Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1972/13.0TVLSB-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
REQUISITOS
PROPOSITURA DA ACÇÃO
INVERSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. São requisitos cumulativos da providência cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos, constitutivos do direito do requerente:

a. A ilegalidade da deliberação.

b. A qualidade de condómino.

c. A probabilidade da ocorrência de dano apreciável decorrente da execução da deliberação inválida, que deverá ser igual ou superior ao que decorrerá da suspensão da deliberação.

2. O dano apreciável é o dano visível, de aparente dignidade, não se exigindo que estejam evidenciados danos irreparáveis e de difícil reparação, como sucede no procedimento cautelar comum, mas impondo-se ao requerente o ónus de convencer o tribunal de que a suspensão da deliberação é condição essencial para impedir a verificação de um dano apreciável.

3. O artigo 368º do nCPC, em vez de permitir a convolação ex officio da tutela cautelar numa tutela definitiva, possibilita que, no procedimento cautelar, de natureza instrumental e provisória, o requerente seja dispensado do ónus de propositura da acção principal, destinada a confirmar a tutela cautelar, atribuindo-se ao requerido o ónus de instaurar uma acção de impugnação com a finalidade de obstar à consolidação da providência decretada.

4. São dois os pressupostos cumulativos para que o requerente seja dispensado do ónus de propor a acção principal, por aplicação do instituto da inversão do contencioso:

a. a matéria adquirida no procedimento permita ao juiz formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado;

b. a natureza da providência decretada seja adequada a realizar a composição definitiva do litígio.

Está vedado ao julgador aplicar ex officio o instituto da inversão do contencioso, já que a sua aplicação pressupõe o requerimento da parte interessada, como decorre do nº 2 do artigo 369º do CPC, concedendo à parte contrária, a possibilidade de deduzir oposição.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I.    RELATÓRIO

ANTÓNIO -------, residente na Av. -------, em Lisboa, intentou, em 25.11.2013, contra os CONDÓMINOS DO PRÉDIO ---------, EM LISBOA, representados pelo Administrador do Condomínio, Morais ---, providência cautelar especificada de suspensão da deliberação de Assembleia de Condóminos - na sequência de anterior procedimento cautelar, cujo requerimento inicial foi liminarmente indeferido, em 01.11.2013, com fundamento em ilegitimidade passiva – e como preliminar da respectiva acção declarativa de anulação, pedindo seja decretada providência cautelar de suspensão da deliberação social tomada, em 01 de Fevereiro de 2013, na Assembleia de Condóminos do dito Lote ----------, em Lisboa.

 Fundamentou o requerente esta sua pretensão, por entender que a deliberação da assembleia de condóminos cuja suspensão requer, é contrária à lei e a respectiva execução é susceptível de causar, segundo os critérios da teoria da causalidade adequada, danos apreciáveis tanto para o condomínio, como para o requerente.

Alegou, para tanto, e em suma, o seguinte:
1. O requerente é proprietário da fracção "J", correspondente ao terceiro do referido prédio sito no lote ------- em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° 1619----, da freguesia de ------
2. O requerente tem 86 anos e reside na fracção autónoma em referência com a sua esposa Alda -----, de 82 anos.
3. Tanto o requerente como a sua esposa, além de serem pessoas de avançada idade, padecem de problemas de saúde que limitam a respectiva mobilidade e a capacidade para efectuarem esforços físicos.
4. O prédio onde se localiza a fracção "J" em referência possui um sistema de recolha de lixos, composto por uma conduta, com acesso para despejo de lixo no interior de cada fogo, que desemboca num compartimento próprio na cave do edifício, onde o lixo despejado pela conduta respectiva é directamente depositado em contentores apropriados para o efeito, os quais são diariamente substituídos, sendo os cheios colocados na via pública para recolha dos lixos pelos serviços municipais.
5. Em virtude do previsto encerramento da conduta de lixo e da respectiva instalação de recolha na cave do edifício, a Administração do Condomínio instalou na casa de lavagens da porteira, também situada nessa mesma cave, novos contentores para o lixo.
6. A referida casa de lavagens da porteira não dispõe das indispensáveis condições de arejamento para a recolha dos lixos domésticos das trinta e três fracções autónomas que compõem o prédio, necessárias para manter a higiene e salubridade das respectivas áreas comuns.
7. O encerramento da conduta do lixo implica necessariamente que o requerente e a sua esposa passem a ter de carregar o seu lixo doméstico até à cave do edifício para o depositar em contentores conforme se depreende do aviso afixado no prédio pela Administração do Condomínio
8. A execução da obra de encerramento da conduta do lixo e da respectiva instalação de recolha na cave do edifício ainda não se iniciou.
9. Por outro lado, a referida obra de encerramento da conduta do lixo constitui uma inovação que prejudica obviamente a utilização por parte dos condóminos, v.g. o requerente, de uma parte comum do prédio, que como tal está vedada pelo disposto no art.° 1.425.°/2 do CC.
10. Tal obra, constituindo uma inovação, depende de aprovação da maioria dos condóminos representativa de dois terços do valor total do prédio.
11. Sendo que, como se pode verificar pelo confronto da certidão do registo predial com a cópia da acta da assembleia do condomínio, a deliberação sub judice foi tomada com votos representativos apenas de 544,74 da permilagem do prédio, a qual é assim inferior à maioria de dois terços legalmente exigida, sendo a deliberação da assembleia de condóminos contrária à lei pois viola o art.° 4.º/1/c do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação aprovado pelo Dec.Lei n.° 555/99, de 16 de Dezembro, e o art.° 1.425.° do Código Civil
12.A execução da deliberação em crise consiste na obra de encerramento definitivo  da  conduta  do  lixo  do  prédio  e  da respectiva instalação de  recolha na cave do edifício, e é susceptível de causar dano apreciável, tanto nas partes comuns do prédio, como na qualidade de vida do requerente e da sua esposa e nos seus direitos à habitação e a um ambiente de vida sadio, constitucionalmente consagrados (cfr. arts. 65.° e 66.° da Constituição).
13. Operando assim a inutilização de uma infraestrutura essencial de recolha dos lixos domésticos do prédio, causando desta forma danos apreciáveis e de difícil reparação numa parte comum do edifício.
14. Substituindo essa infraestrutura por um sistema improvisado de recolha dos lixos domésticos do prédio num compartimento da cave do edifício que não possui condições para o efeito, designadamente em termos de ventilação e arejamento, criando deste modo sérios riscos para a higiene e salubridade das partes comuns do prédio, nomeadamente ao nível de maus cheiros devido ao acondicionamento do lixo em local inapropriado.
15. E, sendo o requerente e a sua esposa pessoas de idade avançada e com problemas de saúde, vêem-se por via da execução da deliberação em crise na contingência de serem forçados a transportar os respectivos lixos domésticos para a cave do edifício para os irem despejar em contentores situados num compartimento sem um mínimo de condições de higiene e salubridade, suportando os inevitáveis maus cheiros.
16. Ou, em alternativa, de terem de transportar os seus lixos domésticos até ao contentor público mais próximo, o qual se situa junto à via pública, a mais de 500 metros da entrada do prédio.
17. Tudo com considerável sobre esforço - mesmo considerando que o prédio dispõe de elevador - e sensível diminuição do conforto e qualidade de vida de que actualmente desfrutam com o sistema de recolha de lixo de que o prédio dispõe desde o início, o qual permite que despejem o lixo doméstico na entrada da respectiva conduta existente no interior da fracção autónoma onde habitam.

Citados os requeridos, o administrador do condomínio, em representação daqueles, apresentou oposição, em 16.11.2013, excepcionando a ilegitimidade do requerente, por não estar acompanhado do cônjuge, invocando ainda e, em síntese, o seguinte:
1. Como é usual no condomínio em causa e prática consensual entre todos os condóminos e ao longo de várias administrações, por uma questão financeira, as convocatórias e demais notificações são colocadas na caixa postal de cada um dos condóminos e a própria informação/notificação é afixada do atrium do prédio e dentro das duas cabines dos elevadores.
2. Quando se trata de convocatória para assembleia de condóminos, inclusivamente é colocada também uma minuta de procuração, tantas vezes utilizada por tantos e diversos condóminos.
3. O Requerente reside naquele edifício há já 45 anos e a última presença numa assembleia de condóminos foi em 2007 e já nessa altura a convocatória era feita desta forma informal.
4. Quando existia porteira no edifício, as convocatórias eram feitas pela senhora que batia porta-a-porta e formalizava a convocatória com assinatura de protocolo de recebimento da notificação.
5. Desde o ano de 2005, ano em que deixou o edifício de ter porteira, que a forma consensual de proceder às notificações para assembleias e outras, é de facto, a descrita.
6. Após a realização da assembleia e a elaboração da acta, esta é depositada na caixa de correio de todos os condóminos que estiveram ausentes, sem excepção.
7. Ou seja, o Requerente tomou conhecimento da deliberação que agora tenta suspender logo nos primeiros dias de Fevereiro de 2013.
8. Ora o prazo para interpor o presente procedimento cautelar iniciou-se a partir do momento em que a acta foi notificada, tendo terminado, dando o benefício da dúvida, certamente no fim do mês de fevereiro de 2013 e não agora, como astuciosamente quer fazer parecer.
9. Foi o filho do Requerente que também se chama António  ----- que solicitou ao amigo Morais -----, cópia da acta em causa, depois de ter visto o aviso afixado no atrium e elevadores do prédio e também depositado na caixa do correio de seu pai.
10. Confidenciou o filho do Requerente que julgava que a obra já não seria feita, atendendo ao lapso de tempo decorrido entre a deliberação e a sua marcação ...
11. Foi o filho do Requerente que deu o seu endereço de e-mail para que lhe fosse remetida a acta! Mas concerteza, se assim não é, o Requerente no seu depoimento de parte poderá explicar como acede à sua conta de e-mail e que especificações tem o seu computador!
12. Sendo também caso para perguntar: se leu o aviso não leu a convocatória para a assembleia? Não leu a acta que lhe foi depositada na caixa do correio?
13. Ainda que se não considere que a presente acção é extemporânea, por cautela, se impugna o restante articulado e alegado pelo Requerente.
14. O Requerente e a sua esposa de facto têm idade avançada e até podem ter alguns, problemas de saúde, que fruto da idade até não serão de estranhar, mas também é certo quer esses problemas não os impedem de sair de casa diariamente.
15. Todos os dias, sem excepção, o Requerente e a sua esposa são vistos a almoçar num restaurante perto de casa e todos os dias trazem sacos do supermercado com algumas compras inclusivamente garrafões de água Luso.
16. De igual forma, todos os dias o Requerente e a sua esposa, transportam até aos locais apropriados o lixo que reciclam, que não pode ser depositado na conduta do lixo do prédio, só destinada a lixo orgânico.
17. O papel e o plástico têm de ser depositado por todos os condóminos nos contentores disponibilizados pela Câmara Municipal de Lisboa e guardados dentro do edifício, na casa da porteira; sendo que o vidro tem de ser depositado no vidrão que se encontra sensivelmente a 101 metros da entrada do prédio,
18. O Requerente não foge à regra e lá vai levando o lixo reciclável para o rés-do-chão do prédio e especificamente o vidro para o vidrão da rua!
19. O sistema de recolha de lixos, não é mais que uma conduta que liga o interior de cada fracção, na cozinha, à cave do edifício onde se encontram contentores para a recolha desse mesmo lixo orgânico.
20. Ora imagine Vª. Exª. 33 fracções de várias educações a utilizar uma conduta de origem do prédio com mais de 45 anos, que nunca sofreu qualquer obra de beneficiação, como será o cheiro, que de quando em vez chega às várias fracções, especialmente quando há entupimentos.
21. Porque infelizmente muitos dos residentes no edifício não sabem respeitar as mais elementares regras de convívio num prédio tão grande, deitam na conduta todo o tipo de lixo, sem se preocuparem com mais nada. Ora, frequentemente, dão-se entupimentos e queixas de vários condóminos que se sentem afectados. Para proceder ao desentupimento das condutas é necessário aceder a cada uma das habitações, tarefa quase heróica de se conseguir, porque há casas desabitadas, há quem, não abra a porta, há quem não possa estar presente neste ou naquele horário...
22. Mais, já começa a tratar-se dum problema de saúde pública, sendo que a maioria dos condóminos dos pisos inferiores, muitos deles, já procederam ao encerramento eles mesmos das condutas nas suas cozinhas.
23. Não se trata esta intervenção de uma inovação! Porque nada de novo se vai criar! Nem sequer demolir! Simplesmente iriam ser vedadas os acessos de entrada e saída dos lixos, após uma limpeza geral das condutas, até que financeiramente fosse viável uma manutenção e reparação mais profunda das condutas do lixo.
24. O local onde os contentores de recolha do lixo se encontram têm a ventilação necessária, equipada a cave com grelhas e respiradores que facilitam a passagem de ar.
25. Numa inspecção judicial ao local/prédio, que os requeridos requerem, poderá o Tribunal analisar onde o lixo é deposto, como se processa o funcionamento das condutas e qual o seu estado actual, tudo nos termos do disposto no artigo 490.° e ss. do Código de Processo Civil.
26. O condomínio não tem capacidade financeira para suportar uma obra de beneficiação das condutas do lixo que ronda os € 7.000,00 (sete mil euros), quando tem outras intervenções mais urgentes já programadas, como será a da canalização da água que necessita ser substituída porque as  fracções  estão  em  risco  de  ficarem sem abastecimento de água, caso haja uma ruptura, e que estima os € 19.000,00 (dezanove mil euros) de investimento.
27. O Condomínio paga até Março de 2014 uma mensalidade de € 1.000,00 para pagamento da reparação dos elevadores legalmente exigida por uma das várias vistorias a que foram sujeitos — doc. 4, fora o contrato de manutenção necessário existir, assim como os serviços de limpeza que são diários, a conta da electricidade e, o prémio do seguro do edifício doc. 5; tudo somado é uma despesa que face à dificuldades que muitos condóminos apresentam em pagar a quota mensal, consegue ser de bastante difícil gestão.
28. O próprio requerente não apresenta as quotizações do condomínio em dia, existindo um atraso no seu pagamento, muito embora já tenho sido por diversas vezes interpelado para proceder à sua regularização
29. Não se trata aqui de alterar o projecto do prédio porque apenas se iriam colocar uns tampões vedados com silicone, para que se possa a qualquer momento voltar a utilizar as respectivas condutas.
30. Precisamente para que todos os condóminos tenham um ambiente de vida sadio, constitucionalmente consagrado, nas palavras do Requerente, é que os Requeridos deliberaram deste modo!
31. Mais, foi proposto mais tarde a todos os condóminos, tendo a administração do condomínio proposto também ao filho do Requerente, que deixasse o saco do lixo à sua porta, que a empregada de limpeza passaria a transporta-lo para o rés-do-chão, caso algum transtorno pudesse vir a causar esta intervenção.
32. Esta deliberação em análise, por tudo o que já foi dito, não causa danos irreparáveis ao requerente, antes pelo contrário
33. Não se vislumbra aqui qualquer fundamento para que esta providência seja decretada e com ela a deliberação fique suspensa.
34. Quanto à inversão do contraditório que não é requerido pelo Requerente, mas que é certamente por lapso referido na nota de citação remetida pela secretaria, desde já se manifesta oposição a tal mecanismo, devendo, obviamente ser o Requerente a interpor acção principal.

Terminam os requeridos a sua oposição, requerendo a procedência da invocada excepção dilatória de ilegitimidade activa e os Requeridos absolvidos da instância. E, à cautela, caso não venha a ser decidido desta forma, requerem que a acção seja julgada totalmente extemporânea, com as demais consequências, ou, ser a acção julgada totalmente improcedente e a providência cautelar não ser decretada.

Foi iniciada a audiência final. E, no decurso da sessão de 17.01.2014, foi proferido o seguinte despacho:
Determina-se desde já a realização de perícia com vista à resposta aos artigos 29º, 31º, 32º, 33º segunda parte, 34º, 35º, 36º, 38º no tocante aos valores e artigo 41º todos da Oposição  (….)
Na sequência do depoimento da testemunha adite-se ao objecto da peritagem o seguinte:

Deverá ainda o I. Perito esclarecer:
- Se os entupimentos se ficam a dever ao facto de algumas pessoas terem fechado as condutas, designadamente com tijolos e cimento;

- Se existe alternativa viável de tratamento do lixo naquela zona;
- A que montante ascende a reparação da conduta – e desde logo, se a mesma é possível e viável bem como o tempo provável de duração dessa reparação;

- Os artºs. 18º e 31º do Requerimento Inicial.

(…)

Posteriormente, determinou a Exma. Juíza do Tribunal a quo, atendendo às especificidades das questões a dilucidar na perícia, que se solicitasse a indicação de perito ao pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa, tendo sido nomeado o perito indicado.

Foi apresentado o relatório do perito, dele constando o seguinte:

§ “Se os entupimentos se ficam a dever ao facto de algumas pessoas terem fechado condutas, designadamente com tijolo e cimento” – Efectivamente, o perito apurou pela voz do próprio administrador que alguns condóminos encerraram efectivamente as condutas, designadamente com azulejo, não sendo possível apurar no local em quantos apartamentos é que esse facto ocorreu. Todavia, sendo as condutas situadas dentro de cada apartamento, não há motivo para crer que esse encerramento tenha obstado à normal utilização das condutas por aqueles que as continuaram a pretender utilizar. Na visita efectuada às casas do lixo, observou-se que os contentores que recebem os lixos vindos das condutas continham alguns resíduos, o que indicia que alguns apartamentos continuam a utilizar normalmente o sistema;

§ "Se existe alternativa viável de tratamento do lixo naquela zona" – O sistema de remoção naquela área da cidade efectua-se com contentores porta-a-porta. O tipo de contentores utilizado é o mesmo, independentemente da utilização do sistema de condutas. Caso os condóminos optem pela dispensa do sistema de condutas, os mesmos deverão passar a depositar os resíduos directamente nos contentores colocados nas casas do lixo;

§ "A que montante ascende a reparação da conduta, - e, desde logo, se a mesma é possível e viável bem como o tempo provável de duração dessa reparação" – As obras nas condutas não são simples porque as mesmas estão montadas no interior das paredes do edifício. Aguarda-se recepção de orçamentos efectuados por mais do que uma empresa que serão, logo que possível, enviados por parte do perito, onde constarão informações sobre custos e prazos de execução. Não obstante, refira-se que a reparação das condutas não evitará as consequências da má utilização do sistema de condutas, nomeadamente os entupimento a que estão sujeitas;

§ Artigo 13° e 31 a do Requerimento Inicial – Observou-se no local a existência de duas casas de lixos que parecem remontar à época em que o edifício foi construído, ambas com contentores e condutas em funcionamento, uma para uma ala do prédio e outra para outra ala. Significa isto que, caso se opte pela manutenção das condutas, ambos os compartimentos terão de continuar a ser utilizados e aí colocados contentores para proceder à recepção dos resíduos que vão caindo por gravidade, através das condutas.

A referida "casa de lavagens da porteira" é apenas um destes compartimentos o qual tem condições satisfatórias para o efeito, quer se mantenha o sistema de condutas ou não, visto existirem janelas que permitem o arejamento da sala, não se vislumbrando quaisquer riscos para a higiene e salubridade das partes comuns do prédio. No entanto, caso se opte pelo encerramento do sistema de condutas, não haverá a necessidade da existência de duas casas de lixo sendo, por conseguinte neste caso, opcional a existência de dois compartimentos para o efeito.

                        Foi dada prossecução da audiência final, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, constando do Dispositivo da Sentença o seguinte:

Pelo exposto, deferindo-se a providência cautelar requerida, determina-se a suspensão da deliberação social tomada na Assembleia de Condóminos do Lote 158 da Avenida Cidade de Lourenço Marques, que teve lugar no dia 01 de Fevereiro de 2013.

Mais se declara nula a mesma Deliberação, sem prejuízo do art. 369º, nº 2, do C.P.C.

Dispensa o Requerente da propositura da acção principal.

Inconformados com o assim decidido, os requeridos interpuseram recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES dos recorrentes:

i. O tribunal "a quo" proferiu sentença que determina a suspensão da deliberação social tomada na Assembleia de Condóminos do Lote -------, mais declarando nula a mesma deliberação  e  ainda  dispensando  o  requerente  da  propositura  da acção principal e, uma vez que discorda totalmente a apelante da decisão proferida, vem dela apresentar o presente recurso de apelação.

ii. Com o devido respeito, e que é muito, além de ter conhecido de questões que não podia tomar conhecimento, a Mma Juiz "a quo" fez uma errada valoração da prova.

iii. Foi ouvida uma única testemunha, muito embora a Mma Juiz afirmar que ouviu muitas testemunhas - "por todas as testemunhas ouvidas".

iv. Essa mesma testemunha, filho do Requerente, ora Recorrido, respondeu aos costumes, afirmando-se parte interessada na resolução do litígio: "concerteza, prejudica o meu pai e na questão também do prédio, no interesse que tenho em zelar pelo prédio e pela parte da minha fracção" - vd. 56 segundos da gravação.

v. Além de interessado, o filho do ora Recorrido e Requerente da providência cautelar, o mesmo age em representação do seu pai no assuntos do condomínio.

vi. Aos 2m4s do seu depoimento e em resposta ao Mandatário do Requerente, a testemunha António ---- diz o seguinte: "eu é que vejo mais a caixa do correio", justificando que o seu pai por razões de saúde já não gere o seu quotidiano.

 vii. Mostra ter conhecimento do modo de funcionamento do edifício e do tratamento dos lixos e resíduos no mesmo.

viii. Refere quase no final do seu depoimento que "nunca ninguém me apresentou um orçamento" - 19m28s, referindo-se ao orçamento para arranjo das condutas do lixo; mas, vincando que há orçamentos para o arranjo das condutas do gás e da água: "a questão das obras que vão ser feitas e que se falou na última reunião, são da água e do gás" "mas isso estão orçamentadas"- 19m15s.

ix. E em resposta à Mma Juiz refere que se desloca todas as semanas ao prédio: "todas as semanas vou, não tenho é dia certo", " e às vezes até mais" - 20m34s.

x. A testemunha António -----, filho do Requerente, ora Recorrido é interessado na causa, mas não só, também age em representação do seu pai, uma vez que é ele que trata da recepção do correio e vai a reuniões de condomínio.

xi. A Mma Juiz "a quo" dá como facto provado em 20° "confidenciou o filho do Requerente que julgava que a obra já não seria feita, atendendo ao lapso de tempo decorrido entre a deliberação e a sua marcação".

 xii. Ou seja, o filho do Requerente, interessado na causa e representante do pai no condomínio, sabia da deliberação desde a data que a mesma foi notificada, como se constata nos factos provados.

xiii. Ouvindo depois o depoimento de parte do Administrador e Condómino Morais ----, de quem, considera a Mma Juiz "a quo", não existirem razões que abalem a sua credibilidade, ficamos a saber que este e o filho do Requerente têm uma relação de amizade, respondendo ao Mandatário do Requerente que "tenho o telefone do Antonio" - 12m56s e que fala diversas vezes com ele.

xiv. Inclusivamente diz o depoente que liga ao "Tó" ("eu trato-o por Tó", referindo-se ao filho do Requerente) 14m42s - (alcunha do filho do Requerente) sempre que estão quotas em atraso e diz-lhe "tens dois meses em atraso ou tens três meses em atraso".

xv. Mais refere: "fiquei surpreendido, quando eu meses antes tinha falado várias vezes com o filho sobre as condutas" - 14m23s.

xvi. Ora, conclui-se facilmente que era o filho do Requerente que tratava dos assuntos do condomínio do pai; sendo ele que fazia os pagamentos das quotas, sendo ele quem semanalmente abria a caixa do correio, sendo ele a participar em reuniões de condomínio.

xvii. Dúvidas não existem sobre a data em que o Requerente tomou conhecimento da deliberação da assembleia, aqui impugnada, através do seu filho, pois em resposta à Mma Juiz "a quo", o depoente Morais ---- responde: "Normalmente os meus contactos eram sempre com o filho, meu amigo e da minha idade, e falámos várias vezes sobre isso, nessa altura", "e tomou conhecimento nessa data, pode não ter sido em Fevereiro, mas foi em Março", "eu falava muitas vezes com o filho" - 3m23s.

xviii. Ora, é claro que se não foi em Fevereiro, terá sido em Março de 2013 que o Requerente e o seu filho tiveram conhecimento da deliberação impugnada e da intenção de realização da obra de encerramento das condutas do lixo.

xix. Ora, é a presente acção extemporânea porque não poderia oito meses depois da notificação da decisão, vir o Requerente, ora Recorrido, impugná-la, devendo a providência ser indeferida.

xx. Considerou o tribunal a quo, que "foi violada a norma do artigo 1432.°, n° 1 do C.P.C, desde logo, no segmento em que prevê a realização das notificações por aviso de recepção".

xxi. Questão prévia, considerando que o C.P.C. não dispõe do artigo 1432° consideramos que a Mma Juiz se referiu ao artigo do Código Civil Português, constituindo assim um mero lapso de escrita.

xxii. Ora, cumpre desde já referir que, nos diversos tribunais superiores se tem decidido que a violação da norma do artigo 1432° n°2 do Código Civil constitui mera irregularidade.

xxiii. Que, analisando a norma sobre os princípios de interpretação da lei contidos no artigo 9° do Código Civil e recorrendo à hermenêutica jurídica temos que: o que é relevante na norma contida no artigo 1432° n°1 do Código Civil não é a assinatura do aviso de recepção.

xxiv. Mas que "a substância da convocatória consiste na comunicação da mesma. E esta comunicação (...) pressupõe a existência de um cidadão emissor e de um cidadão receptor o que, de per si, afasta a proeminência de qualquer envio de comunicação sobre a sua recepção".

xxv. Assim, face ao já exposto anteriormente, dúvidas não restam que o requerente da providência cautelar teve conhecimento quer da assembleia de condomínio realizada a 01/02/2013, quer da deliberação nela tomada.


xxvi. Desde 2005 que a forma de notificar para as assembleias de condóminos é a actual, por depósito na caixa do correio e afixação nos elevadores e hall de entrada


xxvii. Já enquanto notificado deste modo, o Requerente esteve presente em assembleias.

xxviii. Não pode vir agora o Requerente alegar, só porque lhe convém, que não foi devidamente convocado e que as normas legais não foram cumpridas, porque incorre em "Venire contra factum proprium"!

xxix. "O Oponente que sempre aceitou que as notificações relativas à realização de assembleias de condóminos, suas datas e conteúdo do aí deliberado, lhe fosse transmitido por "fax", sendo o respectivo número do conhecimento da Administração, incorre em venire contra factum proprium, na modalidade de inalegabilidade de nulidades formais, se invoca que a dita Administração não cumpriu com as necessárias comunicações através de carta registada com aviso de recepção." - vd. Ac. TRP de 18-10-2011.


xxx. A deliberação não pode ser, assim, considerada contrária à lei por falta de "notificação por aviso de recepção.

xxxi. O requerente da providência cautelar, ao longo do seu articulado enuncia que por ter sido deliberado encerrar, temporariamente, as condutas do lixo,

nada alterando a respectiva conduta, esse encerramento irá causar dano a um direito constitucionalmente consagrado, o direito a um ambiente sadio e que seriam forçados a transportar os respectivos lixos orgânicos (já que os inorgânicos já transportam!).


xxxii. Ora, parece o requerente não querer ver que é precisamente por as condutas do lixo, ao longo dos seus 50 anos, nunca terem sido desinfectadas e terem má utilização, gerando desta forma perigo para a saúde pública que se deliberou o encerramento das mesmas, acresce que não concretiza, não densifica e não alega quais ao danos concretos que a deliberação lhe irá causar!


xxxiii. Cumpre referir que os tribunais superiores, têm decidido, que relativamente ao dano é necessário um juízo de certeza ou probabilidade muito forte, impondo-se ao requerente, o ónus, de alegar e provar no requerimento inicial esse dano apreciável, tendo o requerente que densificar e consubstanciar o dano através de factos concretos, precisos e concisos.


xxxiv. Sendo que, o dano é apreciável "quando significativo devendo ser dificilmente reparável sem suspensão, dado que a tutela conferida pela acção principal (procedente) é suficiente para reparação dos danos, não há razões para decretar a suspensão da deliberação".

xxxv. No caso concreto, parece-nos que falta, claramente, o requisito do "dano apreciável" que a deliberação iria causar, ainda para mais porque foi admitido por acordo e dado como provado o facto 29°, a proposta de recolha diária do lixo à porta do Requerente.

xxxvi. A suspensão da deliberação causa dano superior para o condomínio do que a decisão de manter em funcionamento as condutas do lixo, em comparação ao dano do Requerente, até por razões de saúde pública, designadamente por causa de cheiros e contaminações que derivam da utilização das ditas condutas.


xxxvii. Não existe no caso concreto prova suficiente e vigorosa do dano do Requerente para que a deliberação seja suspensa.


xxxviii. A inversão do contencioso depende sempre do requerimento do interessado, a formular até ao encerramento da audiência final, não sendo pois, oficiosamente decretável, pelo juiz - In Cadernos Especias do CEJ – Caderno III – O Novo Processo Civil, disponível em http://www.cej.mj.pt/cei/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Caderno III Novo%20 Processo Civil.pdf e in Colóquio "A Reforma do Processo Civil", pelo STJ, com a intervenção do Juiz Conselheiro Dr°. Lopes do Rego, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/coloquios/coloquios STJ/lopesrego.pdf).


xxxix. Ora, apesar da douta sentença referir que o requerente peticionou a inversão do contencioso, isso não corresponde de todo à verdade.

xl. O próprio Requerente ora Recorrido na sua petição inicial diz que a providência cautelar é intentada como "preliminar da respectiva acção de declaração de anulação", nem no decorrer do processo, alguma vez o Requerente requereu tal inversão.

 xli. Atendendo ao regime previsto no artigo 369° do CPC e ao disposto no artigo 5° do C.P.C., não pode o juiz "a quo" tomar conhecimento de questões, nem decidir, sobre questões que não deveria tomar conhecimento, sendo mesmo um limite de condenação, que não sendo respeitado, origina a nulidade da sentença — artigos 609° n°1 e 615° n°1 alínea d), ambos, C.P.C.


xlii. Agiu mal o tribunal "a quo" ao ter dispensado o requerente da propositura da acção principal porque tal não foi requerido.


xliii. E agiu mal ao ter declarado nula a deliberação social tomada na Assembleia de Condóminos, porque tal, também, não foi requerido.

Pedem, por isso, os apelantes, que o recurso seja julgado procedente por provado, e como consequência necessária, a revogação da suspensão, a declaração de nulidade da deliberação e, a condenação do Requerente na propositura da acção principal.

O requerente/apelado apresentou contra-alegações, na qual sustenta que a sentença recorrida fez correcta apresentação dos factos incluindo da prova testemunhal produzida em audiência e fez igualmente judiciosa interpretação e aplicação do direito, não merecendo por isso qualquer reparo.

Propugna, assim, pela improcedência do recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

***

II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:

i)       DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da             

                           impugnação da matéria de facto

E, venha ou não a ser alterada a decisão de facto, ponderar sobre:

ii)     A VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.

O que implica a análise:     

a. DA REGULARIDADE DA NOTIFICAÇÃO DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS E DA TEMPESTIVIDADE DA PROPOSITURA DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR.

b. DOS REQUISITOS DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DAS DELIBERAÇÕES DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS.

c. DA FIGURA JURÍDICA DA INVERSÃO DO CONTENCIOSO.

***

III . FUNDAMENTAÇÃO


A –
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foi dado como provado na sentença recorrida o seguinte:

1. O requerente é proprietário da fracção "J", correspondente ao terceiro andar prédio sito no lote -------, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 1619, da freguesia de -------- (v. doc. 2).

2. Em 22 de Outubro de 2013 o requerente foi notificado via e-mail da acta número trinta e seis da Assembleia Geral Ordinária de Condóminos realizada em 1 de Fevereiro de 2013, na qual foi deliberado o encerramento definitivo da conduta de lixo do prédio (v. doc 3).

