Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9515/14.2T8LSB.L1-7
Relator: CONCEIÇÃO SAAVEDRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS
REJEIÇÃO DE RECURSO
CONTRATO DE GARANTIA BANCÁRIA
CLÁUSULA ON FIRST DEMAND
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
ABUSO DE DIREITO
FRAUDE
PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- Cabe ao recorrente que impugne a matéria de facto indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (aos quais deve aludir na motivação do recurso e sintetizar nas conclusões) e especificar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, em seu entender, impunham decisão diversa quanto a cada um desses factos, sendo que a não satisfação destes ónus implica a rejeição imediata do recurso;
II- No contrato de garantia bancária on first demand ou à primeira interpelação, a garantia funciona automaticamente, sendo o pagamento efetuado logo que o beneficiário o exija;
III- Tal não obsta à invocação da exceção de fraude manifesta ou evidente abuso do direito por parte do beneficiário, permitindo ao devedor intentar procedimento judicial tendente a obter providências cautelares que impeçam esse beneficiário de receber o valor garantido;
IV- Deve, porém, ser clara e inequívoca a demonstração dos factos que integram as exceções oponíveis ao pagamento, devendo ser apresentada prova pronta e líquida da fraude ou do abuso, sob pena de se descaracterizar a essência da própria garantia bancária on first demand.
(Sumária elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:



I- Relatório:



E., S. A., hoje EE, S. A., veio propor, em 13.11.2014, contra H., S. A., Banco C., S. A., e Caixa E., S. A., providência cautelar não especificada pedindo seja decretada, sem audição das requeridas, a abstenção da 1ª de executar junto das 2ª e 3ª requeridas qualquer das garantias bancárias que identifica, abstendo-se estas últimas de pagar as mesmas àquela 1ª requerida. Invoca, para tanto e em síntese, que dedicando-se, além do mais, à atividade de construção civil e industrial, celebrou com a 1ª requerida, em 22.8.2005, um contrato de empreitada para construção de um empreendimento, incluindo a reabilitação do existente, no Convento dos Inglesinhos, sito no Bairro Alto, em Lisboa. No âmbito do referido contrato, a requerente entregou à 1ª requerida várias garantias bancárias emitidas pelas 2ª e 3ª requeridas, no valor global de € 1.063.985,74. A obra objeto do contrato foi provisoriamente recebida pela 1ª requerida em 27.2.2009 e desde então, no período de garantia da empreitada, a requerente tem realizado diversas reparações a pedido da 1ª requerida, tendo as partes aprazado reduzir a caução prestada ainda em 2013. Sucede que a 1ª requerida solicitou à 2ª e 3ª requeridas o pagamento de garantias bancárias no montante de cerca de € 400.000,00, apesar de não ter interpelado a requerente de modo a coloca-la em situação de incumprimento. Assim, o acionamento das aludidas garantias bancárias, sem qualquer fundamento, propósito ou legitimidade, é abusivo e fraudulento. A requerente receia a execução de outras garantias, o que lhe causará prejuízo irreparável, seja na imagem, seja no crédito bancário de que disfruta e, em última análise, na própria situação económica.

Dispensada a audiência das requeridas e inquiridas as testemunhas arroladas, foi proferida sentença, em 5.12.2014, que deferiu a providência requerida, intimando “os bancos requeridos a não pagarem qualquer quantia ao beneficiário no âmbito das Garantias Bancárias identificadas no artigo 1º da petição”.

Uma vez citadas, deduziu apenas a 1ª requerida oposição, contrariando a versão dos factos avançada pela requerente e sustentando que a obra em causa foi apenas objeto de receção parcial e provisória em 27.2.2009, quando fora prevista a receção definitiva em 1.3.2007, tendo a requerente incumprido o contratado. Mais refere que as partes tentaram estabelecer um novo prazo para execução dos trabalhos de cujo cumprimento dependeria a redução ou cancelamento progressivo das garantias, mas a requerente não apresentou qualquer plano de trabalhos nem manifestou intenção de apresentar alternativa, pelo que, por carta de 24.3.2014, a 1ª requerida informou aquela de que dava por finda a tentativa de resolução extrajudicial, reservando-se o direito de desenvolver as ações contratuais à sua disposição. Diz, ainda, que a 1ª requerida foi forçada pela administração do Condomínio do edifício a assumir a reparação dos defeitos da obra até 30.9.2015, como forma de evitar ações judiciais. Pede o levantamento da providência e a condenação da requerente como litigante de má-fé, no pagamento de uma indemnização não inferior a € 10.000,00.

Procedeu-se, então, à inquirição das testemunhas arroladas pela requerida, sendo proferida, em 12.5.2015, sentença que julgou a oposição procedente e levantou a suspensão da proibição de pagamento de todas as garantias bancárias em questão, no valor global de € 1.063.985,74, não condenando a requerente como litigante de má-fé.

Inconformada, interpôs recurso a Requerente, apresentando as respetivas alegações que culmina com as seguintes conclusões que se transcrevem:
(…)

Pede seja atribuído efeito suspensivo ao recurso, sendo dado provimento ao mesmo.

Em contra-alegações, a requerida defende, em síntese, o efeito devolutivo do recurso e invoca que o mesmo não obedece ao previsto nos arts. 639 e 640 do C.P.C., sendo o pedido de reapreciação da prova apenas o meio de obtenção de um prazo acrescido para a apresentação das alegações, pelo que deve ser rejeitado. Defende que a sentença deve ser mantida, não padecendo a mesma da nulidade arguida.

A fls. 549 e ss., o Tribunal a quo sustentou a inexistência da nulidade por omissão de pronúncia.

O recurso foi, entretanto, recebido como de apelação, a subir de imediato e nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo, por se entender não ser idóneo o meio oferecido para prestar caução (cfr. fls. 550 e 621/622).

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

***

II- Fundamentação de facto:

A 1ª instância considerou indiciariamente provada a seguinte factualidade([1]):

Factos apurados inicialmente (na 1ª sentença, de 5.12.2014):

1) A Requerente é uma sociedade anónima que se dedica à atividade de construção civil e industrial, empreitadas de obras públicas, compra e venda de materiais de construção, fabricação de serralharias e carpintarias e construção de prédios para venda, bem como a compra e venda e arrendamento de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim (cfr. impressão da certidão permanente da Requerente, de fls. 85 a 98, junta como Doc. n.º 3).
2) A Requerente e a 1.ª Requerida, em 22.08.2005, celebraram acordo denominado por “Empreitada Geral de Construção do Empreendimento – Convento dos Inglesinhos (Edifícios A, B, C e Zonas Técnicas”, de fls. 62 a 84 (Doc. n.º 2).

3) A requerente, nos termos e para os efeitos das cláusulas 11ª e 12ª do acordo, prestou a favor da 1ª requerida as seguintes garantias bancárias, de fls. 42 a 60 (documento 1):

a) 125-02-0879603, emitida em 17/10/2005, pela 2ª Requerida, no valor de € 424.000,00 (quatrocentos e vinte e quatro mil euros);
b) 125-02-0892394, emitida em 07/11/2005, pela 2ª Requerida, no valor de € 9.750,00 (nove mil setecentos e cinquenta euros);
c) 125-02-1044157, emitida em 17/08/2006, pela 2ª Requerida, no valor de € 130.000,00 (cento e trinta mil euros);
d) 125-02-1111878, emitida em 02/01/2007, pela 2ª Requerida, no valor de € 100.000,00 (cem mil euros);
e) 166-43.010509-7, emitida em 02/1/2007, pela 3ª Requerida, no valor de € 103.483,45 (cento e três mil quatrocentos e oitenta e três euros e quarenta e cinco cêntimos);
f) 166-43.010508-9, emitida em 02/11/2007, pela 3ª Requerida, no valor de € 41.867,29 (quarenta e um mil oitocentos e sessenta e sete euros e vinte e nove cêntimos);
g) 166-43.010524-6, emitida em 24/01/2008, pela 3ª Requerida, no valor de € 40.000,00 (quarenta mil euros);
h) 166-43.010525-3, emitida em 24/01/2008, pela 3ª Requerida, no valor de € 70.000,00 (setenta mil euros);
i) 166-43.010543-6, emitida em 18/03/2008, pela 3ª Requerida, no valor de € 20.000,00 (vinte mil euros);
j) 166-43.010544-4, emitida em 18/03/2008, pela 3ª Requerida, no valor de € 7.000,00 (sete mil euros);
k) 166-43.010581-6, emitida em 05/06/2008, pela 3ª Requerida, no valor de € 65.385,00 (sessenta e cinco mil trezentos e oitenta e cinco euros);
l) 166-43.010580-8, emitida em 05/06/2008, pela 3ª Requerida, no valor de € 42.500,00 (quarenta e dois mil e quinhentos euros);
m) 166-43.010687-1, emitida em 11/03/2009, pela 3ª Requerida, no valor de € 10.000,00 (dez mil euros),
todas totalizando o montante de € 1.063.985,74 (um milhão sessenta e três mil novecentos e oitenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos).

4) A Requerente teve conhecimento de que a 1ª Requerida solicitou às 2ª e 3ª Requeridas o pagamento de valores que não pode, nesta data determinar seguramente, na ordem de grandeza de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), ao abrigo de algumas das garantias bancárias melhor identificadas.

5) O objeto do contrato de empreitada consistiu na construção de um empreendimento, incluindo a reabilitação do existente, no Convento dos Inglesinhos, Monumento Histórico do século XVII situado no Bairro Alto, em Lisboa.

6) Tendo sido executada a Empreitada na sua totalidade, foi a mesma provisoriamente recebida em 27 de Fevereiro de 2009, pela 1ª requerida, que a tem usufruído em plenitude desde então, – cfr. auto de receção provisória de fls. 103 a 132 (Doc. 4).

7) Desde essa data, a Requerente tem tido uma presença constante em período de garantia, fixado na cláusula 16ª do contrato de empreitada, respondendo às solicitações de reparações que a 1ª Requerida lhe apresenta e sempre que a mesma as apresenta.

8) Aproximando-se o termo do prazo de garantia, as Partes iniciaram, no decurso de 2013, a análise exaustiva de listagens de reparações a efetuar pela Requerente no Empreendimento em causa, as quais são minuciosas e extensas.

9) Ademais, era propósito das Partes, ainda em 2013, reduzir a caução prestada pelas 2ª e 3ª Requeridas, a pedido da Requerente, uma vez que o elevado valor que as mesmas representavam, na sua totalidade – mais de um milhão de euros – já não tinha correspondência direta e proporcional com as responsabilidades da Requerente na Empreitada, para além de a respetiva manutenção constituir encargos financeiros avultados para a Requerente, já sem justificação.

10) Desde finais de 2013, as Partes iniciaram a análise da lista de situações a reparar, baseada em vistorias efetuadas pela 1ª Requerida e por indicações do condomínio que administra as partes comuns do empreendimento ora em causa, com vista à respetiva eliminação.

11) Em 2014, depois de terem sido organizados os trabalhos de reparações a cargo da Requerente, conforme solicitado em correspondência da 1ª Requerida datada de 18 de Fevereiro de 2014 e renovada em 24 de Março de 2014, de fls. 123 a 132 (Doc. 5), e apresentadas em resposta a uma carta da Requerente de Novembro de 2013, a Requerente apresentou diversos pontos de situação de tais trabalhos (a título de exemplo, fls. 136 a 188, Doc. 6), os quais já se encontram executados em parte, mantendo-se para esse efeito, em permanência no local, uma equipa da Requerente.

12) Relativamente a tais listas, a requerente não aceita parte, que não é muito significativa, como sendo da sua responsabilidade eliminar defeitos, na medida em que os respetivos trabalhos não pertenciam ao âmbito da empreitada que lhe foi adjudicada pela 1ª Requerida.

13) Mais tarde, em Julho de 2014, as partes reuniram-se com o objetivo de reduzir as garantias bancárias existentes e agendaram a resolução das várias situações, que se encontram divididas por três assuntos, a saber:
- situações não reconhecidas pela Requerente como sendo da sua responsabilidade;
- situações que serão resolvidas por equipas internas da Requerente;
- situações que serão resolvidas com recurso a entidades externas à Requerente, por especialização dos respetivos trabalhos.

14) Depois dessa reunião e da na sequência da execução de trabalhos pela Requerente, a mesma recebeu apenas o e-mail dirigido por um funcionário da 1ª Requerida, em 26 de Setembro de 2014, de fls. 136 a 138 (Doc. 6), em que o mesmo reconhece a realização de trabalhos pela Requerente, pronunciando-se sobre as demais situações em curso entre as partes.

15) Ora, encontrando-se a Requerente a realizar reparações, nas situações que reconhece como sendo da sua responsabilidade, e continuando a 1ª Requerida a autorizar e reconhecer tais trabalhos, nada faria antever o pedido de pagamento de garantias bancárias de que a Requerente teve agora conhecimento, de cerca de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros) no seu conjunto reclamados pela 1ª Requerida às 2ª e 3ª Requeridas.

16) A 1ª Requerida não procedeu a qualquer interpelação admonitória à Requerente que a possa colocar em estado de incumprimento, bem pelo contrário, aceitou o planeamento de trabalhos e tem aceite e permitido a permanência de colaboradores da Requerente no Empreendimento que ali se encontram a realizar trabalhos.

17) A Requerente não se recusou a realizar reparações que fossem da sua responsabilidade, no âmbito da garantia da Empreitada contratada com a 1ª Requerida.

18) Não há sequer uma valorização entre as partes que possa justificar ou fundamentar o quantum de pagamento solicitado pela 1ª Requerida às 2ª e 3ª Requeridas.

19) As listas tratadas entre as partes apresentam numerosas e minuciosas entradas, mas tal não se traduz numa proporção direta e imediata num grande valor de tais reparações, as quais a Requerente estima serem muitíssimo inferiores aos já referidos € 400.000,00.

20) Foi, assim, com total surpresa que a Requerente tomou conhecimento destes pedidos de pagamentos de valores ao abrigo de garantias bancárias emitidas pelas 2ª e 3ª Requeridas.

21) Na atual conjuntura económica e financeira que se vive em Portugal, e em particular das suas empresas, o impacto da execução e o subsequente reembolso do banco emitente da garantia bancária causam prejuízos de fácil perceção, mas de difícil reparação, até atendendo ao elevado montante global das garantias em causa e mesmo que sejam apenas os referidos € 400.000,00 supra referidos, que a 1.ª Requerida executou junto das 2ª e 3ª Requeridas.

22) A execução de garantias bancárias transmite, sempre, um juízo fortemente negativo quanto à capacidade da Requerente de cumprir as suas obrigações contratuais.

23) Como é público e notório, o facto será do imediato conhecimento dos agentes do mercado mais envolvidos – donos de obras, bancos, fornecedores e parceiros comerciais.

24) De facto, as empresas que se dedicam à indústria da construção civil e das obras públicas, como é o caso da Requerente, dependem, para o exercício da sua atividade, de prestar garantias aos donos das obras ou outras entidades adjudicantes, pelo que é corrente e recorrente a necessidade de acederem a financiamentos e outros tipos de operações financeiras em que as entidades bancárias são parceiras.

25) A Requerente, face ao montante que estará em causa, não terá meios para efetuar o reembolso às 2.ª e 3ª Requeridas, o que terá uma repercussão desastrosa no mercado, nacional e internacional, atualmente tão expressivo e necessário na subsistência das empresas portuguesas, como é o caso da Requerente.

26) A mobilização a curto prazo de importância tão elevada da Requerente para reembolsar as 2.ª e 3ª Requeridas, muito dificilmente poderia ser feito com recursos próprios, obrigando-a a recorrer ao crédito bancário, o que pelas razões referidas está hoje bastante dificultado e muito agravado em termos de onerosidade, com impactos negativos incalculáveis nas atividades da mesma e na respetiva imagem no mercado da construção.

27) O acionamento das garantias em causa afetará gravemente o bom nome da Requerente, junto das respetivas entidades emitentes, o Banco C., S. A. e a Caixa E., S. A.

28) O grupo económico em que a Requerente se insere, o Grupo E, integra o Fundo de Reestruturação do Sector da Construção (comummente designado por Fundo V), no âmbito do qual está prevista a necessária implementação de um processo de negociação para regularização do seu passivo.

29) O Banco C., S. A. e a Caixa E., S. A. são duas das instituições bancárias que apoiam o Fundo V na restruturação das entidades que o integram e onde se encontra a Requerente.

30) Consequentemente, o acionamento, pagamento das garantias e subsequente mora nas obrigações financeiras da Requerente perante, principalmente, o Banco C., S. A., pode consubstanciar um sério risco de vencimento antecipado e imediata exigibilidade das obrigações da Requerente, e de outras empresas que integram o fundo, para com esta entidade bancária, ficando a Requerente numa situação de impossibilidade de solver os seus compromissos e na iminência de ter de recorrer a um processo de revitalização ou mesmo de insolvência, necessariamente sem linhas financeiras essenciais à sua atividade (incluindo a emissão de garantias bancárias).

Factos apurados em sede de oposição (na 2ª sentença, de 12.5.2015):

A) Em 22 de Agosto de 2004, a Requerida celebrou com a Requerente um Contrato de Empreitada, junto por esta na Petição Inicial como Doc. n.º 1.
B) Ora, não obstante a consignação da empreitada datar de 29 de Agosto de 2005 (conforme Doc. n.º 4 junto com a Petição Inicial), a verdade é que até à data, não logrou a Requerente concluir a execução dos trabalhos definidos no Caderno de Encargos de fls. 236 a 311.
C) Assim, incumpriu a Requerente o disposto na cláusula 14ª do contrato celebrado entre as partes, que prevê que “O prazo global para a conclusão dos trabalhos é de 18 meses e meio a contar do dia da consignação da empreitada”.
D) Ou seja, tendo a empreitada sido consignada em 29 de Agosto de 2005, deveria a obra ter sido entregue, para receção definitiva, em 01 Março de 2007.
E) Sucede que, apenas em 27 de Fevereiro de 2009, ao contrário do alegado pela Requerente no artigo 13º da Petição Inicial, se encontrou a obra pronta para receção parcial e provisória, como resulta do Auto de Receção junto pela Requerente como Doc. n.º 4.
F) De salientar que, no mesmo documento, é mencionado que “Está excluída desta receção provisória os muros recuperados do pátio das oliveiras e pátio da capela ainda com trabalhos de reparação para concluir – será objeto de receção provisória parcelar (…) Regista-se que foram feitas receções parcelares de apartamentos (…)” (negrito e sublinhado nosso).
G) Assim, mostra-se forçoso concluir que, como resulta do próprio auto de receção parcial e provisório, em 27 de Fevereiro de 2009 (tal como na presente data), a obra ainda se encontrava por terminar, em plena violação do contrato celebrado entre as partes.
H) O incumprimento ainda se mantém, facto de que a Requerente tem pleno conhecimento, até porque junta com a sua petição inicial (Doc. n.º 5), acusando a sua efetiva receção, as cartas enviadas pela Requerida em 18/02/2014 e 24/03/2014.
I) Ora, de uma breve análise à carta datada de 18/02/2014, facilmente se retira que, face ao incumprimento contratual e numa tentativa de resolução extrajudicial, tentaram as partes estabelecer um acordo que previsse um novo prazo para execução dos trabalhos, estabelecendo-se mais concretamente que “A E., S. A. deverá executar os trabalhos supramencionados, no limite até 30/Abril/2014 para a PARTE I e 30/Junho/2014 para os trabalhos associados à PARTE II”.
J) Mediante o cumprimento destes prazos, aceitava a Requerida reduzir ou ir cancelando as respetivas garantias bancárias.
K) Sucede que, volvidos mais de 30 dias, a Requerente não só não respondeu afirmativamente à supramencionada proposta, como nem sequer apresentou um novo planeamento dos trabalhos a realizar ou manifestou a intenção de apresentar qualquer alternativa.
L) Pelo que, por carta datada de 24/03/2014, viu-se a Requerida forçada a dar por terminada a tentativa de resolução extrajudicial, informando que “a partir deste momento se reserva ao direito de desenvolver as ações contratuais e legais à sua disposição para defender os seus interesses nesse processo.”
M) Ora, ao juntar esta missiva, carreou a Requerente para os autos a interpelação admonitória bastante para a colocar em estado de incumprimento definitivo para com a Requerida.
N) Justificando, assim, a execução das garantias bancárias pelo incumprimento contratual, o qual, remonta, no mínimo, já ao ano de 2009.
O) A própria Requerente alegava dificuldades financeiras para puder concluir a obra.
P) Exemplo flagrante desta situação é o email datado de 07/05/2014, de fls. 315 a 316, enviado pela Requerente à Requerida, em resposta à carta datada de 24/03/2014 e ao email datado de 02/05/2014, nos seguintes termos:

“Desde já lamentamos o facto de termos demorado na resposta às vossas solicitações para que apresentemos a programação para a mobilização dos meios necessários a executar as reparações em falta no “Convento dos Inglesinhos”. A verdade é que temos estado “em suspenso” da efetivação de perspetivas de serem reunidas internamente as condições financeiras, no sentido de podermos dar essas respostas.
(…) a seguinte metodologia/catalogação, que passa pela separação das anomalias em três categorias – 1. As situações em que iremos mobilizar a nossa equipa interna do pós venda (…); 2. As reparações em que teremos de recorrer à contratação de empresas externas para a respetiva execução, uma vez que os nossos recursos próprios não são suficientes para todas as necessidades; 3. Situações que a E., S. A. não aceita como legítimas ao abrigo da garantia (…)
Relativamente às situações em que teremos de recorrer à contratação externa (…) teremos de ter a confirmação das condições existentes de “financiamento” destes trabalhos, surgindo 2 cenários possíveis; 1. o processo de obtenção de financiamento junto da banca, que está em curso pela nossa empresa, encontra-se fechado e a E., S. A. adjudica os trabalhos assegurando os respectivos pagamentos; 2. A situação não se encontra resolvida e a H., S. A. adjudica os trabalhos à empresa escolhida e procede ao accionamento da GB prestada pela E., S. A. (…)
Face ao exposto, estaremos em condições de apontar como prazo final para a conclusão das reparações, o final do mês de Setembro.”

Q) A Requerente encontra-se com grandes dificuldades financeiras, facto que é aliás do conhecimento público, porquanto a mesma integra o Fundo de Reestruturação do Sector da Construção (Fundo V).
R) Assim, volvidos cerca de dois meses da data indicada pela Requerente para o termo das reparações, viu-se a Requerida forçada a executar as Garantias Bancárias.
S) A requerida viu-se obrigada pelos proprietários das frações a assumir a reparação dos defeitos da obra e a proceder à sua reparação até 30/09/2015, conforme Declaração de fls. 325 a 328, por forma a evitar as iminentes ações judiciais.
T) A requerida, em 05/11/2014, interpelou a Caixa E., S. A. e o Banco C., S. A., conforme Doc. n.º 4 e 5, para a execução de garantias bancárias no montante de € 300.235,74 e € 100.000,00, respetivamente.
U) Estas instituições só se dignaram dar resposta por cartas datadas de 20/11/2014 (Doc. n.º 6) e 11/12/2014 (Doc. n.º 7).

***

III- Fundamentação de Direito:

Cumpre apreciar do objeto do recurso.

Como é sabido, são as conclusões que delimitam o seu âmbito. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.

De acordo com as conclusões acima transcritas – e uma vez decidida a questão do efeito do recurso que já confirmámos nesta instância – cumpre-nos apreciar:
-da nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art. 615, nº 1, al. d), do C.P.C.);
-da impugnação da matéria de facto;
-da verificação dos pressupostos para a decretação da providência requerida.

Antes, porém, abordaremos a questão da rejeição do recurso reclamada pela apelada, em virtude de não terem sido indicadas as normas jurídicas violadas, nos termos do art. 639 do C.P.C..

A propósito da impugnação da matéria de facto apreciaremos a outra questão, também suscitada nas contra-alegações, sobre a rejeição do recurso nessa parte.

Questão prévia:
(…).

A) Da nulidade da decisão (art. 615, nº 1, al. d), do C.P.C.):
(…)

B) Da impugnação da matéria de facto:

A segunda questão a ponderar tem que ver, antes de mais, com a própria admissibilidade do recurso no que toca à impugnação da matéria de facto.

A apelada sustenta que a apelante não observa o disposto no art. 640 do C.P.C., pois apesar de fazer transcrições da audiência, não indica os factos de que discorda nem os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa, tendo o pedido de reapreciação da prova o único intuito de obter prazo adicional para o recurso.

Vejamos.

De acordo com o princípio consagrado no art. 607, nº 5, do C.P.C., o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido (salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada), pelo que as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas.

Os poderes do tribunal da Relação de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto foram, por seu turno, largamente ampliados e reforçados pelo C.P.C. de 2013, como decorre do seu atual art. 662, no confronto com o anterior art. 712 do C.P.C. 1961, configurando-se agora a reapreciação da decisão de facto nesta instância como um verdadeiro novo julgamento.

No entanto e ao mesmo tempo, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto obedece a determinadas regras, regras essas que surgem agora mais precisas que no anterior C.P.C. de 1961. Assim
de acordo com o atual art. 640, nº 1, do C.P.C. de 2013: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

No que toca à especificação dos meios probatórios, incumbe ainda ao recorrente “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Finalmente, tais regras hão-de concertar-se com aquela outra já indicada de que as conclusões delimitam o âmbito do recurso (art. 635, nº 4, do C.P.C.).

Cumpre ainda dizer que a inobservância dos legais requisitos previstos no art. 640 do C.P.C. impõe logo a rejeição, total ou parcial, do recurso quanto à decisão da matéria de facto, sem lugar a prévio despacho de aperfeiçoamento([2]).

Assim, e resumindo, ao recorrente que impugne a matéria de facto caberá, sob pena de rejeição imediata do recurso, indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (aos quais deve aludir na motivação do recurso e sintetizar nas conclusões), especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, em seu entender, impunham decisão diversa quanto a cada um desses factos e propor, ainda, a decisão alternativa sobre cada um deles.

É patente, no caso, a falta de rigor e de clareza no recurso apresentado, em particular no que respeita à impugnação da matéria de facto, exprimindo-se a recorrente de forma opaca e desorganizada.

No entanto, se atentarmos nas conclusões 9ª a 13ª, verificamos que a apelante aí indica expressamente os factos que impugna – embora apenas transcritos, até porque, como acima assinalámos, na sentença os factos surgem somente enunciados em parágrafos destacados, sem qualquer identificação numérica ou outra – indica os factos que pretende ver provadose não provados,mencionando ainda os meios de prova (depoimentos) em que se funda. Acresce que, nas alegações, e ao proceder à transcrição de excertos de depoimentos, a recorrente não deixa também de indicar as passagens da gravação em que baseia o seu desacordo.

Admite-se, por isso, ainda que com alguma benevolência, que quanto ao enunciado nas ditas conclusões 9ª a 13ª a apelante cumprirá minimamente os legais requisitos.

Passemos, assim, à análise, nesta vertente, do recurso assim delimitado, depois de ouvidas as testemunhas inquiridas e analisados os autos.

Para maior facilidade, passaremos a aludir aos factos em questão de acordo com a organização por nós adotada e que acima consta da matéria assente, isto é, com indicação da respetiva ordem numérica (1ª sentença) e alfabética (2ª sentença).

Deste modo, e em primeira linha, a apelante pretende a eliminação dos pontos C), D) e E) supra – “Assim, incumpriu a Requerente o disposto na cláusula 14ª do contrato celebrado entre as partes, que prevê que “O prazo global para a conclusão dos trabalhos é de 18 meses e meio a contar do dia da consignação da empreitada”” (C)), “Ou seja, tendo a empreitada sido consignada em 29 de Agosto de 2005, deveria a obra ter sido entregue, para receção definitiva, em 01 Março de 2007” (D)) e “Sucede que, apenas em 27 de Fevereiro de 2009, ao contrário do alegado pela Requerente no artigo 13º da Petição Inicial, se encontrou a obra pronta para receção parcial e provisória, como resulta do Auto de Receção junto pela Requerente como Doc. n.º 4” (E)) – dando-se como provado, em alternativa, que “Não incumpriu a Requerente o disposto na cláusula 14ª do contrato celebrado entre as partes, que prevê que "O prazo global para a conclusão dos trabalhos é de 18 meses e meio a contar do dia da consignação da empreitada” e que “Devido a diversas circunstâncias, entre as quais providências cautelares e suspensões de trabalhos, a obra não foi entregue, para recepção provisória, em 01 de Março de 2007, tendo a Requerente, conforme alegou no artigo 13º da petição inicial e resulta da prova documental junta aos autos pela mesma como Doc. 4, entregue a mesma para recepção provisória em 27 de Fevereiro de 2009” (ver conclusões 10ª e 11ª)”.

Invoca, para tanto, o depoimento da testemunha HN.

O primeiro reparo a fazer respeita ao próprio elenco dos pontos dados como assentes em ambas as sentenças que, no essencial, reproduzem a alegação das partes, contendo, por isso, várias enunciações meramente conclusivas e/ou de direito.

Assim sucede logo com o ponto C) supra (tal como o texto alternativo proposto pela apelante) que encerra uma exclusiva conclusão de direito, não correspondendo a qualquer facto. Na verdade, saber se a requerente cumpriu ou incumpriu o acordado é matéria de direito a extrair pelo tribunal dos factos que se considerem indiciariamente provados, não podendo integrar a factualidade provada.

Por conseguinte, neste ponto C) caberá apenas manter o texto da cláusula contratual em apreço, considerando que o clausulado geral resulta do exemplar do contrato junto aos autos, não havendo qualquer desacordo das partes neste aspeto.

Passa, pois, o dito ponto C) supra a ter a seguinte redação: “A cláusula 14ª do acordo escrito celebrado entre as partes estabelece que ´O prazo global para a conclusão dos trabalhos é de 18 meses e meio de calendário a contar do dia da consignação da empreitada (…)´”.

Verifica-se, do mesmo modo, que os ponto D) e E) supra padecem do mesmo tipo de vício, encerrando verdadeiras conclusões e não simples factos.

Desde logo, os factos relevantes a considerar no ponto D) correspondem somente às datas em que a empreitada foi efetivamente “consignada” após a celebração do contrato e aquela em que foi rececionada pela 1ª requerida. A noção de que “deveria ter sido entregue” tem caráter exclusivamente conclusivo e já decorre, aliás, de forma suficiente, da cláusula 14ª reproduzida no ponto anterior, pelo que não deve, em caso algum, constar dos factos assentes.

Já quanto ao ponto E), é naturalmente irrelevante a referência à alegação das partes, relevando tão só a data e as condições em que foi feita a receção da obra.

No que respeita às causas do atraso na entrega, e contra o que sugere a apelante, não resultou da prova produzida que o mesmo se tenha ficado a dever a motivos alheios à requerente.

De resto, a testemunha HN, Eng. Civil que dirigiu a fiscalização da obra e trabalha hoje para a 1ª requerida na assistência pós venda, cujo depoimento é convocado pela recorrente, limitou-se a referir que houve vários motivos para o atraso na entrega, mencionando, a título de exemplo, a existência de providências cautelares com suspensão dos trabalhos (sem qualquer menção, ainda assim, às respetivas partes intervenientes), jamais tendo referido que a requerente tenha sido estranha ao atraso verificado.

Se atentarmos, então, no texto alternativo proposto pela apelante (ver conclusão 11ª) e no teor do doc. 4 por si junto com a p.i., a fls. 103 e ss. dos autos – sob a designação “Auto de Recepção – Parcial – Provisória da Empreitada Geral de Construção (Empreitada E.07 – E., S. A. Construções)” – verificamos que o referido auto de receção da obra tem a data de 27.2.2009, do mesmo constando que a “consignação da empreitada foi realizada a 29 de Agosto de 2005”.

Por conseguinte, e não tendo ficado minimamente demonstrado que a demora na entrega tenha ocorrido por razões externas à requerente, deve alterar-se a redação dos referidos pontos D) e E) em conformidade com o conteúdo do referido doc. de fls. 103 e ss., sendo evidente que, na sequência do que vimos dizendo, a proposta de redação alternativa da apelante não pode ter acolhimento.

Devem, pois, os ditos ponto D) e E) supra passar a ter a seguinte redação: “A empreitada foi consignada em 29 de Agosto de 2005” (D)) e “Foi em 27 de Fevereiro de 2009 que veio a ocorrer a receção parcial e provisória da obra, nos termos constantes do Auto de Receção junto a fls. 103 e ss.” (E)).

Pretende, ainda, a apelante que se tenha como provada a factualidade acima reproduzida sob os pontos 10 a 17 supra (ver conclusão 13ª), que havia sido dada como provada na primeira sentença (de 5.12.2014), invocando os depoimentos das testemunhas JA e HN.

Muito embora, de forma incompreensível, a apelante não impugne de forma válida matéria dada como assente depois de produzida a prova oferecida com a oposição e que com estes pontos 10 a 17 necessariamente colide, analisemos os mesmos.

Cumpre notar que do depoimento de todas as testemunhas inquiridas e da análise da documentação junta aos autos, nomeadamente da correspondência trocada entre as partes, resulta, com mediana evidência, que a 1ª requerida nunca chegou a dar por findo ou como resolvido o contrato de empreitada celebrado com a requerente. De resto, foi mesmo confirmado pela testemunha HN (Eng. Civil que, como dissemos, dirigiu a fiscalização da obra e trabalha hoje para a 1ª requerida na assistência pós venda) que a requerente se mantinha em obra ainda em 2015, procedendo a algumas reparações no local ainda que sem realizar, segundo disse, as de maior monta e dificuldade.
É também evidente que ao e-mail de 24.3.2104 referido no ponto L) supra se seguiu troca de correspondência entre requerente e requerida que denota a manutenção da relação contratual e a renovação de esforços no sentido de que a requerente conclua os trabalhos de reparação necessários. São disso claro exemplo, a troca de e-mails entre 2 e 7.5.2014, a fls. 315 a 317 (em que a 1ª requerida pede à requerente a entrega de um plano de reparações até 8 de Maio), bem como os e-mails de 16.9.2014, 17.9.2014 e de 26.9.2014, a fls. 136 a 144 dos autos, onde se alude à lista de trabalhos/reparações a executar pela requerente e à realização de reuniões técnicas entretanto ocorridas.

Assim, serão de manter, em boa parte, os ditos pontos 10 a 17 supra, se bem que depurados também de todas as considerações conclusivas ou que não tenham efetivo suporte nos meios de prova produzidos.

Entre os meios de prova por nós considerados destacamos, para além dos documentos (os acima indicados e, ainda, por ex., a carta de 18.2.2014 remetida pela 1ª requerida à requerente), os depoimentos de RC (Eng. Civil que foi diretor de obra e é agora coordenador pós venda da requerente), de JL (Eng. Civil que trabalha para a requerente na assistência pós venda), de JA (Eng. Eletrotécnico que trabalha para a requerida desde 2013) e do já indicado HN, que depuseram demonstrando idoneidade e conhecimento dos factos em questão, os quais se revelaram convergentes no que aqui releva.

Deverão, pois, os referidos pontos 10 a 17 supra ser aditados aos factos provados com o seguinte teor:

V) “Desde finais de 2013, a requerente e a 1ª requerida procederam à análise da lista de situações a reparar, baseada em vistorias efetuadas pela 1ª requerida e por indicações do condomínio que administra as partes comuns do empreendimento, com vista à respetiva eliminação” (corresponde ao ponto 10);
W) “Durante o ano de 2014, a requerente apresentou à 1ª requerida, por diversas vezes, o ponto da situação dos trabalhos dessas listas que se propunha ainda realizar, os quais foram já executados em parte, mantendo-se para esse efeito, no local, trabalhadores da requerente” (corresponde ao ponto 11);
X) “A requerente não aceita como sua a responsabilidade da execução de parte dos trabalhos indicados nas listas elaboradas, por considerar que estes não integravam o âmbito da empreitada” (corresponde ao ponto 12);
Y) “Em Julho de 2014, as partes reuniram-se e agendaram a resolução das várias situações” (corresponde ao ponto 13);
Z) “No e-mail remetido pela 1ª requerida à requerente em 26.9.2014, a fls. 136 a 132, aquela reconhece, além do mais, a realização de trabalhos pela requerente, pronunciando-se sobre as demais situações em curso entre as partes” (corresponde ao ponto 14);
AA) “Uma vez que a Requerente continuou a realizar reparações na obra e que a 1ª requerida continuou a autorizar e a reconhecer tais trabalhos, a primeira surpreendeu-se com o pedido de pagamento de garantias bancárias reclamados pela 1ª requerida às 2ª e 3ª requeridas no valor de cerca de € 400.000,00” (corresponde ao ponto 15);
BB) “A 1ª  requerida tem aceite e permitido a permanência de colaboradores da requerente no empreendimento que ali se encontram a realizar trabalhos” (corresponde ao ponto 16);
CC) A requerente não se recusou a realizar reparações que entendesse serem da sua responsabilidade no âmbito da ´garantia da empreitada´ acordada com a 1ª  requerida (corresponde ao ponto 17).

No que respeita aos restantes pontos A), B) e F) a U) supra descritos que foram julgados assentes depois de produzida a prova oferecida com a oposição e que a apelante não impugnou, como vimos, cumpre, ainda assim, desconsiderar todas as enunciações conclusivas e/ou de direito, no que se inserem, naturalmente, quer as meras reflexões aí vertidas sobre o incumprimento da 1ª requerida quer sobre a interpretação do conteúdo de documentos (cfr., v.g., pontos G), I) e M) supra).

Em conclusão: pelas razões e nas condições referidas, altera-se a resposta dada pela 1ª instância aos pontos C), D) e E) supra e aditam-se os pontos V)a CC) aos factos no final julgados assentes.

C) Da verificação dos pressupostos para a decretação da providência requerida:

Aqui chegados e partindo dos factos que vieram a ser indiciariamente apurados – considerando-se, designadamente, os referidos por ordem alfabética nos moldes acima indicados e na medida em que infirmam e contrariam os antes apurados na sentença inicial – cumpre então analisar se estão ou não verificados os requisitos necessários à decretação da providência.

A recorrente afirma, no essencial, que não incorreu em incumprimento definitivo para com a 1ª requerida e que a carta de 24.3.2014 não pode valer como interpelação admonitória bastante para a colocar nessa condição, pelo que não podiam ser executadas as garantias prestadas, sendo a conduta da 1ª requerida abusiva e violadora das regras da boa fé.

Na sentença recorrida discorreu-se: “(…) Da matéria agora carreada, depreende-se que a requerente, na qualidade de empreiteira da obra adjudicada pela 1ª requerida, não procedeu à execução da totalidade dos trabalhos no prazo estipulado no contrato, e só quatro anos depois se registou uma entrega parcial e provisória.
 
A 1ª requerida, dona da obra, permitiu posteriormente que a empreiteira continuasse a realizar os trabalhos em falta e os que foram objeto de reclamação e/ou vício, num clima de entendimento amigável entre as partes. 

Realizaram-se igualmente tentativas de resolução extrajudicial do diferendo, ao longo das quais a requerente foi protelando no tempo a execução dos trabalhos necessários, invocando como desculpa dificuldades financeiras para contratar pessoal externo à empresa.

A 1ª requerida interpela a requerente por escrito a apresentar-lhe o plano de reparações para a globalidade dos trabalhos com determinadas datas-limite de conclusão, no prazo de 10 dias úteis, o que a empreiteira não fez, sendo certo que lhe competia a produção dessa prova, nesta sede, o que não sucedeu.
 
Teve então lugar a advertência por carta registada com aviso de receção, de 24.03.2014 (a fls. 123), em que a 1ª requerida informa a requerente que «se reserva o direito de desenvolver todas as ações contratuais e legais à sua disposição, para defender os seus interesses».
 
Esta interpelação é fundada e respeita a exigência feita na cláusula 23ª do contrato, sendo manifesto que a empreiteira não só não concluiu os trabalhos na sua globalidade no prazo estipulado, como nem sequer apresentou, cerca de cinco anos após a entrega parcial e provisória (com atraso) um plano de reparações, como lhe incumbia. Não é razoável, nem justo, que o dono da obra continue eternamente a aguardar a resolução definitiva da situação, sem que o empreiteiro assuma um compromisso final para a entrega total da obra.
 
Face ao circunstancialismo descrito, é de entender que o acionamento das garantias é legítimo por se fundar no incumprimento definitivo das obrigações contratuais por parte da requerente, sendo certo que esta foi devidamente advertida pela 1ª requerida da iminência de tal acionamento. (…)”.

Analisando.

Constituem requisitos essenciais das providências cautelares não especificadas (procedimento cautelar comum), o fundado receio de que outrem, antes de proposta a ação principal ou na pendência dela, cause lesão grave ou de difícil reparação ao direito do requerente, probabilidade séria da existência do direito ameaçado, adequação da providência solicitada para evitar a lesão e não ser o prejuízo resultante da providência superior ao dano que com ela se pretende evitar (cfr. arts. 362 e 368 do C.P.C.). A providência cautelar comum visa, assim, a remoção do periculum in mora concretamente verificado e assegurar a efetividade do direito ameaçado.

Revendo a matéria indiciariamente provada após o contraditório, temos que a requerente e a 1ª requerida contrataram entre si a realização de trabalhos de construção pela primeira no empreendimento denominado “Convento dos Inglesinhos”, em Lisboa, estabelecendo que o prazo para a conclusão da obra seria de 18 meses e meio a contar da consignação da empreitada, que ocorreu em 29.8.2005. Previram, pois, as partes que a obra seria entregue até 1.3.2007.

Provado ficou também que apenas em 27.2.2009 veio, afinal, a ocorrer a receção parcial e provisória da obra, nos termos constantes do Auto de Receção junto a fls. 103 e ss..

Estamos indiscutivelmente no domínio do regime jurídico da empreitada, contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço (art. 1207 do C.C.). De acordo com o art. 1208 do C.C., “O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato”, sendo que deve cumprir pontualmente o acordado (art. 406 do C.C.), competindo, em contrapartida, ao dono da obra pagar o preço correspondente (art. 1211 do C.C.).

Era ao dono da obra (a 1ª requerida e ora apelante) que caberia alegar e provar a inobservância do prazo acordado e a não entrega da obra nas condições aprazadas. Mas, de acordo com o art. 799, nº 1, do C.C.([3]), havendo violação do contrato, o dono da obra beneficia da presunção de culpa do empreiteiro, cabendo a este então provar que o incumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua([4]).

É, deste modo, incontornável que está indiciada a mora da requerente na execução dos trabalhos.

Mas, como esta defende, não ficou demonstrado que a mesma tenha incorrido em incumprimento definitivo, contra o que se afirma na sentença.

Como sabemos, a simples mora não dá, nos termos da lei, direito à resolução, constituindo apenas o devedor na obrigação de reparar os danos ao credor (arts. 432 e 804, nº 1, do C.C.). A mora, por seu turno, só é convertida em incumprimento definitivo, nos termos do art. 808, nº 1, do C.C., pelo que para haver lugar à resolução do contrato por parte do dono da obra tem de haver incumprimento definitivo do empreiteiro e tal ocorre se aquele perder o interesse em consequência da mora (o que é apreciado objetivamente) ou se a obra não for realizada dentro do prazo razoavelmente fixado para o efeito.

No caso, as partes acordaram quanto às condições de rescisão do contrato (cfr. cláusula 23ª do contrato e ponto 5.5 das “Condições Gerais e Administrativas do Caderno de Encargos” para que o primeiro também remete), “mediante envio de carta justificativa”.
Não se provou, em todo o caso, nem foi tão pouco alegado, que a 1ª requerida tivesse resolvido o contrato de empreitada em apreço.

De resto, não obstante o teor da carta de 24.3.2014, mediante a qual a 1ª requerida comunicou à requerente que “a partir deste momento se reserva ao direito de desenvolver as ações contratuais e legais à sua disposição para defender os seus interesses nesse processo”, as partes mantiveram o contato e a requerente permaneceu em obra realizando trabalhos, sem oposição da requerida (ver pontos Y), Z) e BB) supra aditados).

A questão está em saber se, nas referidas condições, podia a requerente executar as garantias prestadas (ponto 3 supra).

Em causa estão garantias bancárias constituídas pela requerente a favor e por solicitação da 1ª requerida, para assegurar o efetivo e integral cumprimento do contrato de “Empreitada Geral de Construção do Empreendimento – Convento dos Inglesinhos (Edifícios A, B, C e Zonas Técnicas”, conforme fls. 42 a 60, até aos montantes nas mesmas indicadas, mediante as quais as instituições de crédito emitentes se constituíram principal pagador de importâncias que a requerente viesse a dever à requerida, comprometendo-se na qualidade de principal pagador a reembolsar, ao primeiro pedido da beneficiária, os valores devidos até ao referido limite, sem possibilidade de poder apreciar dos fundamentos apresentados pela beneficiária.

Trata-se, por conseguinte, de garantias autónomas e não de quaisquer garantias acessórias.

A garantia autónoma corresponde a um contrato outorgado, ao abrigo do disposto no art. 405 do C.C., entre o mandante da garantia e o garante a favor de um terceiro, o beneficiário, só podendo, no geral, o garante opor a este as exceções que constem do próprio texto da garantia ou havendo prova inequívoca e notória de fraude manifesta ou de abuso evidente por parte do beneficiário ou até ilicitude da causa por violação da ordem pública([5]).

A garantia autónoma surge para reforçar o direito do credor, posto que é alheia a quaisquer discussões sobre a validade ou eficácia do negócio a que respeita, constituindo o garante no dever de assegurar o pagamento da dívida independentemente dessa validade ou eficácia([6]). É essa a principal característica que distingue a fiança da garantia autónoma.

A garantia bancária, autónoma do negócio que dá origem ao crédito, assenta, assim, numa relação comercial tripartida: 1) a relação entre o devedor mandante da garantia e o beneficiário, que corresponde ao contrato base; 2) a relação entre o mandante e o Banco garante (ou a seguradora de créditos), pelo qual o primeiro mandata o segundo para emitir a garantia a favor do beneficiário; 3) a relação entre o Banco garante e o beneficiário que corresponde à garantia em si mesma, através da qual o primeiro se obriga a pagar a quantia estipulada caso o devedor não cumpra as suas obrigações([7]).

Por conseguinte, a garantia bancária autónoma define-se, justamente, e por oposição às garantias acessórias como a fiança, pela independência relativamente ao contrato principal a que se refere, constituindo uma obrigação própria do garante, que atinge o seu expoente máximo nas denominadas garantias on first demand ou à primeira interpelação.

Nesta modalidade a garantia funciona automaticamente, devendo o pagamento ser efetuado logo que o beneficiário o exija.

Desse modo, o Banco só pode opor ao beneficiário as exceções que eventualmente constem do próprio texto da garantia ou havendo prova, inequívoca e notória, de fraude manifesta, de abuso evidente por parte do beneficiário ou até de ilicitude por violação da ordem pública, verdadeiras situações-limite que não podem confundir-se nem reconduzir-se a uma mera discussão sobre a existência da obrigação fundamental.

Conforme explicam Almeida Costa e Pinto Monteiro, no seu parecer sobre “Garantias Bancárias – O contrato de garantia à primeira solicitação”([8]): “Tratando-se normalmente de operações vultosas, os contraentes receiam que eventuais conflitos e controvérsias sobre a validade, a subsistência ou o cumprimento das obrigações possam alongar-se demasiado nos tribunais, não se compadecendo o interesse do comércio com demoras e incertezas na execução da garantia.

Surge, em decorrência, a garantia autónoma – quer dizer, exigível independentemente das vicissitudes da relação principal entre o credor/beneficiário da garantia e o devedor – à primeira solicitação, ou seja, a pagar logo que o beneficiário o solicite ao banco/garante, sem que este ou o devedor possam opor-lhe quaisquer objecções.

Será o devedor, depois de reembolsar o garante da quantia por este entregue ao beneficiário, que terá de intentar (...) procedimento judicial em ordem a reaver a referida importância, provando a falta de fundamento da atitude do credor beneficiário. Dir-se-ia que as garantias autónomas à primeira solicitação obedecem ao seguinte lema: paga-se primeiro e discute-se depois.”

A circunstância da garantia on first demand ser automática não obsta, como dissemos, à invocação da exceção de fraude manifesta ou evidente abuso do direito por parte do beneficiário, em homenagem ao princípio geral da boa fé, o que vale por dizer que a verificação de tais condições permite ao garante opor-se ao pagamento solicitado, sob pena de ver prejudicado o seu direito ao reembolso, tal como permite ao devedor intentar procedimento judicial tendente a obter providências cautelares que impeçam o beneficiário de receber o valor garantido([9]).

No entanto, deve acentuar-se de novo a indispensável, clara e inequívoca demonstração dos factos que integram as exceções oponíveis ao pagamento, sob pena de se descaracterizar a essência deste tipo de garantia bancária. “Trata-se, pois, de encontrar um equilíbrio entre o interesse do beneficiário em poder accionar a garantia sem entrar em discussões acerca do seu direito, e o do devedor de evitar actuações manifestamente abusivas do beneficiário em seu prejuízo.”([10])

Revertendo agora para o caso concreto e percorrendo a factualidade indiciariamente apurada, temos que o óbice oposto pela requerente à execução das garantias prestadas respeita à circunstância da mesma não ter incorrido em incumprimento definitivo e permanecer em obra a executar os trabalhos contratados, mesmo depois da 1ª requerida lhe ter comunicado, em 24.3.2014, que “a partir deste momento se reserva ao direito de desenvolver as ações contratuais e legais à sua disposição para defender os seus interesses nesse processo”. Além de defender que apenas o incumprimento definitivo pode justificar a execução das garantias (conclusão 17ª), a apelante sustenta que a conduta da 1ª requerida é contraditória e violadora dos princípios da boa fé.

Sem dúvida resultou indiciariamente provado que a 1ª requerida não pôs termo ao contrato nos moldes acordados([11]), mas não é menos certo que a respetiva execução sofreu vicissitudes, que a obra foi recebida apenas provisória e parcialmente muito para além do prazo estipulado e que ainda decorriam, à data da instauração da providência, trabalhos no local, estando indiciada de forma bastante, como acima dissemos, a mora da requerente na execução do contrato.

Ora, como acima vimos, tem de ser clara e inequívoca a demonstração dos factos que integram as exceções oponíveis ao pagamento, o que implica ser apresentada prova pronta e líquida da fraude ou do abuso do beneficiário, sob pena de se subverter a natureza específica deste tipo de garantia.

Conforme se sumariou no recente Ac. desta RL de 8.9.2015([12]): “(…) no âmbito da garantia autónoma, sempre que a providência cautelar seja requerida como forma de obstar a um aproveitamento abusivo da posição do beneficiário, deve ser exigida prova pronta e líquida, sendo, pois, insuficiente a consideração do simples fumus bonus iuris, típico das providências cautelares, sob pena de violação da essência da garantia autónoma à primeira solicitação.”

Afirma-se ainda no mesmo aresto: “(…) não há abuso ou fraude manifestos se houver necessidade, para estabelecer a má fé do beneficiário, de proceder a medidas de instrução.

Na verdade, a prova é pronta quando não se mostra necessário requerer a produção de provas suplementares e é líquida quando permite a percepção imediata e segura da fraude ou do abuso, tornando-os óbvios (cfr. Mónica Jardim, ob.cit., pág.292).

A doutrina maioritária entende que a fraude ou o abuso de direito não têm de resultar de sentença transitada em julgado, mas que também não pode ser feita com qualquer dos meios legalmente admissíveis, antes havendo que exigir prova documental, de segura e imediata interpretação, já que satisfaz plenamente a exigência de prova pronta (preconstituida) e líquida (inequívoca).
No caso de o abuso decorrer de factos que não possam ser confirmados com um simples documento, então, segundo a mesma autora, ob.cit., pág. 293, será de exigir laudo arbitral ou sentença judicial transitada em julgado, havendo quem defenda que a exigência de prova líquida e inequívoca em poder do garante deve ser dispensada sempre que a fraude ou o abuso sejam um facto público e notório (cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa, de 11/12/90, C.J., Ano XV, tomo V, 134).(…)”.

Do que se deixa dito decorre que, estando em causa o cumprimento de um contrato de garantia autónoma, não será por si só suficiente a prova indiciária, assente em meros juízos de probabilidade, sobre a existência do abuso ou da fraude do beneficiário.

Por outras palavras, a questão em análise nada tem que ver com o cumprimento ou incumprimento do contrato em questão – pois isso seria discutir a obrigação garantida que nunca poderia ter como efeito impedir o pagamento ou a execução da garantia – mas com a efetiva e inequívoca demonstração da má-fé ou abuso da 1ª requerida/beneficiária.

Neste quadro, parece medianamente evidente que a prova indiciária aqui produzida não poderá permitir concluir, com a necessária segurança, pela verificação dos requisitos indispensáveis à paralisação das garantias prestadas.

Em bom rigor, nem indiciariamente se apurou que apenas o incumprimento definitivo poderia justificar a execução das garantias, nem, por outro lado, que por isso a conduta da 1ª requerida, ao permitir a presença da requerente em obra, fosse contraditória e violadora dos princípios da boa-fé. Não foi, em suma, apresentada prova pronta e líquida da fraude ou do abuso de direito da requerida/beneficiária.

Assim sendo, é de concluir que a requerente não logrou demonstrar, como lhe competia, a probabilidade séria da existência do direito a paralisar o funcionamento dessas garantias (artigo 342, nº 1, do C.C.).

Tal determina por si só a improcedência do pedido formulado pela requerente, tal como basta agora para justificar a improcedência do recurso, por ser este o primeiro requisito do procedimento cautelar comum, de verificação cumulativa com os demais acima enumerados.

Deste modo, não podendo julgar-se verificados os requisitos essenciais para a decretação da providência cautelar reclamada, deve manter-se a decisão recorrida.

***

IV- Decisão:

Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo, por consequência, a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.

***

Lisboa, 10.11.2015


Maria da Conceição Saavedra
Cristina Coelho
Roque Nogueira


[1]Para maior facilidade de compreensão, procederemos aqui à ordenação numérica e alfabética dos factos julgados assentes em 1ª instância, procedimento que não foi adotado na sentença (sendo ali os factos apenas enunciados sequencialmente).
[2]Cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, págs. 123 a 130.
[3]Dispõe este normativo que: “Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.”
[4]Ver Pedro Romano Martinez, “Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos”, 2ª ed., pág. 462.
[5]Cfr., entre outros, Ac. RP de 2.10.2008, Proc. 08350046, in www.dgsi.pt.
[6]Ver A. Varela, “Das Obrigações em Geral”, II vol., 7ª ed., págs. 514 e seguintes.
[7]Cfr. Ac. RL de 4.5.2004, Proc. 1308/2003-7, in www.dgsi.pt.
[8]Parecer publicado na CJ, Ano XI, 1986, T. 5, pág. 19.
[9]Ainda Almeida Costa e Pinto Monteiro, ob. cit., pág. 22.
[10]Ver Ac. da RL de 7.5.2009, Proc. 1688/08.0TVLSB-A.L1-6, in www.dgsi.pt.
[11]A dita carta de 24.3.2014, em que a 1ª requerida informa a requerente de que a partir de então “se reserva ao direito de desenvolver as ações contratuais e legais à sua disposição para defender os seus interesses nesse processo”, não corresponde a qualquer rescisão contratual nem a qualquer aviso concreto sobre a execução das garantias bancárias, nem tão pouco constitui interpelação admonitória nos termos do art. 808, nº 1, do C.C.. Como se afirmou no Ac. do STJ de 31.3.2004, Proc. 03B4465, em www.dgsi.pt: “(…) a interpelação para o contraente em mora cumprir - conhecida por interpelação admonitória - não é uma interpelação qualquer.
Ela constitui uma expressa e formal intimação ou advertência ao devedor moroso de que, se não cumprir dentro do prazo razoável que o credor lhe fixar, incumpre definitivamente o contrato. (…)”.
[12]Proc. 74/14.7T8LSB.L1-7, relatado pelo Desembargador aqui 2º Adjunto, in www.dgsi.pt.
Decisão Texto Integral: