Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1208/16.2T8BRR-C.L1-6
Relator: MANUEL RODRIGUES
Descritores: RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A resolução em benefício da massa insolvente, traduzida na destruição de actos prejudiciais à massa insolvente, visa proteger a garantia patrimonial dos credores através da reconstituição do património do devedor.

A carta resolutiva, sob pena de nulidade, deverá conter os factos concretos essenciais que revelem as razões invocadas como fundamento para a destruição do negócio e permitam ao destinatário (terceiro) da declaração a sua posterior impugnação através da acção prevista no artigo 125º do CIRE.

Este (terceiro) tem de conhecer previamente os concretos factos ou fundamentos invocados para o exercício do direito potestativo de resolução, pois a acção de impugnação visa apenas a negação dos factos invocados para fundamentar a resolução operada pelo Administrador de Insolvência, não podendo o impugnante ser surpreendido com factos essenciais ou fundamentos novos, com que se pretenda suprir as deficiências da declaração de resolução.

A acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente prevista no artigo 125º do CIRE é uma acção de simples apreciação ou declaração negativa, visando a demonstração da inexistência ou da não verificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo Administrador da Insolvência na carta resolutiva, pelo que impende sobre este o ónus da prova da verificação dos pressupostos da resolução operada, como constitutivos do direito que se arroga (art.º 343.º, n.º1, do Código Civil), cabendo à impugnante, autora, o correspondente ónus de contraprova (art.º 346.º do Código Civil).

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRELATÓRIO:


1.C... Lda., pessoa colectiva n.º 503904 775, intentou, em 20/01/2017,  acção de impugnação de resolução contra a Massa Insolvente de P... CRL (adiante designada por “Massa Insolvente”), pessoa colectiva n.º 506 509 036, peticionando: (a) que seja declarada a ineficácia da resolução, a que procedeu o Administrador da Insolvência (AI), da adjudicação à Autora, em processo de execução fiscal, de prédio misto que foi propriedade da Insolvente; (b) ou, caso assim não se entenda, que seja reconhecido à Autora o direito de recusar a entrega do bem adquirido, nos termos do disposto no artigo 428º do Código de Processo Civil (CPC).

Fundamenta a Autora a sua pretensão, em síntese, na invalidade ou ineficácia da resolução operada, por: (i) omissão da indicação de factos na comunicação de resolução operada pelo AI, que permitam concluir pela prejudicialidade da adjudicação (venda) e pela existência de má-fé por parte da Autora, requisitos legalmente impostos para a admissibilidade da resolução em benefício da massa insolvente; (ii) inexistência de prejudicialidade na venda, considerando que foi feita em processo de execução fiscal, por meio de leilão electrónico, que a Direcção de Finanças de Setúbal observou escrupulosamente os critérios legais na determinação do valor mínimo de licitação, que a proposta apresentada pela Autora e aceite foi a mais elevada e ultrapassou os limites mínimos exigidos e o produto da venda destinou-se ao pagamento de um crédito (privilegiado) de que era credora a Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a agora Insolvente, crédito que sempre haveria de lhe ser pago com preferência sobre os restantes credores; (iii) inexistência de má-fé, porque a Autora, à data da celebração do negócio resolvido, não tinha conhecimento do carácter prejudicial do acto e de que a Parcoop se encontrava em situação de insolvência iminente, nem do início do processo de insolvência.

Subsidiariamente, alega que o AI deveria ter declarado, aquando da resolução e pedido de entrega do bem em causa, que estava em condições de restituir à Autora o preço recebido, ou seja, a quantia de 101.111,11€ e que, não o tendo feito, não tem o direito de resolver o negócio (adjudicação do imóvel) e outrossim assiste à Autora o direito a recusar a entrega do imóvel adquirido, nos termos do disposto nos artigos 428º e 432º, n.º 2, do Código Civil (CC).

A Massa Insolvente apresentou contestação, argumentando, em substância, que a venda, nos termos em que foi efectuada, diminuiu a satisfação dos credores da insolvência, por ser notório o reduzido valor da mesma, que a Autora pagou 0,37€ por cada m2 de terreno e o valor de mercado é de 140,00€ m2 para terrenos sem qualquer capacidade edificativa. E que, quando ocorreu a venda, encontrava-se em curso o processo de insolvência da P…, proprietária do imóvel em questão, circunstância que havia sido comunicada ao Serviço de Finanças do Montijo, factos estes que indiciam uma consciente intenção de, através da referida venda e das circunstâncias ali previstas, beneficiar a ora Autora, empresa cujo objecto social é a prestação de serviços e consultoria no âmbito do sector imobiliário (…) e que a Autora, conhecedora da iminência da insolvência, e perante a enorme discrepância entre o preço de venda e o preço real de mercado, não podia desconhecer a prejudicialidade daquela venda.

Termos em que concluiu pela improcedência da acção e absolvição da Ré do pedido, declarando-se a eficácia da resolução e condenando-se a Autora a restituir o imóvel em causa à Ré Massa Insolvente.

A Autora respondeu à contestação, mantendo a posição assumida na petição inicial.

A audiência prévia realizou-se na ausência da Ré, aqui Recorrente, e do seu mandatário, por não terem comparecido ao acto, apesar de regularmente convocados para o efeito, tendo, então, sido facultado ao mandatário da Autora, aqui Recorrida, a discussão de facto e de direito por se tencionar conhecer imediatamente do mérito da causa - cf. acta de fls. 52-53 (referência 366671939) e item I. do saneador-sentença, a fls. 54 e segs. (referência 366707051).