3. O requerente tem 86 anos e reside na fracção autónoma em referência com a sua esposa Alda ----- de 82 anos (v. doc. 4).


4. Tanto o requerente como a sua esposa, além de serem pessoas de avançada idade, padecem de problemas de saúde que limitam a respectiva mobilidade e a capacidade para efectuarem esforços físicos.


5. O prédio onde se localiza a fracção "J" em referência possui um sistema de recolha de lixos, composto por uma conduta, com acesso para despejo de lixo no interior de cada fogo, que desemboca num compartimento próprio na cave do edifício, onde o lixo despejado pela conduta respectiva é directamente depositado em contentores apropriados para o efeito, os quais são diariamente substituídos, sendo os cheios colocados na via pública para recolha dos lixos pelos serviços municipais.


6. Em virtude do previsto encerramento da conduta de lixo e da respectiva instalação de recolha na cave do edifício, a Administração  do  Condomínio  instalou  na  casa  de  lavagens  da porteira, também situada nessa mesma cave, novos contentores para o lixo.

7. A referida casa de lavagens da porteira não dispõe das indispensáveis condições de arejamento para a recolha dos lixos domésticos das trinta e três fracções autónomas que compõem o prédio, necessárias para manter a higiene e salubridade das respectivas áreas comuns.

8. O encerramento da conduta do lixo implica necessariamente que o requerente e a sua esposa passem a ter de carregar o seu lixo doméstico até à cave do edifício para o depositar em contentores conforme aviso afixado no prédio pela Administração do Condomínio (v. doc. 5).

9. A execução da obra de encerramento da conduta do lixo e da respectiva instalação de recolha na cave do edifício ainda não se iniciou.


10. A deliberação sub judice foi tomada com votos representativos apenas de 544,74 da permilagem do prédio, a qual é assim inferior à maioria de dois terços legalmente exigida (cfr. doc.s 1 e 2).

11. A execução da deliberação em crise consistiria na obra de encerramento definitivo da conduta do lixo do prédio e da respectiva instalação de recolha na cave do edifício.

12. Em alternativa ao referido depósito na cave, o Requerente e cônjuge teriam de transportar os seus lixos domésticos até ao contentor público mais próximo, o qual se situa junto à via pública.

13. A conduta de lixo encontra-se em condições de funcionar.

14. Dão-se por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos todos os documentos juntos com o Requerimento Inicial, mencionados junto aos factos supra elencados.

15. Desde 2005 que vem sendo prática entre, pelo menos, boa parte dos condóminos, proceder às convocatórias e demais notificações através de depósito na caixa postal (doc. 1) de cada um dos condóminos e a própria informação/notificação é afixada do átrio do prédio (vitrine – doc. 2) e dentro das duas cabines dos elevadores.

16. O Requerente reside naquele edifício há já 45 anos e a última presença numa assembleia de condóminos foi em data não posterior a 2007.

17. Quando existia porteira no edifício, as convocatórias eram feitas pela senhora que batia porta-a-porta e formalizava a convocatória com assinatura de protocolo de recebimento da notificação.

18. Após a realização da assembleia e a elaboração da acta, esta é depositada na caixa de correio de todos os condóminos que estiveram ausentes, sem excepção.

19. Foi o filho do Requerente que também se chama António ----- que solicitou ao amigo Morais -----, cópia da acta em causa, depois de ter visto o aviso (doc. 7 do Requerimento Inicial) afixado no átrio e elevadores do prédio e também depositado na caixa do correio de seu pai.

20. Confidenciou o filho do Requerente que julgava que a obra já não seria feita, atendendo ao lapso de tempo decorrido entre a deliberação e a sua marcação.

21. Foi o filho do Requerente que deu o seu endereço de e-mail para que lhe fosse remetida a acta.

22. O papel e o plástico tem de ser depositado por todos os condóminos nos contentores disponibilizados pela Câmara Municipal de Lisboa e guardados dentro do edifício, na casa da  porteira; sendo que o vidro tem de ser depositado no vidrão que se encontra sensivelmente a 100 metros da entrada do prédio.

23. O sistema de recolha de lixos, não é mais que uma conduta que liga o interior de cada fracção, na cozinha, à cave do edifício onde se encontram contentores para a recolha desse mesmo lixo orgânico.

24. Muitos dos residentes no edifício deitam na conduta todo o tipo de lixo, o que gera, por vezes, entupimentos e queixas de vários condóminos que se sentem afectados sendo que, para proceder ao desentupimento das condutas é necessário aceder a cada uma das habitações, o que se torna difícil dado que há casas desabitadas, há quem, não abra a porta, e há quem não possa estar presente neste ou naquele horário.

25. Alguns condóminos dos pisos inferiores já procederam ao encerramento das condutas nas suas cozinhas.

26. O condomínio não tem capacidade financeira para suportar uma obra de beneficiação das condutas do lixo que ronda os € 7.000,00 (sete mil euros), quando tem outras intervenções mais urgentes já programadas, como será a da canalização da água que necessita ser substituída porque as fracções estão em risco de ficarem sem abastecimento de água, caso haja uma ruptura, e que estima os € 19.000,00 (dezanove mil euros) de investimento — doc. 3.

27. O Condomínio pagou até Março de 2014 uma mensalidade de € 1.000,00 para pagamento da reparação dos elevadores legalmente exigida por uma das várias vistorias a que foram sujeitos – doc. 4, fora o contrato de manutenção necessário existir, assim como os serviços de limpeza que são diários, a conta da electricidade e, o prémio do seguro do edifício – doc. 5; tudo somado é uma despesa que face à dificuldades que muitos condóminos apresentam em pagar a quota mensal, consegue ser de bastante difícil gestão.

28. Por vezes, o próprio requerente não apresenta as quotizações do condomínio em dia, existindo um atraso no seu pagamento, apesar de interpelado para proceder à sua regularização – doc. 6.

29. Foi proposto mais tarde a todos os condóminos, tendo a administração do condomínio proposto também ao filho do Requerente, que deixasse o saco do lixo à sua porta, que a empregada de limpeza passaria diariamente a transportá-lo para o rés-do-chão, caso algum transtorno pudesse vir a causar esta intervenção.

***

B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

i.       DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da             

                           impugnação da matéria de facto

O Novo Código de Processo Civil, no seu artigo 662º, veio reforçar os poderes do Tribunal da Relação relativamente à modificabilidade da decisão de facto, os quais se mostram ampliados no seu nº 2.

                        Estatui agora o citado normativo que:

1. A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

2. A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:

a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;

b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;

c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;

d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.

                        No que concerne ao ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelece o artigo 640º, do Novo Código Processo Civil (preceito corresponde ao artigo 685º-B do anterior Código Processo Civil, com a inovação da alínea c) do nº. 1º que:
1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Considerando que, no caso vertente, a prova produzida em audiência foi gravada, sempre pode este Tribunal da Relação proceder à sua reapreciação, caso se mostre preenchida a exigência legal que implica, como resulta dos enumerados normativos, a indicação, pelo recorrente, de forma precisa, clara e determinada, dos concretos pontos de facto em que diverge da apreciação do tribunal de 1ª instância. E, implica ainda a fundamentação dessa sua divergência com expressa referência às provas produzidas, i.e., indicando os pontos concretos de prova eventualmente desconsiderados, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, bem como a indicação dos pontos da gravação com referência ao que ficou expresso na acta da audiência final

E, compreende-se esta rigorosa exigência legal visto que, como se defende no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de  02.12.2008(Pº08A3489),acessívelna  Internet,no sítio www.dgsi.pt., (…) o que o legislador quis foi proibir a impugnação genérica da decisão da matéria de facto, mediante simples manifestação de discordância.

 A exigência da especificação pelos recorrentes dos pontos concretos que consideram incorrectamente julgados impõem-se para que o recorrido e o tribunal ad quem, que há-de julgar o recurso, fiquem habilitados a conhecer nitidamente o objecto da impugnação, os factos sobre que esta incide. A parte contrária necessita de o saber para exercer o seu direito ao contraditório e porque lhe incumbe, na resposta ao recurso, indicar os depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente; o Tribunal ad quem carece de o saber para poder reapreciar, com segurança e reflexão, o julgamento cuja exactidão se impugna.

A não satisfação por parte do recorrente dos rigorosos ónus previstos no artigo 640º nCPC implica, como é sabido, a rejeição imediata do recurso.

No caso vertente, infere-se das conclusões da alegação dos recorrentes, que estes estão em desacordo com a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, mas não indicam com clareza quais os concretos pontos de facto, considerados pelo Tribunal a quo, como provados ou não provados, que visam impugnar.

 E, quanto aos concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada que, na opinião dos apelantes, foram mal apreciados, e que, portanto, impunham decisão diversa da adoptada pela decisão recorrida, transcrevem, os apelantes, é certo, alguns trechos do depoimento da testemunha ouvida, cuja credibilidade colocam em questão.

Porém, pese embora a deficiente observância dos supra enumerados requisitos previstos no artigo 640º nCPC, algum esforço de interpretação permite tão-somente inferir que os apelantes visam impugnar a circunstância de o Tribunal a quo não ter dado como provado que o requerente haja tomado conhecimento da deliberação em causa neste procedimento cautelar, ou seja, considera-se que os apelantes entendem que o ponto 2 dos factos não provados deveria ter sido dado como provado.

Há que aferir da pertinência da alegação dos apelantes, ponderando se, in casu, se verifica a ausência da razoabilidade da respectiva decisão em face de todas as provas produzidas, conduzindo necessariamente à modificabilidade da decisão de facto.

Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito da Exma. Juíza do Tribunal a quo, a qual tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado, sendo esse contacto directo com a prova testemunhal que, em regra, melhor possibilita ao julgador a percepção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas.

Há, pois, que atentar na prova gravada e na supra referida ponderação, por forma a concluir se a convicção criada no espírito do julgador de 1ª instância, para dar como não provado o conhecimento, por parte do requerente, da deliberação aqui em causa nos primeiros dias de Fevereiro de 2013, é, ou não, merecedora de reparos.

Fundamentou a Exma. Juíza do Tribunal a quo, da seguinte forma as respostas negativas dadas aos artigos incluídos na Base Instrutória:

Por todas as testemunhas ouvidas e pelo representante legal do Condomínio ora R. foi mencionado que, nos últimos dois anos, pelo menos, o Requerente sai pouco de casa e denota dificuldades de locomoção e que a sua cônjuge está acamada há bastante tempo. Foi também explicado que o mesmo não comparece nos últimos anos às Assembleias de Condóminos e que raramente abre a porta. De igual modo, instados nesse sentido, foram unânimes em responder que o assunto em questão foi apenas falado pelo Administrador de Condomínio, com o filho do Requerente.

Denominador comum foi ainda a proposta de recolha do lixo do Requerente à sua porta.

O representante legal do Condomínio ora R. reiterou que as notificações foram feitas pela Porteira do prédio porta a porta até 2005 e que, afastada aquela nesse ano, passaram a ser depositadas na Caixa do Correio. Admitiu igualmente que a sala onde vinha sendo colocado o lixo não tem janelas. A mesma testemunha explicou a situação financeira do condomínio, reportando-se às últimas despesas e às quotizações em atraso.

Determinante, foi igualmente o Relatório Pericial junto que concluiu que a Conduta de lixo está em condições de funcionar validamente.

As testemunhas e partes prestaram declarações fluente e coerentemente, inexistindo razões que abalem a respectiva credibilidade. Ademais, os documentos juntos corroboram os depoimentos prestados.

Ora, atendendo à idade avançada e condição física do Requerente, tendo em conta que o mesmo não tinha hábito de comparecer às Assembleias de condóminos, ficou por apurar se o mesmo estava familiarizado com a aludida prática no que respeita às notificações, posto que a forma de as realizar até se modificara em 2005. Com efeito, por ninguém foi mencionado que ainda em 2007 o Requerente ia às Assembleias mas, ainda que tivesse comparecido (o que facilmente poderia ser esclarecido através do exame das competentes actas), a verdade é que continuaríamos sem perceber se estaria familiarizado com as novas formas de notificação já que se alteraram ao cabo de muitos anos e o Requerente é pessoa idosa que pouco sai de casa. Aspecto que, em audiência, o próprio representante do Condomínio admitiu como sendo a realidade actual.

A matéria atinente à intervenção do filho do A., embora não datada, bem como o que tange à reciclagem do lixo e ao encerramento de entradas da conduta mostrou-se pacífica.

Por ninguém foi dito que é o requerente que diariamente leva o lixo não orgânico aos respectivos colectores. O mesmo se diga do facto de muitos condóminos passarem procuração para representação em Assembleia bem como da distância a que se situam os colectores de lixo da via pública. Factos que o tribunal não procurou activamente esclarecer por se mostrarem pouco importantes para a decisão da causa.

A questão mais premente prendia-se com a notificação da deliberação. Sucede que, conforme se apurou e o próprio Administrador do Condomínio mencionou, o filho do Requerente pensou que a obra já não se faria. Neste cenário, não ficou de modo algum demonstrado que dela tenha dado conhecimento ao pai, aqui Requerente, nem que dela tenha tido conhecimento nos dez dias seguintes ao respectivo depósito na caixa de correio. Por outro lado, não foi alegado nem, de resto, resultou inequívoco, que o filho do Requerente tivesse sido por este incumbido de gerir qualquer negócio nem que, por outro motivo, existissem razões para supor que o mesmo representaria o pai, aqui Requerente.

Foram indicadas para responder à matéria aqui em apreciação, a testemunha arrolada pelo requerente, António ----, tendo sido ainda ouvido em declarações de parte, Morais -----, administrador do condomínio.

Defendem, em suma, os apelantes, que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova, no que concerne ao depoimento da testemunha arrolada pelo requerente, filho deste, que era quem tratava dos assuntos do pai, não havendo dúvidas que o requerente tomou conhecimento da deliberação em causa nos autos e da intenção de realizar a obra de encerramento das condutas do lixo.

Importa, então, analisar os depoimentos prestados em audiência, em confronto com a restante prova produzida, designadamente documental, para verificar se deveria a matéria de facto ter sido decidida em consonância com o preconizado pelo apelante ou se, ao invés, tal decisão não merece censura, atenta a fundamentação aduzida pela Exma. Juíza do Tribunal a quo.

Como é sabido no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a Lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.

De harmonia com este princípio, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais.

Nos termos do disposto, especificamente, no artigo 396.º do C.C. e do princípio geral enunciado no artigo 607º, nº 5 do NCPC (artigo 655.º do anterior CPC) o depoimento testemunhal é um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência – v. sobre o conteúdo e limites deste princípio, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, A livre apreciação da prova em processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII (1984), 115 e seg.

A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser  efectuada  segundo  um  critério  de  probabilidade  lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada.

Salientam ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 435-436 que: “A demonstração da realidade a que tende a prova não é uma operação lógica, visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não

ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente), como é, por exemplo, o desenvolvimento de um teorema nas ciências matemáticas. Nem essa demonstração se opera as mais das vezes, à semelhança do que sucede com as análises médicas ou os exames efectuados nos laboratórios das ciências naturais, através da observação directa ou da reconstituição dos factos com fim de facultar ao julgador a percepção dos seus resultados”.

E mais referem que: “A demonstração da realidade de factos desta natureza com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, sob pena de o Direito falhar clamorosamente na sua função essencial de instrumento de paz social e de realização da justiça entre os homens. A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto».    Cientes de que, com a prova de um facto, não se pode obter a absoluta certeza da verificação desse facto, atenta a precariedade dos meios de conhecimento da realidade, para convencer o julgador, em face das circunstâncias concretas, e das regras de experiência, basta um elevado grau da sua veracidade ou, ao menos, que essa realidade seja mais provável que a ausência dela.

No caso vertente, há uma evidente escassez da prova produzida.

Por um lado, foi ouvida a testemunha arrolada pelo requerente   que,naturalmente, evidenciou  poucaobjectividade  e distanciamento, por ser filho do requerente, o qual é pessoa de idade avançada; por outro lado, as declarações do próprio administrador do condomínio.

Face a tal reduzida prova, não vemos como alterar a factualidade dada como provada e não provada, pela Exma. Juíza do Tribunal a quo.

Atenta a idade avançada e as limitações físicas do requerente não ficou demonstrado que o mesmo tivesse tido conhecimento da data em que se realizou a assembleia de condóminos, quer por ter visualizado o comunicado que, segundo o administrador do condomínio, terá sido afixado nos elevadores, quer por ter recebido a notificação que, também segundo o administrador do condomínio, terá sido colocada na caixa do correio, como vinha sendo prática usual no condomínio.

De salientar que, de acordo com o depoimento da testemunha - o filho do requerente - era ele que tinha por hábito abrir a caixa do correio, quando semanalmente se deslocava a casa dos pais e, não resultou das suas declarações que tivesse recebido tal notificação.

É certo que a própria testemunha admitiu que o administrador do condomínio lhe terá dito para avisar o pai do fecho da conduta. Todavia, segundo referiu, só quando recebeu, por e-mail, a acta da assembleia de condóminos, é que deu conhecimento ao pai que, de imediato, lhe disse não estar de acordo com tal deliberação.

E, conforme resulta da prova documental junta ao processo, o e-mail foi enviado para o filho do requerente. em 22.10.2013, e a assembleia de condóminos aqui em causa teve lugar em 01.02.2013.

Acresce que, tal como foi salientado na decisão sobre a matéria de facto, não foi alegado, nem resultou demonstrado, que a testemunha, António ------, filho do requerente, estivesse incumbido de representar o pai nos assuntos relacionados com o condomínio.

De resto, fazendo apelo ao disposto no artigo 346º do Código Civil e, sobretudo, ao que decorre do artigo 414º do NCPC (tal como já sucedia com o artigo 516º do revogado CPC) a dúvida sobre a realidade dum facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, pelo que sempre se teria de concluir que não poderia ter sido outra que não a decisão dada como provada e não provada, nos precisos termos em que o Tribunal a quo o fez, ou seja, não dando como provado que o requerente haja tomado conhecimento, em data anterior aquela que consta do e-mail, da deliberação cuja suspensão se peticiona.

Assim sendo, nada permite afastar a convicção criada no espírito do julgador do tribunal recorrido, convicção essa que não é merecedora de qualquer reparo, porque perfeitamente adequada à escassa prova produzida, corroborando-se a fundamentação efectuada pela Exma. Juíza do Tribunal a quo, na decisão sobre a matéria de facto.

Improcede, por conseguinte, tudo o que, em adverso, consta da alegação de recurso dos apelantes (CONCLUSÕES   v. a xix. ).  

*

E, improcedendo a pretensão dos apelantes, no que concerne à alteração da decisão sobre a matéria de facto, mantendo-se a mesma inalterável, há que apreciar das questões subsequentes.

**

ii)      DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.

a) A REGULARIDADE DA NOTIFICAÇÃO DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS E DA TEMPESTIVIDADE DA PROPOSITURA DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR

Decorre do disposto nos artigos 1431º e nºs 1 e 2 e 1432º, ambos do Código Civil, que a assembleia de condóminos é convocada, designadamente pelo administrador do condomínio, por meio de carta registada, enviada com 10 dias de antecedência, ou mediante aviso convocatório feito com a mesma antecedência, desde que haja recibo da recepção assinado pelos condóminos, devendo constar da convocatória o dia, hora, local e ordem de trabalhos da reunião e informar sobre os assuntos cujas deliberações só podem ser aprovadas por unanimidade dos votos.

E, resulta dos nºs 6 a 8 do mesmo normativo, que as deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada com aviso de recepção, no prazo de 30 dias, tendo esses condóminos o prazo de 90 dias, após a recepção da aludida carta registada, para comunicar, por escrito, à assembleia de condóminos o seu assentimento ou discordância e sendo o seu silêncio considerado como aprovação da deliberação regularmente comunicada.

Acresce que, decorre do artigo 380º, nº 1 ex vi do artigo 383º do nCPC, que o condómino pode requerer, no prazo de 10 dias, a suspensão da execução de qualquer deliberação da assembleia de condóminos de prédios sujeitos ao regime de propriedade horizontal, anuláveis por contrárias à lei ou a regulamento anteriormente aprovado.

Invocam os requeridos/apelantes que o requerente teve conhecimento da convocatória para a Assembleia de Condóminos, realizada no dia 1 de Fevereiro de 2013, como também que lhe foi dado conhecimento do que ali foi deliberado, em Março de 2013.

                        Provou-se que, no caso vertente, no condomínio aqui em causa, se tem vindo a assumir uma forma diversa de dar conhecimento aos condóminos da realização das respectivas assembleias, i.e., desde 2005 vinha sendo prática entre, pelo menos, boa parte dos condóminos, proceder às convocatórias e demais notificações através de depósito na caixa postal de cada um dos condóminos e a própria informação/notificação ser afixada do átrio do prédio (vitrine – doc. 2) e dentro das duas cabines dos elevadores, e que, após a realização da assembleia e a elaboração da acta, esta era depositada na caixa de correio de todos os condóminos que estiveram ausentes, sem excepção – v. Nºs 15 e 18 da Fundamentação de Facto.

                        Porém, ainda que se não tenha provado, por falta de alegação, que o requerente haja antes manifestado qualquer discordância quanto à forma como eram efectivadas as convocatórias para a realização das assembleias de condóminos, sendo, portanto, o não envio de carta registada com aviso de recepção, uma mera formalidade, a verdade é que não se provou que o administrador do condomínio haja dado observância ao disposto no nº 6 do artigo 1432º do C.C., comunicando, de forma expressa e pessoal - como cumpriria - as deliberações que foram tomadas na assembleia aqui em causa, ao requerente, que nela não esteve presente.

O que resultou apurado foi que, em 22 de Outubro de 2013, foi enviada, por correio electrónico, para Estevão Salvação, a cópia da acta de deliberação da Assembleia de Condóminos realizada no dia 1 de Fevereiro de 2013 – v. Nº 2 da Fundamentação de Facto e doc. fls. 65 a 68.

Ora, considerando que o procedimento cautelar foi interposto, na sequência do despacho de indeferimento liminar do requerimento inicial de anterior procedimento cautelar de suspensão de deliberação do condomínio, proferido em 01.11.2013, forçoso é concluir que não se mostra extemporânea a apresentação da presente suspensão da deliberação da assembleia de condóminos, não tendo, portanto, caducado o direito que o requerente pretende exercitar com este procedimento cautelar.

Improcede, por conseguinte, o que a este propósito consta da alegação dos apelantes (CONCLUSÕES   xxii. a xxx ).  

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b) OS REQUISITOS DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DAS DELIBERAÇÕES DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS

A suspensão de deliberações sociais constitui uma providência específica que permite antecipar os efeitos derivados da sentença declarativa de nulidade ou de anulabilidade da deliberação social, obstando à execução de uma deliberação formal ou substancialmente inválida e que poderia ter repercussões negativas do sócio ou da pessoa colectiva. Exerce, assim, uma função instrumental relativamente à necessária acção de invalidade da deliberação social, constituindo o meio de acautelar a utilidade prática da sentença de anulação contra o risco de duração do respectivo processo.

Estando em causa uma deliberação da assembleia de condóminos anulável, por contrária à lei ou a regulamento aprovado, qualquer condómino que a não tenha aprovado pode requerer que a sua execução seja suspensa, justificando a sua qualidade de condómino e mostrando que essa execução lhe pode causar um dano apreciável.

São, pois, requisitos cumulativos da providência cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos e que são constitutivos do direito do requerente, nos termos do artigo 380º ex vi do artigo 383º, ambos o Código de Processo Civil:

i) A ilegalidade da deliberação.

ii) A qualidade de condómino.

iii) A probabilidade da ocorrência de dano apreciável decorrente da execução da deliberação inválida, que deverá ser igual ou superior ao que decorrerá da suspensão da deliberação.

Reconhece a lei um conceito amplo de invalidade que abrange tanto as deliberações anuláveis, tanto por desconformidade com a lei, como com o regulamento de condomínio aprovado.

A execução da deliberação cuja suspensão se peticiona neste procedimento cautelar consiste na obra de encerramento definitivo da conduta do lixo do prédio e da respectiva instalação de recolha na cave do edifício.

Tendo em consideração a forma como está concebida a conduta do lixo, partindo do interior de cada uma das fracções que integra o prédio aqui em causa – v. Nº 5 da Fundamentação de Facto –a mesma não pode deixar de se considerar uma parte comum do edifício, sendo que nestas, nos termos do nº 2 do artigo 1425º do C.C., não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns.

A deliberação da assembleia de condóminos, realizada em 1 de Fevereiro de 2013, foi tomada com votos representativos de 544,74 da permilagem do prédio, inferior à maioria de dois terços – v. Nº 10 da Fundamentação de Facto.

Uma vez que se tem entendido que apenas exige a lei um juízo de mera probabilidade, equivalente à verificação perfunctória (fumus boni juris) de que o requerente, na qualidade de condómino, é titular de um direito aparente, consideram-se verificados os dois primeiros requisitos.

                        A expressão dano apreciável, que integra o terceiro requisito, traduz-se num conceito indeterminado, carecido de densificação através da alegação e comprovação de factos de onde possa extrair-se a conclusão de que a execução da deliberação acarretará um prejuízo significativo, de importância relevante.

O dano apreciável é o dano visível, de aparente dignidade, estimável, mas não o dano irreparável, insusceptível de compensação, já que não se exige que estejam evidenciados danos irreparáveis e de difícil reparação, como sucede no procedimento cautelar comum.

                        Todavia, não dispensou a lei a verificação de danos, nem prescindiu da demonstração, em concreto, de um certo perigo de ocorrência de consequências prejudiciais, impondo ao requerente o ónus de convencer o tribunal de que a suspensão da deliberação é condição essencial para impedir a verificação de um dano apreciável.

Por outro lado, constitui entendimento dominante que o dano a evitar com a providência é o decorrente da demora do processo de anulação da deliberação social, e não o resultante directamente desta.

Ora, tendo em consideração que se provou que:

Ø o requerente tem 86 anos e reside na fracção autónoma “J” do prédio em causa, com a sua esposa, de 82 anos, e que ambos padecem de problemas de saúde que limitam a respectiva mobilidade e a capacidade para efectuarem esforços físicos.

Ø O encerramento da conduta do lixo implica necessariamente que o requerente e a sua esposa passem a ter de carregar o seu lixo doméstico até à cave do edifício para o depositar em contentores ou, em alternativa, teriam de transportar os seus lixos domésticos até ao contentor público mais próximo, o qual se situa junto à via pública.

E que,


Ø A conduta de lixo se encontra em condições de funcionar  - v. Nºs 1, 3, 4, 8, 11, 12 e 13 da Fundamentação de Facto - entende-se que se encontra igualmente verificado o terceiro requisito, tanto mais que não se provou que a suspensão da execução da deliberação comporte dano superior ao que com ela se pretende evitar.

Como se refere – e bem – na sentença recorrida encontrando-se a conduta em condições de funcionar validamente, basta que se alertem e sensibilizam os condóminos para os cuidados a manter de modo a não entupi-la.

Constitui ainda requisito, negativo da providência, que as deliberações a suspender não estejam executadas, uma vez que a procedência do procedimento cautelar pressupõe que o titular do direito se encontre perante simples ameaças. Se a lesão do direito já está consumada, a providência não tem razão de ser, uma vez que não há prejuízo a evitar ou a acautelar.

                        In casu, essa situação inexiste, já que se provou que a execução da obra de encerramento da conduta do lixo, em conformidade com a deliberação aqui em causa, ainda não está executada - v. Nº 9 da Fundamentação de facto.

Encontrando-se preenchidos todos os requisitos cumulativos da providência cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos, improcede, portanto, também nesta parte, a apelação (CONCLUSÕES   xxxii. a xxxvii ).  

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c) DA FIGURA JURÍDICA DA INVERSÃO DO CONTENCIOSO

                        O novo Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/06 estabelece, no artigo 369.º, sob a epígrafe a “Inversão do contencioso” que:

1 — Mediante requerimento, o juiz, na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da ação principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio.
2 — A dispensa prevista no número anterior pode ser requerida até ao encerramento da audiência final; tratando-se de procedimento sem contraditório prévio, pode o requerido opor-se à inversão do contencioso conjuntamente com a impugnação da providência decretada.
3 — (…).

Através deste normativo, em vez de se permitir a  convolação  ex officio da tutela cautelar numa tutela definitiva, possibilita a lei que, no procedimento cautelar, que tem natureza instrumental e provisória, o requerente da providência, verificadas certas condições, seja dispensado do ónus de propositura da acção principal, destinada a confirmar a tutela cautelar, atribuindo-se ao requerido o ónus de instaurar uma acção de impugnação, com a finalidade de obstar à consolidação da providência decretada.

São dois os pressupostos cumulativos para que o requerente seja dispensado do ónus de propor a acção principal:

a) a matéria adquirida no procedimento permita ao juiz formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado;

b) a natureza da providência decretada seja adequada a realizar a composição definitiva do litígio.

 Importa, portanto, que no procedimento cautelar seja produzida prova suficiente para que se forme convicção segura sobre a existência do direito, não havendo razões para que não se resolva a causa de modo definitivo.

Como esclarece CARLOS LOPES DO REGO, Os princípios orientadores da Reforma do Processo Civil, Revista Julgar, nº 16, 109 “o juiz só decretará a inversão do contencioso quando o grau de convicção que tiver formado ultrapassar o plano do mero fumus bonus juris, face nomeadamente à amplitude e consistência da prova produzida e à evidência do direito invocado pelo requerente (...) e entender - ponderadas as razões invocadas pelas partes – que a composição de interesses alcançada a nível cautelar pode servir perfeitamente como solução definitiva para o litígio”.

Ora, ainda que dúvidas se pudessem suscitar sobre a questão de saber se a composição dos interesses alcançada neste procedimento cautelar permitiria resolver de modo definitivo o litígio, a verdade é que está vedado ao julgador aplicar ex officio o instituto da inversão do contencioso, já que a sua aplicação pressupõe o requerimento da parte interessada, como decorre do nº 2 do artigo 369º do CPC, possibilitando, desta forma, à parte contrária, deduzir oposição a essa pretensão.

                        Define-se, por isso, no aludido normativo, não só as condições em que a inversão do contencioso pode ser decretada, como também até que momento temporal o mesmo pode ser requerido - até ao encerramento da audiência final - podendo o requerido, no caso de procedimento sem prévio contraditório, opor-se à inversão do contencioso conjuntamente com a impugnação da providência decretada.

Não constando, no caso vertente, nem do requerimento inicial apresentado pelo requerente, nem resultando dos autos que este haja formulado tal pedido, posteriormente, no decurso do procedimento cautelar, impedida estava a Exma. Juíza do Tribunal a quo de determinar a inversão do contencioso, imputando aos requeridos o ónus da propositura da acção de impugnação com a finalidade de obstar à consolidação da providência decretada.

Ora, tendo o requerente efectuado o pedido de suspensão da deliberação da assembleia de condóminos, como preliminar da futura acção e, não obstante o mesmo haja sido julgado procedente, sempre caberá ao requerente o ónus de propor a acção principal, sob pena de caducidade da decretada providência, com as consequências legais.

E, assim sendo, a apelação terá de proceder, parcialmente, razão pela qual se revoga a sentença recorrida, na parte em que se determina, ao abrigo da inversão do contencioso, que recairá sobre os requeridos o ónus de propositura da acção principal, não se dispensando, por isso, o requerente da propositura da acção principal.

Confirma-se, no mais, a decisão recorrida, maxime no que concerne ao decretamento da suspensão da deliberação da assembleia de condóminos.

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Apelantes e apelado serão responsáveis pelas custas, na proporção de 2/3 e 1/3, respectivamente, nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Novo Código de Processo.

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IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida, na parte em que se dispensa o requerente/recorrido da propositura da acção principal, mantendo-se, no mais, a decisão recorrida.

Condenam-se apelantes e apelado no pagamento das custas, na proporção de 2/3 e 1/3, respectivamente.

Lisboa, 20 de Novembro de 2014

Ondina Carmo Alves - Relatora

Eduardo José Oliveira Azevedo

Olindo dos Santos Geraldes