Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | MANUELA ESPADANEIRA LOPES | ||
| Descritores: | INSOLVÊNCIA CULPOSA PRESUNÇÃO JURIS TANTUM ADMINISTRADOR DE DIREITO INDEMNIZAÇÃO AOS CREDORES RESPONSABILIDADE CIVIL PRESSUPOSTOS | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/28/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário (elaborado pela relatora) Por opção da relatora, o presente acórdão não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem. I- O incidente de qualificação constitui uma fase do processo de insolvência que se destina a averiguar quais as razões que determinaram a situação de insolvência e se as mesmas foram puramente fortuitas ou correspondem, pelo contrário, a uma actuação negligente ou fraudulenta do devedor. II- Contrariamente ao que se verifica relativamente ao tipificado no nº3 do art.186º do CIRE - que apenas consagra uma presunção “juris tantum” de culpa grave -, o apuramento de factualidade integradora do previsto na alínea d) do nº 2 – e nas demais alíneas desse normativo - consubstancia presunção inilidível ou presunção jure et de jure, da qualificação da insolvência como culposa, sem necessidade de prova do nexo de causalidade entre o facto e a insolvência ou o seu agravamento. III- Naturalmente que esta presunção não determina que o afectado fique impedido de alegar e provar que não se verificaram os factos que a lei, pela sua gravidade, ali associa à existência de uma insolvência culposa, estando dessa forma garantido o direito previsto constitucionalmente a um processo equitativo. IV- Não tendo os gerentes da devedora, apesar de notificados para o efeito, informado o Administrador da Insolvência do paradeiro de seis veículos automóveis propriedade da insolvente e tendo o processo sido encerrado por insuficiência de bens, tem que se concluir pelo preenchimento do disposto na alínea a) do nº 2 do artº 186º do CIRE. V- Nos comportamentos integradores da alínea d) do nº 2 do aludido artigo 186º incluem-se aqueles que têm por efeito a saída dos bens do património do devedor – por exemplo venda ou a doação dos bens. VI- Tendo ocorrido, no período relevante para efeitos de qualificação da insolvência, a transferência de bens da devedora para uma outra sociedade da qual é único sócio um dos sócios gerentes da referida devedora e sem que se tenha apurado o recebimento da respectiva contrapartida, encontra-se preenchida a previsão da referida alínea d). VII- Verificando-se a transferência da propriedade de bens da devedora para terceira, a partir desse momento tais bens juridicamente deixaram de pertencer àquela, pelo que não se pode afirmar que os requeridos gerentes tenham efectuado um uso de bens da devedora em proveito de terceiros e, assim, não se pode ter por verificado o preenchimento do disposto na alínea e) do nº 2 do artº 186º do CIRE. VIII- A existência de divergências entre os valores constantes dos mapas de depreciação e os constantes do respectivo balanço não permite apurar, com a necessária segurança, o valor do activo da sociedade, o que se traduz num prejuízo importante para a compreensão da sua situação patrimonial. IX- Tendo ficado provada, no período de três anos anteriores à declaração da insolvência, a existência de divergências nos termos referidos em VIII-, encontra-se verificada a presunção prevista na alínea h) do nº2 do mesmo artigo 186º do CIRE. X- A qualificação da insolvência como culposa visa abranger a situação dos administradores de direito, ainda que, no período relevante para a qualificação, pudessem não ter exercido tais funções de facto. XI- A responsabilização do afectado pela insolvência para efeitos da condenação na indemnização estabelecida na alínea e) do nº 2 e nº 4 do mesmo artigo 189º do CIRE, deve ser efectuada de acordo com os pressupostos gerais da responsabilidade civil, de natureza ressarcitória, mas limitada pelo montante máximo dos créditos não satisfeitos e sempre considerando o grau de culpa do respectivo administrador. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa: * I - Relatório A…, patrocinada pelo Ministério Público, requereu a declaração de insolvência de Q… – Transportes, Lda. Por sentença proferida em 09/05/2016, foi declarada a insolvência da identificada sociedade, não tendo na mesma sido declarado aberto o incidente de qualificação. Por apenso ao respectivo processo, o Administrador de Insolvência apresentou parecer de qualificação da insolvência, nos termos previstos no n.º 1, do artigo 188.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – diploma a que pertencerão os artigos que seguidamente se referirão sem indicação de origem -, pedindo a qualificação como culposa da insolvência da devedora e a afectação pela qualificação dos seus gerentes M… Q… e F… L… Alegou para tanto e, em síntese: - a falta de colaboração dos legais representantes da insolvente, reiterada, até à data da elaboração do referido relatório a que alude o art.º 155.º do CIRE, não tendo entregue documentação comprovativa do destino dado a diversos veículos registados em nome da insolvente (e que segundo os legais representantes teriam sido furtados e sinistrados), sustentando a qualificação da insolvência como culposa a coberto do disposto no art.º 186.º, n.º 2.º, alíneas a), d), e f), do CIRE; - a transmissão de parte do património da insolvente (diversos veículos) sem que os legais-representantes da insolvente tenham entregue ao sr. AI documentação comprovativa da entrada de dinheiro na contabilidade da insolvente, sustentando a qualificação da insolvência a coberto do disposto no art.º 186.º, n.º 2.º, alíneas a), d), e f), do CIRE; - em Junho/2015, a insolvente solicitou o pagamento de créditos que detinha sobre clientes, mas solicitou que tal pagamento fosse efectuado para conta titulada pela sociedade “T… – Transportes Unipessoal, Lda”, cujo sócio único é M… Q… e a gerência assegurada por F… L…, ambos sócios gerentes da insolvente; e - elevado passivo para com a AT e demais entes públicos, vencido há vários anos, não tendo os legais representantes da devedora cumprido a obrigação de apresentação voluntária à insolvência, sustentando a qualificação da insolvência a coberto do disposto no art.º 186.º, n.º 2.º, alíneas e) e g), e n.º 3.º, línea a), do CIRE. Os autos foram com vista ao Ministério Público que emitiu parecer no sentido de a insolvência ser qualificada como culposa, sustentando dever serem afectados os seus gerentes M… Q… e F… L…, por: a) Terem incumprido de forma reiterada os seus deveres de informação e de colaboração até à data da elaboração do parecer do sr. AI a que alude o art.º 188.º, n.º 2.º, do CIRE – al. i), do nº 2, do artigo 186º, do mesmo diploma - e, a confirmar-se a ausência de contabilidade fidedigna com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor, a previsão da al. h), do nº 2, do artigo 186º, do CIRE; b) Terem, a coberto da personalidade da insolvente, exercido uma actividade e disposto dos seus bens, em seu prejuízo e em benefício próprio e de terceiros, com quem tinham interesse directo – cfr. art.º 186.º, n.º 2.º, alíneas a), b), d), e) e f), do CIRE. c) Presumindo-se ainda a culpa grave dos gerentes e o nexo causal entre a respectiva conduta omissiva e o agravamento do estado de insolvência da devedora, por terem incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência – art.º 186.º, n.º 1.º, e n.º 3.º, alínea a), do CIRE. Por despacho proferido em 20/02/2018, foi declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência e consignado que o mesmo prosseguia os seus termos como incidente limitado, atento o disposto no nº5 do art. 232º do CIRE. Notificada a Insolvente e citadas as pessoas a afectar pela qualificação, foi apresentada oposição pela devedora Q… – Transportes, Lda e por M… Q…, concluindo os mesmos que a insolvência deve ser considerada fortuita. Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixado o objecto do litígio e os temas da prova e teve lugar a audiência final, conforme resulta da respectiva acta. Foi proferida sentença que qualificou como culposa a insolvência de Q… – Transportes, Lda, e, em consequência: a) Declarou afectados pela qualificação os seus gerentes M… Q… e F… L…; b) Declarou M… Q… e F… L… inibidos, pelo período, respectivamente, de quatro anos e dois anos, para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; c) Tendo-se entendido o carácter limitado do incidente, não se declarou a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por M… Q… e F… L… e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos. d) Foi M… Q… condenado a indemnizar os credores da Insolvente em 1/3 do montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património (art. 189.º, nº 2, al. e), do CIRE). E F… L… condenada solidariamente a indemnizar os credores da Insolvente em 1/6 dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património. e) Ao abrigo do disposto no n.º 4 do art.º 189.º do CIRE, foi fixada a indemnização devida a cada um dos credores do insolvente na percentagem acima indicada em relação ao montante indicado na lista de créditos reconhecidos, não impugnada (no montante global de € 980.316,02), ou reclamados nos apensos de verificação ulterior de créditos à qual não foi deduzida oposição, na medida em que tais créditos não obtiveram qualquer satisfação, em virtude do encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa. * Inconformada, F… Q…, interpôs recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: I. Nos presentes autos está em casa uma decisão que, qualificando como culposa a insolvência da sociedade Q… – TRANSPORTES, LDA, declarou a Requerida, aqui Recorrente, afectada pela referida qualificação e, em consequência disso, a declarou inibida, pelo período de 2 anos, para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, e a condenou a indemnizar, solidariamente, os credores da Insolvente em 1/6 dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património. II. Perante o facto de não se estar de acordo com a referida decisão interpõe-se o presente Recurso. III. Entende a Requerida, aqui Recorrente, que a sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte é nula, nos termos da alínea b) e da alínea d) do nº1 do artigo 615º do CPC. IV. Ora, a decisão de que ora se recorre padece de nulidade nos termos da alínea b) do nº1 do artigo 615º do CPC porquanto o Tribunal a quo não especificou os fundamentos de facto que a nosso ver são essenciais para justificar a decisão. V. E os factos que não foram especificados e que o deveriam ter sido dizem respeito à alínea h) do nº2 do artigo 186º do CIRE e às alíneas a), b), d), e) e f) do nº2 do artigo 186º do CIRE, que aqui se agrupam, por também o Tribunal a quo o ter feito. VI. Ora, pegando desde logo na alínea h), supra transcrita, da sentença proferida e que ora se impugna, não resultou provado qualquer facto de que a Requerida, aqui Recorrente, tenha incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, que tenha mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor. VII. A previsão da alínea h) do n.º 2 do artigo 186º do CIRE, não versa sobre o incumprimento pelos comerciantes da obrigação legal de manterem escrituração comercial, dar balanço e prestar contas, mas sobre o incumprimento em termos substanciais da obrigação legal que sobre eles impende de manter contabilidade organizada, a proibição daqueles de manterem uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou de praticarem irregularidades contabilísticas com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor. VIII. Para o preenchimento da alínea h) do n.º 2 do artigo 186º do CIRE, exige-se que o devedor ou os seus administradores, de direito ou de facto, incumpram em termos substanciais a obrigação de manter a contabilidade organizada, que mantenham uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou, ainda, cometam irregularidade contabilística, e que com essas suas condutas determinem um prejuízo relevante para a situação patrimonial e financeira do devedor. IX. Ora, de acordo com a prova produzida não resultou provado que a Requerida, aqui Recorrente, tenha de alguma forma incumprido as obrigações supra referidas e muito menos que com essa conduta, a qual não lhe pode ser imputada, tenha determinado um prejuízo relevante para a situação patrimonial e financeira do devedor. X. O que, aliás, resulta evidente do elenco dos factos dados como provados, porquanto de nenhum dos mesmos resulta que a Requerida, aqui Recorrente, tenha adoptado a referida conduta e que por conta da mesma tenha determinado um prejuízo relevante para a situação patrimonial e financeira do devedor. XI. Dos factos dados como provados e no que diz respeito à contabilidade apenas foi dado como provado que “O último ano em que a insolvente apresentou contas foi no ano de 2012, segundo a última cópia da matrícula e inscrições em vigor juntas aos autos” (facto dado como provado 8). XII. Ora, de acordo com o que já foi supra referido, a ausência de prestações de contas não preenche a previsão da alínea h) do nº2 do artigo 186º do CIRE. XIII. A Requerida, aqui Recorrente, cumprindo o seu papel de contabilista da insolvente, única função que exercia na referida, cumpriu com a obrigação de manter a contabilidade organizada, tendo em conta a documentação que lhe era facultada pelo Requerido M… Q…, a quem competia de facto a gerência da referida sociedade. XIV. Pelo que, não tendo sido produzida qualquer prova no sentido de que a Requerida, aqui Recorrente, incumpriu, em termos substanciais, a obrigação de manter a contabilidade organizada, que a mesma tenha mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou, ainda, que tenha cometido irregularidade contabilística e, muito menos, que com essas condutas, as quais não foram adoptadas pela mesma, tenha determinado um prejuízo relevante para a situação patrimonial e financeira do devedor, nunca poderá a mesma ser declarada afectada pela qualificação como culposa da insolvência da sociedade, com as respectivas consequências, a inibição e indemnização aos credores da insolvente. XV. A este título sempre se refira que, mesmo que tivesse sido dado como provado que a Requerida, aqui Recorrente, havia incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade, o que não se aceita, a verdade é que sempre teria que ser dado como provado que tais condutas tiveram prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor. XVI. É esta previsão legal da alínea h) do nº2 do artigo 186º do