Posteriormente, 07-06-2017, foi proferido saneador-sentença onde se decidiu julgar a acção totalmente procedente, por provada, e declarar inválida e ineficaz a resolução em benefício da massa insolvente operada pelo Administrador de Insolvência.

2.Inconformada, a Ré Massa Insolvente recorreu para este Tribunal da Relação, e, alegando, formulou as seguintes conclusões:
A.- Na sua análise, o Tribunal a quo cometeu os erros evidentes de conceptualização, que originou uma visão errónea sobre a actuação da Apelante nos presentes autos.

B.- Designadamente, na sua análise desatendeu as datas, dos factos provados:
“3.- A insolvência de P... CRL foi requerida em 13 de Abril de 2016, tendo a requerida sido citada em 3 de Junho de 2016.
5.-No âmbito do processo executivo n.º 2194200901030884, instaurado pelo Serviço de Finanças do Montijo, contra P… CRL, foi penhorado o prédio misto, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º 2173 e na matriz cadastral rústica sob o artigo 2 da secção G, da união das freguesias de Baixa da Banheira e Vale da Amoreira, concelho da Moita, e procedeu-se, em 18 de Abril de 2016, à venda do mesmo, na modalidade de leilão electrónico.
7.- O título de transmissão do imóvel em causa foi emitido em 3 de Maio de 2016.”

C.-Nos presentes autos, existem duas questões essenciais a “limitação do escopo da resolução a actos praticados pelo insolvente”, com esta conexionada “a resolução dos actos omissivos pelo insolvente” e a necessidade de preencher o requisito da má-fé na resolução condicional.
D.-Nos termos do n.º 1 do art.º 120º do CIRE são resolúveis todos os actos ou omissões que sejam prejudiciais à Massa Insolvente nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.
E.-O negócio resolvido consiste na alienação de um imóvel no âmbito de uma execução fiscal, entendendo o Tribunal a quo que tal alienação constitui um acto de terceiro, logo irresolúvel.
F.-Nos termos do ordenamento jurídico nacional, designadamente do art.º 834º do CC, apesar da natureza coactiva da venda, o vendedor é o executado/insolvente e não o tribunal ou o exequente/Autoridade Tributária.
G.-O vendedor, como sujeito material do negócio, é o executado e o tribunal/ Autoridade Tributária é apenas o sujeito formal, que actua, não como representante do executado, mas no uso do seu poder de jurisdição executiva, sem qualquer modificação na natureza do contrato de compra e venda.
H.-Na verdade, na execução, o tribunal/Autoridade Tributária não vende no exercício do poder originariamente pertencente ao credor ou ao devedor, mas no exercício de um poder autónomo imanente à própria essência da função judiciária.
Acresce que, no acto de resolução não estando em causa a legalidade do acto de disposição, mas a protecção dos credores do insolvente, nada obsta que um acto de disposição por via judicial seja, prejudicial para os credores do insolvente, e como tal objecto de resolução, na condição que este obedeça aos requisitos do art.º 120º do CIRE, seja prejudicial e haja má-fé do adquirente.
I.-Pelo que ao excluir os actos praticados pelo Serviço de Finanças, no âmbito da execução fiscal, o Tribunal a quo compromete a capacidade resolutiva dos Administradores da Insolvência, mesmo quando os mesmos são prejudiciais e existe má-fé dos seus intervenientes.
J.-Aliás, tal fundamento originaria que um bem vendido pelo insolvente poderia ser objecto de resolução, e uma venda judicial nas mesmas condições não poderia ser objecto de igual medida.
K.-Mesmo que assim não se entendesse, o acto de alienação, prejudicial aos credores da insolvente, produziu-se por uma conduta omissiva da insolvente, que não defendeu o valore real do bem.
L.-Na resolução em benefício da Massa Insolvente permite-se a “destruição de actos prejudiciais a esse património” para que os bens se mantenham na titularidade do insolvente e para reintegrar aqueles que nela se manteriam não fossem determinados actos omitidos pelo insolvente, como resulta do n.º 4 do art.º 120º do CIRE
M.-A venda impugnada não teve a oposição do insolvente, pelo que, o património da insolvente viu-se reduzido pela omissão da insolvente ao permitir que o seu único imóvel fosse vendido por um valor simbólico em prejuízo dos demais credores sociais.
N.-Pelo que também aqui, atendendo à grave conduta omissiva da insolvente, o negócio era resolúvel pela omissão praticada, atendendo ao disposto no art.º 120º do CIRE.
O.-Da conjugação do estabelecido nos artigos 120.º e 121.º do CIRE decorre que, no plano dos pressupostos, a resolução em benefício da massa insolvente pode reconduzir-se a uma de duas modalidades, sendo que a resolução condicional, quando o acto visado tenha ocorrido mais de um ano e até dois anos antes do início do processo de insolvência, cujos pressupostos gerais, previstos no artigo 120.º, consistem na prejudicialidade do acto para a massa insolvente e na má fé do terceiro beneficiado.
P.-Nos termos do n.º 1 do art. 120.º do CIRE, “podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência”, acrescentando o n.º 4 do mesmo artigo que a resolução pressupõe a má-fé do terceiro.
Q.-Quanto à má-fé, nos termos do n.º 5, o legislador fez correspondê-la ao conhecimento, à data do acto, pela pessoa com quem o mesmo foi praticado, de qualquer das seguintes circunstâncias: iii) do início do processo de insolvência.
R.-A tendência maioritária da jurisprudência é no sentido de entender que o ónus da prova dos pressupostos da resolução (a prejudicialidade e a má fé) recai sobre a ré massa insolvente.
S.- Pelo que salvo o devido respeito, o Tribunal a quo mal andou ao questionar a afirmação do conhecimento pela Apelada do início do processo de insolvência.
T.-Atendendo que este constitui um dos factos essenciais para eficácia da resolução, designadamente o preenchimento do pressuposto da má-fé, U. E ao entender de forma distinta, também aqui o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 5 do art.º 120º do   CIRE º.”
Termos em que a Ré pugnou pela revogação da decisão recorrida.

3. Nas suas contra-alegações, a Autora pugnou pela manutenção da decisão recorrida, e formulou as seguintes conclusões:
A)- Não merece censura a decisão do Tribunal a quo ao ter considerado que “não está em causa um acto praticado pela Insolvente, mas sim a aquisição de um bem desta por terceiro na sequência de um acto praticado pela Autoridade Tributária no âmbito de uma execução fiscal (neste caso, a venda na modalidade de leilão eletrónico”.
B)- Para que seja admissível a resolução em benefício da massa insolvente é exigível que o ato tenha sido praticado pelo vendedor (ora Insolvente) sob o seu controle ou domínio, não basta que o executado seja o vendedor.
C)- Na presente adjudicação não há dúvidas que o domínio ou controle da operação e decisão de compra e venda foi da Autoridade Tributária, enquanto entidade responsável pela direção do processo executivo, conforme assume a Recorrente e resulta do acórdão por esta indicado nas suas alegações, o que obsta a resolução do negócio em benefício da massa insolvente.
D)- Invoca a Recorrente que o negócio seria sempre suscetível de ser resolvido face à omissão da Insolvente. Contudo, olvida-se que com a atual redação do art. 120.º do CIRE, a omissão apenas é fundamento de resolução nas situações previstas no seu n.º 4 , i.e., quanto a “actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.”.
E)- Não invoca a Recorrente qualquer participação ou aproveitamento de pessoa especialmente relacionada com o insolvente, o que inviabiliza, de imediato, tal fundamentação.
F)- A pretensa omissão da Insolvente, enquanto fundamento da resolução, apenas foi invocada pela Recorrente em sede de alegações de recurso, o que torna tal fundamentação inadmissível.
G)- Mesmo que se admitisse a omissão como fundamento para a resolução, é certo que, in casu, a mesma não ocorreu, tanto assim é que a Recorrente não menciona que tipo de omissão alegadamente ocorreu, ou que ato concreto estava a Recorrente/Insolvente obrigada a praticar e não praticou.
H)- Na eventualidade de ser revogada a decisão do Tribunal a quo, o que não se concebe nem concede, teria de ser sempre ordenada a descida do processo para que a Recorrente pudesse provar os factos que demonstram a verificação dos requisitos previstos no art.º 120.º CIRE.
I)- Contudo, a Recorrente, aparentemente, esquece-se que na carta de resolução enviada pelo Sr.º Administrador de Insolvência se limitou a invocar juízos meramente conclusivos e valorativos, com o propósito de justificar (de forma totalmente desordenada) a existência de fundamentos para a resolução do negócio em beneficio da massa insolvente.
J)- Posteriormente, na sua contestação a Recorrente apercebendo-se da falta de factos concretos e da inexistência dos requisitos para a resolução do negócio, procurou suprir as deficiências da declaração da resolução.
K) Contudo fê-lo de forma totalmente desorganizada e infundada, limitando-se, mais uma vez, a invocar juízos meramente conclusivos e factos inaptos a sustentar a sua pretensão, com a agravante de que a deficiência/ausência de fundamentação do acto, não podia, nem pode, ser suprida em sede de contestação à acção de impugnação, como o Recorrente aparentemente pretende.
L)- Neste enquadramento, atendendo que a Recorrente não alegou factos que permitam concluir pela verificação dos requisitos para a admissibilidade da resolução, depararíamos sempre com um obstáculo inultrapassável, no caso de revogação da decisão do Tribunal a quo, que determinaria inevitavelmente a procedência da impugnação da resolução.”

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II–QUESTÕES A RESOLVER:

Em face do disposto nos artigos 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1, ambos do CPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608, n.º 2., “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (cfr., entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/09/2007 (proc. n.º 07B2113) e de 08/11/2007 (proc. n.º 07B3586), consultáveis em www.dgsi.pt.

Assim, as questões essenciais a resolver são as seguintes:
1ª- A eficácia ou ineficácia da carta de resolução, o mesmo é dizer se a comunicação enviada pelo Administrador de Insolvência contém todos os elementos necessários e suficientes para se operar a resolução condicional da venda judicial em apreço nos presentes autos, nos termos do artigo 120º do CIRE?[1]
2ª- Estavam ou não reunidos os pressupostos que habilitavam o Tribunal “a quo” a conceder procedência à acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente?

