Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13257/15.3T8LSB-A.L1-7
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: ARRENDAMENTO
TÍTULO EXECUTIVO
FIADOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: O título executivo complexo formado nos termos do art. 14º-A, do NRAU/2012 abrange, não apenas o arrendatário, mas também o fiador.
Emergindo do próprio contrato de arrendamento que o fiador se vinculou perante o senhorio a pagar as rendas em mora, a execução pode ser instaurada conjuntamente contra o arrendatário e o fiador.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


1.“Imóveis e Construções M. e B., Lda” instaurou a presente execução para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo ordinário, ao abrigo do disposto no art. 14.°-A do NRAU, contra “W. Estética, Lda.”, na qualidade de arrendatária, e Maria Manuela N. P. Y. de L., na qualidade de fiadora.

Alegou, em síntese, que não foram pagas parte das rendas vencidas entre Janeiro e Julho de 2013, no montante de € 1.400,00, e as rendas vencidas entre Agosto de 2013 e Abril de 2015, no montante global de € 16.800,00.

A comunicação destinada à cobrança das rendas em atraso foi dirigida não apenas à arrendatária, mas também à fiadora.

Pede, em conclusão, o pagamento coercivo da quantia de € 27.300,00, a qual já inclui a indemnização devida pela mora, nos termos do art. 1041.°, n° 1, do CC, bem como a entrega do locado.

2.Foi proferido despacho que:

a)Indeferiu liminarmente o requerimento executivo no que respeita à executada Maria Manuela N. P. Y. de L., por falta de título executivo;
b)Indeferiu liminar e parcialmente o requerimento executivo, no que respeita à executada W. Estética, Lda., relativamente ao pedido de entrega do locado e ao pedido de pagamento de rendas vencidas antes de Setembro de 2013.

3.Inconformada “com o teor do despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo no que respeita à executada Maria Manuela N. P. Y. de L., por falta de título executivo”, apelou a exequente, a qual, em conclusão, disse:

I-A única questão que se submete à apreciação do Tribunal ad quem consiste em saber se o título executivo constante dos presentes autos é também extensível à fiadora.
II-No caso sub judice, o título executivo é aquele a que se refere o artigo n.º 14.º-A do Novo Regime do Arrendamento Urbano, na redação da Lei n.º 31/2012 de 14/08. Efetivamente, dispõe esta norma: "O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário."
III-A comunicação destinada à cobrança das rendas em atraso foi dirigida não apenas à Executada Arrendatária W. Estética, Lda., como também à Fiadora e Executada nos presentes Autos, Maria Manuela N. P. Y. de L..
IV-Apesar de o artigo 14º-A, do NRAU se referir apenas à comunicação ao arrendatário, consideramos que, por identidade de razão, a comunicação também deverá ser efetuada à Fiadora e Executada Manuela N. P. Y. de L..
V-A acção executiva deve assim prosseguir os seus termos não só contra a Executada Arrendatária W. Estética, Lda., como também contra Executada e Fiadora Manuela N. P. Y. de L..

Nestes termos, requer-se a V. Exa. se digne revogar o douto despacho ora posto em crise, na parte em que indefere liminarmente o Requerimento Executivo, no que respeita à Executada Manuela N. P. Y. de L., por falta de título executivo, prosseguindo a acção executiva também contra a Fiadora.

4.Nas contra alegações, pugna-se pela manutenção da decisão recorrida.

5.Nos termos previstos no art.º. 653º, nºs 2 e 4, do CPC, a recorrente te restringiu o objeto do recurso ao segmento decisório constante da alínea a), da sentença, pelo que apenas cumpre apreciar e decidir se deve ser indeferido liminarmente o requerimento executivo no que respeita à executada Maria Manuela N. P. Y. de L., ou seja, se o senhorio pode usar o contrato de arrendamento e a comunicação do montante em dívida como título executivo contra o fiador.

7.Enquadramento jurídico.

Dispõe o art. 14°-A do NRAU/2012 que «o contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário».

Estamos aqui perante um título executivo de feição complexa, integrado por dois elementos corpóreos: o contrato de arrendamento escrito e o documento comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante da dívida.

Por sua vez, a comunicação prevista no referido preceito legal deve observar o regime estabelecido nos arts. 9º e 12º, do NRAU, sob pena de ser insusceptível de integrar a base para a constituição do titulo executivo.[1]

Como se sabe pode ser convencionada uma fiança em garantia do crédito de rendas, respondendo após o esgotamento dos bens do inquilino (cf. arts. 1038º, al. a) e 638º, ambos do CC). Porém, se renunciar contratualmente a esse benefício da excussão prévia ou se tiver assumido a obrigação de principal pagador (cf. art.º. 640º, al. a), do CC), o fiador posiciona-se como codevedor solidário da integralidade da dívida (cf. art.º. 634º, do CC):

Ora, a questão que se coloca é precisamente a de saber se pode formar-se título executivo contra o fiador das rendas em mora, visto o art.º. 14º-A do NRAU/2012 não fazer referência literal ao fiador: alude-se apenas a “comunicação ao arrendatário”.

Como era previsível, a questão dividiu a jurisprudência[2] e a doutrina.[3].

Pela nossa parte, uma vez que o fiador é igualmente parte no contrato de arrendamento, assumindo obrigação idêntica à do arrendatário relativamente ao pagamento da renda e cobre as consequências da mora independentemente de interpelação (art.º. 634º, CC), parece-nos que não se compreenderia que a norma em causa conduzisse o senhorio a usar o título contra o inquilino, mas não o autorizasse a instaurar, conjuntamente, a execução contra o fiador.

Retornando, agora, ao caso sub judice.

Como resulta dos autos, a exequente juntou o contrato de arrendamento no qual interveio, como fiadora, Manuela N. P. Y. de L., a qual declarou constituir-se fiadora da inquilina e, sem benefício de excussão prévia, responsabilizar-se pessoalmente perante a senhoria "pelo exato, integral e pontual cumprimento das obrigações que para aquela resultam do contrato de arrendamento, durante o prazo deste e as suas eventuais renovações.

Foi ainda junto aos autos o comprovativo das comunicações, efetuadas por carta registada com aviso de receção, dirigidas não apenas à arrendatária “W. Estética, Lda.”, mas também à fiadora, Maria Manuela N. P. Y. de L. visando a cobrança das rendas em atraso.

Sendo assim, é de concluir que os documentos dados à execução constituem título executivo também quanto à fiadora, nos precisos termos já fixados na decisão recorrida quanto à arrendatária, isto é apenas para cobrança das rendas devidas entre Agosto de 2013 e Novembro de 2014, bem como as vencidas posteriormente à comunicação à Executada Arrendatária, até Abril de 2015, perfazendo o montante de 16.000,00 Euros, acrescida da indemnização pela mora igual a 50% desse valor (cf. artigo 1041.º do Código Civil), num total de EUR 24.000,00.

8.Pelo exposto, julgando a apelação procedente, acorda-se em determinar que a execução prossiga também contra a executada Maria Manuela N. P. Y. de L., nos termos já fixados na decisão recorrida, quanto à executada “W. Estética, Lda.”.
Custas a cargo das apeladas.


Lisboa, 17 de Maio de 2016


Maria do Rosário Morgado
Rosa Ribeiro Coelho
Maria Amélia Ribeiro
                                           

[1]Cf. Menezes Cordeiro, Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Almedina, 2014, pag. 406.
[2]Cf. acs. do STJ de 26/11/2014, de que foi relator o Juiz Conselheiro Granja da Fonseca, e, entre outros, os acs. da Relação de Lisboa de 6/5/2014, de que foi relatora a Juíza Desembargadora Rosa Ribeiro Coelho e de 12-03-2009, de que foi relatora a Juíza Desembargadora Catarina Arêlo Manso; da Relação do Porto, de 21-03-2013, de que foi relatora a Juíza Desembargadora Anabela Dias da Silva e de 23-06-2009, de que foi relator o Juiz Desembargador Cândido Lemos e ainda de 16-05-2011, de que foi relator o Juiz Desembargador Rui Mora; da Relação de Coimbra de 21.04.2009, todos disponíveis em www.dgsi.pt; em sentido diverso, se decidiu no acórdão desta Relação de 18/9/2014, de que foi relator o Juíz Desembargador Ezaguy Martins e de 31.03.2009, de que foi relatora a Juíza Desembargadora Ana Resende e o ac. da Rel do Porto de 24/4/2014, de que foi relator o Juíz Desembargador Aristides Rodrigues de Almeida, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[3]Cf. Rui Pinto, O Novo Regime Processual do Despejo, Coimbra editora, 2ª edição, pags. 127-129; Menezes Cordeiro, Leis do Arrendamento Urbano Anotadas. Almedina, 2014, pag. 424-425 e Gravato Morais, Título Executivo para a Acção de Pagamento de Renda, anotação ao ac. da Rel. Porto de 12/5/2009, em CDP nº 27, Julho-Setembro de 2009, pags. 64-69. Em sentido contrário, defendendo que a execução pode ser instaurada simultaneamente contra  o fiador, v. Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, Almedina, 2013, pag. 234.