CIRE. XVII. O que não aconteceu, nem nunca poderia ter acontecido, de acordo com a prova produzida. XVIII. Ora, o Tribunal a quo para proferir a sentença que proferiu deveria ter dado como provado que a Requerida, aqui Recorrente, adoptou uma ou mais das condutas supra referidas e que por conta da adopção das mesmas se verificou o resultado previsto na referida alínea h) do nº2 do artigo 186º do CIRE. XIX. Não o tendo feito, porque efectivamente não foi produzida prova nesse sentido, a sentença de que se recorre padece de nulidade nos termos da alínea b) do nº1 do artigo 615º. XX. Ainda neste seguimento, acresce que, o Tribunal a quo não especificou os factos que dizem respeito às alíneas a), b), d), e) e f) do nº2 do artigo 186º do CIRE, por conta da alegada decisão de transmissão de bens da sociedade para terceiros por parte da Requerida, aqui Recorrente. XXI. Veja-se que, mais uma vez, de todos os factos dados como provados não resulta nenhum que refira que a Requerida, aqui Recorrente, tenha adoptado qualquer um dos comportamentos previstos nas referidas alíneas. XXII. Nem sequer que, tendo praticado tais condutas, o que não se aceita, que as mesmas tenham levado à insolvência culposa da sociedade aqui em causa. XXIII. É necessário o nexo de causalidade. XXIV. Ora, o Tribunal a quo, e bem, não julgou provada a verificação de nenhuma das condutas supra referidas. XXV. Isto porque, a Requerida, aqui Recorrente, nunca adoptou nenhum delas. XXVI. Veja-se que, a Requerida, aqui Recorrente, no âmbito da sociedade insolvente apenas exercia funções de contabilidade. XXVII. Apesar de a mesma também ser gerente, a mesma era apenas gerente de direito. XXVIII. A Requerida, aqui Recorrente, nunca tomou quaisquer decisões no que diz respeito à gestão da referida sociedade. XXIX. Todas as decisões de gerência eram tomadas pelo Requerido M… Q…, gerente de direito e de facto da sociedade insolvente. XXX. Veja-se, aliás, que, o próprio, em sede de depoimento de parte, referiu isso mesmo. XXXI. Portanto, é evidente que todas as decisões relacionadas com a gestão da sociedade passavam exclusivamente pelo Requerido M… Q… e não pela Requerida, aqui Recorrente. XXXII. Sendo que, a mesma apenas se limitava a tratar da contabilidade e, quando ordenada a tal pelo Requerido M… Q…, a efectuar pagamentos. XXXIII. A efectiva gerência da sociedade insolvente era exercida pelo Requerido M… Q…, o qual tomava todas as decisões necessárias, na qualidade de gerente, para o prosseguimento da actividade da sociedade insolvente. XXXIV. O Requerido M… Q… confessou que transferiu a propriedade de viaturas para outras sociedades comerciais, sabendo que com essa conduta obstava a penhoras, assinou por sua inteira e exclusiva iniciativa uma declaração no sentido de que os créditos da sociedade insolvente sobre clientes deveriam ser directamente pagos a uma outra sociedade e levantou quantias da sociedade insolvente para pagamento de despesas ou trabalhadores de outras sociedades (Facto dado como provado 7 e 7.1). XXXV. Sendo que sobre todas estas questões a Requerida, aqui Recorrente, não teve qualquer palavra a dizer. XXXVI. A este título e tendo por base a alegada decisão de transmissão de bens da sociedade para terceiros por parte da Requerida, aqui Recorrente, a qual não corresponde à verdade, não se pode deixar de referir que o Tribunal a quo chega mesmo a referir que é “(…) credível que a Requerida, responsável pela contabilidade e obrigações fiscais desconheça o paradeiro de viaturas ou as verbas resultantes da sua alienação.(…)”. XXXVII. É evidente, o completo alheamento da Requerida, aqui Recorrente, a todos os actos de transmissão do bens da sociedade para terceiros que alegadamente foram praticados, os quais a terem sido praticados só poderão ter sido praticados pelo Requerido M… Q…. XXXVIII. Sem olvidar que, de acordo com a prova testemunhal produzida, resulta inequívoco que a Requerida, aqui Recorrida, em muitas das situações foi coagida a praticar certos atos contra a sua vontade. XXXIX. Ora, tendo em conta todo o supra referido, dúvidas não podem subsistir de que a gestão da sociedade insolvente era exclusivamente exercida pelo Requerido M… Q…, não tendo a Requerida, aqui Recorrente, tido qualquer intervenção na alegada transmissão de bens da sociedade para terceiros, a qual, a ser imputada a alguém, só poderá ser imputada ao Requerido M… Q…. XL. Tendo em conta que o próprio confessa tais situações. XLI. Ora, o Tribunal a quo para proferir a sentença que proferiu deveria ter dado como provado que a Requerida, aqui Recorrente, adoptou as condutas previstas nas alíneas a), b), d), e) e f) do nº2 do artigo 186º do CIRE. XLII. Bem assim como que, com a adopção das alegadas condutas, as quais não se aceitam, as mesmas tenham levado à insolvência culposa da sociedade aqui em causa. XLIII. É necessário o nexo de causalidade. XLIV. Ora, não o tendo feito, porque efectivamente não foi produzida qualquer prova nesse sentido, a sentença de que se recorre padece mais uma vez de nulidade nos termos da alínea b) do nº1 do artigo 615º. XLV. Acresce que, a decisão de que ora se recorre padece de nulidade nos termos da alínea d) do nº1 do artigo 615º do CPC porquanto o Tribunal a quo deveria ter se pronunciado quanto ao facto de a Requerida, aqui Recorrente, apesar de ser gerente, nunca ter exercido funções de gerência. XLVI. Ora, à semelhança do já supra referido a Requerida, aqui Recorrente, nunca exerceu funções de gerência da sociedade insolvente, sendo a mesma apenas gerente de direito. XLVII. Quem sempre tomou todas as decisões relevantes na sociedade insolvente foi o Requerido M… Q…. XLVIII. Sendo que, a Requerida, aqui Recorrente, de acordo com as próprias palavras do Requerido M… Q… apenas efectuou alguns pagamentos a fornecedores e trabalhadores porquanto o mesmo lhe deu ordens nesse sentido. XLIX. Sem olvidar que, a este título, não se pode deixar de referir, mais uma vez, que em algumas situações o Requerido M… Q… chegava mesmo a ameaçar a Requerida, aqui Recorrente, de que, se não cumprisse as suas ordens iriam existir consequências. L. Ora, tendo em conta a oposição apresentada pela Requerente, aqui Recorrida, o despacho saneador proferido e a prova produzida, o Tribunal a quo, necessariamente deveria ter se pronunciado quanto ao facto de a Requerida, aqui Recorrente, nunca ter exercido uma gerência de facto na sociedade insolvente. LI. O que não fez, razão pela qual incorre a sentença de que ora se recorre em nulidade termos da alínea d) do nº1 do artigo 615º do CPC porquanto o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que deveria apreciar. Acresce que, LII. O Tribunal a quo deu como provados factos que, atenta a prova documental junta aos autos e a prova testemunhal produzida, deveriam ter sido dados como não provados. LIII. O Tribunal a quo julgou mal o facto enunciado em 4 porquanto deu como provado que a sociedade insolvente era gerida pelo Requerido M… Q… e pela Requerida, aqui Recorrente, quando da análise crítica da prova documental e testemunhal, se impunha que o mesmo fosse julgado não provado. LIV. Ora, de acordo com o já supra referido, a Requerida, aqui Recorrente, não exercia de facto a gerência da sociedade insolvente. LV. A mesma apenas era gerente de direito. LVI. Quem exercia a gerência de facto era o Requerido M… Q… LVII. Era o Requerido M… Q…, que à revelia da Requerida, aqui Recorrente, tomava todas as decisões referentes à sociedade. LVIII. Portanto, a Requerida, aqui Recorrente, apesar de ser gerente da sociedade insolvente, apenas era responsável pela contabilidade, sendo que, ocasionalmente, e quando lhe eram dadas ordens nesse sentido pelo Requerido M… Q…, efectuava ainda alguns pagamentos a fornecedores e a trabalhadores. LIX. Portanto, é por demais evidente que a Requerida, aqui Recorrente, nunca exerceu funções de gerência na sociedade insolvente, tendo apenas ficado responsável pela contabilidade. LX. A qual, naturalmente, era efectuada de acordo com as informações, documentos e ordens que eram transmitidas pelo Requerido M… Q… LXI. A Recorrida, aqui Recorrente, apesar de ser gerente, era completamente alheia às decisões que eram tomadas pelo Requerido M… Q… LXII. Veja-se, aliás, que o próprio tribunal a quo chega a referir, no que diz respeito à transmissão de bens a terceiro, que é “(…) credível que a Requerida, responsável pela contabilidade e obrigações fiscais desconheça o paradeiro de viaturas ou as verbas resultantes da sua alienação.” LXIII. A este título não se pode deixar de referir que a Requerida, aqui Recorrente, apenas “assumiu” o cargo de gerente, porquanto, tendo em conta que em causa estava uma empresa de transportes e que existia a obrigatoriedade de ter um responsável com capacidade profissional, capacidade essa que não era detida por nenhum dos sócios à data dos factos, e tendo em conta que a mesma reunia as condições para o efeito, os sócios pediram que a mesma pudesse “assumir” este cargo, o que a mesma fez. LXIV. A Requerida, aqui Recorrida, em bom rigor não passava de uma funcionária da sociedade insolvente. LXV. A Requerida, aqui Recorrente, desde que se tornou gerente da sociedade insolvente nunca geriu a mesma, nunca teve capacidade de gestão, nunca tomou decisões relativas à área financeira, nunca deu ordens a funcionários, nunca realizou encomendas, nunca representou a sociedade insolvente perante clientes, fornecedores e outros. LXVI. Sempre foi o Requerido M… Q… que tomou todas as decisões referentes a todas as áreas da sociedade insolvente, gerindo a mesma e representando a referida perante clientes, fornecedores e colaboradores. LXVII. Ainda a este título e de acordo com a prova testemunhal que foi produzida não se pode deixar de referir que muitas foram as situações em que a Requerida, aqui Recorrente, foi ameaçada pelo Requerido M… Q…, no sentido de cumprir as ordens que lhe eram dadas, apesar de não concordar com as mesmas. LXVIII. Situações que culminaram num processo de violência doméstica que correu os seus termos no Juiz 2 do Juízo Local Criminal de … do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, com o nº … e cujos factos remontam a 27/05/2015, já após o divórcio da Requerida, aqui Recorrente, e do Requerido M… Q…. LXIX. Por referência a este processo foi proferida sentença na qual o Requerido M… Q… foi condenado à pena de 5 (cinco) meses de prisão, a qual veio a ser substituída por 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00€ (seis euros), o que perfaz o montante global de 900,00€ (novecentos euros). LXX. Perante todo o supra referido e tendo em conta a prova produzida, nunca poderia o facto 4), no que diz respeito à parte em que é referido que a sociedade insolvente era gerida pelo Requerido M… Q… e pela Requerida, aqui Recorrente, ter sido dado como provado, impondo-se pelo contrário, que o mesmo tivesse sido dado como não provado, o que importaria, necessariamente, a não afectação da Requerida, aqui Recorrente, à qualificação da insolvência como culposa da sociedade insolvente, e, em consequência de tal, a não aplicação à mesma de qualquer inibição e condenação à indemnização dos credores da sociedade insolvente. LXXI. O Tribunal a quo julgou mal o facto enunciado em 5 no que diz respeito, em concreto, à parte em que é referido que competia aos gerentes tomar todas as decisões relativas à gestão e área financeira, dar ordens aos funcionários, realizar encomendas, fazer pagamentos, representá-la perante clientes, fornecedores e repartições públicas, bem como, zelar pela cobrança e entrega dos impostos e das contribuições para a Segurança Social devidos ao Estado, porquanto deu como provada esta parte em concreto, quando da análise crítica da prova documental e testemunhal, se impunha que a mesma fosse julgado não provada. LXXII. Isto porque, as decisões relativas à gestão e área financeira, ordens aos funcionários, realização de encomendas, pagamentos, representação perante clientes, fornecedores e repartições públicas, bem como, o zelar pela cobrança e entrega dos impostos e das contribuições para a Segurança Social devidos ao Estado competiam apenas ao Requerido M… Q… LXXIII. A Requerida, aqui Recorrente, não tinha qualquer intervenção nessas decisões. LXXIV. A Requerida, aqui Recorrente, apenas era gerente de direito. LXXV. Não tomando qualquer decisão. LXXVI. Veja-se que, aliás, ainda neste facto que aqui está em crise e numa parte do mesmo que aqui não se impugna é dada como provado que “(…) a Requerida era responsável pela contabilidade e cumprimento de obrigações fiscais, e efetuava alguns recebimentos e pagamentos, (…)”. LXXVII. Perante o supra referido, e que aqui não se vai repetir, a fim de se evitar um excesso de prolixidade, e tendo em conta que a Requerida, aqui Recorrente, apenas era responsável pela contabilidade e, em algumas situações esporádicas, por pagamentos, nunca poderia o Tribunal a quo ter dado como provado neste facto que competia aos gerentes tomar todas as decisões relativas à gestão e área financeira, dar ordens aos funcionários, realizar encomendas, fazer pagamentos, representá-la perante clientes, fornecedores e repartições públicas, bem como, zelar pela cobrança e entrega dos impostos e das contribuições para a Segurança Social devidos ao Estado, porquanto essa tomada de decisões apenas competia ao Requerido M… Q…, pelo que, se impunha-se que esta parte do facto fosse julgado não provada, o que importaria, necessariamente, a não afectação da Requerida, aqui Recorrente, à qualificação da insolvência como culposa da sociedade insolvente, e, em consequência de tal, a não aplicação à mesma de qualquer inibição e condenação à indemnização dos credores da sociedade insolvente. LXXVIII. O Tribunal a quo julgou mal o facto enunciado em 17 porquanto deu como provado que não havia contabilidade fidedigna, quando da análise crítica da prova documental e testemunhal, se impunha que esta parte em concreto fosse julgada não provada. LXXIX. Por referência a este facto não foi produzida qualquer prova no sentido de que não havia contabilidade fidedigna. LXXX. Tal, não resultou de qualquer prova documental junta aos autos, nem de qualquer inquirição de testemunha. LXXXI. E não poderia resultar, porquanto, não corresponde à verdade. LXXXII. Posto isto, e tendo em conta que não foi produzida qualquer prova neste sentido, não poderia ter sido dado como provado no facto 17 que não havia contabilidade fidedigna, impondo-se, pelo contrário, que esta parte do facto fosse julgada não provado, o que importaria, necessariamente, a não afectação da Requerida, aqui Recorrente, à qualificação da insolvência como culposa da sociedade insolvente, e, em consequência de tal, a não aplicação à mesma de qualquer inibição e condenação à indemnização dos credores da sociedade insolvente. LXXXIII. O Tribunal a quo deu como não provados factos que, atenta a prova documental junta aos autos e a prova testemunhal produzida, deveriam ter sido dados como provados. LXXXIV. O Tribunal a quo julgou mal o facto enunciado em 1) porquanto o deu como não provado, quando da análise crítica da prova documental e testemunhal, se impunha que o mesmo fosse julgado provado. LXXXV. Ora, da prova documental junta aos autos e da prova testemunhal produzida, já supra referida por referência aos factos 4 e 5 supra impugnados, e que aqui não se vai repetir a fim de se evitar um excesso de prolixidade, resulta inequívoco que a Requerida, aqui Recorrente, nunca praticou quaisquer actos de gestão da sociedade. LXXXVI. À semelhança do já referido as únicas funções que a Requerida, aqui Recorrente, exerceu foram as referentes à contabilidade e eventuais pagamentos a fornecedores e/ou funcionários, quando o Requerido M… Q… lhe dava ordem nesse sentido. LXXXVII. Pelo que necessariamente deveria ter sido dado como provado que a Requerida, aqui Recorrente, nunca praticou quaisquer actos de gestão da sociedade insolvente, sendo apenas gerente de direito. LXXXVIII. Desta feita e perante todo o supra exposto resulta inequívoco que o facto 1) julgado não provado deveria ter sido julgado provado, o que importaria, necessariamente, a não afectação da Requerida, aqui Recorrente, à qualificação da insolvência como culposa da sociedade insolvente, e, em consequência de tal, a não aplicação à mesma de qualquer inibição e condenação à indemnização dos credores da sociedade insolvente. LXXXIX. O Tribunal a quo julgou mal o facto enunciado em 3) porquanto o deu como não provado, quando da análise crítica da prova documental e testemunhal, se impunha que o mesmo fosse julgado provado. XC. Foi produzida prova no sentido de que a Requerida, aqui Recorrente, no período aqui em apreço, anos de 2012 a 2015 (inclusive), foi alvo de ameaças, coação física e psicológica para que a Requerida, aqui Recorrente, executasse todas as ordens que eram dadas pelo Requerido M… Q… XCI. Situações que culminaram num processo de violência doméstica que correu os seus termos no Juiz 2 do Juízo Local Criminal de … do Tribunal Judicial da Comarca de…, com o nº … , e cujos factos remontam a 27/05/2015, já após o divórcio da Requerida, aqui Recorrente, e do Requerido M… Q…. XCII. Por referência a este processo foi proferida sentença na qual o Requerido M… Q… foi condenado à pena de 5 (cinco) meses de prisão, a qual veio a ser substituída por 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00€ (seis euros), o que perfaz o montante global de 900,00€ (novecentos euros). XCIII. Pelo que, resulta inequívoco que a Requerida, aqui Recorrente, durante os anos aqui em apreço sofreu ameaças e pressão psicológica por parte do Requerido M… Q… com respeito à sua actuação na sociedade insolvente. XCIV. Perante todo o supra exposto resulta inequívoco que o facto 3) julgado não provado deveria ter sido julgado provado, o que importaria, necessariamente, a não afectação da Requerida, aqui Recorrente, à qualificação da insolvência como culposa da sociedade insolvente, e, em consequência de tal, a não aplicação à mesma de qualquer inibição e condenação à indemnização dos credores da sociedade insolvente. XCV. A Requerida, aqui Recorrente, erradamente, foi afectada pela qualificação como culposa da insolvência da sociedade insolvente, com as inerentes consequências, nomeadamente a inibição e condenação à indemnização dos credores da sociedade insolvente. XCVI. Ora, desde logo, o Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou o nº1 do artigo 186º do CIRE. XCVII. De acordo com o nº1 do artigo 186º do CIRE a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência de actuação, dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores. XCVIII. A qualificação da insolvência como culposa reclama, portanto, uma conduta ilícita e culposa do devedor ou dos seus administradores. XCIX. A ilicitude do comportamento do devedor ou dos seus administradores reparte-se por elementos objectivos e subjectivos. C. O elemento objectivo afere a ilicitude da actuação do devedor ou dos administradores pela sua correspondência com o estado de insolvência do primeiro: a conduta é ilícita se dela resulta a criação ou agravamento da situação de insolvência. CI. O elemento subjectivo valora a conduta pelo conhecimento e vontade do devedor ou dos seus administradores na criação ou agravamento da situação de insolvência, i.e., pelo dolo ou pela negligência daquele ou destes. CII. Mas não releva uma qualquer negligência – mas apenas uma negligência grave ou grosseira, quer dizer, uma negligência de grau essencialmente aumentado ou intensificado, portanto, uma violação particularmente qualificada dos deveres de cuidado ou diligência presentes no caso. CIII. A culpa do devedor ou dos seus administradores decorre de um juízo de censurabilidade, em cuja formulação devem ser consideradas as condições que justificam que lhes seja dirigida essa censura. CIV. A censurabilidade da conduta é uma apreciação de desvalor que resulta do reconhecimento de que o devedor, ou os seus administradores, nas circunstâncias concretas em que actuaram, podiam ter conformado a sua conduta de molde a evitar a queda do primeiro na situação de insolvência ou agravamento do estado correspondente. CV. A censurabilidade do comportamento do devedor ou dos seus administradores é um juízo feito pelo tribunal sobre a atitude ou motivação de um e de outros, segundo o que pode ser deduzido dos factos provados. CVI. O desvalor que fundamenta a ilicitude da conduta do devedor ou dos seus administradores encontra-se no resultado: a criação ou agravamento da situação de insolvência. CVII. Devendo a ilicitude referenciar-se a esse resultado antijurídico, importa verificar, não apenas que esse resultado se produziu – mas se ele pode ser atribuído – imputado – à conduta. CVIII. É a exigência de um relacionamento ou de uma conexão dessa conduta com o evento a que se procura dar resposta com a causalidade. CIX. Uma orientação que tem merecido um apoio generalizado é a da causalidade adequada ou da causalidade jurídica sob a forma de adequação, que, simplificadamente, pode formular-se assim: um facto é causa de um resultado, sempre que, em termos de normalidade social, seja adequado a produzir esse resultado. CX. Para que se afirme um nexo de adequação, deve ponderar-se, de um ponto de vista objectivo, se dadas as regras de experiência e o normal acontecer dos factos a conduta tem como consequência a produção do evento. CXI. Caso se entenda que a produção do resultado era imprevisível ou que, sendo previsível, era improvável ou de verificação rara, a imputação não deverá ter lugar. CXII. A indagação do carácter doloso ou gravemente negligente da conduta do devedor, ou dos seus administradores, e da relação de causalidade entre essa conduta e o facto da insolvência ou do seu agravamento, de que depende a qualificação da insolvência como culposa, revela-se muitas vezes extraordinariamente difícil. CXIII. Contudo, para que se conclua pelo carácter culposo da insolvência, não basta assentar na culpa grave, ainda que simplesmente presuntiva, dos seus administradores na omissão do cumprimento de qualquer daquelas obrigações; exige-se a prova da relação ou nexo de causalidade entre essa conduta e a criação ou agravamento da situação de insolvência do devedor. CXIV. Ora, de acordo com todo o que foi supra exposto é evidente, desde logo, que em causa não estão condutas dolosas ou com culpa grave adotadas por parte da Requerida, aqui Recorrente. CXV. A ter havido condutas dolosas ou com culpa grave, as mesmas terão sido adoptadas pelo Requerido M… Q… CXVI. Isto porque, era o Requerido M… Q… que, efectivamente, praticava todos os actos de gestão da sociedade insolvente. CXVII. Sendo a Requerida, aqui Recorrente, completamente alheia a todas as decisões que foram tomadas pelo Requerido M… Q…. CXVIII. Sem olvidar que, tal como exigido pelo normativo legal supra referido, não se verifica o nexo de causalidade entre a alegada conduta e o resultado. CXIX. Pelo que, tendo o tribunal a quo decidido como decidiu violou o nº1 do artigo 186º do CIRE. CXX. Acresce que, foi alegado na decisão de que se recorre que a conduta da Requerida, aqui Recorrente, quanto à alegada ausência de contabilidade organizada fidedigna, preencheu a previsão legal da alínea h) do nº2 do artigo 186º do CIRE. CXXI. Ora, o Tribunal a quo ao decidir neste sentido violou a alínea h) do nº2 do artigo 186º do CIRE. CXXII. A previsão legal da alínea h) do n.º 2 do artigo 186º do CIRE, não versa sobre o incumprimento pelos comerciantes da obrigação legal de manterem escrituração comercial, dar balanço e prestar contas, mas sobre o incumprimento em termos substanciais da obrigação legal que sobre eles impende de manter contabilidade organizada, a proibição daqueles de manterem uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou de praticarem irregularidades contabilísticas com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor. CXXIII. Para o preenchimento da alínea h) do n.º 2 do artigo 186º do CIRE, exige-se que o devedor ou os seus administradores, de direito ou de facto, incumpram em termos substanciais a obrigação de manter a contabilidade organizada, que mantenham uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou, ainda, cometam irregularidade contabilística, e que com essas suas condutas determinem um prejuízo relevante para a situação patrimonial e financeira do devedor. CXXIV. Existe a necessidade de um nexo causal. CXXV. Ou seja, é necessário que não só que o devedor ou os seus administradores, de direito ou de facto, tenham adoptado essas condutas, mas também que com essa condutas tenham determinado um prejuízo relevante para a situação patrimonial e financeira do devedor. CXXVI. Ora, de acordo com a prova produzida, não resultou provado que a Requerida, aqui Recorrente, tenha de alguma forma incumprido as obrigações supra referidas e muito menos que com essa conduta, a qual não lhe pode ser imputada, tenha determinado um prejuízo relevante para a situação patrimonial e financeira do devedor. CXXVII. Veja-se que, a Requerida, aqui Recorrente, cumprindo o seu papel de contabilista da insolvente, única função que exercia na referida, de acordo com o já supra referido e demonstrado, cumpriu com a obrigação de manter a contabilidade organizada, tendo em conta a documentação que lhe era facultada pelo Requerido M… Q…, a quem competia de facto a gerência da referida sociedade. CXXVIII. Pelo que, não tendo sido produzida qualquer prova no sentido de que a Requerida, aqui Recorrente, incumpriu, em termos substanciais, a obrigação de manter a contabilidade organizada, que a mesma tenha mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou, ainda, que tenha cometido irregularidade contabilística e, muito menos, que com essas condutas, as quais não foram adotadas pela mesma, tenha determinado um prejuízo relevante para a situação patrimonial e financeira do devedor, nunca poderá a mesma ser declarada afectada pela qualificação como culposa da insolvência da sociedade, com as respectivas consequências, a inibição e indemnização aos credores da insolvente. CXXIX. A este título sempre se refira que, mesmo que tivesse sido dado como provado que a Requerida, aqui Recorrente, havia incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade, o que não se aceita, a verdade é que sempre teria que ser dado como provado que tais condutas tiveram prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor. CXXX. É esta previsão legal da alínea h) do nº2 do artigo 186º do CIRE. CXXXI. O que não aconteceu, nem nunca poderia ter acontecido, de acordo com a prova produzida. CXXXII. Pelo que, resulta inequívoco que o Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou a alínea h) do nº2 do artigo 186º do CIRE. CXXXIII. Acresce ainda que na decisão de que se recorre foi alegado que, por a Requerida, aqui Recorrente, ter decidido transmitir bens da sociedade para terceiros, o que não corresponde à verdade, a mesma violou as alíneas a), b), d), e) e f) do nº2 do artigo 186º do CIRE. CXXXIV. Ora, o Tribunal a quo ao decidir neste sentido violou as alíneas a), b), d), e) e f) do nº2 do artigo 186º do CIRE. CXXXV. Ora, também por referência a estas alíneas há que se verificar a adopção dos comportamentos elencados nas mesmas e se os mesmos levaram à a criação ou agravação da situação de insolvência. CXXXVI. Também aqui existe a necessidade de verificação do nexo de causalidade. CXXXVII. De acordo com a prova produzida, a Requerida, aqui Recorrida, não violou nenhum dos preceitos legais supra referidos e como tal não criou ou agravou a situação de insolvência culposa da sociedade insolvente. CXXXVIII. Já que à semelhança do supra referido e demonstrado a Requerida, aqui Recorrente, nunca exerceu funções de gerência na sociedade insolvente, sendo a mesma apenas responsável pela contabilidade. CXXXIX. As funções de gerência eram exercidas única e exclusivamente pelo Requerido M… Q… CXL. Pelo que, e a fim de se evitar um excesso de prolixidade, cumpre esclarecer que resulta inequívoco que o Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou as alíneas a), b), d), e) e f) do nº2 do artigo 186º do CIRE. CXLI. Posto isto, impõe-se a revogação da sentença proferida pelo Tribunal a quo a qual qualificando com como culposa a insolvência da sociedade Q… – TRANSPORTES, LDA, declarou afectada pela qualificação a Requerida, aqui Recorrente, e, em consequência disso, a declarou inibida, pelo período de 2 anos, para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, e a condenou a indemnizar, solidariamente, os credores da Insolvente em 1/6 dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património. CXLII. À cautela, e tendo em conta todo o supra referido, e acaso o Tribunal ad quem não entenda que a sentença de que se recorre deverá ser revogada, sempre deverá a indemnização, solidariamente, em 1/6 dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património, na qual foi condenada a Requerida, aqui Recorrente, ser reduzida. Terminou peticionando que seja dado provimento ao presente recurso e, por conseguinte, revogada a sentença proferida pelo tribunal a quo que qualificou a insolvência como culposa e declarou afectada pela qualificação a requerida, ora recorrente. Caso este tribunal ad quem entenda que a sentença não deverá ser integralmente revogada, sempre deverá ser reduzida a indemnização em que a recorrente foi condenada. * Não foram apresentadas Contra-Alegações. * A Mmª Juíza da 1ª instância proferiu despacho admitindo o recurso, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo. Nesse despacho não se pronunciou acerca das nulidades de sentença invocadas. Todavia, considerando os termos do invocado e o que resulta dos autos, não se julga indispensável a baixa do processo a fim de serem apreciadas as nulidades. * Foram colhidos os vistos dos Exmºs Adjuntos. * II – Questões a decidir: É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações do recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido. Assim, em face das conclusões apresentadas pelos recorrentes importa analisar e decidir o seguinte: A- Questão Prévia: Da admissibilidade do documento junto pela apelante com as alegações; B- da nulidade da sentença por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia; C- impugnação da matéria de facto e C- da verificação dos pressupostos considerados na sentença recorrida para qualificação da insolvência como culposa e para a afectação da apelante e, em caso afirmativo, do respectivo quantum indemnizatório. * III - Fundamentação A) Questão Prévia: Da (in)admissibilidade do documento cuja junção foi requerida pela apelante Com as alegações, a recorrente requereu a junção de um documento – cópia da sentença proferida no Proc. nº … do Juízo Local Criminal de … – Juiz 2 -, da qual consta a que o requerido M… Q… foi condenado na pena de 5 (cinco) meses de prisão, pena que veio a ser substituída por 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00€ (seis euros), pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada. Dessa sentença consta que a mesma foi proferida no dia 27 de Abril de 2017. Relativamente à junção de documentos na fase de recurso, resulta do disposto no artº 651º do C.P.Civil, aplicável ex vi do artº 17º do CIRE, que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. Por sua vez, prevê o referido artigo 425º do CPC que: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.” Conforme se decidiu no Ac. Relação de Coimbra de 08.11.2014 (processo nº 628/13.9TBGRD.C1, relator: Teles Pereira), o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt: “I – Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a de prova documental adicional. II - Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva. III - Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado. (…) VI – Quanto ao segundo elemento referido em I deste sumário, o caso indicado no trecho final do artigo 651º, nº 1 do CPC (a junção do documento ter-se tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância), pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.”. A audiência final teve lugar nos dias 12 e 19 de Abril de 2023, ou seja, em data muito posterior à prolação da sentença cuja junção é requerida e não está, de algum modo, demonstrado que a mesma não pudesse ter sido junta em momento anterior. Seguramente também podemos afastar a possibilidade de a junção estar a ser requerida por tal se mostrar necessário em virtude do julgamento proferido. Não se está perante uma decisão surpresa, mas em face de uma decisão que se limitou a apreciar e a julgar o thema decidendum e onde as questões que a recorrente ora refere já se encontravam suscitadas. Nesta fase, não é admissível a junção de documentos destinados à prova de factos que já se encontravam em discussão anteriormente e que já podiam ter sido juntos em data anterior e não o foram. Pelo exposto, não há fundamento para a admissão, nesta fase de recurso, do documento apresentado pela recorrente, pelo que não se admite a sua junção aos autos. Custas do incidente pela apelante, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC, sem prejuízo do apoio judiciário de que a mesma beneficia. * B) De facto i) Na sentença sob recurso foi considerada como provada a seguinte factualidade como pertinente para a decisão da causa: 1 – O processo de insolvência foi instaurado por A…, trabalhadora da Q… – Transportes, Lda., representada pelo Ministério Público, em dia 23-11-2015, tendo a insolvência sido decretada por sentença transitada em julgado. 2 - A insolvente tem por objecto “Transportes rodoviários de mercadorias”. 3 - São sócios da insolvente M… Q… e F… L…, sendo as quotas no valor respectivo de €122.500 e €2.500 (Ap. 3/20070927). 4 – A insolvente era gerida por M… Q… e F… L…, casados entre si, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio declarado por decisão de 20/1/2015. 5 – Competia aos gerentes tomar todas as decisões relativas à gestão e área financeira, dar ordens aos funcionários, realizar encomendas, fazer pagamentos, representá-la perante clientes, fornecedores e repartições públicas, bem como, zelar pela cobrança e entrega dos impostos e das contribuições para a Segurança Social devidos ao Estado; em face de distribuição de tarefas entre os gerentes, a Requerida era responsável pela contabilidade e cumprimento de obrigações fiscais, e efectuava alguns recebimentos e pagamentos, e o Requerido responsável pelo demais, nomeadamente pela parte operacional e comercial, contactos com clientes, fornecedores e colaboradores, exercendo também funções de motorista, mecânico e responsável pelo tráfico. 6 – Apesar de diversas insistências do Administrador, os legais-representantes da insolvente não juntaram documentos comprovativos do destino dado a diversas viaturas registadas em nome da insolvente, nomeadamente comprovativos da venda e da entrada do produto da venda nas contas da insolvente, comprovativos de intervenção em sinistros de abate e de furto. 6.1- A Requerida forneceu as informações e esclarecimentos de que dispunha. 7 – O Requerido teve a iniciativa exclusiva de emitir declaração no sentido de que os créditos da insolvente sobre clientes deveriam ser directamente pagos à sociedade “T… – Transportes Unipessoal, Lda”, cujo sócio único é M… Q… e a gerência assegurada por F… L…, ambos sócios gerentes da insolvente. 7.1 – Os pagamentos através de outra empresa realizaram-se em virtude de as contas bancárias da insolvente estarem penhoradas e haver necessidade de pagar remunerações a trabalhadores e suportar os custos de gasóleo, sob pena de penalizações por incumprimento nas entregas. 8 - O último ano em que a insolvente apresentou contas foi no ano de 2012, segundo a última cópia da matrícula e das inscrições em vigor junta aos autos. 9 – A A reclamou créditos laborais vencidos no ano de 2015. 10 – A AT reclamou créditos tributários vencidos desde o ano de 2012. (não foram consignados quaisquer factos sob os números 11-, 12- e 13-). 14 – O passivo da insolvente ascende a valor superior a € 980.316,02, reconhecido na lista do art.º 129º do CIRE, a qual não foi objecto de impugnação, para além de outros reclamados em acções de verificação ulterior de créditos. 15 - O processo de insolvência foi encerrado por insuficiência da massa insolvente, não tendo sido satisfeito qualquer crédito reconhecido. 16 - A requerida terminou o Curso de Contabilidade e Auditoria em 2001, sendo que a partir deste ano passou a ser TOC da Insolvente. 17 – Houve vários conflitos entre os sócios gerentes, divorciados desde Janeiro de 2015, com relação a questões de gestão da sociedade, destino de capitais e falta de comprovativos de despesas, pelo que não havia contabilidade fidedigna nem foram aprovadas e prestadas contas, desde o ano de 2013. 18 – A situação financeira difícil da Insolvente resultou de vários factores, entre os quais, a deslocalização de Portugal de cliente importante da empresa, a insolvência de sociedades das quais era credora, a crise e aumento de preço de combustíveis. * ii) Foram considerados como não provados os seguintes factos: 1 - A Requerida F… L… nunca praticou quaisquer actos de gestão da sociedade. 2 - Em Julho de 2014, a Requerida F… L… não tinha acesso a elementos de contabilidade da sociedade, motivo pelo qual não procedeu à entrega da IES de 2013. 3 - A Requerida sofreu ameaças e pressão psicológica por parte do Requerido com respeito à sua actuação na sociedade que foram determinantes do seu comportamento. 4 - O Requerido forneceu toda a colaboração possível ao processo de insolvência, facultando todas as informações solicitadas de que dispunha. * C) Das invocadas nulidades da sentença Sustentou a apelante que a sentença enferma de nulidade com os seguintes fundamentos: - por falta de fundamentação – alínea b) do nº 1 do artº 615º do C.P.Civil -, alegando que o tribunal a quo não especificou os fundamentos de facto que permitiriam concluir pelo preenchimento do disposto nas alíneas h), a), b), d), e) e f) do nº 2 do artº 186º do CIRE. Diz que a ausência de prestações de contas não preenche a previsão da alínea h) e que não foi produzida qualquer prova no sentido de que a requerida incumpriu, em termos substanciais, a obrigação de manter a contabilidade organizada e que todos os factos dados como provados não resulta que a mesma tenha praticado quaisquer dos factos referidos nas supra aludidas alíneas a), b), d), e) e f), sendo que todas as decisões relacionadas com a gestão da sociedade passavam exclusivamente pelo requerido M… Q… e ainda - por omissão de pronúncia – alínea d) do mesmo normativo -, sustentando que o tribunal não se pronunciou quanto ao facto de a requerida, ora recorrente, apesar de ser gerente de direito, nunca ter exercido funções de gerência. Estabelece o nº 1 do citado artº 615º que a sentença é nula quando: “(…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (…)” Dispõe o artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. O primeiro requisito de imposição de fundamentação é o da natureza da decisão em causa, expressa pela negativa “decisões que não sejam de mero expediente”. Por sua vez, estatui o artigo 152º, nº 4, do CPC, serem decisões de mero expediente as que “se destinam a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesse entre as partes”. A concretização do que seja o dever de fundamentação resulta do disposto no artigo 154º do CPC, resultando do mesmo que tal dever se estende a todos os pedidos controvertidos e a todas as dúvidas suscitadas que influenciem a decisão. A fundamentação deve, em consequência, incidir sobre a explicitação dos motivos que levaram o julgador a dirimir a controvérsia no sentido em que o fez. A Lei impõe ao juiz que tome posição directa sobre a factualidade alegada, especificando os factos provados e não provados e também os fundamentos de direito em que estriba a decisão. Conforme se refere no Ac. do STJ de 04/07/19, relatora: Rosa Tching, o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt, a nulidade prevista na citada alínea b) “Trata-se de um vício que corresponde à omissão de cumprimento do dever contido no art. 205º, nº 1 da CRP que impende sobre o juiz de indicar as razões de facto e de direito que sustentam a sua decisão. E, tal como é jurisprudência pacífica - [2 - Neste sentido, vide, entre muitos outros, Acs.. do STJ, de 10.5.1973, in, BMJ, n.º 228º, pág. 259 e de 15.3.1974, in, BMJ, n.º 235, pág. 152.], traduz-se na falta absoluta de motivação, quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, e não na motivação deficiente, medíocre ou errada”. Sustenta-se igualmente no Ac. do mesmo STJ de 06/07/17, relator: Nunes Ribeiro, disponível também in www.dgsi.pt: “(…) é preciso esclarecer que só a falta absoluta de motivação constitui nulidade. A insuficiência ou mediocridade da motivação - como ensinava o Prof. ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado Vol. V, pag 140, afecta o valor doutrinal da sentença, mas não produz nulidade. A nulidade apontada tem correspondência com o n.º 3 do art.º 607º do mesmo C. P. Civil que impõe ao juiz o dever de, na parte motivatória da sentença, «discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes...»”. Atento o que fica referido, é jurisprudência assente que só a falta absoluta de motivação – e não a sua imperfeição ou incompletude – constitui fundamento para a nulidade a que se refere o art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC. Na sentença encontram-se elencados os factos que o tribunal considerou provados e não provados e os fundamentos em que se baseou esta decisão. Saber se os factos considerados provados permitem, ou não, concluir pelo preenchimento das invocadas alíneas do nº 2 do artº 186º do CIRE e pela insolvência culposa, não se prende com a nulidade da sentença. Trata-se de uma questão jurídica, que não se confunde com nulidade da sentença. Quanto ao suscitado em termos de omissão de pronúncia, de acordo com o disposto na alínea d) do referido artigo 615º do C.P.Civil, a sentença é ainda nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. A omissão de pronúncia está directamente relacionada com o comando fixado nº 2 do art. 608º do CPC – segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras». As questões aqui referidas são as relacionadas com o mérito da causa, balizadas pela pretensão deduzida, pela respectiva causa de pedir e pelas excepções peremptórias invocadas e não se confundem com os argumentos aduzidos, sendo constante a jurisprudência dos nossos tribunais no sentido que aquele preceito apenas impõe que o tribunal resolva todas as questões que as partes hajam submetido a julgamento – cfr, entre muitos outros, Ac. STJ, de 16/02/1995, Cons. Ferreira da Silva, BMJ 444, págs 595 e ss. O mesmo é defendido pela doutrina – cfr, entre outros, Lopes do Rego, Comentários ao CPC, vol. I, pág. 551, Lebre de Freitas e outros, CPC Anotado, 2ª vol., pág. 646 e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 54. A nulidade da sentença com fundamento na omissão de pronúncia só ocorre quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão (e cuja resolução não foi prejudicada pela solução dada a outras). Como resulta da sentença, ficou ali a constar como provado que, em face de distribuição de tarefas entre os gerentes, a requerida era responsável pela contabilidade e cumprimento de obrigações fiscais e efectuava alguns recebimentos e pagamentos. A questão relativa a saber se a mesma era gerente de direito e também exercia a gerência de facto e em que moldes, trata-se mais uma vez de uma questão jurídica, que não se confunde com nulidade da sentença. Estas nulidades, taxativamente previstas no art. 615º, nº1, do CPC, reconduzem-se a erros de actividade ou de construção e não se confundem com o erro de julgamento (de facto e/ou de direito). Improcedem, pois, as invocadas nulidades da sentença. * D) Da Impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto Nos termos do artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil: «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” No que toca à especificação dos meios probatórios: «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil). Citando o Sr. Conselheiro Abrantes Geraldes, «Estabelecendo o paralelismo com a petição inicial, tal como esta está ferida de ineptidão quando falta a indicação do pedido, também as alegações destituídas em absoluto de conclusões são “ineptas”, determinando a rejeição de recurso (art. 641º, nº 2, al. b), sem que se justifique a prolação de qualquer despacho de convite à sua apresentação.(…) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.(…)» – cfr Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., p. 122 e 132. Como consequência, segundo o mesmo autor, impõe-se a rejeição do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto nas seguintes situações: a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto; b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados; c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação; f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam alguns dos elementos referidos - Ob. cit, pág. 135. Quanto à questão relativa a saber se os requisitos do ónus impugnatório previstos no artigo 640º, nº1, devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também devem ser levados às conclusões sob pena da rejeição do recurso (cfr. Artigos 635º, nº2 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil), o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se nos seguintes termos: No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.2.2015, Cons. Tomé Gomes, 299/05, afirma-se que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» No Acórdão de 11.4.2016, relatora Cons. Ana Luísa Geraldes, 449/410, defendeu-se que servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, deverão nelas ser identificados com precisão os pontos de factos que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos do ónus impugnatório, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. As conclusões do recurso não têm de reproduzir todos os elementos do corpo da alegação – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2015, Cons. Clara Sottomayor, 1060/07. O AUJ n.º 12/2023, relatora Cons. Ana Resende, Processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1, publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I de 2023-11-14, páginas 44 – 65, disponível também em www.dgsi.pt, pronunciou-se expressamente no sentido que: «Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações». In casu, a apelante deu cumprimento aos ónus impostos em termos de impugnação da decisão da matéria de facto, invocando os meios probatórios, incluindo os depoimentos de parte dos requeridos, que impõem que a factualidade dada como provada nos pontos 4- e 5- seja considerada não provada no que concerne à prática de actos de gestão da insolvente pela requerida e que deve ainda ser considerado não provado o que consta do ponto 17- dos Factos Provados. Invocou ainda que, pelos mesmos fundamentos, se encontra demostrada a factualidade que o tribunal a quo considerou como não provada sob o ponto 1- do segmento relativo aos Factos Não Provados e que, face ao depoimento da própria requerida, ao teor da sentença cuja junção requereu e da “análise crítica da prova documental e testemunhal” se impunha que o constante do ponto 3. dos Factos Não Provados fosse julgado provado No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art.º 607º, n.º 5 do Código de Processo Civil, segundo o qual: “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.” Assim, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. art.º 371º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr a este respeito Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV vol., Coimbra Editora, 1987, pág. 566 e seg. e Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.). Para a formação da convicção do juiz concorre a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas, podendo nos termos dos art.º 349º e 351º do Código Civil socorrer-se de presunções judiciais, que são ilações que o julgador tira de factos conhecidos para firmar factos desconhecidos: o seu funcionamento depende da conexão entre factos, em que a verificação de factos provados, atentas as regras da experiência comum, os princípios da lógica corrente e os dados da intuição humana, faz admitir a existência de factos não provados. No que concerne ao plasmado sob o ponto 4- dos Factos Provados, ficou ali a constar: “A insolvente era gerida por M… Q… e F… L…, casados entre si, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio declarado por decisão de 20/1/2015”. Resulta da sequência pela qual foram elencados os meios probatórios na Motivação da decisão de facto, que para a prova do que consta neste ponto, no que respeita à gerência da sociedade insolvente, foi considerado o teor da certidão da Conservatória do Registo Comercial relativa à mesma. Do teor dessa certidão junta aos autos de insolvência resulta que foram designados gerentes da insolvente desde a data da sua constituição M… Q… e F… L…, casados entre si. É esta a factualidade que, atento o teor da certidão, assume relevância para a decisão dos autos, pelo que a redacção do aludido ponto dos factos provados passará a ser a seguinte: 4- Foram designados gerentes da insolvente desde a data da sua constituição M… Q… e F… L…, à data casados entre si, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio declarado por decisão de 20/1/2015. No que respeita ao ponto 5-, sustentou a apelante que, contrariamente ao que consta dos factos provados, resulta “da análise crítica da prova documental e testemunhal”, que as decisões relativas à gestão e área financeira, ordens aos funcionários, realização de encomendas, pagamentos, representação perante clientes, fornecedores e repartições públicas, bem como, o zelar pela cobrança e entrega dos impostos e das contribuições para a Segurança Social devidos ao Estado competiam apenas ao Requerido M… Q… e não também à própria. A apelante apenas indicou as passagens da gravação dos depoimentos da própria e do requerido e não o fez relativamente a qualquer testemunha. Cumpre referir, no entanto, que as funções que competiam aos dois requeridos enquanto gerentes da sociedade insolvente, atento o objecto social da mesma – transporte rodoviários de mercadorias - assume carácter conclusivo e não revela para a decisão dos autos. Com efeito, do elenco dos factos relevantes para a decisão a proferir não devem constar juízos conclusivos ou de valoração normativa. Tais juízos, a relevar, relevam sim, mas em sede de subsunção dos factos ao direito aplicável, isto é, noutra sede que não nesta. Consequentemente, afirmações totalmente conclusivas, sobretudo quando correspondam ao objecto do litígio ou à questão a decidir, confundindo-se com o conceito relevante da solução jurídica da causa, devem ser excluídas ou consideradas não escritas. Deve ter-se por não escrita a enunciação que encerre um juízo contendo em si mesma a decisão da própria causa. Assume relevância, sim, o 2º segmento deste ponto, ou seja, as funções que cada um exercia, o que não é colocado em crise pela apelante. Assim, determina-se a eliminação do 1º segmento do ponto 5- dos Factos Provados, passando o aludido ponto a ter a seguinte redacção: 5- Em face de distribuição de tarefas entre os gerentes, a Requerida era responsável pela contabilidade e cumprimento de obrigações fiscais, e efectuava alguns recebimentos e pagamentos, e o Requerido responsável pelo demais, nomeadamente pela parte operacional e comercial, contactos com clientes, fornecedores e colaboradores, exercendo também funções de motorista, mecânico e responsável pelo tráfico. Relativamente ao que ficou a constar do ponto 17-, invocou a recorrente que “não resultou de qualquer prova documental junta aos autos, nem de qualquer inquirição de testemunha” de que “não havia contabilidade fidedigna”, razão pela qual o que consta deste ponto dos factos provados não se encontra demonstrado. Consta do aludido ponto dos factos provados: “Houve vários conflitos entre os sócios gerentes, divorciados desde janeiro de 2015, com relação a questões de gestão da sociedade, destino de capitais e falta de comprovativos de despesas, pelo que não havia contabilidade fidedigna nem foram aprovadas e prestadas contas, desde o ano de 2013”. Resulta da motivação da decisão de facto: “Atendeu-se ainda ao depoimento coerente e que se reputou credível da testemunha H… F…, que elaborou relatório de análise financeira sobre a insolvente, concluindo pela falta de contabilidade fidedigna, posição corroborada pela própria Requerida F… L…”. Não obstante a apelante não invocar as razões pelas quais, contrariamente ao que entendeu o tribunal a quo, o depoimento desta testemunha e o teor do aludido relatório, não permitem a prova da factualidade plasmada no ponto 17-, o que é certo que a inexistência, ou não, de contabilidade organizada, é matéria conclusiva e, como tal, este segmento tem que ser eliminado dos factos provados. Ouvido o depoimento da testemunha H… F…, que elaborou o relatório de análise financeira relativo à sociedade insolvente, declarou que existia informação dispare, existindo diferenças entre o que constava dos mapas de amortização e o que foi lançado na contabilidade, resultando do relatório efectuado pelo mesmo e que se encontra junto com o requerimento inicial e cujo teor o próprio confirmou, que o saldo das amortizações do exercício no mapa de amortizações era diferente do saldo que constava no balanco, na conta de amortizações. Do relatório consta ainda que a testemunha não teve acesso ao Mod. 22 de 2013 e relativo aos anos subsequentes, nem ao aos IES de 2012 e seguintes. Por sua vez, a requerida, ora apelante, referiu que as contas relativas aos anos se 2013 e ss não foram aprovadas, nem depositadas na Conservatória do Registo Comercial. Assim, a redacção do ponto 17- dos Factos Provados passa a ser a seguinte: 17- Houve vários conflitos entre os sócios gerentes, divorciados desde Janeiro de 2015, com relação a questões de gestão da sociedade, destino de capitais e falta de comprovativos de despesas, verificando-se, no ano de 2012 e ss, divergências entre o que constava dos mapas de amortização e o que foi inscrito no respectivo balanço e não foram aprovadas, nem registadas contas a partir do ano de 2013. Sustentou também a apelante que, face ao declarado pela própria e pelo requerido M… Q…, se encontra demonstrado que a mesma nunca praticou quaisquer actos de gestão da sociedade, pelo que a matéria que ficou plasmada no ponto 1- dos Factos Não Provados se encontra demonstrada. Saber se pelos requeridos foram praticados, ou não, actos de gestão, também assume carácter absolutamente conclusivo, pelo que, pelos fundamentos que supra ficaram referidos, se determina a eliminação do ponto 1- dos factos não provados. Quanto ao invocado em relação ao ponto 3- também dos factos não provados, sustentou a apelante que o tribunal considerou tal factualidade não provada, “quando da análise crítica da prova documental e testemunhal”, se impunha que a mesma fosse julgada provada. Diz que tal também resulta face ao declarado pela mesma, conforme excertos do depoimento que transcreve. Não indicando sequer a recorrente os documentos e os depoimentos testemunhais que, no seu entender, permitem a prova da factualidade em apreço e apenas transcrevendo os excertos do seu depoimento que diz serem relevantes para o mesmo fim, atento o disposto na alínea b) do nº 1 do supra referido artº 640º do C.P.Civil, apenas estes poderão ser considerados por este tribunal. A mesma falou em ameaças e agressões físicas por parte do requerido, tendo, em 27 de Maio de 2015, recebido, em virtude da agressão de que foi vítima nesse dia, tratamento hospitalar. Do depoimento transcrito não resulta que tais actos, de que alegou ter sido vítima, se tivessem ficado a dever à sua acutação na sociedade, pelo que a matéria do referido ponto 2- se deve manter como não provada. Procede, pois, parcialmente nos termos referidos, a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pela apelante. * Aqui chegados cumpre referir o seguinte: Consta do ponto 6- dos Factos Provados: “6 –Apesar de diversas insistências do Administrador, os legais-representantes da insolvente não juntaram documentos comprovativos do destino dado a diversas viaturas registadas em nome da insolvente, nomeadamente comprovativos da venda e da entrada do produto da venda nas contas da insolvente, comprovativos de intervenção em sinistros de abate e de furto”. A alusão a “diversas viaturas” não permite a concretização/individualização dos veículos automóveis que estão em causa, ou seja, quais os veículos que eram propriedade da insolvente e quais os actos que foram praticados relativamente a cada um dos mesmos e que poderão ter relevância para a decisão a proferir, considerando o que consta do processo, nomeadamente do auto de apreensão de bens junto pelo Administrador da Insolvência aos autos de insolvência em 18/07/2017, do requerimento inicial deste incidente de qualificação da insolvência e dos documentos juntos pelo Administrador da Insolvência em 14/04/2023 – resultado da pesquisa efectuada à Base de Dados do Registo Automóvel relativamente aos veículos de matrícula 30-EO-55, 90-63-UU, 96-BB-48 e 38-61-BN (quanto a este último consta como tendo sido cancelada a matrícula em 18-09-2014). No que concerne ao veículo de matrícula 60-GQ-16, consta do doc. nº 1 junto com a oposição apresentada pelo requerido e pela insolvente que o mesmo foi para “abate”, tendo sido requerido o cancelamento da matrícula, quanto ao 86-31-ZO resulta do doc. nº 3 que o requerido, em 08-06-2016, prestou declarações junto da PSP, informando que o que o mesmo se encontrava estacionado no Parque Industrial do Forte da Casa e do doc. nº 2 resulta que o veículo de matrícula 08-02-VB foi penhorado à ordem do processo executivo tributário ali identificado. Assim, ao abrigo do disposto no artº 662º, nº1, do C.P.Civil, decide-se alterar o aludido ponto 6- dos Factos Provados nos seguintes termos: 6– Apesar de diversas insistências do Administrador, os legais-representantes da insolvente não juntaram documentos comprovativos do destino dado aos seguintes veículos automóveis apreendidos nos autos, não se tendo apurado o seu paradeiro: - matrícula 99-83-KA; - matrícula 81-80-PP; - matrícula 78-77-JA; - matrícula 96-44-HF; - matrícula JI-12-68 e - matrícula 96-BB-48. 6-1 – Em 02/12/2014, a insolvente transferiu a propriedade dos veículos de matrícula 30-EO-55 e 90-63-UU para a sociedade T… – Transportes Unipessoal, Lda. Em consequência, o que consta da sentença sob o ponto 6-1- dos Factos Provados passará a ser o ponto 6-2. * Para melhor compreensão da matéria de facto apurada nos autos, passa-se a transcrever a mesma com as alterações supra efectuadas: Factos Provados 1 – O processo de insolvência foi instaurado por A…, trabalhadora da Q… – Transportes, Lda., representada pelo Ministério Público, em dia 23-11-2015, tendo a insolvência sido decretada por sentença transitada em julgado. 2 - A insolvente tem por objecto “Transportes rodoviários de mercadorias”. 3 - São sócios da insolvente M… Q… e F… L…, sendo as quotas no valor respectivo de €122.500 e €2.500 (Ap. 3/20070927). 4- Foram designados gerentes da insolvente desde a data da sua constituição M… Q… e F… L…, à data casados entre si, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio declarado por decisão de 20/1/2015. 5- Em face de distribuição de tarefas entre os gerentes, a Requerida era responsável pela contabilidade e cumprimento de obrigações fiscais e efectuava alguns recebimentos e pagamentos e o Requerido responsável pelo demais, nomeadamente pela parte operacional e comercial, contactos com clientes, fornecedores e colaboradores, exercendo também funções de motorista, mecânico e responsável pelo tráfico. 6- Apesar de diversas insistências do Administrador, os legais-representantes da insolvente não juntaram documentos comprovativos do destino dado aos seguintes veículos automóveis apreendidos nos autos, não se tendo apurado o seu paradeiro: - matrícula 99-83-KA; - matrícula 81-80-PP; - matrícula 78-77-JA; - matrícula 96-44-HF; - matrícula JI-12-68 e - matrícula 96-BB-48. 6-1 – Em 02/12/2014, a insolvente transferiu a propriedade dos veículos de matrícula 30-EO-55 e 90-63-UU para a sociedade T… – Transportes Unipessoal, Lda. 6.2- A Requerida forneceu as informações e esclarecimentos de que dispunha. 7 – O Requerido teve a iniciativa exclusiva de emitir declaração no sentido de que os créditos da insolvente sobre clientes deveriam ser directamente pagos à sociedade “T… – Transportes Unipessoal, Lda”, cujo sócio único é M… Q… e a gerência assegurada por F… L…, ambos sócios gerentes da insolvente. 7.1 – Os pagamentos através de outra empresa realizaram-se em virtude de as contas bancárias da insolvente estarem penhoradas e haver necessidade de pagar remunerações a trabalhadores e suportar os custos de gasóleo, sob pena de penalizações por incumprimento nas entregas. 8 - O último ano em que a insolvente apresentou contas foi no ano de 2012, segundo a última cópia da matrícula e das inscrições em vigor junta aos autos. 9 – A A reclamou créditos laborais vencidos no ano de 2015. 10 – A AT reclamou créditos tributários vencidos desde o ano de 2012. (não foram consignados quaisquer factos sob os números 11-, 12- e 13-). 14 – O passivo da insolvente ascende a valor superior a € 980.316,02, reconhecido na lista do art.º 129º do CIRE, a qual não foi objecto de impugnação, para além de outros reclamados em acções de verificação ulterior de créditos. 15 - O processo de insolvência foi encerrado por insuficiência da massa insolvente, não tendo sido satisfeito qualquer crédito reconhecido. 16 - A requerida terminou o Curso de Contabilidade e Auditoria em 2001, sendo que a partir deste ano passou a ser TOC da Insolvente. 17- Houve vários conflitos entre os sócios gerentes, divorciados desde Janeiro de 2015, com relação a questões de gestão da sociedade, destino de capitais e falta de comprovativos de despesas, verificando-se, no ano de 2012 e ss, divergências entre o que constava dos mapas de amortização e o que foi inscrito no respectivo balanço e não foram aprovadas, nem registadas contas a partir do ano de 2013. 18 – A situação financeira difícil da Insolvente resultou de vários factores, entre os quais a deslocalização de Portugal de cliente importante da empresa, a insolvência de sociedades das quais era credora, a crise e aumento de preço de combustíveis. * Factos Não Provados 2- Em Julho de 2014, a Requerida F… L… não tinha acesso a elementos de contabilidade da sociedade, motivo pelo qual não procedeu à entrega da IES de 2013. 3 - A Requerida sofreu ameaças e pressão psicológica por parte do Requerido com respeito à sua actuação na sociedade que foram determinantes do seu comportamento. 4 - O Requerido forneceu toda a colaboração possível ao processo de insolvência, facultando todas as informações solicitadas de que dispunha. * Decidida que se encontra a impugnação da decisão da matéria de facto, passemos a conhecer das questões suscitadas pela requerida/recorrente em termos de Direito. * E) Verificação dos pressupostos de qualificação da insolvência como culposa e da responsabilidade da insolvente Conforme consta da sentença ora sob recurso, entendeu o tribunal a quo que, face aos factos provados, se encontra preenchido o disposto no artº 186º, nº2, alíneas a), b), d), e), f) e h) do CIRE relativamente a ambos os requeridos M… Q… e à ora apelante e ainda o disposto na alínea i) no que concerne ao requerido e que assim não se pode deixar de concluir que a insolvência é culposa. A requerida apelou, começando por alegar que dos factos provados não resulta a prática de condutas dolosas ou com culpa grave, nem tão pouco pela existência de nexo de causalidade entre os comportamentos que lhe são imputados e a criação ou agravamento da situação de insolvência. Diz ainda que não violou qualquer dos referidos preceitos e que nunca exerceu funções de gerência, sendo apenas responsável pela contabilidade, pelo que se impõe a revogação da sentença. Do disposto no artigo 185º do CIRE resulta claramente a finalidade do incidente de qualificação da insolvência: averiguar as razões que conduziram à situação de insolvência para qualificá-la numa das categorias tipificadas na lei. Desta forma, a insolvência pode ser culposa ou fortuita. Estabelece o artigo 186.º, n.º 1, que: “A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.” São, assim, requisitos da insolvência culposa: 1) o facto inerente à actuação, por acção ou omissão, do devedor ou dos seus administradores, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência; 2) a culpa qualificada (dolo ou culpa grave); 3) e o nexo causal entre aquela actuação e a criação ou o agravamento da situação de insolvência. Por sua vez, estabelece o n.º 2 deste artigo que se considera sempre culposa a insolvência do devedor quando os seus administradores tenham incorrido em algum dos comportamentos elencados nas suas diversas alíneas. Como referem Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris – Sociedade Editora, 2015, pág. 680, o legislador veio estabelecer no nº 2 do mesmo artigo uma presunção inilidível que complementa a noção geral fixada no nº 1. Já o nº 3, mediante uma presunção ilidível, dá por verificada a existência de culpa grave quando ocorram determinadas circunstâncias ali previstas. Continuam os mesmos autores que: “Segundo o nº1, a insolvência culposa implica sempre uma atuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, determinados, estes, nos termos do artº 6º. Essa atuação deve ter criado ou agravado a situação de insolvência em que o devedor se encontra. Uma vez que o preceito nada dispõe, em particular, nessa matéria, as noções de dolo e de culpa grave devem ser entendidas nos termos gerais de Direito”. A qualificação impõe que tenha ocorrido (pelo menos) uma conduta do devedor ou dos seus administradores, de facto ou de direito, na asserção do disposto no art.º 6º do CIRE que: - tenha criado ou agravado a situação de insolvência; - tal conduta seja dolosa ou com culpa grave, excluindo-se, assim, a culpa simples – neste sentido v.g., entre outros, Manuel Carneiro da Frada in “A responsabilidade dos administradores na insolvência”, ROA, Ano 66, Set. 2006, pág. 689; - tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, ou seja, nos três anos anteriores ao dia da entrada do requerimento inicial do processo de insolvência na secretaria do tribunal, relevando, para além desse prazo, todos os actos praticados entre aquele dia e a data de declaração de insolvência, nos termos previstos no art.º 4º, n.º 2, do CIRE. A doutrina e a jurisprudência têm-se questionado sobre o alcance das presunções previstas nos nºs 2 e 3 do referido artigo 186º, nomeadamente, no que concerne a saber se é de presumir também o nexo de causalidade entre a conduta legalmente tipificada e a criação ou agravamento da situação de insolvência. Relativamente às presunções previstas no n°2, tem sido entendimento maioritário que se tratam de presunções quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade. Refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6/10/2011, P.46/07.8TBSVC-O.L1.S1, in www.dgsi.pt: «1. A insolvência culposa implica sempre uma actuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores, a qual deve ter criado ou agravado a situação de insolvência em que o devedor se encontra. 2. O nº 2 do art. 186.º do CIRE estabelece, em complemento da noção geral antes fixada no nº 1, presunções inilidíveis que, como tal, não admitem prova em contrário. Conduzindo, assim, necessariamente, os comportamentos aí referidos à qualificação da insolvência como culposa. 3. O nº 3 do mesmo art. 186.º estabelece, por seu turno, presunções ilidíveis, que admitem prova em contrário, dando-se por verificada a culpa grave quando ocorram as situações aí previstas. 4. Não se dispensando neste nº 3 a demonstração do nexo causal entre o comportamento (presumido) gravemente culposo do devedor ou dos seus administradores e o surgimento ou o agravamento da situação de insolvência. Sendo, pois, necessário, nessas situações, verificar se os aí descritos comportamentos omissivos criaram ou agravaram a situação de insolvência, pelo que não basta a simples demonstração da sua existência e a consequente presunção de culpa que sobre os administradores recai. Não abrangendo tais presunções ilidíveis a do nexo causal entre tais actuações omissivas e a situação da verificação da insolvência ou do seu agravamento”. Esclarece-se igualmente no aresto em referência: “Definindo, assim, este preceito legal em que consiste a insolvência culposa, começando por fixar, para o efeito, uma noção geral no seu nº 1. Implica sempre, tal insolvência culposa, uma actuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores, a qual deve ter criado ou agravado a situação de insolvência em que o devedor se encontra. Deixando, contudo, tal actuação de ser atendida – devendo considerar-se as noções de dolo e de culpa grave, na falta de outro critério específico, nos termos gerais de Direito – para o efeito da qualificação da insolvência em análise, se não tiver ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. Estabelecendo, de seguida, em complemento da noção antes fixada, o seu nº 2, presunções inilidíveis, ou seja, presunções absolutas ou jure et de jure, não admitindo prova em contrário (cfr., ainda, art. 350.º, nº 2 do CC). Conduzindo, assim, necessariamente, os comportamentos dos administradores aí referidos – sem prejuízo de se dever atender às circunstâncias próprias da situação de insolvência do devedor – à qualificação da insolvência como culposa.» Aludindo ao Ac. do STJ supra citado, diz o Ac. da RG de 18/10/2018, relatora Maria Luísa Ramos, o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt: «Com efeito, como se deduz do preceito legal em referência - artº 186º do CIRE que regulamente a “Insolvência Culposa”, e é cabalmente esclarecido no Ac. STJ citado, apenas nas situações previstas no nº3 do indicado artigo, estabelecendo este presunções ilidíveis, relativas ou juris tantum, que assim podem ser ilididas por prova em contrário, se exige a demonstração do nexo causal entre o comportamento (presumido) gravemente culposo do devedor ou dos seus administradores e o surgimento ou o agravamento da situação de insolvência, não abrangendo esta presunção ilidível a do nexo de causalidade entre tais actuações omissivas e a situação da insolvência verificada ou do seu agravamento, e, já não nas situações previstas no nº2 do artº 186º do CIRE, em que a lei estabelece presunções inilidíveis, ou presunções absolutas ou jure et de jure, que não admitem qualquer prova em contrário, conduzindo, assim, necessariamente, os comportamentos dos administradores referidos nas respectivas alíneas à qualificação da insolvência como culposa. No mesmo sentido v. Luís Alberto Carvalho Fernandes e João Labareda C.I.R.E. Anot., Vol. II, Pags. 14 e 15. “...as previsões deste número 2, consubstanciam presunções jure et de jure de insolvência culposa, portanto em si mesmas definitivas, por não elidíveis”». Como se refere no Ac. da Rel. de Guimarães de 09/04/2019, relatora: Margarida Almeida Fernandes, o qual também pode ser consultado in www.dgsi.pt: «Para facilitar a determinação de uma insolvência culposa o legislador optou estabelecer factos-índice da mesma, de diferente natureza, nos nº 2 e 3 do citado preceito. Da verificação de algum dos factos-índices previstos no nº 2 resulta sempre a insolvência culposa do devedor que não seja pessoa singular. Encontramo-nos nesta sede perante presunções absolutas, iuris et de iure ou inilidíveis (não admitem prova em contrário – art. 350º nº 2 in fine do C.C.), quer da culpa grave, quer do nexo de causalidade entre a conduta e a criação ou agravamento da situação de insolvência. Mas, da verificação dos factos-índices previstos no nº 3 resulta apenas, quanto a nós, uma presunção ilidível da violação, com culpa grave, de obrigações impostas aos administradores do insolvente exigindo-se a subsequente prova do referido nexo de causalidade. Esta tese baseia-se na letra da lei, pois, enquanto no nº 2 se refere “Considera - -se sempre culposa a insolvência” (sublinhado nosso), no nº 3 alude apenas a “Presume-se a existência de culpa grave” inexistindo aqui qualquer presunção quanto à verificação dos demais requisitos previstos no nº 1. A propósito do nº 3 do citado preceito refere-se no Ac. da R.G. de 12/07/2017 (Conceição Bucho), in www.dgsi.pt “este normativo é claro e inequívoco, no sentido de que não admite, com o apoio mínimo no texto da lei que o artigo 9º, nº 2 do Código Civil exige, uma interpretação mais abrangente, que inclua no âmbito da presunção estabelecida no nº 3 do artigo 186º do CIRE também o exigido nexo de causalidade entre a actuação descrita naquele preceito legal e o despoletar da situação de insolvência ou do seu agravamento.” Esta é a posição da jurisprudência largamente maioritária defendida, entre outros, também pelos Ac. do S.T.J. de 06/10/2011 (Serra Baptista), da R.L. de 26/04/2012 (Ezaguy Martins), R.C. de 10/07/2013 (Falcão de Magalhães), R.E. de 08/05/2014 (Francisco Xavier), R.G. de 01/06/2017 (Maria João Matos) e de 11/07/2017 (José Cravo) todos consultáveis no www.dgsi.pt. Cremos que a doutrina maioritária também o defende - vide, entre outros, Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª ed., Quid Juris, p. 680-681; A. Soveral Martins, in Um Curso de Direito da Insolvência, 2016 – 2ª ed. ver. e actual., Almedina, p. 423.» Após a alteração introduzida pela Lei nº 9/2022, de 11/01, ficou claro que as situações tipificadas no nº 3 do artº 186º do CIRE constituem meras presunções de culpa grave, sem presunção de causalidade quanto à situação de insolvência. Todavia, não é isto que se verifica, como se viu, relativamente às situações elencadas no nº 2 do mesmo normativo, o qual dispõe, no que ora releva: “2 - Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor; b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas; (…) d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros; e) Exercido, a coberto da personalidade colectiva da empresa, se for o caso, uma actividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa; f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto; (…) h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor; (…)” A acção de insolvência foi instaurada em 23-11-2015. Ficou demonstrado que, apesar de diversas insistências do Administrador, os legais-representantes da insolvente não juntaram documentos comprovativos do destino dado aos seguintes veículos automóveis apreendidos nos autos, não se tendo apurado o seu paradeiro: - matrícula 99-83-KA; - matrícula 81-80-PP; - matrícula 78-77-JA; - matrícula 96-44-HF; - matrícula JI-12-68 e - matrícula 96-BB-48, não tendo sido possível apurar o seu paradeiro. Estão em causa seis veículos automóveis e o processo foi encerrado por insuficiência da massa insolvente, não tendo sido satisfeito qualquer crédito reclamado. Não há, assim, dúvidas que estes factos preenchem o disposto na referida alínea a), sendo que, contrariamente ao que sustentou a apelante, a prova de qualquer das hipóteses previstas no n.º 2 do aludido artigo 186.º do CIRE conduz, necessariamente, à qualificação da insolvência como culposa e à afectação do seu autor por esta qualificação, não se exigindo, contrariamente ao que se verifica relativamente às situações previstas no nº 3, o nexo de causalidade adequada entre os comportamentos ali previstos e o surgimento ou o agravamento da situação de insolvência. Conclui-se também na sentença pela qualificação da insolvência por via do estabelecido na alínea b) do mesmo normativo. São pressupostos cumulativos desta presunção inilidível de insolvência culposa que: a) nos três anos que antecederam o início do processo de insolvência, os administradores, de direito ou de facto, do devedor tenham criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros do devedor; b) causando com essas condutas, ou seja, levando que com as mesmas fosse celebrado negócio pelo devedor; c) que esse negócio se tenha revelado ruinoso para o devedor; d) e que desse negócio resulte um proveito, ou seja, um benefício pessoal para as pessoas dos seus administradores ou para pessoas com eles especialmente relacionadas, tal como definidas no art. 49º do CIRE. Para que possa concluir pelo preenchimento desta presunção, tem que resultar provado que: 1º- nos três anos que anteriores à declaração de insolvência do devedor, os seus administradores, de direito ou de facto, criaram ou agravaram artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduziram lucros, designadamente através da celebração de um negócio ruinoso para o devedor (de que adveio apenas prejuízo patrimonial para o último e que, por isso, é apto a causar a sua insolvência ou o agravamento desse seu estado) e que 2º - se alegue e prove que esse negócio ruinoso foi celebrado pelo administrador em nome do seu representado em próprio proveito (em seu benefício) ou de pessoa com ele especialmente relacionada. Os factos provados não integram a previsão desta alínea b), não permitindo os mesmos concluir, desde logo, pela criação ou agravação artificialmente passivos ou prejuízos ou pela redução de lucros e que, por via de tal conduta, que tenha tido lugar a celebração de negócio ruinoso para o devedor. Quanto ao disposto na alínea d), tem-se entendido que os comportamentos ali previstos tanto são aqueles que têm por efeito a saída dos bens do património do devedor – por exemplo venda ou a doação dos bens -, como os que, embora não implicando necessariamente a saída dos bens do património do devedor, lhe retiram, no entanto, a disponibilidade, colocando-os na disponibilidade de outrem. Exige ainda o legislador que o acto de disposição seja feito em proveito pessoal “dos administradores ou de terceiros”. É que “Como é por demais consabido, o processo de insolvência liquidatário traduz-se em processo de execução universal e concursal, que tem como finalidade primeira a satisfação dos interesses patrimoniais dos credores através da liquidação do património para afetação do respetivo produto na satisfação dos direitos dos credores. Execução universal porque, conforme definição de massa insolvente que consta do art. 46º do CIRE, com exceção dos bens isentos de penhora, abrange todo o património do devedor à data da declaração da insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo. Concursal porque, conforme arts. 90º, 128º e 146º do CIRE, visando a liquidação do passivo global do devedor, procede-se para o efeito à citação de todos os credores do devedor para concorrerem ao produto que resulte da liquidação dos bens que integram o património do devedor, na medida das forças deste e em função da hierarquia/graduação dos créditos de acordo com a respetiva natureza. Para cumprimento daquele fim a declaração da insolvência do devedor determina a apreensão material de todos os bens que integram a massa insolvente, incluindo o produto da venda desses bens, ainda que arrestados, penhorados, apreendidos ou por qualquer outra forma detidos (cfr. arts. 46º, 149º, 150º, 81º, nº 1, 55º, nº 1 e 158º do CIRE). A preocupação do legislador em salvaguardar a garantia patrimonial dos credores e o cumprimento da universalidade da insolvência liquidatária vai ao ponto de dotar o AI do poder-dever de proceder à resolução extrajudicial de negócios para recuperação das atribuições patrimoniais que, nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência foram concedidas com prejuízo para o património do devedor e, assim, com prejuízo das garantias patrimoniais dos respetivos credores (cfr. arts. 120º e ss. do CIRE). Subjacente à tutela legal visada cumprir com os institutos da qualificação da insolvência e da resolução de atos de caráter patrimonial pelo AI (este com efeito directo sobre a massa insolvente) estão dois princípios estruturante do processo falimentar: a garantia patrimonial dos bens e direitos dos credores dada pelo património do devedor, e a satisfação igualitária dos direitos dos credores. É também em benefício da preservação desta garantia patrimonial e da melhor e mais rápida satisfação dos direitos dos credores que o legislador previu a obrigação específica de o devedor se apresentar à insolvência nos 30 dias seguintes à data do seu conhecimento, presumindo-o de forma inilidível decorridos três meses sobre o incumprimento generalizado de créditos fiscais, contribuições sociais, créditos laborais, ou rendas de qualquer tipo de locação (cfr. arts. 18º e 20º, al. g) do CIRE), impondo o cumprimento da liquidação/venda dos bens do insolvente no âmbito do processo de insolvência para controlo da legalidade do mesmo e da afetação legal devida do produto que dela resulte. No contexto destes princípios e finalidade, a qualificativa prevista pela al. d), tal como as previstas pelas als. e), f) e g), assumem uma função de pré-proteção dos credores do devedor em situação de insolvência atual ou iminente, sancionando condutas suscetíveis de em abstrato lesar o património e prejudicar a solvabilidade do devedor, independentemente da verificação do perigo concreto de conduzirem a essa situação. Exige ‘apenas’ que de qualquer um dos atos ali previstos resulte benefício para o administrador que o praticou ou para terceiro especialmente relacionado com o devedor nos termos taxativamente previstos pelo art. 49º, enquanto manifestação sintomática da violação do específico dever de fidelidade a que o administrador está vinculado na gestão do património que lhe está confiado e, assim, daquele perigo (abstrato) de lesão do património e da solvabilidade do respetivo titular. É por referência a estes princípios – da garantia patrimonial e de tratamento igualitário dos credores sociais - que se impõe entender o alcance dos elementos normativos ‘disposto de bens’ e ‘proveito pessoal ou de terceiros’ que integram o facto qualificador da insolvência previsto pela al. d)” – cfr Ac TRL de 02/10/2023, Proc. nº 1941-13.0TYLSB-A.L1, relatora Amélia Sofia Rebelo, subscrito pela ora relatora enquanto 2ª adjunta e que pode ser consultado também in www.dgsi.pt. Ficou demonstrado que em 02/12/2014, a insolvente transferiu a propriedade dos veículos de matrícula 30-EO-55 e 90-63-UU para a sociedade T… – Transportes Unipessoal, Lda, sociedade esta cujo sócio único é M… Q… e em que a gerência é assegurada pela ora apelante F… L…. Não foi apreendido qualquer valor monetário para a insolvência, não tendo os gerentes da insolvente apresentado sequer qualquer factualidade tendente a justificar a transmissão destes veículos. E ainda que tivesse existido o pagamento de qualquer contrapartida monetária pela transferência da propriedade – o que não resulta dos factos provados -, como refere Carneiro da Frada, em A Responsabilidade dos Administradores na Insolvência, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 66 (2006), II, Setembro de 2006, pgs. 692 e 693, na situação da alínea d) do nº 2 do artº 186º pune-se a “mera disposição de bens do devedor em proveito pessoal”, podendo mesmo a disposição ter tido uma contrapartida idónea. Está em causa a infracção de uma disposição de protecção, sendo compreensível o estabelecimento de uma presunção de culpa. O caso da alínea d) é um dos casos em que prescinde da prova de um prejuízo directo e se abstrai da causalidade entre o comportamento e a insolvência. Estamos ante violações do dever de fidelidade em que o administrador não pauta a sua conduta pelos interesses da sociedade, mas pelos seus ou de terceiros. A lei não exige qualquer elemento subjectivo adicional (intenção de prejudicar credores), para o preenchimento do referido tipo do art.º 186º do CIRE e, independentemente de qualquer intenção, a afectação dos recursos monetários do devedor a outra sociedade prejudica os respectivos credores por diminuir ou a respectiva garantia geral, que é sempre o património do devedor. Como bem se refere no Acórdão deste Tribunal da Relação de 02/10/2023 supra citado, os actos de disposição de bens do activo do devedor em situação de insolvência qualificam-se como prejudiciais independentemente da questão do pagamento do preço/valor dos bens pelos adquirentes, na medida em que impedem os credores da insolvência de, em sede de liquidação do activo e do passivo do insolvente, concorrerem ao produto daqueles bens para integral e/ou parcial satisfação dos respetivos créditos. Deste modo, a insolvência também não pode deixar de ser qualificada como culposa por via do disposto na aludida alínea d). Relativamente à alínea e), os factos provados não permitem concluir que os gerentes da devedora tenham “exercido a coberto da personalidade coletiva da empresa uma atividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa”, mas tão só que teve lugar transferência da propriedade dos dois veículos que supra ficaram referidos para uma sociedade da qual o sócio da insolvente M… Q… era o único sócio, sendo a gerente das duas sociedades a ora apelante. E ainda que o Requerido teve a iniciativa exclusiva de emitir declaração no sentido de que os créditos da insolvente sobre clientes deveriam ser directamente pagos à mesma sociedade “T… – Transportes Unipessoal, Lda” e que estes pagamentos se realizaram em virtude de as contas bancárias da insolvente estarem penhoradas e haver necessidade de pagar remunerações a trabalhadores e suportar os custos de gasóleo, sob pena de penalizações por incumprimento nas entregas. Contrariamente ao que entendeu o tribunal a quo, os factos provados não permitem concluir pelo preenchimento desta alínea e). No que concerne ao disposto na alínea f), estabelece-se ali, como se viu, que a insolvência se considera sempre culposa quando os administradores da insolvente tenham feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto. Ora, o que se apurou in casu foi que a insolvente transferiu a propriedade dos dois veículos supra referidos para a sociedade T… – Transportes Unipessoal, Lda e a partir dessa transmissão tais bens juridicamente deixaram de pertencer àquela, pelo que não se pode afirmar que os requeridos tenham efectuado um uso de bens da devedora em proveito de terceiros. O que se verificou foi que teve lugar a transferência da propriedade dos veículos nos termos que supra ficaram referidos, actuação essa que integra a previsão da alínea d) e não da alínea f). Assim, conclui-se que também não se encontra preenchido o disposto nesta alínea f). Passando a pronunciarmo-nos quanto ao disposto na alínea h) e conforme se referiu no Ac. da RL de 25/01/2022, relatora: Reis Silva e subscrito pela ora relatora na qualidade de 2ª adjunta, acórdão esse proferido no Proc. 15973/18.9T8SNT-A.L1 e ao que sabemos, não publicado: “As condutas das alíneas h) e i) do nº2 do art. 186º são de uma gravidade muito superior às previstas no nº3, e radicam em fundamentos de diverso grau. As condutas da al. h), que se analisam, sinteticamente em não manutenção de contabilidade, contabilidade dupla ou fictícia e irregularidades graves na contabilidade, prejudicam a compreensão da situação do devedor a terceiros e aos que com ele interagem possibilitando, por exemplo, a manutenção no mercado, de empresas zombie, a continuação da concessão de crédito sem qualquer hipótese real de recuperação, entre muitas outras consequências – ou seja, são de molde a presumir que se lhe segue a impossibilidade total do cumprimento de obrigações vencidas”. Esta alínea do nº2 do art. 186º do CIRE compreende três situações distintas: a) Incumprir, em termos substanciais, a obrigação de manter contabilidade organizada, ou b) manter uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade; ou c) praticar irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor. O prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor apenas é exigível no terceiro grupo de casos, dado que nestes há contabilidade, que não se encontra falseada, mas que tem irregularidades. As irregularidades podem ser mais ou menos graves e prejudicar ou não a compreensão da situação do devedor. Ficou demostrado que houve vários conflitos entre os sócios gerentes da insolvente relativos a questões de gestão da sociedade, destino de capitais e falta de comprovativos de despesas, existindo divergências entre o que constava dos mapas de amortização e o que foi inscrito no respectivo balanço e não foram aprovadas, nem registadas contas a partir do ano de 2013. As divergências entre o que consta dos mapas de amortização do activo e o que fica a constar do balanço interferem com o valor do activo da sociedade. Considerando esta factualidade, temos que concluir estas divergências entre os movimentos constantes dos mapas de amortização e o que ficou reflectido na contabilidade da empresa em termos de depreciação do activo interferem com o valor deste, que surge inflacionado. É com base neste valor que se apura se uma sociedade está, ou não, em insolvência técnica, pelo que as aludidas divergências assumem prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira da devedora. Manter a contabilidade organizada é uma obrigação permanente que segue as regras do Sistema de Normalização Contabilística aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009 de 13/07 (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 67-B/2009 de 11/09), obrigatório para as sociedades comerciais (cfr. art. 3º, nº1, al. a) do referido Decreto-Lei) e a mesma tem que obedecer às normas contabilísticas e reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo através do lançamento dos respectivos documentos de suporte nas contas a que respeitam, de modo a permitir, no final de cada exercício, o apuramento dos saldos de cada rubrica e a elaboração do balanço. Pretende-se que a contabilidade proporcione informação acerca da real posição financeira e dos resultados das operações da empresa, informações que são úteis aos investidores, fornecedores e trabalhadores, mas imprescindíveis também aos próprios administradores e aos credores. Encontra-se, assim, também preenchido o previsto na aludida alínea h) do nº 2 do artº 186º. Os actos supra referidos tiveram lugar no período relevante para efeitos de qualificação da insolvência. Como se explicitou supra, tendo-se provado factos que se subsumem nas alíneas a), d) e h) do citado n.º 2 do art.º 186º, esses factos, por si, integram presunção iuris et de iure de insolvência culposa e, ao contrário do que acontece com o n.º 3 do art.º 186º, o n.º 2 deste artigo, não se presume apenas a existência de culpa, mas também a existência de nexo de causalidade entre a actuação do devedor e a criação ou agravamento do estado de insolvência. Assim, contrariamente ao invocado pelos apelantes, a insolvência não pode deixar de ser qualificada como culposa. Na sentença sob recurso conclui-se ainda pela violação por parte do requerido M… Q… do dever de colaboração com o Administrador a Insolvência previsto no artº 83º do CIRE e, deste modo que, pela qualificação da insolvência também nos termos da alínea i) do mesmo nº 2 do artº 186º. Por este não foi interposto recurso e não constitui objecto do recurso esta causa de qualificação. * E) Da afectação da apelante e da responsabilidade da recorrente em termos de indemnização dos credores Sustentou a apelante que não pode ser responsabilizada pelos actos que permitem concluir pelo preenchimento destas alíneas a), d) e h), porquanto era o requerido que praticava todos os actos de gestão da sociedade, sendo a sua responsabilidade apenas limitada à elaboração da contabilidade e, quando ordenado pelo requerido, a efectuar pagamentos. Diz que se tratando de uma mera gerente de direito não pode ser responsabilizada nos termos em que o foi. Ficou provado que, em face de distribuição de tarefas entre os gerentes, a requerida era responsável pela contabilidade e cumprimento de obrigações fiscais e efectuava alguns recebimentos e pagamentos e o requerido era responsável pelo demais, nomeadamente pela parte operacional e comercial, contactos com clientes, fornecedores e colaboradores, exercendo também funções de motorista, mecânico e responsável pelo tráfico. Considerando esta factualidade não se pode concluir que a requerida fosse uma mera gerente de direito que se limitou a constituir a sociedade e a assinar os documentos a pedido do requerido M… Q…, sendo que a mesma, ao tratar da contabilidade, ao cumprir as obrigações fiscais e ao realizar recebimentos e pagamentos, acabava por tomar conhecimento da actividade da sociedade insolvente, participando nela, ainda que de forma mais passiva do que aquele outro gerente. O que existia era, antes, uma divisão de tarefas entre os dois gerentes. Mas ainda que se considerasse que a apelante, gerente de direito, se encontrava afastada dos destinos da insolvente, nem assim a mesma poderia deixar de ser afectada pela qualificação como culposa da insolvência. Nos termos do disposto no art. 64.º do Código das Sociedades Comerciais: “1 - Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da atividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores. 2 - Os titulares de órgãos sociais com funções de fiscalização devem observar deveres de cuidado, empregando para o efeito elevados padrões de diligência profissional e deveres de lealdade, no interesse da sociedade. Sobre a apelante recaíam, assim, por força da lei, especiais deveres de protecção do património da sociedade, tomando conhecimento do destino do mesmo e, se tivesse assumido uma atitude passiva, aceitando a gestão pelo outro sócio-gerente, sem exercer qualquer controle daquela gestão, sempre teria actuado com culpa, sendo certo que, relativamente às irregularidades verificadas em termos contabilísticos e que integram o causa de qualificação prevista na alínea h) do nº 2 do aludido artº 186, era a própria a responsável pela contabilidade da devedora. Conforme se disse no Ac RP de 22/10/2019, Processo nº 327/15.7T8VNG-B.P1, in www.dgsi.pt: “I- A previsão do artº 186º, nº1 e 2, do CIRE, não visou excluir os administradores de direito, que o não sejam de facto, mas, inversamente, estender a qualificação a atos praticados por administradores de facto. II – A ignorância e o alheamento dos destinos da sociedade constituem, por si só, uma violação dos deveres gerais que se impunham ao gerente da insolvente (artº 64º, nº1, do CSCom), pelo que a invocação de que, como gerente de direito, a requerida estava afastada do dia-a-dia da sociedade, não a dispensava dos seus deveres para com a sociedade”. Deste modo, não pode a apelante deixar de ser responsabilizada pela insolvência culposa nos termos das supras referidas alíneas do nº 2 do artº 186º. Na sentença recorrida foi fixado em dois anos – mínimo legal - o período de inibição da apelante e foi a mesma condenada a indemnizar os credores da insolvente em 1/6 dos créditos não satisfeitos. Entendeu-se ser a culpa do requerido M… Q… superior à da ora apelante e como tal, foi fixada a indemnização devida pelo mesmo em 1/3 dos créditos reconhecidos e não impugnados. Sustentou ora a apelante que sempre deverá a indemnização devida pela mesma ser reduzida. Atento o disposto no nº 2, alínea e) do artº 189º do CIRE, na actual redacção, na sentença que qualifique a insolvência como culposa, deve o juiz: “Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, considerando as forças dos respetivos patrimónios, sendo tal responsabilidade solidária entre todos os afetados”. Nos termos do nº 4 desse mesmo normativo: “Ao aplicar o disposto na alínea e) do n.º 2, o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas ou, caso tal não seja possível em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença” Comparando com a redacção anterior, onde antes constava “condenar as pessoas afectadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos…” consta agora “condenar as pessoas afectadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos…” Consta da exposição de motivos da proposta de lei n.º 115/XIV/III, que deu origem à Lei n.º 9/2022, a alteração foi descrita como uma aclaração do âmbito da condenação patrimonial. Ao dizer-se agora que o montante dos créditos não satisfeitos é o montante máximo da condenação, quis deixar-se claro que os afectados não são condenados necessariamente no montante dos créditos não satisfeitos e assim sendo, o critério da medida da indeminização não é apenas este. Diz-se no Ac. TRL de 27/04/21 (Isabel Fonseca – 540/19): “Em suma, diremos que o regime legal plasmado no art. 189.º, quanto à indemnização devida aos credores da insolvência, deve ser interpretado, com base numa leitura integrada do texto vertido no seu número 2, alínea e) e número 4 e a exigência de uma leitura conforme ao princípio da proporcionalidade, no sentido de que a indemnização devida pela entidade afetada pela qualificação deverá, em princípio e tendencialmente, corresponder à diferença entre o valor global do passivo e o que o ativo que compõe a massa insolvente logrou cobrir, salvaguardando-se, no entanto, que esse valor possa ser fixado em montante inferior sempre que o comportamento da pessoa afetada pela qualificação justifique essa diferenciação, mormente por ser diminuta a medida da sua contribuição para a verificação dos danos patrimoniais em causa, assim mitigando o recurso àquele critério exclusivamente aritmético e que, por isso, em determinadas circunstâncias, pode ser redutor.” São estes os critérios com base nos quais deve ser fixada a indemnização, a qual deriva de uma “responsabilidade extracontratual, a apurar na medida da verificação dos respetivos pressupostos gerais, cujo montante tem como limite máximo o valor dos créditos graduados.”- cfr Ac. do STJ de 12/12/2023, Proc. nº 3146/20.5T8VFX-B.L1.S1, relatora: Cons. Maria Olinda Garcia. Nos casos previstos nas alíneas do nº2 do art. 186º do CIRE que se alicerçam na prática de actos de disposição de bens ou na sua ocultação, destruição ou inutilização, o nexo de causalidade entre o facto voluntário, ilícito e culposo e o dano sofrido pelos credores e desde que seja conhecido o valor dos bens em causa é relativamente simples de estabelecer. Como se refere no Ac. TRL de 13/09/24 (Amélia Sofia Rebelo – 17285/21), “Concedendo que a afetação pela qualificação da insolvência contém em si mesma a demonstração e verificação da ilicitude do facto fundamento da qualificação, bem como do juízo de censurabilidade que pelo mesmo é passível de ser dirigido ao afetado, no caso o nexo de causalidade entre o ato de disposição de bens que fundamentou a qualificação da insolvência como culposa e o prejuízo sofrido pelos credores da insolvência resulta verificado na medida dos créditos que no âmbito da insolvência seriam pagos pelo valor daqueles bens.” In casu, além de se desconhecer o valor dos veículos automóveis cujo paradeiro não foi possível apurar daqueles que foram transmitidos para a sociedade Transerreira, a insolvência foi ainda qualificada pela alínea h) do nº 2 do nº 3 do artº 186º do CIRE – os actos que determinaram a qualificação pela alínea i) são da responsabilidade exclusiva do requerido M… Q… Conforme resulta do apenso de reclamação de créditos, foram ali reconhecidos pelo administrador da insolvência créditos no valor de € 980.316,02, tendo ainda sido reclamados os créditos invocados nos 4 apensos de Verificação Ulterior de Créditos, respectivamente, no valor de € 119.193,17, € 802,50, € 905,00 e € 2.295,00. Não foi possível a realização de qualquer de liquidação de bens apreendidos com resultado positivo para a massa insolvente. Ficou demonstrado que a requerida forneceu as informações e esclarecimentos de que dispunha e que a situação financeira difícil da insolvente resultou de vários factores, entre os quais a deslocalização de Portugal de cliente importante da empresa, a insolvência de sociedades das quais era credora, a crise e aumento de preço de combustíveis. Por outro lado, temos como certo que a requerida podia e devia ter actuado de forma consentânea com as regras a que estava obrigada, na qualidade de gerente da sociedade devedora, nomeadamente, diligenciando pela preservação dos bens desta e da realização da contabilidade em conformidade. Considerando o que ficou demonstrado, nomeadamente em termos de actuação da recorrente, entende-se dever a indemnização devida pela mesma ser reduzida para 1/9 dos créditos não satisfeitos. Procede o presente recurso parcialmente. * IV-Decisão Em face do exposto acordam os juízes na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, 1- revogam a sentença recorrida na parte em que condenou a apelante F… L… a indemnizar os credores da Insolvente em 1/6 dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património e condenam a mesma a indemnizar os credores da devedora no montante correspondente a 1/9 dos créditos não satisfeitos e 2- no mais, mantêm a sentença recorrida. Custas: pela apelante na proporção de 2/3, sem prejuízo do apoio judiciário de que a mesma beneficia. Registe e Notifique. Lisboa, 28/10/2025 Manuela Espadaneira Lopes Nuno Teixeira Susana Santos Silva |