III– FUNDAMENTAÇÃO:

A) OS FACTOS
No saneador-sentença recorrido referiu-se como provada, com interesse para a decisão da causa, o seguinte:
1.- P... CRL, com o NIPC 506509036, foi declarada insolvente por sentença proferida no dia 1 de Agosto de 2016, transitada em julgado.
2.- A referida sentença foi objecto de publicidade no portal Citius no dia 2 de Agosto de 2016.
3.- A insolvência de P... CRL foi requerida em 13 de Abril de 2016, tendo a requerida sido citada em 3 de Junho de 2016.
4.- O sr. administrador da insolvência remeteu a C... Lda., em 31 de Outubro de 2016,  que a recebeu, carta registada com aviso de recepção, do essencial do seguinte teor: “(…) António Pessoa Filho, administrador da insolvência (…) vem nos termos do artigo 120.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, resolver, em benefício da massa insolvente, a venda realizada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2194200901030884, que correu termos no serviço de finanças do Montijo no passado dia 18 de Abril de 2016, referente ao prédio misto, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º 2173 e na matriz cadastral rústica sob o artigo 2 da secção G, da união das freguesias de Baixa da Banheira e Vale da Amoreira, concelho da Moita. A supra citada venda, nos termos em que foi celebrada, diminuiu a satisfação dos créditos dos credores da insolvência, porquanto reduziu significativamente o valor pelo qual o imóvel foi vendido, representando, por essa via, um acto prejudicial à massa insolvente, nos termos do n.º 2 do art. 120.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. É este facto especialmente notório considerando o reduzido valor de venda que foi fixado para o imóvel em questão, o que, aliado à circunstância de aquando ocorreu a referida venda encontrava-se já em curso o pedido de insolvência da sociedade P... CRL, detentora do imóvel em questão. Todos estes factos indiciam uma consciente intenção de, através da referida venda e das circunstâncias ali previstas, beneficiar V.ª Exas. numa fase em que já era conhecida a insolvência da P... CRL, o que é revelador de uma verdadeira actuação de má fé.”
5.- No âmbito do processo executivo n.º 2194200901030884, instaurado pelo Serviço de Finanças do Montijo, contra P... CRL, foi penhorado o prédio misto, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º 2173 e na matriz cadastral rústica sob o artigo 2 da secção G, da união das freguesias de Baixa da Banheira e Vale da Amoreira, concelho da Moita, e procedeu-se, em 18 de Abril de 2016, à venda do mesmo, na modalidade de leilão electrónico.
6.- O referido imóvel veio a ser adjudicado à A., pelo valor de € 101.111,11, por se tratar da proposta mais elevada, tendo o preço sido depositado, bem como pagos os impostos legalmente devidos.
7.- O título de transmissão do imóvel em causa foi emitido em 3 de Maio de 2016.
8.- À data da transmissão o imóvel estava inscrito na matriz urbana com o valor patrimonial de € 137.990 e na matriz rústica com o valor de € 1.716,86.».

B) Os factos e o Direito:
1.- Pediu a Autora, sob a alínea a), que a resolução em benefício da Massa Insolvente praticada pelo Senhor Administrador de Insolvência fosse declarada ineficaz, por infundada.
2.- No saneador-sentença, o Tribunal “a quo”, depois de discorrer sobre os requisitos legais da resolução condicional e de analisar a comunicação de resolução do Sr. Administrador de Insolvência concluiu que a mesma não é nula, está suficientemente fundamentada mas que, no caso vertente, ao contrário do que se sustenta na referida comunicação, não se mostram verificados os requisitos necessários à resolução, por considerar que o acto objecto de resolução (venda judicial) não constitui a prática de uma acto imputável ao insolvente e por isso não é passível de resolução, que a alegada diferença entre o valor patrimonial do imóvel e o valor do negócio, só por si, não permitem concluir pela má-fé do terceiro (Autora), pressuposto da resolução, e por desconsiderar a referência feita na declaração de resolução à pendência do processo de insolvência aquando da venda judicial e ao conhecimento de tal circunstância por parte da Autora.

3. Vejamos então:
O processo de insolvência é um processo de execução universal e concursal - artigo 1º do CIRE - visando, primordialmente, a liquidação do património do devedor em benefício credores que serão pagos à custa da liquidação da massa insolvente que, nos termos do artigo 46º, nº1, do CIRE, se destina “à satisfação dos credores da insolvência”.
Porque na iminência da falência podem ser praticados actos que redundem em prejuízo dos credores, a lei insolvencial confere ao administrador da insolvência o direito de os resolver em benefício da massa insolvente, logo em benefício da generalidade dos credores que devem ser tratados igualmente.
Segundo GRAVATO MORAIS, inResolução em Benefício da Massa Insolvente”, Almedina, 2008, pág. 47: “Os actos resolúveis não se configuram, nem são havidos, como actos inválidos, seja do ponto de vista formal, seja sob o prima substancial, atendendo naturalmente à inexistência de vícios que os afectem…Do que se trata aqui é de, em razão de interesses supremos da generalidade dos credores da insolvência, sacrificar outros interesses havidos como menores (os de que contratam com o devedor insolvente e, eventualmente, os de que negoceiam com aqueles, portanto todos os terceiros em relação ao devedor insolvente) em função do empobrecimento patrimonial daqueles credores, por via da prática de actos num dado período temporal, designado como suspeito, que precede a situação de insolvência”.
A resolução, em benefício da massa insolvente, pode ser condicional, como no caso vertente – art.º 120º do CIRE ou incondicional, nos casos taxativamente previstos no art.º 121.º do mesmo diploma.

O artigo 120º do CIRE, na redacção aplicável, que é a dada pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, estabelece:
“1.- Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
2.- Consideram-se prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.
3.- Presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prove em contrario, os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos dora dos prazos aí contemplados.
4.- Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má-fé do terceiro, a qual se presume quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.
5.- Entende-se por má-fé o conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias:
a)- De que o devedor se encontra em situação de insolvência;
b)- Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontra à data em situação de insolvência iminente;
c)- Do início do processo de insolvência.
(…)».

Por sua vez, o artigo 123º do CIRE dispõe:
“1. A resolução pode ser efectuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de recepção nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.
2. Enquanto, porém, o negócio não estiver cumprido, pode a resolução ser declarada, sem dependência de prazo, por via de excepção.”
No n.º 1 do artigo 120º do CIRE vem identificado o objecto da resolução (condicional) em benefício da massa insolvente: actos prejudiciais à massa insolvente. No seu n.º 2, o legislador refere que “se consideram prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência”.
O legislador adoptou uma formulação genérica e indeterminada do conceito de actos prejudiciais no n.º 1 do artigo 120º do CIRE, não enunciando à partida os concretos actos que deveriam ser sujeitos a resolução em benefício da massa mas optando por uma cláusula geral ou por um conceito-tipo no seu n.º 2.
Por conseguinte, poderá ser objecto de resolução em benefício da massa “todo o tipo de cenários susceptíveis de causar «prejuízo» e, portanto, todos os actos que possam estar incluídos no âmbito do n.º 2 do artigo 120º., sito é, que possam diminuir, frustrar, dificultar, pôr em perigo ou retardar a satisfação dos créditos dos credores da insolvência.
O pressuposto temporal é igualmente decisivo para o surgimento do direito à resolução em benefício da massa. O prazo de quatro anos previsto na versão original do n.º 1 do artigo 120º foi encurtado para dois anos com a Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, denotando uma opção claro do legislador pela celeridade na conformação das situações jurídicas e pela segurança jurídica, em detrimento dos interesses dos credores.
Refira-se, ainda, que a lei não exige que, no momento da prática do acto, o devedor se encontre em situação de insolvência.
Pressupostos para a resolução em benefício da massa são o carácter prejudicial do acto para a satisfação dos interesses dos credores e a realização ou omissão no período estabelecido na lei (nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência).
Demonstrados estes dois requisitos, é irrelevante a alegação da contraparte de que o devedor não se encontrava em situação de insolvência para efeitos de determinação do carácter prejudicial do acto. Essa demonstração apenas poderá ser relevante para a determinação da actuação de boa-fé ou má-fé do terceiro.
Para além da prejudicialidade objectiva constitui requisito geral da resolução condicional a má-fé do terceiro, nos termos da primeira parte do n.º 4 e do n.º 5 do artigo 120º do CIRE.
O legislador enumera, no n.º 5 do artigo 120º do CIRE, três circunstâncias que concretizam o conceito de má-fé constante do n.º 4 do mesmo preceito.
Nos termos do normativo mencionado, considera-se de má-fé o terceiro que, à data do acto, tenha tido conhecimento de uma das seguintes circunstâncias: a) da situação de insolvência em que o devedor se encontrava; b) do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava em insolvência iminente; c) do início do processo de insolvência.
No que diz respeito à primeira circunstância, está em causa não uma situação de insolvência declarada, mas uma situação de insolvência de facto actual, em que se verifica uma impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas (artigo 3º, n.º 1), e/ou qualquer dos indícios previstos nas alíneas do n.º 1 do artigo 20º. No entanto, apesar da insolvência não constituir pressuposto para a concretização do carácter prejudicial dos actos praticados ou omitidos pelo devedor, o seu conhecimento efectivo será determinante para a qualificação da conduta do terceiro como de má-fé.
No que concerne à segunda circunstância, deve considerar-se que estará de má-fé o terceiro que tivesse conhecimento de que o acto praticado ou omitido iria causar prejuízo aos credores, provocando a diminuição da garantia patrimonial ou a violação da par conditio creditorum. Relativamente à circunstância cumulativa de insolvência iminente ela tem de ser entendida como a situação em que o devedor revele já alguns sintomas da insolvência.
A terceira circunstância – início do processo de insolvência – refere-se ao momento da apresentação do requerimento para a declaração de insolvência do devedor.[2]  
   
4. Face a estas considerações, vejamos o caso dos autos que respeita à resolução extrajudicial de uma adjudicação/venda judicial de um imóvel (prédio misto), realizada no âmbito de um processo de execução fiscal, por meio de leilão electrónico.         

4.1. Da eficácia ou ineficácia da carta de resolução (1ª questão):
4.1.1.- Como se pondera no Acórdão da Relação de Coimbra, de 04-04-2017, proc.º n.º 104/14.2TBCDR.F.C1 (António Carvalho Martins), acessível em www.dgsi.pt.:
«Sobre a fundamentação da declaração de resolução em benefício da massa insolvente, divisam-se na jurisprudência duas orientações:
Uma, mais rigorosa, na esteira do entendimento firmado no Acórdão do STJ de 17.09.2009 [acessível em www.dgsi.pt, tal como todos os Acórdãos adiante citados.], no sentido de que o administrador tem de indicar os concretos factos fundamento da resolução; só dessa forma está o impugnante em condições de impugnar a resolução, não podendo a deficiência de fundamentação do acto ser suprida em sede de contestação à acção de impugnação, com indicação de novo quadro factual ou outros vícios. “A impugnação visará a negação dos factos invocados pelo administrador para fundamentar a resolução que extrajudicialmente declarou" [Acórdão da Relação do Porto de 26.11.2012; no mesmo sentido, entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 17.01.2012 e de 18.02.2013.].
Outra posição, mais moderada, reconhecendo que o terceiro tem o direito de impugnar o acto de resolução, afirma que ele deve conhecer previamente os concretos factos ou fundamentos que contra ele foram invocados. Todavia, a declaração de resolução apenas carece da indicação genérica e sintética dos pressupostos que fundamentam a resolução, da qual se depreenda o porquê da decisão tomada [Cfr. entre outros, os Acórdãos da Relação do Porto de 29.09.2009, de 24.11.2011, de 05.12.2013 e de 18.12.2013.].
Como notam ANA PRATA, MORAIS CARVALHO e RUI SIMÕES, “parece prevalecer na jurisprudência um entendimento «disciplinar» do mecanismo da resolução em benefício da massa (…), orientação que «parece impedir que, em posterior litígio judicial, o resolvente possa invocar outros factos, para além daqueles que indicou na comunicação à contraparte (princípio da imutabilidade da causa de resolução)»”[CIRE Anotado, p. 360.].
Na doutrina encontramos posições que se aproximam da referida tendência mais rigorosa. Assim, GRAVATO MORAIS [obra citada, p. 164; aderindo à posição deste Autor, CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, CIRE Anotado, p. 537.] refere que “dado que esta resolução carece de específica motivação, é essencial que sejam invocados os fundamentos que a originam”, acrescentando, no que respeita à resolução condicional: “para além da invocação do acto em concreto (…) há ainda que enunciar, quando não funcionar a presunção inilidível do art.º 120º, n.º 3, do CIRE, a causa que leva a considerar aquele acto como prejudicial, assim como o circunstancialismo que envolve a má fé, quando não funcione a presunção iuris tantum do art.º 120º nº 4 do CIRE.”.».
4.1.2.- Ora, relativamente às exigências substanciais da declaração resolutiva perfilhamos a orientação mais rigorosa, na esteira do entendimento firmado no citado Acórdão do STJ de 17/09/2009 e do que julgamos tem sido orientação maioritária da doutrina e da jurisprudência, no sentido de que o administrador tem de indicar os concretos factos fundamento da resolução, não sendo admissível suprimento dessa deficiência em sede de contestação da impugnação[3].
Só assim é possível ao terceiro conhecer previamente os factos concretos ou fundamentos que legitimam o exercício do direito à resolução em beneficio da massa, para efeitos de exercício do seu direito de defesa previsto no artigo 125º do CIRE.
No que respeita à resolução em benefício da massa insolvente por via extrajudicial, a exigência de fundamentação suficiente deriva de a constituição do direito de resolução estar dependente da verificação dos factos que resultam do disposto nos artigos 120º e 121 do CIRE. Neste particular, o problema é comum à resolução civil, apesar da diferença entre ambas as figuras, pois o direito em causa é um “direito potestativo extintivo dependente de um fundamento[4]
Conforme refere BAPTISTA MACHADO, “porque a cada concreto fundamento da resolução corresponde um também concreto direito de resolução, é que a declaração de resolução, como acto de exercício de um concreto direito potestativo, deve indicar o fundamento concreto do direito exercido, sob pena de ineficácia (…) Do próprio teor literal da declaração de resolução, ou pelo menos do contexto de circunstâncias que a acompanham e que possam funcionar como factos concludentes, deve pois poder inferir-se qual o fundamento concreto que justifica a resolução[5].
Assim, ao exercer o direito, o Administrador da Insolvência terá de identificar os seus pressupostos legitimadores de forma suficientemente precisa, sem o que não seria possível aferir do exercício legítimo da resolução em benefício da massa[6]..
4.1.3.- Regressando ao caso concreto, recordemos o teor da declaração de resolução, constante do ponto 4. Dos factos provados:
“(…) António Pessoa Filho, administrador da insolvência (…) vem nos termos do artigo 120.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, resolver, em benefício da massa insolvente, a venda realizada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2194200901030884, que correu termos no serviço de finanças do Montijo no passado dia 18 de Abril de 2016, referente ao prédio misto, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º 2173 e na matriz cadastral rústica sob o artigo 2 da secção G, da união das freguesias de Baixa da Banheira e Vale da Amoreira, concelho da Moita. A supra citada venda, nos termos em que foi celebrada, diminuiu a satisfação dos créditos dos credores da insolvência, porquanto reduziu significativamente o valor pelo qual o imóvel foi vendido, representando, por essa via, um acto prejudicial à massa insolvente, nos termos do n.º 2 do art. 120.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. É este facto especialmente notório considerando o reduzido valor de venda que foi fixado para o imóvel em questão, o que, aliado à circunstância de aquando ocorreu a referida venda encontrava-se já em curso o pedido de insolvência da sociedade Parcoop – Cooperativa de Habitação e Construção, CRL, detentora do imóvel em questão. Todos estes factos indiciam uma consciente intenção de, através da referida venda e das circunstâncias ali previstas, beneficiar V.ª Exas. numa fase em que já era conhecida a insolvência da Parcoop – Sociedade de Habitação e Construção, CRL, o que é revelador de uma verdadeira actuação de má fé.”
4.1.4.- Da análise da carta de resolução constata-se que não foram indicados quaisquer factos concretos que permitam concluir pela verificação do carácter prejudicial para a massa insolvente do acto objecto de resolução (venda judicial de imóvel), bem como a disposição legal aplicável (artigo 120º, n.º 2, do CIRE).
Na comunicação de resolução, o Senhor Administrador de Insolvência, limitou-se a invocar, para sustentar a prejudicialidade da venda “ter diminuído a satisfação dos créditos dos credores da insolvência, porquanto reduziu significativamente o valor pelo qual o imóvel foi vendido”.
Invocam-se juízos meramente conclusivos e valorativos, como bem refere a Recorrente, e nenhum facto concreto se aduz que permita concluir que a venda judicial objecto da resolução diminuiu, frustrou, dificultou ou pôs em perigo ou retardou a satisfação dos créditos dos credores da insolvência da Parcoop, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 120º do CIRE.
Nada se diz de concreto que permitia sustentar a prejudicialidade do acto que se pretende ver resolvido. E foi certamente por se ter dado conta dessa falta de fundamentação que em sede de contestação a Massa Insolvente pretendeu suprir tal deficiência e invocou, desta feita, factos concretos, como o valor por m2 pago pelo prédio adquirido pela Recorrida no âmbito da venda judicial e o valor de mercado desse mesmo m2 de terreno, para sustentar que a venda se fez por valor substancialmente inferior ao valor de mercado e, consequentemente, o carácter prejudicial do negócio para a satisfação dos créditos dos credores da massa insolvente.
Estando em causa uma acção de apreciação negativa impende sobre o administrador da insolvência o ónus de alegar e provar os factos que fundamentam a resolução, como constitutivos do respectivo direito (art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil), cabendo à impugnante, autora, o correspondente ónus de contraprova (art.º 346.º do Código Civil).[7]
Perante aquela alegação genérica que consta da declaração de resolução, a contraprova não pode incidir sobre factos na medida em que não foram alegados factos concretos relativos à prejudicialidade do ato em causa nos autos.
Na carta de resolução nada foi alegado designadamente quanto à, eventual, desproporção do preço em relação ao valor venal do prédio vendido, ao pagamento desse valor, à sonegação do preço, à não integração do preço no património da insolvente ou qualquer outra razão relativa ao prejuízo.
Estando em causa resolução condicional teriam de ser concretizados os factos que traduzem a prejudicialidade para a massa, sendo certo que o requisito do prejuízo não se confunde com o da má-fé do terceiro, razão pela qual, o Administrador da Insolvência estava obrigado a invocar os factos essenciais relativos ao prejuízo da massa insolvente.
A resolução para além de dever observar os requisitos de forma e prazo previstos no artigo 123.º, n.º 1, tem de conter a factualidade subjacente à resolução, já que a resolução não é livre e encontra-se condicionada por um motivo previsto na lei, motivação essa que é tanto mais importante devido ao facto de a contraparte no negócio resolvido ter o direito de impugnar a resolução, mediante a instauração da acção prevista no artigo 125.º.
Como já se referiu, está em causa resolução condicional, que determinava também a concretização dos factos que traduzem a prejudicialidade para a massa insolvente.
4.1.5.- Nesta conformidade, divergentemente do sustentado pelo Senhor Juiz “a quo”, considera-se que a declaração de resolução em apreço, que foi efectuada pelo Administrador da Insolvência, não se mostra suficientemente fundamentada, estando, assim, ferida de nulidade, por falta de fundamentação, o que conduz à sua ineficácia (artigos 280º, 294º, e 295, do Código Civil).
A nulidade da carta resolutiva sempre teria de conduzir à procedência da acção de impugnação da resolução e determina, consequentemente, a improcedência do presente recurso.

4.2. Estavam ou não reunidos os pressupostos que habilitavam o Tribunal “a quo” a conceder procedência à acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente? (2ª questão):
A apreciação desta questão ficou naturalmente prejudicada pela solução dada à primeira questão a qual, de per si, determina a improcedência da apelação e a manutenção da sentença recorrida, ainda que com fundamentação diversa.
No entanto, ainda assim, faremos uma breve referência aos fundamentos que levaram a 1ª Instância a julgar a acção improcedente.
Na decisão recorrida, o Senhor Juiz “a quo”, apesar de ter considerado que a comunicação de resolução não indicava factos concretos, que era deficiente a alegação factual constante da referida comunicação, entendeu que não padecia de nulidade e passou a conhecer da verificação dos requisitos necessários à resolução do negócio em causa.
Nesse exercício, conclui que a venda/adjudicação do imóvel (prédio misto) à Autora/Recorrida, efectuada em sede de processo de execução fiscal, não podia ser objecto de resolução condicional[8], desde logo por não configurar um acto praticado pela devedora/insolvente (Ré/Recorrente), mas antes uma aquisição de um bem desta por terceiro na sequência de um acto praticado pela Autoridade Tributária.
4.2.1.- Salvo o devido respeito, não podemos concordar com a referida argumentação.
Na verdade, conforme se refere no Acórdão a Relação de Coimbra, de 03/03/2009 - proc. n.º 93/03.9TBFCR.C1 (Teles Pereira), acessível em www.dgsi.pt., citado pela Recorrente, com o qual concordamos, a venda executiva – “venda em execução” como é referida no artigo 824º do Cód. Civil - traduz um “[…] acto jurídico de estrutura bilateral, pelo qual se opera a transmissão da propriedade de um bem, ou outro direito, contra a constituição da obrigação de pagar determinada quantia em dinheiro”[9]. Assenta este entendimento, tributário de uma chamada “tese contratualista”[10], na consideração da venda executiva por referência ao quadro geral da compra e venda – rectius, enquanto realização de uma compra e venda especial – asserção que é comum na nossa doutrina e jurisprudência, sendo justificada com base nas seguintes considerações:
[…]
Com a penhora, a titularidade do direito sobre o bem não se transfere, nem para o tribunal, nem para o exequente. A titularidade do direito continua na esfera jurídica do executado. O direito de propriedade (ou outro direito real de gozo) sobre a coisa executada só se transfere com a venda em execução.

A transferência da titularidade do direito sobre a coisa faz-se, aquando da venda em execução, do executado para o adquirente (artigo 824º, nº 1 do CC). Por isso, o vendedor não é, nem o tribunal, nem o exequente, mas sim o executado, apesar da venda poder ser realizada contra a sua vontade.
De outro modo não se entenderia que o remanescente do preço, depois de pagos os créditos, revertesse para o executado.
O vendedor, como sujeito material do negócio, é o executado e o tribunal será o sujeito formal, que actua, não como representante do executado ou do exequente, mas no uso do seu poder de jurisdição executiva.
Está-se, assim, perante uma verdadeira compra e venda, à qual, na falta de normas processuais, se aplicam as regras do Código Civil (artigos 874º e ss. do CC).
[…]”
Corresponde este entendimento, à afirmação – e seguimos a exposição de Fernando Pessoa Jorge – de que “[…] o dinheiro do preço subroga-se ao bem alienado no património do executado, embora fique em poder do tribunal, o qual, por acto posterior, despojará ou expropriará aquele da titularidade do dinheiro obtido pelo produto da venda, ao proceder à entrega do mesmo aos credores, para satisfação dos respectivos créditos; mas se, a final, sobrar dinheiro, este pertence obviamente ao antigo dono do bem vendido (…)
4.2.2.- Revertendo estas considerações ao caso concreto, a conclusão que se impõe é a de que a vendedora do bem imóvel (prédio misto) adjudicado à Autora/Recorrida em processo de execução fiscal foi a executada/devedora Parcoop, ora Recorrida.
Destarte, ao contrário do entendimento expresso pelo Tribunal “a quo” na sentença recorrida considera-se que a resolução impugnada teve por objecto um acto praticado pela devedora/insolvente, a ora Recorrente, tendo o Tribunal-Autoridade Tributária actuado como sujeito formal, no exercício de um poder de jurisdição executiva.
É este o apontamento que se entendeu útil fazer.

IVDECISÃO:
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida, ainda que com diferentes fundamentos.
Custas pela Recorrente - artigo 527º do Cód. Proc. Civil.
Registe e notifique.



Lisboa, 23 de Novembro de 2017


 
Manuel Rodrigues
Ana Paula A. A. Carvalho            
Maria Manuela Gomes



[1]Esta questão, ainda que não tenha sido referida pela Recorrente nas conclusões das alegações do recurso, foi amplamente debatida pelas partes no processo e apreciada pelo Tribunal “a quo”, e é de conhecimento oficioso (artigos 286º do CC e 608, n.º 2., “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do CPC), na medida em que o vício que se aponta às comunicações resolutivas por falta de fundamento é o da nulidade (neste sentido, entre outros, Ac. TRP, de 1/10/2013, proc. 251/09.2TYVNG.H.P1 (Maria João Areias) e Ac. TRP, de 24/11/2011, proc. 297/09.0TBCPV-E.P1 (Deolinda Varão).
[2]Cfr. MARISA VAZ CUNHA, Garantia Patrimonial e Prejudicialidade - Um Estudo Sobre a Resolução em Benefício da Massa, Almedina, 2017, pp. 215-219.
[3]Também no Acórdão desta Relação, de 15/04/2010, proc. 389/05.5TBFUN-D.L1-6 (Pereira Rodrigues), acessível em www.dgsi.pt., se defendeu que “na notificação de resolução de negócio feita pelo administrador em favor da massa, tem o administrador de indicar os concretos factos fundamento da medida, pois que só dessa forma está o impugnante em condições de impugnar a resolução. E a deficiência de fundamentação do acto nem tão pouco pode ser suprida em sede de contestação à acção de impugnação, com indicação de novo quadro factual ou outros vícios.”
Cf., ainda, entre outros, Ac. TRP, de 01/10/2013, proc. 251/09.2TYVNG-H.P1 (Maria João Areias); Ac. TRP, de 02/07/2013, proc. 462/10.8TBVFR-P-P1 (M. Pinto dos Santos); Ac. TRG, de 26/03/2009, proc. 1274/07.1TBBRG-Q.G1 (Gouveia Barros), etc., acessíveis em www.dgsi.pt.
[4]BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 2011, pp. 130-131.
[5]BAPTISTA MACHADO, loc. cit, n.º 10, pp. 11-12; Obra Dispersa, Braga, Scientia Iuridica, 1991, vol. I, pp. 133-134.
[6]ROMANO MARTINEZ, Da Cessação do Contrato, 2ª edição, Almedina, pp. 183-184.
[7]Assim foi considerado, designadamente, no Ac. do TRP, de 27/11/2012, proc. 4694/08.0TBSTS-O.P1 e no Ac. TRC, de 21/05/2013, proc.º 928/11.2TBFIG-J.C2, consultáveis em www.dgsi.pt.
[8]A resolução incondicional de que trata o artigo 121º do CIRE não está em causa nos autos.
[9]Fernando Pessoa Jorge, Lições de Direito Processual Civil, ed. policopiada, Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1972/1973, p. 229.
[10]A expressão é empregue por Fernando Pessoa Jorge,
Lições…, cit. p. 227.

Decisão Texto Integral: