Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2495/14.6T8OER.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA EXECUTIVA
VÍCIO DA DECLARAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Tendo exequente e executada atravessado em acção coerciva instrumento por ambas subscrito no qual declaram por termo à execução, por acordo e em face do pagamento pela segunda da quantia de 58.000,00€, requerendo que em razão do referido pagamento se considere extinta a instância executiva, nada mais havendo a exigir ou a receber pelas partes, consubstancia ele documento idóneo conducente à extinção da execução, nos termos do nº 5, do artº 846º, do CPC.

2. O instrumento referido em 4.1., para poder desencadear a extinção da instância executiva, não carece de ser objecto de uma qualquer decisão/sentença judicial de homologação e consequente declaração de extinção da execução, produzindo de imediato e automaticamente , uma vez pagas as custas a liquidar, o efeito extintivo da instância coerciva.

3. Invocando o exequente, em momento posterior, padecer o instrumento referido em 4.1. de vício substantivo susceptível de permitir a respectiva anulação, para tanto carece a referida parte de intentar a competente acção, não podendo a referida questão ser dirimida no âmbito da própria acção executiva

Sumariando- ( cfr. nº 7, do artº 663º, do CPC).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

                                                                     
1. Relatório:
                     

Em acção executiva intentada em Março de 2006 por A, contra B,  ancorada em sentença de condenação como titulo executivo, e tendo em vista a cobrança coerciva da quantia de €33.679,51, e quando se diligenciava já pela venda de bem imóvel penhorado nos autos , vieram exequente e executada - em 13/7/2017 - atravessar nos autos requerimento por ambos subscrito com o seguinte teor :

A e B, respectivamente Exequente e Executada nos autos à margem referenciados, vêm por termo à presente execução, por acordo, face ao pagamento de 58.000,00€ ( Cinquenta e oito mil euros), em cheques emitidos para esse efeito.
Requerem assim a V. Exa., que se digne considerar extinta a instância, pelo pagamento, nos termos acordados, nada havendo a exigir ou a receber pelas partes da quantia exequenda, e devendo a executada suportar as custas que forem devidas.
Espera Deferimento”.

1.1.- Logo em 14/7/2017, e sem que o requerimento identificado em 1 tivesse sido objecto de qualquer despacho/decisão, veio novamente o exequente A atravessar nos autos um requerimento, no  mesmo alegando e requerendo o seguinte :

“ (…)
A, tendo dia 13 do corrente sido celebrada a escritura de compra venda, em que o comprador assumiu os ónus incidentes sobre o bem penhorado, recebeu a quantia de 58.000,00, em dois cheques, nos termos da procuração que juntou e de que hoje faz seguir o original, tudo conforme troca de correio electrónico que anexa ao presente.
1.Inicialmente o exequente foi contactado telefonicamente na pessoa do signatário executada propunha e foi-lhe perguntado se aceitaria consentir em compra e venda particular d imóvel penhorado mediante o pagamento da dívida e respectivos juros.
2.O signatário em nome do seu constituinte aceitou.
3.Formou-se um acordo consistente em proposta e aceitação.
4.Seguidamente isso foi confirmado pela ilustre mandatária da executada por correi electrónico dirigido ao colega que representa o credor reconhecido nos presentes autos.
5.O qual deve ter também aceite, ao que se seguiu e aconteceu dia 13 do corrente no cartório com a celebração da escritura pública do negócio anunciado.
6.Seguiram-se os cálculos mas o exequente primeiramente errou nos cálculos e foram-lhe remetidos uns cálculos feitos pela ilustre mandatária da executada apurando cerca 63.000,00€ em folhas de cálculo.
7.Entretanto o signatário remeteu a sentença à ilustra mandatária da executada e pediu a essa sua ilustre colega que efectuasse os cálculos de acordo com a sentença, ao que ela assentiu, conforme resulta da troca de e-mails que se anexa.
8.E o exequente apresentou novos cálculos de cerca de 64.000,00 € de juros moratórios e compulsórios, conforme consta dos e-mails supra referidos.
9.Foi na sequência disso que recebeu uma proposta de pagamento de 58.000, de que o exequente foi pedindo explicações sobre como se havia chegado a esse montante ...
10.Foi-lhe dado a entender que o dinheiro não chegaria ... e o assunto foi-se protelando até q e a ilustra mandatária da executada nos termos exactos do correio que se junta em que o exequente pretende saber como se chegou aos 58.000,00 consentiu em que os cálculos a executada estariam a beneficiar o exequente por excesso e não por defeito.
11.E no pressuposto de que não estaria a ser enganado e de que isso lhe iria ser demonstrado a final aceitou receber com o alegado excesso a demonstrar pela executada ao que ela prometia nos exactos termos do correio electrónico trocado.
12.Na verdade pelo correio electrónico a executada pelo punho da sua mandatária assegurou que os 58.000,00€ representavam valor superior ao devido, nos seguintes termos: " Quanto aos valores, sempre lhe poderei relembrar que o valor que lhe estou a propor é superior ao que constará nas contas finais, sendo que, caso não aceite, ainda terá que ir para o processo reclamar e, o seu Cliente só terá o dinheiro perto do fim do ano civil'.
13.E o signatário respondeu que aceitava nos seguintes termos: " Portanto e na convicção de que não está a ser enganado tenha lá os cheques do que lhe é devido depois de abatido do cheque dos meus honorários acrescidos de IVA considerando o que é devido na base dos 58 mil euros ".
14.Assim, vem o exequente requerer a V. Exa. ordene a conferência dos cálculos apresentados pelo exequente e pelo executado, este em resultado final, nos seus e-mails e bem assim no sentido de apurar se os 58.000,00€ representam efectivamente valor superior ao valor devido ao exequente não só nos termos do artigo 249º do Código Civil, mas também para efeitos de conhecimento de vício da vontade do exequente consistente em ter dado o seu consentimento à extinção da execução numa errada convicção, para além da apontada coacção, consistente em infundir a ameaça de algo bem mais do que receoso para quem anda à espera há mais de uma década consistente na ameaça de - caso não aceitasse a bondade do que lhe era proposto às cegas, mas que seria mais do que o devido, só vir a ter o dinheiro relativo à quantia exequenda no fim do ano ou mais tarde.
15.O Signatário assinou o requerimento que a executada juntou na convicção de que os seus cálculos não só não o prejudicavam mas que o beneficiavam.
16.Termos em que requer a V. Exa. ordene à Secretaria Judicial ou à Senhora  Agente de Execução que apure e faça a demonstração dos cálculos, nos termos do artigo 249º do Código Civil, e se considerem ainda por V Exa., os demais aplicáveis do mesmo Código que imediatamente o antecedem.
17.Mais requer bem assim para efeito de apuramento das custas de parte devidas que possibilitem a apresentação pelo exequente das mesmas ordene se proceda, nos termos do Regulamento das custas processuais, conforme o disposto no artigo 25 nº 1 30 e Portaria 419-A/2009 de 17 de abril artigo 30 nº 2, para que as custas de parte possam ser apuradas. “

1.2.Pronunciando-se sobre o requerimento identificado em 1.1., foi proferido em 21/9/2017 competente despacho, sendo a parte final do mesmo do seguinte teor :

“(…)
Assim, existindo previsão legal expressa sobre a forma processual como o direito que o exequente pretende fazer valer pode ser exercido, e se, nos termos do art.° 2.° n.° 2 do CPC, a todo o direito corresponde a acção adequada a fazê-lo valer em juízo, a pretensão formulada pelo exequente não pode ser decidida por incidente nestes autos de processo executivo.
Deste modo, encontrando-se tabelada pelo art.° 291.° do CPC, a acção adequada a fazer exercer em juízo a pretensão do exequente, a revogação/anulação do acordo em crise nos autos só pode ser efectivada pelo exequente na acção própria em que alegue e demonstre o invocado erro e coacção moral.
Pelo exposto, indefiro o requerido.
Custas do incidente anómalo pelo exequente, fixando-se a taxa de justiça em 2,5 UCs.” .

1.3. Notificado da decisão referida em 1.2. , atravessou de seguida nos autos o exequente A requerimento de interposição da competente Apelação, acompanhado das devidas alegações, e aduzindo então as seguintes  conclusões :
1.No douto despacho proferido a Ma Juíza "a quo" no seu douto despacho alega que compulsados os autos, as partes dirigiram-se ao processo dando conta de que pretendia pôr termo à execução (...)
2.Porém, nunca o exequente assinou o requerimento que deu entrada nos autos encontrando-se o mesmo pendente da subscrição do exequente ( documento que agora se junta, como se justifica no corpo das alegações)
3.Não é por isso exacto o que foi detectado e interpretado nesse sentido pelo Tribunal "a quo".
4.Alega em seguida a Ma Juíza "a quo" que no dia seguinte o exequente arrependeu-se requerendo a conferência dos cálculos (...)
5.Porém, o exequente não se arrependeu de coisíssima nenhuma na sua interpretação da própria vontade, salvo o devido respeito e melhor opinião.
6.Antes entendeu que a sua ilustre colega iria a final, e , como pressuposto da extinção da instância, demonstrar-lhe que os 58.000,00 € que o exequente aceitou nessa condição de uma demonstração "a posteriori" de que tal quantia era superior à que teria direito de acordo com os cálculos dos juros de que existia um diferendo, sendo isso o que resulta dos documentos que juntou consistentes em troca de correspondência electrónica.
7.E o que resulta, salvo o devido respeito e melhor opinião, da mesma correspondência electrónica supra transcrita no corpo das alegações, e, nomeadamente da datada de 4 de Julho de 2017, que ali foi transcrita, onde é clara a subordinação da aceitação dos cálculos à demonstração de que estão superiores ao devido ao exequente e que este não está a ser enganado, porquanto, se estiver, assacará consequências como consta inequivocamente da dita troca de correspondência,
8.Posto isto, pode ler-se que a ilustre colega dirigiu ao ilustre colega que representa a CGD, no correio electrónico supra copiado de 6 de Junho de 2017 que a sua proposta era a de que os colegas indicassem o valor da liquidação para a data prevista de 13 de Julho de 2017, isto é, submeteu o acordo a cálculos da soma da dívida com os juros.
9.Pode ler-se por outro lado nos emails de 4 de Julho de 2017, em primeiro lugar, e no email da mandatária da executada, no sentido de que tomou conhecimento do email do mandatário do exequente e que terá todo o gosto de lhe responder depois de resolvido este processo.
10.Em segundo lugar e no email sequente do exequente no sentido de que "se quer que eu aconselhe o meu constituinte a aceitar 58.000,00 na condição de que as explicações a posteriori justificam o facto - isto é, a proposta - conte, se não justificarem, com as consequências"
11.E, finalmente, em terceiro lugar que "depois de dar parte ao meu constituinte do que abaixo escrevi ele aceita os 58.000,00 na expectativa de que a sua informação abaixo esteja correta, a saber
12.Quanto aos valores, sempre lhe poderei lembrar que o valor que lhe estou a propor é superior ao que constará das contas finais, sendo que, caso não aceite, ainda terá que ir para o processos reclamar (...)
13.Portanto e na convicção de que não estará a ser enganado tenha lá os cheques (...).
Daqui poderão concluir-se no plano dos factos uma remessa para os vícios da vontade, mas pode também no mesmo plano dos factos concluir-se por uma remessa para uma aceitação sob condição.
14.Quer os vícios da vontade, quer a aceitação sob condição têm a sua previsão legal respectiva no plano do direito.
15.Os vícios da vontade estão previstos no Código Civil nos artigos 240 e seguintes ; a condição e o termo estão previstos nos artigos 270 e seguintes.
16.A sobressair do regime dos vícios surge o disposto no artigo 249 do Código Civil a dar o direito apenas à rectificação da declaração. E o erro há-de revelar-se no próprio contexto da declaração...
17.Reza pois o artigo 249º do Código Civil que "o simples erro de cálculo e de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá o direito à rectificação desta "
18.Ora ofende as regras da evidência que chamando-se à atenção para o erro e nomeadamente o existente no requerimento executivo, nos seus cálculos, continue a pretender-se laborar nele em benefício de um terceiro.
19.E foi com base nesse erro que a executada fundamentou a sua proposta, sem que tenha dito previamente quais os pressupostos dela, senão que era superior ao devido de acordo com os cálculos de juros moratórios e compulsórios, como resulta da documentação oferecida.
20.Consta abundantemente da troca de correio electrónico levado ao conhecimento da Senhora Agente de execução que o único acordo que havia era permitir-se a venda em cartório mediante o pagamento da dívida e dos juros - os moratórios e os compulsórios, obviamente!
21.O diferendo sobre a exactidão dos cálculos foi prometido esclarecer após a escritura como consta claramente da troca de e-mails onde o exequente através do signatário adverte para que estar a ser enganado teria de ter consequências.
22.E esclarecer e demonstrar que os 58.000,00€ constituíam um cálculo que era superior ao devido e que isso seria demonstrado após a escritura é o que consta ainda da correspondência, não impugnada, que com relutância tenha sido aceite que assim se postergasse.
23.Está lá na correspondência e está demonstrado nos autos que a senhora AE tinha conhecimento da correspondência. E até que suscitado que se pronunciasse, silenciou! Ela - a Senhora AE - lá saberá porquê!
24.Estes factos são incompatíveis com a presunção extraída pelo Julgador "a quo" de que o constituinte do advogado signatário, renunciou a quaisquer outras quantias a que pudesse ter direito até por constar repetidamente na correspondência trocada e constante dos autos e não impugnada a referência ao disposto no artigo 249º do Código Civil e a aceitação na base da condição de uma demonstração da exactidão dos cálculos.
25.Por outro lado a competência da Senhora Agente de Execução está balizada pelos pressupostos pelos quais a lei lhe confere autoridade para a exercer e não para que esta a exerça abusivamente e sem critérios.
26.Nenhuma pretensão se vislumbra, salvo o devido respeito e melhor opinião, a que o pretenso e alegado acordo seja revogado nos termos em que tal é interpretado pela M3 Juíza "a quo" porque o que efectivamente se pretendeu e se nos afigura inequívoco foi que a condição de que a quantia paga era superior ao cálculo de juros matematicamente correto fosse demonstrada pela executada.
27.Diferente de um vício da vontade é a da verificação ou não de uma condição.
28.E é esta última o caso dos autos.
29.E parece-nos nos termos supra explicados que o Acórdão da Relação de Évora não tem correspondência com as questões do presente processo.
30.Não tendo sido demonstrada pela executada a prometida exactidão dos seus cálculos fica violado o disposto no artigo 249 do Código Civil.
Revogando a decisão recorrida e, consequentemente, concedendo provimento ao presente recurso farão V Exas salvo melhor opinião inteira JUSTIÇA!.

1.4. Com referência à apelação identificada em 1.3, não resulta do processado nos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.
*

Thema decidendum
1.5. Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a resolver resume-se à seguinte:
I Aferir se o despacho recorrido se impõe ser revogado, sendo substituído por decisão que defira o requerido pelo apelante através do seu requerimento atravessado nos autos a 14/7/2017 ( e identificado em 1.1. ).
*

2.Motivação de Facto.
A factualidade relevante a considerar no âmbito do julgamento da presente apelação é a que resulta do relatório do presente Ac., e para o qual se remete, e à qual se acrescenta ainda a seguinte :
2.1.- O requerimento identificado no item 1, do presente Ac., atravessado nos autos em 13/7/2017 , mostra-se Assinado por Dr. Jorge …. , na qualidade de Advogado do exequente, e por Drª Florinda …., na qualidade de Advogada da executada ;
2.2.- Dos autos, e a fls. 6, consta uma “ PROCURAÇÃO”, com data aposta de 30/7/2002, e através da qual A  constitui bastante  procurador o Dr. Jorge …., a quem confere poderes forenses gerais e especiais, para transigir;
2.3. Dos autos, e a fls. 259, consta uma “ PROCURAÇÃO”, com data aposta de 7/4/2016, através da qual B,  constitui como legal mandatária a  Drª Florinda …., e a quem confere os mais amplos poderes forenses;
*

3.Motivação de direito.
3.1.- Se bem andou o tribunal a quo, no despacho recorrido, em indeferir o requerido pelo apelante através do seu requerimento atravessado nos autos a 14/7/2017 ( e identificado em 1.1. ).
Como vimos supra, em sede de relatório,  e após atravessar nos autos instrumento [ o identificado no item  1 ] prima facie enquadrável no nº 5, do artº 846º, do NCPC, veio o exequente em momento posterior dirigir ao processo novo requerimento, nele informando que o  anterior acto processual praticado nos autos por escrito, em 13/7/2017 , fora exercido no pressuposto e na convicção -ambos errados - que os cálculos subjacentes que haviam sido efectuados - e que o justificaram - não prejudicavam o exequente, antes o beneficiavam.
Porque ambos os referidos pressuposto e convicção estavam - no entender do exequente - errados, tendo o exequente sido induzido em erro e/ou até sido enganado, recorda-se,  requereu - logo no dia seguinte, a 14/7/2017 - o ora apelante que nos autos se procedessem a novos cálculos tendo em vista o apuramento do montante necessário e ainda em dívida pela executada com vista à extinção da execução.

Pronunciando-se sobre a referida e última pretensão do exequente, e indeferindo-a, para tanto discreteou o tribunal a quo, em parte, nos seguintes termos :
(sic)
 Compulsados os autos, é dado verificar que, em 13 de Julho de 2017, as partes dirigiram-se ao processo dando conta que pretendiam pôr termo à execução, por acordo, uma vez que a executada procedeu ao pagamento de € 58.000,00. Mais requereram a extinção da execução, pelo pagamento, e que as custas fossem suportadas pela executada.
Significa isto que as partes fixaram a quantia exequenda em € 58.000,00, a qual, aliás, o exequente já recebeu.
No dia seguinte, o exequente arrependeu-se, e dirigiu-se ao Tribunal requerendo a conferência dos cálculos, sustentando, em suma, que houve um erro no apuramento e contabilização dos juros, que consentiu em fixar a quantia exequenda no aludido montante na errada convicção de que os cálculos da quantia em dívida o beneficiavam.
(…)
Ora, a pretendida correcção do cálculo implica o prosseguimento da execução para cobrança coerciva da aludida quantia.
Com efeito, embora não o refira expressamente, resulta dos requerimentos remetidos a juízo pelo exequente, que o mesmo pretende dar sem efeito, isto é, revogar/anular o acordo alcançado, e prosseguir com a execução para pagamento coercivo do dito montante de € 7.846,00.
Porém, a sua pretensão terá, necessariamente, que ser indeferida, por não ser esta a sede própria para o exequente fazer valer o direito de que, agora, se arroga.
Ora, o exequente, devidamente patrocinado por advogado, já recebeu a quantia de € 58.000,00. Ante tal pagamento, declarou pretender pôr fim à execução, pugnando pela sua extinção.
Assim, impõe-se concluir que o exequente renunciou a quaisquer outras quantias a que pudesse ter direito no âmbito da presente execução.
Note-se que o acordo alcançado na acção executiva não é homologado por sentença, e produz directamente, o efeito processual de extinção da execução, sendo que, actualmente, a competência para a extinção da execução repousa no agente de execução, não sendo declarada por sentença e não carecendo de intervenção judicial.
Nestes termos, a pretendida (ainda que velada sob a égide da correcção de cálculos) anulação da requerida extinção da execução só pode ser declarada nula ou anulada de acordo com as causas que determinem a nulidade ou a anulabilidade do acto ou negócio jurídico, na medida em que, atento o acordo alcançado entre as partes, fica precludida a possibilidade de apresentação de uma outra pretensão em sentido contrário.
Pelo exposto, o único meio legalmente possível de obter a revogação do acordo ajustado entre as partes (e, eventualmente, caso venha a obter ganho de causa) e lograr o prosseguimento dos autos para cobrança de € 7.846,00, é a acção de declaração de nulidade ou anulação, sendo evidente que o exequente não pode, em sede de acção executiva, ver satisfeita a sua pretensão no sentido de prosseguir a execução para pagamento da dita quantia, com fundamento em erro ou coacção.
A este respeito, leia-se o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 30 de Novembro de 2016, disponível em www.dgsi.pt, e que tenho vindo a seguir de perto por versar situação semelhante à dos autos e o perfilhar inteiramente.
Saliento, que, em tal aresto diz-se, a dado passo, "Na verdade, já afirmava Alberto dos Reis que o erro de direito não podia ser invocado como fundamento de revogação, isto porque, quem confessa, desiste ou transige deve saber o que faz, qual o alcance e as consequências jurídicas do seu acto; qual o direito que lhe assiste; se não sabe, consulte um técnico; se pratica o acto sem ouvir pessoa que possa elucida-lo, sibi imputet.
(…)
E mais, como se refere no aludido Acórdão, com o acto postulativo do exequente - acordo com a executada face ao pagamento de € 58.000,00 e subsequente extinção da execução, pelo pagamento  -  precludiu a possibilidade de apresentação de um outro acto em sentido contrário, sendo que, no actual processo executivo, que não comporta a extinção da execução por sentença, impõe-se concluir que o único meio legalmente possível de obter a revogação da transacção em crise, é a referida acção de declaração de nulidade ou anulação.
Assim, existindo previsão legal expressa sobre a forma processual como o direito que o exequente pretende fazer valer pode ser exercido, e se, nos termos do art.° 2.° n.° 2 do CPC, a todo o direito corresponde a acção adequada a fazê-lo valer em juízo, a pretensão formulada pelo exequente não pode ser decidida por incidente nestes autos de processo executivo.
Deste modo, encontrando-se tabelada pelo art.° 291.° do CPC, a acção adequada a fazer exercer em juízo a pretensão do exequente, a revogação/anulação do acordo em crise nos autos só pode ser efectivada pelo exequente na acção própria em que alegue e demonstre o invocado erro e coacção moral.
Pelo exposto, indefiro o requerido.”

Adiantando de imediato o nosso veredicto, temos para nós que a decisão proferida pelo tribunal a quo e objecto da apelação ora em aferição/julgamento não é merecedora de qualquer reparo, logo, não se impõe ser revogada.

Senão, vejamos.

Como é consabido,  em face do disposto nos artºs 846º, nº5, [ “Quando o requerente junte documento comprovativo de quitação, perdão ou renúncia por parte do exequente ou qualquer outro título extintivo, suspende-se logo a execução e liquida-se a responsabilidade do executado” ],  e 848º, nº1, ambos do CPC [ A desistência do exequente extingue a execução; mas, se já tiverem sido vendidos ou adjudicados bens sobre cujo produto hajam sido graduados outros credores, a estes é paga a parte que lhes couber nesse produto], e não obstante a causa normal de extinção de uma execução ser o pagamento coercivo,  nada obsta a que uma execução se extinga com fundamento em outras  formas admitidas na lei civil [ cfr. v.g. nos artºs 837º a 873º, do C.Civil ] , podendo inclusive ocorrer a extinção da instância executiva por transacção, nos termos do artº 277º, alínea d), do CPC. (1)

Atravessado nos autos um qualquer instrumento apto a operar/desencadear a extinção da instância executiva, e ao invés do que sucedia no âmbito do regime anterior à reforma da acção executiva [ caso em que a extinção resultava necessariamente de uma decisão judicial proferida - cfr. artº 919º , nºs 1 e 2, do CPC, com a redacção anterior às alterações introduzidas pelo DL n.º 38/2003, de 08 de Março ], pacifico é hoje que nada obriga à prolação de decisão/sentença judicial de extinção da execução, produzindo-se automaticamente - com a mera junção aos autos de pertinente  instrumento - o efeito extintivo da instância. (2)

Assim, e v.g. sendo atravessado nos autos de execução um instrumento alusivo a uma desistência do pedido, ou até a uma transacção, e dispondo ambos na acção executiva da mesma natureza de negócio de direito privado que têm na acção declarativa,  produzem  eles de imediato os respectivos efeitos de direito civil ( como sucede na acção declarativa ) e também  o efeito processual de extinção da instância executiva, não carecendo de homologação por sentença judicial .(3)

Quando muito, e para o referido efeito, exigir-se-á tão só que, com base em mera análise perfunctória, se tenham como cumpridas as formalidades “formais” para a prática - pelas partes - de actos processais [ cfr. artºs 144º e segs., do CPC ] , e ,  ademais, ainda quando necessariamente sujeitos os referidos actos a uma sentença judicial homologatória [ o que não é o caso, como vimos já ] , certo é que também esta última em caso algum tem por objecto decidir a controvérsia substancial, mas apenas fiscalizar a regularidade e a validade da desistência /acordo.

Ou seja,  como com clareza se decidiu em Ac. do STJ de 30/10/2001 ( 4), e v.g. no tocante a concreta transacção, esta última (como negócio das partes)  vale por si, sendo a intervenção do juiz -  em sede de homologação -  de mera fiscalização sobre a legalidade do objecto desse contrato (cfr. 1248º, nº. 1, do Cód. Civil ) e da qualidade das pessoas que o celebram, não conhecendo do mérito, antes sancionando a solução que as partes encontraram para a demanda, como que absorvendo o acertamento que esses sujeitos processuais deram ao litígio, no âmbito da autonomia privada e dentro dos limites da lei, convencionando o que bem entenderam quanto ao objecto da causa.

É certo que, o acto ( a se ) das partes de desistência e/ou transacção, pode também estar afectado de vícios próprios e específicos susceptíveis de conduzir à declaração da sua nulidade ou anulação [ porque sujeitos, enquanto declarações negociais,  ao regime geral dos negócios jurídicos , dos arts. 217º e segs. do CC ] , mas, como decorre dos nºs 1 e 2, do artº 291º, do CPCivil [ reza o nº2, que “ O trânsito em julgado da sentença proferida sobre a confissão, a desistência ou a transacção não obsta a que se intente a acção destinada à declaração de nulidade ou à anulação de qualquer delas, ou se peça a revisão da sentença com esse fundamento, sem prejuízo da caducidade do direito à anulação“ ] , para tanto carece a parte interessada/prejudicada de intentar a competente acção destinada à declaração da sua nulidade ou à sua anulação, sem prejuízo da caducidade do direito a esta última.

Em suma, não é de todo na própria acção em que tais actos são praticados que tem lugar a averiguação da pertinente e subjacente factualidade relacionada com a validade substantiva da desistência e/ou  transacção., através de produção de prova , maxime da aferição se não enfermam eles de um qualquer vicio  da vontade do declarante.

Mas, se dúvidas existissem no tocante ao acerto do acabado de aduzir, certo é que , em face do disposto no artº 146º, do actual CPC [ 1 - É admissível a rectificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada. 2 - Deve ainda o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou a correcção de vícios ou omissões puramente formais de actos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correcção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa], dúvidas não se justificam no tocante à total impertinência de , na própria acção em que tenham sido produzidos/gerados,  se aceitar a apreciação e discussão sobre a eventualidade de as subjacentes declarações de vontade estarem afectadas  de um qualquer vício da vontade.

É que, além de a possibilidade de suprimento ou correcção de vícios apenas ser possível em relação a vícios puramente formais , exigível é ainda que a referida correcção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa [ o que manifestamente não ocorrerá relativamente a incidente despoletado em sede de acção executiva  ,  a qual, ao invés da acção declarativa -  destinada a reconhecer ou a constituir um direito subjectivo do autor -  tem por desiderato a realização coerciva de um direito já pré-reconhecido ] , o que não é o caso , porque obrigando necessariamente a respectiva resolução a produção de prova  .

Em conclusão, não se justificando a rectificação do acto atravessado nos autos pelo exequente e executada  em 13/7/2017  e ao abrigo do disposto no artº 146º, do CPC [ porque longe de evidenciar ele um qualquer erro de escrita e/ou um vício puramente formal ] e, porque a respectiva anulação demanda a propositura da competente acção, não sendo a mesma susceptível de ser processada no âmbito da própria acção na qual foi ele praticado - cfr. artº 291º, nºs 1 e 2, do CPC - , nenhum reparo merece a decisão recorrida.

A apelação, portanto, improcede.
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5.Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa , em , julgando improcedente a apelação interposta pelo exequente  :
5.1.Confirmar a decisão/despacho recorrido.
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Custas pelo apelante.
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Lisboa,  8/2/2018
António Manuel Fernandes dos Santos  ( O Relator)       
Eduardo Petersen Silva ( 1º Adjunto)                                                 
Cristina Isabel Ferreira Neves ( 2ª Adjunta)

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(1)Cfr. José Lebre de Freitas, in Direito Processual Civil, II, 3ª edição, pág. 224., e em A Acção Executiva -Depois da reforma da reforma, 5ª edição, pág. 355/356.
(2)Cfr. José Lebre de Freitas, em A Acção Executiva -Depois da reforma da reforma, 5ª edição, pág. 356.
(3)Cfr. José Lebre de Freitas, em A Acção Executiva -Depois da reforma da reforma, 5ª edição, pág. 355.
(4)Proferido no Proc. nº 01A2924, sendo Relator AZEVEDO RAMOS, e in www.dgsi.pt.