Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
218/15.6TVLSB-B.L1-2
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR COMUM
CONDÓMINOS
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I – No procedimento cautelar comum, em que são pedidas reparações da responsabilidade dum condomínio, por via de danos causados em prédio vizinho, apenas deve ser demandado, como requerido, o condomínio (a quem a lei atribuiu para o efeito personalidade judiciária – art.º 12.º, al. e) do Código de Processo Civil), parte legítima, representado pelo administrador e não também, em litisconsórcio voluntário passivo com o condomínio, cada um dos condóminos.
II - “A personalidade judiciária atribuída ao condomínio é meramente formal e, no fundo, os condóminos são partes na causa, debaixo da ‘capa’ do condomínio.
III - “A sentença proferida contra um condomínio vincula os condóminos, podendo ser executada contra estes.”
IV - “As dívidas são dos condóminos e não do condomínio.”
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: O indicado colectivo desta Secção do Tribunal da Relação de Lisboa acorda,

I – RELATÓRIO

CONDOMINIO DO PRÉDIO URBANO sito …, em Lisboa, requereu por apenso a acção principal já instaurada, PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM contra

I., , J., R., D., E., A., A. I., M. e M. P. S., LDA, pedindo que julgada a mesma procedente sejam os Requeridos intimados a:

1. Reparar com urgência os sistemas de canalizações e esgotos do prédio sito na Estrada de Benfica n.º … E …-A, de modo a que os mesmos não afectem o imóvel da requerente;

2. Reparar com a mesma urgência todos os danos provocados no prédio sito na Estrada de Benfica n.º …, em Lisboa, resultantes do escorrimento de águas e dejectos, nomeadamente ao nível das fundações;

3. Nos termos do artigo 384º nº 2 do C.P.Civil, deve ser fixada sanção pecuniária compulsória, pelo montante que vier a ser fixado pelo Tribunal, mas não inferior a €500 (Quinhentos Euros), por cada dia de atraso no cumprimento do referido nos números 1 e 2 do presente pedido.

Alegou para fundar a sua pretensão que:

Os requeridos são proprietários no prédio sito na …, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º …, do Livro n.º … e inscrito na matriz da referida freguesia sob o artigo n.º ….

O referido prédio é contíguo ao prédio situado na mesma artéria sob o n.º … sendo que ambos os edifícios se encontram submetidos ao regime de propriedade horizontal.

Em Agosto de 2010 os Senhores, F. A. O. e P. O. I., proprietários das fracções correspondentes à loja e R/C Direito do prédio do n.º … supra identificado, detectaram vestígios de humidade no R/C Direito e infiltrações de água e detritos das sanitas no interior da loja de que são proprietários.

Desde, pelo menos, Agosto de 2010 que têm jorrado diversas quantidades de água e detritos de esgoto do prédio identificado com o n.º …, sito …, onde os Requeridos são proprietários, para o prédio com o n.º … . Enormes quantidades de água que se têm infiltrado nas paredes exteriores e solo do edifício da requerente, levando a aluimentos de terra junto aos cabocos de sustentação do prédio, situação que coloca em causa a segurança do próprio edifício.

As infiltrações provêm das condutas de esgotos e águas pluviais do edifício com o n.º …, sito …, sendo causados por deficiências existentes no sistema de canalizações de esgotos de tal prédio, causando empolamentos da parede exterior junto ao R/C Direito e bem assim na respectiva loja.

Os danos visíveis no R/C Direito do prédio sito no n.º … registam-se no roupeiro e na parede do quarto confinante com o n.º … sendo que as portas do roupeiro estão empenadas e o verniz das mesmas, manchado pela humidade, e na parede do quarto, a pintura encontra-se empolada, manchada e com bolor.

Os danos visíveis na loja situada na cave do prédio sito no n.º … registam-                 -se na parede confinante com a parede da loja do prédio n.º … e no chão da loja sendo que na parede a pintura encontra-se empolada, manchada e com bolor e o chão encontra-se com água e resíduos dos esgotos.

As aludidas deficiências no sistema de esgotos do prédio sito no nº … originam empoçamentos de água, desgaste e ruptura na tubagem e, consequentes infiltrações;

Por cartas datadas de 18/08/2010 e 01/09/2010 os proprietários das fracções sinistradas participaram aos Requeridos, através da Administração do seu Condomínio, o sinistro registado nas suas fracções autónomas e pediram a sua intervenção imediata por forma a participarem a ocorrência à Companhia de Seguros e para iniciarem as obras de reparação necessárias. Porém, os Requeridos não deram resposta àquelas missivas.

Em carta datada de 24/11/2010, a requerente através do seu Advogado reiterou o pedido de intervenção imediata dos Requeridos e informou os mesmos do valor estimado do orçamento de reparação dos danos causados nas fracções sinistradas, também sem resposta.

Em 03/12/2010 a requerente solicitou uma vistoria à Câmara Municipal de Lisboa com vista à certificação dos defeitos existentes no prédio dos Requeridos sito na …, em Lisboa, vindo a tomar conhecimento que em vistoria realizada no dia 01/03/2011 pelos serviços camarários se concluiu que o tempo decorrido desde o início da inundação e a quantidade de águas residuais do esgoto as mesmas poderão afectar as fundações dos dois edifícios pela saturação no subsolo, tendo determinado vistoria nos termos do art. 90º do DL 555/99, de 16/12 dada a existência de perigo para a segurança dos ocupantes.

Pelo que conclui que caso não sejam feitas obras urgentes de reparação das condutas de esgoto no edifício n.º … da …, em Lisboa, tanto os edifícios com o n.º … como o n.º … podem correr o risco de ruir.

Aduz ainda que devido àquelas infiltrações os moradores do prédio da requerente são obrigados a ter um cheiro nauseabundo nas escadas do prédio, cheiro que é sentido no interior das residências e que nos meses de Verão a entrada do prédio fica coberta de moscas e mosquitos, constituindo esta situação um perigo para a saúde pública.

Foi proferido despacho liminar que indeferiu a providência por ilegitimidade passiva dos Requeridos.

Inconformado com tal decisão, veio o Requerente recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações, nas quais verteu as seguintes conclusões:

«I - O Tribunal “a quo” ao decidir como decidiu violou diversas disposições legais, nomeadamente os artigos 26º e 28º do C.P.C., e bem assim os artigos 1403º, 1405, 1407º, 1414º, 1420º, 1421º, 1424º e 1427º, todos do C. Civil;

II - Os requeridos na qualidade de comproprietários das partes comuns do prédio sito na Estrada de Benfica n.º … têm legitimidade passiva num procedimento cautelar onde se pretende a eliminação de fugas de água e dejectos na conduta de esgotos do prédio;

III - Estando em causa a Segurança quer dos ocupantes do prédio em que os requeridos são comproprietários quer dos proprietários do condomínio do Requerente, podem estes requerer procedimento cautelar.

IV - O Requerente não sabe, e salvo o devido respeito por opinião diversa, nem tem obrigação de saber, se os proprietários das fracções do prédio sito na Estrada de Benfica n.º …, estão ou não constituídos em condomínio;

V - Na apreciação à urgência da realização de obras nos edifícios em causa, a Senhora Juíza do Tribunal "a quo" efectuou o mesmo raciocínio que foi efectuado na ponte de Entre-os-Rios, algum tempo antes daquela ruir, ou seja, "Se não caiu até agora já não cai", com as consequências que todos sabemos...

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. Mui doutamente suprirão deve o presente recurso obter provimento revogando-se a Sentença proferida pelo Tribunal "a quo", devendo, em consequência os presentes autos de procedimento cautelar prosseguirem os seus trâmites.

Assim decidindo farão v. Exas. a tão costumada JUSTIÇA

Tendo o recurso subido a este Tribunal da Relação, foi proferida em 17-07-2013, despacho determinando a sua remessa á 1.ª instância, a título devolutivo, a fim de aí se dar cumprimento ao disposto no art.º 234.º-A, n.º 3 do Código de Processo Civil (na redacção então em vigor).

Após cumprimento desse despacho, e tendo o recurso sido redistribuído em 13-05-2015 ao presente relator, foi proferido, em 21-05-2015, despacho determinando a junção da decisão de habilitação de herdeiros relativa ao decesso da requerida Eudósia Maria Gancedo Torres.

Foi cumprido esse despacho, constando da decisão enviada que ficou habilitado nestes autos o filho da falecida, Pedro António Gancedo Terrinha.

Não foram apresentadas contra-alegações.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das alegações, sendo que no caso em apreço, a única questão que se mostra em discussão é saber se os Requeridos são parte ilegítima, como se entendeu na decisão recorrida, ou parte legítima, como sustenta o apelante.

III – FUNDAMENTOS

1. De facto

A matéria factual relevante para a apreciação da supra indicada questão é o que consta do Relatório.

2. De direito

Apreciemos então a questão da ilegitimidade dos Requeridos.

Nas suas conclusões de recurso o apelante sustenta que os Requeridos são parte legítima na providência cautelar que contra eles intentou, dado que os mesmos são comproprietários das partes comuns do prédio onde se registam as fugas de água e dejectos na conduta de esgotos do prédio. 

Para um melhor enquadramento jurídico desta questão da ilegitimidade dos requeridos, iremos socorrer-nos duma passagem do acórdão desta Relação de Lisboa, de 06/06/2008 (Proc.º 10841/2007-7, em que foi Relator Arnaldo Silva, disponível em www.dgsi.pt ).

Disse-se aí:

«(…).

O condomínio[1] não é uma pessoa jurídica[2] mas tem personalidade judiciária (art.º 6º al. e) do Cód. Proc. Civil[3]), isto é, pode estar em juízo como autor ou como réu, e portanto tem personalidade judiciária (art.º 5º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil). O art.º 6º al. e) do Cód. Proc. Civil, concede personalidade judiciária ao condomínio relativamente às acções em que, por ele, pode intervir o administrador, nos termos do art.º 1436º do Cód. Civil (como réu) e art.º 1437º do Cód. Civil (como autor ou como réu) - o que já resultava desta última disposição[4] - ; acções estas que se inserem no âmbito dos poderes do administrador. Fora do âmbito dos poderes do administrador, o condomínio não tem personalidade judiciária e, portanto, os condóminos agirão em juízo em nome próprio[5].

Nos termos do art.º 1437º, n.º 1 do Cód. Civil, o administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia. Trata-se aqui não da legitimidade processual, no sentido de legitimatio ad causam, mas sim da capacidade processual, legitimatio ad processum[6], para estar em juízo, quer como autor, em execução de algum dos actos previstos no art.º 1436º do Cód. Civil, quer como réu, nas acções respeitantes às partes comuns do edifício ou relativas à prestação dos serviços de interesse comum. O administrador pode ainda agir em juízo, em representação do grupo de condóminos, quando a assembleia lhe confira autorização para tal[7]. Os poderes de representação processual acompanham necessariamente os poderes de gestão do administrador respeitantes ao condomínio. A assembleia do condomínio - órgão deliberativo máximo do condomínio, através do qual a comunidade dos condóminos forma a sua vontade, e administra as partes comuns do edifício - não pode limitar a esfera de legitimação activa do administrador, delimitada pelo núcleo das suas funções. Fora do âmbito das suas funções, o administrador tem poder para agir em juízo quando autorizado pela assembleia[8].

As funções do administrador vêm enumeradas de forma meramente exemplificativa no art.º 1436º do Cód. Civil[9], dando assim o perfil da actividade do administrador, a qual se pode reconduzir a quatro categorias fundamentais:

«a) gestão financeira do condomínio, mediante a elaboração dos orçamentos e contas anuais, a prestar à assembleia, a cobrança de receitas e a realização das despesas [als. b), d), e) e j) do art.º 1436º];

b) administração corrente das partes comuns do condomínio, compreendendo a prática de actos conservatórios necessários, a regulação do seu uso e da prestação de serviços comuns e a verificação da existência do seguro do edifício contra o risco de incêndio [als. c), f) e g) do art.º 1436º];

c) execução das deliberações da assembleia [al. h) do mesmo preceito];

d) representação do conjunto de condóminos [al. i) do art.º 1436º e 1437º].»[10]

A complexidade da actividade de administração do edifício e o crescente desinteresse dos condóminos pela vida do condomínio levou à atribuição de mais poderes ao administrador, por forma a assegurar a gestão funcional e eficaz do condomínio, ligado a um premente interesse de ordem pública[11].

(…).»

Também sobre esta matéria da legitimidade do condomínio para demandar e ser demandado, pela forma muito ilustrativa e sobejamente fundamentada, será interessante aqui deixar expresso o que foi escrito no Ac. desta Relação de 20-06-2013 (Proc.º 6942/04.7TJLSB-B.L1-2, em que foi Relator Pedro Martins):

«(…).

Ao contrário do que se diz na decisão recorrida, na acção em que um credor peça o pagamento de dívidas contraídas pelo condomínio, apenas deve estar, como réu, o condomínio (a quem a lei atribui, para o efeito, personalidade judiciária: art. 6º/e) do CPC), parte legítima, representada pelo administrador, e não também, em litisconsórcio voluntário passivo com o condomínio, cada um dos condóminos.
Isto porque, como diz Miguel Mesquita (A personalidade judiciária do condomínio nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos - anotação ao ac. do TRL de 25/06/2009, 4838/07.0TBALM.L1-8, Cadernos de Direito Privado, nº. 35, Julho/Set 2011, págs. 50 e 51):

“[O] condomínio é a face processual dos condóminos […] não fazendo valer, de forma alguma, um interesse diferente daquele que pertence a estes. No fundo, quando o condomínio assume o papel de parte, os condóminos assumem esse papel em simultâneo, mas sob a “máscara” do condomínio: não estão no processo, mas tudo se passa como se estivessem, litigando do lado activo ou do lado passivo da instância.

O condomínio é a ‘capa’ processual dos condóminos, uma ‘capa’ que visa facilitar a identificação das partes, evitar que os condóminos, um por um, tenham de ser referidos na petição inicial ou na contestação […]”. “A personalidade judiciária atribuída ao condomínio é meramente formal e, no fundo, os condóminos são partes na causa, debaixo da ‘capa’ do condomínio.” […] ‘A parte permanece o conjunto dos respectivos membros’. Por isso é que o depoimento de um condómino tem de ser visto como um depoimento de parte e jamais como um depoimento testemunhal.
[…] A pessoa meramente judiciária não se distingue, no processo, das pessoas que se encontram por detrás dela. Daí que, naturalmente, o caso julgado atinja, plenamente, estas pessoas.

Por tudo isto, deve entender-se que o condomínio não goza de nenhuma legitimidade extraordinária, uma vez que os interesses que defende são, afinal, os interesses dos próprios condóminos e a distinção entre estes e o condomínio é absolutamente artificial”.

No mesmo sentido, Sandra Passinhas (A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, Almedina, 2000, pág. 330), invoca M.ª del Carmen González Carrasco (Representación de la comunicad de proprietários y legitimación individual del comunero em la propriedad horizontal, Bosch, Barcelona, 1997, págs. 167 e 168): “se se afirma que as organizações de sujeitos sem personalidade jurídica podem ser parte no processo através da representação orgânica, diz-se que são os membros do grupo a verdadeira parte, não na sua qualidade de sujeitos singulares, mas na qualidade de membros de uma organização. É esta qualidade uti socii que determina a parte, de modo que as eventuais mudanças de proprietários durante o processo não determinam a mudança processual das partes. Os poderes e deveres processuais pertencem aos membros do grupo, mas, segundo os princípios da actuação orgânica, são exercidos pelos meios de actuação deste. E os resultados do processo repercutem-se na parte - o membro - uti socius, de modo que têm a sua incidência na esfera jurídica deste.”

E depois acrescenta, invocando agora Vincenzo Cerami (Sull’impugnativa di deliberazione di assemblea di condomini, RDC, 1955, pág. 104): “se se aceitar que o administrador é um representante orgânico, resulta excluída a legitimatio ad processum dos condóminos, quaisquer que sejam os poderes atribuídos ao administrador.”

Ora, sendo assim, aceitar a presença simultânea do condomínio e dos condóminos, é a mesma coisa que aceitar a presença simultânea, como partes distintas, dos condóminos, enquanto tal e enquanto condomínio, o que é um contra-senso. Pelo que o art. 1437º/2 do CC obsta, ao contrário do que diz a decisão recorrida, a que sejam demandados, ao lado do condomínio, os condóminos.

Já agora note-se que Paula Costa e Silva (“O manto diáfano da personalidade judiciária”, Estudos em Honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão Almedina, 2008, Vol. II, pág. 1886) lembra, num caso paralelo, que: “Os nossos tribunais afasta[m] – e pensamos que bem – a possibilidade de a pessoa colectiva se constituir como parte principal em posição litisconsorcial com a sua sucursal, agência, filial, delegação ou representação […]. Afinal, a pessoa colectiva não tem um interesse igual ao da ré; o seu interesse é o interesse da ré que, por razões pragmáticas, é uma pessoa meramente judiciária.” E porque tudo isto é assim, continua Miguel Mesquita (anotação citada, págs. 48/49): “[a] sentença que condene o condomínio a pagar determinada quantia vale, enquanto título executivo, contra todos os condóminos.” Ou, dito de outro modo, “a sentença proferida contra um condomínio vincula os condóminos, podendo ser executada contra estes […].” No mesmo sentido, Sandra Passinhas (obra citada, pág. 339) diz:

“Da qualidade do administrador como representante do condomínio resulta que a sentença de condenação emitida contra o administrador constitui título válido para a execução contra os condóminos singulares, ainda que os nomes dos condóminos não venham nela individualizados. A sentença de condenação no pagamento de uma quantia pelo condomínio, chamado a juízo na pessoa do administrador, que não contenha uma especificação concreta da medida da prestação devida por cada condómino, tem perante cada um deles apenas o valor de declaração da existência do crédito (an debeatur) e não o valor líquido do quantum debeatur. Quanto à medida em que cada condómino é obrigado a responder perante o credor do débito, objecto de declaração judicial, o terceiro pode agir para obter uma pronúncia ulterior que, integrando a precedente, permite especificar a prestação devida por cada condómino e pode valer como título idóneo para a execução forçada contra os condóminos singulares.” Tudo isto não seria diferente, se se visse no condomínio (parte formal) um substituto processual da parte material (os proprietárias dos fracções autónomas), na esteira de Paula Costa e Silva e Remédio Marques, citados por Miguel Mesquita (anotação citada, notas 19 e 22), porque entendem, respectivamente, que: “a parte vinculada aos efeitos da decisão não é a parte processual, pessoa meramente judiciária, mas a pessoa jurídica que não é parte processual”; Ou que: “a parte material […] acha-se vinculada por efeito de uma substituição processual. A coisa ou o ente não personificado actuam como substitutos processuais e os efeitos da acção produzem-                        -se directamente sobre os substituídos.”

(…).»

Encontramo-nos em perfeita concordância com o expendido.

Daqui resulta que da conjugação do disposto nos artgs. 6.º al. e) e, 26.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (como referimos já, na versão anterior à introduzida pela Lei n.º 41/2013), conjugados com os artgs. 1421.º, n.º 1, al. d), 1436.º e 1437.º, n.º 2 do Código Civil, se terá de concluir que numa situação como a da presente Providência Cautelar em que o pedido e a causa de pedir se reportam a situações deficitárias das partes comuns do prédio dos Requeridos – como é reconhecido pelo próprio Requerente, quando refere: «as infiltrações provêm das condutas de esgotos e águas pluviais do edifício com o n.º …, sito na Estrada de Benfica» (art.º 11 .º do requerimento inicial), ou, quando diz que o perito chamado ao prédio terá concluído que «… as causas da humidade e das infiltrações de água registadas naquelas fracções são as deficiências existentes no sistema de canalização dos esgotos do prédio sito no n.º …, que originam empoçamentos de água, desgaste e ruptura na tubagem e, consequentemente infiltracções.» (art.º 15 do requerimento inicial), ou ainda quando afirma que «A humidade e as infiltracções de água verificadas nas fracções supra descritas, atenta a sua localização e a dos sanos, são decorrentes de anomalias existentes, no sistema de canalização de esgotos, do prédio contiguo situado no n.º … e que integram as chamadas “partes comuns” do edifício (al. d) do n.º 1 do art.º 1421.º do CC).» [art.º 20.º do requerimento inicial] - teria de ser o Condomínio a ser demandado e não os condóminos individualmente.

De igual forma interpretamos o n.º 2 do art.º 1437.º do Código Civil no sentido apontado pelo Acórdão de 20/06/2013, isto é, que apenas poderia ser demandado o Condomínio e não este e também os condóminos, pois que a não ser assim estariam a ser demandadas duas partes que representam a mesma realidade, sendo que aquele é de facto o representante dos interesses de todos os condóminos. O Condomínio tem de facto a indicada qualidade uti socii que leva a que “os poderes e deveres processuais pertencem aos membros do grupo, mas, segundo os princípios da actuação orgânica, são exercidos pelos meios de actuação deste na qualidade de membros de uma organização” levando a que “as eventuais mudanças de proprietários durante o processo não determinam a mudança processual das partes. E os resultados do processo repercutem-se na parte - o membro - uti socius, de modo que têm a sua incidência na esfera jurídica deste.”

A acção teria assim de ser intentada contra o Condomínio, e não contra todos os condóminos.

Refira-se por outro lado ser algo incompreensível a afirmação feita nas alegações e passada para as conclusões (mais precisamente a IV) de que «O Requerente não sabe, e salvo o devido respeito por opinião diversa, nem tem obrigação de saber, se os proprietários das fracções do prédio sito na Estrada de Benfica n.º …, estão ou não constituídos em condomínio», pois que reconhecendo expressamente no art.º 3.º do seu requerimento inicial que o prédio com o n.º de polícia n.º … se encontra submetido ao regime de propriedade horizontal, teria obviamente que saber que o mesmo teria de ter um Condomínio, para a resolução das questões inerentes às partes comuns (cfr. designadamente os artgs. 1430.º, 1435.º e 1435.º-A, todos do Código Civil).

Não pode invocar o Requerente a sua ignorância sobre tal matéria.

Pelo que se deixa dito temos pois de concluir que bem andou a Exma. Senhora Juíza ao julgar os Requeridos parte ilegítima no âmbito da Providência Cautelar Comum em causa, sendo pois improcedente a questão suscitada pelo Apelante.

V – Decisão

Desta forma, o presente colectivo acorda em julgar improcedente o recurso e, por tal via, mantém a decisão recorrida.

Custas pelo apelante sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Lisboa,

                                                       

       (José Maria Sousa Pinto)

             

(Jorge Vilaça Nunes)

      

             (João Vaz Gomes

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[1] No caso da propriedade horizontal, entenda-se. O conceito de condomínio também é utilizado pelo nosso legislador em matéria de águas comuns, onde, pela própria natureza das coisas, a fruição material do objecto comum se realiza (em regra) através de actos de apropriação individual. Vd. Henrique Mesquita, RDES, XXIII, pág. 147 nota 158.
[2] Vd. José Alberto C. Vieira, Direitos Reais, Coimbra Editora – 2008, pág. 734 n.º 288.
[3] As normas do Código de Processo Civil a que aqui nos referiremos são as anteriores às alterações introduzidas pela Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho, uma vez que o despacho recorrido foi proferido antes da entrada em vigor desta Lei, para além de que o presente procedimento cautelar foi instaurado antes da sua entrada em vigor (art.º 7.º, n.º 2 da indicada Lei)..
[4] Vd. J. Lebre de Freitas e outros, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. 1º, Coimbra Editora – 1999, pág. 21 anotação 5. ao artigo 6º. Após a reforma processual de 1995/1996, o art.º 6º al. e) do Cód. Proc. Civil ficou em consonância com o n.º 6 do art.º 1433º do Cód. Civil.
[5] Vd. Sandra Passinhas, opus cit., pág. 328.
[6] Vd. Sandra Passinhas, opus cit., pág. 329.
[7] Vd. Pires de Lima e A. Varela, Cód. Civil Anot., Vol. III, Coimbra Editora, Ld.ª – 1972, pág. 387 anotação 2 ao art.º 1436º.
[8] Vd. Sandra Passinhas, opus cit., págs. 330-331.
[9] Vd. Pires de Lima e A. Varela, Cód. Civil Anot., Vol. III, Coimbra Editora, Ld.ª – 1972, pág. 387 anotação 2 ao art.º 1436º.
[10] Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 3.ª Ed. (2.ª reimpressão), Quid Juris, Lisboa 2001, pág. 373.
[11] Vd. Sandra Passinhas, opus cit., pág. 299.