniu com o Director Municipal da Cultura (ora arguido) e a então assessora jurídica IM... (ora arguida), várias vezes.

129. Estando a CML a ponderar afectar o espólio da casa Fernando Pessoa a uma nova figura jurídica e autónoma da Câmara, com inerente transmissão do espólio a esta outra pessoa colectiva, era necessário analisar as implicações resultantes da classificação do espólio para as intenções do município, antes de tomar posição oficial sobre o assunto, daí não ter sido respondida a solicitação da Directora da Casa Fernando Pessoa, o que lhe foi dado conhecimento. 

130. Em 17 de Abril de 2009, é publicado na 2.ª Série do Diário da República, o Anúncio n.º 3108/2009, referente ao despacho de 7 de Abril de 2009, onde se declara o seguinte:

“A Biblioteca Nacional de Portugal, na qualidade de instituição a quem o Estado conferiu a missão de garantir a classificação e a inventariação do património bibliográfico nacional, determinou, nos termos do n.º 3, do artigo 15.º, da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, por despacho do seu Director-Geral de 2008/10/14, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 206, de 23 de Outubro de 2008, a abertura do procedimento de classificação do Espólio documental de Fernando Pessoa como bem de interesse nacional.

Iniciado o procedimento de classificação, foram analisados todos os elementos recolhidos, no sentido do aprofundamento das razões que fundamentaram a abertura do referido procedimento, concluindo-se que o Espólio documental de Fernando Pessoa deve ser classificado como tesouro nacional, nos termos previstos na Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro — Lei de Bases da Política e do Regime de Protecção e Valorização do Património Cultural.

Neste sentido notificam-se os interessados para a audiência prévia, prevista no artigo 27.º, n.º 1, in fine da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, e dos artigos 100.º, n.º 1 e 103.º, n.º 1, alínea c) do Código do Procedimento Administrativo, para, querendo, dizerem por escrito o que se lhes oferecer, no prazo de 20 (vinte) dias a contar da publicação do presente anúncio. 

O processo poderá ser consultado no Gabinete de Consultoria Jurídica da Biblioteca Nacional de Portugal, sita no Campo Grande 83, Lisboa, de segunda a sexta-feira, das 09h30 às 12h30 e das 13h30 às 17h00.”.

131. Em 19 de Abril de 2009, o Director Geral da Biblioteca Nacional, Jorge Couto, notifica a Casa Fernando Pessoa, para, em sede de audiência dos interessados, e na qualidade de entidade detentora de partes componentes do espólio documental de Fernando Pessoa, se pronunciar sobre a respectiva proposta de classificação.    

132. Em 6 de Maio de 2009, a Directora da Casa Fernando Pessoa, pronuncia-se sobre a proposta de classificação do espólio nesta fase procedimental. 

133. Em 13 Novembro de 2008, a galeria e leiloeira P4, promoveu no Centro Cultural de Belém um leilão do espólio Fernando Pessoa, identificado como "anotações manuscritas" pelo poeta na contracapa de um livro da Colecção Sociológica (lote 21).

134. A referida contracapa solta pertencia a um dos livros que os herdeiros do autor haviam vendido à Câmara de Lisboa, fazendo parte do espólio afecto à Casa Fernando Pessoa.

135. Nessa medida, a CML tinha-se como proprietária desse bem.

 136. A CML reagiu, intentando uma providência cautelar para evitar que a peça fosse licitada. 

137 – Tudo isto foi noticiado pela imprensa.

138. A Direcção Municipal da Cultura diligenciou no sentido de o departamento jurídico da CML actuar de forma a evitar a referida venda.

139. Neste âmbito, por incumbência do aqui arguido, a ora arguida IM... foi discutindo este assunto, com a Directora do Departamento Jurídico, com vista à adopção das medidas que mais adequassem aos fins pretendidos.

140. Foi o próprio Director Municipal hoje arguido, que se deslocou ao leilão, acompanhado pela arguida IM..., na qualidade de sua assessora jurídica, munido do requerimento inicial da providência cautelar elaborado pelo departamento jurídico da Câmara Municipal, com vista a impedir a realização da licitação da contracapa.

141. O objecto acabou por não ser vendido em leilão.

142. O episódio do leilão – com a inerente tomada de consciência da indefinição do acervo adquirido pela Câmara – e o processo de classificação do espólio documental FP – tornaram necessária a intervenção da CML de estudar os impedimentos e o impacto, jurídicos, da transformação da Casa FP em Fundação.

143. A jurista MJS, deixa de prestar serviços para a Câmara a partir de 1 de Novembro de 2008, passando todo o apoio jurídico que até então era assegurado por três juristas, a ser desempenhado pelas duas arguidas

144. O Director Municipal da Cultura entendeu ser necessária a contratação de uma sociedade de advogados com experiência na área de direitos de autor e direitos conexos, para desenvolver os trabalhos que sustentassem as decisões sobre o futuro dos dois equipamentos cujo modelo de gestão se pretendia alterar – o MUDE e a Casa Fernando Pessoa. 

145. A sociedade em questão, na pessoa da sócia IM... tinha experiência forense na área de direitos de autor.

146. A sociedade prestou durante anos assessoria jurídica a conhecidas produtoras, actores, realizadores e músicos, elaborando contratos, dando pareceres, e representando-os em juízo.

147. A arguida IM..., dispunha, desde 8 de Outubro de 2004, de pós-graduação em Direito da Comunicação, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.  

148. Ainda hoje, a arguida IM... exerce as suas competências na área de assessoria jurídica em matéria de direitos de autor, trabalhando actualmente para o OPART, entidade que gere a Companhia Nacional de Bailado e o Teatro Nacional de São Carlos.

149. Em finais de 2008, o Município tinha já iniciado o processo de desafetação da Casa Fernando Pessoa da Direcção Municipal da Cultura, para o que já havia contratado uma sociedade de Advogados – distinta da A&L – para a elaboração de uma proposta de estatutos para o referido serviço. 

150. Durante o ano de 2009, a arguida IM... manteve diversas reuniões com a Dra. IP, na sua qualidade de Directora da Casa Fernando Pessoa, para discussão de diversos assuntos relacionados com a Casa Fernando Pessoa. 

151. O estudo das implicações da alteração dos modelos de gestão dos dois equipamentos, em particular da Casa Fernando Pessoa, eram assuntos urgentes.

152. É o Director Municipal que comunica à arguida AS..., que proceda à instrução do procedimento pré-contratual de aquisição de serviços da sociedade A&L, Sociedade de Advogados RL, por ajuste directo e pelo valor estimado de cerca de € 47.000,00, com vista à prestação dos seguintes serviços:

i) Soluções jurídicas para o funcionamento do futuro museu do design;

ii) Estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa, propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, dado o processo já iniciado de transformar a Casa Fernando Pessoa em Fundação;

iii) O levantamento das Fundações nacionais que se dedicam à promoção de autores com obras de relevante interesse nacional;

iv) Formas de protecção da marca Casa Fernando Pessoa. 

153. A arguida AS... nesse procedimento averiguou a conformidade jurídica da decisão executiva que lhe foi comunicada de contratar e instRP...u as peças do respectivo procedimento.

154. A Dra. AS... instRP...u o referido procedimento contratual, e instRP...u outros, das mais diversas aquisições de serviços, de entre os quais, o da contratação, por ajuste directo, da elaboração dos Estatutos da Fundação da Casa Fernando Pessoa a uma sociedade de advogados.

155. A Drª AS... quando instRP...u o referido procedimento contratual desconhecia que iria ser convidada pela referida sociedade para colaborar parcialmente na elaboração do trabalho.

156. Nessa data nem a própria arguida IM... sabia que ia convidá-la a prestar os serviços à sociedade A&L....

157. A partir de 19 de Dezembro, RL (sócia da A&L), deixou de exercer funções a tempo inteiro no escritório da A&L.

158. A Drª AS... nem sequer foi a primeira escolha da A&L... para a colaboração da realização do trabalho.

159. A Drª AS... é escolhida e aceita colaborar no referido trabalho, na sequência da recusa de colaboração da primeira escolha da A&L..., da Advogada IA Aguilar.

160. A arguida IM... não tem qualquer espécie de cópia carimbada do estudo que apresentou em mão ao arguido RP....

161. A arguida não guardou, porque não tinha o hábito de guardar, qualquer suporte físico do estudo prestado.

162. Desde 2008 até agora a arguida mudou de instalações de escritório, acabando por fechar a actividade da sociedade em 2009 e por deixar de prestar as suas funções como profissional liberal em Junho de 2010, data em que suspendeu a sua inscrição na Ordem dos Advogados.

163. A arguida não dispõe de suporte digital do trabalho, tendo o computador do escritório onde as arguidas desenvolveram o trabalho ficado danificado em 2010 não tendo sido recuperável o seu disco rígido.

164. Ao longo destes anos, a Câmara Municipal de Lisboa – representada pelo Dr. MV ou outro dirigente ou funcionário – nunca confrontou a sociedade, ou qualquer uma das arguidas, com a não localização do trabalho pedindo uma “segunda via”.

Mais se provou relativamente aos arguidos:

165. Não têm antecedentes criminais. Todos estão inseridos familiar, profissional e socialmente.

*

II.2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA

De relevo não se provou que:

I – Da Pronúncia:

- Face à impossibilidade de prorrogar, para além de 31 de Dezembro de 2008, os contratos de prestação de serviços das arguidas IM... e AS... com a Câmara Municipal de Lisboa, o arguido RP... acordou com as mesmas a atribuição em 2009 de montantes destinados a compensar a perda de rendimentos que adviria para ambas da cessação daqueles contratos, pretensão sem fundamento legal e como tal ilícita (artº 26.);

- Assim, foi decidido pelos arguidos que, em comunhão de esforços e no prazo mais curto possível, deligenciariam pela adjudicação, por ajuste directo, de serviços jurídicos à sociedade de advogados de que a arguida IM... era sócia, por um valor muito próximo do máximo para o qual o arguido RP... tinha competência subdelegada para autorizar, e que posteriormente as arguidas IM... e AS... repartiriam entre si os montantes que a Câmara Municipal de Lisboa viesse a pagar no âmbito dessa contratação (artº 27.);

… o que os arguidos AS... e RP... bem sabiam (última parte do artº 31.);

- RL não teve conhecimento do convite, da proposta de adjudicação e do contrato adiante especificados ou dos valores envolvidos e pagamentos efectuados ao abrigo desse contrato (parte do artº 32.);

- Com data de 7 de Janeiro de 2009, a arguida IM... emitiu (…) para pagamento de um estudo, por si supostamente entregue (parte do artº 45.);

- Com a descrita actuação concertada dos arguidos e sem ter entregado qualquer parecer, a arguida AS... recebeu em Janeiro de 2009 e de uma só vez da Câmara Municipal de Lisboa, por intermédio da arguida IM... e considerando o IVA e o montante retido na fonte para efeitos de IRS, um valor idêntico ao total auferido por si, enquanto advogada avençada desse Município, no segundo semestre de 2008 (€ 14.875,20) (artº 54.);

- Com a descrita actuação concertada dos arguidos e sem ter entregado qualquer parecer, a arguida IM... recebeu em Janeiro de 2009 e de uma só vez da Câmara Municipal de Lisboa, um valor idêntico ao total auferido por si, enquanto advogada avençada desse Município, no segundo semestre de 2008 (€ 12.960,00) (artº 55.);

- O suposto “estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa” não foi entregue pelos arguidos na Câmara Municipal de Lisboa (artº 56.).

- Ao actuarem em conjugação de esforços no sentido de, primeiro, adjudicar por ajuste directo e por € 55.670,40 a referida prestação de serviços jurídicos à sociedade de advogados de que era sócia IM..., irmã da companheira do arguido RP... à data dos factos e tia da filha de ambos, e, segundo, fazer com que a Câmara Municipal de Lisboa liquidasse, como liquidou, uma factura dessa sociedade no valore de € 27.835,20 sem que tivesse sido entregue pelas arguidas IM... e AS... qualquer estudo em Janeiro de 2009, os três arguidos fizeram-no com o propósito de beneficiar indevida e patrimonialmente as duas arguidas, o que conseguiram, bem sabendo que causavam um prejuízo de montante equivalente à Câmara Municipal de Lisboa (artº 60);

- Ao actuar do modo descrito, beneficiando indevida e patrimonialmente a irmã da sua companheira à data dos factos e tia da sua filha, assim como uma colaboradora sua, o arguido RP... violou os deveres de legalidade, isenção e prossecução do interesse público a que se encontrava adstrito, assim como o de protecção da parte dos interesses financeiros e patrimoniais da Câmara Municipal de Lisboa que lhe incumbia administrar, fiscalizar e defender, em prejuízo desse Município (artº 61);

- Ao emitir, com data de 7 de Janeiro de 2009, e entregar ao arguido RP... a factura nº 2009000001 da sociedade de advogados A&L... RL, da qual era sócia, com o propósito, conseguido, de receber, para si e para a arguida AS..., o valor de € 27.835,20 por um estudo que não entregou ao arguido RP..., ou a qualquer outro funcionário da Câmara Municipal de Lisboa, a arguida IM... sabia que abalava a credibilidade e fiabilidade pública que os documentos contabilísticos merecem, bem como a sua força probatória (art. 62.);

- Ao declarar no verso da referida factura, com data de 5 de Janeiro de 2009, ter conferido o serviço prestado pela sociedade de advogados A&L... RL, que o mesmo se encontrava em condições de ser processado e ao determinar o envio dessa factura à contabilidade para processamento, com os propósitos, conseguidos, de fazer crer ao departamento de contabilidade da Câmara Municipal de Lisboa que o suposto “estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa” lhe tinha sido entregue pela A&L... Sociedade de Advogados RL, que os pressupostos contratuais para o respectivo pagamento se encontravam preenchidos, o que não correspondia à verdade, e de beneficiar indevidamente e patrimonialmente as arguidas IM... e AS..., o arguido RP... também sabia que abalava a credibilidade e fiabilidade pública que os documentos contabilísticos merecem, bem como a sua força probatória (artº 63.);

- Apesar de não terem entregado ao arguido RP..., ou a qualquer outro funcionário da Câmara Municipal de Lisboa, o referido estudo e de bem saberem que, sem o mesmo, não tinham direito a qualquer montante da Câmara Municipal de Lisboa em Janeiro de 2009, as arguidas IM... e AS... receberam e fizeram seus, respectivamente os montantes de € 12.960,00 e € 14.875,20, bem sabendo que causavam um prejuízo de montante equivalente à Câmara Municipal de Lisboa (artº 64.).

- Os arguidos agiram de forma livre e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei (artº 65.).

III – Da contestação das arguidas IM... e AS...:

- As suas contratações foram realizadas da mesmíssima forma que as demais contratações dos avençados da CML da Vereação da Cultura e da Direcção Municipal da Cultura (artº 16º);

- … dispunham de um gabinete próprio, de computador próprio e de extensão telefónica própria, reunindo, de facto, todas as condições para integrar o quadro da Câmara Municipal de Lisboa (parte do artº 23º);

- Quando iniciariam as suas funções para a CML, as arguidas tiveram acesso ao Protocolo celebrado com FC (artº 33º);

- A Casa Fernando Pessoa foi, desde sempre, vista pela CML como uma oportunidade de divulgação da actividade cultural da própria Câmara (parte do artº 38º);  

- A Casa Fernando Pessoa tinha uma actividade cultural permanente (parte do artº 44º);

- Em data que não se sabe precisar, mas se pensa ser em 1986, a Câmara Municipal de Lisboa, adquiriu manuscritos e outros objectos propriedade de Fernando Pessoa, disponibilizando-os para o público em geral na Casa Fernando Pessoa (artº 62º);

- A intervenção do Director Municipal foi determinante para esse efeito, visto que ao questionar publicamente a propriedade da capa e divulgar a existência de uma providência cautelar da CML destinada a impedir a venda, criou nos potenciais interessados a dúvida sobre a legitimidade de aquisição da capa do livro (artº 72º);

- RL, tinha reconhecida experiência na área de direitos de autor, por se tratar de matéria à qual sempre se havia dedicado, desde o início da sua actividade profissional (artº 80º);

- Sem que lhes fosse pago qualquer valor adicional, mais tarde, em Março de 2009, as arguidas elaboraram, a pedido da CML, um memorando com sugestões de ajustamentos ao referido documento (artº 88º); 

- Em nenhuma situação pretérita a Dra. AS... propôs qualquer sociedade ou pessoa individual para a realização de qualquer serviço (artº 97º); 

- A decisão de contratar os serviços de outro advogado apenas foi tomada quando a ora arguida IM... teve conhecimento de que a sua sócia iria estar ausente do escritório, para acompanhamento da sua filha recém-nascida, durante seis meses (artº 101º); 

*

Salienta-se que só foi considerada na decisão da matéria de facto, a factualidade alegada com interesse para a decisão da causa, deixando de lado todas as repetições, conclusões, questões de direito e juízos de valor.

*

II.3. INDICAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA E SUA ANÁLISE CRÍTICA

- Declarações dos arguidos;

- Depoimento das testemunhas inquiridas;

- ofício da Câmara Municipal de Lisboa, do Gabinete da Vereadora CVP onde se refere que “RP... exerceu, na Câmara Municipal de Lisboa as funções de Director Municipal de Cultura de 26.11.2005 a 10.01.2009 e de Director Municipal de Recursos Humanos de 11.01.2009 a 25.05.2011”, fls. 23;

- ofício da Casa Fernando Pessoa, dirigido ao Director Municipal de Cultura, Drº FMV, datado de 1 de Março de 2010, onde se lê que a “Sociedade de Advogados A&L..., realizou, no âmbito do processo de transformação da Casa Fernando Pessoa em Fundação, um estudo de Estatutos, Proposta e Despacho, de que se junta cópia”, fls. 25;

- proposta de 2009 em que o Presidente da Câmara, Drº AC, propõe ao Plenário da Câmara Municipal de Lisboa, designadamente que delibere propor à Assembleia Municipal de Lisboa a aprovação e criação da Fundação Casa Fernando Pessoa  que delibere nomear para representar o Município de Lisboa como Presidente do Conselho de Fundadores da Fundação Casa Fernando Pessoa o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, fls. 26 a 29;

- despacho da Câmara Municipal de Lisboa …/P/2009, datado de 19 de Janeiro de 2009, estabelecendo que a Casa Fernando Pessoa integrada na Direcção Municipal da Cultura reporte hierárquica e funcionalmente ao Gabinete do Srº Presidente, devendo as questões relacionadas com aquela Casa, que se encontrem a cargo da Drª IP ser articuladas com aquele Gabinete, produzindo tal despacho “efeitos imediatos”, fls. 30 e 31;

- estatutos da Fundação Casa Fernando Pessoa, de fls. 45 a 63;

- parecer do jurista FG propondo a ”revogação do procedimento em causa com fundamento na sua anulabilidade, decorrente da violação do princípio da imparcialidade” já que AS... deveria ter recusado o convite para a elaboração do estudo pois tinha tido intervenção no procedimento que deu origem ao contrato em causa, fls. 71 a 73;

- oficio nº 0192, de 2 de Novembro de 2009, assinado pelo DMC FMV, onde refere que “…tendo em atenção a factura emitida em Janeiro de 2009 e já paga e atendendo ao “Visto” que sobre a mesma recaiu no qual respeita à entrega do trabalho que lhe está subjacente, aquele pagamento poderá ser entendido como devido ao abrigo do instituto jurídico do enriquecimento sem causa, previsto nos artigos 473º e seguintes do Código Civil, na medida em que, tendo sido, efectivamente, prestado o trabalho, deve este ser pago, sob pena de locupletamento à custa do prestador do serviço (…)” – referindo-se ao trabalho referente à Casa Fernando Pessoa, fls. 83 a 86. Consta a final neste ofício e escrito à mão por IM... que “recebi o original” em 02/11/09 e “não aceitei levar o trabalho efectuado”, aludindo ao estudo/parecer das “soluções jurídicas para o funcionamento do futuro Museu do Design e da Moda – MUDE”

- cópias da factura nº 2009000018 no valor total de € 27.835,20 que foi entregue com o trabalho sobre o MUDE, procedimento idêntico ao referido pelas arguidas relativamente ao trabalho que afirmaram ter entregue ao arguido RP... quanto ao estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa, fls. 91 a 93 e 190;

- parecer nº 0160/DJ/OUV/2009, fls. 96 a 118;

- ofício da Biblioteca Nacional, dirigido à Directora da Casa Fernando Pessoa, onde IP a 16.10.2008 escreve “Solicito parecer das juristas afectas à Direcção Municipal de Cultura sobre este assunto” e a 17.10.2008, o arguido RP..., enquanto Director Municipal da Cultura determina “Às Drs AS... e IM... para corresponderem ao solicitado”, fls. 119 a 121;

- despacho nº 582/P/2007 – Subdelegação competências de atribuídas ao arguido enquanto Director Municipal da Cultura, “despacho que produz efeitos desde 28 de Outubro de 2005”, fls. 153 e 154 e 162 e 163;

- despacho nº 654/P/2005 Nomeação de RP… para Director Municipal de Cultura com efeitos a partir de 2005/11/26, fls. 155 e fls. 164;

- morada dos escritórios das arguidas, fornecida pela Ordem dos Advogados, fls. 157 e 158 e fls. 166 e 167;

- aviso publicado na 2ª série do Diário da República de 2 de Fevereiro de 2009 onde se faz “pública a nomeação em comissão de serviço, pelo período de três anos” do arguido “Drº RP... no cargo de Director Municipal dos Recursos Humanos. A presente nomeação produz efeitos a 11.01.2009, conforme deliberação nº 1388/2008, de 7 de Janeiro, tomada em reunião de Câmara”, fls. 159;

- Memorando da Câmara Municipal de Lisboa, tendo como Assunto o “Contrato celebrado entre a CML e a empresa “A&L, Sociedade de Advogados RL” – ENT/1714/GPCML/GAP/EQ-GVRV/09, de 14.07.2009, elaborado por Susa Ferreira, fls. 171 a 173;

- Carta dirigia ao Director Municipal da Cultura, Drº FMV, pela Sociedade de Advogados A&L..., RL, em 07.07.2009, onde IM... e AS… referem: “Vimos apresentar a Vossa Excelência, tal como nos foi solicitado, Parecer – Soluções Jurídicas para o funcionamento do futuro Museu do Design e da Moda – MUDE. Junto remeto factura, referente aos honorários devidos no âmbito do trabalho realizado, a cuja liquidação agradecemos mande proceder.”, fls. 174. No canto superior esquerdo é aposto, em 14.07.2009, pelo Drº FMV a seguinte menção: “À Srª Vereadora solicitando orientações. Trata-se de um processo anterior à minha nomeação, cujos contornos desconheço. Já foi paga uma primeira parte correspondente a um estudo relativo a direitos de autor do espólio da Casa Fernando Pessoa. Este segundo estudo agora entregue recai sobre soluções jurídicas para o funcionamento do MUDE”. Nesse mesmo dia a Srª Vereadora RV remete à Drª Susana Ferreira para análise. Surgindo após o Memorando a que acima se faz referência;

- ofício nº 330/DMC/2008 elaborado a 14 de Julho de 2008, pelo DMC, o ora arguido, e dirigido à Srª Vereadora do Pelouro da Cultura Drª RV onde é requerida “a manutenção dos contratos de prestação de serviços, em regime de avença, celebrados com AS..., IM... e MS...”, fls. 175 a 178;

- Foi elaborada informação pela Jurista MV, datada de 04.09.2008, e dirigida ao Drº Pedro Costa, Chefe da Divisão de Recrutamento e Gestão de Carreiras, onde se pode ler qual o tipo de apoio jurídico que as três advogadas, duas delas aqui arguidas, prestavam à DMC “(…) elaboração de propostas para aprovação em sessão de Câmara, elaboração, gestão e acompanhamento dos contratos e protocolos celebrados pelo Pelouro da Cultura, acompanhamento e execução orçamental desta Direcção, elaboração e acompanhamento dos procedimentos administrativos ao abrigo da legislação que regula as despesas públicas, designadamente aquisição de bens e serviços” e também que se entendeu “não se afigurar verificar-se o requisito de inexistência no quadro de pessoal do  município quem possa assegurar o tipo de serviços que se pretende contratar”.  Mais se refere que as prestadoras em causa, onde se incluem as duas arguidas, “parecem reunir, até pela forma como prestam o serviço em causa com “acompanhamento diário e permanente”, todos os requisitos para ingressar no Quadro de Pessoal de direito privado do Município, através do recurso ao Tribunal Arbitral, passando a exercer as suas funções ao abrigo de um contrato de trabalho por tempo indeterminado e não através de vínculo precário, como foi decidido pelo Município de Lisboa para todos esses casos, sendo certo que as prestadoras em causa não o fizeram”, fls. 180 a 183;

- em 3 de Outubro de 2008 o arguido, enquanto Director Municipal solicita ao DMRH, “em caso de concordância, a manutenção e renovação dos contratos de prestação de serviços, em regime de avença celebrados com AS... e IM...”, e isto porque a Drª MA… apresentou a denúncia do seu contrato de prestação de serviços celebrado com a CML, com efeitos a partir de 1 de Novembro de 2008, fls. 184 e 185;

- informação de LF à Srª Vereadora da Cultura, de 6 de Outubro de 2008, que refere “face ao exposto na presente operação podiam existir dúvidas quanto a estes contratos, mas julgo que com a segunda informação exarada pela DMC parecem estar preenchidos os requisitos no artº 35º e ss da Lei 12-A de 25 de Fevereiro para a celebração, excepcional, de contrato de prestação de serviços com pessoa singular. (Chamo a particular atenção para o facto da DMC ter reduzido de 3 para 2 os contratos detidos com as juristas”, fls. 186;

- informação seguinte, de 8 de Outubro de 2008, também dirigida à Srª Vereadora RV onde se diz ”salvo melhor opinião, este tipo de trabalho deve acabar de acordo com a Lei em vigor e a política defendida por este executivo”, fls. 186;

- a 9 de Outubro de 2008, a Srª Vereadora RV emite “parecer”, no sentido de o Doutor RP... desenvolver as diligências necessárias junto da DMRH, para uma solução com recursos internos à CML”, fls. 186;

- processo de despesa/receita, referente ao pagamento do estudo sobre a titularidade do espólio de Fenando Pessoa, datado de 9 de Janeiro de 2009 e assinado pelo arguido RP... enquanto Director Municipal da Cultura, fls. 191;

- cópia da factura emitida a 7 de Janeiro de 2009, com data de vencimento de 15 de Janeiro de 2009, no valor de 27.835,20, referente ao Estudo sobre a titularidade dos direitos de autor (referente à Casa Fernando Pessoa), fdls. 192 e 193;

- informações elaboradas pela arguida AS... mas determinadas pelo arguido RP..., enquanto Director Municipal da Cultura, sobre o “procedimento por ajuste directo: Proposta de adjudicação para a realização da despesa” e “ajuste directo – escolha do procedimento aquisição dos serviços jurídicos”, fls. 194 a 199;

- contrato de prestação de serviços entre o Município de Lisboa e a sociedade A&L..., Sociedade de advogados, RL, celebrado em 10 de Dezembro de 2008, de fls. 200 a 207;

   - minuta do convite para apresentação de proposta para procedimento por Ajuste Directo, dirigida a A&L..., Sociedade de advogados RL por RP..., em Novembro de 2008, fls. 208 a 210;

- “especificações Técnicas – Procedimento por Ajuste Directo”, onde se menciona a Descrição dos trabalhos a realizar, os elementos que a proposta deve indicar, os documentos exigidos e o prazo de entrega e modo de apresentação da proposta, fls. 211 e 212;

             - declaração (al. a) do nº 1, do artº 57º do Código dos Contratos Públicos), fls. 213 a 215;

- convite para apresentação de proposta para procedimento por Ajuste Directo, datado de 14 de Novembro de 2008 e assinado pelo “Director Municipal da Cultura RP…”, onde conta na primeira folha “convite entregue em mão” e manuscrito e assinado pela arguida IM... “recebi o original, 14.11.2008”, fls. 216 a 218;

- apresentação de proposta para a protecção de serviços de consultadoria jurídica no âmbito da Direcção Municipal de Cultura, dirigida ao Director Municipal da Cultura, a 17 de Novembro de 2008, assinada pela arguida IM... em nome da Sociedade A&L..., onde é apresentado o preço € 46.392,00 ao qual acrescerá o valor do Iva, no montante de € 9.278,40, se estabelece o prazo de execução: “de 1 de Janeiro de 2009 a 31 de Julho de 2009” e as condições de pagamento: “50% do valor global, no montante de € 23.196,00, valor ao qual acrescerá IVA à taxa legal de 20% no montante de € 4.639,20, no dia 15 de Janeiro, com a entrega do estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa; o remanescente correspondente ao montante de € 23.196,00 valor ao qual acrescerá o IVA à taxa legal de 20% no montante de € 4.639,20, em 31 de Julho de 2009, fls. 224 e 225;

- declaração emitida pela Segurança Social, datada de 4 de Dezembro de 2008, que atesta que a A&L..., sociedade de advogados RL, tem a sua situação contributiva regularizada perante a Segurança Social, fls. 229;

- requerimento assinado por RP (sócia com IM... da sociedade de advogados A&L...), de 4 de Dezembro de 2008, em que solicita certidão comprovativa da inexistência de dívidas à Fazenda Nacional por contribuições ou impostos ou outras receitas cobradas através dos serviços da DGCI NO Serviço de Finanças de Lisboa 4, fls. 230;   

- certidão do Serviço de Finanças de Lisboa 4 onde se declara que A&L..., Sociedade de Advogados RL tem a sua situação tributária regularizada, visto que não é devedor perante a Fazenda Nacional de quaisquer impostos em prestações tributárias e respectivos juros, fls. 231;

- notificação de adjudicação e apresentação de documentos onde IM... escreve que recebeu o original e apõe a data de 19 de Novembro de 2008, fls. 241;

- publicitação e eficácia do contrato nos termos do artº 127º do Código dos Contratos Públicos, tendo sido o contrato em causa publicitado pela Direcção Municipal da Cultura no portal da Internet dedicado aos contratos públicos, fls. 253 e 254;

- contrato de prestação de serviços – avença – autorizado pelo Senhor Vereador da Cultura Drº AL, entre o Município de Lisboa e AS..., datado de 30 de Novembro de 2005 e assinado por RP... enquanto primeiro outorgante e por AS... como segundo outorgante, fls. 255 a 257;

- autorização para a Aquisição de Serviços de Assessoria na área jurídica no âmbito da Direcção Municipal de Cultura, ofício datado de 29 de Novembro de 2005, onde o Vereador AL solicita ao Presente da Câmara da altura, Drº CR “que se digne homologar/ratificar os actos e procedimentos já praticados e a necessária autorização para a contratação da prestadora AS..., com efeitos a partir de 1 de Dezembro de 2005”, fls. 261 e 262;

- notificação da adjudicação da proposta de prestação de serviços na Câmara Municipal de Lisboa, datada de 23 de Novembro de 2005, relativamente à arguida AS…, fls. 265;

- contrato de prestação de serviços/Avença entre o Município de Lisboa, representado pela Srª Vereadora da Cultura, Drª RV e AS..., datado de 14 de Dezembro de 2007, assinado pela aquela Vereadora e AS..., fls. 337 a 339;

- contrato de prestação de serviços – avença – autorizado pelo Senhor Vereador da Cultura Drº José AL, entre o Município de Lisboa e IM..., datado de 29 de Dezembro de 2005 e assinado por RP... enquanto primeiro outorgante e por IA como segundo outorgante, fls. 356 a 358;

- contrato de prestação de serviços/Avença entre o Município de Lisboa, representado pela Srª Vereadora da Cultura, Drª RV e IM..., datado de 14 de Dezembro de 2007, assinado pela aquela Vereadora e IM..., fls. 420 a 422;

- Informação do Gabinete da Srª Vereadora da Cultura CVP, datada de 31 de Dezembro de 2012, em que refere que os “documentos de cessação dos contratos existentes entre a Câmara Municipal de Lisboa e as juristas Drª AS... e Drª IM..., bem como a comunicação às mesmas dessa cessação, de acordo com informação dos serviços os referidos documentos não constam do arquivo da Direcção Municipal da Cultura; Já quanto à entrega dos trabalhos relativos ao levantamento das Fundações nacionais que se dedicam à promoção e estudo de autores com obras de relevante interesse nacional e as formas de protecção da marca Casa Fernando Pessoa, desconhece-se se tal efectivamente aconteceu”, fls. 445 e 446;

- original da factura nº 2009000001 emitida a 7 de Janeiro de 2009 e que titula um pagamento de € 27.835,20 à A&L...-Sociedade de Advogados, RL, fls. 449;

- a mesma factura, mas agora como exemplar para validação e autorização, de fls. Azuis, onde no verso consta: “serviço conferido, encontra-se em condições de ser processado”, datado de 5 de Janeiro de 2009 e assinado por RP..., Director Municipal da Cultura, constando também a remessa à contabilidade para processamento, assinado igualmente pelo arguido RP... enquanto Director Municipal da Cultura, fls. 460 e 460v.

- estatutos das Fundação Casa Fernando Pessoa, fls. 477 a 498;

- ofício datado de 11 de Fevereiro de 2010 em que o Director Municipal de Cultura FV, solicita à Drª IP o envio de cópia do “Estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa, propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, dado o processo já iniciado de transformar a Casa Fernando Pessoa em fundação, elaborado pela empresa “A&L... – Sociedade de Advogados, RL, no âmbito  de contrato de prestação de serviços celebrado com o Município de Lisboa”, fls. 499;

- documentação da Biblioteca Nacional dirigida à Directora da Casa Fernando Pessoa, de Abril, Maio e Junho de 2009, fls. 519 a 524;

- lista de advogados especialistas em Direito da Propriedade Intelectual (dados reportados a Novembro de 2008), fornecida pela Ordem dos Advogados, onde não constam qualquer uma das arguidas, fls. 599-C;

- auto de apreensão e documentação apreendida a FH, Técnico Oficial de Contas da Sociedade de Advogados “A&L, RL”, onde consta cópia da factura nº 2009000001, no aludido valor de € 27.835,20, a transferência do Município de Lisboa, datada de 15 de Janeiro de 2009, no valor referido, recibo da importância de € 12.396,00, passado por AS… à sociedade A&L, fls. 604 a 615;

- extracto da conta de depósitos à ordem nº 5-3665298-000-001, titulada por A&L... – Sociedade de Advogados, RL, referente aos movimentos efectuados durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 2009 e 30 de Junho de 2009, fls.682 a 687;

- notificação, em 23 de Outubro de 2013, da acusação ao arguido RP..., fls. 774;

- notificação, em 24 de Outubro de 2013, da acusação à arguida IM..., fls. 778;

- notificação, em 24 de Outubro de 2013, da acusação à arguida AS..., fls. 779;

- notificação da Câmara Municipal de Lisboa para, querendo, deduzir pedido de indemnização civil (oque não fez), fls. 792;

- requerimento dirigido a Sua Excelência a Ministra da Justiça pelo arguido RP... no próprio dia em que foi notificado da acusação (23 de Outubro de 2013), solicitando a suspensão das suas funções enquanto Presidente do IGFEJ. Nesse mesmo dia a Srª Ministra da Justiça defere o requerido, fls. 800 e 806;

- declaração da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, datada de 28 de Outubro de 2013, onde consta que o arguido se apresentou ao serviço naquela faculdade no dia 24 de Outubro de 2013, na sequência do deferimento do seu requerimento de suspensão das funções de Presidente do IGFEJ, fls. 802 e 808;

- curriculum vitae de RP..., fls. 1209 a 1220 (fls. 1252 a 1263);

- certificados de registo criminal dos arguidos, respectivamente fls. 1326, 1327, 1328;

- depoimento escrito de Sua Excelência a Ministra da Justiça, fls. 1366 a 1368;

- relatórios sociais dos arguidos, respectivamente de fls. 1443 a 1448; 1452 a 1456 e 1460 a 1465;

- mail de MS... onde refere não ter encontrado a mensagem referida durante o seu depoimento, fls.1487.

O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada e não provada com base na análise conjugada dos elementos probatórios acima referidos, enquadrados por regras de normalidade e de experiência comum.

Em audiência de julgamento os três arguidos prestaram declarações e que foram, no geral, coincidentes.

As testemunhas inquiridas foram isentas e verdadeiras, não tendo o seu depoimento, quanto a factos, colidido com as declarações dos arguidos.

Percebeu-se o “mau-estar” da testemunha RL para com a arguida IM... e vice-versa quando esta voltou a prestar declarações (sendo que nem conseguiu ouvir o depoimento da testemunha, já que saiu da sala de audiências durante o mesmo) e percebeu-se também que as relações da Vereadora da Cultura RV e até de FMV com o arguido seriam complicadas, para usarmos um termo suave.

O arguido RP... foi descrito por todas as testemunhas que com ele privam ou privaram, como um homem recto, rigoroso, exigente, íntegro e preocupado com a causa pública.

É a própria Senhora Ministra da Justiça que, em depoimento que fez juntar aos autos, a ele se refere nos seguintes termos:

“01. A depoente conheceu o Senhor Professor RP... há muitos anos, crê que há cerca de 10 anos.

02. Quando conheci o Senhor Prof RP... este desempenhava então funções na Câmara Municipal de Lisboa.

03. O Senhor Prof. RP... sempre foi considerado isento, rigoroso e competente no exercício das suas funções, quer enquanto Director Municipal da Cultura, quer no exercício de outras funções dirigentes na Câmara Municipal de Lisboa (Director Municipal dos Recursos Humanos).

04. A depoente recorda-se que o Senhor Prof RP..., quando exerceu cargos na Câmara Municipal de Lisboa, era sempre referido como sendo muito exigente e rigoroso.

05. A depoente também se recorda da forma elogiosa como se lhe referiam vários vereadores do executivo camarário, em especial o Senhor Vereador responsável pela área das Finanças (Drº CS).

06. Tomei conhecimento do despacho de acusação referente ao Senhor Prof. RP... no próprio dia, tendo este solicitado uma reunião com muita urgência e pedido a sua exoneração imediata.

07. Não aceitei a exoneração imediata mas a suspensão de funções, porque sempre foi meu entendimento, como é público, ser esse o procedimento devido, considerando a necessidade de proteger a imagem e dignidade das instituições, tal como exarei.

08. Durante o período em que permaneceu no IGFEJ, tendo sido ora designado por concurso, embora não fosse directamente tutelado pela signatária, o Senhor Prof. RP... exerceu as suas funções de forma exemplar, leal, empenhada e rigorosa, o que apurei nas reuniões que com ele mantive e nos resultados da gestão a que presidia.

09. O IGFEJ a que presidia, renegociou contratos que permitiram poupanças significativas quer na área da informática quer nos arrendamentos.

10. O que me foi presente, relacionado com o IGFEJ durante o exercício do mandato do Senhor Prof, pelo então Secretário de Estado da Administração Patrimonial e Equipamentos do Ministério da Justiça, revelou profissionalismo, e dedicação que ultrapassam em muito o que é exigível a um dirigente.

11. Pessoalmente o Senhor Prof. RP... é uma pessoa profundamente humana, culta e que procura a reflexão conjunta e debate sobre problemas sociais e políticos, o que pessoalmente testemunhei antes do exercício das funções que actualmente exerço. (…)”.

Também o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Drº AC, nos disse que nunca teve conhecimento de algum facto negativo da actuação do Prof. RP... enquanto Director Municipal da Cultura. Recordou-se que foi a Vereadora RV que entendeu que o devia afastar e afastou.

“Eu, por mim, nunca tive nenhum facto negativo a apontar-lhe, foi sempre um Director Municipal correcto e empenhado”, referiu-nos.

E as testemunhas sucederam-se e os depoimentos acerca da rectidão, profissionalismo e honestidade do arguido RP... adensaram-se.

Recordemo-nos da Drª MS..., (que conhece bem os arguidos porque com eles trabalhou salientando que o Prof. RP... é uma pessoa com conhecimentos sólidos na área da cultura, sempre disponível para assuntos de trabalho, sendo “sua característica o rigor e a exigência”), da Drª MG (Procuradora da República e que foi Adjunta no Gabinete da Ministra da Justiça que nos transmitiu que constatou que “RP... no IGFEJ seguiu todos os procedimentos legais, teve sempre uma preocupação de fazer adjudicações muitas vezes não pelo valor máximo mas por um valor inferior, tendo havido plafonds que não chegaram a ser atingidos, tendo sempre um cuidado com a despesa do Estado.” Considerou-o como uma pessoa muito séria, “recta, justa e com uma grande capacidade de trabalho”), do Drº JS (que foi Vereador das Finanças na Câmara Municipal de Lisboa e quem convidou o arguido para a DMRH, e que o descreveu como “deontologicamente correcto, rigoroso e competente”), da DrªMAA, Especialista Superior da Polícia Judiciária e Secretária Geral do Ministério da Justiça que entende que o arguido é movido pelo sentido do serviço público “é uma pessoa rigorosa e de carácter”), da Drº JA... (ex companheira do arguido e que o caracterizou como “um homem íntegro, profundamente honesto e que nunca iria utilizar dinheiros públicos para pagar um trabalho que não existiu ou que não fosse necessário”), do Drº JAR (“sei que o Prof RP... é uma pessoa idónea e que se preocupa com a defesa da causa pública, por com ele ter trabalhado enquanto era Presidente do IGFEJ e eu na qualidade de Director da Polícia Judiciária”), das Directoras da Casa Fernando Pessoa e do MUDE que mantinham um contacto regular com o arguido no objectivo de resolver os assuntos referentes às respectivas Fundações a criar, e que com ele estabeleceram excelentes relações profissionais, “não mais atingidas na DMC” das duas secretárias do Prof. RP... que o consideraram muito trabalhador e sempre disponível.

Enfim, da acusação à defesa todas as testemunhas foram unânimes em caracterizar o arguido como um homem rigoroso, honesto e comprometido com a causa pública.

Da prova produzida em audiência de julgamento não se provou que o estudo que foi pago pelo arguido à Sociedade de Advogados A&L... não tivesse sido entregue ao arguido.

Ficou antes provado que tal estudo (“sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre a Casa Fernando Pessoa, propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, dado o processo já iniciado de transformar a Casa Fernando Pessoa em Fundação”) lhe foi entregue pelas arguidas.

Ficou amplamente demonstrado pelo depoimento de várias testemunhas, designadamente do Drº AC, das secretárias do arguido, de MS, dos próprios arguidos, que o processo de entrada de papéis, fossem eles “Estudos/Pareceres” ou mero expediente, era, à data dos factos, muitas vezes entregue em mão aos Directores Municipais. Nem sempre os documentos que eram entregues em mão eram registados e muitas vezes não foram encontrados documentos na Câmara pese embora eles tenham existido. Aliás o Senhor Presidente da Câmara disse mesmo que já tem sido contactado pelo DIAP para encontrar documentos que por vezes se não encontram e que “em sete anos de presidência não é a primeira vez” que ouve dizer “que um documento desapareceu”. Como curiosidade repare-se na informação que é prestada a fls. 445 ao Coordenador da Investigação Criminal pelo Gabinete da Vereadora CVP; aí se diz que “quanto aos solicitados documentos da determinação de cessação dos contratos existentes entre a Câmara Municipal de Lisboa e as juristas Drª AS... e Drª IM..., bem com a comunicação às mesmas desta cessação, de acordo com a informação dos serviços os referidos documentos não constam do arquivo da Direcção Municipal da Cultura” e por isso não foram entregues. Significará isso que nunca existiram? Cremos, obviamente, que não!

Por outro lado, como também ficou provado à saciedade, o estudo em causa era importante e urgente. O Drº AC tinha-o solicitado ao Director Municipal da Cultura e já o havia pedido a um jurista da Câmara, Drº PC, que por questões de saúde não o terá feito.

A urgência acentuou-se no último trimestre de 2008.

Há o ofício da Biblioteca Nacional dirigido à Casa Fernando Pessoa que após solicita a intervenção da DMC, determinando o seu Director (ora arguido) que as juristas dessem parecer.

Após e na sequência desta solicitação de parecer a arguida IM... e o arguido RP... têm uma reunião com IP esclarecendo da inoportunidade de se pronunciarem e referindo que, ”atempadamente, iam dar resposta”, como referiu textualmente IP.

Mas saliente-se que este pedido de parecer era relativo “apenas” à classificação do espólio documental de Fernando Pessoa, não coincidente, assim, com o estudo que mais tarde viria a ser solicitado à Sociedade A&L... que era um estudo sobre os direitos de autor do espólio de Fernando Pessoa mas considerando o processo que já estava em curso, de transformação em Fundação.

Houve também a questão do leilão – venda da contracapa de um livro em que foi intentada uma Providência Cautelar (com a ajuda da arguida IM...) e a contracapa do livro acabou por ser retirada de venda.

O Presidente da Câmara insistia com Director Municipal para se elaborar um estudo que permitisse uma protecção legal do referido espólio.

Daí a urgência e a necessidade.

O arguido viu-se confrontado com apenas duas juristas no seu departamento, as ora arguidas, uma vez que ML havia saído a 1 de Novembro de 2008.

Estas juristas não tinham capacidade de fazer o estudo enquanto avençadas já que o seu trabalho diário não o comportava e não podia parar tudo nem que fosse por uma semana. Estava-se em época de final de ano, com todo o acréscimo de trabalho daí decorrente, como nos disseram várias testemunhas.

O arguido contrata a sociedade A&L... ciente de que arguida IM... é sua sócia e tem conhecimentos em direitos de autor suficientes para elaborar tal estudo. Aliás desde o início da sua carreira que a Drª IM... se dedica ao estudo dos direitos de autor tendo tido variadíssimos clientes nessa área (até a Drª R…, sua sócia, confirmou isto, para além das suas testemunhas de defesa) e é conceituada no meio e contactada por diversos colegas que lhe colocam dúvidas sobre tais temas. Também o arguido era conhecedor deste seu saber pois para além do contacto diário que tinham, havia a noção na Câmara que para questões relacionadas com direitos de autor contactavam a Drª IM..., o que sucedeu, designadamente, no caso da Providência Cautelar já referida.

Não eram, de facto, as arguidas especialistas em Direitos de autor, ao abrigo do Regulamento Geral das Especialidades da Ordem dos Advogados, nem tão pouco a Sociedade de Advogados contratada, como se constata da lista junta. Mas também não era necessário ser, o que era preciso, como se refere no contrato, era uma sociedade com experiência em direitos de autor e conexos. E isso a sociedade A&L... era.

Não foi feita prova de que o arguido contratasse a sociedade A&L... por nela estar a irmã da sua companheira e tia da sua filha. A prova, toda, vai no sentido contrário. As características do arguido que foram exaustivamente descritas, de rigor, de profissionalismo e de seriedade, são de todo incompatíveis com o comportamento que, neste ponto, lhe vem assacado. Acresce, ainda, que JA... nos relatou que a filha do arguido licenciou-se em 2005 em arqueologia e que na DMC ele contratou uma série de arqueólogos e nunca falou com a filha nem nunca pensou contratar a filha e ela estava (e ainda está) desempregada. Então não beneficiava a própria filha e beneficiava a irmã da companheira?

Sendo que na época as duas irmãs nem sequer tinham uma relação de grande proximidade.

Por outro lado não foi o arguido que contratou IM... para a Câmara Municipal de Lisboa.

Mas mais, as arguidas podiam ter ficado na Câmara se assim o tivessem desejado, só não ficaram porque não quiseram, como elas próprias referiram e também ML.

O arguido disse que ainda chegou a contactar com a Drª CB para elaborar um só estudo relativamente à passagem do MUDE a Fundação, o que também foi corroborado pela Directora do MUDE. Pelo preço de um só estudo pedia a Drª CB um valor entre 75.000 a 125.00 euros.

Portanto, concluímos que a sociedade A&L... foi escolhida por nela estar como sócia IM... que estava dentro dos assuntos e era competente para levar a efeito os estudos pedidos. A juntar a tudo isto o preço estipulado para os quatro estudos era relativamente baixo tendo a comparação dos valores pedidos pela Drª CB.

Repare-se que foi o arguido RP... quem decidiu contratar a sociedade de advogados. A arguida AS... “apenas” instRP...u esse procedimento, como fazia com outros.

É só em inícios de Janeiro que esta arguida é convidada por IM... para fazer o trabalho. Tal como IA também refere que fizeram o trabalho no computador do escritório da sociedade. “Estávamos juntas íamos equacionando as perguntas e escrevíamos no computador. O trabalho tinha 30 a 40 folhas e foi entregue por nós ao Prof RP....”

 Não ficou com cópia do trabalho. “Não fiquei com cópia de nenhum dos trabalhos entregues; o contrato era com a sociedade e nunca me preocupei com esse tipo de questões”, disse-nos.

Esclareceu ainda que o dinheiro que recebeu da IA foi o que ficou combinado entre ambas e não iria receber mais nada.

É convidada apenas em Janeiro de 2009 para fazer o trabalho. Não foi a primeira escolha da arguida IM... como a própria nos disse e também IA que foi convidada, mas não pode, por razões profissionais aceitar o convite. O arguido quando apresentou a proposta para a elaboração do respectivo estudo não fazia ideia que quem fosse trabalhar com a arguida IM... fosse a arguida AS..., o que nem a própria sabia. 

Lembrou-se ainda esta arguida de ter mudado “de armas e bagagens” para o escritório da Drª I… atenta a urgência que havia em fazer o estudo. Durante os princípios de Janeiro não foi vista no seu escritório, como nos referiram duas das suas testemunhas.

Tal como a arguida IM... e mais testemunhas referiram, salientou que a gestão do trabalho regular na Câmara não permitia fazer um estudo como o que foi feito, designadamente, quanto ao espólio de Fernando Pessoa dentro dos parâmetros solicitados. “Funcionávamos como apoio à decisão do dirigente, o que implicava que prestávamos apoio às decisões que eram tomadas diariamente no âmbito da gestão dos diversos (muitos) equipamentos que estavam na dependência da DMC.”.

Também como a arguida IM... nega que tenha conhecido o Drº MV quando ele foi para a Câmara até porque nessa altura já lá não trabalhavam.

Quando da entrega do segundo trabalho foi agendada uma reunião com o então DMC e só assim fazia sentido, porque o procedimento é esse e porque não conheciam o Drº MV.

O segundo trabalho foi apresentado de forma idêntica ao primeiro também com a factura com o valor estipulado no contrato e também deste segundo trabalho nenhuma das arguidas guardou cópia, nem em papel, nem em qualquer outro suporte.

Todas as testemunhas que conhecem as arguidas caracterizaram-nas como excelentes profissionais, e como desorganizada a Drª IM..., ainda que muito competente na área dos direitos de autor.

Em audiência de julgamento esta arguida disse-nos qual o conteúdo do trabalho e as conclusões a que chegou relativamente ao que tinha sido solicitado. Referiu que tinha cerca de quarenta folhas e que o fez no computador da sociedade, não tendo guardado cópia do mesmo.

RL, à data não estava no referido escritório pois tinha nascido uma filha a 22 de Dezembro de 2008 mas deslocava-se lá pontualmente, tendo sido ela a solicitar a declaração de não dívida junta aos autos e assinada por si. Também constatou a entrada na conta do montante relativo ao trabalho, portanto ainda que não tivesse conhecimento prévio da proposta, sabia da factura emitida já era ela que tratava da contabilidade. Também nos disse que chegou a ver no escritório a arguida AS....

IM... reuniu inúmeras as vezes com a Directora da Casa Fernando Pessoa como a própria nos confirmou e isto em finais de 2008, princípios de 2009.

IP não duvidou que o trabalho em causa tivesse sido feito. Nem a própria Câmara manifestou dúvidas nisso. Se bem notarmos o que se diz é que se desconhece o paradeiro do estudo e não que este nunca foi apresentado. A Câmara nunca pediu aos arguidos a devolução do dinheiro pago pelo tal estudo e não o pediu porque não pode afirmar que o mesmo não foi apresentado. Aliás notificada para deduzir pedido de indemnização civil também o não fez.

Ficou também provado com base nos documentos juntos aos autos e no que nos disse o arguido RP..., que o contrato entre a Câmara e a sociedade A&L... foi celebrado ainda a arguida IM... mantinha com a Câmara o contrato de avença, que só terminou no final de 2008. Mas o facto relevante é que o início do contrato se materializava apenas em Janeiro de 2009.

Igualmente ficou assente, com base nos documentos acima referidos, nomeadamente um parecer elaborado por RP, que a contratação dos estudos em causa foi feita por ajuste directo e em período em que o arguido se encontrava em gestão corrente. Como se infere da documentação junta o arguido tinha competência subdelegada para adjudicar pela quantia que adjudicou e o estar em gestão corrente não tem qualquer relevância criminal, como não teve do ponto de vista administrativo, como se diz no parecer citado.

Fazendo uma análise séria dos factos há que salientar a ausência de prova de que a actuação do arguido foi feita com o intuito de beneficiar as arguidas, sendo tal fundamento ilícito e tendo com a sua actuação prejudicado a Câmara Municipal de Lisboa.

Por outro lado, há também que referir que o facto de o estudo não aparecer não é suficiente para impedir dar como provado que ele foi realizado e entregue.

Não havia qualquer razão para simular um trabalho para beneficiar uma pessoa por ser irmã da sua companheira. Nem o perfil nem o percurso do arguido, nem das arguidas, suportam tal asserção.

Por outro lado muito se estranha que não tendo sido encontrado o trabalho não tenham os arguidos sido interpelados pelo Drº MV, então Director Municipal da Cultura, ou pelo Vereador da Cultura ou por qualquer outro funcionário da Câmara. Resulta da normalidade da vida que isso tivesse acontecido.

E sem nos queremos repetir, sempre diremos, que nos convencemos que o estudo a que se reportava a adjudicação por ajuste directo decidido pelo arguido RP..., fora efectivamente entregue a este pelas arguidas a 7 de Janeiro de 2009, não apenas pelas declarações dos arguidos RP... e IM..., que de forma coerente e lógica descreveram os factos, mas sobretudo, pelo contexto que rodeou todo o processo de adjudicações, onde se deverá salientar que o estudo reportado ao estatuto da Casa Fernando Pessoa e protecção jurídica do respectivo espólio, era necessário e urgente tal como determinado pelo Presidente da Câmara que isso fez sentir ao arguido, não só pelas vicissitudes adversas do leilão publicitado, como pela urgência em agilizar o funcionamento da então Casa Fernando Pessoa, como polo de cultura como pela protecção do seu espólio, o que significa que o processo de adjudicação não se iniciou com qualquer fim estranho, e que pela sua importância na hierarquia da Câmara era facilmente sindicável, o que torna inverosímil uma intenção de ficcionar um processo de adjudicação e posterior pagamento, para depois nunca se apresentar “a obra na empreitada  adjudicada”.

Acresce que se apurou ser a arguida IM... dotada de experiência forense em direitos de autor, para além de que a mesma em finais de 2008 ou princípios de 2009 esteve na Casa Fernando Pessoa indagando do espólio como trabalho de campo preparatório do estudo que fora adjudicado, conforme foi relatado pela testemunha IP (Directora da Casa Fernando Pessoa).

 Também, as arguidas, subsequentemente e no contexto do que fora adjudicado, pela mesma forma, vieram a apresentar em mão ao Director Municipal de então, o segundo estudo adjudicado na empreitada em causa.

   A circunstância do corpo do estudo não ser encontrado nos serviços camarários não pode responsabilizar os arguidos, e fazer recair sobre os mesmos qualquer ónus de prova relativo à entrega do estudo. A testemunha Presidente da Câmara, como outras testemunhas quadros camarários, deram notícia que já se perderam vários documentos nos serviços da Câmara, para além de que a entrega em mão de documentos era, à data dos factos, usual como forma de apresentação de trabalhos, a par das entradas registadas de outro trabalhos ou estudos.

Por outro lado, a apresentação do estudo coincidiu com o contexto de cessação de funções do arguido RP... como Director Municipal, poucos dias após essa entrega, sendo essa saída fruto de divergências políticas com a Vereadora RV e também com o próprio sucessor do arguido, com falta de diálogo entre ambos. A reunião para passagem de pasta foi difícil de marcar e uma agendada foi breve. Em cima da secretária do arguido ficaram variadíssimos documentos, como as suas próprias secretárias o afirmaram. 

No conjunto destas circunstâncias, a entrega do estudo ocorre com a mudança de titular nas instalações em ambiente divergente, circunstâncias que são desfavoráveis “à boa sorte” dos papéis. 

 Quanto à atitude subjectiva que se imputa aos arguidos sobre a ideia das advogadas avençadas em termo contrato, IM... e AS..., serem compensadas pela não renovação do contrato de avença, na ausência de qualquer de prova produzida sobre estes factos de cariz subjectivo, essas afirmações da acusação são meramente especulativas, como também o são, a afirmada intenção do arguido de beneficiar a arguida IM... pelo facto desta ser irmã da sua companheira. Não só, não se produziu qualquer prova sobre esta intenção que se imputa ao arguido, como pela testemunha JA... foi relatado o que já acima referimos quanto à filha do arguido.

Apenas cerca de dois anos e meio após a entrega do trabalho o arguido RP... soube que o mesmo não era encontrado. Nunca foi confrontado com tal facto pese embora tivesse ficado a trabalhar na CML e encontrasse com frequência o seu sucessor.

As arguidas também não foram atempadamente questionadas sobre onde estaria o estudo. Quem sabe se IM... teria tido tempo de o retirar do computador antes deste ir parar às mãos da sua colega de escritório RL…

Relativamente aos factos considerados não provados não foi feita prova da verificação dos mesmos.

Toda a documentação junta aos autos foi ponderada e devidamente analisada, nomeadamente o Parecer da Ouvidoria, de fls. 96 a fls. 118, assim como ponderado foi o depoimento de cada uma das testemunhas e as declarações de cada um dos arguidos.

Da análise crítica da prova resulta que nenhuma conduta ilícita pode ser imputada aos arguidos.

(…)


V – O Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.

VI – Cumpre decidir.

1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na CJ (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo I, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP).

2. O recurso será julgado em conferência, atento o disposto no art.º 419.º n.º 3 alínea c) do C.P.Penal, a contrario.

3. Recurso do Ministério Público, que invocou:

- erro de julgamento, e consequentemente, deve haver lugar à alteração da qualificação jurídica e os arguidos serem condenados pela prática dos crimes de que vinham pronunciados ( o Tribunal Colectivo violou o preceituado no artigo 127.º e incorreu em erros de Direito (art. 412º n.º 2 al. a)) e de julgamento (art. 412º n.º 4 als. a) e b)), todos do Código de Processo Penal).

- Caso assim não se entenda, devem os arguidos RP... e AS..., subsidiariamente, ser condenados pela prática de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art. 382º do Código Penal, por referência ao art. 28º desse Código.
4. Do erro de julgamento e erro notório na apreciação da causa.
Para além dos erros de julgamento propriamente ditos, são de verificação oficiosa os vícios constantes do art.º 410.º n.ºs 2 e 3 do C.P.Penal
  Recorde-se que a norma respeita aos vícios da decisão, verificáveis pelo mero exame do seu (dela, decisão) próprio texto, ou por esse exame conjugado com as regras da experiência comum. Por outras palavras, elementos estranhos à decisão não podem ser invocados ou chamados a fundamentar esses vícios que, repete-se, têm de resultar do próprio texto, e apenas deste.
Como iremos explicitar adiante, além de erro de julgamento também se verifica erro notório na apreciação da prova - trata-se, como pacíficamente tem vindo a ser considerado, de um erro (ignorância ou falsa representação da realidade) evidente, facilmente detectado, e resultante do texto da decisão ou do encontro deste com a experiência comum.
Detectámos que a decisão impugnada acolhe conclusões incompatíveis ou contraditórias com a prova produzida e constante dos autos.
Assim, quanto à matéria de facto constante dos autos consideramos que a mesma foi parcial e incorrectamente julgada, no que respeita à apreciação e fundamentação dos factos dados como provados e não provados. O Tribunal "a quo" não observou o princípio da livre apreciação da prova ínsito no art° 127° do C. P. Penal, mostrando-se outrossim a decisão (parcialmente) contrária as regras da experiência da vida.

Este tribunal irá lançar mão de presunções para dar alguns factos como provados (nada que o tribunal recorrido não tenha efectuado maxime quando decidiu ter-se provado a entrega do primeiro estudo. Só que concluímos precisamente o oposto, como justificaremos adiante).
Na esteira do exarado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Abril de 2011 (processo n.º 936/08.0JAPRT.S1, in www.dgsi.pt), relatado pelo Exmo. Conselheiro Santos Cabral), os indícios elencados e apreciados pelo Tribunal Colectivo, ao arrepio das regras da experiência comum e de normalidade, para dar como provada a entrega do estudo, não permitem infirmar os fortes indícios coligidos nos autos dos quais é possível inferir, sem margem para uma dúvida razoável, em sentido oposto, isto é, pela não entrega do estudo.

Sob a epígrafe “Presunções”, diz o Artigo 349.º (Noção) do Código Civil: Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.

E nas anotações ao Código Civil, de Abílio Neto refere-se:

3. As presunções pressupõem a existência de um facto conhecido (base das presunções) cuja prova incumbe à parte que a presunção favorece e pode ser feita por meios probatórios gerais; provado esse facto, intervém a Lei (no caso de presunções legais) ou o julgador (no caso de presunções judiciais) a concluir dele a existência de outro facto (presumido), servindo-se o julgador, para esse fim, de regras deduzidas da experiência da vida (RLJ, 108.0-352).(…)

6."Estas presunções são afinal o produto de regras de experiência: o juiz, valendo-se de certo facto e de regras de experiência conclui que aquele denúncia a existência doutro facto. Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode utilizar o juiz a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência ou, se se quiser, vale-se de uma prova de primeira aparência" (A. Lopes Cardoso, RT, 86.0-112).

E ainda o Acórdão do S.T.J. de 11 de Outubro de 2007, proc.º 07P3240 , Relator: SIMAS SANTOS in www.dgsi.pt:

“4 - Como tem sido jurisprudência deste Tribunal, é admissível a prova por presunção, o sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções.”
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Março de 2004, in www.dgsi.pt, “os meios de prova directos não são os únicos a poderem ser utilizados pelo julgador. Existem os meios de prova indirecta, que são os procedimentos lógicos, para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um (ou vários) factos conhecidos, ou seja as presunções. As presunções, cuja definição se encontra no artigo 349º do Código Civil, são também válidas em processo penal, importando, neste domínio as presunções naturais que são, não mais que o produto das regras de experiência: o juiz valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. O juiz utiliza a experiência da vida, da qual resulta que um facto é consequência de outro, ou seja, procede mediante uma presunção natural. Na passagem do facto conhecido para a aquisição do facto desconhecidos, têm de intervir procedimentos lógicos e intelectuais que permitam, com fundamento, segundo as regras da experiência que determinado facto anteriormente desconhecido, é a natural consequência, ou resulta com probabilidade próxima da certeza de outro facto conhecido.
A propósito de provas indirectas, é imperioso citar o Exmo. Conselheiro Santos Cabral: 
“Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervêm a inteligência e a lógica do juiz. A prova indiciária pressupõe um facto, demonstrado através de uma prova directa, ao qual se associa uma regra de ciência, uma máxima de experiência ou uma regra de sentido comum. Este facto indiciante permite a elaboração de um facto-consequência em virtude de uma ligação racional e lógica (…).
Aliás é importante que se refira que a prova indiciária, ou o funcionamento da lógica e das presunções, bem como das máximas da experiência, é transversal a toda a teoria da prova, começando pela averiguação do elemento subjectivo de crime, que só deste modo pode ser alcançado, até à própria creditação da prova directa constante do testemunho (…)” p. 1 de “Prova indiciária e as novas formas de criminalidade”, in www.cej.pt.
Não faz a nossa lei processual penal qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária. P. 16, cap. III
Verificados os respectivos requisitos pode-se afirmar que o desenrolar da prova indiciária pressupõe três momentos distintos: a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento, faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência, ou da ciência, que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento.” Fls. 23, cap. V.

DO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO.
Vejamos.
O sentido das alegações do Ministério Público está correcto pelo que procede no essencial o seu recurso da matéria de facto. Transcreveremos alguns argumentos e acrescentaremos outros decorrentes quer da análise dos documentos do processo, quer de depoimentos quer ainda de declarações efectuadas em audiência de julgamento.
 O facto de o recorrente, Ministério Público, ter invocado especialmente os depoimentos das testemunhas AC e FMV, nada obsta antes se impõe que este Tribunal de recurso proceda à audição de outras testemunhas “consideradas relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa” (vd art.º 412.º n.º 6 do C.P.Penal, in fine).
As transcrições efectuadas das alegações são-no por concordância com os respectivos termos e pressupostos e assumem uma posição inequívoca deste tribunal de recurso (vd mutatis mutandis sobre a fundamentação de decisões judiciais o Ac Tribunal Constitucional n.º 360/2003 de 30 de Julho de 2003, proc.º 485/2003, in DR II Série de 4 de Fevereiro de 2004).

No termos do disposto no art.º 431.º do C.P.Penal, analisada a prova documental e a prova por declarações e depoimentos de testemunhas – que explicitaremos adiante aquando da fundamentação da decisão de facto - , entendemos alterar parcialmente a matéria de facto.

Por outro lado, no que respeita ao facto n.º 31da pronúncia entendemos que se verifica além de um erro de julgamento, um erro notório na apreciação da causa e por isso, oficiosamente sanado (vd art.º 410.º n.º 2 al. c) e art.º 431.º ambos do C.P. Penal)

(Salienta-se – tal como na 1.ª instância - que só foi considerada na decisão da matéria de facto, a factualidade alegada com interesse para a decisão da causa, deixando de lado todas as repetições, conclusões, questões de direito e juízos de valor)

INDICAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA e respectiva análise e consequente decisão da matéria de facto relevantes para decisão de direito.

- Declarações dos arguidos, sendo certo que não foram críveis as suas declarações relativamente à verificação dos factos respeitantes quer do crime de participação económica em negócio quer do crime de falsificação;

- Depoimento das testemunhas inquiridas, sendo que só parcialmente foram tidos em consideração relativas a algumas e outras no seu conjunto com as particularidades que se mencionam infra;

Relativamente à prova documental descrevem-se os documentos que sustentaram a decisão da 1.ª instância, nomeadamente:

- ofício da Câmara Municipal de Lisboa, do Gabinete da Vereadora CVP onde se refere que “RP... exerceu, na Câmara Municipal de Lisboa as funções de Director Municipal de Cultura de 26.11.2005 a 10.01.2009 e de Director Municipal de Recursos Humanos de 11.01.2009 a 25.05.2011”, fls. 23;

- ofício da Casa Fernando Pessoa, dirigido ao Director Municipal de Cultura, Drº FMV, datado de 1 de Março de 2010, onde se lê que a “Sociedade de Advogados A&L..., realizou, no âmbito do processo de transformação da Casa Fernando Pessoa em Fundação, um estudo de Estatutos, Proposta e Despacho, de que se junta cópia”, fls. 25;

- proposta de 2009 em que o Presidente da Câmara, Drº AC, propõe ao Plenário da Câmara Municipal de Lisboa, designadamente que delibere propor à Assembleia Municipal de Lisboa a aprovação e criação da Fundação Casa Fernando Pessoa  que delibere nomear para representar o Município de Lisboa como Presidente do Conselho de Fundadores da Fundação Casa Fernando Pessoa o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, fls. 26 a 29;

- despacho da Câmara Municipal de Lisboa …/P/2009, datado de 19 de Janeiro de 2009, estabelecendo que a Casa Fernando Pessoa integrada na Direcção Municipal da Cultura reporte hierárquica e funcionalmente ao Gabinete do Srº Presidente, devendo as questões relacionadas com aquela Casa, que se encontrem a cargo da Drª IP ser articuladas com aquele Gabinete, produzindo tal despacho “efeitos imediatos”, fls. 30 e 31;

- estatutos da Fundação Casa Fernando Pessoa, de fls. 45 a 63;

- parecer do jurista Frederico Gomes propondo a ”revogação do procedimento em causa com fundamento na sua anulabilidade, decorrente da violação do princípio da imparcialidade” já que AS... deveria ter recusado o convite para a elaboração do estudo pois tinha tido intervenção no procedimento que deu origem ao contrato em causa, fls. 71 a 73;

- oficio nº 0192, de 2 de Novembro de 2009, assinado pelo DMC FMV, onde refere que “…tendo em atenção a factura emitida em Janeiro de 2009 e já paga e atendendo ao “Visto” que sobre a mesma recaiu no qual respeita à entrega do trabalho que lhe está subjacente, aquele pagamento poderá (sublinhado nosso) ser entendido como devido ao abrigo do instituto jurídico do enriquecimento sem causa, previsto nos artigos 473º e seguintes do Código Civil, na medida em que, tendo sido, efectivamente, prestado o trabalho, deve este ser pago, sob pena de locupletamento à custa do prestador do serviço (…)” – referindo-se ao trabalho referente à Casa Fernando Pessoa, fls. 83 a 86. Consta a final neste ofício e escrito à mão por IM... que “recebi o original” em 02/11/09 e “não aceitei levar o trabalho efectuado”, aludindo ao estudo/parecer das “soluções jurídicas para o funcionamento do futuro Museu do Design e da Moda – MUDE”

- cópias da factura nº 2009000018 no valor total de € 27.835,20 que foi entregue com o trabalho sobre o MUDE, procedimento idêntico ao referido pelas arguidas relativamente ao trabalho que afirmaram ter entregue ao arguido RP... quanto ao estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa, fls. 91 a 93 e 190;

- parecer nº 0160/DJ/OUV/2009, fls. 96 a 118;

- ofício da Biblioteca Nacional, dirigido à Directora da Casa Fernando Pessoa, onde IP a 16.10.2008 escreve “Solicito parecer das juristas afectas à Direcção Municipal de Cultura sobre este assunto” e a 17.10.2008, o arguido RP..., enquanto Director Municipal da Cultura determina “Às Drs AS... e IM... para corresponderem ao solicitado”, fls. 119 a 121;

- despacho nº 582/P/2007 – Subdelegação competências de atribuídas ao arguido enquanto Director Municipal da Cultura, “despacho que produz efeitos desde 28 de Outubro de 2005”, fls. 153 e 154 e 162 e 163;

- despacho nº 654/P/2005 Nomeação de RP... Alberto Martins Pereira para Director Municipal de Cultura com efeitos a partir de 2005/11/26, fls. 155 e fls. 164;

- morada dos escritórios das arguidas, fornecida pela Ordem dos Advogados, fls. 157 e 158 e fls. 166 e 167;

- aviso publicado na 2ª série do Diário da República de 2 de Fevereiro de 2009 onde se faz “pública a nomeação em comissão de serviço, pelo período de três anos” do arguido “Drº RP... no cargo de Director Municipal dos Recursos Humanos. A presente nomeação produz efeitos a 11.01.2009, conforme deliberação nº 1388/2008, de 7 de Janeiro, tomada em reunião de Câmara”, fls. 159;

- Memorando da Câmara Municipal de Lisboa, tendo como Assunto o “Contrato celebrado entre a CML e a empresa “A&L, Sociedade de Advogados RL” – ENT/1714/GPCML/GAP/EQ-GVRV/09, de 14.07.2009, elaborado por Susa Ferreira, fls. 171 a 173;

- Carta dirigia ao Director Municipal da Cultura, Drº FMV, pela Sociedade de Advogados A&L..., RL, em 07.07.2009, onde IM... e AS... referem: “Vimos apresentar a Vossa Excelência, tal como nos foi solicitado, Parecer – Soluções Jurídicas para o funcionamento do futuro Museu do Design e da Moda – MUDE. Junto remeto factura, referente aos honorários devidos no âmbito do trabalho realizado, a cuja liquidação agradecemos mande proceder.”, fls. 174. No canto superior esquerdo é aposto, em 14.07.2009, pelo Drº FMV a seguinte menção: “À Srª Vereadora solicitando orientações. Trata-se de um processo anterior à minha nomeação, cujos contornos desconheço. Já foi paga uma primeira parte correspondente a um estudo relativo a direitos de autor do espólio da Casa Fernando Pessoa. Este segundo estudo agora entregue recai sobre soluções jurídicas para o funcionamento do MUDE”. Nesse mesmo dia a Srª Vereadora RV remete à Drª Susana Ferreira para análise. Surgindo após o Memorando a que acima se faz referência;

- ofício nº 330/DMC/2008 elaborado a 14 de Julho de 2008, pelo DMC, o ora arguido, e dirigido à Srª Vereadora do Pelouro da Cultura Drª RV onde é requerida “a manutenção dos contratos de prestação de serviços, em regime de avença, celebrados com AS..., IM... e MS…”, fls. 175 a 178;

- Foi elaborada informação pela Jurista MV, datada de 04.09.2008, e dirigida ao Drº PC, Chefe da Divisão de Recrutamento e Gestão de Carreiras, onde se pode ler qual o tipo de apoio jurídico que as três advogadas, duas delas aqui arguidas, prestavam à DMC “(…) elaboração de propostas para aprovação em sessão de Câmara, elaboração, gestão e acompanhamento dos contratos e protocolos celebrados pelo Pelouro da Cultura, acompanhamento e execução orçamental desta Direcção, elaboração e acompanhamento dos procedimentos administrativos ao abrigo da legislação que regula as despesas públicas, designadamente aquisição de bens e serviços” e também que se entendeu “não se afigurar verificar-se o requisito de inexistência no quadro de pessoal do  município quem possa assegurar o tipo de serviços que se pretende contratar”.  Mais se refere que as prestadoras em causa, onde se incluem as duas arguidas, “parecem reunir, até pela forma como prestam o serviço em causa com “acompanhamento diário e permanente”, todos os requisitos para ingressar no Quadro de Pessoal de direito privado do Município, através do recurso ao Tribunal Arbitral, passando a exercer as suas funções ao abrigo de um contrato de trabalho por tempo indeterminado e não através de vínculo precário, como foi decidido pelo Município de Lisboa para todos esses casos, sendo certo que as prestadoras em causa não o fizeram”, fls. 180 a 183;

- em 3 de Outubro de 2008 o arguido, enquanto Director Municipal solicita ao DMRH, “em caso de concordância, a manutenção e renovação dos contratos de prestação de serviços, em regime de avença celebrados com AS... e IM...”, e isto porque a Drª MS... apresentou a denúncia do seu contrato de prestação de serviços celebrado com a CML, com efeitos a partir de 1 de Novembro de 2008, fls. 184 e 185;

- informação de LF à Srª Vereadora da Cultura, de 6 de Outubro de 2008, que refere “face ao exposto na presente operação podiam existir dúvidas quanto a estes contratos, mas julgo que com a segunda informação exarada pela DMC parecem estar preenchidos os requisitos no artº 35º e ss da Lei 12-A de 25 de Fevereiro para a celebração, excepcional, de contrato de prestação de serviços com pessoa singular. (Chamo a particular atenção para o facto da DMC ter reduzido de 3 para 2 os contratos detidos com as juristas”, fls. 186;

- informação seguinte, de 8 de Outubro de 2008, também dirigida à Srª Vereadora RV onde se diz ”salvo melhor opinião, este tipo de trabalho deve acabar de acordo com a Lei em vigor e a política defendida por este executivo”, fls. 186;

- a 9 de Outubro de 2008, a Srª Vereadora RV emite “parecer”, no sentido de o Doutor RP... desenvolver as diligências necessárias junto da DMRH, para uma solução com recursos internos à CML”, fls. 186;

- processo de despesa/receita, referente ao pagamento do estudo sobre a titularidade do espólio de Fenando Pessoa, datado de 9 de Janeiro de 2009 e assinado pelo arguido RP... enquanto Director Municipal da Cultura, fls. 191;

- cópia da factura emitida a 7 de Janeiro de 2009, com data de vencimento de 15 de Janeiro de 2009, no valor de 27.835,20, referente ao Estudo sobre a titularidade dos direitos de autor (referente à Casa Fernando Pessoa), fdls. 192 e 193;

- informações elaboradas pela arguida AS... mas determinadas pelo arguido RP..., enquanto Director Municipal da Cultura, sobre o “procedimento por ajuste directo: Proposta de adjudicação para a realização da despesa” e “ajuste directo – escolha do procedimento aquisição dos serviços jurídicos”, fls. 194 a 199;

- contrato de prestação de serviços entre o Município de Lisboa e a sociedade A&L..., Sociedade de advogados, RL, celebrado em 10 de Dezembro de 2008, de fls. 200 a 207;

   - minuta do convite para apresentação de proposta para procedimento por Ajuste Directo, dirigida a A&L..., Sociedade de advogados RL por RP..., em Novembro de 2008, fls. 208 a 210;

- “especificações Técnicas – Procedimento por Ajuste Directo”, onde se menciona a Descrição dos trabalhos a realizar, os elementos que a proposta deve indicar, os documentos exigidos e o prazo de entrega e modo de apresentação da proposta, fls. 211 e 212;

             - declaração (al. a) do nº 1, do artº 57º do Código dos Contratos Públicos), fls. 213 a 215;

- convite para apresentação de proposta para procedimento por Ajuste Directo, datado de 14 de Novembro de 2008 e assinado pelo “Director Municipal da Cultura RP... M. Pereira”, onde conta na primeira folha “convite entregue em mão” e manuscrito e assinado pela arguida IM... “recebi o original, 14.11.2008”, fls. 216 a 218;

- apresentação de proposta para a protecção de serviços de consultadoria jurídica no âmbito da Direcção Municipal de Cultura, dirigida ao Director Municipal da Cultura, a 17 de Novembro de 2008, assinada pela arguida IM... em nome da Sociedade A&L..., onde é apresentado o preço € 46.392,00 ao qual acrescerá o valor do IVA, no montante de € 9.278,40, se estabelece o prazo de execução: “de 1 de Janeiro de 2009 a 31 de Julho de 2009” e as condições de pagamento: “50% do valor global, no montante de € 23.196,00, valor ao qual acrescerá IVA à taxa legal de 20% no montante de € 4.639,20, no dia 15 de Janeiro, com a entrega do estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa; o remanescente correspondente ao montante de € 23.196,00 valor ao qual acrescerá o IVA à taxa legal de 20% no montante de € 4.639,20, em 31 de Julho de 2009, fls. 224 e 225;

- declaração emitida pela Segurança Social, datada de 4 de Dezembro de 2008, que atesta que a A&L..., sociedade de advogados RL, tem a sua situação contributiva regularizada perante a Segurança Social, fls. 229;

- requerimento assinado por RP (sócia com IM... da sociedade de advogados A&L...), de 4 de Dezembro de 2008, em que solicita certidão comprovativa da inexistência de dívidas à Fazenda Nacional por contribuições ou impostos ou outras receitas cobradas através dos serviços da DGCI NO Serviço de Finanças de Lisboa 4, fls. 230;   

- certidão do Serviço de Finanças de Lisboa 4 onde se declara que A&L..., Sociedade de Advogados RL tem a sua situação tributária regularizada, visto que não é devedor perante a Fazenda Nacional de quaisquer impostos em prestações tributárias e respectivos juros, fls. 231;

- notificação de adjudicação e apresentação de documentos onde IM... escreve que recebeu o original e apõe a data de 19 de Novembro de 2008, fls. 241;

- publicitação e eficácia do contrato nos termos do artº 127º do Código dos Contratos Públicos, tendo sido o contrato em causa publicitado pela Direcção Municipal da Cultura no portal da Internet dedicado aos contratos públicos, fls. 253 e 254;

- contrato de prestação de serviços – avença – autorizado pelo Senhor Vereador da Cultura Drº José AL, entre o Município de Lisboa e AS..., datado de 30 de Novembro de 2005 e assinado por RP... enquanto primeiro outorgante e por AS... como segundo outorgante, fls. 255 a 257;

- autorização para a Aquisição de Serviços de Assessoria na área jurídica no âmbito da Direcção Municipal de Cultura, ofício datado de 29 de Novembro de 2005, onde o Vereador AL solicita ao Presente da Câmara da altura, Drº CR “que se digne homologar/ratificar os actos e procedimentos já praticados e a necessária autorização para a contratação da prestadora AS..., com efeitos a partir de 1 de Dezembro de 2005”, fls. 261 e 262;

- notificação da adjudicação da proposta de prestação de serviços na Câmara Municipal de Lisboa, datada de 23 de Novembro de 2005, relativamente à arguida AS..., fls. 265;

- contrato de prestação de serviços/Avença entre o Município de Lisboa, representado pela Srª Vereadora da Cultura, Drª RV e AS..., datado de 14 de Dezembro de 2007, assinado pela aquela Vereadora e AS..., fls. 337 a 339;

- contrato de prestação de serviços – avença – autorizado pelo Senhor Vereador da Cultura Drº José AL, entre o Município de Lisboa e IM..., datado de 29 de Dezembro de 2005 e assinado por RP... enquanto primeiro outorgante e por IAcomo segundo outorgante, fls. 356 a 358;

- contrato de prestação de serviços/Avença entre o Município de Lisboa, representado pela Srª Vereadora da Cultura, Drª RV e IM..., datado de 14 de Dezembro de 2007, assinado pela aquela Vereadora e IM..., fls. 420 a 422;

- Informação do Gabinete da Srª Vereadora da Cultura CVP, datada de 31 de Dezembro de 2012, em que refere que os “documentos de cessação dos contratos existentes entre a Câmara Municipal de Lisboa e as juristas Drª AS... e Drª IM..., bem como a comunicação às mesmas dessa cessação, de acordo com informação dos serviços os referidos documentos não constam do arquivo da Direcção Municipal da Cultura; Já quanto à entrega dos trabalhos relativos ao levantamento das Fundações nacionais que se dedicam à promoção e estudo de autores com obras de relevante interesse nacional e as formas de protecção da marca Casa Fernando Pessoa, desconhece-se se tal efectivamente aconteceu”, fls. 445 e 446;

- original da factura nº 2009000001 emitida a 7 de Janeiro de 2009 e que titula um pagamento de € 27.835,20 à A&L...-Sociedade de Advogados, RL, fls. 449;

- a mesma factura, mas agora como exemplar para validação e autorização, de fls. Azuis, onde no verso consta: “serviço conferido, encontra-se em condições de ser processado”, datado de 5 de Janeiro de 2009 e assinado por RP..., Director Municipal da Cultura, constando também a remessa à contabilidade para processamento, assinado igualmente pelo arguido RP... enquanto Director Municipal da Cultura, fls. 460 e 460v.

- estatutos das Fundação Casa Fernando Pessoa, fls. 477 a 498;

- ofício datado de 11 de Fevereiro de 2010 em que o Director Municipal de Cultura FV, solicita à Drª IP o envio de cópia do “Estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa, propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, dado o processo já iniciado de transformar a Casa Fernando Pessoa em fundação, elaborado pela empresa “A&L... – Sociedade de Advogados, RL, no âmbito  de contrato de prestação de serviços celebrado com o Município de Lisboa”, fls. 499;

- documentação da Biblioteca Nacional dirigida à Directora da Casa Fernando Pessoa, de Abril, Maio e Junho de 2009, fls. 519 a 524;

- lista de advogados especialistas em Direito da Propriedade Intelectual (dados reportados a Novembro de 2008), fornecida pela Ordem dos Advogados, onde não constam qualquer uma das arguidas, fls. 599-C;

- auto de apreensão e documentação apreendida a FH, Técnico Oficial de Contas da Sociedade de Advogados “A&L, RL”, onde consta cópia da factura nº 2009000001, no aludido valor de € 27.835,20, a transferência do Município de Lisboa, datada de 15 de Janeiro de 2009, no valor referido, recibo da importância de € 12.396,00, passado por AS... à sociedade A&L, fls. 604 a 615;

- extracto da conta de depósitos à ordem nº 5-3665298-000-001, titulada por A&L... – Sociedade de Advogados, RL, referente aos movimentos efectuados durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 2009 e 30 de Junho de 2009, fls.682 a 687;

- notificação, em 23 de Outubro de 2013, da acusação ao arguido RP..., fls. 774;

- notificação, em 24 de Outubro de 2013, da acusação à arguida IM..., fls. 778;

- notificação, em 24 de Outubro de 2013, da acusação à arguida AS..., fls. 779;

- notificação da Câmara Municipal de Lisboa para, querendo, deduzir pedido de indemnização civil (o que não fez), fls. 792;

- requerimento dirigido a Sua Excelência a Ministra da Justiça pelo arguido RP... no próprio dia em que foi notificado da acusação (23 de Outubro de 2013), solicitando a suspensão das suas funções enquanto Presidente do IGFEJ. Nesse mesmo dia a Srª Ministra da Justiça defere o requerido, fls. 800 e 806;

- declaração da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, datada de 28 de Outubro de 2013, onde consta que o arguido se apresentou ao serviço naquela faculdade no dia 24 de Outubro de 2013, na sequência do deferimento do seu requerimento de suspensão das funções de Presidente do IGFEJ, fls. 802 e 808;

- curriculum vitae de RP..., fls. 1209 a 1220 (fls. 1252 a 1263);

- certificados de registo criminal dos arguidos, respectivamente fls. 1326, 1327, 1328;

- depoimento escrito de Sua Excelência a Ministra da Justiça, fls. 1366 a 1368;

- relatórios sociais dos arguidos, respectivamente de fls. 1443 a 1448; 1452 a 1456 e 1460 a 1465;

- mail de MS... onde refere não ter encontrado a mensagem referida durante o seu depoimento, fls.1487.
Sobre as questões a apurar na decisão da matéria de facto constantes do recurso do Ministério Público.
Desde já referimos que merece-nos completa credibilidade o depoimento de FMV, o sucessor de RP... na DMC da CML. Não se vê nenhuma razão para o mesmo inventar o que quer que seja.
 De nada vale, para nós, aos arguidos colocarem a hipótese de sonegação do estudo pretensamente entregue, baseada numa qualquer teoria da conspiração e de animosidade entre FMV e RP... e entre este e a Vereadora RV. Todos os elementos elementos de prova circunstanciais vão no sentido de dar credibilidade ao depoimento de FMV, que desde logo estranhou o facto das arguidas IA e A… lhe terem ido entregar o segundo estudo a hora de almoço. Nem aqui releva o facto de terem já dado entrada do documento, como pretendem ter relevância. Que não tem. As arguidas trabalharam na CML durante os três anos anteriores a 2009, pelo que o conhecimento os meandros das regras burocráticas e até do espaço físico dos gabinetes da CML terá ajudado nessa tarefa.
Sobre a URGÊNCIA do estudo dos modelos de gestão do MUDE e da Casa Fernando Pessoa
Entre outros, foram dados como provados os seguintes factos:
57. O estudo das implicações da alteração dos modelos de gestão era (…) urgente, em particular no que respeita à Casa Fernando Pessoa.
119. O MUDE era um projecto da CML de carácter prioritário.
151. O estudo das implicações da alteração dos modelos de gestão dos dois equipamentos, em particular da Casa Fernando Pessoa, eram assuntos urgentes.
A este propósito, consta do Acórdão o seguinte:
“Por outro lado, como também ficou provado à saciedade, o estudo em causa era importante e urgente. O Drº AC tinha-o solicitado ao Director Municipal da Cultura e já o havia pedido a um jurista da Câmara, Drº PC, que por questões de saúde não o terá feito.
A urgência acentuou-se no último trimestre de 2008.
- Há o ofício da Biblioteca Nacional dirigido à Casa Fernando Pessoa que após solicita a intervenção da DMC, determinando o seu Director (ora arguido) que as juristas dessem parecer.
- O Presidente da Câmara de Lisboa insistia com Director Municipal para se elaborar um estudo que permitisse uma protecção legal do referido espólio.
- Daí a urgência e a necessidade.
- O arguido viu-se confrontado com apenas duas juristas no seu departamento, as ora arguidas, uma vez que MS havia saído a 1 de Novembro de 2008.
- Estas juristas não tinham capacidade de fazer o estudo enquanto avençadas já que o seu trabalho diário não o comportava e não podia parar tudo nem que fosse por uma semana. Estava-se em época de final de ano, com todo o acréscimo de trabalho daí decorrente, como nos disseram várias testemunhas.”
- Tal como a arguida IM... e mais testemunhas referiram, salientou que a gestão do trabalho regular na Câmara não permitia fazer um estudo como o que foi feito, designadamente, quanto ao espólio de Fernando Pessoa dentro dos parâmetros solicitados. “Funcionávamos como apoio à decisão dirigente, o que implicava que prestávamos apoio às decisões que eram tomadas diariamente no âmbito da gestão dos diversos (muitos) equipamentos que estavam na dependência da DMC”. Fls. 50 e 51 do Acórdão recorrido, fls. 1567 e 1561 dos autos.
- (…) para além de que a mesma em finais de 2008 ou princípios de 2009 esteve na Casa Fernando Pessoa indagando do espólio como trabalho de campo preparatório do estudo que fora adjudicado, conforme foi relatado pela testemunha IP (Directora da Casa Fernando Pessoa). Fls. 53 do Acórdão recorrido, fls. 1570 dos autos.
Vejamos.
“Desde logo, não existe prova que sustente a urgência na execução dos mencionados estudos, e que existiria uma “pressão política” no sentido de o estudo sobre os direitos de autor do espólio de Fernando Pessoa ser concluído o quanto antes.
O próprio Presidente da CML AC quando lhe foi perguntado se os estudos eram urgentes, respondeu que eram de relativa urgência.
Se os estudos fossem relativamente urgentes, como explicar que até Julho de 2009 aquando da entrega do trabalho respeitante ao MUDE, ninguém se tenha preocupado com a sua existência?
 E da mera leitura da informação que deu origem ao procedimento de ajuste directo (fls. 197 a 199 dos autos), subscrita pela arguida AS..., nem nessa informação nem na subsequente (fls. 194 a 196 dos autos), que sustenta a decisão de adjudicação, se faz qualquer menção, directa ou indirecta (por exemplo, invocando a norma do Código dos Contratos Públicos que a prevê) a uma suposta urgência na adjudicação em causa.
Ainda a existir uma urgência na adjudicação com fundamento na “insistência” do Presidente da Câmara tal circunstância não consta do elenco constante do art. 24º n.º 1 do Código dos Contratos Públicos. 
A urgência prevista na al.c) dessa norma tem de ser imperiosa, resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, que impossibilitem o cumprimento dos prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante.
A “insistência” de um autarca ou de um titular de cargo político não consta, como nunca constou nem poderá vir a constar, do Código dos Contratos Públicos como fundamento para invocar a urgência numa qualquer adjudicação, sob pena de se legitimar a prevalência do favoritismo e dos timings políticos sobre os princípios da legalidade, imparcialidade, igualdade e transparência.”
O rigor do arguido RP... que é reconhecido por muitos dos que com ele trabalharam, terá de ser questionado por que razão não foi tão rigoroso como costumava ser nesta situação sub judice. Para beneficiar a sua ex-cunhada de facto – “cunhada de facto” à data da celebração do contrato em causa - e tia da sua filha, como concluímos.
“As normas da Constituição da República Portuguesa, do Código dos Contratos Públicos ou do Código do Procedimento Administrativo aplicáveis ao procedimento e à contratação pública, limitando-se a dar como provado o teor dos arts. 3º n.º 1, 4º e 6º do Código do Procedimento Administrativo nos n.ºs 3 e 4 da matéria de facto provada.
Além disso, não poderá deixar de concluir-se pela inexistência de urgência na adjudicação do estudo relativo aos direitos de autor sobre o espólio de Fernando Pessoa e, por maioria de razão, quanto aos outros, visto que a data de entrega destes últimos ficou para Julho de 2009.
A alegada urgência não resiste ao confronto da conduta do arguido RP... com as seguintes declarações da testemunha AC, presidente da Câmara Municipal de Lisboa:
MP: 1:35: “Sabe alguma coisa sobre um contrato celebrado entre a CML, mais concretamente entre a DMC e a A&L...?”
1:48 a 1:57 AC: só sei porque veio nos jornais e depois quando fui ouvido na fase de inquérito.”
2:48: “sobre o contrato em específico não (…)”
15:23: “não, nunca conheci o estudo”
16:44 (em resposta à questão da Mma. Juiz Presidente sobre se sabia se o estudo existiu), “não, não sei”
“Tendo o estudo em causa sido solicitado pelo presidente da Câmara ao arguido RP... e destinando-se a referida adjudicação a dar cumprimento àquele pedido, qual a razão para o arguido RP... não ter informado AC ou a vereadora RV, que acompanhavam de perto esse assunto, da adjudicação logo que a mesma foi decidida (19 de Novembro de 2008) e do contrato logo que o mesmo foi celebrado (10 de Dezembro de 2008)?
Mesmo tendo alegadamente recebido o estudo a 7 de Janeiro de 2009, o arguido RP... nem sequer informou aqueles seus superiores hierárquicos desse facto ou, ao menos, das suas supostas conclusões, sendo que permaneceu na Direcção Municipal de Cultura até ao dia 10 de Janeiro de 2009 e por mais cerca de dois anos na Câmara Municipal de Lisboa, como director de recursos humanos.
Em suma, enquanto director municipal de cultura, o arguido RP... teve, durante quase dois meses, a oportunidade de, por assim dizer e se necessário era, “descansar” os seus superiores hierárquicos, a vereadora e o presidente da Câmara, quanto a matéria acompanhada de perto pelos próprios e alegadamente tão urgente, informando-os das diligências que tomou nesse sentido, mas optou por não fazê-lo.
Se fosse realmente matéria de resolução urgente, não é crível que o arguido RP... deixaria de informar de imediato ou pelo menos, antes de deixar o cargo de Director Municipal de Cultura, a vereadora com o pelouro da Cultura ou o presidente da Câmara do contrato em causa, deixando o assunto para o seu sucessor. “
Não faz sentido nenhum nem é crível que o arguido RP... tenha recebido o mencionado estudo, que seria urgente e havia sido pressionado pelo poder político, leia-se, o Presidente da Câmara, para o fazer, tendo-o alegadamente concluído sem que, continuando na Câmara Municipal, o tivesse entregue em mão ao seu sucessor e “avisado” os responsáveis políticos da sua efectivação. E por outro lado, sendo o primeiro estudo tão urgente como explicar que só tenha vindo a ser dado falta do mesmo depois da entrega do segundo trabalho encomendado?
 E ou se é rigoroso ou não. E até concedemos que o arguido o seja, pelo que assim muito menos sentido faz este seu comportamento.
Nem faz sentido que sendo um trabalho urgente porque também indispensável, o Arguido RP... não tenha procurado saber do mesmo, como o faria qualquer pessoa “séria e rigorosa” depois de ter sido contactado pelo jornalista JC (vd artigo jornalístico no Publico de 28 de maio de 2011 a fls 3 e 4). O arguido RP... continuou na Câmara Municipal e nada fez nesse sentido. Segundo o mesmo, deixou o estudo/trabalho em cima da sua secretária, que não foi visto nem pelo seu sucessor nem por ninguém. Nada crível. Alguém “rigoroso” deixa um trabalho importante em cima da secretária sem o dizer ao seu sucessor, sem dar entrada do mesmo nem se ter preocupado com a sua sorte? Não cremos, seguramente. No caso das arguidas, que entregaram o segundo trabalho pessoalmente, e após terem dado entrada do mesmo, não colhe que não o tivessem feito da primeira vez caso o mesmo tivesse sido entregue.
Realce-se ainda que afinal quando a arguida IM... celebrou o contrato para elaboração dos projectos em causa, apenas a mesma existia como prestadora do trabalho. A sua colega A… – segundo a própria IM... - apenas ter-se-á associado a si já depois da IAter informado que não poderia fazer o trabalho por se encontrar em Londres – perto do Natal – e a sua colega RL apenas soube do contrato/avença em Maio de 2011, pela noticia do jornal Publico. É claro que o arguido RP... procurou privilegiar e beneficiar a sua ex-cunhada de facto – á data “cunhada de facto” pois vivia a com a sua irmã JA... – celebrando o contrato em causa, já que por um lado não tinha poderes para contratar pessoa singular e por outro lado nem a colega de escritório sabia de alguma coisa, nem por outro existia a “segunda pessoa” que viria a elaborar os trabalhos.
Ou o trabalho era muito urgente porque muito pressionado pelo poder politico, e era o arguido muito rigoroso e eficiente no seu trabalho, e não se vê porque razão não teve o cuidado de referir ao seu sucessor FMV da sua conclusão e entrega. Tratava-se de “obra feita”, além do mais Simplesmente porque não foi mesmo entregue, concluímos nós.
“O primeiro estudo/parecer contratado não foi entregue. “Se o mesmo tivesse sido entregue no dia 7 de Janeiro de 2009, não era obrigação/interesse do arguido RP..., informar aqueles, de imediato, do recebimento do estudo? É que ainda naquele dia, 7 de Janeiro de 2009, teve o arguido RP... tempo e discernimento para autorizar o pagamento de cerca de quase €28.000,00 à sociedade de advogados de que a sua cunhada “de facto” e tia da sua filha era sócia.      
Como é bom de ver, tais significados não são compagináveis com a omissão de informação, por parte do arguido RP... à vereadora RV ou ao presidente da Câmara AC, do contrato celebrado com a sociedade de advogados de que era sócia a tia da sua filha e da, alegada, entrega do estudo sobre os direitos de autor do espólio de Fernando Pessoa, supostamente realizados para satisfação de uma suposta necessidade urgente.
É evidente que o arguido RP... quis e conseguiu ocultar o contrato em causa não só ao presidente da Câmara AC como à vereadora RV, porque bem sabia da opção da Câmara em não recorrer à contratação externa de serviços jurídicos (conforme documento de fls. 186), razão aliás pela qual foram cessadas as avenças existentes com as arguidas AS... e IM....
Nem a possibilidade que foi conferida às arguidas de se vincularem, por contrato de trabalho, à CML, pode ser visto de modo favorável às arguidas, pois como juristas internas e não avençadas estariam impedidas de continuar a advogar e usufRP...r de honorários de outros clientes. Aliás, tal opção das duas arguidas, diversa da “esmagadora maioria” das suas colegas que se encontravam a prestar serviços à CML (segundo a testemunha AC, a 37:15 do seu depoimento), somente reforça, a nosso ver, a prova de que lhes era mais conveniente continuarem a receber da autarquia doutro modo, como se confirmou e acabaram por conseguir. 
Ou bem que passavam a juristas internas da CML (com tudo o que isso implicava) ou bem que deixavam de prestar serviços à CML (como o contrato em causa lhes continuou a permitir e em condições mais favoráveis, dado o menor volume de trabalho).
De igual modo, a alegada urgência também é incompatível com a decisão do arguido RP... em não conferir prioridade à elaboração do estudo em causa, em detrimento de outros assuntos, determinando às arguidas AS... e IM... que elaborassem aquele até ao final do ano enquanto as suas avenças vigoravam.
Desse modo, como era sua obrigação e se fosse realmente um gestor zeloso e rigoroso, como diversas testemunhas declararam, o arguido RP... pouparia logo ao erário público pelo menos quase € 28.000,00. “
Quando confrontado e esclarecido pelo Tribunal recorrido sobre o facto do estudo ter sido, alegadamente, elaborado por duas ex-juristas avençadas da CML, a testemunha AC não deixou de ter uma reacção curiosa, de perplexidade até, como qualquer observador médio (de 18:02 a 18:58 do seu depoimento):
Mma. Juiz Presidente (JP): “Se o director municipal entendeu especializadas essas pessoas que estavam na própria Câmara a trabalhar porque não fazer elas enquanto juristas da Câmara e não por ajuste directo?
Testemunha AC (AC): “Provavelmente porque considerou que nenhuma delas era a pessoa adequada ou habilitada para fazer esse estudo e que preferiu contratar (?) fora, mas aí…
JP: “mas foram elas”
AC: “ah, foram as próprias! Isso aí terá que perguntar ao director municipal e aí não sei”
JP: “já perguntei, estou a perguntar ao sr. dr. agora”
AC: “está bem… se me pergunta se a mesma pessoa enquanto avençada do Município não pode realizar o trabalho que está contratado e tem de o realizar fora, não vejo razão, a não ser que o contrato expressamente tenha outra natureza mas, fora isso, de facto não vejo razão; se é esse juízo de valor…
JP: “Não tem explicação”
AC: “Não tenho”
O zelo e a isenção aferem-se por factos concretos.
O arguido até pode ser e ter sido rigoroso noutras situações, mas o que estamos a julgar é esta sub judice.
O arguido é tido como “pessoa exigente, rigorosa e de carácter”, como declarou a Sra. Dr.ª MAA, sua testemunha abonatória. Mas tal asserção tem de ser vista para todos os efeitos, a saber, ter tido cuidado, rigor, em determinados contratos celebrados em nome do Estado, mas … então neste caso porque não usou do tal rigor?!
Por noutro lado, na apreciação global da actuação do arguido há que ter em consideração relativamente à adjudicação em causa (no montante de cerca de € 47.000,00 sem IVA) ter sido feita quase pelo valor máximo da subdelegação de competências da vereadora RV na sua pessoa (€ 49.879,00).
(De nada vale por isso a argumentação das arguidas – citando os art.ºs 20.º e 27.º do C.P.A. - de que os contratos para prestação de serviços jurídicos por ajuste directo poderiam ser no valor de 75.000 euros ou até sem limite de valor…pois não é isso que está aqui em causa)
Em menos de dois meses desde a assinatura do contrato a arguida IM... contactou a AS... e a IApara colaborarem com ela, sendo certo que a RL nada sabia do mesmo- como resulta do seu depoimento em audiência - , ou seja quando assinou o contrato a arguida IM... ainda não sabia quem iria participar. Sendo necessária uma pessoa colectiva, o trabalho adjudicado serviu para o arguido RP... beneficiar a sua “ex-cunhada de facto” IM... e, consequentemente ainda, a arguida AP. E sendo contratada a “sociedade de Advogados A&L...”, como explicar que a sua ex-sócia RL apenas tivesse tido conhecimento da sua existência pelos jornais, como a mesma afirmou em audiência de julgamento? A resposta é clara e inequívoca: a sociedade foi usada como “capa” para a efectivação do contrato e desde logo a arguida A…e sabia que iria fazer parte da elaboração dos estudos contratados.
O facto da arguida IM... bem como mais testemunhas terem referido que a “gestão do trabalho regular na Câmara não permitia fazer um estudo como o que foi feito, designadamente, quanto ao espólio de Fernando Pessoa dentro dos parâmetros solicitados. Pois funcionavam como apoio à decisão dirigente, o que implicava que prestávamos apoio às decisões que eram tomadas diariamente no âmbito da gestão dos diversos (muitos) equipamentos que estavam na dependência da DMC” (Fls. 50 e 51 do Acórdão, fls. 1567 e 1568 dos autos) merecem-nos as seguintes reflexões (subscrevemos ainda a argumentação do M.P.):
- Independentemente do trabalho urgente se ter que sobrepor ao trabalho diário, o certo é que se era tão difícil de ser feito até Dezembro de 2008, não se percebe porque o trabalho foi entregue a 7 de janeiro de 2009… afinal era possível fazer o trabalho até ao fim de Dezembro. Não se está ver qualquer necessidade de entregar o trabalho a 7 de janeiro se o prazo terminava a 15 de janeiro, sendo o dia 31 de Dezembro e 1 de Janeiro dias em que praticamente não se trabalha e se aproximava o fim-de-semana.
- Também não faz sentido que, na versão da arguida IM..., esta terá convidado a Dra IA para efectuar o trabalho para a DMC/CML – já que só por volta do Natal voltou de Londres (vide declarações da própria em audiência) – e depois perante a indisponibilidade desta última ainda teve tempo para convidar a Dr.ª A… para um trabalho, note-se, que era muito difícil de fazer até ao fim do ano – e por isso se fez este contrato de adjudicação directa - , mas que se conseguiu entregar a 7 de Janeiro de 2009…
- Se realmente o trabalho diário na Direcção Municipal de Cultura da Câmara Municipal de Lisboa era assim tanto e tão premente, o testemunho de IP quanto às reuniões que esta terá tido com a arguida IM... na Casa Fernando Pessoa “em finais de 2008” não pode sustentar de per si a realização do primeiro dos pareceres contratados, sendo certo que recolher elementos para um alegado parecer não implica necessariamente a sua elaboração e esta não implica necessariamente a sua entrega…
- Se a arguida IM... estava, no final de 2008, na Casa Fernando Pessoa a recolher elementos para a elaboração do estudo em causa, então significa que o trabalho da CML não era impeditivo dessa tarefa, pelo que o arguido RP... poderia ter determinado às arguidas que o fizessem até ao final das suas avenças com a CML.
Aliàs e se desse por assente que a directora da Casa Fernando Pessoa se reuniu com a arguida IM... na respectiva sede, também em “princípios de 2009” (fls. 51 do Acórdão, fls. 1568 dos autos), e o estudo/parecer foi entregue em 7 de Janeiro de 2009, seria possível concluir que as arguidas, dada a alegada impossibilidade de poderem dedicar-se ao mesmo antes do final de 2008, teriam conseguido em meros seis dias (entre 1, feriado de ano novo, e 6 de Janeiro) não só recolher os necessários elementos na Casa Fernando Pessoa como concluir e entregar o estudo/parecer contratado.
- Sendo tão urgente como os arguidos pretenderam fazer crer e, por outro, exequível em seis dias (um dos quais feriado de ano novo), mais e inverosímil se afigura que, pelo menos desde o dia 14 de Novembro de 2008 (data da informação que dá origem ao ajuste directo, sendo que a necessidade do mesmo já era falada há mais tempo) e até ao final desse ano, as arguidas IM... e AS... não conseguissem, nesse período, encontrar disponibilidade para fazer o mesmo estudo/parecer enquanto advogadas avençadas da CML.
A urgência passível de justificar o recurso, já de si excepcional (Código dos Contratos Públicos refere “na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante”), a um ajuste directo, com preterição de consulta a outros prestadores e consequente impossibilidade de obter uma proposta melhor e de mais baixo custo (automaticamente decorrente da mera existência de mais de um concorrente), tem de ser real e inequívoca, o que não ocorreu no caso vertente, representando a sua alegação pelos arguidos em conferir uma aparência de legalidade a um procedimento em que unicamente os três intervieram, à margem da Lei.
Donde, não podia o Tribunal recorrido considerar provada a urgência de contratação de qualquer dos estudos, pelo que o art. 57 dos factos provados será reformulado do seguinte modo:
57. O estudo das implicações da alteração dos modelos de gestão era necessário, em particular no que respeita à Casa Fernando Pessoa.
Já os arts. 119 e 151 dos factos provados deixarão de o ser e serão levados à matéria de facto não provada.
Sobre a invocada/alegada ENTREGA DO ESTUDO : o estudo não foi entregue.
O Tribunal Colectivo deu também como provados, erradamente e entre outros, os seguintes factos:

61. O “Estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa” foi efectuado e entregue ao arguido enquanto Director Municipal da Cultura.

62. Tal entrega foi efectuada em 7 de Janeiro de 2009, em mão e no seu gabinete.

63. Como era usual acontecer com os pareceres e estudos solicitados.

64. Nessa mesma data, o estudo foi conferido pelo arguido.
A não entrega do primeiro dos estudos contratados agrava a ilicitude do crime de participação económica em negócio mas sómente é essencial para fundamentar a condenação pelo crime de falsificação de documento. Mesmo com a entrega do estudo, os arguidos sempre teriam de ser condenados pela prática do crime de participação económica em negócio.
E face à prova produzida, será dado como provado que esse estudo/parecer não foi entregue pelas arguidas IM... e AS... ao arguido RP... ou na Câmara Municipal de Lisboa.
O facto de, pelo depoimento de várias testemunhas, “designadamente do Drº AC, das secretárias do arguido, de ML, dos próprios arguidos, que o processo de entrada dos papéis, fossem eles “Estudos/Pareceres” ou mero expediente, era, à data dos factos, muitas vezes entregue em mão aos Directores Municipais e que nem sempre os documentos que eram entregues em mão eram registados e muitas vezes não foram encontrados documentos na Câmara pese embora eles tenham existido, nada demonstra no caso vertente, a não ser que sabendo disso e não tendo o mencionado estudo sido entregue, sempre poderiam, dizer que foi mais um que se perdeu. (Aliás o Senhor Presidente da Câmara disse mesmo que já tem sido contactado pelo DIAP para encontrar documentos que por vezes se não encontram e que “em sete anos de presidência não é a primeira vez” que ouve dizer “que um documento desapareceu”). (fls. 49 do Acórdão recorrido, fls. 1566 dos autos)
Tal como IM..., a arguida AS... também refere que fizeram o trabalho no computador do escritório da sociedade. “Estávamos juntas íamos equacionando as perguntas e escrevíamos no computador. O trabalho tinha 30 a 40 folhas e foi entregue por nós ao Prof RP....”
Não ficou com cópia do trabalho. “Não fiquei com cópia de nenhum dos trabalhos entregues; o contrato era com a sociedade e nunca me preocupei com esse tipo de questões”, disse-nos. (Fls. 50 do acórdão recorrido, fls. 1567 dos autos)
Lembrou-se ainda esta arguida de ter mudado “de armas e bagagens” para o escritório da Drª IA atenta a urgência que havia em fazer o estudo”( citado a Fls. 50 do Acórdão recorrido).
O segundo trabalho foi apresentado de forma idêntica ao primeiro também com a factura com o valor estipulado no contrato e também deste segundo trabalho nenhuma das arguidas guardou cópia, nem em papel, nem em qualquer outro suporte.
Todas as testemunhas que conhecem as arguidas caracterizaram-nas como excelentes profissionais, e como desorganizada a Drª IM..., ainda que muito competente na área dos direitos de autor.
Em audiência de julgamento esta arguida disse-nos qual o conteúdo do trabalho e as conclusões a que chegou relativamente ao que tinha sido solicitado. Referiu que tinha cerca de quarenta folhas e que o fez no computador da sociedade, não tendo guardado cópia do mesmo.
(…) Também nos disse [a testemunha RL] que chegou a ver no escritório a arguida AS.... (Fls. 51 do acórdão, fls. 1568 dos autos).
Ora, não tem qualquer relevância a opinião de IP que não duvidou que o trabalho em causa tivesse sido feito. Mas já não estamos de acordo que a Câmara não tenha manifestado dúvidas nisso. O facto de a Câmara nunca ter pedido aos arguidos a devolução do dinheiro pago pelo tal estudo e não o pediu porque em teoria não podia afirmar que o mesmo não teria sido apresentado. O facto de, notificada para deduzir pedido de indemnização civil também o não o ter feito, nada se pode concluir – (vd. Fls. 51 e 52 do Acórdão recorrido, fls. 1568 e 1569 dos autos).
Há também que referir que o facto do estudo não aparecer não é suficiente para impedir dar como provado que ele foi realizado e entregue, isto na perspectiva dos arguidos que sabiam e contavam que fosse “mais um” documento que não se encontrava na Camara Municipal. Pelo contrário.
Nem o facto da testemunha IP (Directora da Casa Fernando Pessoa) referido que a mesma (IM...) em finais de 2008 ou princípios de 2009 esteve na Casa Fernando Pessoa indagando do espólio como trabalho de campo preparatório do estudo que fora adjudicado (Fls. 53 do Acórdão).
É muito importante o depoimento de FMV, aquando da entrega pelas arguidas em mão ao Director Municipal de então, o segundo estudo adjudicado na empreitada em causa, que considerou “estranho” – vale o que vale – o comportamento das arguidas e as circunstâncias da entrega do segundo trabalho, garantindo que nada ficou em cima de sua secretária além do Orçamento/Plano Municipal nem o arguido RP... lhe entregou pessoalmente o mesmo ou lhe fez qualquer referência a quando da passagem da pasta.
A testemunha Presidente da Câmara, como outras testemunhas quadros camarários, deram notícia que já se perderam vários documentos nos serviços da Câmara, para além de que a entrega em mão de documentos era, à data dos factos, usual como forma de apresentação de trabalhos, a par das entradas registadas de outro trabalhos ou estudos.” (fls. 53 e 54 do acórdão recorrido).
Também diz alguma coisa do rigor com que se trabalhava na DMC da CML quando uma secretaria do arguido refere que muitos documentos eram só registados e dada a sua entrada muitas vezes duas semanas depois da sua entrega. O que não duvidamos. Mas por isso também os arguidos sabiam que face a essa “prática” seria sempre possível mais tarde dizer-se que o estudo teria desaparecido, como já assinalámos…
O facto de a apresentação do estudo ter coincidido com “o contexto da cessação de funções do arguido RP... como Director Municipal, poucos dias após essa entrega, sendo essa saída fruto de divergências políticas com a Vereadora RV e também com o próprio sucessor do arguido, com falta de diálogo entre ambos. A reunião de passagem de pasta foi difícil de marcar e uma agendada foi breve. Em cima da secretária do arguido ficaram variadíssimos documentos, como as suas próprias secretárias o afirmaram.
No conjunto destas circunstâncias, a entrega do estudo ocorre com a mudança de titular nas instalações em ambiente divergente, circunstâncias que são desfavoráveis “à boa sorte” dos papéis. - fls. 54 do acórdão recorrido.
Apenas cerca de dois anos e meio após a entrega do trabalho o arguido RP... soube que o mesmo não era encontrado. Nunca foi confrontado com tal facto pese embora tivesse ficado a trabalhar na CML e encontrar-se com frequência o seu sucessor.
As arguidas também não foram atempadamente questionadas sobre onde estaria o estudo. Quem sabe se IM... teria tido tempo de o retirar do computador antes deste ir para as mãos da sua colega de escritório RL…” fls. 54 do acórdão recorrido, fls.1571 dos autos.
  Decorre da motivação supra citada que o Tribunal recorrido ficou convencido da entrega do primeiro dos estudos/pareceres adjudicados porquanto, em suma:
Diversas testemunhas não viram a arguida AS... no seu escritório no princípio de 2009 mas sim no da arguida IM...;
Mas não era assim tão habitual na CML receber-se estudos em mão sem registar a sua entrada:
No que tange a este ponto, o depoimento da testemunha AC arreda, a nosso ver de forma clara, a pretensa normalidade da entrega de documentos sem registo. Vejamos:
24:13 a 24:27
AC (AC): “Em regra, o que é normal é que esses trabalhos sejam entregues ao vereador e o vereador reporta se entender que há interesse nisso, mas em princípio é o próprio vereador”
38:57 a 39:21
AC: “Acho que é tudo registado, presumo que seja, quer dizer, os papéis que me chegam à secretária vêm com carimbo de entrada, com uma numeração, há lá um código, de arquivo e de entrada, data de entrada, local de entrada, há um sistema de entrada dos documentos”
43:47 a 43:55
AC: “Às vezes entregam-me directamente e eu entrego precisamente à minha chefe de gabinete e às minhas secretárias para registarem e darem entrada”
44:48 a 45:12
AC: “Nem todos os documentos chegam por via postal, quer dizer, muitas vezes já tive reunião em que as pessoas me entregam os documentos e o que eu faço a seguir é depois entregar às minhas secretárias ou à minha chefe de gabinete para proceder ao registo e ficar devidamente arquivado na Câmara. Se havia um sistema de registo e de arquivo, isso há. Por vezes não vem por correio, isso é verdade”
47:22
AC (em resposta à pergunta da Mma. Juiz Presidente sobre o desaparecimento de documentos): “Não é habitual nem normal que assim aconteça”.
5. A arguida IM... era desorganizada;
6. A CML era desorganizada e lá se perdiam muitos papéis.
Ninguém duvida que se perdem documentos todos os dias e em todo o lado. Porém, coisa diversa é ninguém, com excepção dos arguidos (como não podia deixar de ser), ter dito em audiência de julgamento que viu o estudo em causa. Ora, só se pode dar ou considerar perdido pelo destinatário (in casu CML) aquilo que lhe foi entregue, o que não ocorreu com o primeiro dos estudos adjudicados.
7. O segundo estudo foi apresentado da mesma forma que o primeiro, em mão, e em clima de crispação, desfavorável à boa sorte dos papéis.
Conforme resulta do depoimento da testemunha FMV, não foi bem assim. Vejamos.
8:37 a 8:48
FMV: (relatando o que disse inicialmente às arguidas em Julho de 2009) “Não há uma carta de entrega, está aqui uma carta, que já tinha entrada dada”
MP: “Já agora, só aí, a propósito de entrada dada, todos os documentos que dão lá entrada (…) enquanto lá esteve, eram carimbados?”
FMV: “Sim.”
Ao invés do que sucedeu em Janeiro de 2009, quando FMV recebeu das mãos das arguidas, em Julho de 2009, o relativo sobre o MUDE, este vinha acompanhado de uma carta de entrada devidamente registada. Esta diferença não é de somenos e reforça os indícios da não entrega do primeiro dos estudos contratados.
Como provas indirectas das quais é possível inferir a não entrega do primeiro dos pareceres/estudos adjudicados, consideramos ( e note-se que todas as circunstancias dos factos e a sua sequencia são de molde a ter como certa essa conclusão):
1. Com excepção, naturalmente, dos arguidos, ninguém afirma ter visto aquele parecer/estudo.
2. As arguidas AS... e IM..., préviamente à entrega em mão do segundo estudo ao então Director Municipal de Cultura FMV, deram entrada da carta que acompanhava esse estudo, a qual foi objecto de registo, o que não fizeram com o primeiro dos estudos contratados (conforme depoimento daquela testemunha supra transcrito).
3. A arguida IM... era desorganizada.
“A nosso ver, a conveniente característica da arguida IM..., associada à, por si, alegada incapacidade de se recordar de datas, é tão indiciadora de que esta arguida não guarda estudos/pareceres elaborados, ou os comprovativos da sua suposta entrega, como de que a mesma não consegue cumprir com as suas obrigações contratuais e prazos de entrega de estudos/pareceres alegadamente elaborados, muito provavelmente a verdadeira razão para o não ter feito.”
Mas ainda que o tivesse feito não alterava a ilicitude criminal do comportamento dos arguidos.
4. Ninguém deu o exemplo de qualquer estudo, documento ou papel cuja entrada tenha sido registada e não tenha sido visto. O Tribunal Colectivo alude às declarações da testemunha AC, na parte em que referiu não se encontrarem por vezes documentos solicitados pelo DIAP, para chegar à conclusão de que o desaparecimento de documentos não implica, necessariamente, a sua não entrega.
5. Nenhum outro documento ou papel deixado pelo arguido RP... no seu gabinete ao seu sucessor FMV desapareceu ou deixou de ser visto. Se realmente o ambiente não era propício à boa-sorte dos papéis, como aceitar que apenas o estudo em causa, decerto o mais valioso documento que alegadamente estaria no gabinete do Director Municipal de Cultura, tenha desaparecido? É que não existe notícia de não se encontrar qualquer outro documento que ali estivesse.
6. Nenhuma das arguidas tirou ou ficou com uma cópia, guardou um ficheiro digital, uma cópia em papel ou um comprovativo da alegada entrega do estudo/parecer em causa.
A este respeito, é de notar que os factos ocorreram no final de 2008, quando era já corrente o uso de e-mail e suportes digitais (vulgo pen e/ou disquete – vide a propósito o depoimento em audiência de julgamento da ex-colega e ex-sócia de escritório da arguida IM..., RL) para guardar e enviar versões provisórias e definitivas de documentos.
Não é credível, à luz das regras da experiência comum e de normalidade, que nenhuma das arguidas tenha solicitado e conservado uma cópia e/ou o comprovativo da entrega de um estudo/parecer pelo qual receberam o montante total de € 27.835,20, tanto mais que são ambas advogadas, na prática forense a lei adjectiva impõe a entrega de duplicados e a pratica da vida de um jurista – até pelas cautelas de que se rodeia no seu trabalho- é de levar e carimbar cópias do que se entrega. Qualquer profissional sério acautela-se adoptando esse procedimento. Nem se diga que se trata de um comportamento “típico inventado”: do depoimento da testemunha a ex-sócia da arguida IM..., a advogada RL resulta que sempre ficavam com um suporte digital e cópia em papel. Não pode tomar-se por boa a justificação das arguidas, advogadas, sendo certo que até o mencionado trabalho teria, seguramente, de constar do respectivo currículo.
A arguida AS... referiu que “o trabalho tinha 30 a 40 folhas” e a arguida IM... referiu que o trabalho “tinha cerca de trinta, quarenta ou cinquenta folhas” (conforme declarou na sessão de julgamento do dia 4 de Junho de 2014, a 12:27).
A arguida IM... não tem a certeza se a arguida AS... assinou o estudo/parecer alegadamente entregue ao arguido RP... (conforme declarou na sessão de julgamento do dia 4 de Junho de 2014, a 10:51) e a arguida IM... disse que entregou o estudo ao arguido RP... sozinha (conforme declarou na sessão de julgamento do dia 4 de Junho de 2014, a 11:45).
O arguido RP... declarou que recebeu esse estudo das mãos das duas arguidas.
Dir-se-á: são demasiadas e relevantes incongruências e infelizes coincidências e entre os próprios arguidos. No entanto, entendemos tal como o recorrente M.P. que para além de qualquer dúvida razoável, de toda a prova coligida nos autos e das regras de experiência comum, apreciadas conjugadamente se pode concluir: o estudo não foi entregue.  
Do ofício de fls. 83 a 96, transcrito parcialmente, o então director municipal de cultura FMV sómente decidiu não exigir a devolução do montante suportado pela CML por aquele trabalho dado o “Visto” aposto pelo seu antecessor, arguido RP..., na factura apresentada pela arguida IM... em Janeiro de 2009. Essa decisão não assentou na constatação da entrega do trabalho donde não tem esse ofício a virtualidade de suportar a conclusão da entrega do estudo.      
O arguido RP..., apesar da matéria relativa à qual o estudo/parecer se reportava estar a ser acompanhada pela vereadora RV e pelo presidente da Câmara e de o mesmo ser, alegadamente, urgente, não informou nenhum desses seus superiores hierárquicos do contrato que celebrou com a sociedade de advogados de que a sua cunhada “de facto” era sócia nem da suposta entrega daquele estudo/parecer, como se impunha, se tal tivesse ocorrido;
- Apesar de terem sido as alegadas qualidades e competências na área dos direitos de autor da arguida IM... a servirem de justificação principal para a adjudicação em causa e da sua sócia RL não trabalhar nessa área, o contrato foi celebrado com a sociedade de advogados A&L..., facto que indicia a tentativa de ocultar, o que foi conseguido até 2011, a adjudicação do arguido RP... a uma sua “cunhada de facto” através da interposição de uma pessoa colectiva;
- De notar que a subdelegação de competências da vereadora RV não abrangia a aquisição de serviços a pessoas individuais, sendo de concluir que a adjudicação à referida sociedade permitiu contornar a impossibilidade do arguido RP... adjudicar a elaboração dos estudos/pareceres em causa directamente às duas arguidas;
- Entre a alegada data de entrega do estudo/parecer em causa (7 de Janeiro de 2009) e a reunião do arguido RP... com o seu sucessor FMV (7 ou 8 de Janeiro de 2009, conforme depoimento desta testemunha, 3:21 a 3:35) decorreu um ou, no limite, dois dias, sendo que nesse período nenhuma testemunha declarou ter visto aquele “estudo/parecer”.
- Na reunião que teve com o seu sucessor FMV no dia 7 ou 8 de Janeiro, o arguido RP... não fez qualquer menção, por mínima que fosse, ao primeiro dos estudos contratados ou que este estivesse no respectivo gabinete, apesar de, alegadamente, ter sido entregue um ou dois dias antes e a CML ter de liquidar a módica quantia de € 27.835,20 pelo mesmo;
Face às regras de experiência da vida, não é crível que arguido RP... tendo, no gabinete onde se reuniu com o seu sucessor, um estudo avaliado em cerca de € 28.000,00, omitisse esse facto ao seu sucessor.
As mesmas regras dizem que seria normal também disso informar os seus superiores hierárquicos, a vereadora RV (independentemente ou até sobretudo por estar em conflito com a mesma, segundo referiu) e o presidente da Câmara AC (até por causa do alegado conflito com a vereadora). Alias, esta animosidade entre ambos bem como com Francisco M. Veiga mostra-se agora muito conveniente para tentar lançar suspeitas a terceiros, o que não abona a favor dos arguidos.
Assim, temos que:
- RP... decidiu efectuar o contrato por adjudicação directa á sua ex-“cunhada de facto” – agora, porque à altura estava a viver com a irmã da IM... de quem tem uma filha -  violando as regras básicas de isenção de um dirigente de organismo público;
- o ajuste directo não estava baseado numa especial urgência;
- contratando a sociedade de advogados de que a IM... fazia parte, sendo que a outra sócia não sabia do contrato,
- tinha a data limite de 14/15 de janeiro para entregar o estudo tendo-o alegadamente entregue logo a 7;
- não ficaram com nenhuma copia sendo advogadas, nem em disquete nem em pen, sendo que segundo a sua colega de trabalho afirmou que ficavam sempre com uma cópia dos trabalhos em papel para além de copia em pen ou disquete;
- até 22 de Dezembro RL raramente via a sua sócia no escritório de ambas, que apenas ali aparecia às sextas-feiras de manhã e de forma irregular;
- que a arguida IA tinha um computador portátil ( não diz a RL que a sua ex-sócia era dona de um mas tão só que utilizava um) pelo que não se entende por que razão faria o trabalho/estudo no computador de escritório da Sociedade;
- contrariamente ao que disse a arguida IM... (e que a decisão recorrida entendeu como boa, errando no seu juízo, na nossa análise), a sua ex-sócia RL afirmou em audiência que o computador da sociedade em maio de 2009 foi levado pela arguida IA e só lhe foi restituído um ano depois com o “disco rígido estragado”;
Todos indícios/elementos/argumentos apontados levam á conclusão que as arguidas não entregaram o primeiro estudo. No entanto, e ainda que o tivessem feito, estariam a violar as regras de funcionamento dos contratos públicos considerando os princípios da igualdade, transparência e imparcialidade.
Por conseguinte, os factos provados n.ºs 61 a 64 serão dados por não provados.
A colega de escritório e sócia da A&L – RL - disse em julgamento num depoimento muito esclarecedor que a arguida IA nunca lhe disse que tinha um trabalho para fazer para a CML/DMC, que até 22 de Dezembro de 2008 ía todos os dias ao escritório de ambas, sendo que a IA apenas ía as sexta feiras de manhã,”quando ía”. Havia um único computador de secretária no Escritório onde ambas trabalhavam e onde nunca viu no computador, tanto quanto pode afirmar com a certeza possível, nenhuma pasta com a indicação Camara Municipal de Lisboa, Direção Municipal de Cultura ou Casa Fernando Pessoa. Aliás nem a sua colega de escritório e aqui arguida lhe falou no assunto. Desconhecia por completo o contrato para a elaboração dos direitos de autor da casa Fernando Pessoa. Por outro lado, a arguida I… dispunha de um computador portátil pessoal em 2008. Ainda acrescentou que sempre que faziam um trabalho para os clientes gravavam em disquete ou pen e também ficavam com um suporte em papel. Esclareceu ainda que em 2009 e até maio desse ano o computador do escritório estava em boas condições de funcionamento, sendo que o mesmo foi levado nessa altura pela arguida IA para um novo escritório que abriu com a arguida AS... e só lhe foi devolvido, estragado, um ano depois.
A arguida IM... fez questão de reafirmar que não lhe perguntassem datas, porque era avessa a datas, e certamente por isso a sua memória não conseguiu fazê-la lembrar que raramente ía ao escritório em 2008 e que tinha um computador pessoal onde seria mais lógico senão imperioso guardar o tal documento do Estudo sobre a Casa Fernando Pessoa bem como trabalhar nele pois estaria mais perto da sua colega e arguida AS....
Não existe qualquer elemento do qual se possa extrair que foi entregue o tal trabalho. Apenas as declarações dos arguidos.
Ou o trabalho era muito urgente porque muito pressionado pelo poder politico, e era o arguido muito rigoroso e eficiente no seu trabalho, e não se vê porque razão não teve o cuidado de referir ao seu sucessor FMV da sua conclusão e entrega. Tratava-se de “obra feita”, além do mais . Simplesmente porque não foi mesmo entregue, concluímos nós.
A data do visto na factura.
O Tribunal Colectivo deu, erradamente, como provado também o seguinte facto:
65. A data de 5 de Janeiro de 2007 aposta no verso do original azul deve-se a mero lapso de escrita.
A este propósito, o Tribunal Colectivo sustenta, a fls. 57 do Acórdão, que “a data de 5 de Janeiro de 2009 se trata de mero lapso pois razão alguma havia para ser colocado o dia 5 em vez do dia 7, “ou qualquer outro até ao dia 10” como diz a própria Câmara, no parecer nº 0160 (Parecer da Ouvidoria), designadamente a fls. 113.”
Ora, a aposição dessa data, e não de 7 de Janeiro ou posterior, não se trata de mero lapso do arguido RP.... Em lapso, compreensível, incorreu o Tribunal Colectivo ao fazer constar, no Acórdão, o ano de 2007 e não o de 2009 no facto provado n.º 65 - que se se corrige nos termos do art.º 380.º do C.P.Penal.
Entendemos que o arguido RP... apôs a data que pretendia já que, no dia em que a factura terá sido apresentada ao arguido RP... pela arguida IM... (a 7 de Janeiro de 2009), a Assembleia Municipal deliberou nomear aquele arguido director de recursos humanos e a testemunha FMV director de cultura.
Não obstante tal deliberação só produzir efeitos a 11 desse mês, a partir daquele dia 7 (inclusive) ficou o arguido RP... praticamente destituído de legitimidade (sendo que já estava bastante restringida por via da gestão corrente desde 25 de Novembro de 2008, cfr. doc. fls. 172) para assinar o que quer que fosse como director municipal de cultura, sobretudo pagamento de despesa. Exemplo disso é que se reuniu com o seu sucessor nesse mesmo dia ou no seguinte para “passar a pasta”. De notar que 10 e 11 eram dias de fim-de-semana, pelo que 5 e 6 eram os dias do “tudo ou nada”. E a factura teria de seguir para a D.M. Finanças para processamento.
Não se olvide que o arguido RP... ainda no dia 9 de Janeiro de 2009, (…) apôs o seu carimbo e assinatura noutro documento contabilístico necessário ao pagamento do montante de € 27.835,20 à A&L... Sociedade de Advogados RL, o qual foi efectuado no âmbito do processo de despesa/receita nº 709000030. (facto provado sob o n.º 47).
Mas ainda que se tratasse de um lapso do arguido RP... não retira a avaliação global dos factos, pois não é elemento essencial e tão só circunstancial da ilicitude criminal dos factos.
Como decorre das regras de experiência comum, não foi mera coincidência o facto da arguida IM... ter entregue a factura enquanto o arguido RP... ainda estava na DMC e não depois disso, sendo que podia fazê-lo, juntamente com o estudo/parecer, até ao dia 15 de Janeiro. Caso tivesse sido entregue com cerca de 8 dias de antecedência, seria um dos raros casos em que um prestador de serviços entregaria o seu trabalho, mais a mais um com “30, 40 ou 50 páginas” (nas palavras da arguida IM...), tantos dias antes do seu terminus
Além do mais há a reter que:
1. O procedimento apenas se iniciou após os arguidos terem conhecimento de que as avenças das arguidas iriam cessar no final de 2008;
2. Apenas a sociedade de advogados de que a cunhada do decisor e colega da subscritora da informação era sócia foi convidada a apresentar proposta;
3. De início ao fim, mais ninguém interveio nesse procedimento, a não ser os três arguidos;
4. O convite, resposta, escolha e adjudicação demorou apenas cinco dias, dois dos quais de fim-de-semana;
5. O arguido não determinou às arguidas que fizessem o primeiro dos estudos/pareceres adjudicados até ao final de 2008, sendo que a informação que dá origem ao procedimento é de 14 de Novembro de 2008 (fls. 194 dos autos);
6. O valor da adjudicação é muito próximo do máximo para o qual o arguido estava autorizado a adquirir serviços;
7. O valor da proposta apresentada pela arguida IM..., através da sua sociedade de advogados, não foi negociado pelo arguido RP..., como se impõe a qualquer gestor zeloso;
8. Não existe evidência documental, nomeadamente das informações subscritas pela arguida AS..., ou testemunhal, de que que foi consultada qualquer outro prestador de serviços quanto ao preço do estudo/parecer relativo aos direitos de autor do espólio de Fernando Pessoa;
9. Também não existe evidência documental, como deveria se fosse séria, das alegadas consulta e proposta de CB para elaboração de um estudo relativo ao MUDE por um valor entre € 75.000,00 a € 125.000,00;
Aliàs, como disse a Dra BC, Directora do MUDE na sessão de julgamento de 11 de Junho, desconhecia quaisquer preços de trabalhos que pudessem ser efectuados pela Dra CP, que invocou falta de tempo para não proceder á feitura do mencionado estudo respeitante ao MUDE.
(A existirem as mencionadas consultas – que não estão provadas terem existido - , e à semelhança de outras situações, seria de se perguntar porque razão havia uma disparidade tão grande de preços, e a optar seria pela que apresentasse a melhor relação qualidade/preço e não apenas escolher o mais barato….De qualquer modo não ficou registado que se fizeram essas consultas).
10. E realce-se, o valor com IVA, da adjudicação em causa corresponde ao dobro da soma dos montantes recebidos, no segundo semestre de 2008, pelas arguidas IM... e AS... da Câmara Municipal de Lisboa (facto provado n.º 38).
Por conseguinte o facto n.º 65 dos factos provados será considerado não provado e os factos n.º 54 e 55 da pronúncia serão dados como provados. 
Do desconhecimento do arguido RP... do desaparecimento do estudo.
O Tribunal deu também como provado, erradamente, os seguintes factos:
72. Ao longo desse período [em que exerceu funções como director municipal de recursos humanos], o arguido nunca foi notificado, contactado e/ou interpelado pelo Director Municipal da Cultura, nem pela Vereadora da Cultura, nem pela Vereadora das Finanças, ou por quem quer que fosse, sobre o contrato celebrado e a entrega, recepção ou destino do referido Estudo.
73. Nunca foram solicitados ao arguido quaisquer informações ou esclarecimentos sobre o contrato celebrado, nem sobre o “Estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa, propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, dado o processo já iniciado de transformar a Casa Fernando Pessoa em Fundação”, seu paradeiro ou destino.
74. Sendo comunicado ao arguido a “pretensa inexistência” do estudo em sede de inquérito.
Conforme decorre da mera leitura da notícia de fls. 3 e 4 dos autos, que constitui prova documental para todos os efeitos, cujo teor foi não desmentido pelo arguido RP..., este, em dia anterior a 24 de Maio de 2011 (provavelmente a 23), foi questionado pelo jornalista do diário Público JC sobre o estudo/parecer em causa, e não apenas aquando do seu interrogatório na Polícia Judiciária (ocorrido quase dois anos depois, a 7 de Março de 2013), pelo que, a partir daquela data e estando ainda na Câmara como director de recursos humanos, poderia ter diligenciado internamente pelo esclarecimento do assunto, algo que nem sequer alegou ter feito.
Assim sendo, serão os arts. 73 e 74 dos factos provados dados por não provados e o 72 desse capítulo será reformulado em conformidade, eliminando-se o segmento “ou por quem quer que fosse”.
Não se aditam quaisquer novos factos provados, com o dado que os referidos pelo M.P.(:O arguido RP..., em dia anterior a 24 de Maio de 2011, foi questionado pelo jornalista do diário Público JC sobre o estudo/parecer em causa, tendo ficado a saber, desde pelo menos aquele dia que o estudo/parecer em causa tinha desaparecido.- Apesar disso, o arguido RP... não diligenciou nem prestou espontaneamente a quem quer que fosse na CML qualquer esclarecimento sobre o assunto e sobre tal estudo/parecer), poderiam constituir factos novos a notificar nos termos do art.º 358.º do C.P.Penal, sendo desnecessários para a qualificação jurídico penal e “apenas” relevam para a análise do comportamento do arguido e motivação da decisão de facto .
Da experiência da sociedade de Advogados A&L...
O Tribunal deu também como provado, erradamente, o seguintes facto:
144. O Director Municipal da Cultura entendeu ser necessária a contratação de uma sociedade de advogados com experiência na área de direitos de autor e direitos conexos, para desenvolver os trabalhos que sustentassem as decisões sobre o futuro dos dois equipamento cujo modelo de gestão se pretendia alterar – o MUDE e a Casa Fernando Pessoa.
Cumpre chamar à colação a seguinte motivação do Tribunal Colectivo:
“Não eram, de facto, as arguidas especialistas em Direitos de autor, ao abrigo do Regulamento Geral das Especialidades da Ordem dos Advogados, nem tão pouco a Sociedade de Advogados contratada, como se constata da lista junta. Mas também não era necessário ser, o que era preciso, como se refere no contrato, era uma sociedade com experiência em direitos de autor e conexos. E isso a sociedade A&L... era.” (Fls. 49 do Acórdão recorrido, fls. 1566 dos autos).
Tal conclusão parece olvidar, a nosso ver, que os requisitos da contraparte da CML foram, como comummente ocorre nestes casos, “feitos à medida” da sociedade de advogados de que era sócia a arguida IM..., de forma a que esta “encaixasse” perfeitamente ali.
Como é evidente, o arguido RP... não determinou, nem a arguida AS... consignou, nas informações e contratos em causa, que se pretendia uma sociedade com advogados especialistas em direitos de autor precisamente porque nenhuma das sócias da A&L... o era.
Pelo menos, a arguida AS..., dada a sua qualidade de advogada, não podia desconhecer a existência de colegas seus especialistas nos vários ramos do Direito e, consequentemente, que a arguida IM... o não era. Por essa razão é que invocou um conceito diverso e de mais difícil aferição (“com experiência”) nas informações que subscreveu.
Importa deixar claro que mesmo que a arguida IM... ou a sua sociedade, o que vai dar ao mesmo, fossem as mais habilitadas a prestar os serviços jurídicos em causa (e isso não pode cingir-se a uma mera alegação, tem de ser demonstrado mínimamente, em confronto com outros concorrentes, em atenção aos princípios da igualdade, transparência e imparcialidade), e os estudos fossem urgentes e absolutamente necessários, nem mesmo assim o arguido RP... podia intervir no procedimento e muito menos nos termos conhecidos. É que a mera suspeição sobre a sua isenção, como se viu justificada, já impunha o seu afastamento, única decisão que podia ter tomado. Ou então intervir mas sem convidar a sociedade de que a sua à data, “cunhada de facto” era sócia. E só o não fez porque estava bem ciente de que, sem a sua intervenção, jamais a A&L... seria contratada, em particular, como se disse, por causa da opção da autarquia em procurar soluções internas (aliás, de que o arguido RP... foi directamente informado e que justificou a cessação das avenças com as arguidas).
A contratação de advogados, seja a título individual ou colectivo, através de ajuste directo tem sido frequentemente objecto de recusa de visto pelo Tribunal de Contas, considerando que a contratação de serviços jurídicos não está excluída, a priori, da sujeição a um procedimento concursal, tanto no âmbito da vigência do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, como na do Código dos Contratos Públicos (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro).
Por exemplo, na sentença n.º 2/2008, datada de 21 de Abril (processo n.º 3JC/2007, disponível no site do Tribunal), relativamente ao disposto no art. 86º n.º 1 al. d) do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, o Tribunal de Contas sustenta que “esta estatuição é particularmente exigente (…) não se pode confundir a exigência legal de só haver uma entidade apta a prestar certos serviços com a existência de vantagens em contratos com uma certa entidade, não sendo correcto tentar extrapolar do preceito conceitos que o mesmo não comporta. Estamos num domínio – o ajuste directo – que, por natureza, é um procedimento excepcional pelo que não se consentem interpretações extensivas ou amplas das diversas estatuições previstas no artº 86º do Decreto-Lei nº 197/99 que afastam, não nos esqueçamos, os princípios gerais de índole constitucional, da legalidade, imparcialidade, da defesa da concorrência e da igualdade de oportunidades que todos reconhecem ser a trave mestra do ordenamento contratual da Administração Pública. (artº 81º- f), 266º da CRP e artigos 3º, 4º, 5º e 6º do C. P. Administrativo). A estatuição prevista no artº 86º-nº 1-d) do Decreto-Lei nº 197/99 que, reconheça-se, restringe fortemente práticas de ajuste directo com base em valorações da Administração que frequentemente confundem condições singulares e únicas com condições preferenciais não é, aliás, uma novidade na contratação pública. (…) A estatuição legal não integra as contratações com fundamento em razões de conveniência ou de comodidade (…).”
No Acórdão n.º 39/10, de 3 de Novembro, da 1ª S/SS, reportando-se à contratação de uma sociedade de advogados por ajuste directo na vigência do Código dos Contratos Públicos, o Tribunal de Contas sustentou que “apesar da impossibilidade da elaboração das especificações contratuais e da definição qualitativa e quantitativa dos factores de avaliação das propostas, a entidade adjudicante é forçada a seguir procedimentos de natureza concorrencial e a encontrar a melhor forma de avaliar e seleccionar as propostas. Assim, deve concluir-se que a caracterização dos serviços a adquirir como de natureza intelectual e uma eventual impossibilidade ou dificuldade em definir as respectivas especificações e atributos a valorar não autoriza, só por si, a não utilização de procedimentos concorrenciais.”  
Nesse Acórdão, o Tribunal de Contas invoca ainda a jurisprudência comunitária: “É entendimento do Tribunal de Justiça que as obrigações decorrentes do direito primário relativas à igualdade de tratamento e à transparência se aplicam de pleno direito a contratos excluídos do âmbito das directivas e a contratos relativos a serviços incluídos no Anexo II B36. O referido acórdão afirma também inequivocamente que a obrigação de transparência decorrente dos princípios do Tratado CE implica que os referidos contratos sejam precedidos de um procedimento que, ainda que não siga as regras da directiva, deve envolver necessariamente uma publicitação prévia, que permita a potenciais interessados manifestar o seu interesse na obtenção do contrato. Os serviços jurídicos estão incluídos no Anexo II B da Directiva 2004/18/CE, aplicando-se-lhes integralmente a jurisprudência acabada de referir.”
É certo que no referido Acórdão “admite-se que nos serviços de natureza intelectual, a avaliação da aptidão técnica do prestador de serviços seja, para o adquirente, a forma mais fiável de prever a qualidade das prestações a adquirir. E que, por isso, a entidade pública prefira avaliar essa aptidão técnica a avaliar aspectos da proposta, que poderiam redundar em apreciações meramente formais de documentos sem conteúdo verdadeiramente relevante para as aquisições em causa. Admite-se também que a avaliação da aptidão técnica do prestador de serviços não pode integrar os elementos de definição do critério da proposta economicamente mais vantajosa, nos termos previstos para os concursos. Mas não pode concluir-se daí que a mera percepção subjectiva dessa aptidão técnica seja legalmente reconhecida como critério de escolha e adjudicação.
Da jurisprudência do Tribunal de Contas e do Tribunal de Justiça, seja no âmbito do Decreto-Lei n.º 197/99 ou no do Código dos Contratos Públicos, resulta o afastamento de qualquer “clausula geral ou princípio que declare a aquisição de serviços jurídicos insusceptível de se subordinar a uma escolha concorrencial”, devendo a aplicação de uma excepção “estar inequivocamente justificada, fundamentada e demonstrada, em termos de afastar, em concreto e não em abstracto, a viabilidade de qualquer outra solução concorrencial” (p. 25 do Acórdão n.º 39/10). (citado pelo M.P.).
 O que o arguido pretendia com a efectivação do contrato com a A&L era, mais do que a efectivação desses estudos em concreto, beneficiar em primeira linha a sua ex-cunhada pela perda de rendimentos com a cessação da avença que deixaria de existir para o ano de 2009. A “necessidade de elaboração dos estudos” por alguém com “experiencia em matéria de direitos de autor” foi desde logo decidida pelo arguido para “caber” nas eventuais capacidades profissionais da co-arguida IM..., em vez de alguém verdadeiramente especialista naquele domínio. 
O conflito que existia entre o arguido RP... e a vereadora RV não pode servir de justificação, para não se encontrar o alegado estudo. Pelo contrário, a ser destacado deve ser apenas como a circunstância que levou o arguido RP... a ocultar a essa vereadora o contrato em causa, sabendo ainda que tal contrariava a decisão dos Serviços da CML de não recorrer a serviços jurídicos externos, e, por maioria de razão, ao respectivo pagamento.
No entanto, o arguido RP... também sabia que a sua “cunhada de facto” à data não era especialista em direitos de autor e que por isso se fez constar da proposta de contrato apenas ser necessário “experiência” em matéria de direito de autor. Tratando de um erro notório na apreciação da causa e pese embora não ter sido suscitada a questão pelo M.P. relativamente ao arguido RP..., iremos alterar a matéria de facto provada nos termos do art.º 410.º n.º 2 al. c) e 431.º ambos do C.P.Penal.
Assim, o art.º 144.º dos factos provados será dado como não provado.
E , a parte final do art. 31º da pronúncia será levada à matéria de facto provada:
“(…) o que o arguido RP... e a arguida AS... bem sabiam.”
Da intervenção da arguida AS...
O Tribunal deu também como provado, erradamente, os seguintes factos:
153. A arguida AS... averiguou a conformidade jurídica da decisão executiva que lhe foi comunicada e instRP...u as peças do respectivo procedimento.
155. A Dra AS... quando instRP...u o referido procedimento contratual desconhecia que iria ser convidada pela referida sociedade para colaborar parcialmente na elaboração do trabalho.
156. Nessa data nem a própria arguida IM... sabia que ia convidá-la a prestar os serviços à sociedade A&L....
158. A Drª AS... nem sequer foi a primeira escolha da A&L... para a colaboração da realização do trabalho.
159. A Dra AS... é escolhida e aceita colaborar no referido trabalho, na sequência da recusa de colaboração da primeira escolha da A&L..., da advogada IA.
“Considerando, por um lado, a flagrante violação dos princípios consagrados no art. 266º da Constituição da República Portuguesa, do disposto nos arts. 24º n.º 1 do Código dos Contratos Públicos e nos art. 1º, 3º, 4º, 6º, 44º n.º 1 al. b) e 48º n.º 1, todos do Código do Procedimento Administrativo, e, por outro, sendo a arguida AS... advogada, jurista avençada de uma Câmara Municipal e conhecendo, como não podia deixar de conhecer, que a arguida IM..., sua colega na Direcção Municipal de Cultura, era sócia da sociedade A&L... (nem que fosse através de certidão do registo comercial ou do site da Ordem dos Advogados) e cunhada “de facto” do arguido RP..., é a nosso ver manifesto que a mesma não apreciou críticamente a contratação em causa pura e simplesmente porque não quis, dado o acordo que estabeleceu com os outros dois arguidos. 
Se o tivesse feito, não poderia a arguida AS... deixar de invocar, como era sua obrigação, a violação dos princípios da legalidade e da isenção, não só devido à relação familiar dos arguidos RP... e IM... como, por outro lado, à inexistência de fundamento para adoptar o procedimento de ajuste directo.
Fossem outros os intervenientes e, seguramente, a arguida AS... não teria elaborado e muito menos subscrito as informações de fls. 194 a 199 que suportaram, rectius, deram cobertura ao ajuste directo ilegal em causa.
A única explicação para o ter feito prende-se com o acordo prévio estabelecido com os outros dois arguidos e do qual, passadas poucas semanas, veio a beneficiar patrimonialmente. Tal acordo, aliás como a intenção dos arguidos, sómente podem ser apreendidos indirectamente e a prova dessa natureza coligida nos autos, abundante e inequívoca, aponta toda, e de forma congruente, nesse sentido. 
Nem o testemunho de IA contraria a prova daquele acordo prévio porquanto não só esta jurista como a própria JA... (cfr. depoimento de AC a 35:29), irmã da arguida IM... e companheira do arguido RP... à data dos factos, foram colegas de ambas as arguidas na Câmara Municipal de Lisboa e, por conseguinte, o seu depoimento não pode ser considerado totalmente isento nem, por isso, verdadeiro.
Por maioria de razão, também o depoimento de JA... será desvalorizado como mãe da filha de ambos (arguido RP...).    
Por conseguinte, os arts. 155, 156, 158, e 159 dos factos provados serão considerados não provados.
Já quanto ao art. 153.º, apenas será considerado provado o seguinte:
“A arguida AS... instRP...u as peças do respectivo procedimento.”
FACTOS ERRADAMENTE DADOS COMO NÃO PROVADOS
Relativamente ao dolo dos arguidos (de apreensão indirecta), eles sabiam que agiam de forma livre e consciente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei, pelo que consideram-se PROVADOS os seguintes factos da matéria de facto dada como não provada pelo Tribunal a quo:
- Face à impossibilidade de prorrogar, para além de 31 de Dezembro de 2008, os contratos de prestação de serviços das arguidas IM... e AS... com a Câmara Municipal de Lisboa, o arguido RP... acordou com as mesmas a atribuição em 2009 de montantes destinados a compensar a perda de rendimentos que adviria para ambas da cessação daqueles contratos, pretensão sem fundamento legal e como tal ilícita. 
- Assim, foi decidido pelos arguidos que, em comunhão de esforços e no prazo mais curto possível, diligenciariam pela adjudicação, por ajuste directo, de serviços jurídicos à sociedade de advogados de que a arguida IM... era sócia, por um valor muito próximo do máximo para o qual o arguido RP... tinha competência subdelegada para autorizar, e que posteriormente as arguidas IM... e AS... repartiriam entre si os montantes que a Câmara Municipal de Lisboa viesse a pagar no âmbito dessa contratação. 
- Com a descrita actuação concertada dos arguidos e sem ter entregado qualquer parecer, a arguida AS... recebeu em Janeiro de 2009 e de uma só vez da Câmara Municipal de Lisboa, por intermédio da arguida IM... e considerando o IVA e o montante retido na fonte para efeitos de IRS, um valor idêntico ao total auferido por si, enquanto advogada avençada desse Município, no segundo semestre de 2008 (€14.875,20).  
-Com a descrita actuação concertada dos arguidos e sem ter entregado qualquer parecer, a arguida IM... recebeu, em Janeiro de 2009 e de uma só vez da Câmara Municipal de Lisboa, um valor idêntico ao total auferido por si, enquanto advogada avençada desse Município, no segundo semestre de 2008 (€ 12.960,00). 
Fomos indicando os raciocínios e as provas que justificavam diferente decisão.
“Aqui chegados, e antes de prosseguir, crê-se ser de recordar o princípio que em Processo Criminal vigora no que respeita à apreciação da prova, e que é o da sua livre apreciação pelo julgador, princípio que encontra consagração no art. 127º do Cód. Processo Penal, onde exactamente se dispõe que, e salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente – este Tribunal, in casu.
O que não prejudica, como é absolutamente evidente, a exigência de que a condenação de qualquer pessoa pela prática de qualquer crime exija que a convicção positiva do julgador assente numa certeza alicerçada por sua vez em elementos probatórios concretos e seguros o bastante que afastem quaisquer dúvidas sobre essa mesma convicção. Isto é, assentando embora qualquer decisão do julgador penal na sua livre convicção, o processo de formação dessa mesma convicção é em si mesmo vinculado e sujeito a regras – não se trata de livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, antes se realizando de acordo com critérios lógicos e objectivos que determinam uma convicção racional, objectivável e motivável.
Mas isso também não pode, no entanto, significar que seja totalmente objectiva, já que não pode nunca dissociar-se nunca da pessoa do juiz que a aprecia e na qual “desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis - v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova - e mesmo puramente emocionais” (cfr. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, pág. 205).
Já o Prof. Alberto dos Reis ensinava a este propósito que “o que está na base do conceito é o princípio da libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal, sem que, entretanto, se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas. ...O sistema da prova livre não exclui, e antes pressupõe, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica...” (“Código de Processo Civil Anotado – Volume III”, pág. 245).
Neste mesmo sentido, defende o Prof. Cavaleiro de Ferreira que o julgador é livre ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório (“Curso de Processo Penal, Vol. II”, págs. 297 e segs.).
Mais, o juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência (cfr. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal, Vol. II”, págs. 111 e seg.).
Relativamente ao facto do Tribunal a quo considerar como válidas parcialmente depoimentos e declarações cabe no exercício de um direito/dever, a saber, do art.º 127.º do C.P.Penal: " o juiz não tem que aceitar ou recusar cada um dos depoimentos na globalidade, cabendo-lhe a difícil tarefa de dilucidar em cada um deles o que lhe merece crédito. - Ac. Rel. Porto, de 2009-06-17 (Rec. n° 229/06.8TAMBR.P1, rel. Borges Martins, in www.dgsi.pt).
As provas para sustentar a alteração dos factos são todos os documentos juntos aos autos, quer ainda os depoimentos de AC, FMV, RL – este último depoimento muito importante no sentido de sustentação desta nossa decisão -, IA (parcialmente) e deduções lógicas e raciocínios que fomos fazendo e/ou subscrevendo.
Por outro lado, no que respeita aos documentos constantes dos autos os mesmos não têm de ser mostrados/exibidos em audiência, como é jurisprudência pacífica (valendo a argumentação para os factos imputados aos arguidos):
“ I - As provas constituídas por documentos juntos aos autos são provas que, forçosamente, estão presentes na audiência e submetidas ao contraditório, sem necessidade de serem lidas na mesma audiência, já que as partes têm conhecimento do seu conteúdo. II - Embora a leitura de depoimento prestado por deprecada perante o juiz, na forma legal, possa ser lido na audiência de julgamento, nada obriga a que o seja.” (Ac. STJ de 23 de Março de 1994, proc. 46218/3.ª);
“ A prova documental junta ao processo não carece de ser lida em audiência, embora o possa ser, por ser do conhecimento das partes e poder ser objecto de contraditório.” (Ac. STJ de 9 de Novembro de 1994; proc. 46600/ /3.ª);
 “Não são inconstitucionais os normativos do art. 355.° do CPP, interpretados no sentido de que os documentos juntos aos autos não são de leitura obrigatória na audiência de julgamento, considerando-se nesta produzidos e examinados, desde que se trate de caso em que a leitura não seja proibida.”(Ac. do Trib. Constitucional n.° 87/99, de 10 de Fevereiro, proc. n.° 444/98; DR, II série, de 1 de Julho de 1999)”.
Sobre a intenção criminosa dos arguidos chamamos á colação que a prova sobre o elemento subjectivo de um crime nem sempre é de apreensão directa.
No que diz respeito à intenção criminosa terá de atender-se que: “ os actos interiores (ou “factos internos” como lhes chama Cavaleiro de Ferreira ), que respeitam à vida psíquica, a maior parte das vezes não se provam directamente, mas por ilação de indícios ou factos exteriores (Germano Marques da Silva, Curso de Proc. Penal,II, pag101)”.
De facto, conforme jurisprudência do STJ “os elementos subjectivos do crime pertencem à vida íntima e interior do agente. Contudo, é possível captar a sua existência através e mediante a factualidade material que os possa inferir ou permitir divisar, ainda que por meio de presunções ligadas ao princípio da normalidade ou às regras da experiência comum”(Ac. STJ de 25/09/97 no Processo nº 479/97, citado por Leal Henriques e Simas Santos in Código Penal Anotado I Vol. 2002 p. 224).
Como refere o Acórdão do S.T.J. de 17-03-2004, proc.º03P2612,Relator: HENRIQUES GASPAR in www.dgsi.pt :
“Para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade (ou impressionismo) da convicção sobre os factos, há que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção), e de outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão.
Relevantes neste ponto, para além dos meios de prova directos, são os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções.
A noção de presunção (noção geral, prestável como definição do meio ou processo lógico de aquisição de factos, e por isso válida também, no processo penal) consta do artigo 349º do Código Civil: «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido».
Importam, neste âmbito, as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido.
As presunções naturais são, afinal, o produto das regras de experiência; o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. «Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência [...] ou de uma prova de primeira aparência». (cfr, v. g., Vaz Serra, "Direito Probatório Material", BMJ, nº 112 , pág, 190).
Em formulação doutrinariamente bem marcada e soldada pelo tempo, as presunções devem ser «graves, precisas e concordantes». «São graves, quando as relações do facto desconhecido com o facto conhecido são tais, que a existência de um estabelece, por indução necessária, a existência do outro. São precisas, quando as induções, resultando do facto conhecido, tendem a estabelecer, directa e particularmente, o facto desconhecido e contestado. São concordantes, quando, tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem, pelo conjunto e harmonia, a firmar o facto que se quer provar» (cfr. Carlos Maluf, "As Presunções na Teoria da Prova", in "Revista da Faculdade de Direito", Universidade de São Paulo, volume LXXIX, pág. 207).
A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção.
A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre o indício e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção (cfr. Vaz Serra, ibidem).
Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.
A presunção intervém, assim, quando as máximas da experiência da vida e das coisas, baseadas também nos conhecimentos retirados da observação empírica dos factos, permitem afirmar que certo facto é a consequência típica de outro ou outros.
A ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.
Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência segundo as regras de experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões.
A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, quando respeite a factos que só podem ter sido deduzidos ou adquiridos segundo as regras próprias das presunções naturais, constitui um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da (in)existência dos vícios do artigo 410º, nº 2, do CPP, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na alínea c). - cfr., v. g., o acórdão deste STJ, de 7 de Janeiro de 2004, proc.3213/03.
(…)
A prova de determinados factos que não são directamente apreensíveis in natura, no plano da observação imediata, física e sensorial, só pode ser obtida por aproximações empíricas, permitidas pelas deduções decorrentes de factos ou comportamentos individuais, aceitáveis ou pressupostos pela normalidade de consequências que está suposta pelas regras da experiência e do fluir normal dos acontecimentos e relações.
Sem estes elementos metodológicos de construção e apreciação, o estabelecimento de um facto não directamente apreensível (mas apenas deduzido de referências comportamentais concretas), mais do que uma conclusão não sustentada, pode ser produto, como se referiu, de uma apreciação dominada pelas impressões.”
O iter criminis no domínio dos factos leva à conclusão que os arguidos agiram de forma livre e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei, tendo o arguido RP... querido beneficiar a tia da sua filha e irmã da sua (ex-)companheira, violando os deveres funcionais o que a arguida IM... sabia e quis, bem como a arguida AS....
A par de um erro de julgamento tal como foi invocado pelo Ministério Público , ocorreu ainda erro notório na apreciação da causa (vd art.º 410.º n.º 2 al.c), de tão errada e evidente consideramos ter sido a decisão da matéria de facto por violação das regras da experiencia da vida, ao se aceitar desde logo como não violador dos deveres de isenção a um decisor público o ajuste directo de um estudo á tia da sua filha.
Como provas que, conjugadamente com as regras da experiência comum e de normalidade e com o teor dos documentos coligidos nos autos, impõem decisão diversa da recorrida e a prova testemunhal e por declarações.
Acresce ainda que face ao que disse a testemunha MC, Diretora da Biblioteca Nacional, na audiência de julgamento, que quanto ao estudo da titularidade dos direitos de autos que recaem sobre a obra de Fernando Pessoa, esse trabalho não teria grande sentido, uma vez que à data já não existiam direitos de autor sobre a mesma publicada ou por publicar, posto que 70 anos após a morte do autor a sua obra não tem direitos de autor e é do domínio público.
- As declarações da testemunha AC, conforme consta da acta de audiência de discussão e julgamento de 4 de Junho de 2014 junta a fls. 1407 a 1414 dos autos, nomeadamente as seguintes passagens:
1:35 a 1:57
Ministério Público (MP): “Sabe alguma coisa sobre um contrato celebrado entre a CML , mais concretamente entre a DMC e a A&L...?”
Testemunha AC (AC): “Só sei porque veio nos jornais e depois quando fui ouvido na fase de inquérito.”
2:48: AC: “Sobre o contrato em específico não (…)”
15:23: AC: “Não, nunca conheci o estudo”
16:44 (em resposta à questão da Mma. Juiz Presidente (JP) se sabia se o estudo existiu) AC: “Não, não sei”
17:20 a 18:58
AC: “Esse assunto era directamente acompanhado pelas vereadoras. Depois não sei como as coisas correram na transição”
JP: “E não seria as advogadas ou os juristas que estavam nessa Direcção Municipal de Cultura, não poderiam fazer esse estudo? Estavam avençadas”
AC: “Talvez, talvez sim, não lhe sei dizer em concreto qual é a competência”
JP: “Na realidade, foram elas que estavam lá que fizeram”
AC: “O departamento jurídico assegura o contencioso e depois cada direcção municipal tende a ter juristas especializados”
JP: “Se o director municipal entendeu especializadas essas pessoas que estavam na própria Câmara a trabalhar porque não fazer elas enquanto juristas da Câmara e não por ajuste directo”
AC: “Provavelmente porque considerou que nenhuma delas era a pessoa adequada ou habilitada para fazer esse estudo e que preferiu contratar (?) fora, mas aí…”
JP: “Mas foram elas”
AC: “Ah, foram as próprias! Isso aí terá que perguntar ao director municipal e aí não sei”
JP: “Já perguntei, estou a perguntar ao sr. dr. agora”
AC: “Está bem… se me pergunta se a mesma pessoa enquanto avençada do Município não pode realizar o trabalho que está contratado e tem de o realizar fora, não vejo razão, a não ser que o contrato expressamente tenha outra natureza mas, fora isso, de facto não vejo razão; se é esse juízo de valor…”
JP: “Não tem explicação”
AC: “Não tenho”
24:13 a 24:27
AC: “Em regra, o que é normal é que esses trabalhos sejam entregues ao vereador e o vereador reporta se entender que há interesse nisso, mas em princípio é o próprio vereador”
35:20 – diz que JA... trabalhava na CML
37:15: esmagadora maioria dos avençados foi integrada na Câmara
38:57 a 39:21
AC: “Acho que é tudo registado, presumo que seja, quer dizer, os papéis que me chegam à secretária vêm com carimbo de entrada, com uma numeração, há lá um código, de arquivo e de entrada, data de entrada, local de entrada, há um sistema de entrada dos documentos”
43:47 a 43:55
AC: “Às vezes entregam-me directamente e eu entrego precisamente à minha chefe de gabinete e às minhas secretárias para registarem e darem entrada”
44:48 a 45:12
AC: “Nem todos os documentos chegam por via postal, quer dizer, muitas vezes já tive reunião em que as pessoas me entregam os documentos e o que eu faço a seguir é depois entregar às minhas secretárias ou à minha chefe de gabinete para proceder ao registo e ficar devidamente arquivado na Câmara. Se havia um sistema de registo e de arquivo, isso há. Por vezes não vem por correio, isso é verdade”
47:22
AC (em resposta à pergunta da Mma. Juiz Presidente sobre o desaparecimento de documentos): “Não é habitual nem normal que assim aconteça”
47:35 a 49:58
AC: “Não, os directores municipais recorrerem e contratarem, não, não é normal, e não é comum a Câmara solicitar. Solicita em algumas circunstâncias, quer dizer…”
Mmo. Juiz Adjunto (JA): “E existe alguma regra interior na Câmara de Lisboa no sentido…”
AC: “Em regra pergunta-se à directora do departamento jurídico se tratamos em casa ou se tratamos fora de casa. Mesmo no contencioso, muitas vezes tratamos fora. Por exemplo, contencioso junto do Tribunal de Contas, em regra recorremos a serviço externo, por ser matéria especializada, o direito financeiro, e em regra não temos em casa”
JA: “Ou seja, naquelas situações em que essa contratação está dentro do âmbito que o director tem por competência delegada para adjudicar directamente, mesmo nesses casos, deve-se recorrer a esse procedimento que acabou de falar, ou seja, de ir ao departamento jurídico saber se há possibilidade de fazer interno?”
AC: “Eu acho que esse é o percurso normal, esse é o percurso normal. Eu, pessoalmente, quando tenho necessidade de algum apoio jurídico pergunto em regra à directora o que é que tem a sugerir e peço aliás à directora para sugerir quem contratar. Às vezes, nem sempre, às vezes já tenho tomado a iniciativa. Recordo-me de um processo particularmente complicado em que decidimos contratar o Professor AM... da Universidade de Coimbra e até fui eu que sugeri à directora do departamento jurídico que fosse consultado o Doutor AM..., porque era uma questão muito complexa do ponto de vista do Direito privado e em que estavam em causa, a Câmara tinha sido condenada em 130 milhões de euros de indemnização e era um tema muito sensível e achei que era preciso tratar as questões…”
JA: “Esse procedimento é algo, existe alguma coisa escrita nesse sentido, ou isso é uma regra de conduta?”
AC: “Acho que é uma regra de conduta, quer dizer, acho que é uma regra de conduta normal, não é? Quer dizer, quando se trata de uma coisa relativa aos espaços verdes, pergunta-se ao responsável pelos espaços verdes. Quando se trata de uma matéria de natureza jurídica, pergunta-se à responsável pelo departamento jurídico, quer dizer, acho que esse é o caminho normal, não é?”
Relativamente à urgência do trabalho o arguido RP... veio ainda mencionar as declarações da testemunha AC. De facto, esta testemunha disse que era relativamente urgente” a elaboração do mencionado estudo. No entanto, se a urgência fosse tão premente não se percebe porque só em 2011 se veio a dar falta da sua existência e não por iniciativa do próprio. Concluindo: a realização do trabalho era apenas necessário, e de urgência relativa e não de forma que justificasse o referido ajuste directo.
As declarações da testemunha FMV, conforme consta da acta de audiência de discussão e julgamento de 4 de Junho de 2014 junta a fls. 1407 a 1414 dos autos, nomeadamente as seguintes passagens:
2:20 a 2:56
Testemunha FMV (FMV): “Tive conhecimento deste contrato quando, na sequência, digamos, do envio da documentação para o departamento jurídico da Câmara com a parte com que fui confrontado, se fez o levantamento da documentação que diz respeito…”
Ministério Público (MP): “E em que altura foi isso, tem presente?”
FMV: “As datas não tenho, digamos, muito rigorosamente mas terá sido na segunda metade de 2009, portanto depois de Julho de 2009.”
3:21 a 3:35
FMV: “Houve um dia que nos encontrámos, num final de tarde, não sei exactamente a hora exacta, mas qualquer coisa em volta do dia 8, 7, 8 de Janeiro de 2009”
4:26 a 4:40
MP: “E alguma vez lhe foi falado nalgum trabalho que tinha sido recentemente entregue por essa sociedade de advogados?”
FMV: “Não, não, nem a conversa entrou em detalhes tão…”
MP (4:55): “Não abordaram questões concretas?”
FMV (4:58): “Não, não.”
MP (5:02): “Em cima de secretária ficou algum monte de documentos?”
F. MV: (5:04 a 5:50): “Que eu me lembre (…) em cima da secretária estava um dossiê com o orçamento e o plano (…) conversamos dele e mais nada. Gavetas estavam vazias, havia alguns livros deixados nas prateleiras.”
6:10 a 6:23
MP: “Nunca foi referido esse contrato efectuado com essa sociedade de advogados?”
FMV: “Não, não.”
MP: “Não lhe foi referido a existência de algum estudo sobre direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa propriedade da Câmara Municipal de Lisboa?”
FMV: “Não.”
8:37 a 8:48
FMV: (relatando o que disse inicialmente às arguidas em Julho de 2009) “Não há uma carta de entrega, está aqui uma carta, que já tinha entrada dada”
MP: “Já agora, só aí, a propósito de entrada dada, todos os documentos que dão lá entrada (…) enquanto lá esteve, eram carimbados?”
FMV: “Sim.”
12:58 a 13:27
FMV: “Sei qual foi o resultado, foi que para a vereadora, pelos vistos, foi algo de muito surpreendente, que aquele contrato tivesse sido feito e que aqueles estudos tivessem sido pedidos e, portanto, o próprio gabinete, na análise que fez, entendeu que havia ali questões que deviam ser analisadas pelo departamento jurídico e enviou o processo para o departamento jurídico (…)”  
FMV (21:46): “Em cima da mesa absolutamente não!”
FMV (23:45 a 23:56): Há, digamos, algum trabalho feito até sobre esse tema do ponto de vista da Biblioteca Nacional, portanto que tem também a esse respeito alguma reflexão feita (…)
FMV (26:00 a 26:04): “Na Câmara a questão da contratação externa estava completamente posta de parte, nem se colocava”.
- as declarações de RL na audiência de julgamento de 4 de Junho de 2014, que elucidam sobre muitos aspectos dos factos dos autos, como fomos citando.
 Registe-se alias que a arguida IM... foi contratada pela Câmara Municipal através de um “concurso” em que incluiu ela própria mais duas amigas /colegas suas – RL e IA- , e propôs o preço mais baixo tendo, obviamente, por isso sido escolhida pelo próprio pai da sua sobrinha filha de RP... (vd fls. 364 e 365 , e a este propósito vejam-se ainda as declarações esclarecedoras – já que foi a própria IA  a sugerir a proposta - da colega de escritório da arguida IM..., RL na audiência de julgamento de 4 de Junho de 2014). Ora, as duas colegas/amigas apresentaram um preço mais alto e ter sido a arguida IM... seleccionada pelo facto de ter apresentado a proposta mais baixa admitida pelo próprio “cunhado de facto” RP... que, “em nome do interesse público”, propôs em 28 de Novembro de 2005, a prestação de serviços jurídicos e regime de prestação de serviços mediante a consulta prévia a três fornecedores pelo valor estimado de €21.600,00 acrescido de IVA”. Por coincidência, a arguida IA e tia da sua filha, apresentou a proposta de €21.600,00 mais IVA (vd fls. 356 a 389, sendo que a proposta do arguido RP... consta a fls.388 e 389)...
 “A arguida AS... só verificou a conformidade jurídica da decisão executiva instRP...u o procedimento contratual não se pronunciando sobre a pertinência da contratação desconhecendo em absoluto que iria ser convidada a referida sociedade e que a arguida IM... a iria convidar par prestar os seus serviços àquela sociedade de advogados (o que aconteceu por a sócia da arguida IA se ter ausentado do escritório por motivos pessoais).
A versão da arguida IM... não é merecedora de qualquer credibilidade, uma vez que sendo ela uma das autoras de um Estudo tão importante nem sequer foi capaz de dizer qual a estrutura do mesmo, o seu conteúdo, isto é, a forma como foi redigido, quantas páginas teria, quais as conclusões do mesmo. É deveras estranho que nenhum dos arguidos tenha ficado com um único exemplar do trabalho( a arguida IA alega que não tinha o hábito de guardar este tipo de trabalhos e que a tal não era obrigada e, para além disso, o seu computador danificou-se em 2010 não tendo um suporte digital do Estudo). A arguida IA alega que não sabe qual o destino que o arguido RP... deu ao referido Estudo.
Ora, o que é certo é ninguém viu o trabalho em causa nos autos e pelo qual os arguidos receberam a módica quantia de €27.835,20 (valor da fatura que a arguida IA entregou ao arguido RP... para pagamento do Estudo) que foi creditado na conta da sociedade de advogados da qual a arguida IA é sócia emitindo esta um cheque de €12.396,00 a favor da arguida AS....
Os arguidos atuaram em conjugação de esforços tendo o arguido Diretor Municipal de Cultura da CML adjudicado, por ajuste direto e por €55.670,40 a prestação de serviços jurídicos da sociedade de advogados da qual a arguida IA é sócia fazendo com que a CML liquidasse o valor de €27.835,20 sem que fosse entregue pelas arguida qualquer Estudo com o propósito de beneficiar as arguidas.
Com o acima já se referiu o elemento subjectivo do crime pertence á vida íntima dos seus agentes, sendo possível extrair as intenções criminosas dos arguidos pelo seu comportamento exteriorizado, que não levanta quaisquer dúvidas. Todo o iter criminis, desde a impossibilidade das arguidas verem renovada a sua avença com a Câmara Municipal de Lisboa até a conclusão do contrato com a A&L descritos nos factos provados 1) a 51).j) são elucidativos, segundo as regras da experiencia da vida, pese embora os arguidos não terem confessado os factos, de que agiram de forma livre e consciente bem sabendo que as respectivas condutas eram proibidas por lei. E sem confissão não existe qualquer arrependimento nem isso assentiram, obviamente, pelo que resulta que os arguidos não confessaram a pratica dos factos nem mostraram arrependimento, o que será dado como provado, porque resulta dos autos (vd ar.º 410.º n.º 2 al. c) e 431.º ambos do C.P.Penal).
Serão assim dados como provados os factos descritos em 25.a) e 25.b) e ainda os art.ºs 51.a a 51.j) que haviam sido dados como não provados pelo tribunal recorrido.
Relativamente ás condições pessoais, profissionais, sociais, e familiares dos arguidos, tivemos em consideração os relatórios sociais – fls. 1443 a 1465 – constam os factos apurados nos mesmos.

5. MATERIA DE FACTO PROVADA
Pelo exposto,

No termos do disposto no art.º 431.º do C.P.Penal, analisada a prova documental e a prova por declarações e depoimentos de testemunhas – alteramos parcialmente a matéria de facto descrevendo os factos provados e os factos não provados, com interesse para a decisão da causa:

I – Da Pronúncia:

1. No dia 10 de Novembro de 2005, com efeitos a partir do dia 26 desse mês, o arguido RP... foi nomeado, em regime de comissão de serviço e pelo período de três anos, Director Municipal de Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, o qual exerceu essas funções até ao dia 10 de Janeiro de 2009.

2. A partir de 25 de Novembro de 2008, o arguido RP... exerceu essas funções em regime de gestão corrente pelo facto da sua comissão de serviço ter cessado nesse dia.

3. No âmbito dessas funções o arguido RP... estava obrigado a:

I – actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estavam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhe foram conferidos;

II – prosseguir o interesse público;

III – a tratar de forma justa e imparcial todos os que com ele entrassem em relação no exercício daquela função.

4. O arguido RP... estava ainda obrigado a pedir dispensa de intervir em procedimento no qual ocorresse circunstância pela qual pudesse razoavelmente suspeitar-se da sua isenção ou da rectidão da sua conduta.

5. No dia 6 de Novembro de 2007, a Vereadora do pelouro da Cultura RV subdelegou no arguido RP..., entre outras, a competência para, em matéria da contratação e realização de despesas, adquirir e locar bens móveis e serviços, nos termos do Decreto-Lei nº 197/99, de 8 de Junho, aprovando os projectos, os programas de concurso, os cadernos de encargos e proceder às adjudicações respectivas, até ao limite de € 49.879,00, com excepção da aquisição de serviços a pessoas individuais.

6. A arguida IM... prestou serviços de consultadoria jurídica, em regime de avença, à Direcção Municipal de Cultura da Câmara Municipal de Lisboa entre os dias 1 de Janeiro de 2006 e 31 de Dezembro de 2008.

7. Nesse período temporal, a arguida IM... foi sócia da A&L... Sociedade de Advogados RL.

8. À data dos factos, o arguido RP... vivia em união de facto com JA..., irmã da arguida IM....

9. O arguido RP... e JA... têm uma filha em comum, nascida no dia 6 de Julho de 2004.

10. A arguida AS... prestou serviços de consultadoria jurídica, em regime de avença, à Direcção Municipal de Cultura da Câmara Municipal de Lisboa entre os dias 1 de Dezembro de 2005 e 31 de Dezembro de 2008.

11. As arguidas IM... e AS..., apesar de reunirem em 2008 todos os requisitos para ingressar no quadro de pessoal de direito privado da Câmara Municipal de Lisboa, passando a exercer as suas funções ao abrigo de um contrato de trabalho por tempo indeterminado e não através de um vínculo precário, optaram por não requerer esse ingresso.

12. No dia 14 de Julho de 2008, o arguido RP... propôs à Vereadora da Cultura, RV, a manutenção dos contratos de prestação de serviços em regime de avença, celebrados com as arguidas IM... e AS... e com a jurista MJS, cuja data limite era 31 de Dezembro de 2008.

13. No dia 28 de Julho de 2008, a Vereadora RV remeteu essa proposta ao vereador com o pelouro das Finanças, JCS, manifestando a sua concordância com a mesma.

14. No dia 31 de Julho de 2008, o Vereador JCS remeteu essa proposta à Direcção Municipal de Recursos Humanos para análise.

15. No dia 4 de Setembro de 2008, MV, jurista da Divisão de Recrutamento e Gestão de Carreiras do Departamento de Gestão de Recursos Humanos da Câmara Municipal de Lisboa, subscreveu a informação nº 933/DMRH/DGRH/DRGC, na qual sustentou que “o tipo de serviço em causa, apoio jurídico à Direcção Municipal de Cultura (…), não se afigura verificar-se o requisito de inexistência no quadro de pessoal do município quem possa assegurar o tipo de serviços que se pretende contratar.”

16. No dia 5 de Setembro de 2008, o Chefe da Divisão de Recrutamento e Gestão de Carreiras da Câmara Municipal de Lisboa, PC, manifestou a sua concordância com o teor da informação subscrita por MV e submeteu o mesmo à consideração superior.

17. No dia 3 de Outubro de 2008, o arguido RP..., informando que a jurista MJS denunciou, com efeitos a 1 de Novembro de 2008, o contrato de prestação de serviços que tinha celebrado com a Câmara Municipal de Lisboa, solicitou ao Director Municipal dos Recursos Humanos da Câmara Municipal de Lisboa, LF, a manutenção e renovação dos contratos de prestação de serviços, em regime de avença, celebrados com as arguidas AS... e IM....

18. No dia 6 de Outubro de 2008, o Director Municipal dos Recursos Humanos da Câmara Municipal de Lisboa informou o Vereador JCS que, na sua opinião, estavam preenchidos os requisitos previstos nos artigos 35º e seguintes da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, para a celebração de contrato de prestação de serviços com pessoa singular.

19. No dia 9 de Outubro de 2008, o Vereador JCS informou a Vereadora RV que, na sua opinião, aquele “tipo de trabalho deve acabar de acordo com a lei em vigor e a política definida por este executivo.”

20. Nesse mesmo dia, 9 de Outubro de 2008, a Vereadora RV determinou ao arguido RP... que desenvolvesse as diligências necessárias junto da Direcção Municipal de Recursos Humanos para encontrar uma solução com recursos internos da Câmara Municipal de Lisboa.

21. Os arguidos tinham conhecimento, desde então, que os contratos de prestação de serviços com as arguidas IM... e AS... não seriam prorrogados para além do dia 31 de Dezembro de 2008 e, consequentemente, que estas deixariam de receber os pagamentos correspondentes em 2009.

 22. No dia 15 de Outubro de 2008, o Director-Geral da Biblioteca Nacional, Jorge Couto, informou a Directora da Casa Fernando Pessoa, IP, que aquela instituição considerava que o espólio documental de Fernando Pessoa devia ser qualificado de interesse nacional, pelo que a notificava para, querendo, dizer por escrito o que se lhe oferecesse sobre esse assunto no prazo de 20 dias.

23. No dia 16 de Outubro de 2008, a Directora da Casa Fernando Pessoa solicitou um pedido de parecer às juristas afectas à Direcção Municipal de Cultura da Câmara Municipal de Lisboa sobre aquele assunto.

24. No dia seguinte, 17 de Outubro de 2008, o arguido RP... determinou às arguidas AS... e IM... que elaborassem o parecer solicitado pela Directora da Casa Fernando Pessoa.

25. O que as arguidas AS... e IM... não fizeram, nem o arguido RP... lhes veio a reiterar que o fizessem, nomeadamente dentro do prazo concedido pelo Director da Biblioteca Nacional ou, no limite, até ao termo dos seus contratos de prestação de serviços.

25. a) Face à impossibilidade de prorrogar, para além de 31 de Dezembro de 2008, os contratos de prestação de serviços das arguidas IM... e AS... com a Câmara Municipal de Lisboa, o arguido RP... acordou com as mesmas a atribuição em 2009 de montantes destinados a compensar a perda de rendimentos que adviria para ambas da cessação daqueles contratos, pretensão sem fundamento legal e como tal ilícita (artº 26.);

25. b) Assim, foi decidido pelos arguidos que, em comunhão de esforços e no prazo mais curto possível, deligenciariam pela adjudicação, por ajuste directo, de serviços jurídicos à sociedade de advogados de que a arguida IM... era sócia, por um valor muito próximo do máximo para o qual o arguido RP... tinha competência subdelegada para autorizar, e que posteriormente as arguidas IM... e AS... repartiriam entre si os montantes que a Câmara Municipal de Lisboa viesse a pagar no âmbito dessa contratação (artº 27.);

26. No dia 14 de Novembro de 2008, a arguida AS... submeteu à consideração do arguido RP... a informação nº 151-a/DMC/2008, com vista à obtenção de autorização para contratar, por ajuste directo e pelo valor estimado de cerca de € 47.000,00, acrescido de IVA, a A&L..., Sociedade de Advogados, RL, com vista à prestação dos seguintes serviços jurídicos à Câmara Municipal de Lisboa:

I – Soluções jurídicas para o funcionamento do futuro Museu do Design e da Moda;

II – Estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa, propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, dado o processo já iniciado de transformar a Casa Fernando Pessoa em Fundação;

III – O levantamento das Fundações nacionais que se dedicam à promoção e estudo de autores com obras de relevante interesse nacional;

IV – Formas de protecção da marca Casa Fernando Pessoa.

27. Naquela informação, constava, como fundamento para a contratação da A&L..., Sociedade de Advogados RL, que o “trabalho específico e de natureza excepcional” em causa exigia, pela sua importância e dimensão”, a “contratação de uma sociedade de advogados com experiência na área do Direito Administrativo do Direito de Autores e Direitos Conexos e Direito Civil.”

28. Naquela informação, a arguida AS... propôs que o convite à A&L..., Sociedade de Advogados RL para apresentação de proposta fosse entregue em mão e informou que a despesa relativa à contratação dessa sociedade não teria efeitos económicos no ano económico de 2008, constituindo um encargo apenas para o ano 2009.

29. Nem a arguida IM... nem RL, as duas únicas sócias da A&L..., Sociedade de Advogados RL, à data desse convite, eram advogadas especialistas em direito de propriedade intelectual ou em direitos de autor ou conexos, como vem definido nos termos do art.º 3º do Regulamento Geral das Especialidades da Ordem dos Advogados, o que os arguidos AS... e RP... bem sabiam (art.º 31.º da pronuncia).

30. RL não teve conhecimento do convite, da proposta de adjudicação e do contrato adiante especificados ou dos valores envolvidos e pagamentos efectuados ao abrigo desse contrato (artº 32.º da pronuncia);

31. Não foi proposto pela arguida AS... nem determinado pelo arguido RP... a consulta a qualquer outra sociedade de advogados, nomeadamente a uma que tivesse advogados especialistas em direito da propriedade intelectual, reconhecidos como tal pela Ordem dos Advogados em Novembro de 2008.

32. No dia 14 de Novembro de 2008, o arguido RP... autorizou a aquisição dos serviços jurídicos referidos à A&L... através de ajuste directo.

33. Nesse mesmo dia, o arguido RP... subscreveu e entregou em mão à arguida IM... o convite para apresentação de proposta no âmbito do referido procedimento, acompanhado das especificações técnicas e minuta de declaração de inexistência de dívidas.

34. No dia 17 de Novembro de 2008, a sociedade de advogados A&L... RL apresentou a sua proposta para prestação dos serviços referidos pelo valor de € 46.392,00, acrescido de IVA à taxa de 20%, no total de € 55.670,40, a pagar nos termos constantes do convite.

35. Essa proposta foi assinada somente pela sócia, ora arguida, IM..., a qual a entregou em mão ao arguido RP....

36. No dia 19 de Novembro de 2008, a arguida AS... elaborou e submeteu à consideração do arguido RP... a informação nº 154/DMC/2008, propondo:

- a adjudicação da prestação de serviços jurídicos à A&L... Sociedade de Advogados RL pelo valor de € 46.392,00, acrescido de IVA à taxa legal de 20%, no total de € 55.670,40, a pagar em duas prestações de igual valor, no montante de € 23.196,00 acrescido de IVA À taxa legal de 20%, e autorização para a realização da respectiva despesa;

- a aprovação da minuta de contrato a celebrar entre a Câmara Municipal de Lisboa e a A&L..., Sociedade de Advogados RL para a prestação de serviços jurídicos;

- caso se tivesse por conveniente, que fosse exigido a essa sociedade certidão comprovativa da inexistência de dividas ao Estado e à Câmara Municipal de Lisboa.

37. No dia 19 de Novembro de 2008, o arguido RP... adjudicou à A&L... Sociedade de Advogados RL a prestação dos referidos serviços jurídicos pelo exacto valor proposto por essa sociedade.

38. O valor, com IVA, dessa adjudicação corresponde exactamente ao dobro da soma dos montantes recebidos, no segundo semestre de 2008, pelas arguidas IM... e AS... da Câmara Municipal de Lisboa.

39. Naquele mesmo dia, 19 de Novembro de 2008, a arguida IM... recebeu em mão do arguido RP... o original da notificação de autorização da adjudicação.

40. Entre a informação que deu origem ao procedimento, no dia 14 de Novembro de 2008, e a notificação da adjudicação, a 19 desse mês, decorreram apenas cinco dias, dois dos quais de fim-de-semana.

41. No dia 10 de Dezembro de 2008, quando a sua comissão de serviço tinha já cessado e exercia funções em regime de gestão corrente, o arguido RP... outorgou, em representação da Câmara Municipal de Lisboa, o contrato de prestação de serviços com a A&L... Sociedade de Advogados RL, representada pela arguida IM..., cujo contrato de prestação de serviços naquele Município ainda se encontrava em vigor.

42. Nos termos do nº 2 da cláusula 4ª desse contrato, 50% do valor global, correspondente a € 23.196,00, acrescido de IVA, seria pago logo no dia 15 de Janeiro de 2009 e apenas com a entrega do “estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa”, um dos quatro serviços jurídicos contratados.

43. Com data de 7 de Janeiro de 2009, a arguida IM... emitiu e entregou ao arguido RP... a factura nº 2009000001, no valor total de € 27.835,20 (€ 23.196,00 mais € 4.639,20 de IVA) para pagamento de um estudo, por si supostamente entregue com essa factura, sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio do Fernando Pessoa. (artº 45.º da pronuncia);

44. Dessa factura consta que foi emitida por “supervisor”, sem qualquer alusão à arguida IM....

45. Após receber da arguida IM... a referida factura, o arguido RP... declarou, no verso do respectivo original azul, com data de 5 de Janeiro de 2009, que conferiu o serviço prestado pela sociedade de advogados A&L... Sociedade de Advogados RL e que o mesmo se encontrava em condições de ser processado.

46. Ainda no verso dessa factura, o arguido RP... determinou o envio da mesma à contabilidade para processamento.

47. No dia 9 de Janeiro de 2009, o arguido RP... apôs o seu carimbo e assinatura noutro documento contabilístico necessário ao pagamento do montante de €27.835,20 à A&L... Sociedade de Advogados RL, o qual foi efectuado no âmbito do processo de despesa/receita nº 709000030.

48. No dia 15 de Janeiro de 2009, foi creditado na conta bancária nº 9-3665298/000/001, titulada pela A&L... Sociedade de Advogados RL no BPI, o montante de € 27.835,20, transferido pela Câmara Municipal de Lisboa no dia anterior.

49. No dia seguinte, 16 de Janeiro de 2009, a arguida IM... emitiu o cheque nº 14856656, no valor de € 12.396,00, sacado sobre a referida conta da A&L... no BPI, a favor da arguida AS....

50. No dia 16 de Janeiro de 2009, a arguida AS... emitiu o recibo nº 0185449, a favor da A&L... Sociedade de Advogados RL relativo ao recebimento do montante de € 12.396,00, sendo que foi retido na fonte, para efeitos de IRS, o montante de € 2.479,20, igual ao do valor do IVA.

51. No dia 20 de Janeiro de 2009, a arguida AS... descontou o cheque nº 14856656, no valor de € 12.396,00, sacado sobre a conta nº 9-3665298/000/001, titulada pela A&L... Sociedade de Advogados RL no BPI.

51.a) Com a descrita actuação concertada dos arguidos e sem ter entregado qualquer parecer, a arguida AS... recebeu em Janeiro de 2009 e de uma só vez da Câmara Municipal de Lisboa, por intermédio da arguida IM... e considerando o IVA e o montante retido na fonte para efeitos de IRS, um valor idêntico ao total auferido por si, enquanto advogada avençada desse Município, no segundo semestre de 2008 (€ 14.875,20) (artº 54.º da pronuncia);

51.b) Com a descrita actuação concertada dos arguidos e sem ter entregado qualquer parecer, a arguida IM... recebeu em Janeiro de 2009 e de uma só vez da Câmara Municipal de Lisboa, um valor idêntico ao total auferido por si, enquanto advogada avençada desse Município, no segundo semestre de 2008 (€ 12.960,00) (artº 55.º da pronuncia);

51.c) O suposto “estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa” não foi entregue pelos arguidos na Câmara Municipal de Lisboa (artº 56.º da pronuncia).

51.d) Ao actuarem em conjugação de esforços no sentido de, primeiro, adjudicar por ajuste directo e por € 55.670,40 a referida prestação de serviços jurídicos à sociedade de advogados de que era sócia IM..., irmã da companheira do arguido RP... à data dos factos e tia da filha de ambos, e, segundo, fazer com que a Câmara Municipal de Lisboa liquidasse, como liquidou, uma factura dessa sociedade no valore de € 27.835,20 sem que tivesse sido entregue pelas arguidas IM... e AS... qualquer estudo em Janeiro de 2009, os três arguidos fizeram-no com o propósito de beneficiar indevida e patrimonialmente as duas arguidas, o que conseguiram, bem sabendo que causavam um prejuízo de montante equivalente à Câmara Municipal de Lisboa (artº 60 da pronuncia);

51.f) Ao actuar do modo descrito, beneficiando indevida e patrimonialmente a irmã da sua companheira à data dos factos e tia da sua filha, assim como uma colaboradora sua, o arguido RP... violou os deveres de legalidade, isenção e prossecução do interesse público a que se encontrava adstrito, assim como o de protecção da parte dos interesses financeiros e patrimoniais da Câmara Municipal de Lisboa que lhe incumbia administrar, fiscalizar e defender, em prejuízo desse Município (artº 61 da pronuncia);

51.g) Ao emitir, com data de 7 de Janeiro de 2009, e entregar ao arguido RP... a factura nº 2009000001 da sociedade de advogados A&L... RL, da qual era sócia, com o propósito, conseguido, de receber, para si e para a arguida AS..., o valor de € 27.835,20 por um estudo que não entregou ao arguido RP..., ou a qualquer outro funcionário da Câmara Municipal de Lisboa, a arguida IM... sabia que abalava a credibilidade e fiabilidade pública que os documentos contabilísticos merecem, bem como a sua força probatória (art. 62. da pronuncia);

51.h) Ao declarar no verso da referida factura, com data de 5 de Janeiro de 2009, ter conferido o serviço prestado pela sociedade de advogados A&L... RL, que o mesmo se encontrava em condições de ser processado e ao determinar o envio dessa factura à contabilidade para processamento, com os propósitos, conseguidos, de fazer crer ao departamento de contabilidade da Câmara Municipal de Lisboa que o suposto “estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa” lhe tinha sido entregue pela A&L... Sociedade de Advogados RL, que os pressupostos contratuais para o respectivo pagamento se encontravam preenchidos, o que não correspondia à verdade, e de beneficiar indevidamente e patrimonialmente as arguidas IM... e AS..., o arguido RP... também sabia que abalava a credibilidade e fiabilidade pública que os documentos contabilísticos merecem, bem como a sua força probatória (artº 63.);

51.i) Apesar de não terem entregado ao arguido RP..., ou a qualquer outro funcionário da Câmara Municipal de Lisboa, o referido estudo e de bem saberem que, sem o mesmo, não tinham direito a qualquer montante da Câmara Municipal de Lisboa em Janeiro de 2009, as arguidas IM... e AS... receberam e fizeram seus, respectivamente os montantes de € 12.960,00 e € 14.875,20, bem sabendo que causavam um prejuízo de montante equivalente à Câmara Municipal de Lisboa (artº 64.da pronuncia).

51.j) Os arguidos agiram de forma livre e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei (artº 65. da pronuncia).

52. No dia 1 de Julho de 2009, a A&L... emitiu e entregou à Câmara Municipal de Lisboa a factura nº 2009000018, no valor de € 27.835,20, acompanhada do parecer relativo a soluções jurídicas para o funcionamento do futuro Museu do Design e da Moda (MUDE), subscrito pelas arguidas IM... e AS..., a fim de receber aquele montante, correspondente aos restantes 50% dos honorários contratualizados.

53. No dia 2 de Dezembro de 2009, a Câmara Municipal de Lisboa notificou a arguida IM... de que, por despacho da Vereadora da Cultura CVP, de 18 de Novembro de 2009, o procedimento relativo à formação do contrato de prestação de serviços celebrado entre aquele Município e a A&L... tinha sido revogado, “com fundamento na sua anulabilidade, a qual (…) decorre da violação do princípio da imparcialidade previsto no artº 6º do CPA.

54. Em consequência, nem a A&L... nem as arguidas IM... e AS... vieram a receber da Câmara Municipal de Lisboa qualquer valor pelo parecer relativo a soluções jurídicas para o funcionamento do futuro Museu do Design e da Moda (MUDE).

II – Da Contestação do arguido RP...:

55. A outorga do aludido contrato de prestação de serviços com a “A&L... Sociedade de Advogados RL” teve subjacente a necessidade dos estudos ali enunciados, no âmbito das finalidades da Direcção Municipal de Cultura, que então se perfilavam.

56. Mais concretamente no que respeita à Casa Fernando Pessoa e ao MUDE, equipamentos para os quais se equacionava uma alteração do seu modelo de gestão.

57. O estudo das implicações da alteração dos modelos de gestão era necessário, em particular no que respeita à Casa Fernando Pessoa.

58. A celebração do contrato de prestação de serviços jurídicos cabia no âmbito das funções do arguido, enquanto Director Municipal de Cultura e responsável por aqueles equipamentos da Câmara Municipal de Lisboa (Casa Fernando Pessoa e MUDE).

59. O objecto do contrato inseria-se nas competências técnico-jurídicas da sociedade de advogados contratada, em particular na experiência da sua sócia IM....

60. Nos termos do contrato, a entrega do “Estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, dado o processo já iniciado de transformar a Casa Fernando Pessoa em Fundação”, deveria ocorrer até 15 de Janeiro de 2009, data em que seria pago 50% do valor do global do contrato.

66. Foi determinado o processamento para pagamento.

67. No dia 11 de Janeiro de 2009, o arguido iniciou funções como Director dos Recursos Humanos da Câmara Municipal de Lisboa.

68. Em 28 de Abril de 2011, passou a assessorar a Vereadora das Finanças da Câmara Municipal de Lisboa.

69. Funções em que se manteve até 28 de Junho de 2011.

70. Nesta data iniciou funções como Chefe de Gabinete da Secretária de Estado da Cultura.

71. Após cessar as funções como Director Municipal de Cultura, o arguido permaneceu quase dois anos e seis meses no exercício de funções na Câmara Municipal de Lisboa.

72. Ao longo desse período o arguido nunca foi notificado, contactado e/ou interpelado pelo Director Municipal da Cultura, nem pela Vereadora da Cultura, nem pela Vereadora das Finanças, sobre o contrato celebrado e a entrega, recepção ou destino do referido Estudo.

73. (não provado, vide factos não provados).

74. (não provado, vide factos não provados).

75. Em 1981 o arguido licenciou-se em Antropologia pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/UNL).

76. Em 1986 efectuou as Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica na FCSH/UNL.

77. E em 2006 efectuou o Doutoramento em Antropologia Social e Cultural na FCSH/UNL.

78. O arguido juntou aos autos o seu curriculum Vitae que aqui se dá por integralmente reproduzido – fls. 1252 a 1263.

79. Iniciou a actividade académica e científica, em 1981, como Docente da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

80. A par da docência, o arguido tem publicado obras e tido intervenção em Exposições Museológicas.

81. Desempenhou funções de Director de Municipal da Cultura e de Director Municipal de Recursos Humanos na Câmara Municipal da Cultura, nos anos, respectivamente, de 2005-2009 e 2009-2011.

82. Foi convidado para assessor da Vereadora da Finanças da Câmara Municipal de Lisboa, funções que exerceu até 28 de Junho de 2011.

83. Data em que iniciou funções como Chefe de Gabinete da Secretaria de Estado da Cultura.

84. Em 21 de Novembro de 2012, por despacho de Sua Excelência, a Senhora Ministra da Justiça, o arguido iniciou funções como Presidente do Conselho Directivo do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P., em regime de substituição.

85. Em 26 de Setembro de 2013 foi nomeado em regime definitivo, em resultado de procedimento concursal da CRESAP (Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública).

86. No dia 23 de Outubro de 2013 o arguido foi notificado da acusação na 9ª Secção do DIAP onde se deslocou quando ali foi chamado.

87. A Acusação foi deduzida a 23 de Outubro de 2013.

88. À data o arguido estava em exercício de funções como Presidente do Conselho Directivo do IGFEJ, I.P.

89. Tendo imediatamente demonstrado perante Sua Excelência, a Ministra da Justiça, a sua disponibilidade para formular, por escrito, o seu pedido de exoneração.

90. Face à posição assumida por Sua Excelência, a Ministra da Justiça, tal pedido não chegou a ser formalizado.

91. O arguido apresentou, de imediato, o pedido de suspensão das suas funções como Presidente do Conselho Directivo do IGFEJ, que exercia em Comissão de Serviço desde 21 de Novembro de 2012.

92. Por despacho de Sua Excelência, a Ministra da Justiça, exarado no requerimento apresentado, foi deferido o pedido de suspensão de funções apresentado pelo arguido.

93. No dia seguinte, 24 de Outubro de 2013, o arguido regressou ao exercício exclusivo da docência universitária, como Professor Auxiliar da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. 

94. O arguido mantém-se desde então, em exclusivo, na carreira docente.

95. No triénio 2013-2016 estão-lhe atribuídas as seguintes disciplinas: Antropologia do Ciberespaço, Antropologia do Colonialismo, Antropologia dos Direitos Humanos e Antropologia Linguística.

96. O arguido tem 56 anos de idade (à data da prolação da decisão em 1.ª instância).

97. Exerceu ao longo de mais de 12 (doze) anos funções públicas.

98. Ao longo desses 12 anos não há conhecimento que lhe tivessem sido assacadas quaisquer irregularidades ou imputados quaisquer factos ilícitos no exercício dessas funções, com excepção dos vertidos nos presentes autos.

99. Durante o período em que exerceu funções na CML – inicialmente na DMC e, posteriormente, na DRH, aqui com particular incidência na gestão de dinheiros públicos –, não há conhecimento de qualquer outra conduta do arguido de idêntica natureza à que lhe é imputada nos presentes autos.

100. Não há conhecimento que ao arguido tivessem sido imputados quaisquer factos de igual ou idêntica natureza, durante o período em que esteve em exercício de funções como Presidente do Conselho Directivo do IGFEJ. 

101. No exercício das suas funções de gestão e direcção superior da Administração Pública o arguido é um homem rigoroso e preocupado com a causa pública.

102. O arguido é um Pai presente e participante na vida da sua filha.

III – Da Contestação das arguidas IM... e AS...:

103. A Câmara Municipal de Lisboa exerce a sua acção em inúmeras vertentes, desenvolvendo actividades muito diversificadas - desde o lixo, ao ordenamento do território, à cultura, entre outros, sendo um dos maiores empregadores a nível nacional.  

104. A Câmara Municipal de Lisboa, atenta a complexidade e diversidade do seu objecto recorre a prestadores de serviços, seja como avençados, seja ao nível da consultoria externa.

105. As arguidas foram contratadas, em momentos distintos, através de um procedimento de contratação autorizado pelo então vereador da cultura Dr. AL, no âmbito de um procedimento pré-contratual de aquisição de serviços.

106. O referido procedimento terminou com a celebração de um contrato de prestação de serviços, em regime de avença, com o fornecedor escolhido, que tinha como objecto prestações sucessivas no exercício de profissão liberal.

107. Enquanto avençadas da Direcção Municipal da Cultura, as arguidas tinham como funções prestar assessoria jurídica aos serviços dependentes da DMC, designadamente, às bibliotecas, aos arquivos, aos museus, à Casa Fernando Pessoa e ao futuro MUDE.

108. O trabalho em questão incluía a elaboração de protocolos, de contratos, a assessoria em reuniões, e a assessoria a todas as questões jurídicas que surgiam no dia-a-dia nos serviços na dependência da Direcção Municipal de Cultura, designadamente, instrução de procedimentos de contratação pública de acordo com as indicações do dirigente.

109. As arguidas prestavam essas funções numa base diária.

110. Na Direcção Municipal de Cultura, davam resposta às solicitações do dirigente, sendo conhecedoras das especificidades da área da cultura da CML.

111. De entre os equipamentos culturais na dependência da DMC integram-se, para além de outros, o MUDE e a Casa Fernando Pessoa.

112. A Colecção de FC estava exposta no museu do design do Centro Cultural de Belém.

113. A Câmara Municipal de Lisboa adquiriu a colecção de FC, de design de moda.

114. Com a aquisição da referida colecção a CML pretendia criar um museu do design em Lisboa, o MUDE.

115. A criação do MUDE tinha em vista a prossecução de três objectivos, a saber: i) estabelecer laços permanentes com o tecido industrial/empresarial, servindo de plataforma para a apresentação de novos projectos, produtos e serviços; ii) contribuir para a consciencialização da responsabilidade social do design e da importância da cultura de projecto na sociedade contemporânea; e iii) trazer modernidade à cidade com a inerente projecção internacional.

116. Consta do site do MUDE que, “para além do significativo contributo para a oferta cultural e artística da capital portuguesa, o MUDE, situado na pedonal Rua Augusta, integra-se no projecto de requalificação urbana da Baixa Pombalina, encontrando-se instalado num magnífico edifício que outrora foi sede de um banco.

117. Mais consta do site do MUDE que o edifício, num conceito work in progress, foi totalmente remodelado para albergar, em quatro pisos, o acervo do Museu e os serviços complementares, como a livraria e a cafetaria, assim como as salas de ensaio e de conferências. 

118. Como também se nota no dito site, “a ligação ao mundo do design e da moda, a excelência da colecção e o próprio conceito museológico, tornam o MUDE num espaço cultural único no contexto internacional, posicionando Lisboa como uma das novas “capitais do design”.

119. (não provado, vide factos não provados).

120. A Casa Fernando Pessoa foi inaugurada em 1993, como um centro cultural destinado a homenagear Fernando Pessoa e a sua memória na cidade onde viveu e no bairro onde passou os seus últimos quinze anos de vida, Campo de Ourique.

121. Esta Casa possui um auditório, um jardim, salas de exposição, objectos de arte, uma biblioteca exclusivamente dedicada à poesia, e uma parte do espólio do poeta que inclui objectos e mobiliário que pertenceram a Fernando Pessoa e que são actualmente património municipal.

122. A Casa Fernando Pessoa, cujo objectivo é divulgar a vida e a obra do poeta Fernando Pessoa integra a actividade cultural da própria Câmara.  

123. À data dos factos a Directora da Casa Fernando Pessoa era a escritora IP.

124 - Por despacho do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, foi determinado que a Casa Fernando Pessoa passasse a reportar hierárquica e funcionalmente ao gabinete do Presidente da Câmara.

125. A Casa Fernando Pessoa tinha uma actividade cultural regular, com colóquios, sessões de leitura, conferências, cursos, sessões de apresentações de livros, espectáculos de música e de teatro.

126. As actividades da Casa Fernando Pessoa implicavam apoio jurídico das arguidas.

127. Em 2008 equaciona-se a possibilidade de autonomizar a Casa Fernando Pessoa da CML, dando-lhe uma nova natureza jurídica, mais especificamente, a fundacional.

128. A Directora da Casa Fernando Pessoa, reuniu com o Director Municipal da Cultura (ora arguido) e a então assessora jurídica IM... (ora arguida), várias vezes.

129. Estando a CML a ponderar afectar o espólio da casa Fernando Pessoa a uma nova figura jurídica e autónoma da Câmara, com inerente transmissão do espólio a esta outra pessoa colectiva, era necessário analisar as implicações resultantes da classificação do espólio para as intenções do município, antes de tomar posição oficial sobre o assunto, daí não ter sido respondida a solicitação da Directora da Casa Fernando Pessoa, o que lhe foi dado conhecimento. 

130. Em 17 de Abril de 2009, é publicado na 2.ª Série do Diário da República, o Anúncio n.º 3108/2009, referente ao despacho de 7 de Abril de 2009, onde se declara o seguinte:

“A Biblioteca Nacional de Portugal, na qualidade de instituição a quem o Estado conferiu a missão de garantir a classificação e a inventariação do património bibliográfico nacional, determinou, nos termos do n.º 3, do artigo 15.º, da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, por despacho do seu Director-Geral de 2008/10/14, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 206, de 23 de Outubro de 2008, a abertura do procedimento de classificação do Espólio documental de Fernando Pessoa como bem de interesse nacional.

Iniciado o procedimento de classificação, foram analisados todos os elementos recolhidos, no sentido do aprofundamento das razões que fundamentaram a abertura do referido procedimento, concluindo-se que o Espólio documental de Fernando Pessoa deve ser classificado como tesouro nacional, nos termos previstos na Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro — Lei de Bases da Política e do Regime de Protecção e Valorização do Património Cultural.

Neste sentido notificam-se os interessados para a audiência prévia, prevista no artigo 27.º, n.º 1, in fine da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, e dos artigos 100.º, n.º 1 e 103.º, n.º 1, alínea c) do Código do Procedimento Administrativo, para, querendo, dizerem por escrito o que se lhes oferecer, no prazo de 20 (vinte) dias a contar da publicação do presente anúncio. 

O processo poderá ser consultado no Gabinete de Consultoria Jurídica da Biblioteca Nacional de Portugal, sita no Campo Grande 83, Lisboa, de segunda a sexta-feira, das 09h30 às 12h30 e das 13h30 às 17h00.”.

131. Em 19 de Abril de 2009, o Director Geral da Biblioteca Nacional, Jorge Couto, notifica a Casa Fernando Pessoa, para, em sede de audiência dos interessados, e na qualidade de entidade detentora de partes componentes do espólio documental de Fernando Pessoa, se pronunciar sobre a respectiva proposta de classificação.    

132. Em 6 de Maio de 2009, a Directora da Casa Fernando Pessoa, pronuncia-se sobre a proposta de classificação do espólio nesta fase procedimental. 

133. Em 13 Novembro de 2008, a galeria e leiloeira P4, promoveu no Centro Cultural de Belém um leilão do espólio Fernando Pessoa, identificado como "anotações manuscritas" pelo poeta na contracapa de um livro da Colecção Sociológica (lote 21).

134. A referida contracapa solta pertencia a um dos livros que os herdeiros do autor haviam vendido à Câmara de Lisboa, fazendo parte do espólio afecto à Casa Fernando Pessoa.

135. Nessa medida, a CML tinha-se como proprietária desse bem.

136. A CML reagiu, intentando uma providência cautelar para evitar que a peça fosse licitada. 

137. Tudo isto foi noticiado pela imprensa.

138. A Direcção Municipal da Cultura diligenciou no sentido de o departamento jurídico da CML actuar de forma a evitar a referida venda.

139. Neste âmbito, por incumbência do aqui arguido, a ora arguida IM... foi discutindo este assunto, com a Directora do Departamento Jurídico, com vista à adopção das medidas que mais adequassem aos fins pretendidos.

140. Foi o próprio Director Municipal hoje arguido, que se deslocou ao leilão, acompanhado pela arguida IM..., na qualidade de sua assessora jurídica, munido do requerimento inicial da providência cautelar elaborado pelo departamento jurídico da Câmara Municipal, com vista a impedir a realização da licitação da contracapa.

141. O objecto acabou por não ser vendido em leilão.

142. O episódio do leilão – com a inerente tomada de consciência da indefinição do acervo adquirido pela Câmara – e o processo de classificação do espólio documental FP – tornaram necessária a intervenção da CML de estudar os impedimentos e o impacto, jurídicos, da transformação da Casa FP em Fundação.

143. A jurista MJS, deixa de prestar serviços para a Câmara a partir de 1 de Novembro de 2008, passando todo o apoio jurídico que até então era assegurado por três juristas, a ser desempenhado pelas duas arguidas.

144. (não provado, vide factos não provados).

145. A sociedade em questão, na pessoa da sócia IM... tinha experiência forense na área de direitos de autor.

146. A sociedade prestou durante anos assessoria jurídica a conhecidas produtoras, actores, realizadores e músicos, elaborando contratos, dando pareceres, e representando-os em juízo.

147. A arguida IM..., dispunha, desde 8 de Outubro de 2004, de pós-graduação em Direito da Comunicação, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.  

148. Ainda hoje, a arguida IM... exerce as suas competências na área de assessoria jurídica em matéria de direitos de autor, trabalhando actualmente para o OPART, entidade que gere a Companhia Nacional de Bailado e o Teatro Nacional de São Carlos.

149. Em finais de 2008, o Município tinha já iniciado o processo de desafetação da Casa Fernando Pessoa da Direcção Municipal da Cultura para o que já havia contratado uma sociedade de Advogados – distinta da A&L – para a elaboração de uma proposta de estatutos para o referido serviço. 

150. Durante o ano de 2009, a arguida IM... manteve diversas reuniões com a Dra. IP, na sua qualidade de Directora da Casa Fernando Pessoa, para discussão de diversos assuntos relacionados com a Casa Fernando Pessoa.

151. (Provado apenas o que consta dos factos descritos em 57).

152. É o Director Municipal que comunica à arguida AS..., que proceda à instrução do procedimento pré-contratual de aquisição de serviços da sociedade A&L, Sociedade de Advogados RL, por ajuste directo e pelo valor estimado de cerca de € 47.000,00, com vista à prestação dos seguintes serviços:

i) Soluções jurídicas para o funcionamento do futuro museu do design;

ii) Estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa, propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, dado o processo já iniciado de transformar a Casa Fernando Pessoa em Fundação;

iii) O levantamento das Fundações nacionais que se dedicam à promoção de autores com obras de relevante interesse nacional;

iv) Formas de protecção da marca Casa Fernando Pessoa. 

153. A arguida AS... instRP...u as peças do respectivo procedimento.

154. A Dra. AS... instRP...u o referido procedimento contratual, e instRP...u outros, das mais diversas aquisições de serviços, de entre os quais, o da contratação, por ajuste directo, da elaboração dos Estatutos da Fundação da Casa Fernando Pessoa a uma sociedade de advogados.

157. A partir de 19 de Dezembro, RL (sócia da A&L), deixou de exercer funções a tempo inteiro no escritório da A&L.

162. Desde 2008 até agora a arguida mudou de instalações de escritório, acabando por fechar a actividade da sociedade em 2009 e por deixar de prestar as suas funções como profissional liberal em Junho de 2010, data em que suspendeu a sua inscrição na Ordem dos Advogados.

163. (não ficou provado o facto de ter sido no computador do escritório da sociedade que foi efectuado o suposto trabalho, nem o mesmo entregue, sendo irrelevante se o disco rígido ficou danificado, vide factos não provados).

164. Ao longo destes anos, a Câmara Municipal de Lisboa – representada pelo Dr. MV ou outro dirigente ou funcionário – nunca confrontou a sociedade, ou qualquer uma das arguidas, com a não localização do trabalho pedindo uma “segunda via”.

Mais se provou relativamente aos arguidos:

165. Não têm antecedentes criminais. Todos estão inseridos familiar, profissional e socialmente.

166. Os três arguidos negaram a prática dos factos, e não mostraram arrependimento
167. Da situação económica e social dos arguidos:
a) Arguido RP...:
-“…não se revê na acusação formulada, sobre a qual assume uma postura simultaneamente de vitimização e de desresponsabilização, o que configura um factor de risco” não obstante a sua estabilidade económica e laboral que continua a vivenciar configura factor de contenção para a não replicação das condutas de que é acusado”;
- aufere como Professor Associado na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UNL ( unidades curriculares de Antropologia), o montante de €1.850,00 mensais,  tendo como encargos domésticos e pessoais fixos o montante de €1.040,00 mensais;
b) Arguida IM...:
- “cresceu num contexto social conotado com níveis económicos médios/altos, nos quais a família se enquadra”;
- “Não se revê na acusação formulada” e “relativamente ao processo em causa, não evidencia juízo crítico nem valorização do bem jurídico em causa, o que em caso de condenação representa um factor de risco”;
- finda a avença com a Câmara Municipal de Lisboa/Direcção Municipal de Cultura, ocorrida em 2009, terminou também nesse ano a Sociedade de Advogados “A&L..., RL”;
- tem um filho com cerca de 11 anos que vive consigo;
- trabalhou como assessora no gabinete do Secretário de Estado da Justiça do XVIII Governo Constitucional de 2009 a 2011;
- Em junho de 2014, estava a trabalhar na OPART- Organismo de Produção Artística, Entidade Pública e Empresarial, com vínculo de efectividade e onde auferia o montante de €1.800,00 mensais;
- “Não se revê na acusação contra si deduzida” e “reconhece a gravidade dos factos imputados, que atribui a factores externos”;
c) Arguida AS...:
- vive com o marido, Designer Gráfico, desempregado em Junho de 2014, e dois filhos com cerca de 13 e 10 anos de idade;
- desempenha funções de assessora, em regime de nomeação, no Gabinete do Ministro da Educação e Ciência, auferindo a quantia mensal de €2000,00 mensais; paga a escola dos filhos no montante de €400,00, e de prestação da casa o montante de €300,00;
- O seu “enquadramento familiar passou-lhe como principais valores o da dedicação ao trabalho”;
- “a dependência de terceiros a nível profissional, ausência de vinculo laboral estável bem como  a sua atitude em relação ao presente processo, parecem constituir-se como os principais factores de risco criminal”;
- “Não se revê na acusação contra si deduzida” e” reconhece a gravidade dos factos imputados, no entanto atribui externamente a responsabilidade do presente processo”;

6. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA

De relevo não se provou que:

II – Da Contestação do arguido RP...:

(com a numeração dos factos anteriormente dados como provados)

57. O estudo das implicações da alteração dos modelos de gestão era urgente, em particular no que respeita à Casa Fernando Pessoa (Provado tão só o que consta do art.º 57 dos factos provados).

61. O “Estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa” foi efectuado e entregue ao arguido enquanto Director Municipal da Cultura.

62. Tal entrega foi efectuada em 7 de Janeiro de 2009, em mão e no seu gabinete.

63. Como era usual acontecer com os pareceres e estudos solicitados.

64. Nessa mesma data, o estudo foi conferido pelo arguido.

65. A data de 5 de Janeiro de 2007 aposta no verso do original azul deve-se a mero lapso de escrita.

72. Ao longo desse período o arguido nunca foi contactado por quem quer que fosse, sobre o contrato celebrado e a entrega, recepção ou destino do referido Estudo.

73. Nunca foram solicitados ao arguido quaisquer informações ou esclarecimentos sobre o contrato celebrado, nem sobre o “Estudo sobre a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa, propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, dado o processo já iniciado de transformar a Casa Fernando Pessoa em Fundação”, seu paradeiro ou destino.

74. Sendo comunicado ao arguido a “ pretensa inexistência” do estudo em sede de inquérito.

III – Da contestação das arguidas IM... e AS...:

- As suas contratações foram realizadas da mesmíssima forma que as demais contratações dos avençados da CML da Vereação da Cultura e da Direcção Municipal da Cultura (artº 16º da contestação);

- … dispunham de um gabinete próprio, de computador próprio e de extensão telefónica própria, reunindo, de facto, todas as condições para integrar o quadro da Câmara Municipal de Lisboa (parte do artº 23º);

- Quando iniciariam as suas funções para a CML, as arguidas tiveram acesso ao Protocolo celebrado com FC (artº 33º);

- A Casa Fernando Pessoa foi, desde sempre, vista pela CML como uma oportunidade de divulgação da actividade cultural da própria Câmara (parte do artº 38º);  

- A Casa Fernando Pessoa tinha uma actividade cultural permanente (parte do artº 44º);

- Em data que não se sabe precisar, mas se pensa ser em 1986, a Câmara Municipal de Lisboa, adquiriu manuscritos e outros objectos propriedade de Fernando Pessoa, disponibilizando-os para o público em geral na Casa Fernando Pessoa (artº 62º);

- A intervenção do Director Municipal foi determinante para esse efeito, visto que ao questionar publicamente a propriedade da capa e divulgar a existência de uma providência cautelar da CML destinada a impedir a venda, criou nos potenciais interessados a dúvida sobre a legitimidade de aquisição da capa do livro (artº 72º);

- RL, tinha reconhecida experiência na área de direitos de autor, por se tratar de matéria à qual sempre se havia dedicado, desde o início da sua actividade profissional (artº 80º);

- Sem que lhes fosse pago qualquer valor adicional, mais tarde, em Março de 2009, as arguidas elaboraram, a pedido da CML, um memorando com sugestões de ajustamentos ao referido documento (artº 88º); 

- Em nenhuma situação pretérita a Dra. AS... propôs qualquer sociedade ou pessoa individual para a realização de qualquer serviço (artº 97º); 

- A decisão de contratar os serviços de outro advogado apenas foi tomada quando a ora arguida IM... teve conhecimento de que a sua sócia iria estar ausente do escritório, para acompanhamento da sua filha recém-nascida, durante seis meses (artº 101º);

(Com a numeração dos factos anteriormente dados como provadosJ

119. O MUDE era um projecto da CML de carácter prioritário.

144. O Director Municipal da Cultura entendeu ser necessária a contratação de uma sociedade de advogados com experiência na área de direitos de autor e direitos conexos, para desenvolver os trabalhos que sustentassem as decisões sobre o futuro dos dois equipamentos cujo modelo de gestão se pretendia alterar – o MUDE e a Casa Fernando Pessoa. 

151. O estudo das implicações da alteração dos modelos de gestão dos dois equipamentos, em particular da Casa Fernando Pessoa, eram assuntos urgentes.

153. A arguida AS... nesse procedimento averiguou a conformidade jurídica da decisão executiva que lhe foi comunicada de contratar.

155. A Drª AS... quando instRP...u o referido procedimento contratual desconhecia que iria ser convidada pela referida sociedade para colaborar parcialmente na elaboração do trabalho.

156. Nessa data nem a própria arguida IM... sabia que ia convidá-la a prestar os serviços à sociedade A&L....

158. A Drª AS... nem sequer foi a primeira escolha da A&L... para a colaboração da realização do trabalho.

159. A Drª AS... é escolhida e aceita colaborar no referido trabalho, na sequência da recusa de colaboração da primeira escolha da A&L..., da Advogada IA .

160. A arguida IM... não tem qualquer espécie de cópia carimbada do estudo que apresentou em mão ao arguido RP....

161. A arguida não guardou, porque não tinha o hábito de guardar, qualquer suporte físico do estudo prestado.

162. Desde 2008 até agora a arguida mudou de instalações de escritório, acabando por fechar a actividade da sociedade em 2009 e por deixar de prestar as suas funções como profissional liberal em Junho de 2010, data em que suspendeu a sua inscrição na Ordem dos Advogados.

163. A arguida não dispõe de suporte digital do trabalho, tendo o computador do escritório onde as arguidas desenvolveram o trabalho ficado danificado em 2010, (sendo irrelevante se ficou irrecuperável o seu disco rígido).
7. DECISÃO DE DIREITO.
Do enquadramento jurídico-penal.
Encontram-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos da prática, pelos arguidos:
1. Os arguidos RP..., IM... e AS..., em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de participação económica em negócio, p. e p. pelo artº 377º, nº 1, com referência aos artºs 26º, 28º, nº 1 e 386º, nº 1, al. d), todos do Código Penal;
2. A arguida IM..., em concurso real com o de participação económica em negócio, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artºs 255º al. a) e 256º, nº 1, al. d), ambos do Código Penal;
3. O arguido RP..., em concurso real com o de participação económica em negócio, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artºs 255º, al. a) e 256º, nº 1, al. d) e nº 4, ambos do Código Penal.  
É ainda aplicável ao arguido RP... “a pena acessória de proibição do exercício de todas e quaisquer funções públicas que integrem a competência para autorizar a realização de despesa com a aquisição de bens e serviços, ao abrigo do disposto no artº 66º, nº 1, al. a), do Código Penal.”
Dispõe o Art.º 377 do Código Penal (Participação em negócio):
1. O funcionário que, com intenção de obter, para si ou para terceiro, participação económica ilícita, lesar em negócio jurídico os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, lhe cumpre, em razão da sua função, administrar, fiscalizar, defender ou realizar, é punido com pena de prisão até cinco anos.
2. O funcionário que, por qualquer forma, receber, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial por efeito de acto jurídico-civil relativo a interesses de que tinha, por força das suas funções, no momento do acto, total ou parcialmente, a disposição, administração ou fiscalização, ainda que sem os lesar, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 60 dias.
3. A pena prevista no número anterior é também aplicável ao funcionário que receber, para si ou para terceiro, por qualquer forma, vantagem patrimonial por efeito de cobrança, arrecadação, liquidação ou pagamento que, por força das suas funções, total ou parcialmente, esteja encarregado de ordenar ou fazer, posto que não se verifique prejuízo para a Fazenda Pública ou para os interesses que lhe estão confiados.
Sobre o enquadramento doutrinário do mencionado ilícito criminal:
“2. O bem jurídico protegido pela incriminação é o património alheio (público ou particular) e, acessóriamente, a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário (ver a anotação ao artigo 372.° a este propósito). A enorme disparidade das molduras penais aponta no sentido de que, não havendo lesão do património confiado ao funcionário, a lesão do bem jurídico da integridade do exercício das funções públicas tem um papel meramente acessório.
3. O crime de participação económica em negócio é, em qualquer das suas modalidades, um crime de dano (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de resultado (quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção) (sobre estes conceitos ver a anotação ao artigo 101.
4. O tipo objectivo consiste nas seguintes acções: (1) lesar em negócio jurídico os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, cumpre ao funcionário, em razão da sua função, administrar, fiscalizar, defender ou realizar; (2) receber, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial por efeito de acto jurídico-civil relativo a interesses patrimoniais de que tinha, por força das suas funções, no momento do acto, total ou parcialmente, a disposição, administração ou fiscalização, ainda que sem os lesar; (3) receber, para si ou para terceiro, por qualquer forma, vantagem patrimonial por efeito de cobrança, arrecadação, liquidação ou pagamento que, por força das suas funções, total ou parcialmente, esteja encarregado de ordenar ou fazer, posto que não se verifique prejuízo para a Fazenda Pública ou para os interesses patrimoniais que lhe estão confiados.
5. O crime é cometido por funcionário. Na modalidade prevista no n.° 1, a qualidade de funcionário é uma circunstância agravante do crime de infidelidade (artigo 224.º) (crime específico impróprio). Nas modalidades previstas nos n.°s 2 e 3, a qualidade de funcionário funda o ilícito, uma vez que não há incriminação geral correspondente para não funcionários (crime específico próprio).
6. O funcionário tem a seu cargo a defesa dos "interesses patrimoniais" (sobre este conceito ver a anotação ao artigo 224.º), quer eles sejam interesses patrimoniais públicos, quer sejam interesses patrimoniais privados confiados ao funcionário no exercício das suas funções (também assim, CONCEIÇÃO CUNHA, anotação 3.° ao artigo 377.º, in CCCP, 2001).
7. O funcionário pratica a conduta típica "em razão da sua função" ou "por força das suas funções" (sobre o significado desta exigência típica ver a anotação ao artigo 372.º.
8. A "participação" é uma vantagem patrimonial, tendo a comissão de revisão do CP de 1989-1991 rejeitado expressamente o alargamento do conceito legal às vantagens não patrimoniais (ACTAS CP/FIGUEIREDO DIAS, 1993: 441). O tipo configura três modalidades de participação económica, que correspondem a três distintos modos de execução do crime: a participação em negócio lesivo dos interesses patrimoniais confiados ao funcionário (n.º 1); a participação em negócio não lesivo dos interesses patrimoniais confiados ao funcionário (n.º 2); e a participação em cobrança, arrecadação, liquidação ou pagamento (n.° 3).
9. Em qualquer das três modalidades, o funcionário age para benefício próprio ou para benefício de um "terceiro", seja pessoa física ou colectiva, pública ou privada.(…).
10. A participação é "ilícita", ou seja, a vantagem resultante do negócio ou acto jurídico não é conforme ao direito. A ilicitude reporta-se, portanto, ao acto praticado pelo funcionário. A ilicitude do acto poder ser substantiva, formal, orgânica ou processual. Os vícios formais, orgânicos ou processuais do acto do funcionário não são irrelevantes nem menos relevantes do que os vícios substantivos. A participação económica também é criminosa, quando o funcionário dolosamente desrespeita os requisitos de validade formal, orgânica e processual do acto (por exemplo, não procede à prévia audição ou não colhe a prévia autorização de um órgão) para obter uma vantagem patrimonial para si ou para terceiro, com prejuízo dos interesses patrimoniais que lhe estão confiados (…). Quando a norma reconhece um espaço de discricionariedade ao aplicador, a aplicação da norma é contrária ao direito se o aplicador se desvia do fim para que foi atribuída a referida discricionariedade. O desvio no exercício de um poder discricionário representa, pois, um grave vício do acto do funcionário.
11. Na participação em negócio lesivo dos interesses patrimoniais confiados ao funcionário (n.° 1), a vantagem (isto é, a "participação") opera-se ao nível do próprio negócio jurídico, em virtude dos próprios termos do conteúdo do negócio, que são lesivos para os interesses patrimoniais confiados ao funcionário. O funcionário não tem de ser a pessoa que celebra o negócio jurídico, sendo suficiente que ele tenha participação relevante no negócio jurídico, condicionando os termos em que vai ser celebrado o negócio. Por exemplo, comete o crime de participação económica o escrivão que faz constar do autor de arrematação um valor falso do lanço mais alto, com vista a favorecer o arrematante e a prejudicar um outro licitante que tinha feito maior oferta (acórdão do STJ, de 14.5.1986, in BMJ, 357, 216). Mas não comete o crime o escrivão que fabrica um auto de arrematação sem que esta tivesse sequer tido lugar (acórdão do ST)", de 26.1.2000, in SASTJ, 37, 66).
(…)
14. O tipo subjectivo admite qualquer modalidade de dolo. A modalidade do crime prevista no n.º 1 inclui também um elemento subjectivo adicional: a intenção de obter, para si ou para terceiro, participação económica ilícita. Não é necessário que o funcionário ou o terceiro obtenham efectivamente uma vantagem patrimonial ou não patrimonial, sendo suficiente que ele a tenha querido obter. Ou seja, o tipo subjectivo contém uma intenção de realização de um resultado que não faz parte do tipo objectivo, mas que é provocado pela acção típica. Trata-se, pois, de um crime de resultado cortado (…).
15. A tentativa do crime previsto no n.° 1 é punível. O crime consuma-se com a verificação da lesão dos interesses patrimoniais confiados ao funcionário.
16. Nos crimes previstos nos n.°s 2 e 3, o crime consuma-se com o recebimento da vantagem patrimonial pelo funcionário ou pelo terceiro. Antes desse momento só se verificam actos de execução de uma tentativa, que ficam impunes.
17. A qualidade de funcionário é comunicável, nos termos do artigo 28.°, n.° 1, aos comparticipantes que a não possuam. O crime de participação económica tem a natureza de um crime de comparticipação necessária imprópria (ver sobre este conceito a anotação ao artigo 10.°), não sendo punível a contra-parte no negócio ou acto jurídico realizado pelo funcionário.
(…)
21. Há concurso efectivo entre o crime de participação económica e o crime de falsificação de documentos, quando a prática do crime de participação implica a elaboração de documento cujo conteúdo não é verdadeiro.(in Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal. 2008, Ed Univ Católica, pags. 894 a 897) – sublinhados nossos.
Antes de tudo, atente-se no que se explana no Acórdão da Relação de Coimbra de 28 de Maio de 2014 (processo n.º 287/07.8TAGVA.C1, em que estava em causa a contratação da filha de um dirigente de uma IPSS pelo próprio), relatado pela Exma. Desembargadora Maria José Nogueira, quanto ao tipo legal do crime de participação económica em negócio:
“Segundo Figueiredo Dias o objectivo que subjaz ao tipo legal em questão «reconduz-se a impedir que interesses públicos de natureza patrimonial sejam preteridos em favor de interesses privados do agente ou de terceiro» - [cf. RLJ 121, pág. 384].
(…)
De forma impressiva se pronuncia José António Barreiros, quando, não sem que antes convoque o artigo 266º da CRP relativo aos princípios pelas quais se rege a Administração, bem como os artigos 3º a 7º do CPA, escreve: «do ponto de vista do bem jurídico tutelado pela norma incriminatória que a participação económica em negócio atinge, este é, pois, um delito pluriofensivo, pois (i) por um lado … o crime ataca interesses de natureza estritamente patrimonial, até pelo objecto sobre o qual incide a acção do agente (ii) por outro, põe também em crise valores com assento constitucional, como são a prossecução do interesse público, a boa-fé, a justiça, a imparcialidade e a igualdade, a que a Administração Pública em particular e o Estado em geral estão adstritos. (sublinhado nosso).
Trata-se, portanto, de um conglomerado de interesses que a norma defende, os quais se articulam de modo coerente, mas que haverão de iluminar a área de tutela pela ponderação de uma outra circunstância: a da abstenção do funcionário face a outros interesses que não sejam os da função, ou seja, a necessidade que ele assegure a exclusividade das finalidades do cargo e as suas exigências» - [cf. “Participação Económica em Negócio, um crime de fronteira», Labirinto de Letras Editores, pág. 30].
No que respeita ao elemento objectivo o tipo de crime imputado aos argui-dos/recorrentes consiste na acção de lesar em negócio jurídico os interesses patrimoniais que cumpre ao funcionário, em razão da sua função, administrar, fiscalizar, defender ou realizar, ou seja o funcionário pratica a conduta típica em razão da sua função - ou por força das suas funções - que tem a seu cargo a defesa dos interesses patrimoniais que lhe estão confiado, exigindo o tipo subjectivo – quanto à acção prevista no n.º 1 - «a intenção de obter, para si ou para terceiro, participação económica ilícita», não sendo, contudo, necessário que o funcionário ou o terceiro a venham a alcançar, circunstância que tem servido para que vários autores o qualifiquem como «crime de resultado cortado», pois como refere Pinto de Albuquerque «… o tipo subjectivo contém uma intenção de realização de um resultado que não faz parte do tipo objectivo, mas que é provocada pela acção típica» - [cf. ob. cit., págs. 894/897].
Por outro lado, afigura-se-nos pacífica a afirmação de que o crime em causa se consuma com a lesão dos interesses patrimoniais confiados ao funcionário, operada ao nível do próprio negócio jurídico em função dos termos do seu conteúdo que são lesivos para os identificados interesses – [cf. Conceição Ferreira da Cunha, “Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial,”, T. III, Coimbra Editora, pág. 727; Manuel Leal – Henriques e Simas Santos, “Código Penal Anotado”, 3.ª Edição, 2º Vol., Parte Especial, Editora Rei dos Livros, pág. 1626; Maia Gonçalves, “Código Penal Português”, 17.ª Edição, Almedina, pág. 1061; Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pág. 894/897] ainda que o agente, nas palavras de José António Barreiros, ob. cit., pág. 99, «não atinja o exaurimento do seu plano de obter a participação económica pretendida».
Também não merece dúvida tratar-se de crime cometido por funcionário, portanto um crime específico, sendo que para efeitos penais releva o conceito de funcionário inscrito no artigo 386.º do Código Penal «…mais amplo que o administrativo, pois está mais intimamente ligado à função desempenhada e não propriamente ao formalismo legalmente estabelecido para aquisição daquela qualidade» - [cf. o acórdão do STJ de 13.02.1997, CJ, ASTJ, V, T. I, pág. 221].
Também as normas do Código dos Contratos Públicos, do Código do Procedimento Administrativo e mesmo da Constituição da República Portuguesa que definem os princípios norteadores da actividade da Administração Pública e dos seus funcionários, cuja violação constitui elemento do tipo legal de crime de participação económica em negócio impõem a condenação dos arguidos.
Contrariamente ao que as arguidas IM... e AS... invocam na sua resposta, o que está em causa não é nem o valor máximo da adjudicação directa não estar ultrapassado ou sendo serviços jurídicos nem ter limite de valor, nem o facto de ter não sido invocado urgência para o efeito, nem ainda de a arguida IA não ser parente ou afim do arguido RP..., tendo em consideração os art.º s 1579 a 1585 do C.Civil.
Mais do que a ilegalidade do comportamento dos arguidos – desde logo pela violação dos princípios da isenção e da imparcialidade - e a consequente anulabilidade do contrato celebrado, nos termos do art.º 135.º do C.P.A., o que aqui se decide é o comportamento criminal daqueles.
Por outro lado não se encontra plenamente justificado do ponto de vista legal o recurso ao ajuste directo para elaboração dos estudos.
O arguido RP... celebrou o contrato com a IM... quando ainda vivia em união de facto com a irmã desta. E a arguida AS... recebeu retribuição por contrato que ela própria instRP...u.
E dispõem as seguintes normas do C.P.A.:
- o Artigo 44.º do CPA (Casos de impedimento)
1. – Nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo ou em acto ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública nos seguintes casos:
a) Quando nele tenha interesse, por si, como representante ou como gestor de negócios de outra pessoa;
b) Quando, por si ou como representante de outra pessoa, nele tenha interesse o seu cônjuge, algum parente ou afim em linha recta ou até ao 2.º grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem viva em economia comum;
c) Quando, por si ou como representante de outra pessoa, tenha interesse em questão semelhante à que deva ser decidida, ou quando tal situação se verifique em relação a pessoa abrangida pela alínea anterior;
d) Quando tenha intervindo no procedimento como perito ou mandatário ou haja dado parecer sobre questão a resolver;
e) Quando tenha intervindo no procedimento como perito ou mandatário o seu cônjuge, parente ou afim em linha recta ou até ao 2.º grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem viva em economia comum;(…)
- o Artigo 3.º do CPA (Princípio da legalidade)
1. – Os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos.
2. – Os actos administrativos praticados em estado de necessidade, com preterição das regras estabelecidas neste Código, são válidos, desde que os seus resultados não pudessem ter sido alcançados de outro modo, mas os lesados terão o direito de ser indemnizados nos termos gerais da responsabilidade da Administração.
- Artigo 4.º do CPA (Princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos)
Compete aos órgãos administrativos prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
- Artigo 5.º do CPA (Princípios da igualdade e da proporcionalidade)
1. – Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.
2. – As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.
- Artigo 6.º do CPA (Princípio da justiça e da imparcialidade)
No exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação.
Os arguidos RP... e AS... violaram os deveres que sobre si impendiam, como agentes da Administração sendo nessa qualidade que intervieram.
Não é necessário fazer prova da entrega do estudo para o preenchimento do tipo legal de crime de participação em negócio.
Nos factos provados consta que “foi decidido pelos arguidos que, em comunhão de esforços e no prazo mais curto possível, diligenciariam pela adjudicação, por ajuste directo, de serviços jurídicos à sociedade de advogados de que a arguida IM... era sócia, por um valor muito próximo do máximo para o qual o arguido RP... tinha competência subdelegada para autorizar, e que posteriormente as arguidas IM... e AS... repartiriam entre si os montantes que a Câmara Municipal de Lisboa viesse a pagar no âmbito dessa contratação.”   
Não se trata aqui de não executar ou não entregar algum ou todos os estudos objecto de adjudicação ou que iriam conseguir o pagamento recorrendo a um processo enganatório e astucioso.
Mesmo que o estudo em causa tivesse sido entregue (e não foi, como se decidiu), o crime de participação económica em negócio consuma-se na mesma, se não logo com a adjudicação (conforme, por exemplo, se entendeu no citado Acórdão da Relação de Coimbra, com a contratação, pelo director de uma IPSS, da sua filha para directora dessa instituição, citado supra), pelo menos logo que o pagamento relativo ao primeiro estudo fosse efectuado. E isto simplesmente porque, com a sua conduta criminalmente ilícita, asseguraram às arguidas IM... e AS... aquilo que já em 2009 não estava ao alcance de todos, e muito menos do modo que foi: trabalho e correspondente pagamento (ainda par mais empolado ao limite).
A não entrega do estudo, sem prejuízo de poder ser tomada em consideração na aferição do grau da ilicitude da conduta principal dos arguidos (adjudicação por ajuste directo), é outrossim condição sine qua non apenas do crime de falsificação de documento pelo qual os arguidos RP... e IM... foram pronunciados.
As aludidas normas da CRP, do CPA e do CPA impõem o afastamento, espontâneo ou forçado, de interveniente (seja dele decisor ou técnico) relativamente ao qual seja razoável suspeitar-se da sua isenção, como obviamente ocorre quando a sócia de uma sociedade contratada por uma autarquia é cunhada “de facto” do decisor, além de tia da sua filha. É inaceitável a conduta do arguido, tido como pessoa de “carácter, e rigoroso”, desconsiderar o verdadeiro significado e o âmbito, alargado, do dever de isenção/imparcialidade que se impõe a um dirigente da Administração Pública.
É certo que tentou demonstrar a ausência de intenção do arguido RP... em favorecer a tia da sua filha e cunhada de facto.
A avaliação do respeito por esse dever e a aferição da intenção não podem assentar em argumentos como o do arguido não ter contratado a sua filha, igualmente licenciada em Arqueologia, para a Câmara de Lisboa.
Nem seria necessário perscrutar muito, visto que nos próprios autos se encontra uma citação impressiva do que temos vindo a sublinhar, a fls. 77 dos autos, efectuada pela própria arguida IM... (é certo que na altura se discutia apenas a irregularidade do comportamento de arguida AS..., como sendo instrutora da proposta e depois “realizadora do estudo”…):
“Ensina o Prof. Freitas do Amaral na sua obra “A evolução do Direito Administrativo “ e “Direito Administrativo” que este princípio comporta três corolários:
“1. O da proibição de favoritismos ou perseguições;
 2. Proibição de decidir sobre assunto em que seja interessado directo ou por representação de outrem ou em que estejam envolvidos interesses de cônjuges, parentes e afins;
 3. Proibição de participar em contratos em que se envolvam interesses seus, de parentes e afins ou de outras pessoas por si representadas.”
De igual modo, José António Barreiros também chama à colação tais proibições, constantes das als. a) e b) do n.º 1 do art. 41º do CPA, “como passíveis de integrarem pressuposto de uma situação em que ocorra a criminalização” (in Participação Económica em Negócio, Um crime de fronteira, Labirinto de Letras, Fevereiro de 2014, p. 32).
Como nos parece inquestionável, a adjudicação a um qualquer parente, neles se incluindo uma cunhada “de facto” e uma tia da filha do decisor público, não pode deixar de integrar o âmbito de previsão daquelas normas, constituindo na violação do princípio da imparcialidade na Administração Pública.
Conforme se explana na declaração de voto do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Novembro de 2010 (processo n.º 416/10, in www.dgsi.pt, subscrita pelo Exmo. Conselheiro Pires Esteves), “quando no artº 1º nº4 do CCP se refere que “à contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência”, também aqui está contemplado o ajuste directo que como já se disse é um dos tipos de procedimento legalmente previsto para a formação de contratos públicos º1 al. a) do mesmo diploma legal.”
A definição e concretização de tais princípios podem ainda ser encontradas nessa declaração de voto, profusamente desenvolvidos, que não podemos deixar de transcrever parcialmente:
“Enuncia o artº 266º da Constituição da República Portuguesa os princípios gerais pelos quais a Administração Pública se deve nortear.
Assim, no nº1 refere-se que “a Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”. No n.º 2 seguinte acrescenta-se que “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé”.
(…)
O princípio da imparcialidade, nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira, “respeita essencialmente às relações entre a Administração pública e os particulares, podendo circunscrever-se a dois aspectos fundamentais: (a) o primeiro, relacionado com os princípios constitucionais consagrados no nº1, consiste em que, no conflito entre o interesse público e os interesses particulares, a Administração deve proceder com isenção na determinação da prevalência do interesse público, de modo a não sacrificar desnecessária e desproporcionadamente os interesses particulares (imparcialidade na aplicação do princípio da proporcionalidade); (b) o segundo refere-se à actuação da Administração em face dos vários cidadãos, exigindo-se igualdade de tratamento dos interesses dos cidadãos através de um critério uniforme de prossecução do interesse público. O princípio da imparcialidade, que se relaciona, embora não se confunda, com o princípio da igualdade, deve, por outro lado, distinguir-se do princípio da neutralidade, pois a Administração não pode conceber-se como neutral em relação à prossecução do interesse público. A garantia da imparcialidade da Administração implica, entre outras coisas, o estabelecimento de impedimentos dos titulares de órgãos e agentes administrativos para intervirem em assuntos em que tenham interesse pessoal, directo ou indirecto” (CRP Anotada, 3ª edição revista, pág. 925).
Neste mesmo sentido, vão Jorge Miranda e RP... Medeiros, quando escrevem que “o princípio da imparcialidade impõe, de um lado, à Administração Pública, na prossecução dos específicos interesses públicos legalmente definidos, um tratamento equitativo de todas as partes envolvidas, impedindo os seus órgãos ou agentes de favorecer amigos e/ou prejudicar inimigos, bem como proibindo-os de intervir em procedimentos onde se pode suspeitar que tenham comportamentos de favorecimento ou de prejuízo, concretamente procedimentos onde possam ter interesses pessoais ou familiares (garantias de imparcialidade do procedimento); de outro, o princípio impõe à Administração Pública que pondere todos os interesses envolvidos na decisão, não deixando interesses por analisar, impondo ainda, nessa ponderação, a utilização de critérios objectivamente válidos, de tudo dando completo esclarecimento através da fundamentação expressa da decisão. O uso de critérios objectivamente válidos na decisão faz coincidir, nesta parte, o princípio da imparcialidade com o princípio da igualdade” (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, pág. 566).
(…)
Mas além de objectiva, a Administração Pública deve prosseguir apenas o interesse público, pelo que deve haver exclusividade na prossecução deste interesse, não prosseguindo a satisfação de interesses privados, seja qual for a natureza destes.
Além destes dois corolários (objectividade e exclusividade), a imparcialidade tem ínsito um terceiro, que é o da isenção. Por imposição desta, a imparcialidade exige o distanciamento das autoridades administrativas em relação aos interesses prosseguidos, afastando a existência de interesses pessoais na sua realização e garante o exercício desinteressado da função administrativa. Da imparcialidade como isenção resulta para a Administração Pública a proibição de praticar actos ou tomar decisões sobre assuntos em que esteja pessoalmente interessada, directa ou indirectamente, e, consequentemente, o dever de se abster de intervir no procedimento, acto ou contrato administrativo em causa.
(…)
Ora, a imparcialidade “deve ter um lugar enorme no seio dos princípios gerais da actividade e do procedimento administrativo” (Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco Amorim, in CPA, Comentado, 2ª ed., pág. 107).
Tal é a importância deste princípio que alguns autores o qualificam como um princípio de 1º grau (cfr. Melo Alexandrino, in O Procedimento Pré-contratual nos Contratos de Empreitada de Obras Públicas, 85).
(…)
Deve, pois, a Administração Pública nortear-se pela imparcialidade no exercício da sua actividade administrativa (actos administrativos, regulamentos e contratos administrativos).
A aplicação do princípio da imparcialidade à actividade pré-contratual já resultava do revogado artigo 181º do Código do Procedimento Administrativo que mandava aplicar à formação dos contratos, com as necessárias adaptações, as disposições do CPA relativas ao procedimento administrativo e hoje é imposto pelo artigo 1º nº4 do Código dos Contratos Públicos (aprovado pelo DL. nº18/2008, de 29/1) que refere que “à contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência”.
(…)
Segundo Esteves de Oliveira e Rodrigo de Oliveira “o princípio da imparcialidade é, nos procedimentos adjudicatórios, um princípio de valor reforçado, de observância estrita por parte da entidade adjudicante (ou de qualquer comissão ad hoc). Levar à apreciação duma candidatura ou duma proposta interesses alheios à escolha do melhor concorrente ou proposta como afinidades políticas ou outras similares, simpatias ou referências locais ou regionais, conhecimentos pessoais ou antigos, etc. — é fazer padecer a respectiva avaliação do vício de imparcialidade. Claro que, muitas vezes, a imparcialidade, submergida pela sua confluência com o princípio da igualdade, nem vem «à tona»: privilegiar ou desprezar um concorrente (por consideração ou atenção a interesses ou valores concursalmente irrelevantes ou, pelo menos, não recebidos ou plasmados naquele procedimento) configurará, a maior parte das vezes, uma desigualdade de tratamento, manifestada nos actos diferentes que se praticarem face a ele e a outros concorrentes. Mas, se o princípio da igualdade não puder levar-nos facilmente à invalidação de tais actos — pode, por exemplo, tratar-se de formalidades diferentes aquelas que não foram cumpridas por um concorrente “preferido” e por outro “menosprezado” —, aí estará o princípio da imparcialidade a impor (com a mesma força com que o impõe nos casos acima citados o princípio da igualdade) a invalidação do acto de favorecimento ou desfavorecimento parcial de um concorrente.
(…)
Em suma: duas são as vertentes que pode revestir o princípio da imparcialidade. A vertente negativa que impede os titulares de órgãos e os agentes da Administração Pública de intervir em procedimentos, actos ou contratos que digam respeito a questões do seu interesse pessoal ou da sua família, ou de pessoas com quem tenham relações económicas de especial proximidade, a fim de que não possa suspeitar da isenção rectidão da sua conduta (cfr. arts. 44º a 51º do CPA). A vertente positiva impõe um dever á Administração de ponderar todos os in-teresses públicos secundários e os interesses privados equacionáveis para o efeito de certa decisão antes da sua adopção (Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. 2º, págs. 139 e ss.).
(…)
O princípio da imparcialidade, tal como o da igualdade, liga-se a exigências que, no plano contratual, se enquadram essencialmente num esquema concorrencial, como acontece no nosso ordenamento jurídico com a maioria dos contratos administrativos, aqueles que se movem num ambiente de pluralidade potencial de interessados (neste sentido CEDOUA-FDUC-IGAT, in Contratação Pública Autárquica, pág. 59).
Como escreve Marcelo Rebelo de Sousa “outro princípio fundamental do Direito Administrativo é o princípio da imparcialidade, acolhido pelo art. 266º nº2 da Constituição da República Portuguesa. De todas as componentes substanciais do princípio merece menção específica a este propósito a da proibição de favoritismos ou perseguições relativamente aos administrados, independentemente de motivos ou razões invocados ou invocáveis: políticos, económicos ou sociais. Tal como todas as demais, ela entrelaça-se com o princípio da igualdade, por nós antes aludido. No que respeita à actividade contratual jurídico-administrativo da Administração Pública, o princípio da imparcialidade veda que se favoreça ou desfavoreça injustificadamente um qualquer virtual co-contratante. Mas, para além da intolerável discriminação de tratamento, o princípio da imparcialidade proíbe desigualdade devida a desígnio de identificação da posição da Administração Pública como um dos sujeitos jurídicos privados envolvidos. Ou seja, enquanto que a violação do princípio da igualdade pode não ser necessariamente intencional, a violação do princípio da imparcialidade por favoritismo implica sempre essa intenção, diversamente aliás do que se passa com a actuação parcial devida a intervenção em assuntos de interesse pessoal ou em matérias relacionadas com a Administração Pública. (…)” (O Concurso Público na Formação do Contrato Administrativo, págs.40 e 41).
O ajuste directo, como procedimento para a formação de contrato, vem previsto no artº16º nº 1 al. a) do Código dos Contratos Públicos (doravante, CCP), que o artº112º do mesmo código define como “o procedimento em que a entidade adjudicante convida directamente uma ou várias entidades à sua escolha a apresentar proposta, podendo com elas negociar aspectos da execução do contrato a celebrar”.
Dispõe ainda o Artigo 24.º do C. C.P. (Escolha do ajuste directo para a formação de quaisquer contratos):
1 – Qualquer que seja o objecto do contrato a celebrar, pode adoptar-se o ajuste directo quando:
(…)
c) Na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante;
(…)
No ajuste directo a entidade é escolhida independentemente de concurso. Como escrevem Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim “…o que é específico das formas de concurso face às formas de ajuste directo é que naqueles há um procedimento público «contraditório» ou «concorrencial», digamos assim, de admissão, de avaliação e de preferência das propostas, enquanto que, nos procedimentos de ajuste directo, o contraente administrativo limita-se a consultar várias entidades sobre especificações dos seus bens e serviços – indicando-lhes naturalmente a que fim se destina a consulta – e procede depois, sem publicidade, à livre (mas fundamentada) apreciação das respostas das entidades consultadas, para ir negociar com aquela que lhe parecer mais conveniente os termos do contrato a celebrar. Ou seja, as entidades consultadas não apresentam propostas para um contrato projectado e clausulado (ao menos, em parte, como sucede nos concursos), respondem é a um pedido de informação da Administração sobre especificações técnicas e económicas dos serviços que prestam e dos bens que fornecem” (CPA, Comentado, pág.836).
O ajuste directo consiste, assim, num procedimento não formal em que a Administração escolhe livremente o seu co-contratante. Porém, apesar de livre, esta escolha não é arbitrária, pois que a Administração deve ponderar as exigências do interesse público para concluir qual o melhor contratante e quem está disposto em acordar com ela condições vantajosas para o interesse público prosseguido pelo contrato em causa (cfr. Margarida Olazabal Cabral, in O Concurso Público nos Contratos Administrativos, pág.130 e segs.).
Mas se o ajuste directo apresenta as vantagens da informalidade e da celeridade e ao mesmo tempo é uma poupança de recursos, de tal não resulta que a Administração não se reja pelos princípios gerais que a devem nortear e que vêm previstos não só na CRP (artº266º) mas também no Código do Procedimento Administrativo (arts. 3º a 7º), mormente os princípios da legalidade, da justiça, da igualdade, da imparcialidade, da transparência e da boa-fé.
Entende-se que quanto mais informal e livre for o actuar da Administração, como no ajuste directo, maior deve ser a exigência no cumprimento de alguns princípios, como o das igualdade, imparcialidade e transparência, para que os cidadãos tenham confiança na justeza da adjudicação do contrato.
Num contexto perfeitamente aqui aplicável escreve Vieira de Andrade que “as razões de eficiência que justificam a escolha de meios privados não prejudicam a vinculação (da Administração Pública, acrescentamos nós para melhor compreensão) pelos princípios constitucionais (como os princípios da igualdade, da proibição do arbítrio e da boa fé) e, em especial, pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Nesse sentido, v. o artigo 2º nº5 do CPA, que manda aplicar os preceitos constitucionais «a toda e qualquer actuação da Administração Pública, ainda que meramente técnica ou de gestão privada…No domínio do chamado direito administrativo (em que, afinal se combina a aplicação de normas de direito privado e de di-reito público), a Administração não pode estar isenta da vinculação aos direitos fundamentais e aos princípios constitucionais (incluindo o princípio da igualdade de tratamento, da proibição do arbítrio e da não descriminação)” (ob. cit., págs. 229/230).”  
Conclui-se assim que os arguidos RP... e AS... violaram, de forma flagrante, os deveres que impendiam sobre si.
O primeiro, desde logo, estava obrigado a declarar-se impedido ou, em alternativa, não podia determinar o convite em causa nos autos.
Também a arguida AS..., ao subscrever a informação em causa sabia perfeitamente, na tripla qualidade de jurista, colega da arguida IM... e subordinada hierárquica do arguido RP..., que estava a propor um convite a uma sociedade da qual a outra arguida era sócia e que esta era cunhada “de facto” e tia da filha do decisor, o arguido RP..., também em clara violação do princípio da isenção. Aliás, não foi outro o objectivo da arguida AS... senão o de também beneficiar dessa adjudicação que a determinou a conluiar-se com os arguidos RP... e IM... e a propor a aludida informação, que bem sabia ser ilegal.
Prova maior desse acordo e da intenção de compensar patrimonialmente as arguidas IM... e AS... pela cessação das avenças com a CML, é a coincidência (no sentido de correspondência e não de mero acaso) dos montantes (sem IVA) daquelas avenças no segundo semestre de 2008 com o do contrato celebrado entre o arguido RP... e a sociedade de advogados A&L..., conforme decorre dos documentos de fls. 182 (art. 38º dos factos provados).
O facto de tal tornar mais evidente a actuação criminosa dos arguidos só demonstra o sentimento de impunidade dos mesmos à data dos factos, por forma a garantir às arguidas IM... e AS..., para o ano de 2009, proventos idênticos aos do segundo semestre que estava a terminar por menos trabalho.
Não se pode correctamente avaliar e juridicamente enquadrar a prova produzida em julgamento sem ter presente as normas do CPA, CCP e CRP aludidas e a sua manifesta violação, sendo certo que um observador com formação média, fazendo uma correcta aplicação da lógica, das regras da experiência comum e da normalidade não poderia, face à adjudicação em causa, deixar de concluir pela intenção do arguido RP... em, pelo menos, beneficiar a irmã da sua companheira, tal a evidência. Sendo certo que também relativamente à arguida AS... existiu tal intenção, tendo sido a forma encontrada de a “comprar” e “silenciar” pela intervenção no esquema que levou à adjudicação em causa.
Como é evidente, não só as arguidas, juristas avençadas da Administração Pública, como o arguido RP... tinham a obrigação de conhecer e cumprir escrupulosamente as normas do procedimento administrativo e do Código dos Contratos Públicos, já em vigor à data dos factos.
Em face dos factos dados como provados verifica-se que os arguidos praticaram efectivamente os crimes que lhes vem imputado na acusação do Ministério Público (e pronuncia).
E é desde logo quanto à forma de participação e cometimento deste crime aqui em causa que cumpre assentar nos seguintes pressupostos.
Assim, os arts. 26º e 27º do Cód. Penal estabelecem as formas de participação pelas quais um determinado agente pode ser chamado a responder por um facto criminalmente punível, considerando-se o mesmo (e para o que aqui importa considerar) como autor quando executar esse facto por si mesmo ou por intermédio de outrem, quando tomar parte directa nessa execução por acordo ou juntamente com outro ou outros, ou ainda quando determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou o seu começo.
Porque não interessa aqui anatomizar estes conceitos, basta dizer que em todas estas formas de participação os agentes em causa têm de assumir uma actuação que se revele determinante da prática do crime em termos de causalidade adequada - sem a qual o crime não seria cometido.
No caso do crime (de participação em negócio) que nesta parte nos ocupa, estamos em presença de um crime em que a lei exige a intervenção de uma pessoa que detenha uma determinada qualidade (funcionário, in casu) para que se possa fundar a ilicitude típica do acto praticado.
Porém, e estando em causa uma actuação conjunta de vários agentes, em que qualquer deles assume o supra aludido papel determinante da prática do crime em termos de causalidade adequada sem o qual o crime não seria cometido, não é necessária relativamente a todos e cada um deles a presença dessa qualidade pessoal para fundar a ilicitude típica especial e para que possa haver lugar à sua punição de acordo com a mesma.
É o que resulta do disposto no art. 28º do Cód. Penal, que expressamente prevê, no seu nº1, que « se a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto dependerem de certas qualidades ou relações especiais do agente, basta, para tornar aplicável a todos os comparticipantes a pena respectiva, que essas qualidades ou relações se verifiquem em qualquer deles, excepto se outra for a intenção da norma incriminadora ».
O que esta disposição vem estabelecer é precisamente que nos crimes em que uma especial qualidade do agente funda a ilicitude em si mesma do facto (crimes específicos próprios) ou o grau da mesma (crimes específicos impróprios), as qualidades ou relações que que se verifiquem num comparticipante (o intraneus - isto é, aquele relativamente ao qual essa características se verificam – vg. o funcionário) são comunicáveis aos comparticipantes em que não se verificam (os extraneus) – salvo se outra for a intenção da norma incriminadora. Assim um extraneus pode ainda ser (co)autor de um crime específico próprio ou impróprio se actuar em conjugação com um comparticipante intraneus.
Naturalmente se exige para que a comunicação em causa seja operante e eficaz que o extraneus em causa tenha plena e esclarecida consciência da qualidade do intraneus que fundamenta a especial ilicitude típica dos factos por todos praticados.
Assim, e em princípio, quer se esteja perante um intraneus (aquele que detém a especial qualidade ou relação), quer perante um extraneus (alguém que a não detém), a punição deste último resulta do citado art. 28º/1 do Cód. Penal, que estatui a incriminação de todos os participantes a partir e em função da qualidade detida por um só deles.
Só assim não será – e entramos no trecho final da disposição legal agora em análise - nos casos em que a interpretação da norma revelar que a intenção da lei terá sido a de apenas incriminar aquele em cuja pessoa a dita qualidade determinante da incriminação (ou da sua forma especial) se verifica – intenção que, naturalmente, só pode ser encontrada em virtude da interpretação do tipo legal, sendo isso que sucede designadamente nos chamados crimes de mão própria, ou seja, aqueles que só podem ser praticados pessoalmente pelo autor directo da infracção, e que, por definição, não admite qualquer forma de comparticipação.”
É fora de dúvida que os três arguidos actuaram em co-autoria entre si, nos termos e para os efeitos do art. 26º do Cód. Penal. Na verdade, ficou provado que os arguidos actuaram de comum acordo, com vista a um mesmo fim, e em execução de plano por si delineado e a que todos aderiram, tendo participado directamente nessa execução, e sendo a actuação particular de cada um deles um elemento componente do ‘todo’, e indispensável à produção do resultado desejado.
O arguido RP... e AS... devem ser considerados funcionários nos termos e para os efeitos do arguido 386º/1 al. d) do Cód. Penal, verificando-se assim relativamente a eles, de modo directo e imediato, os pressupostos de ilicitude típica previstos no art. 377º/1 do Cód. Penal para que se tenha preenchido o crime de participação económica em negócio.
Quanto à arguida IM..., demonstrando-se ter perfeito e esclarecido conhecimento daquela qualidade de funcionário dos co-arguidos RP... e AS..., e de que a actuação dos mesmos e a consumação do resultado por todos desejado dependia directamente do exercício de actos próprios dos mesmos enquanto detentores dessa qualidade, deve considerar-se, por força do já analisado regime previsto no art. 28º/1 do Cód. Penal, que relativamente à mesma opera a comunicação ou extensão dessa mesma qualidade de funcionário que justifica igualmente a sua punibilidade pelo mesmo crime.
Para usar as expressões supra enunciadas, o primeiro configura-se como um (co)autor extraneus, e os segundos como (co) autores intraneus.
Preencheram de igual modo todos os arguidos os elementos típicos subjectivos deste crime.
De facto, eles actuaram sempre dolosamente, pois que o fizeram de modo plenamente voluntário, e tendo perfeito e esclarecido conhecimento da situação em que se encontravam e de estarem a praticar os factos que praticaram, sendo sua vontade agir como agiram.
Não ocorrem, enfim, no caso concreto quaisquer circunstâncias que justifiquem terem os arguidos agido pela forma como o fizeram, nem que excluam a sua culpa.
Actuaram com consciência de que as suas condutas não lhes eram permitidas por lei, devendo o seu procedimento ser objecto de juízo de censura penal por terem agido como agiram quando podiam e deviam ter agido de outra forma.
Contrariamente ao que as arguidas IM... e AS... invocam na sua resposta, e como já se disse, o que está em causa não é nem o valor máximo da adjudicação directa não estar ultrapassado ou, sendo serviços jurídicos, não ter de existir limite de valor, nem o facto de ter não sido invocado urgência para o efeito, como se disse supra.
Relativamente ao crime de FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS.
Por sua vez o artº 256º (Falsificação ou contrafacção de documento), nº 1, al d) do mesmo diploma legal, estatui que:
Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;
é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”
 Estabelecendo o nº 4 do citado artigo que:
Se os factos referidos nos nºs 1 e 3 forem praticados por funcionário, no exercício das suas funções, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.”
Os arguidos IM... e RP... constituíram-se também co-autores materiais de dois crimes de falsificação de documentos, ps. e ps. pelo art. 256º/1/ d) do Cód. Penal sendo o arguido RP... ainda pelo n.º 4 da mesma disposição legal.
– o nº1 do referido art. 256º descreve o elenco de condutas típicas que podem integrar a prática deste crime:
- a alínea a), onde se prevê o acto de quem “fabricar ou elaborar documento falso ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo”,
- a alínea b), prevendo a actuação de quem “falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integrem”,
- a alínea c), prevendo o acto de “abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento”;
- a alínea d), prevendo o acto de quem ”fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante”,
- a alínea e), prevendo o acto de “usar documento a que se referem as alíneas anteriores”
- e a alínea f), prevendo o acto de, “por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito”.                                                                                                                                   
São, pois, elementos integradores deste tipo objectivo de ilícito:
- a existência de um documento – que é o objecto da acção - no sentido exposto no art. 255º do Cód. Penal,
- e a acção do agente integrar uma das várias modalidades de falsificação descritas no tipo (seja fabricando documento falso, alterando documento ‘legítimo’, usando um documento assim forjado ou alterado, ou abusando da assinatura de outrem para elaborar documento falso).
- e ainda apenas no caso do arguido RP... a sua qualidade de funcionário;
É um crime intencional, pelo que ao nível do tipo subjectivo, exige que o agente actue com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para terceiro um benefício ilegítimo. Não é exigível, contudo, uma intenção específica de provocar um engano no tráfico jurídico.
– prevê-se que, ao nível do tipo subjectivo, o agente possa actuar não apenas com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para terceiro um benefício ilegítimo, mas também de “preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime”,
No caso dos autos, as condutas de facto imputadas aos arguidos RP... e IA integram a modalidade de falsificação material – na verdade, e como se deu por assente, os elementos constantes da factura emitida e entregue e subjacentes ao pagamento do montante referido, não era verdadeiro na parte em que indicava reportar-se a estudo feito e entregue. Procuraram – e conseguiram – assim fazer crer junto dos serviços de contabilidade que o estudo havia sido efectivamente efectuado e prestado e que o pagamento solicitado correspondente seria de facto devido.
Assim, o recibo/factura foi adulterado nos elementos que visam atestar, e assim utilizados pelo menos pelos arguidos RP... e IA – numa tal execução que estava no âmbito do plano por todos traçado e aceite.
O recibo/factura em causa assim preenchido deve considerar-se documento para efeitos do art. 255º do Cód. Penal, na medida em que se trata de declaração aposta (e assim corporizada) em suporte material que expressamente atesta dados com eficácia probatória e jurídica de uma forma que é adequada, na normalidade do trânsito jurídico, para o efeito.
Mostra-se assim preenchida tipicamente a alínea d) do art. 256º/1 do Cód. Penal.
Porque é fora de qualquer dúvida que os arguidos actuaram nos termos que se deixam consignados com clara intenção de beneficiar economicamente à custa do património da DMC/CML, e de assim obterem para sim um benefício patrimonial que sabiam não lhes ser devido, utilizando aquele documento cujos termos não correspondiam à verdade, dúvidas não restam também de que com a sua actuação preencheram os arguidos IA e RP..., em co-autoria material – em termos que já se analisaram supra a propósito do crime de participação económica em negócio – os pressupostos típicos objectivos da prática de  crime de falsificação de documento, p. e p., nos termos do art. 256º/1/d) ( e n.º 4) do Cód. Penal, nos termos que ficaram expostos.
São distintos os bens jurídicos tutelados pelos tipos legais de crime de participação em negocio, neste caso, o interesse do Estado e dos organismos públicos na honestidade dos seus funcionários e agentes, e de falsificação de documento, como seja a fé pública dos documentos ou a verdade intrínseca do documento enquanto tal.
Assim, a conduta do agente que falsifica um documento e o usa, para lograr a apropriação ilícita, comete efectivamente, em concurso real, um crime de falsificação de documento e um crime de participação em negócio.
Por outro lado, sendo diversos os bens jurídicos tutelados pelos art.ºs 377º n.º 1 e 256º n.º 1 (e n.º4) do C.Penal, não existe neste diploma legal qualquer disposição que ressalve o concurso do crime de participação em negocio com a falsificação do regime geral estatuído no art.º 30º n.º 1 do mesmo código.
Nesta conformidade, não se verifica no caso dos autos, uma relação de consumpção entre os tipos legais de crimes pelos quais os arguidos foram acusados e pronunciados (neste sentido, mutatis mutandis, vd. entre outros o Acórdão da Relação de Évora de 10/12/2009 – Proc.º n.º 179/05.5TAABF, disponível em www.dgsi.pt). “No mesmo sentido, além da posição de Paulo Pinto de Albuquerque supra, vide o Acórdão do STJ de 18-01-2001,proc.º 00P2833, Relator: Simas Santos, in www.dgsi.pt :
“8 - Sendo diferentes os bens jurídicos tutelados pelos artigos 375.º , n.º 1, e 256.º n.º 1, do Código Penal de 1995 e não existindo neste diploma qualquer disposição que ressalve o concurso do peculato com a falsificação (enquanto meio de realização daquele) do regime geral estatuído no art. 30.º, n.º 1: o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. Logo, sendo distintos os bens jurídicos tutelados pelos tipos legais de crime de peculato (o interesse do Estado e dos organismos públicos na honestidade dos seus funcionários e agentes) e de falsificação de documento (a fé pública dos documentos ou a verdade intrínseca do documento enquanto tal, ou ainda a verdade da prova documental enquanto meio que consente a formulação de um juízo exacto, relativamente a factos que possam apresentar relevância jurídica) e não se verificando, entre eles, qualquer relação de especialidade, subsidiariedade ou consunção nem se configurando nenhum dos crimes em relação ao outro como facto posterior não punível deve a concluir-se que a conduta do agente que falsifica um documento e o usa, para lograr a apropriação ilícita (suposta, evidentemente, a verificação de todos os elementos essenciais de cada um dos tipos) comete, efectivamente, em concurso real, um crime de falsificação de documento e um crime de peculato. “
Situação semelhante se verifica no concurso entre os crimes de falsificação de burla, em que se entende que a burla não consome a falsificação utilizada para a sua realização sendo certo que o acórdão de fixação de jurisprudência de 05-06-2013, proc. n.º 29/04.0JDLSB-Q.S1 , 3ª SECÇÃO, Relator: SANTOS CABRAL, publicado no DR, I SÉRIE, 131, 10.07.2013, P. 4015 mantém a mesma jurisprudência:
“A alteração introduzida pela Lei 59/2007 no tipo legal do crime de falsificação previsto no artigo 256 do Código Penal, estabelecendo um elemento subjectivo especial, não afecta a jurisprudência fixada nos acórdãos de fixação de jurisprudência de 19 de Fevereiro de 1992 e 8/2000 de 4 de Maio de 2000 e, nomeadamente, a interpretação neles constante de que, no caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256º, nº 1, alínea a), e do artigo 217º, nº 1, do mesmo Código, se verifica um concurso real ou efectivo de crimes”.
8. Da medida da pena.
 A moldura penal abstracta do crime de participação económica em negócio é de 1 mês a 5 anos de prisão.
A moldura penal abstracta do crime de falsificação de documento é de 1 mês a 3 anos de prisão ou multa de 10 a 360 dias (vd art.ºs 41 e 47.º do C.Penal)- arguida IA Pereira- , e no caso do arguido RP... de 1 a 5 anos de prisão (vd art.º 256.º n.º 4 do C.Penal).
Relativamente à medida da pena, atente-se naquilo que a esse respeito se refere no Ac. do S.T.J. de 6/05/1998 in B.M.J. n°477, p.100:
" 1 — Sendo a culpa, o juízo de censura dirigido ao agente pela conduta que livremente assumiu, na definição da medida da pena cumpre ter presente que não há pena sem culpa e que a medida da pena não pode ultrapassar a da culpa."
"2 — As exigências da prevenção geral, considerada esta como prevenção positiva ou de integração, definem o limite mínimo da medida concreta da pena"
" 3 — A prevenção especial, no sentido positivo de reintegração do agente na sociedade determina a fixação da medida concreta da pena num "quantum" situado entre o limite mínimo exigido pela prevenção geral e o máximo ainda adequado à culpa .
Face às finalidades das penas, em caso algum pode a pena ultrapassar a medida da culpa (art. 40.º n.º 2 do C.Penal).
Os arguidos não mostraram arrependimento, o que se poderia inferir de uma confissão dos factos agora dados como provados.
Como referiu o Ac. STJ de 21 de Junho de 2007, proc.º 07P2042, relator Simas Santos, in www.dgsi.pt :
“2 – Há arrependimento relevante quando o arguido mostre ter feito reflexão positiva sobre os factos ilícitos cometidos e propósito firme de, no futuro, inflectir na sua conduta anti-social, de modo a poder concluir-se pela probabilidade séria de não recair no crime. O arrependimento é um acto interior revelador de uma personalidade que rejeita o mal praticado e que permite um juízo de confiança no comportamento futuro do agente por forma a que, se vierem a deparar-se-lhe situações idênticas, não voltará a delinquir. Revela uma reinserção social, consumada ou prestes a consumar-se, pelo que as exigências de prevenção, na determinação da medida judicial da pena, são de diminuta relevância.”(sublinhado nosso).
Desde logo, nomeadamente as exigências de prevenção geral positivas e negativas relativamente á conduta dos arguidos – sobretudo a prática de crime de participação económica em negócio que constitui hodiernamente e cada vez mais um comportamento altamente reprovável socialmente, exigem que se aplique uma medida privativa de liberdade, nos termos do disposto no art.º 71.º do C.Penal, no que respeita ao ilícito do art.º 256.º do C. Penal, que prevê uma opção entre pena privativa e não privativa da liberdade, relativamente à conduta da arguida IM....
E seguramente afastamos qualquer benefício – completamente inaceitável - de uma eventual atenuação especial prevista na alínea d) do n.° 2 do art.° 72° do Código Penal, pese entre a data dos factos e o julgamento dos mesmos terem decorrido quase seis anos, mantendo os arguidos boa conduta.
Consideramos particularmente grave a conduta dos recorrentes sendo um (RP...) ex-Director Municipal da CML, Professor Universitário, tendo depois exercido altos e importantes cargos na Administração Pública, e as outras arguidas, Advogadas.
O teor dos depoimentos das testemunhas abonatórias e o curriculum vitae do arguido RP... as características do arguido que foram exaustivamente descritas, de rigor, de profissionalismo e de seriedade pesam simultâneamente a favor e contra o mesmo, como é bom de ver. Era e é exigível ao Arguido RP... um comportamento condizente com a sua condição social e percurso profissional.
Por outro lado, considera também o Tribunal o facto de os arguidos se terem apropriado de €27.835,20, valor que assume desde logo algum relevo em termos absolutos, sendo que, a forma de actuação dos arguidos revestiu-se simultaneamente de alguma audácia e de perigosa facilidade, recorrendo a métodos que lhes estavam especialmente “acessíveis”.
A favor dos arguidos, atende este Tribunal à circunstância de se mostrarem bem integrados social e familiarmente, e terem todos os arguidos revelado hábitos de trabalho ao longo dos seus percursos de vida, e serem delinquentes primários.
Todos os arguidos são de condição económica média, e cultural e social elevada.
 Note-se que quanto mais elevado é o cargo na Função Publica e na Sociedade que se ocupa mais grave assume a conduta. Em princípio só atinge determinadas funções quem já prestou provas do seu bom desempenho e competência. Por isso, são-lhe dadas maiores responsabilidades e maior autonomia e poderes, que têm efectivamente de merecer e não aproveitar-se desse facto para cometerem crimes.
Assim, este Tribunal analisando e ponderando todos os factos e elementos relevantes e os factores que devem ser considerados em sede de medida concreta da pena, nos termos do disposto nos art.ºs 40º, 70º e 71º, todos do C. Penal - atendendo-se à gravidade da conduta (aliás bem patenteada na matéria provada) e considerando a gravidade dos crimes praticados, as fortes necessidades de prevenção, quer gerais quer especiais que se impõem no caso, à culpa dos arguidos, ao dolo directo, à inexistência de arrependimento, e ao facto de serem delinquentes primários, condenam:
- o arguido RP... na pena de 3 (três) anos de prisão pelo crime de participação em negócio e em 1 (um) ano e 9 (nove) meses pelo crime de falsificação de documento;
- a arguida IM... na pena de 2 (dois) anos de prisão pelo crime de participação em negócio e em 1 (um) ano e 6 (seis) meses pelo crime de falsificação de documento;
- a arguida AS... na pena de 2 (dois) anos de prisão pelo crime de participação em negócio;
9. Do concurso de crimes e da pena única.
Tendo-se encontrado as penas parcelares relativas aos ilícitos referidos, cumpre agora proceder à determinação de uma pena única aos arguidos RP... e IM..., considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente, nos termos do art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.
Assim, o limite mínimo da pena aplicável corresponde à pena máxima concretamente aplicada, e o limite máximo corresponde à soma das penas parcelares encontradas : ao Arguido RP... Perira de 3 anos de prisão a 4 anos e 9 meses de prisão, e a arguida IM... de 2 anos de prisão a 3 anos e 6 meses de prisão.
Como entende o Supremo Tribunal de Justiça, face ao disposto no art. 77º do Código Penal (cfr., por todos, os Acórdãos de 11 de Janeiro de 2001, Processo n.º 3095/00-5, de 4 de Março de 2004, Processo n.º 3293/04-5, e de 12 de Julho de 2005, todos in www.dgsi.pt), a pena única a estabelecer em cúmulo deve ser encontrada numa moldura penal abstracta, balizada pela maior das penas parcelares abrangidas e a soma destas, e na medida dessa pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, com respeito pela pena unitária. Na verdade, o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, mas a personalidade traduzida na condução de vida, em que o juízo de culpabilidade se amplia a toda a personalidade do autor e ao seu desenvolvimento, também manifestada de forma imediata a acção típica, isto é nos factos.
Esse critério, conforme salienta Figueiredo Dias, consiste em apurar se “numa avaliação da personalidade – unitária - do agente”, o seu percurso de   delinquência “é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo uma carreira») criminosa” e não a uma “pluriocasionalidade que não radica na personalidade (…)” (in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, pág. 291).
Ora, considerando as circunstâncias dos factos, os crimes cometidos e a personalidade dos arguidos evidenciada nos autos sem esquecer a culpa e as necessidades de prevenção, entende este tribunal de recurso como ajustadas a aplicação das penas unitárias a seguir indicadas:
- o arguido RP... na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão;
- a arguida IM... na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão;
10. Da suspensão de execução da pena e suas condições.
Nos termos do disposto no art.º 50.º, n.º 1 do Código Penal “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime, e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Ou seja, o tribunal, perante a determinação de uma medida da pena de prisão não superior a cinco anos, terá sempre de fundamentar especificamente a denegação da suspensão da execução da pena de prisão nomeadamente no que toca:
a) Ao carácter desfavorável da prognose (de que a censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição); e
b) Às exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico (na base de considerações de prevenção geral) – cfr., neste sentido, Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, § 523.
A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da execução da pena de prisão é clara e determinante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos – «metanóia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. Decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».
Havendo, porém, razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada.
Conforme escreveu Jescheck, citado pelo Ac. STJ de 30.06.93, in BMJ 428, 353, " na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose favorável ao agente, baseada num risco prudencial. A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal com o apelo, fortalecido pela ameaça de executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se integrar na sociedade. O Tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudente; mas, se existirem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que se oferece, a prognose deve ser negativa".
Pesem embora no caso vertente as necessidades de prevenção geral e especial, positivas e negativas, que são especialmente relevantes, e que desaconselham fortemente a suspensão de execução da pena, entendemos que os arguidos estão aptos a aproveitar a oportunidade da suspensão da execução da pena para empreender eficazmente a sua ressocialização.
No entanto, as finalidades da punição concreta do caso impõem que a suspensão da execução da pena em causa deverá ficar subordinada ao cumprimento de um dever de conduta por parte dos arguidos, traduzido, afinal, no pagamento ao Estado Português do valor do prejuízo que lhe determinaram.
Pelo exposto suspende-se a execução das penas aplicadas por igual período de tempo a todos os arguidos (vd art.º 50.º n.º 5 do C.Penal) com a condição – art.º 51.º n.º 1 alínea a) do C.Penal – de no prazo de 3 (três) meses pagarem ao Estado – Camara Municipal de Lisboa - a quantia de € 27.835,20, fazendo prova nos autos.
11. Da pena acessória ao arguido RP....
É ainda aplicável ao arguido RP..., tal como pedido pelo Ministério Público “a pena acessória de proibição do exercício de todas e quaisquer funções públicas que integrem a competência para autorizar a realização de despesa com a aquisição de bens e serviços, por período não inferior a cinco anos, ao abrigo do disposto no artº 66º, nº 1, al. a), do Código Penal.”
“Considerando, em particular, que (i) o arguido escolheu, convidou, adjudicou, outorgou um contrato no valor de €55.670,40 com a sociedade de advogados de que a irmã da sua companheira à data dos factos, e tia da sua filha, era sócia; (ii) determinou o pagamento de €27.835,20 a essa sociedade sem que tivesse sido entregue qualquer parecer na Câmara Municipal de Lisboa; (iii) a menos de uma semana de cessar funções como Director Municipal de Cultura; (iv) com o único intuito de compensar patrimonialmente as arguidas IM... e AS... pela cessação dos seus contratos de prestação de serviços com aquele Município, com flagrante e grave abuso da função que exercia e manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes.
É profundamente censurável o comportamento do arguido que utilizando um cargo público quis favorecer – e favoreceu - uma pessoa a que o ligavam laços de “parentesco”.
A Administração Pública tem de ser transparente e cumprir as regras do Direito e da Justiça.
Torna-se imperioso assim, em termos de prevenção geral e especial positivas e negativas de aplicar ao arguido RP... a pena acessória de proibição do exercício de todas e quaisquer funções públicas que integrem a competência para autorizar a realização de despesa com a aquisição de bens e serviços, pelo período de cinco anos, nos termos do disposto no disposto no artº 66º, nº 1, al. a), do Código Penal, tal como pedido pelo Ministério Publico.
12. Da indemnização civil.
O Ministério Público requereu também que, “nos termos do disposto no artº 111.º, nº 2 e 4, do Código Penal se declare perdido e, consequentemente, se condene os arguidos a pagarem ao Estado o montante de € 27.835,20, uma vez que o mesmo constitui produto do crime cuja prática lhes é imputada.”
Os arguidos apropriaram-se da quantia de € 27.835,20, através da prática de crimes como acima se descreveu.
Nos termos do disposto no art.º 111.º nºs 2 e 4 do C.Penal é devido o pagamento pelos arguidos ao Estado do montante de que se apropriaram ilicitamente sendo como tal e desde logo nessa base legal, o que se decide.
De qualquer forma sempre seria devido nos termos que a seguir se descrevem.
Dispõe o art. 129.° do CP que a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil, donde que consequentemente se exija a necessidade de recurso a tais normativos, concretamente ao disposto nos artigos 483.º e ss. e 562.° e ss., todos do CC, para deste modo aferir da responsabilidade civil dos arguidos.
São vários os pressupostos da responsabilidade civil por actos ilícitos, tal como se extrai do art. 483.º, n.º 1 do CC: a) o facto do agente - um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou numa forma da conduta humana - que pode traduzir-se numa acção ou numa omissão; b) a ilicitude, ou antijuricidade que pode revestir a modalidade de violação de direito alheio - direito subjectivo - e a violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios; c) o nexo de imputação do facto ao lesante ou culpa do agente, em sentido amplo, o que significa que a sua conduta merece a reprovação ou censura do direito e que pode revestir a forma de dolo ou negligência; d) o dano, como prejuízo sofrido em bens jurídicos alheios em virtude do facto ilícito culposo; e) o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima. Cfr. A. Varela, in "Das Obrigações em Geral", I.° Vol., 4.ª Ed., p. 447.
Quanto à obrigação de indemnizar deverá ter-se em conta o preceituado nos artigos 562º e seguintes do Código Civil.
O facto voluntário é o facto ou acto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana. A ilicitude consiste na ofensa de interesses a que a lei empresta tutela jurídica.
O nexo de imputação do facto ao lesante consiste na ligação em termos de causalidade adequada entre aquele e uma conduta do agente merecedora de reprovação ou de censura do direito. A culpa, por seu turno, consiste na incidência de um juízo de censura sobre o agente, atenta a sua capacidade de autodeterminação perante do facto. O nexo de causalidade do facto para produzir o evento danoso existe quando entre ambos interfere uma relação de causalidade adequada, de forma a considerar-se que este é consequência normal e necessária daquele. O dano traduz-se no prejuízo in natura que o lesado (Estado/CML) sofreu nos interesses materiais ou espirituais que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar.
Atento o enquadramento jurídico-penal dos factos apurados, ficaram provados factos que se traduzem num nexo de causalidade entre a conduta dos arguidos e os factos que estão na base da causa de pedir, pelo que se verificam, in casu, os pressupostos de que a lei faz depender a existência da obrigação de indemnizar, ou seja, um facto voluntário do agente, a ilicitude de tal facto, um nexo de imputação, a título de dolo, do facto ao agente, a culpa do agente, a ocorrência de danos, e a existência de um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido, de modo a poder afirmar-se que o dano é resultante da conduta ilícita - cfr. A. Varela, «Das obrigações em geral», vol. I, 1989, p. 495.
 Sendo a responsabilidade por facto ilícito, a mesma é solidária (vd Ac. STJ de 16 de janeiro de 1990, proc.º 40378/3.ª).
Assim, condenam-se os arguidos, solidáriamente, a pagar ao Estado/Câmara Municipal de Lisboa a quantia de € 27.835,20 (vinte e sete mil oitocentos e trinta e cinco euros e vinte centavos), de que se apropriaram ilegitimamente.

VII - Termos em que concedendo provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, se revoga a decisão recorrida e se altera a matéria de facto provada nos termos descritos, pelo que em consequência:
1. Condenam:
- o arguido RP... na pena de 3 (três) anos de prisão pelo crime de participação em negócio e em 1 (um) ano e 9 (nove) meses pelo crime de falsificação de documento; e na pena única de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão; cuja execução se suspende pelo período de 3 (três) anos e 9 (nove) meses;
- a arguida IM... na pena de 2 (dois) anos de prisão pelo crime de participação em negócio e em 1 (um) ano e 6 (seis) meses pelo crime de falsificação de documento; e na pena única de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão; cuja execução se suspende pelo período de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses;
- a arguida AS... na pena de 2 (dois) anos de prisão pelo crime de participação em negócio; cuja execução se suspende pelo período de 2 (dois) anos;
2. Condenam o arguido RP... na pena acessória de proibição do exercício de todas e quaisquer funções públicas que integrem a competência para autorizar a realização de despesa com a aquisição de bens e serviços, pelo período de cinco anos, nos termos do disposto no disposto no artº 66º, nº 1, al. a), do Código Penal.
3. Condenam os três arguidos, solidáriamente, a pagar ao Estado/Câmara Municipal de Lisboa a quantia de € 27.835,20 (vinte e sete mil oitocentos e trinta e cinco euros e vinte centimos).
4. Custas pelos arguidos, sendo de 4UC a taxa de justiça.
5. APOS TRÂNSITO EM JULGADO, COMUNIQUE-SE ao IGFMJ e à CML (vd art.º 66.º n.º 5 do Código Penal) e ao TRIBUNAL DE CONTAS (fls. 2421).
(Acórdão elaborado e revisto pelo relator - vd. art.º 94 º n.º 2 do C.P.Penal)
                                           Lisboa, 25 de Junho de 2015


                                                                                                       Fernando Estrela


Guilherme Castanheira