Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4957/18.7T8SNT-B.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: EXECUÇÃO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL
TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
FIADOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- A junção de documentos, com as alegações de recuso, apenas é admissível quando: (i) -Não tenha sido possível até ao encerramento da discussão; (ii) - Se tenha tornado necessária por virtude do julgamento proferido.
2- A junção não é possível até ao encerramento da discussão nos casos de superveniência, seja objectiva: o documento é produzido em momento posterior ao do encerramento da discussão; ou subjectiva: a parte apenas teve conhecimento, sem culpa sua, da existência do documento em momento posterior ao do encerramento da discussão. Por sua vez, a junção torna-se necessária em virtude do julgamento proferido, quando este seja de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.
3- Em acção executiva pendente não é admissível o incidente de intervenção principal de codevedores solidários – fiadores que renunciaram ao benefício de excussão prévia – provocada pelo credor/exequente, porque violaria o princípio da estabilidade da instância, essencialmente coincidente com o impulso processual dado pelo exequente, enquanto manifestação do princípio do dispositivo, circunscrito ainda pelo princípio da auto-responsabilidade e, claro está, pelo título executivo: o exequente dispõe do processo, conduzindo-o a seu próprio risco e, por isso, executados são os que o credor determinou no requerimento executivo.
4- O contrato de arrendamento acompanhado de notificação ao inquilino da liquidação de rendas em dívida constitui título executivo contra este e contra o fiador que se tenha vinculado naquele contrato.
5- O artº 14º-A do NRAU (anterior artº 15º nº 2) destinou-se a conferir ao senhorio um título executivo extrajudicial que lhe faculte a cobrança coerciva das rendas em dívida, sem necessidade de ter de instaurar, previamente, acção declarativa para obter título judicial bastante para esse efeito.
6- O título executivo extrajudicial é o contrato de arrendamento complementado com a notificação de liquidação (necessária) das rendas em dívida.
7- O legislador, no artº 14º-A do NRAU não faz referência ao fiador, ao estabelecer um título executivo para cobrança coerciva de rendas, nem tinha de o fazer: a constituição de fiança não é obrigatória e desapareceu a figura fiança do locatário (ex - artº 655º do CC), passando a aplicar-se o regime geral da fiança: ocorrido o vencimento da obrigação a termo certo –a renda corresponde a uma prestação pecuniária periódica (artº 1075º do CC) com vencimento a termo certo (artº 1039º nº 1 do CC) – não é necessária a interpelação do fiador pelo credor como requisito para despoletar a aplicação plena do regime do artº 634º do CC porque  a fiança cobre as consequências contratuais da mora do devedor.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-Relatório.
1-Massa Insolvente de G,SA, representada pela respectiva Administradora da Insolvência, instaurou execução para pagamento de quantia certa contra Informática, Lda, visando o pagamento coercivo de 85 000€ de rendas vencidas e 19 533,70€ de juros de mora vencidos.
Apresentou como título executivo, o contrato de arrendamento celebrado entre a, SA, como senhoria e, a Informática, Lda, enquanto inquilina, a notificação judicial avulsa da inquilina pela qual lhe comunica a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas e a intenção de exercer os seus direitos relativos à cobrança das rendas em dívida.
Nesse contrato intervieram, na qualidade de fiadores, JS, PL e,  FL, com renúncia ao benefício de excussão prévia, assumindo a obrigação solidária de cumprimento do contrato, seus aditamentos e renovações até efectiva restituição do locado (cláusula 8ª do contrato).
2- Notificada de não terem sido identificados quaisquer bens penhoráveis à executada Informática, Lda, a exequente requereu intervenção principal (provocada) de JS, de PL e de FL, que no contrato de arrendamento haviam intervindo na qualidade de fiadores, com vista a deles obter o pagamento da quantia exequenda (rendas em dívida e juros).
3- Por despacho de 20/09/2018, a 1ª instância indeferiu o incidente de intervenção de terceiros (os fiadores), argumentando “…que a sua intervenção na acção executiva é legalmente inadmissível …”.
4- Inconformada, a exequente interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes
CONCLUSÕES:
A-Notificada do facto de não se terem identificado quaisquer bens penhoráveis à executada Informática, Lda, a ora recorrente veio, ao abrigo do artº 316º do CPC, requerer a intervenção provocada, a título principal, como executados, de JS, PL e FL, fiadores da arrendatária executada, a fim de deles obter o pagamento das rendas em dívida.
B. Por despacho de 20/09/2018, o Tribunal decidiu indeferir tal incidente de intervenção, por carecer “a exequente de título executivo quanto aos chamados, os quais não se encontram legitimados pelo título executivo que serve de base á execução”, ou seja, na óptica do Tribunal, não há título executivo contra os fiadores, mas só contra a arrendatária.
C. O documento particular que formaliza o contrato de arrendamento é, nos termos do artº 14º nº 1 do NRAU, o núcleo do título executivo para a cobrança das rendas: constitui um título negocial a que é atribuída força executiva contra o arrendatário, nele obrigado a título principal ao pagamento da renda, e contra o fiador, se o houver, nele obrigado ao mesmo pagamento a título subsidiário.
D. Compreende-se que a lei exija que o título executivo seja completado com a comunicação ao arrendatário do montante em dívida, a fim de salvaguardar esses seus direitos, conducentes à manutenção do contrato, no seu interesse. Trata-se, como se diz no ac. do STJ de 26/11/2014, citado nas alegações, de um mero “complemento do contrato de arrendamento”.
E. Diferentemente se coloca a questão quanto ao fiador, cuja obrigação de garantia tem conteúdo idêntico ao da obrigação que garante.
F. A contracção da obrigação do fiador no título constitutivo do contrato de arrendamento, por ele assinado, constitui, com a condição de ser feita a notificação ao devedor, requisito suficiente do título executivo, entendimento que tem sido sufragado pela jurisprudência dos tribunais superiores, como decorre de alguns excertos de arestos transcritos nas alegações.
G. Sem prejuízo do pleno direito do fiador a discutir, embargos de executado, a existência e o conteúdo da dívida, quer no plano da obrigação principal, que da obrigação acessória, não faria sentido que só pudesse ser movida execução contra o arrendatário e contra o fiador houvesse que propor previamente acção declarativa, quando ambos contraíram as suas obrigações no mesmo documento particular que a lei especial considera título executivo.
H. Quando muito, a entender-se que a equiparação das situações dos dois devedores levaria a exigir a notificação do fiador, esta considerar-se-ia feita com a sua citação para ação executiva com o valor de interpelação.
I.À cautela, e caso assim não se entenda, perfilhamos o entendimento que tem vindo a ser adoptado pela jurisprudência, no sentido de que, não tendo sido requerida, quanto aos fiadores, a sua notificação judicial avulsa, é suficiente que lhes tenha sido comunicado o montante em dívida, uma vez que tomaram conhecimento de que o arrendatário deixou de cumprir, nos termos de alguns excertos de arestos transcritos nas alegações.
J. A notificação judicial avulsa foi, in casu, requerida contra a arrendatária, tendo sido assinada por JS, sócio-gerente da executada e fiador do contrato em causa nos autos – cfr. docs. 5 e 6 juntos com o requerimento executivo.
K. Assim, poder-se-ia colocar a questão quanto aos outros fiadores de tal contrato de arrendamento, PL e sua mulher, F L – cfr. doc. 1 junto com o requerimento executivo.
L. Mas, a verdade é que PL e FL, marido e mulher, ficaram, em 19/10/2016, na qualidade de fiadores, cientes do montante de capital em dívida à data, nos termos de carta registada com aviso de recepção enviada para o endereço constante do contrato de arrendamento e por eles recebida – cfr. docs. 1 e 2 que ora se juntam, por tal se mostrar necessário em virtude do julgamento proferido pelo tribunal recorrido (artº 651º, nº 1, do CPC).
M. Por todas estas razões, entende a recorrente que existe título executivo contra os fiadores.
                                                    ***
5- A SPJ, executada, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
1.Por despacho de 20 de Setembro de 2018, o tribunal a quo, decidiu indeferir o incidente de intervenção de terceiros deduzido pela ora recorrente, considerando que a intervenção dos fiadores na acção executiva é legalmente inadmissível.
2.No douto despacho proferido lê-se “…carece a exequente de título executivo quanto aos chamados, os quais não se encontram legitimados pelo título executivo que serve de base à execução
3.Tal raciocínio, considerou o estipulado no art.º 316, n.º 2 do CPC, no que tange ao litisconsórcio voluntário, o estipulado no art.º 10.º, n.º 5 do CPC quanto aos limites da acção executiva, e, ainda o estipulado art.º 53.º n.º 1 do CPC quando à legitimidade activa e passiva das partes.
4.Considerou, ainda, o art.º 703.º do CPC conjugado com o art.º 14.º-A da lei n.º 6/2006.
5.E, na sequência de tal análise, decidiu indeferir o pedido da ora Recorrente.
6.A executada, ora recorrida no requerimento junto aos autos, em 25 de junho de 2018, com a ref.ª 29528535 apresentou a sua oposição à pretendida intervenção provocada, defendendo, com o devido respeito por posição diversa, que não há formação de título executivo, quanto aos fiadores, mas tão somente quanto ao arrendatário.
7.Desde logo, por falta de notificação dos fiadores.
8.Defende a ora recorrida que o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor, o que poderia levar a concluir que o credor pode exercer perante o fiador os mesmos direitos que tem perante o devedor.
9.Emergindo do próprio contrato de arrendamento, a dívida exequenda, poderia ter como sujeito passivo quem nele se obrigou a pagar as rendas em dívida, no caso concreto, não só a arrendatária Informática e Ldª, mas também os seus fiadores, que naquele contrato se vincularam perante o senhorio.
10.Sucede que, a vontade de prestar fiança tem de ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal.
11.Na verdade, o título executivo exigido pelo artigo 14º A do NRAU, trata-se de um título executivo complexo, cuja possibilidade de formação passou a ser maior com a actual redacção do artigo 14º-A em contraponto com o anterior 15º, n.º 2 do mesmo diploma legal, antes da alteração introduzida pela Lei 31/2012 de 14 de agosto.
12.Uma vez que também constitui título executivo o conjunto formado pelo contrato de arrendamento e pelo comprovativo da comunicação ao arrendatário quando referido a rendas, a encargos e as despesas que corram por conta do arrendatário.
13.Mais uma vez, com o devido respeito por entendimento contrário, entende a ora recorrente que a razão está do lado de quem defende a inexistência da possibilidade de formação de título executivo quanto aos fiadores, ainda que se prove a existência de notificação dos mesmos do montante em dívida, o que no caso em apreço nem se verifica, uma vez que os fiadores nunca foram notificados da dívida exequenda.
14.Vale isto dizer que, na presente execução, não existe título executivo contra os fiadores da arrendatária, o que, e bem, no entender do Tribunal a quo importou o indeferimento do incidente de intervenção de terceiros, os fiadores, a título principal, para ocuparem também a posição de executados.
15.No caso concreto dos presentes autos, no aludido contrato de arrendamento, subscrito pelos fiadores, na sua clausula 8ª alegada para peticionar a pretensa intervenção provocada, dela não constando a declaração expressa dos intitulados fiadores, da sua constituição como fiadores da inquilina, com ou sem benefício de excussão prévia, no sentido de se responsabilizarem pessoalmente perante a senhoria “pelo exacto, integral e pontual cumprimento das obrigações que para aquela resultem do contrato de arrendamento, durante o prazo da sua vigência e eventuais renovações”,
16.Ora, como resulta do disposto no art. 628.º, n.º 1, do Cód. Civil, ‘a vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal’.
17.Como tal, exigindo-se que a declaração, para além de ser reduzida a escrito, seja expressa, considera-se não ser aplicável o n.º 2 do art. 217.º, do Cód. Civil.
18.Acresce a tudo o que já se alegou, nos termos do artigo 318º do CPC, o chamamento para a intervenção só pode ser requerido até ao termo da fase dos articulados, sendo indiferente que hajam ou não sido encontrados bens penhoráveis, por parte da Agente de Execução, da titularidade da Executada Informática Ldª.
19.Aliás o fundamento invocado pela recorrente para apresentar o incidente não encontra base legal, bem como o momento para aquele chamamento já se encontra ultrapassado.
20.A recorrente junta com o recurso de alegação um documento.
21.Importa realçar que o documento junto pela Recorrente corresponde a uma carta datada de 18.10.2016, com aviso de recepção de 19.10.2016 e encontrando-se na sua posse desde essa data, que poderia e deveria ter sido junta ao requerimento onde foi requerida a intervenção provocada, facto de que a Recorrente não poderia desconhecer ou mesmo ignorar.
22.Assim, a junção de documento pelo Recorrente, não respeitou o estipulado no art.º 423.º do CPC.
23.Estipula o n.º 1 do art.º 423 do CPC que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção (…) devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, o que está bem de ver não foi o caso do documento junto pela Recorrente, isto é, a junção do documento foi efectuada já o articulado tinha sido apresentado.
24.No entender da recorrida não se aplica o n.º 2 e 3 do art.º 423 do CPC.
25.Resta-nos o n.º 1 do art.º 651.º do CPC.
26.Da conjugação entre os artigos 651.º n.º1 do CPC e os artigos 425.º e 423.º do CPC resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, dependia da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações, a saber:
1.A impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, que como já foi atrás explanado não se verifica.
2.Ter a decisão introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
27.A recorrente enquadra a junção do documento na situação indicada no trecho final do art.º 651.º n.º 1 do CPC, pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante, ou seja, apta a modificar a decisão, a só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum
28.Ora, salvo o devido respeito por opinião diversa, a decisão do Tribunal a quo não introduziu qualquer novidade da questão decisória, ao concretizar “… dispõe o artigo
14º-A da lei n.º 6/2006 que “ o contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante e dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário contra, acrescenta-se, o arrendatário, já não contra o fiador ….”.
29. Ou seja, a junção do documento junto com o recurso, no entender da recorrida não é apto a modificar a decisão proferida pelo tribunal a quo, considerando que o mesmo não iria conferir título executivo à ora recorrente contra os chamados, “…os quais não se encontram legitimados pelo título executivo que serve de base à execução.”
30.Na verdade, a decisão do tribunal a quo, apenas considerou o que o processo já desde o início revelava ser o título executivo que serviu de base à execução.
31.Assim, a junção de documento, não deve ser atendível, devendo ser ordenado o seu desentranhamento.

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II-Fundamentação.
1-Objecto do Recurso.

É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC/13), pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC/13), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC/13) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC/13) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente e da questão suscitada pela recorrida, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
- Se é admissível a junção do documento apresentado com as alegações da apelante;
- A admissibilidade de incidente de intervenção principal, provocada pela exequente, dos fiadores da inquilina executada;
- Se o contrato de arrendamento acompanhado da notificação ao inquilino da liquidação das rendas em dívida serve de título executivo também contra o fiador.
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2-Factualidade Relevante.
Com relevância para a decisão do recurso, relava a factualidade constante do relatório que antecede, para o qual se remete.
É de considerar ainda o teor da decisão recorrida:
A exequente requereu a intervenção principal e passiva de J S, PL e FL, fiadores no âmbito do contrato de arrendamento que sustenta a pretensão executiva, nos termos do artigo 316º, n.º2, do Código de Processo Civil.
Notificada, a executada opôs-se, alegando, para além do mais, que a exequente carece de título executivo contra os terceiros cuja intervenção requer.
Cumpre apreciar e decidir.
Estatui o artigo 316º, n.º2, do Código de Processo Civil que “Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39º.”.
Estatui o artigo 10º, n.º5, do Código de Processo Civil que “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.”; e o artigo 53º, n.º1, do mesmo diploma legal que “A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.”. Ou seja, é o título executivo que determina o tipo de acção e seu objecto e define a legitimidade activa e passiva das partes (sem prejuízo dos desvios a que aludem os artigos 54º e 55º CPC). Sendo que, à execução apenas podem servir de base os taxativamente indicados no artigo 703º do Código de Processo Civil, entre os quais, “… d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.".
Concretizando, dispõe o artigo 14º-A da Lei n.º6/2006 que “O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.contra, acrescente-se, o arrendatário, já não contra o fiador – neste sentido Teixeira de Sousa, in Leis do Arrendamento Urbano anotadas – Coordenação de António Menezes Cordeiro, 2014, Almedina, Ac. TRL de 31 de Março de 2009, proferido no âmbito do processo n.º2150/08.6TBBRR.L1-7, Ac. TRP de 24 de Abril de 2014, proferido no âmbito do processo n.º869/13.9YYPRT.P1, e Ac TRL de 18 de Setembro de 2014, proferido no âmbito do processo n.º6126/12.0TCLRS.L1-2, in www.dgsi.pt. Por conseguinte, carece a exequente de título executivo quanto aos chamados, os quais não se encontram legitimados pelo título executivo que serve de base à execução. Em conformidade, e sem necessidade de mais considerandos, impõe-se concluir que a sua intervenção na acção executiva é legalmente inadmissível – neste sentido TRL de 25 de Setembro de 2012, proferido no âmbito do processo n.º2505/11.9TBALM-B.L1-1, e TRG de 29 de Setembro de 2016, proferido no âmbito do processo n.º1799/14.2T8VNF-B.G1, todos in www.dgsi.pt.
Por tudo quanto exposto, indefiro o incidente de intervenção de terceiros deduzido.
Condeno a exequente requerente no pagamento das custas do incidente (art.527ºCPC).
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3- As questões Jurídicas.
Como se enunciou, são essencialmente três as questões que importa analisar e decidir:
- Se é admissível a junção do documento apresentado com as alegações pela apelante;
- A admissibilidade de incidente de intervenção principal, provocada pela exequente, dos fiadores da inquilina executada.
- Se o contrato de arrendamento acompanhado da notificação ao inquilino da liquidação das rendas em dívida serve de título executivo também contra o fiador.
Cumpre, pois, apreciar e decidir cada uma delas.
3.1- Assim, quanto à primeira: a admissibilidade de junção de documento com as alegações da apelante.
3.1.1- Com as alegações a apelante juntou um documento: carta registada, com aviso de recepção, da Administradora da Insolvência da apelante, datada de 18/10/2016 e recebida a 19/10/2016, dirigida a PL e a FL, na qualidade de fiadores da Informática, Lda, pela qual informa a declaração de insolvência da G, SA e, invocando a falta de pagamento de rendas desde Abril de 2011, liquida a dívida de rendas em 85 000€ e solicita o respectivo pagamento, sob pena de intentar acção judicial.
Justifica a junção desse documento dizendo que, por ele, os fiadores foram notificados da falta de pagamento de rendas e dos montantes em dívida e, por isso, contra eles existe título executivo.
3.1.2- A apelada opõe-se à junção do documento, defendendo ser extemporânea.
3.1.3- Apreciando e decidindo.
O artº 651º do CPC/13 (diploma a que nos referiremos sem indicação de fonte diversa) relativo à junção de documentos (e de pareceres), estabelece que “As partes podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artº 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude de julgamento proferido na 1ª instância.”
Por sua vez, o artº 425º determina que no caso de recurso só são admitidos os documentos “…cuja apresentação não tenha sido possível até…” ao “…encerramento da discussão…”.
Pois bem, destes dois normativos resulta que a junção de documentos, com as alegações de recuso, apenas é admissível quando:
(i) -Não tenha sido possível até ao encerramento da discussão;
ii)-Apenas se tenha tornado necessária por virtude do julgamento proferido.
Vejamos cada uma destas situações.
Ora bem, a junção não é possível até ao encerramento da discussão nos casos de superveniência, seja objectiva: o documento é produzido em momento posterior ao do encerramento da discussão; ou subjectiva: a parte apenas teve conhecimento, sem culpa sua, da existência do documento em momento posterior ao do encerramento da discussão.
Por sua vez, a junção torna-se necessária em virtude do julgamento proferido, quando este seja de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo. Isto é, a junção de documento posteriormente à discussão só é possível quando a decisão se tenha baseado em facto previsto em preceito jurídico cuja aplicação as partes, com o mínimo de diligência, não poderiam contar (Cf. Acs. TRL, de 31/10/2002, Salvador da Costa; TRG, de 25/01/2011, Teresa Pardal; TRL, de 26/09/1991, Pires Salpico, todos em www.dgsi.pt; ver ainda Acs. STJ, de 18/02/2003, Azevedo Ramos, CJS, tomo I, pág. 103 e segs; de 27/06/2000, Ribeiro Coelho, CJS, tomo II, pág. 130 e segs.; na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Processo Civil, 3ª edição, pág. 204, João Espírito Santo, Documento e Recurso Cível, 2ª edição, pág. 66 e segs.).
No caso dos autos, não há superveniência; não permitindo justificar a junção do documento após o encerramento da discussão: foi produzido em 18/10/2016 e, por isso, não se trata de superveniência objectiva, nem sequer subjectiva, visto que foi a parte – já na altura a Massa Insolvente da Guedol – quem criou o documento e, por isso, não poderia ignorar, sem culpa, a sua existência.
E o mesmo se diga relativamente ao critério junção necessária em virtude do julgamento. Na verdade, não pode dizer-se que tenha havido decisão surpreendente face às normas jurídicas convocadas no despacho sob recurso.
Assim sendo, face ao exposto, somos a entender que não pode ser admitido o documento junto com as alegações da apelante.
3.2-  Vejamos a segunda questão: A admissibilidade de incidente de intervenção principal, provocada pela exequente, dos fiadores da inquilina executada.
3.2.1-A apelante considera que é admissível a intervenção principal, provocada, dos fiadores da inquilina executada, pela circunstância de não terem sido encontrados bens penhoráveis a esta.
3.2.2- A apelada entende que a lei não prevê a formação de título executivo extrajudicial contra os fiadores da inquilina mas apenas contra esta.
3.2.3-  Apreciando e decidindo.
Como é sabido, a intervenção principal de um terceiro que não é parte originária na acção, seja declarativa seja executiva, constitui uma modificação subjectiva da instância.
A lei, no artº 260º, estabelece o princípio da estabilidade da instância: após citação do réu/executado, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas (e ao pedido e à causa de pedir) salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.
Essas modificações subjectivas podem ter como causa a decisão de ilegitimidade de uma das partes por não estar na acção um seu litisconsorte necessário (artº 261º); ou, a substituição de uma das partes por sucessão (artº 262º al. a)); ou ainda em virtude de incidentes de intervenção de terceiros (artº 262º, al. b)).
Pois bem, no caso dos autos, modificação subjectiva da instância em discussão é relativa a incidente de intervenção de terceiros. E, de entre as várias modalidades de intervenção de terceiros, apenas nos interessa analisar a intervenção principal provocada pela exequente.
De um modo geral a doutrina admite a intervenção de terceiros, na acção executiva, nos casos tipificados na lei.
É o que sucede no artº 54º nº 3: na execução inicialmente movida apenas contra o terceiro que prestou garantia real, admite-se a intervenção posterior do devedor, quando os bens daquele terceiro, onerados com a garantia, não sejam suficientes para solver a quantia exequenda.
Também nos casos de penhorabilidade subsidiária previstos no artº 745º nºs 2 e 3: execução instaurada apenas contra o devedor subsidiário e invocando este o benefício de excussão prévia, pode o exequente requerer a intervenção do devedor principal para ser executado no próprio processo; ou, se a execução tiver sido movida apenas contra o devedor principal e os bens deste se revelarem insuficientes, pode o exequente requerer a intervenção do devedor subsidiário que será executado pelo remanescente.
Permite ainda a lei a intervenção de outros terceiros em oposição de direitos ou de posse incompatível com a penhora (artºs 342º e 343º), ou em concurso de créditos suportado por garantia real (artº 786º nº 1, al. b)), ou ainda para fazer valer os direitos patrimoniais do cônjuge do executado (artºs 786º nº 1, al. a) e 740º), ou, finalmente, para lhe comunicar a dívida (artº 786º nº 5, 741º e 742º). – Cf. Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2ª edição, 2018, pág. 208; Lebre de Freitas, A Ação Executiva, 6ª edição, pág. 161 2 seg.; Rui Pinto, A Ação Executiva, 2018, pág. 303; ver ainda Teixeira de Sousa, A Acção Executiva Singular, pág. 154.
Fora destes casos expressamente previstos na lei, a doutrina não é unânime.
Assim, Lebre de Freitas, defende que em acção executiva o incidente de intervenção principal é em geral admissível na modalidade de intervenção passiva provocada pelo exequente; justifica esta admissibilidade em nome da economia processual (A Ação Executiva, cit., pág. 162).
Teixeira de Sousa, admite a intervenção principal de um litisconsorte voluntário, máxime para o executado fazer intervir um seu codevedor solidário, argumentando não ser exigível que um dos devedores tenha de suportar sozinho o cumprimento da totalidade da prestação (A Acção Executiva Singular, cit., pág. 153).
Marco Carvalho Gonçalves (Lições de processo Civil Executivo, cit., pág. 208) não parece admitir incidentes de intervenção principal fora dos casos especialmente previstos na lei – e que supra se referiram.
Rui Pinto (A Ação Executiva, cit., pág. 307 e segs) rejeita a possibilidade de incidentes de intervenção de terceiros na acção executiva fora dos casos especiais previstos na lei.
A jurisprudência tem-se inclinado para recusar o incidente de intervenção principal provocada em acção executiva (Cf. Acs TRP, de 10/04/2000 (António Gonçalves) e de 06/07/2001 (Rapazote Fernandes); TRG, de 17/03/2004 (Amílcar Andrade); TRP, de 27/09/1999, (Caimoto Jácome); TRL, de 21/04/2009 (Anabela Calafate) todos em www.dgsi.pt).
Concordamos com esta posição, de resto defendida por Rui Pinto (A Ação Executiva, cit., pág. 307 e segs.) que seguimos de perto.
Antes de mais, convém frisar que o caso dos autos não é subsumível à previsão do artº 745º nº 3, na medida em que neste preceito se prevê a possibilidade do incidente de intervenção principal do devedor subsidiário, em execução movida inicialmente apenas contra o devedor principal, mostrando-se insuficientes os bens deste. E, no caso dos autos, os fiadores renunciaram ao benefício de prévia excussão, assumindo-se como devedores solidários.
 Como dissemos acima, nos processos judiciais a regra é a da estabilidade instância: apenas podem ter lugar as modificações subjectivas admitidas na lei.
Esta estabilidade da instância, na acção executiva, é essencialmente coincidente com o impulso processual dado pelo exequente. Impulso processual dado pelo exequente que é uma manifestação do princípio do dispositivo, circunscrito ainda pelo princípio da auto-responsabilidade e, claro está, pelo título executivo: o exequente dispõe do processo, conduzindo-o a seu próprio risco, balizado pelo título executivo. Assim, executados são os que o credor determinou no requerimento executivo.
Se o exequente optou por não executar todos os devedores solidários constantes do título, o devedor demandado não pode fazer intervir um codevedor; nem pode o credor/exequente fazer intervir posteriormente codevedores solidários, porque a sua opção inicial circunscreveu o âmbito subjectivo da instância executiva. Não pode ser esquecida a posição do executado e a salvaguarda do seu interesse em não ver prolongada a execução por via de intervenções de terceiros.
Além disso, os incidentes de intervenção de terceiros têm estrutura e aptidão declarativa, que não é compatível com a estrutura da acção executiva, por pressuporem articulados e sentença (cf. artº 320º) e, na execução, a prestação está previamente delimitada, objectiva e subjectivamente pelo título executivo.
Salvo o devido respeito, não podemos concordar com o argumento avançado por Teixeira de Sousa para a intervenção sucessiva de codevedores solidários, ao mencionar não ser exigível que um dos devedores tenha de suportar sozinho o cumprimento da totalidade da prestação. Na verdade, tratando-se de uma situação de solidariedade passiva – face à renúncia ao benefício de prévia excussão - o credor não está limitado por excutir primeiramente o inquilino, tem o direito de exigir a qualquer dos codevedores a prestação integral da dívida (artº 512º nº 1 do CC). É nisso, justamente, que consiste a solidariedade passiva: responsabilidade de cada devedor pela prestação integral.
Do mesmo modo, não nos parece determinante o argumento de Lebre de Freitas de a economia processual justificar o incidente de intervenção principal de codevedores (solidários) provocado pelo exequente.
Na verdade, o princípio da economia processual é uma aplicação do princípio do menor esforço ou da economia de meios: deve procurar-se o máximo de resultado processual com o mínimo emprego de actividade; o máximo rendimento com o mínimo de custo (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 387).
Ora, salvo o devido respeito, não pode dar-se enfase excessivo ao princípio da economia processual a ponto de sacrificar outros princípios e interesses igualmente importantes e também merecedores de protecção. É o caso do princípio da estabilidade da instância que também tutela o interesse do Estado em não prolongar uma execução que poderia ter sido instaurada de modo subjectivamente concentrado e, o interesse do executado originário em não ver prolongada a sua situação processual (Cf. Rui Pinto, A Ação Executiva, cit., pág. 308).
Por conseguinte, entendemos que em acção executiva pendente não é admissível o incidente de intervenção principal de codevedores solidários – fiadores que renunciaram ao benefício de excussão prévia – por parte do credor/exequente.
Esta solução seria suficiente para, por si só, negar provimento ao recurso, embora com fundamento diverso daquele que foi usado pela 1ª instância. No entanto, deve ser apreciada a terceira questão enunciada.
3.3- Por isso, passemos à análise dessa terceira questão: saber se o contrato de arrendamento acompanhado da notificação ao inquilino da liquidação das rendas em dívida serve de título executivo também contra o fiador.
3.3.1- Segundo a apelante, o contrato de arrendamento com assunção de fiança, em conjunto com carta de interpelação aos fiadores para pagamento dos valores de rendas em dívida constitui título executivo.
3.3.2- Por sua vez, a apelada defende que a lei não permite a formação de título executivo extrajudicial, por dívida de rendas contra o fiador mas apenas contra o inquilino.
3.3.3- Na decisão sob recurso o tribunal recorrido entendeu que a lei não prevê a constituição de título executivo extrajudicial, por dívida de rendas, contra o fiador.
3.3.4- Cumpre apreciar.
O artº 14º-A do NRAU, aditado pela Lei 31/2012, de 14/08, com a epígrafe “Título para pagamento de rendas encargos e despesas”, estabelece: “O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que ocorram por conta do arrendatário.”
Este normativo teve uma versão anterior no artº 15º nº 2 do NRAU, na redacção inicial dada pela Lei 6/2006, de 27/02, com o seguinte teor: “O contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.”
É fácil perceber que com a nova redacção o legislador teve o cuidado de ser mais rigoroso, passando a utilizar a expressão “…título executivo para execução para pagamento de quantia certa…” em vez “…título executivo para acção de pagamento de renda…”. Além disso, ampliou o leque de prestações susceptíveis de constituírem causa debendi constantes do título: alargou-o aos encargos e despesas que corram por conta do arrendatário.
A interpretação deste artº 14º-A do NRAU tem causado discórdia na doutrina e na jurisprudência acerca da possibilidade de o título executivo formado à luz do preceito (e anteriormente do referido artº 15º nº 2) permitir a propositura de acção executiva também contra o fiador.
Podem enunciar-se três posições:
1ª- Uma que admite a constituição de título executivo sem necessidade de notificação do fiador;
2ª- Uma segunda, que limita a admissibilidade de constituição do título à notificação do fiador;
3ª- Uma terceira, que recusa a possibilidade de constituição de título executivo contra o fiador.
A primeira posição argumenta, essencialmente, que a única justificação para a notificação ao arrendatário é obrigar o exequente a proceder a uma liquidação prévia das rendas em dívida, não se justificando a interpelação ao fiador por ele responder pela obrigação principal independentemente de interpelação. Exemplos da defesa desta posição, na jurisprudência, podem encontrar-se, entre outros nos acs. TRL. 12/12/2008 (Tomé Gomes), de 15/11/2012 (Ondina do Carmo Alves), de 10/12/2016 (Vaz Gomes), todos em www.dgsi.pt. E, na doutrina, Menezes Leitão (Arrendamento Urbano, 6ª edição (2013), pág. 234).
A segunda posição argumenta a necessidade de notificação do fiador para assim ser obtido, contra ele, título executivo. Na doutrina, defendendo esta posição, vejam-se, Laurinda Gemas e outros (Arrendamento Urbano, 2ª edição, pág. 52).
A terceira posição usa vários argumentos para recusar a possibilidade de formação de título extrajudicial contra o fiador por dívida de rendas.
Assim, Teixeira de Sousa (Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, coordenação de Menezes Cordeiro, AAVV, 2014, pág. 406) argumenta que “O preceito apenas admite que a comunicação seja realizada ao arrendatário, certamente porque somente este está em condições de controlar a veracidade do seu conteúdo e de deduzir alguma eventual oposição. Por isso o título executivo…não se estende ao fiador.”
Gravato Morais (Falta de Pagamento de Renda no Arrendamento Urbano, pág. 79 e segs.) defende que “A norma não refere nenhuma orientação clara em nenhum dos sentidos (…) o legislador só terá pensado na pessoa do arrendatário (…) o fiador encontra-se numa posição mais fragilizada que o inquilino que pode por termo ao contrato a todo o tempo, o mesmo não sucedendo com o fiador (…) o fiador pode ser confrontado com uma acção executiva, na melhor das hipóteses, 13 a 14 meses após o incumprimento (…) nos casos em que de o senhorio exigir a renda acrescida da indemnização a situação é deveras injusta para o garante, pois o decurso de um largo período de tempo após a mora do arrendatário…oneraria aquele de um modo despropositado e iníquo”. Afasta, á partida, a possibilidade de aplicação do preceito embora admita, “em última via” a formação de título executivo contra o fiador mediante a notificação deste.
Rui Pinto (Manual da Execução e Despejo, 2013, pág. 1162 e segs.) manifestando dúvidas, acaba por defender que não pode constituir-se título executivo extrajudicial contra o fiador, argumentando com a natureza restritiva das normas que prevêem categorias de títulos executivos; não poder a execução ser dirigida contra quem não consta do título e, a alteração legislativa de 2012 confirmará a intenção do legislador de não abranger outrem no âmbito subjectivo do título.
Cumpre tomar posição.
Adiantando desde já, referimos que concordamos com a referida primeira tese.
Na verdade, em primeiro lugar importa compreender que o normativo em questão, actual artº 14º-A e anterior artº 15º nº 2, se destinou a conferir ao senhorio um título executivo extrajudicial que lhe faculte a cobrança coerciva das rendas em dívida, sem necessidade de ter de instaurar, previamente, acção declarativa para obter título judicial bastante para esse efeito. Pode assim dizer-se que o legislador teve preocupações de celeridade e de economia processual.
Em segundo lugar, repare-se que a técnica utilizada pelo legislador para “criar” os diversos títulos executivos extrajudiciais referidos no artº 15º do anterior NRAU é basicamente a mesma: o título executivo é o contrato de arrendamento, complementado/acompanhado com diversos outros documentos consoante a obrigação exequenda e respectiva causa.
Percebe-se ainda a separação dos títulos executivos extrajudiciais mencionados no nº 1 e do que constava do nº 2 do artº 15º do anterior NRAU e agora mais vincada com o novo artº 14º-A: separar as execuções para entrega de coisa certa, da execução para pagamento de quantia certa, porque impossíveis de cumulação na mesma acção executiva (artº 53º nº 1, al. b) do CPC/95 e artº 709º nº 1, al. b) do CPC/13).
Por outro lado compreende-se a necessidade de prévia notificação ao inquilino dos valores em dívida: prende-se com a exigência de liquidação da obrigação exequenda, visto que as obrigações ilíquidas não podem ser realizadas coactivamente (artº 716º e 10º nº 1).
É evidente que o legislador não faz referência ao fiador ao estabelecer um título executivo para cobrança coerciva de rendas.
Impõe-se a pergunta: tinha de o fazer?
Não nos parece.
Primeiro, porque não é obrigatória a constituição de fiador nos contratos de arrendamento, embora seja comum.
Depois, porque o próprio legislador, deixou cair a figura do fiador do locatário que estava prevista no artº 655º do CC. Agora, aplica-se ao fiador, que se tenha vinculado em contrato de arrendamento, o regime geral da fiança (para desenvolvimentos, entre outros, Januário Gomes, Assunção Fidejussória de Dívida, pág. 310 e segs.).
E esse regime geral, no que respeita à vinculação como garante fidejussório, decorre do contrato de arrendamento.
Ora, como é sabido, ocorrido o vencimento da obrigação a termo certo – recorde-se que a renda corresponde a uma prestação pecuniária periódica (artº 1075º do CC) com vencimento a termo certo (artº 1039º nº 1 do CC) – não é necessária a interpelação do fiador pelo credor como requisito para despoletar a aplicação plena do regime do artº 634º do CC: a fiança cobre as consequências contratuais da mora do devedor (Cf. Januário Gomes, A Assunção …cit., pág. 1251, Conclusão 234).
Além disso, o título executivo extrajudicial é o contrato de arrendamento complementado com a notificação de liquidação necessária das rendas em dívida. A lei exige que essa liquidação pelo senhorio seja comunicada ao devedor, mas não exige – nem tinha de o fazer, como vimos – que seja comunicada ao fiador: ele está vinculado pelo contrato.
Não nos parece que possa servir de argumento a comunicação ser (somente) realizada ao arrendatário por ser ele quem está em condições de controlar a veracidade do seu conteúdo e deduzir eventual oposição. Com efeito, no âmbito de obrigações sujeitas a prazo certo, não há, como vimos, necessidade de interpelação do fiador e, instaurada execução contra ele, tem a faculdade de invocar os meios de defesa próprios e aqueles que competem ao devedor (artº 637º nº 1 do CC); e, além disso, cumprindo a obrigação, fica sub-rogado nos direitos do credor na medida da satisfação efectuada (artº 644º). Portanto, o fiador não está (assim tão) desamparado em face do título que é o contrato complementado com a liquidação notificada ao inquilino.
O argumento de a “comunicação ao arrendatário confirmar a vontade legislativa de não abranger outrem no âmbito subjectivo do título” é, salvo o devido respeito, “reversível”: o legislador não mencionou a “necessidade de comunicação ao arrendatário” por ser desnecessária.
Finalmente, o argumento do numerus clausus dos títulos executivos.
Não se desconhece que o artº 703º apresenta, no seu nº 1, uma enumeração taxativa de títulos executivos que podem servir de fundamento a uma acção executiva. O emprego do advérbio apenas, no proémio do mencionado preceito, não deixa margem para qualquer dúvida: só têm natureza de título executivo os constantes desse elenco, nullus titulus sine lege. A doutrina é unânime quanto a este carácter taxativo dos títulos executivos (cf. Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, pág. 67 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo Executivo, &ª edição, pág. 19 e seg.; Eurico Lopes-Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª edição, pág. 22 e seg.; Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2ª edição, pág. 55 e seg.; Lebre de Freitas, A Ação Executiva, 6ª edição, pág. 46 e seg.; Rui Pinto, A Ação Executiva, pág. 145.).
E essa taxatividade não admite alargamento por interpretação extensiva e muito menos por analogia. (Teixeira de Sousa, A acção Executiva Singular, cit., pág. 67 e seg.; Rui Pinto, A Ação Executiva, cit., pág. 145).
De entre o elenco das espécies de título executivo figura, na al. d) do nº 1 do artº 703º “Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.”
Um desses títulos executivos, por força de disposição especial é, justamente, o título para pagamento de rendas previsto no artº 14º-A do NRAU, que é formado pelo contrato de arrendamento complementado pela notificação de liquidação ao inquilino.
O título assim formado tem exequibilidade extrínseca não só contra o inquilino mas também contra o fiador (Cf. Ac. TRL, de 15/11/2012 (Ondina do Carmo Alves) www.dgsi.pt).
Esta interpretação, como vimos acima, não contraria a regra, nullus titulus sine lege.
Portanto e concluindo, o contrato de arrendamento acompanhado de notificação ao inquilino da liquidação de rendas em dívida constitui título executivo contra este e contra o fiador que se tenha vinculado naquele contrato.
Resta concluir que o recurso improcede, embora com diferente argumentação.
                                   ***
III - Decisão.
Em face do exposto, acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente, embora com argumentação diversa da que foi invocada na 1ª instância.
Custas: pela apelante.

Lisboa, 14/03/2019

Adeodato Brotas (Relator)
Gilberto Jorge (1º Adjunto)
Maria de Deus Correia (2ª Adjunta)