Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23205/20.3YIPRT.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
NOTIFICAÇÃO DO REQUERIDO
FORMALIDADES
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – O regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15 000 e injunção aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro contém um regime especial face ao que consta do Código de Processo Civil, pelo que a notificação do requerimento de injunção deve reger-se pelas normas nele previstas e não directamente pelas constantes das regras da citação vertidas neste último.
II - A notificação no procedimento de injunção não é uma citação, porque não se trata de uma acção judicial, em que o réu toma conhecimento da acção contra si proposta através de citação (artigo 219.°, n.º 1 do Código de Processo Civil), sendo o requerimento de injunção comunicado ao requerido por via de notificação (artigos 12.° e 12.°-A do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro), diferença terminológica que advém da natureza não jurisdicional do procedimento de injunção e essa notificação visa comunicar um requerimento para pagamento de determinada quantia pecuniária e a formação de título executivo em caso de falta de oposição.
III – Os procedimentos de injunção são integralmente tramitados por via electrónica, nos termos da Portaria n.º 220-A/2008, de 4 de Março, desmaterialização que inviabiliza a remessa pelo Banco Nacional de Injunções ao requerido, no âmbito da respectiva notificação, da cópia ou do duplicado do requerimento de injunção, com os elementos constantes das alíneas a) a i) do n.º 2 do artigo 10º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro.
IV - A causa de pedir cumpre sempre uma função individualizadora do pedido e, logo, do objecto do processo, pelo que deve conter, pelo menos, os factos pertinentes à causa e que sejam indispensáveis para a solução que o autor quer obter.
V - O artigo 5º, n.º 1 do Código de Processo Civil impõe às partes o ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, ou seja, os factos essenciais à procedência do pedido, aqueles que são constitutivos do direito do autor, consistindo nos elementos típicos do direito que se pretende fazer valer.
VI – Ocorre ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir quando se detecta uma omissão do núcleo essencial, ou seja, quando não tenham sido indicados os factos que constituem o núcleo essencial dos factos integrantes da previsão das normas de direito substantivo que justificam a concessão do direito em causa.
VII – Ainda que quanto ao procedimento de injunção a lei exija apenas uma exposição sucinta dos factos que fundamentam a pretensão do requerente, tal não o dispensa de expressar o núcleo dos factos essenciais que integram a causa de pedir, elemento nuclear para a compreensão da razão jurídica do pedido formulado.
VIII – Se no requerimento injuntivo é alegado o contrato específico de que emerge a obrigação a pagar, com menção do tipo de actividade exercido pelo autor e pelo réu, o fornecimento de determinadas mercadorias no exercício dessa actividade, durante certo tempo, juntando-se as correspondentes facturas, que assim completam a petição, com base nas quais se invoca a existência de um crédito de certo montante, correspondente ao preço ou saldo existente, cujo pagamento se pede, não se podem invocar dúvidas quanto à relação negocial concreta que está em causa na acção e que sustenta a pretensão deduzida, ainda que tais factos careçam de uma maior especificação.
IX - O convite ao aperfeiçoamento do articulado inicial pressupõe a existência de causa de pedir, daí que o não acatamento desse convite nunca possa determinar a extinção do processo por absolvição da instância, determinando antes um possível conhecimento antecipado do mérito no despacho saneador ou que se retirem, na decisão final, as consequências derivadas das falhas não supridas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A, com domicílio à Rua ... 3A – Amora veio apresentar, em 18 de Março de 2020, requerimento de injunção contra B, com domicílio à Travessa ..., Nº 1 – Lisboa requerendo a notificação desta para proceder ao pagamento da quantia de 272 908,51 €, sendo 246 994,71 € relativos a capital e 25 913,80 € a título de juros de mora.
Alegou, para o efeito, o seguinte:
- A requerente exerce actividade comercial de comércio de produtos alimentares, farmacêuticos e afins e no âmbito da sua actividade comercial, a requerida solicitou-lhe diversos fornecimentos de diversas mercadorias, nomeadamente produtos alimentares, que aquela lhe enviou e que esta recebeu;
- Foram emitidas várias facturas e notas de débito, remetidas à requerida na data da sua emissão, que totalizam o montante de global de 246 994,71 € (duzentos e quarenta e seis mil novecentos e noventa e quatro euros e setenta e um cêntimos) e que deveriam ser pagas no prazo de 30 dias a contar da data de emissão;
- Até à presente data, decorridos mais de 18 meses, a requerida, apesar de diversas vezes interpelada para tanto, não pagou o valor ainda em dívida, a que acrescem juros de mora à taxa legal de 7%,
- Refere como data do contrato a de 06-03-2018 e o período a que se refere o fornecimento o situado entre 06-03-2018 e 28-08-2018;
- Mais discriminou o valor dos juros de mora calculados sobre a data do vencimento das facturas em dívida;
- E referiu que, por insuficiência de espaço do sistema informático para discriminar todas as facturas, dado o seu grande volume, anexava à injunção a respectiva discriminação (cf. Ref. Elect. 2661971).
No requerimento injuntivo, à frente da pergunta “Obrigação emergente de transacção comercial?” foi aposta a resposta “Sim (DL n.º 62/2013, de 10 de Maio)”.
Em 19 de Março de 2020 a requerente remeteu aos autos documento comprovativo da concessão do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento de compensação de patrono oficioso e atribuição de agente de execução e, bem assim, um documento com dezoito páginas contendo a relação das facturas e notas de débito mencionadas no requerimento de injunção, com indicação do número, data de emissão e valor em data em dívida à data de 17 de Setembro de 2018 (cf. Ref. Elect. 397479107 e 397479108).
Com data de 9 de Junho de 2020 foi expedida, pela Secretaria Judicial do Balcão Nacional de Injunções notificação para citação da requerida, em cujo texto consta a reprodução do alegado no requerimento de injunção, como fundamentos indicados para o pedido de injunção (cf. Ref. Elect. 397479112).
A requerida foi notificada em 16 de Junho de 2020, conforme aviso de recepção junto aos autos (cf. Ref. Elect. 397479113).
Em 30 de Junho de 2020 a requerida deduziu oposição em que (cf. Ref. Elect. 397479114):
² Arguiu a falta de citação, com fundamento no facto de a autora afirmar no requerimento inicial que, por insuficiência de espaço no sistema informático para discriminar todas as facturas, anexava tal discriminação, mas com a citação não foi remetido qualquer anexo, sendo que seria esse o fundamento do crédito reclamado, pelo que entende ocorrer falta de citação, nos termos do art.º 188º, e) do Código de Processo Civil[1];
² Deduziu a excepção de ineptidão da petição inicial por, na falta do anexo, não existir causa de pedir, nem factos constitutivos do direito invocado;
² Impugnou tudo quanto se mostra alegado no requerimento inicial, por, de acordo com o extracto de conta corrente, a ré não ser devedora da importância de 246 994,71 €;
Concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
Em 6 de Julho de 2020 foram a ilustre patrona oficiosa e o ilustre mandatário das partes notificados do envio dos autos à distribuição (cf. Ref. Elect. 39749116 e 397479117).
Em 10 de Setembro de 2020 foi proferido o seguinte despacho (cf. Ref. Elect. 398624423):
“Nos termos do disposto no artigo 10º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio, “a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção” (estando em causa transações comerciais de valor superior a metade da alçada da Relação) determina a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.
Permite o nº 3 do citado preceito que o juiz convide as partes a aperfeiçoar as peças processuais, normativo que abrangerá os atos estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei (como nos determina o artigo 193º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, a respeito da situação do erro na forma de processo, que se aproxima desta questão, quanto aos seus efeitos e saneamento).
Assim sendo, notifique as partes para, em 10 dias, apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os que hajam apresentado.
No mesmo prazo, deverá a autora juntar cópia das facturas cujo pagamento reclama nesta ação.
*
Às exceções deduzidas na contestação, poderia a autora responder (não em sede de réplica, como o regime pretérito) mas, como é sabido, na própria audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final, como nos determina o artigo 3º, nº 4 do Código de Processo Civil.
Parece-nos, contudo, que será mais adequado responder às referidas exceções, por escrito, em prazo agora a conceder, cumprindo-se assim o contraditório quanto às mesmas.
Esta faculdade será determinada ao abrigo do princípio da adequação formal plasmado no artigo 547º do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, concede-se à autora o prazo de 10 dias para, querendo, responder por escrito às exceções deduzidas na contestação.”
A autora veio pronunciar-se, por requerimento de 23 de Setembro de 2020, referindo que está em causa um processo de injunção, com tramitação própria, sendo que dado o grande volume de facturas não foi possível discriminar todas as facturas no requerimento inicial, por limitação do sistema informático, daí que tenha apresentado uma relação anexa, que enviou aquando da instauração do processo de injunção, onde estão discriminadas todas as facturas e respectivos valores, constando, porém, do requerimento de injunção o valor da dívida e dos juros vencidos, bem como a discriminação do pedido, pelo que não ocorre qualquer nulidade por ineptidão da petição inicial; quanto à invocada falta de citação, referiu que neste tipo de processo o requerido é notificado pela Secretaria Judicial do Balcão Nacional de Injunções, através de um formulário tipo, no qual é indicado o valor da dívida principal, o valor das outras quantias, o valor da taxa de justiça, o valor dos juros de mora e a soma desses valores corresponde ao valor cujo pagamento é exigido, sendo ainda indicado o nome do requerente e o tipo e data do contrato e explicada a forma como pode o requerido proceder em sua defesa ou caso pretenda efectuar o pagamento do valor em dívida, pelo que a ré foi devidamente citada, não existindo qualquer falta de citação, pois não lhe seria nunca remetido nem o requerimento de injunção nem o respectivo anexo, aquando da citação (cf. Ref. Elect. 27205827).
Nos dias 26 a 28 de Setembro de 2020 a autora remeteu aos autos cerca de quatrocentas e setenta e seis facturas e notas de débito e uma outra em falta, em 7 de Outubro de 2020 (cf. Ref. Elect. 27236731, 27237501, 27238556 e 27313854).
Em 13 de Outubro de 2020, a ré dirigiu aos autos um requerimento onde refere que, com a sua resposta, a autora não juntou o anexo a que faz alusão no artigo 5º do requerimento inicial, com a discriminação das facturas que fundamentam o crédito total e nessa resposta não apresenta um só facto ou uma só factura que consubstanciem os factos constitutivos da causa de pedir; a junção das facturas não supre essa falta por não ser admissível a alegação por remissão para documentos; reitera que não é devedora do valor reclamado e impugna todos os documentos juntos.
Requereu ainda que lhe fosse concedido o prazo de quinze dias para se pronunciar sobre cada um dos quatrocentos e oitenta e três documentos juntos e oferecer contraprova (cf. Ref. Elect. 27372879).
Em 16 de Outubro de 2020, a autora remeteu aos autos um requerimento em que pede a condenação da ré como litigante de má fé, no pagamento de multa e indemnização, referindo ter juntado o anexo aquando da apresentação do requerimento inicial, pelo que não havia necessidade de proceder à sua nova junção, sendo que a ré tem acesso a tal elemento desde a distribuição dos autos e além disso altera a verdade dos factos quando sabe que deve o valor peticionado e suscita diversas excepções apenas para protelar o andamento dos autos (cf. Ref. Elect. 27412363).
A ré respondeu, em 22 de Outubro de 2020, insistindo que a relação das facturas não foi junta e que dos 483 documentos juntos, 130 não correspondem a facturas nem a fornecimentos de mercadorias, entendendo que não deve a importância reclamada, juntando extracto de conta corrente com os valores pagos e por pagar, este no valor de 135 367,96 €, solicitando, novamente, prazo para se pronunciar sobre tais documentos, concluindo pela procedência das excepções que deduziu e pela improcedência do pedido de condenação como litigante de má fé (cf. Ref. Elect. 27476757).
Em 26 de Outubro de 2020 foi proferido despacho que prorrogou o prazo de que dispunha a ré para se pronunciar sobre os documentos, pelo período de quinze dias (cf. Ref. Elect. 399914299).
Por requerimento de 3 de Novembro de 2020, a autora tornou a comunicar aos autos que o anexo foi junto logo com a apresentação do requerimento de injunção, mais se pronunciando sobre os documentos juntos pela ré, referindo constarem da conta corrente documentos que nunca foram enviados à sociedade insolvente, que impugna, e outros foram emitidos com data posterior à declaração de insolvência, que ocorreu em 28 de Agosto de 2018, pelo que não comprovam a inexistência ou redução do valor em dívida (cf. Ref. Elect. 27590995).
Por requerimento de 18 de Novembro de 2020, a ré juntou aos autos uma série de documentos que alega serem comprovativos do pagamento (cf. Ref. Elect. 27755432).
A autora pronunciou-se, por requerimento de 26 de Novembro de 2020, referindo que tais comprovativos estão já reflectidos na conta corrente da ré (cf. Ref. Elect. 27835926).
Em 26 de Abril de 2021 foi proferida decisão que fixou o valor da causa, dispensou a realização de audiência prévia, nos termos do art.º 592º n.º 1, b) do CPC, por a matéria de excepção ter sido amplamente debatida nos autos, afirmou tabelarmente a inexistência de outras nulidades do processo e julgou procedente a excepção dilatória de nulidade de todo o processo decorrente da ineptidão da petição inicial e, consequentemente, absolveu a ré da instância, nos termos dos artigos 278º, nº 1, al. b); 576º, nº 2, e 577º, al. b), todos do CPC, considerando ainda não haver fundamento para a condenação da ré como litigante de má fé (cf. Ref. Elect. 404736179).
É desta decisão que a autora recorre, concluindo as respectivas alegações do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 29100322):
A) De acordo com a douta sentença proferida e ora recorrida foi julgada procedente a exceção dilatória de nulidade de todo o processo decorrente da ineptidão da petição inicial e consequentemente absolvida a R da instância (artigos 278º, nº 1, al b); 576º, nº 2 e 577º, al b), todos do C.P.C.
B) Foi ainda concluído não existir fundamento para a pretendida condenação da R como litigante de má fé
C) Alega para tanto, em síntese, a meritíssima juíza do tribunal “A quo” que foi suscitada a excepção de ineptidão do requerimento de injunção, sendo depois reiterada essa excepção, pela ora Recorrida
D) Para além disso que carece de haver a discriminação dos produtos constantes das facturas juntas para que a R, ora recorrida se possa defender
E) Que a mera alusão às facturas em causa não pode ser integradora da causa de pedir
F) Que a R omitiu as características dos produtos nada alegando quanto à data da sua celebração, origem das propostas, conteúdo destas quanto à quantidade e qualidade dos bens incluídos e valores de cada produto
G) Existindo assim falta da causa de pedir
H) Que tanto que assim é que a R se limitou a impugnar os factos, alegando que não é devedora dessa quantia
I) Alega ainda que tal nulidade não foi sanada porquanto notificada nos termos do disposto no artigo 10º, nº 3 do Decreto-Lei 62/2013 de 10 de maio bem como relativamente ao contraditório da matéria da excepção vertida na oposição reiterou que o requerimento de injunção contém todos os factos essenciais
J) Quanto à litigância de má fé da R alega que não vê na conduta processual da R fundamento bastante para a sanção pela qual a A pugna.
K) Ora, salvo o devido respeito, não pode a ora recorrente concordar com tais entendimentos e decisões, pois
L) Desde logo e antes de mais entende a A ser nula a douta sentença ora recorrida uma vez que não se pronunciou sobre questões que deveria ter apreciado, isto porque suscitou a R a falta de citação, na oposição deduzida, não tendo o tribunal “A quo” feito qualquer apreciação sobre essa questão nem por meio de despacho proferido nem agora na douta sentença, ora recorrida
M) Pelo que entende a ora recorrente ser nula a douta sentença proferida de acordo com o disposto no nº 1 al d) do artº 615º do C.P.C.
N) Para Além disso e no que concerne a suscitar e reiterar a ineptidão da PI, temos que ter em atenção ser este um processo “simplificado” em que a Requerida é citada pela Secretaria do Balcão Nacional de injunções, através de um formulário no qual é indicado o valor da dívida principal, o valor de outras quantias, o valor da taxa de justiça, o valor dos juros de mora e a soma desses valores corresponde ao montante cujo pagamento é exigido ao Requerido
O) Pelo que no que concerne ao requerimento injuntivo propriamente dito o Requerido só tem acesso ao mesmo após deduzir oposição e o processo ser distribuído, pelo que não faz qualquer sentido alegar a ineptidão da PI e ser tal excepção apreciada, quando a mesma foi suscitada sem sequer ter havido acesso ao processo, desconhecendo o seu conteúdo, como tal nunca poderia tal excepção ser julgada procedente, nos termos em que a mesma foi suscitada pela ora Recorrida
P) Refere a douta sentença que tal excepção é depois reiterada pela ora Recorrida, sucede porém que o que a ora Recorrida faz é alegar que procedem as excepções deduzidas em sede de oposição, de entre as quais a ineptidão do requerimento injuntivo
Q) E fá-lo agora referindo o facto da ora Recorrente não ter junto o anexo a que é feita referência no requerimento injuntivo, isto quando o mesmo esteve desde o início junto aos autos, como refere a douta sentença ora recorrida, não suscita a mesma assim uma excepção de ineptidão da PI que pudesse ser apreciada nesta fase, como o foi, pois refere-se à que já havia suscitado mas essa quanto ao requerimento injuntivo, que não é inepto, e não quanto à PI, após a distribuição dos autos que fez com que os mesmos assumissem a forma de processo comum
R) Tomou assim o Tribunal “A quo” conhecimento de matéria sobre a qual não se poderia pronunciar, nos termos em que o fez, isto apesar de tal excepção ser de conhecimento oficioso
S) Pelo que entende a ora recorrente, também aqui ser nula a douta sentença proferida de acordo com o disposto no nº 1 al d) do artº 615º do C.P.C.
T) No que concerne ao carecer de haver a discriminação dos produtos constantes das facturas juntas para que a R, ora Recorrida se possa defender
U) Que a mera alusão às facturas em causa não pode ser integradora da causa de pedir
V) Que a R omitiu as características dos produtos nada alegando quanto à data da sua celebração, origem das propostas, conteúdo destas quanto à quantidade e qualidade dos bens incluídos e valores de cada produto, existindo assim falta da causa de pedir
W) Entende a ora Recorrente que não assiste razão à meritíssima juiz do tribunal “A quo” quanto aos argumentos apresentados, pois salvo melhor opinião, entende a ora recorrente ser descabido ter que transcrever o conteúdo de cada factura para a petição inicial para que a R se possa defender, isto quando a factura é junta aos autos e pode ser consultada pela R, tendo assim a mesma acesso a toda a informação e garantido o cumprimento do princípio do contraditório
X) Pelo supra exposto entende a ora Recorrente que não pode ser considerado inexistir causa de pedir, com os fundamentos, apresentados
Y) Acrescenta-se ainda na douta sentença ora recorrida que a ora Recorrente nada alegou quanto à data de celebração, origem das propostas, tal não corresponde à realidade, pois
Z) A ora Recorrente elaborou e juntou aos autos, logo aquando da apresentação do requerimento de injunção, uma relação de todas as facturas e notas de débito que constituíam a causa de pedir, constando dessa listagem o número de cada factura, a sua data de emissão e o seu valor
AA) Facturas essas que foram entregues à ora Recorrida aquando da entrega dos produtos que delas constam, como é prática corrente em qualquer troca comercial e que, por isso a mesma tem na sua posse, nem necessitando da sua junção para poder ter acesso a todos os elementos dela constantes
BB) Deste modo, entende a ora Recorrente, estar bem clara qual a causa de pedir, nos presentes autos, estando a ora Recorrida na posse de todos os elementos necessários para realizar a sua defesa, como melhor entendesse
CC) Tanto assim é que a ora Recorrida apesar de afirmar inexistir causa de pedir veio afirmar que não é devedora de qualquer importância de acordo com o extrato de conta corrente, requerendo que lhe fosse concedido o prazo de quinze dias para se pronunciar sobre cada uma das facturas a que é feita referência nos autos de injunção, entendeu assim a mesma, perfeitamente, qual a causa de pedir, tendo toda a oportunidade de se defender no âmbito dos presentes autos
DD) E assim sendo, viola a douta sentença proferida o disposto no nº 3 do artº 186º do C.P.C., pois tendo o R contestado e verificando-se que o R interpretou bem a petição inicial, como foi o caso, a excepção não é julgada procedente.
EE) Refere ainda a meritíssima juiz do tribunal “A quo” que tal nulidade não foi sanada porquanto notificada nos termos do disposto no artigo 10º, nº 3 do Decreto-Lei 62/2013 de 10 de maio bem como relativamente ao contraditório da matéria da excepção vertida na oposição reiterou que o requerimento de injunção contém todos os factos essenciais
FF) No que respeita a tal fundamento a ora Recorrente foi notificada de um despacho, em 14 de setembro de 2020, que referia que o convite para as partes aperfeiçoarem as peças processuais abrange apenas os actos estritamente necessários para que o processo de aproxime da forma estabelecida pela lei e diz que: “Assim sendo, notifique as partes para, em 10 dias, apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os que hajam apresentado. No mesmo prazo, deverá a autora juntar cópia das facturas cujo pagamento reclama nesta ação.” Refere ainda: “ Pelo exposto concede-se à autora o prazo de dez dias para, querendo, responder por escrito às excepções deduzidas na contestação.”
GG) Interpretando tal despacho e dado a forma como a ora recorrente havia apresentado o seu requerimento de injunção, no qual, no seu entender, estariam todos os elementos essenciais ao prosseguimento da ação e dado que o despacho em momento algum se referiu ao aperfeiçoamento dos articulados ou da PI, antes pelo contrário referiu que seriam apenas de praticar os atos estritamente necessários, referindo-se apenas aos requerimentos probatórios
HH) A ora Recorrente em cumprimento do despacho juntou as facturas, as testemunhas e respondeu às excepções, cumprindo assim, em seu entender o douto despacho, pois
II) Uma coisa são os requerimentos probatórios e outra é a PI, inclusive essa classificação encontra-se autonomizada no “Citius”, por isso, e atendendo à forma como havia apresentado o seu requerimento injuntivo não alvitrou a ora Recorrente que entendesse a meritíssima juiz do Tribunal “A quo” ser necessário o aperfeiçoamento da PI, tanto mais que falava em atos estritamente necessários, entende-se assim não ter sido claro e inequívoco o despacho proferido,
JJ) Entende-se ainda que o tribunal não poderia ter notificado a ora Recorrente para o aperfeiçoamento da PI e para responder à excepção de ineptidão do requerimento injuntivo, no mesmo despacho, pois
KK) A excepção de ineptidão foi deduzida relativamente ao requerimento injuntivo, aquando da apresentação da oposição, por parte da ora Recorrente e se este fosse inepto a R era absolvida da instância e a ação deixava de prosseguir, não havendo lugar a qualquer aperfeiçoamento da PI
LL) Assim para notificar para o aperfeiçoamento da PI, tal pressupunha já se encontrar apreciada a excepção de ineptidão do requerimento injuntivo, suscitada pela ora Recorrente e já tinha a ora Recorrida que ter sido notificada para se pronunciar sobre a excepção, em momento anterior, o que não foi já que esse foi o primeiro despacho proferido nos presentes autos
MM) E caso assim tivesse sucedido e a manter-se tal vício teria na nova PI então a ora Recorrida que alegar nova ineptidão, na sua contestação ou em requerimento autónomo que entendesse vir a apresentar após a apresentação da nova PI, aperfeiçoada
NN) Pelo supra exposto entende-se assim não cumprir o douto despacho proferido os requisitos de clareza e os legais, nomeadamente, os dispostos no artº 590º do C.P.C., aplicável aos autos a partir do momento em que os mesmos foram distribuídos como processo comum, já que nunca foi a ora Recorrente notificada para proceder ao aperfeiçoamento da PI, pelo que não pode ser considerado que foi a ora Recorrente convidada ao aperfeiçoamento da PI, nos termos legais, como refere a douta sentença, ora recorrida
OO) Até porque da leitura integral do mesmo entende-se, contrariamente ao defendido na douta sentença proferida, que vão ser aproveitados os atos já praticados pelas partes, nos autos, devendo apenas ser junta a prova, incluindo as facturas, nada tendo a meritíssima Juiz do tribunal “A quo” a apontar ao requerimento injuntivo que passaria a constituir a PI, nos autos e se havia a apontar então teria que o ter feito, após notificação da ora Recorrente para se pronunciar sobre a excepção de ineptidão do requerimento injuntivo, expressamente, cumprindo o disposto no artº 590º nº 3 e 4 do C.P.C., no primeiro despacho proferido ou então antes de ter proferido a douta sentença, ora recorrida, quando constatou que não havia a ora Recorrente apresentado nova PI,
PP) Deste modo e ainda que se entenda que o requerimento injuntivo e respectivo anexo não cumprem os requisitos legais para vigorar como PI, nos presentes autos, entende-se que deveria o tribunal “A quo” ter proferido novo despacho de aperfeiçoamento da PI, ao abrigo do disposto no artigo 590º nº 3 e 4 do C. P.C., o que não fez
QQ) Quanto à litigância de má fé da R alega a meritíssima juiz do Tribunal “A quo” que não vê na conduta processual da R fundamento bastante para a sanção pela qual a A pugna.
RR) Ora, desde logo invoca a ora Recorrida, na sua oposição, falta de citação, isto quando bem sabe que estando nós no âmbito do processo injuntivo a forma de citação legalmente determinada é a que foi cumprida, estando assim a deduzir oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar
SS) Para além disso vem alegar ineptidão da PI, logo na oposição deduzida antes da distribuição dos autos, ora se eventualmente pudesse existir essa ineptidão, o que não se concede, nessa fase ela não existiria de todo, pois do requerimento injuntivo constavam todos os factos que constaria de qualquer ação declarativa que tivesse por base tal matéria, constando bem mais do que aquilo que é habitual naquele tipo de requerimento
TT) Mantendo essa posição em requerimento posteriormente junto aos autos, aqui quando já tinha acesso, via “Citius” a todo o processo, estando assim bem ciente tanto do pedido como da causa de pedir, o que fica bem claro quando afirma, no seu requerimento, que não é devedora do total reclamado pela ora recorrente, ora se não sabe do que se trata, como alega, como pode dizer que não é devedora?
UU) E para além disso requer o prazo de quinze dias para analisar os 483 documentos juntos aos autos, ou seja, as 483 facturas que titulam o montante cujo pagamento é reclamado, sabendo bem que das mesmas constam todos os elementos em que a ora Recorrente baseia o seu pedido, elementos esses que estão sumariamente elencados no anexo ao requerimento injuntivo, ao qual a ora Recorrida tinha acesso desde a distribuição dos autos através do “Citius”
VV) Deduziu assim a ora Recorrida oposição com fundamentos cuja falta de fundamento não devia ignorar
WW) Alterou a verdade dos factos e entorpeceu a ação da justiça, agindo assim como litigante de má fé, de acordo com o disposto no nº 1 do artº 542º al a), b) e d) do C.P.C.
XX) Não assistindo assim razão ao decidido em sede da douta sentença ora recorrida, viola assim a sentença ora recorrida o disposto nos artigos nº 1 al d) do artº 615º; 186º, nº 3; 590º nº 3 e 4 no nº 1 e no artº 542º al a), b) e d), todos do C.P.C., de entre outras disposições legais
YY) Face ao exposto deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente ser declarada nula a douta sentença proferida ordenando-se o prosseguimento dos presentes autos ou caso assim não se entenda ou venham a ser sanadas tais nulidades deve ser alterada a douta sentença proferida e consequentemente ser julgada improcedente as excepções deduzidas, incluindo a excepção dilatória de ineptidão da Petição Inicial, prosseguindo os autos os seus termos legais, caso ainda assim não se entenda deve ser revogada a douta sentença proferida e ordenada a notificação da ora Recorrente para aperfeiçoar a PI, indicando, concretamente, quais os pontos a serem aperfeiçoados, nos termos legais
Termina as suas alegações pugnando pela improcedência das excepções deduzidas pela ré, devendo ser ordenado o prosseguimento dos autos.
A ré/recorrida contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Assim, perante as conclusões da alegação da autora/recorrente há que apreciar as seguintes questões:
a) A nulidade da sentença;
b) A nulidade da «citação» (notificação);
c) A ineptidão da petição inicial;
d) A litigância de má fé.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra.
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Da nulidade da sentença
A apelante sustenta que a sentença é nula porque não se pronunciou sobre questão que deveria ter apreciado, dado que a ré/recorrida suscitou, na sua oposição, a falta de citação, sobre o que o tribunal recorrido não se pronunciou, seja por despacho autónomo, seja na decisão recorrida.
Além disso, mais sustentou que não podia o tribunal recorrido ter apreciado a excepção de ineptidão da petição inicial, porque enquanto o processo não é distribuído o requerido não tem acesso aos autos e desconhece o seu conteúdo, sendo que, apesar de o tribunal afirmar que a requerida reiterou a verificação da ineptidão da petição inicial, certo é que o fez referindo o facto de a requerente não ter junto o anexo a que se alude no requerimento injuntivo, quando este se encontrava junto desde o início do processo, pelo que foi apreciada uma excepção relativamente a um requerimento injuntivo que não podia ser conhecida porque não é inepto.
Aquando da admissão do recurso, e em obediência ao estatuído no art. 641º, n.º 1 do CPC, a senhora juíza a quo consignou o seguinte:
“Por entender que a decisão proferida não se encontra ferida de nulidade, mantenho a decisão nos seus precisos termos.”
As decisões judiciais podem estar feridas na sua eficácia ou validade por duas ordens de razões: por erro de julgamento dos factos e do direito; por violação das regras próprias da sua elaboração e estruturação ou das que delimitam o respectivo conteúdo e limites, que determinam a sua nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC.
Dispõe o art. 615º, n.º 1 do CPC o seguinte:
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
Para a correcta interpretação deste preceito importa distinguir entre nulidades de processo e nulidades de julgamento, sendo que apenas a estas últimas se aplica o normativo em referência.
Conforme impõe o n.º 3 do art.º 607º do CPC, o juiz deve especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão, observando o disposto quer nesse normativo, quer no respectivo n.º 4, ou seja, o juiz deve discriminar os factos que julga provados e os que julga não provados, analisando criticamente as provas, o que fará em conformidade com a sua livre apreciação (princípio da liberdade de julgamento – cf. n.º 5 do art. 607º do CPC).
É usual verificar-se alguma confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou até entre a omissão de pronúncia (quanto a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento de entre os que são convocados pelas partes – cf. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 737.
Quanto à omissão de pronúncia sobre questões suscitadas ou sobre pretensão deduzida, tem-se entendido que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as de conhecimento oficioso, mas tal não exige que se apreciem todos os argumentos (que são coisa diversa de “questões”).
O juiz deve conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, nos termos do art. 608º, n.º 2 do CPC, o que não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias soluções plausíveis de direito para a solução do litígio, tenham sido deduzidos pelas partes ou possam ter sido inicialmente admitidos pelo juiz – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª edição, pp. 713 e 737.
Assim, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-11-2005, relator Sousa Peixoto, processo n.º 05S2137[2] esclarece-se que:
“[…] a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, resulta da violação do disposto no n.º 2 do art. 660.º do CPC, nos termos do qual "[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras" e "[n]ão pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras". É a violação daquele dever que torna nula a sentença e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia se traduz, ao fim e ao cabo, em denegação de justiça e o excesso de pronúncia na violação do princípio dispositivo que contende com a liberdade e autonomia das partes. Todavia, como já dizia A. Reis, há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão." Deste modo, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas. Por isso […] não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração um qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da acção. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. Deste modo, só haverá nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, quando o julgador tiver omitido pronúncia relativamente a alguma das questões que lhe foram colocadas pelas partes ou quando tiver conhecido de questões que aquelas não submeteram à sua apreciação. Nesses casos, só não haverá nulidade da sentença se a decisão da questão de que não se conheceu tiver ficado prejudicada pela solução dada à(s) outra(s) questões, ou quando a questão de que se conheceu era de conhecimento oficioso.
A dificuldade está em saber o que deve entender-se por questões, para efeitos do disposto nos artigos 660, n.º 2 e 668, n.º 1, d), do CPC. A resposta tem de ser procurada na configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as excepções invocadas pelo réu, o que vale por dizer que questões serão apenas […] "as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter." Não serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções […].”
Compulsados os autos, e se se tiver em atenção o que se verteu no relatório supra, onde se dá conta de todas as ocorrências processuais relevantes verificadas até à prolação da decisão recorrida, constata-se de modo evidente que o tribunal recorrido não proferiu qualquer despacho em que se tenha pronunciado sobre a falta de citação suscitada na oposição pela ré/recorrida.
Por outro lado, na decisão sob recurso a senhora juíza a quo, logo após declarar que o tribunal é o competente, afirmou:
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.”
Não obstante esta afirmação tabelar, não deixou o tribunal recorrido de apreciar, precisamente, a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, que considerou verificada, concluindo, afinal, pela nulidade de todo o processo.
Note-se, que, como é sabido, nos termos do art.º 620º, n.º 1 do CPC, as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo. Trata-se do caso julgado formal, por oposição ao caso julgado material, que se restringe às decisões que apreciam matéria de direito adjectivo e que produzem efeitos limitados ao próprio processo.
Mas no que concerne à apreciação genérica de nulidades e excepções dilatórias, importa ter presente que o caso julgado formal apenas se forma relativamente às questões concretamente apreciadas e nos limites dessa apreciação, tal como decorre do estatuído do art. 595º, n.º 3 do CPC. Ou seja, não vale como caso julgado uma mera declaração genérica sobre a ausência de alguma nulidade ou excepção dilatória- cf. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 696.
Significa isto que a afirmação genérica de inexistência de nulidades que afectem a validade de todo o processo não pode, de todo, ser interpretada como uma apreciação efectuada pelo tribunal recorrido sobre a matéria da falta de citação suscitada pela ré, questão que, como decorre do conteúdo da decisão recorrida, não foi em ponto algum apreciada pela senhora juíza a quo.
Atente-se que o juiz deve conhecer da nulidade decorrente da falta de citação logo que dela se aperceba, podendo suscitá-la em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada e, mesmo sob o ponto de vista da nulidade da citação (cf. art. 191º do CPC), esta deve ser conhecida logo que seja reclamada – cf. art. 201º do CPC.
Importa, assim, reconhecer, neste âmbito, a omissão de pronúncia sobre questão que o tribunal devia conhecer, não só porque expressamente suscitada nos autos, como também por ser questão de conhecimento oficioso (cf. art.ºs 187º e 196º do CPC), pelo que se deve concluir pela nulidade da sentença, nos termos do art. 615º, n.º 1, d) do CPC.
Já no que concerne à invocada nulidade por excesso de pronúncia crê-se não assistir razão à recorrente.
Com efeito, conforme decorre do acima expendido, apenas se verificará nulidade por excesso de pronúncia quanto o tribunal tiver conhecido de questões que as partes não submeteram à sua apreciação.
No que tange ao excesso de pronúncia, tal ocorre quando o juiz se ocupa de questões que as partes não tenham suscitado, sendo estas questões os pontos de facto ou de direito relativos à causa de pedir e ao pedido, que centram o objecto do litígio.
Conforme se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-12-2012, relator João Bernardo, processo n.º 469/11.8TJPRT.P1.S1 só há excesso de pronúncia para efeito de nulidade da sentença, se o tribunal conheceu de pedidos, causas de pedir ou excepções de que não podia tomar conhecimento, ou seja, à luz do princípio do dispositivo, há excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, não podendo o julgador condenar, além do pedido, nem considerar a causa de pedir que não tenha sido invocada.
Contudo, quando o tribunal, para decidir as questões suscitadas pelas partes, usar de razões ou fundamentos não invocados por estas, não está a conhecer de questão de que não deve conhecer ou a usar de excesso de pronúncia susceptível de integrar nulidade.
Argumenta a apelante que estando em causa um processo que se iniciou mediante a apresentação de um requerimento injuntivo, não faz sentido alegar a ineptidão da petição inicial logo após a notificação, porquanto a parte só tem acesso ao conteúdo do requerimento e dos autos após deduzir oposição, sendo que quando o tribunal conheceu dessa excepção a ré tinha apenas reiterado o alegado antes de conhecer os autos e invocando a inexistência de um anexo que deles constava desde o início, pelo que o tribunal não podia conhecer de uma excepção invocada num momento em que a parte não tinha conhecimento de todo o conteúdo existente no processo.
Ora, os fundamentos invocados revelam, à evidência, que a recorrente está a colocar em crise os fundamentos da decisão e não o conhecimento de questões que não podiam ser conhecidas.
Saber se pode ser suscitada a ineptidão do requerimento injuntivo ainda antes da remessa dos autos ao tribunal competente, ou seja, em sede de oposição contra ele deduzida, contende com o mérito da decisão que apreciou tal excepção e não com a estrutura desta.
Ademais, sendo a oposição o momento legalmente consagrado como o próprio para o requerido se opor à pretensão do requerente é com base naquilo que foi alegado no requerimento injuntivo que aquele poderá deduzir todos os fundamentos de defesa que entenda pertinentes.
Por outro lado, é essa dedução de oposição que, no caso concreto, determinou a remessa dos autos para o tribunal competente e o seu prosseguimento sob a forma de acção declarativa com processo comum, pelo que tendo a questão da ineptidão do requerimento sido suscitada, podia, e devia, o tribunal dela conhecer, pelo que não se verifica o invocado excesso de pronúncia.
A nulidade da decisão recorrida com fundamento em omissão de pronúncia não determina, necessariamente, a baixa dos autos à 1ª instância, pois que cabe ao tribunal ad quem, no exercício dos seus poderes de substituição, suprir essa nulidade, mediante a prolação da decisão que se impunha proferir.
Com efeito, estabelece o art. 665º, n.º 1 do CPC, que ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação (n.º 1).
O exercício desse poder de substituição pelo tribunal ad quem apenas não será possível quando os autos não contenham todos os “elementos necessários” que permitam a prolação dessa decisão de substituição, caso em que, nos termos da alínea c), do n.º 1 do art. 662º do CPC, se impõe anular a decisão recorrida e determinar a ampliação do julgamento sobre a matéria de facto necessária à prolação dessa decisão.
Com efeito refere António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 289:
“[…] a anulação da decisão (v.g. por contradição de fundamentos ou por omissão de pronúncia) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objecto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários. Só nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo.
O mesmo ocorre nos casos em que, apesar de não se verificar uma situação de nulidade da sentença, o tribunal a quo tenha deixado de apreciar determinada questão considerada prejudicada pela solução dada a outra. Neste caso, se existirem elementos para conhecer das questões que ficaram excluídas da primitiva decisão a Relação apreciá-las-á também, sem necessidade sequer de expressa iniciativa das partes. […]
b) O juiz omitiu na sentença uma questão essencial que as partes suscitaram ou ignorou um dos pedidos formulados. Interposto recurso da sentença, se acaso a nulidade não tiver sido sanada no despacho que admitiu o recurso e a Relação entender que foi cometida a nulidade arguida pelo recorrente, cumpre declará-la e imediatamente prosseguir com a correcção do vício.”
Neste caso, os autos contêm todos os elementos necessários à prolação, por esta Relação, de decisão quanto à alegada falta/nulidade da citação/notificação, pelo que nada obsta, antes se impõe, que se profira decisão, suprindo o vício da omissão de pronúncia em que incorreu a 1ª instância – cf. neste sentido, a propósito da falta de conhecimento de nulidade suscitada, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17-12-2018, relator José Alberto Moreira Dias, processo n.º 1867/14.0TBBCL-F.G1.
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Da nulidade da citação (notificação)
A ré/recorrida, notificada do requerimento de injunção veio suscitar a sua falta de citação referindo que com o expediente que lhe foi dirigido para a citar no âmbito do procedimento injuntivo não foi enviado qualquer anexo, apesar de no artigo 5º ser referido que a requerente anexou uma relação com a discriminação das facturas, que não efectuou no próprio requerimento de injunção por falta de espaço e atento o seu grande volume.
Refere a ré que esse anexo suporta o fundamento do crédito reclamado, pelo que ocorre falta de citação, nos termos do art.º 188º, e) do CPC.
Por sua vez, em resposta, a autora/recorrente disse que tal não se verifica, pois que o requerido é citado pela Secretaria Judicial do Balcão Nacional de Injunções, sendo que nessas situações não é remetido o requerimento de injunção nem qualquer anexo.
A nulidade da citação comporta duas modalidades: a falta de citação e a nulidade (stricto sensu) (art. 191º do CPC).
Como refere o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in CPC Online - Art. 186.º a 202.º - Versão de 2021.06[3], em nota prévia aos art.ºs 187º a 191º, “A falta da citação é um vício inerente ao acto de citação e a nulidade da citação é um vício respeitante ao procedimento da citação.”
A primeira modalidade – falta de citação – encontra-se prevista no art. 188º do CPC abrangendo situações de inexistência do acto (alínea a) do n.º 1) e situações que lhe são equiparadas (erro de identidade do citado, citação de pessoa singular falecida ou de pessoa colectiva extinta, emprego indevido de citação edital, quando o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável (alíneas b) a e) do n.º 1 do art. 188º do CPC).
Nas situações previstas no art. 188º, n.º 1, e) do CPC, para que a presunção de conhecimento do acto decorrente do envio da carta registada para a morada do citando seja ilidida, e se conclua pela falta de citação/notificação do destinatário não basta a prova de que não teve conhecimento do acto, sendo ainda necessário que demonstre que a falta de conhecimento da notificação ocorreu por facto que não lhe seja imputável.
Tal exigência justifica-se atenta a opção legislativa decorrente do vertido nos art.ºs 225º, n.º 4 e 230º, n.º 1 do CPC de onde resulta que, em certos casos, a lei presume o efectivo e oportuno conhecimento, por parte do réu, da existência da citação.
Recai sobre o réu o ónus de alegar e de provar os pressupostos legais mencionados, pois que, verificado o efectivo desconhecimento do acto de citação, pode, não obstante, ser de considerar imputável ao citando esse desconhecimento, caso em que a citação se deve considerar regularmente efectuada – cf. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 227.
A ré/recorrida invocou, precisamente, a norma da alínea e) do n.º 1 do art. 188º do CPC para fundamentar a sua falta de citação.
No entanto, tal norma reporta-se às situações em que se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, o que não é o caso dos autos.
Com efeito, a ré foi notificada por carta registada com aviso de recepção, dirigido para a morada indicada no requerimento injuntivo como correspondendo ao seu domicílio (Travessa ..., n.º 1 1300-553 Lisboa) e o aviso de recepção junto aos autos, em 16 de Junho de 2020, mostra-se preenchido e assinado, nessa mesma data, sendo certo que a ré não alegou qualquer circunstância reveladora de a carta correspondente não lhe ter sido entregue (cf. Ref. Elect. 397478113).
Na verdade, a ré não invoca não ter tomado conhecimento do acto por motivo que não lhe é imputável, alegando antes que nesse acto de notificação não lhe foram comunicados todos os elementos que deveriam ter sido enviados, designadamente, a relação anexada ao requerimento pela autora, contendo a discriminação das facturas e respectivos valores em dívida.
Assim, a questão que importa dilucidar é a de saber se no contexto da notificação do requerido que tem lugar no âmbito do procedimento injuntivo é legalmente exigível o envio de toda a documentação junta com o requerimento de injunção.
A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu que foi proposta contra ele uma determinada acção e se chama ao processo para se defender, pelo que constitui o meio essencial para a concretização de um dos princípios fundamentais do processo civil: o princípio do contraditório – cf. art. 219º, n.º 1 do CPC; cf. António Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, I Volume, Coimbra 1998, pág. 21.
Além disso, a citação assinala o prazo para o demandado apresentar a sua defesa e a ela estão associados efeitos materiais (como a interrupção da prescrição – cf. art. 323º, n.º 1 do Código Civil) e processuais, de vária natureza, com influência decisiva nos direitos do autor e do réu.
Como acto receptício (cf. art. 224º do Código Civil) de comunicação do tribunal com as partes, para ser eficaz, a citação tem de ser realizada de modo a chegar ao conhecimento dos destinatários ou pelo menos à sua esfera de controlo.
Para além da transmissão de conhecimento, a citação contém um convite para a defesa. Daí que “constituindo o direito de defesa uma vertente fundamental do direito à jurisdição (art. 3-1), a citação tem por função possibilitar o seu exercício efectivo, pelo que através dela têm de ser transmitidos ao réu os elementos reputados essenciais para o efeito (art. 227), sob pena de nulidade (art. 191-1)”. – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., Volume 1º, 3ª Edição, pág. 413.
Nos termos do art. 10º, n.º 1 do Regime Relativo aos Atrasos de Pagamento em Transacções Comerciais aprovado pelo DL n.º 62/2013, de 10 de Maio, o atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos nesse diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.
Nos termos do art. 3º, b) do mencionado diploma «Transacção comercial» corresponde a uma transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração, estando excluídos do seu âmbito de aplicação os contratos celebrados com consumidores – cf. art. 2º, n.º 2, a).
Em conformidade com o consignado no requerimento injuntivo, as partes na presente acção são duas sociedades comerciais, que celebraram, no contexto das suas actividades comerciais, um contrato de fornecimento de bens ou serviços, estando em dívida valores decorrentes dessa relação contratual.
À data da interposição do requerimento de injunção (18 de Março de 2020) estava em vigor o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15 000 e injunção aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro[4], na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2020.
O art. 12º do RCOP relativo à notificação do requerimento de injunção, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 107/2005, de 1 de Julho, rectificado pela Declaração de Rectificação nº 63/2005, de 19 de Agosto tem o seguinte teor:
“1 - No prazo de 5 dias, o secretário judicial notifica o requerido, por carta registada com aviso de recepção, para, em 15 dias, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou para deduzir oposição à pretensão.
2 - À notificação é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 231.º e 232.º, nos n.ºs 2 a 5 do artigo 236.º e no artigo 237.º do Código de Processo Civil. […]
8 - Não se aplica o disposto nos n.ºs 1 e 2 se o requerente indicar que pretende a notificação por solicitador de execução ou mandatário judicial, caso em que se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil para a citação por solicitador de execução ou mandatário judicial.
9 - No caso de se frustrar a notificação por solicitador de execução ou mandatário judicial, procede-se à notificação nos termos dos n.ºs 3 a 7.
10 - Por despacho conjunto do ministro com a tutela do serviço público de correios e do Ministro da Justiça, pode ser aprovado modelo próprio de carta registada com aviso de recepção para o efeito do n.º 1, nos casos em que o volume de serviço o justifique.”
Entretanto, entrou em vigor o novo Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho mas que nenhuma alteração introduziu nos procedimentos previstos no RCOP.
Tendo em conta que tal diploma contém um regime especial face ao que consta do Código de Processo Civil, a notificação do requerimento de injunção deve reger-se pelas normas naquele previstas e não directamente pelas constantes das regras da citação vertidas no CPC.
Neste sentido pronuncia-se J. H. Delgado de Carvalho[5]:
“[…] a mais recente reforma processual civil, implementada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, não ter introduzido nenhuma modificação nos procedimentos previstos no Regime Anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98. Não é, por isso, aceitável que o Balcão Nacional de Injunções possa aplicar directamente à notificação do requerimento de injunção as novas regras previstas por esta reforma para a citação de pessoas colectivas, sem que antes o legislador altere o Regime dos Procedimentos para o cumprimento de Obrigações Pecuniárias (RPOP). Ou seja, até essa alteração ocorrer, o Balcão Nacional de Injunções deve tratar a notificação do requerimento de injunção, observando os procedimentos de notificação previstos nos arts. 12.º e 12.º-A daquele regime jurídico, independentemente de o requerido ser pessoa singular ou pessoa colectiva. É preciso não esquecer que o RPOP contém um regime especial perante aquele que consta do Código de Processo Civil, por modo que o regime da citação prevista neste Código só é aplicável à notificação do requerimento de injunção em tudo o que não contenda com as especificidades desse regime jurídico.”
Assim, a notificação da ré, então requerida, para os termos do procedimento de injunção deveria ser realizada através de carta registada com aviso de recepção (cf. art. 12º, n.º 1 do RCOP), o que se verifica ter sucedido neste caso, tendo sido enviada carta registada para o domicílio indicado pela requerente.
A carta foi entregue e recebida na morada identificada, não tendo a ré suscitado qualquer irregularidade neste procedimento e tão-pouco alegou que não tenha tido conhecimento do conteúdo do acto.
O vício que a ré suscitou na sua oposição não tem que ver, pois, com a falta de citação, tal como enquadrada pelas prescrições do art. 188º do CPC, mas sim com o conteúdo da informação que lhe foi disponibilizada através do acto de notificação.
Com efeito, alega a ré que não lhe foi enviado o anexo que a recorrente alega no artigo 5º do requerimento injuntivo ter sido apresentado, com a discriminação das facturas, pelo que não teve conhecimento do fundamento do crédito reclamado.
O n.º 2 do art. 12º do RCOP determina que à notificação por carta registada é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos art.ºs 231.º e 232.º, nos n.ºs 2 a 5 do artigo 236.º e no artigo 237.º do CPC, normas que se reportam ao CPC de 1961, porquanto o aludido regime não foi objecto de qualquer alteração na sequência da entrada em vigor do novo CPC de 2013.
Os artigos ali mencionados têm a seguinte correspondência com o actual CPC: os art.ºs 231º e 232º correspondem aos artigos 223º e 224º do CPC de 2013; o art. 236º, n.ºs 2 a 5 corresponde ao art. 228º, n.ºs 2 a 5 do actual CPC e o art. 237º não tem correspondência no actual Código.
Verifica-se, deste modo, que o regime do procedimento de injunção não faz qualquer alusão à norma do art.º 235º do CPC de 1961, correspondente ao actual art. 227º do CPC de 2013, onde se enunciam os elementos a transmitir obrigatoriamente ao citando no acto de citação, como sejam a petição inicial e cópia dos documentos que a acompanham.
Para além das especificidades inerentes ao procedimento de injunção, o regime consagrado no RCOP tem de ser conjugado com a Portaria n.º 220-A/2008, de 4 de Março, que criou o Balcão Nacional de Injunções.
Actualmente, e nos termos do art.º 3º da aludida Portaria, a entrega ao Balcão Nacional de Injunções do requerimento de injunção, ou de qualquer peça processual que lhe respeite, ocorre a partir de qualquer ponto do país, por via electrónica, no quadro de desmaterialização visado pelo diploma mencionado – cf. art.º 5º, n.º 1, a) e b) da Portaria n.º 220-A/2008, de 4 de Março.
Assim, a regra é a de o requerimento de injunção ser apresentado através do preenchimento e envio de um formulário electrónico, disponível no sistema informático Citius, acessível através do endereço electrónico http://citius.tribunaisnet.mj.pt ou por via de ficheiro informático pelo aludido sistema, também acessível nesse endereço (apenas residual e excepcionalmente, o requerimento pode ser apresentado em suporte de papel em alguma secretaria judicial – cf. art.º 8º do RCOP e art. 5º, n.ºs 2 a 5 da Portaria n.º 220-A/2008, de 4 de Março).
A notificação do requerido no procedimento de injunção é similar à citação em geral, tal como previsto no art. 219º, n.º 1 do CPC, pois que através dela é-lhe dado conhecimento de que contra si foi formulado um pedido e é chamado ao procedimento para pagar ou deduzir oposição.
Não sendo manifestada pelo requerente a intenção de notificação do requerido por via de contacto de agente de execução ou de mandatário judicial, este será notificado por carta registada com aviso de recepção, como se referiu, incumbindo ao Balcão Nacional de Injunções controlar o acto de notificação, com o conteúdo específico do art.º 13º do RCOP, por se tratar do instrumento fundamental para a realização do princípio do contraditório e do processo equitativo e de cuja regularidade depende a formação do título executivo a que se reporta o n.º 1 do art. 14º daquele diploma legal.
O conteúdo dos elementos integrantes do acto de notificação do requerido no procedimento de injunção está previsto no art.º 13º do regime anexo, que tem hoje a redacção que lhe foi conferida pelo art.º 6º da Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro.
A alínea a) do n.º 1 do art. 13º remete para os elementos descritos nas alíneas a) a i) do n.º 2 do art. 10º do RCOP, redacção introduzida pelo DL nº 107/2005, de 1 de Julho, rectificado pela Declaração de Rectificação nº 63/2005, de 19 de Agosto, sendo referente a um sistema de injunções integralmente tramitado em suporte de papel e que advinha já do DL n.º 404/93, de 10 de Dezembro, no âmbito do qual o art. 4º determinava que o secretário judicial notificava o requerido por carta registada com aviso de recepção, remetendo cópia da pretensão e dos documentos juntos, indicando de forma legível o objecto do pedido e demais elementos úteis à sua compreensão.
No entanto, importa considerar as alterações introduzidas no procedimento de injunção, designadamente, as decorrentes da obrigatoriedade da sua tramitação electrónica.
Com efeito, o sistema actual de injunções é muito diverso do inicialmente previsto, sendo que os procedimentos de injunção são agora integralmente tramitados por via electrónica, mesmo aqueles que são apresentados em suporte físico nas secretarias judiciais, a quem incumbe a sua digitalização e inserção naquele sistema (cf. art. 5º, n.ºs 2 a 4 da Portaria n.º 220-A/2008, de 4 de Março).
Assim, refere Salvador da Costa, in A Injunção e as Conexas Ação e Execução, 8ª Edição, 2021, pág. 112:
“Desmaterializado o procedimento de injunção por via da obrigatoriedade da sua tramitação integral por via electrónica, nos termos da Portaria n.º 220-A 2008, inviabilizada ficou a remessa pelo Banco Nacional de Injunções ao requerido, no âmbito da respectiva notificação, da cópia ou do duplicado do requerimento de injunção, com os elementos constantes das alíneas a) a i) do n.º 2 do artigo 10º deste anexo.
Perante este quadro de sucessão de regimes de tramitação do procedimento de injunção incompatíveis, temos que o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo em análise foi tacitamente revogado por incompatibilidade com o sistema de injunções atual, nos termos do n.º 2 do artigo 7º do Código Civil.”
Neste contexto, torna-se perceptível a inviabilidade, tal como referida pela autora/apelante na sua resposta à suscitada nulidade da citação, de o acto de notificação do requerido em procedimento de injunção ser acompanhado seja do requerimento injuntivo seja dos documentos que o acompanharam.
Como tal, quer porque a notificação no procedimento de injunção tem regras especiais próprias que afastam o regime geral da citação previsto no CPC, quer porque o art. 12º, n.º 2 do RCOP não estende àquele acto a aplicação do previsto no art. 227º do CPC, quer ainda pela circunstância de a tramitação do procedimento de injunção ser integralmente electrónica, devendo as notificações a realizar pelo Balcão Nacional de Injunções ser elaboradas através de sistema informático, com aposição de assinatura electrónica (cf. art. 11º da Portaria n.º 220-A/2008), cumpre concluir que o acto de notificação da requerida cumpriu todo o procedimento formal legalmente previsto, não podendo reconhecer-se a nulidade de tal acto por falta do envio do anexo atinente à discriminação das facturas.
Convocar o estatuído no art. 227º do CPC para sustentar a verificação de uma inobservância relevante de formalidade não concretamente exigida para o acto de notificação no procedimento de injunção e assim apodar o acto de inválido ou nulo, seria esquecer que o RCOP contém um regime especial face ao que consta do Código de Processo Civil, sendo que o regime da citação prevista neste Código só é aplicável à notificação do requerimento de injunção em tudo o que não contenda com as especificidades desse regime jurídico.
Tenha-se presente, desde logo, que ao contrário do que sucede no processo declarativo, em que o réu toma conhecimento da acção contra si proposta através de citação (artigo 219.°, n.º 1, do CPC), o requerimento de injunção é comunicado ao requerido por via de notificação (artigos 12.° e 12.°-A do RCOP), diferença terminológica que advém da natureza não jurisdicional do procedimento de injunção, no qual a notificação surge com o duplo intuito de comunicar um requerimento para pagamento de determinada quantia pecuniária e de formar título executivo em caso de falta de oposição.
Assim, a notificação no procedimento de injunção não é uma citação, quer porque não estamos perante uma acção judicial, sendo a citação o acto pelo qual se dá a conhecer ao réu que contra ele foi instaurada uma acção judicial e dispõe de prazo peremptório para contestar, quer porque há uma alteração de terminologia e em vez de autor e réu fala-se em requerente e requerido, em vez de citação em notificação e em vez de contestação em oposição, sendo que no procedimento de injunção não existe uma condenação mas a aposição de força executória ao requerimento injuntivo – cf. Tiago Emanuel Garcia Pires, A Flexibilização Processual no âmbito do Procedimento de Injunção e da AECOP, Dissertação no âmbito do Mestrado em Ciências Jurídico-civilísticas, Outubro de 2020, Universidade de Coimbra, pág. 63, nota 250[6].
No sentido da inviabilidade de aplicação qua tale do regime da citação à notificação da injunção sob pena de desvirtuamento da finalidade deste procedimento e da sua especificidade, João Pedro Pinto-Ferreira e Mariana França Gouveia, A Oposição à Execução Baseada em Requerimento de Injunção - Comentário ao Acórdão do Tribunal Constitucional N.° 388/2013, Themis, ano XIII, n.ºs 24/25, 2013, pp. 315-348[7] referem:
“A análise do regime da notificação no procedimento de injunção suscita sérias dúvidas sobre a sua compatibilidade com o direito de defesa do requerido. Pelo contrário, o regime de citação previsto na lei processual assenta numa maior garantia de cognoscibilidade do ato de citação, algo que é essencial para o exercício efetivo do direito de defesa. Dir-se-ia, pois, que se deveria equiparar o regime da notificação na injunção ao regime da citação em ação declarativa, como acontece, por exemplo, no direito alemão. No entanto, a análise estatística de ações declarativas findas permite concluir que a citação é uma das variáveis que mais influencia a duração total média dos processos. Quer isto dizer que a aplicação das regras gerais em matéria de citação à notificação no procedimento de injunção implicaria, com alguma probabilidade, um sacrifício da celeridade processual em nome do direito de defesa.”
De todo o modo, o art. 13º do RCOP, aludindo ao envio dos elementos mencionados no n.º 2 do art. 10º do mesmo diploma, com exigência de a notificação contender a indicação do prazo para a oposição e a respectiva forma de contagem e a indicação da consequência legal para a falta de pagamento ou de oposição (aposição da fórmula executória), revela a preocupação do legislador quanto ao respeito pelo princípio do contraditório, de modo a que “o devedor deve encontrar-se em condições de, por forma, esclarecida e livre, de posse de todos os elementos essenciais que lhe permitam ajuizar sobre se deverá ou não anuir à pretensão do credor, decidir se deverá pagar ou sofrer a aposição da fórmula executória, ou se os referidos elementos lhe permitem deduzir oposição à pretensão do requerente.” – cf. Maria Rita Moniz, Notas Teórico-práticas em torno do Regime Jurídico da Injunção, pág. 471[8].
Conclui-se, deste modo, que o acto de notificação seguiu a tramitação formal e legalmente prevista contendo no seu conteúdo todos os elementos prescritos pelo art.º 13º do RCOP, pelo que a ora ré/recorrida foi regularmente notificada do requerimento de injunção deduzido pela autora/recorrente.
Com efeito, notificada do conteúdo vertido no requerimento injuntivo, integralmente reproduzido no expediente de notificação, a ré estava em condições de saber qual a relação contratual em causa, o seu período temporal, o valor global em dívida, sendo que a ausência de indicação dos números das facturas e dos valores em dívida relativamente a cada uma delas poderia, é certo, dificultar a tomada de posição que se impusesse, mas não a impedia de decidir se se conformava ou não com o pedido de pagamento ou se deduzia oposição, tal como fez, negando dever a quantia peticionada e, desde logo, invocando a alegada falta de causa de pedir para, desse modo, obstar à aposição de fórmula executória, como logrou alcançar.
Não se verifica, assim, a falta, ou melhor, a nulidade da notificação do procedimento de injunção.
Questão distinta é a falta subsequente, após a transmutação do procedimento de injunção em acção declarativa comum, por força da dedução de oposição e atento o disposto no art. 10º, n.º 2 do DL 62/2013, de 10 de Maio, da notificação do anexo apresentado pela recorrente com a discriminação das facturas e valores em dívida, o que contende, agora sim, na pendência de acção judicial com processo comum, seja com o princípio do contraditório, seja com a apreciação da excepção de ineptidão do requerimento injuntivo por falta de concretização da causa de pedir, questão que se impõe apreciar de seguida.
*
Da Ineptidão da Petição Inicial
Na sua oposição ao requerimento de injunção, a então requerida, ora recorrida, suscitou a verificação da ineptidão da petição inicial pela circunstância de a notificação de não ter sido acompanhada do anexo que constitui o fundamento do crédito reclamado, não existindo, pois, causa de pedir por não terem sido alegados os factos constitutivos do direito.
A sentença recorrida apreciou esta questão dando conta, desde logo, que a apresentação do requerimento injuntivo foi acompanhada de um requerimento autónomo e que constituía a continuação do requerimento executivo, onde não tinha sido possível enunciar todas as facturas em dívida.
Após tecer diversas considerações jurídicas sobre o regime Relativo aos Atrasos de Pagamento em Transacções Comerciais e sobre a possibilidade de apresentação de requerimento autónomo quando o espaço destinado no impresso para alegação dos factos seja diminuto, aduziu a decisão recorrida o seguinte:
“Em requerimento autónomo, e porque o espaço destinado à exposição era diminuto, a requerente veio relacionar as facturas e notas de débito, indicando o número de cada factura, a data de emissão, e valor (cfr. folhas 08 a 16 verso).
Importa apurar se o alegado pela Autora é suficiente ou se padece de falta de alegação de factos essenciais.
Como causa de pedir constatamos que a Autora alega a celebração com a Ré de contratos de fornecimento e que a pedido desta entregou à Ré fornecimentos de diversas mercadorias, nomeadamente produtos alimentares. Para pagamento dos produtos a Autora emitiu e enviou à Ré as facturas, cujo número, data de emissão e valor alega, e as quais não foram pagas.
Efectivamente no requerimento de injunção deve o requerente expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão.
Analisado o requerimento inicial apresentado pela Autora, verificamos que do mesmo não consta a causa de pedir, ou seja, dele não consta a alegação dos factos necessários à sustentação do pedido deduzido.
Nos termos do n.º 1 alínea d) do artigo 552º do Código de Processo Civil, “Na petição com que propõe a acção deve o Autor (…) expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção”, sendo a causa de pedir, nos termos do artigo 581º, nº 4 alínea d) do Código de Processo Civil o facto jurídico de que emerge o direito que se visa acautelar ou fundamenta o efeito jurídico pretendido.
Para José Alberto dos Reis ao conceito de “causa de pedir” (Código de Processo Civil Anotado, I, 3.ª ed., 309), corresponde “o acto ou facto jurídico em que o autor se baseia para enunciar o seu pedido…”. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 234-235), ensinam que “causa de pedir” é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, pelo que, se o autor não mencionar esse facto concreto, a petição será inepta. Já Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, I, 207 e seg.) afirma que se encontra consagrada na nossa lei processual civil “a teoria da substanciação”, consagrada no n.º 4 do artigo 498.º do anterior Código de Processo Civil (actual nº4 do artigo 581º), tendo o autor na petição inicial de expor “os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção”, ou seja, de fazer a indicação dos factos concretos constitutivos do direito, não se podendo limitar à indicação da relação jurídica abstracta.
Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o novo Processo Civil, 269), ao tratar do conteúdo formal da petição inicial afirma que na narração o autor deve expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção (art. 467º nº1, al. d) do anterior código, alínea d) do nº1 do artº 552º do actual CPC), aí se contendo a alegação dos factos principais.
E compreende-se a exigência legal, porquanto não só o juiz tem de saber o que está em causa nos autos, isto é, o que as partes pretendem que seja dirimido na acção, como ainda tal alegação é de manifesta importância para a definição da causa de pedir e do pedido, elementos estes de primordial importância à delimitação do âmbito do caso julgado e também à arguição de uma possível litispendência (artigos 580º e 581º do Código de Processo Civil).
A relevância da indicação da causa de pedir e do pedido na petição inicial é de tal ordem e tão manifesta, que o legislador sanciona (como já sancionava no anterior código) a sua omissão com a nulidade de todo o processado, por ineptidão da petição inicial (artº 186º nº1 e 2 al. a) do CPC), nulidade essa que é de conhecimento oficioso (artº 196 do CPC), a ser proferida no despacho saneador, se não tiver sido apreciada em momento anterior (artº 200 nº 2 do CPC), ou na sentença final.
Trata-se além disso de uma excepção dilatória nominada (artº 577 al. b) do CPC), que conduz à absolvição do Réu da instância (artº 576 nº 2 do CPC).
Os normativos invocados referem-se à petição inicial e não ao requerimento de injunção, sendo certo que foi este último através do qual se iniciaram os presentes autos.
Como é sabido, o requerimento de injunção corresponde a um impresso tipo no qual o requerente deve nele expor sucintamente os factos que fundamentam a sua pretensão, formular o pedido, com discriminação do capital, juros vencidos e outras quantias devidas, sendo certo que, como facilmente se apreende não tem grandeza de exposição, nomeadamente a jurídica, de uma petição inicial.
Na injunção quando deduzida oposição o artigo 10º, nº 2 do Decerto Lei nº 62/2013, de 10 de Maio, determina a remessa dos autos para o Tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.
Todavia, o termo de forma sucinta não dispensa o requerente de indicar a causa de pedir em que fundamenta o pedido formulado.
Tal como foi supra referido, não podendo o requerente expor a causa de pedir por o campo a isso destinado no formulário não o permitir, o requerente terá sempre a possibilidade de o completar mediante a apresentação de requerimento, recurso este do qual a requerente lançou mão para continuar a enumerar a imensidão de facturas cujo pagamento peticiona.
O requerente da injunção nunca está dispensado de invocar no seu requerimento os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, embora a lei flexibilize a sua narração em termos sucintos, sintéticos e breves.
Como refere Salvador da Costa, in A Injunção e as Conexas Acção e Execução, pág. 163), a possibilidade de procedimento de injunção que abstraísse de qualquer menção fáctica à causa de pedir só seria compreensível e viável se não se transmutasse na acção declarativa de condenação no seguimento de oposição. Desde que haja oposição, para que o tribunal não se veja na contingência de não poder decidir de mérito, por verificar a existência da excepção dilatória de ineptidão do requerimento de injunção por falta de causa de pedir, tem o requerente de assegurar que nesse requerimento se encontram os elementos factuais necessários a preencher a mesma, isto é, que o mesmo individualiza o contrato invocado.
Revertendo ao caso em apreço, importa apurar se o requerimento de injunção contém todos os elementos exigíveis à causa de pedir.
Da análise do requerimento injuntivo apresentado pela Autora é de concluir que não se mostra alegados os factos necessários a fundamentar o pedido que deduz.
No requerimento inicial consta que a requerida solicitou à requerente diversos fornecimentos de diversas mercadorias, nomeadamente produtos alimentares. Que essas mercadorias foram enviadas e recebidas pela requerida.
A requerente emitiu e enviou à requerida várias facturas e notas de débito que não foram pagas nos trinta dias posteriores à sua emissão. Apesar posteriormente ter sido interpelada, a requerida nada pagou.
Em requerimento autónomo a requerente enumera as facturas indicando o número de cada factura, a data de emissão e o valor de cada uma que se encontra, no seu entender, em divida.
Por força da oposição deduzida pela requerida foram os autos remetido para este Juízo Central Civil.
Por despacho datado de 10 de Setembro de 2020 foi dado cumprimento ao disposto no nº 3 do artigo 10º do citado Decreto-Lei e foi ainda concedido à Autora prazo para o exercício do contraditório quanto à matéria de excepção deduzida em sede de contestação (oposição).
Na sequência da notificação, veio a Autora juntar aos autos as facturas cujo pagamento reclama e exercer o contraditório quanto à matéria de excepção pugnando pela sua improcedência porquanto, no seu entender, o requerimento injuntivo contém os elementos de factos necessários, nada mais alegando no que concerne à factualidade por entender que a mera junção das facturas é suficiente.
Notificada das facturas juntas pela Autora, a Ré reitera a invocação da excepção de ineptidão da petição inicial.
Vejamos.
No entender do Tribunal a simples menção à existência de vários fornecimentos de mercadorias, nomeadamente de produtos alimentares, pela requerida à requerente, sem os concretizar, ou a simples alusão aos contratos de fornecimento, não se revela suficiente em termos de causa de pedir, por se tratar de mera qualificação jurídica do contrato, sem individualização do negócio concreto entre as partes celebrado (como se decidiu, com as necessárias adaptações, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Março de 2006, disponível in www.dgsi.pt).
O elevado número de facturas não respeita apenas a produtos alimentares, respeita a outros produtos que carecem de ser discriminados, pois só assim a requerida tem possibilidade de ser defender, e tanto assim foi que a requerida limitou-se a impugnar os factos e a afirmar que não é devedora dessa quantia.
Mais se refira que a junção das facturas (em número elevado) não se confunde com o conceito de causa de pedir, ou seja, as facturas não são factos, mas sim meios de prova que servem para demonstrar os factos alegados.
Na verdade, a mera alusão às facturas em causa não pode ser entendida como integradora da causa de pedir, já que tais elementos não passam de meios probatórios. A causa de pedir envolve, nas situações de incumprimento contratual, como se viu, o conteúdo das respectivas declarações negociais e os factos negativos ou positivos consubstanciadores do seu incumprimento por parte do requerido.
Ora, in casu, as facturas invocadas pela autora e a sua posterior junção não supre a ausência da causa de pedir.
Na verdade, não existe qualquer facto concreto essencial que conste do requerimento de injunção, tendo a autora cingindo-se à referência de contratos de fornecimento de bens ou serviços, omitindo, em absoluto, as características dos produtos, referindo apenas a título de exemplo produtos alimentares, nada alegando quanto à data da sua celebração, origem das propostas, conteúdo destas quanto à qualidade e quantidade dos bens incluídos e valores de cada produto.
Trata-se, portanto, de uma deficiência radical e total da petição no que respeita aos elementos em que se decompõe a causa de pedir complexa subjacente ao pedido, o que leva a concluir pela falta de causa de pedir, dada a absoluta carência de factos de que padece a petição no apontado âmbito.
Existe ineptidão da petição inicial.
A ineptidão da petição inicial importa a nulidade de todo o processo nos termos do citado artigo 186º, nº 1 do Código de Processo Civil.
Esta nulidade, não pode ser considerada sanada porquanto, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 10º, nº 3 do Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio, bem como para o exercício do contraditório relativamente à matéria de excepção vertida na oposição, a Autora não supriu as faltas, reiterando que o requerimento de injunção contém todos os elementos fácticos essenciais.
A nulidade de todo o processo configura uma excepção dilatória nos termos do disposto no artigo 577º, al. b) do Código de Processo Civil e importa a absolvição da instância (artigo 576º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Pelo exposto, julgo procedente a excepção dilatória de nulidade de todo o processo decorrente da ineptidão da petição inicial e, consequentemente, absolvo os Réus da presente instância (artigos 278º, nº 1, al. b); 576º, nº 2, e 577º, al. b), todos do Código de Processo Civil).”
A recorrente insurge-se contra o assim decidido considerando ser descabido que tivesse de transcrever o conteúdo de cada factura na petição inicial, sendo certo que as facturas foram juntas aos autos, para além do que foi apresentada uma relação de todas as facturas e notas de débito que integram a causa de pedir, constando da listagem o número de cada uma delas, a data de emissão e o valor em dívida, sendo certo que a ré teve a oportunidade de se pronunciar sobre todas as facturas, não tendo vindo invocar que desconhecia se os produtos haviam ou não sido pagos ou fornecidos, tendo compreendido os fundamentos do pedido, pelo que a excepção não poderia ter sido julgada procedente, face ao disposto no art. 186º, n.º 3 do CPC.
Mais refere, ao contrário do afirmado na decisão recorrida, que apenas foi notificada de um despacho, em 14 de Setembro de 2020, que convidava as partes a apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os já apresentados e para se pronunciar sobre a matéria da excepção, sem que tenha sido feita alusão ao aperfeiçoamento dos articulados que, no seu entender, já continham todos os elementos necessários, pelo que tal despacho não foi claro e inequívoco quanto à necessidade de aperfeiçoamento da petição inicial; entende ainda que não poderia ser notificada simultaneamente para aperfeiçoar a petição inicial e responder à excepção de ineptidão, pois esta foi deduzida relativamente ao requerimento injuntivo, para além de o despacho proferido indiciar que iriam ser aproveitados os actos já praticados pelas partes.
O art.º 10º, n.º 2, d) do RCOP prescreve que no requerimento de injunção deve o requerente, entre outros elementos, “expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão”.
Aquilo que aqui está em causa é, pois, a alegação da causa de pedir, tal como no art. 552º do CPC, alíneas d) e e) do respectivo n.º 2, se impõe ao autor o ónus de expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção e o de formular o pedido.
O pedido corresponde ao efeito jurídico que se pretende obter com a acção e, como tal, circunscreve o âmbito da decisão final pois que desenha “o círculo dentro do qual o tribunal se tem de mover para dar solução ao conflito de interesses que é chamado a decidir” (cf. art. 609º, n.º 1 do CPC) – cf. A. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, pág. 201.
Mas aquele que dirige uma pretensão ao Tribunal terá ainda de expor a situação de facto com base na qual se afirma a titularidade do direito que pretende ver tutelado. É a causa de pedir, entendida como “o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida”, que assume uma função individualizadora do pedido e, como tal, do objecto do processo – cf. art. 581º, n.º 4 do CPC.
A causa de pedir, independentemente do entendimento que se perfilhe acerca dos factos que a integram (nomeadamente se abrange todos os necessários à procedência da acção ou apenas aqueles que se reconduzam aos elementos essenciais de um determinado tipo legal), cumpre sempre uma função individualizadora do pedido e, portanto, do objecto do processo. Por isso, há-de conter, pelo menos, os factos pertinentes à causa e que sejam indispensáveis para a solução que o autor quer obter: os factos necessários e suficientes para justificar o pedido – cf. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 3ª edição, 1981, pág. 351.
De todo o modo, no que ao requerimento de injunção diz respeito, a lei exige apenas uma exposição sucinta dos factos.
No dizer de Salvador da Costa, op. cit., pp. 74-75:
“A exposição sucinta dos factos que fundamentam a pretensão do requerente de injunção não o dispensa de expressar o núcleo dos factos essenciais que integram a causa de pedir, elemento nuclear para a compreensão da razão jurídica do pedido formulado.
Deve concretizar minimamente os factos essenciais que integram a causa de pedir, sem esperar que, transmutado o requerimento de injunção em ação declarativa, seja convidado pelo juiz a aperfeiçoar a petição.
Tem o ónus de expressar a causa do direito de crédito, designadamente as declarações contratuais e as prestações atinentes à sua execução, não bastando a mera referência à factura.
Com efeito, o que verdadeiramente releva nesta sede é a origem do crédito, necessariamente determinada pelas declarações das partes constantes dos contratos em causa, referenciados quanto aos seus aspectos de tempo, espaço e objeto.
Como a pretensão do requerente de injunção só é suscetível de derivar de contrato, a causa de pedir, embora sintética, tem de envolver o conteúdo das respetivas declarações negociais e os factos positivos e negativos reveladores do seu incumprimento pelo requerido.
Em suma, o requerente de injunção, no respetivo requerimento, deve proceder à descrição sucinta os factos positivos e negativos em que baseia a sua pretensão, como se estivesse a elaborar a petição inicial da ação declarativa de condenação com processo especial conexa.
De contrário, no caso de transmutação do procedimento de [in]junção em ação declarativa, confrontar-se-á com a anulação de todo o processo, por causa da indefinição da obrigação contratual incumprida e, consequentemente, do objeto do caso julgado.”
O art.º 5º, n.º 1 do CPC impõe às partes o ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas, ou seja, quanto aos primeiros, devem ser alegados os factos essenciais à procedência do pedido, aqueles que são constitutivos do direito do autor.
Distingue-se, dentro dos factos integradores da procedência do pedido, o núcleo essencial, constituído pelos factos principais, ou seja, os elementos típicos do direito que se pretende fazer valer, e os factos acessórios ou complementares, aqueles que concretizam ou qualificam os primeiros, conforme previsto na norma de procedência (processualmente, são aqueles que integram a causa de pedir mas não individualizam a causa nem a sua omissão determina a ineptidão da petição), sendo, como aqueles, decisivos para a viabilidade ou procedência da acção/reconvenção/defesa por excepção.
Distintos dos factos principais e dos complementares, são os factos instrumentais, que não integram a causa de pedir, ou seja, são factos indiciários ou presuntivos dos factos integrantes da causa de pedir, são meros factos probatórios, que, como tal, estão fora do ónus de alegação – cf. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2018, pp. 48-54; Professor Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, 1997, pág. 70.[9]
Torna-se útil convocar a distinção que o Prof. Miguel Teixeira de Sousa efectua quanto aos factos necessários à procedência da acção, que qualifica de factos principais e que abrangem os factos essenciais e os factos complementares, sendo que os primeiros permitem individualizar a situação jurídica alegada na acção ou na excepção e os segundos são indispensáveis à procedência dessa acção ou excepção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte – cf. op. cit., pág. 71.
Assim, os factos essenciais são os necessários à identificação da situação jurídica invocada pela parte e que, como tal, relevam na viabilidade da acção ou da excepção. Deste modo, se os factos alegados pela parte não forem suficientes para se perceber qual a situação que se pretende fazer valer em juízo, existe um vício que afecta a viabilidade da acção ou da excepção.
Já os factos complementares não são necessários à identificação da situação jurídica alegada pela parte, mas são indispensáveis à procedência da acção ou da excepção.
Em consonância, a falta de alegação dos factos essenciais acarreta a ineptidão da petição inicial por inexistência de causa de pedir (cf. art.º 186º, n.º 2, a) do CPC); a ausência de um facto complementar não implica qualquer inviabilidade ou ineptidão, mas importa a improcedência da acção – cf. M. Teixeira de Sousa, op. cit., pág. 72.
No requerimento de injunção a recorrente, após solicitar a notificação da ré/recorrida para proceder ao pagamento da quantia de 272 908,51 €, consignou como causa do pedido o seguinte:
Contrato de: Fornecimento de bens o serviços
Data do contrato: 06-03-2018 Período a que se refere: 06-03-2018 a 28-08-2018
Exposição dos factos que fundamentam a pretensão:
“1 – A Requerente exerce atividade comercial de comércio de Produtos Alimentares, Farmacêuticos e Afins.
2 – No âmbito da sua atividade comercial, a Requerida solicitou à Requerente diversos fornecimentos de diversas mercadorias, nomeadamente produtos alimentares.
3 – A Requerente enviou essas mercadorias à Requerida, que as rececionou.
4 - Para pagamento do fornecimento dos referidos produtos, a Requerente emitiu várias facturas e notas de débito, que remeteu à Requerida, que totalizam o montante de global de € 246 994,71 (duzentos e quarenta e seis mil novecentos e noventa e quatro euros e setenta e um cêntimos).
5 – Por insuficiência de espaço do sistema informático para descriminar todas as faturas, dado o seu grande volume, anexa-se à presente injunção, a descriminação das mesmas.
6 – As facturas supra identificadas foram remetidas pela Requerente à Requerida, na data da sua emissão.
7 – As mencionadas faturas deveriam ser pagas pela Requerida, 30 dias após a sua emissão.
8 - Até à presente data, já decorreram sob a emissão das facturas mais de 18 meses, não tendo a Requerida pago à Requerente o valor ainda em divida, apesar de diversas vezes interpelada pela ora Requerente, para o efeito.
9 – A Requerida encontra-se assim em divida para com a Requerente, do montante de €246 994,71 (duzentos e quarenta e seis mil novecentos e noventa e quatro euros e setenta e um cêntimos), ao qual acresce juros de mora à taxa legal de 7%, a partir da data do seu vencimento, contabilizados até ao dia 04-03-2020, que se computam nos montantes de € 4 245,88, (calculados sobre o montante de € 32.847,53 vencido em 30-04-2018), € 695,18 (calculados sobre o montante 5 628,70 vencido em 30-05-2018), € 3 185,666 (calculados sobre o montante de € 27 097,77 vencido em 29-06-2018), € 3 348,78 (calculados sobre o montante de € 27 957,75 vencido em 31-07-2018 € 9 708,32 (calculados sobre o montante de € 91 872 84 vencidos em 29-08-2018 e 4 734,94 (calculados sobre o montante de € 47 388,20 vencido em 30-09-2018), respetivamente, totalizando o montante global de € € 25 913,80 (vinte e cinco mil novecentos e treze euros e oitenta cêntimos), conforme se encontra supra descriminado.
10 – Nestes termos pretende-se com a presente injunção, o efetivo e total pagamento em dívida o montante de € de € 246 994,71 (duzentos e quarenta e seis mil novecentos e noventa e quatro euros e setenta e um cêntimos) acrescido dos respectivos juros de mora no montante de € 25 913,78 (vinte e cinco mil novecentos e treze euros e setenta e oito cêntimos), totalizando o montante global de € 272 908,49 (duzentos e setenta e dois mil novecentos e oito euros e quarenta e nove cêntimos) e ainda os juros vincendos contados à taxa legal, a partir de 04-03-2020, até efetivo e integral pagamento.
10 – Mais se requer a condenação da Requerida no pagamento de todas as despesas com o processo, e honorários e despesas com agente de execução.”
Ora, a leitura do requerimento de injunção permite concluir que nele a requerente e ora autora expôs os factos nucleares em que sustenta o pedido formulado, pois que:
i. Alegou exercer a actividade comercial de comércio de produtos alimentares, farmacêuticos e afins (artigo 1º do requerimento);
ii. Sustentou ter sido contactada pela requerida, ora ré/recorrida, para lhe efectuar diversos fornecimentos de diversas mercadorias, no âmbito da actividade comercial desta, entre eles, produtos alimentares (artigo 2º do requerimento);
iii. Afirmou ter enviado tais mercadorias à requerida, que as recebeu (artigo 3º do requerimento);
iv. Disse ter emitido várias facturas e notas de débito, que remeteu à requerida, na data da sua emissão, num total de 246 994,71 € e remeteu a sua discriminação para uma relação anexa, atento o seu grande volume, anexo que efectivamente remeteu aos autos em 19 de Março de 2020 (artigos 4º a 6º do requerimento);
v. Mais deu conta que as facturas deveriam ser pagas no prazo de trinta dias a contar da sua emissão e que interpelou a requerida para o pagamento, a que esta não procedeu (artigos 7º e 8º);
vi. Liquidou os juros de mora vencidos até 4 de Março de 2020 (artigo 9º).
Perante o conteúdo daquilo que foi alegado e tendo presente o conceito de factos essenciais da causa de pedir, enquanto elementos típicos que individualizam a causa e permitem identificar o objecto do litígio, impõe-se concluir que a apelante alegou os factos bastantes e suficientes para suportar o pedido que formulou, respeitando por isso o ónus de alegação consagrado no art. 10º, n.º 2, d) do RCOP.
Na verdade, aquilo que releva como causa de pedir é a descrição da origem do direito de crédito invocado pelo requerente ou os períodos a que se reporta e essa origem, sua razão de ser, assim como as declarações das partes no contexto negocial (pedido de fornecimento de bens, envio e aceitação destes) e o comportamento das partes na sua execução (cumprimento/incumprimento), o que é passível de ser extraído, em termos nucleares, da alegação factual vertida no requerimento injuntivo.
Aliás, se se estivesse perante uma acção declarativa com processo comum a matéria fáctica alegada sempre se revelaria adequada a permitir aferir que se estava perante uma relação contratual de fornecimento de bens, por um determinado valor, com emissão de facturas e prazo de vencimento a trinta dias, não tendo a ré cumprido a obrigação de pagamento do preço, mostrando-se em dívida diversos valores atinentes a várias facturas, ainda que, perante tal quadro factual e em face do número elevado de facturas e fornecimentos, seja de entender por necessária a alegação de factos concretizadores dos factos essenciais alegados – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-06-2020, relator Diogo Ravara, processo n.º 12197/18.9YIPRT.L1-7.
Na verdade, o requerimento injuntivo não esclarece a natureza dos bens e as respectivas quantidades, ou seja, não identifica o tipo de mercadoria, em concreto, fornecida, referindo apenas que foram fornecidos, entre outros, produtos alimentares, o que se apresenta como muito vago face à dimensão do número de facturas juntas e discriminação nelas vertidas.
Por outro lado, para além de facturas foram apresentadas múltiplas notas de débito, muitas das quais aludindo, entre o mais, a “custos administrativos”, que em parte alguma foram densificados ou concretizados, seja no requerimento injuntivo, seja na listagem anexa, onde apenas se enunciaram o número das facturas/notas de débito, data de emissão e valor em dívida à data de 17 de Setembro de 2018.
A mera junção, em momento posterior, de documentos (facturas) não cumpre, é certo, a obrigação legal de enunciação dos factos concretos, porque a causa de pedir se traduz “em factos concretos previstos pelas normas jurídicas referentes aos direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que se pretendem fazer valer, e aqueles se limitam, nos termos dos arts. 341º e 362º do Cód. Civil, a provar os factos” havendo que ter presente que “a alegação ou afirmação de factos e a sua prova correspondem a ónus distintos a cargo das partes, e que a alegação fáctica insuficiente é insusceptível de ser suprida pela ilação a extrair de documentos juntos.” – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-02-2019, relator José Capacete, processo n.º 94052/17.7YYPRT.L1-7, citado na decisão recorrida.
No entanto, essa ausência de identificação das facturas e remissão para uma listagem anexa não pode ser determinante da posteriormente reconhecida ineptidão da petição inicial.
Atente-se que o único argumento suscitado pela requerida para sustentar a ineptidão do requerimento de injunção louvou-se, precisamente, na falta de notificação do conteúdo da relação anexada pela requerente, o que a impedia de conhecer o fundamento do crédito reclamado.
Compulsado o histórico do processo no sistema Citius não se lobriga qualquer acto processual de notificação à requerida da listagem remetida aos autos pela requerente em 19 de Março de 2020, mesmo após a dedução da oposição e da expressa menção dessa falta de notificação.
Aliás, nem mesmo após a resposta da autora, onde se reitera que a listagem já se encontrava junta aos autos desde o início do processo, a secretaria judicial procedeu a essa notificação ou o tribunal recorrido a ordenou.
Apesar de a listagem em referência não explicar nem concretizar os múltiplos fornecimentos ocorridos e menos ainda a justificação para a emissão de notas de débito, não se pode deixar de relevar a circunstância de o próprio Tribunal ter ordenado a junção aos autos de todas essas facturas e notas de débito, sinalizando desse modo que, afinal, a matéria de facto alegada seria bastante para se vir a considerar completada com a junção de toda essa documentação.
Arrepiando caminho, porém, a decisão recorrida, apesar de ter atendido ao que constava da listagem anexa e, bem assim, das facturas juntas aos autos, concluiu que não foram concretizados os produtos fornecidos e que a referência a um contrato de fornecimento correspondia a uma mera qualificação jurídica do contrato, sem individualização do negócio concreto, entendendo que deveriam ser discriminados os produtos concretamente fornecidos, as suas características, a data da celebração do contrato, o conteúdo das propostas quanto à qualidade e quantidade dos bens e valores dos produtos.
Em abono da sua tese, o tribunal recorrido mencionou o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Março de 2006, relator Teles de Menezes, processo n.º 0631115 para sustentar que não basta afirmar que se trata de um contrato de fornecimento de bens.
Sucede que nesse acórdão estava em causa uma situação em que havia apenas uma alusão à natureza do contrato (compra e venda), sem individualização do negócio concreto, por não ter existido identificação do contrato, indicação da sua data de celebração, junção de facturas e respectivas datas, o que é manifestamente diverso do que sucede neste caso, em que as facturas foram indicadas, com datas de emissão e valores em dívida, ainda que a parte requerida disso não tenha tomado conhecimento, o que se deve apenas à conduta omissiva do tribunal que não diligenciou pela sua notificação à parte e não por falta de alegação da requerente.
Por outro lado, tem sido reconhecida a ineptidão do requerimento injuntivo em situações em que o próprio laconismo do requerimento não é suprido ou completado por elementos passíveis de serem extraídos das facturas ou por falta de junção destas, de que é exemplo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-05-2019, relator Manuel Rodrigues, processo n.º 89078/18.6YIPRT-A.L1-6, onde se considerou necessária a junção aos autos da factura a que o requerimento de injunção se reportava, por se tratar de transacção comercial e por não ser possível aferir os serviços fornecidos e respectivas quantidades com base apenas no alegado no requerimento, sendo certo que, diversamente, neste caso, as facturas foram juntas aos autos e permitem delinear, ao menos, o núcleo essencial do objecto do pedido (mercadoria fornecida e valores em dívida).
Acresce que a conclusão pela ineptidão da petição inicial no contexto factual e processual que emerge dos presentes autos contraria o princípio da verdade material e da prevalência das decisões de substância em detrimento das decisões de forma, além do que todo manancial de documentação carreado para os autos justifica aderir a um entendimento mais tolerante que admita a remissão do requerimento injuntivo para os factos que constem de documentos que o autor junte, considerando-se estes como ali reproduzidos, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27-06-2019, relatora Maria Amália Santos, processo n.º 30491/18.7YIPRT.G1:
“Os defensores dessa corrente entendem que a causa de pedir da acção é (apenas) o contrato específico de que emerge a obrigação a pagar. E que “há petições em que se alega o tipo de actividade exercido pelo autor e o fornecimento de determinadas mercadorias ou serviços no exercício dessa actividade, durante certo tempo ou na execução de certa encomendas, que se demonstram devidamente com facturas ou guias de remessa, ou numa conta-corrente, que assim completam a petição, em consequência das quais se invoca a existência de um crédito de certo montante, correspondente ao preço ou saldo existente, cujo pagamento se pede. Nesses casos não pode haver dúvidas quanto à relação concreta de que se trata, ou seja, quanto ao facto jurídico concreto invocado para obter o efeito pretendido”.
Daí que exista ineptidão apenas quando o autor se limita a indicar vagamente uma transacção comercial ou serviço, como fonte do seu direito. Já não existirá ineptidão, por desconhecimento da causa de pedir, quando na petição inicial se pede o pagamento de determinada quantia proveniente de vendas contabilizadas em forma de conta-corrente de mercadorias e outros artigos, entendendo-se que em tal caso é nítida a causa de pedir, pois consiste nas referidas vendas (Ac. do S.T.J. de 12/3/63, B.M.J. n.º 125.º, 405).
Segundo esta corrente, o documento junto com a petição deve considerar-se parte integrante dela, suprindo as lacunas de que possa enfermar; a mesma virtualidade deve ser atribuída ao que for junto ulteriormente, mas a tempo de surtir o efeito que a concomitante junção produz (Ac. da R. de Évora de 25/6/86, B.M.J. n.º 368.º, 632), sendo legal a remissão, feita na petição inicial, para documentos a ela juntos, desde que a causa de pedir fique bem concretizada (Acs. da R. de Lisboa de 15712/87, B.M.J. n.º 372.º, 464; R. de Évora de 9/3/89, B.M.J. n.º 385.º, 627; e R. de Coimbra de 27/6/89, B.M.J. n.º 388.º, 612).”
Em consonância, ainda que o requerimento de injunção e a própria relação anexa com a listagem discriminativa das facturas careçam de melhor concretização quanto às datas dos fornecimentos, mercadorias fornecidas, valores e montantes em dívida, sempre se terá de concluir que o quadro factual gizado em tais peças era o suficiente para identificar a origem do crédito e os elementos típicos do direito que se pretende aqui fazer valer.
Em abono deste entendimento veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21-03-2013, relatora Albertina Pedroso, processo n.º 69464/12.6YIPRT.C1:
“[…] mostra-se claramente articulado o facto jurídico: a prestação de serviços de catering a pedido do réu. E o mesmo não se reconduz a uma alegação genérica porquanto, tratando-se de uma exposição sucinta, a requerente invoca o facto principal, a prestação de serviços de catering a solicitação do réu, desenvolvendo em que consistiu cada um desses serviços em cada uma das facturas que especificou.
Assim, a questão concreta que se coloca é a de saber se, em face das sobreditas especialidades do próprio procedimento quanto à forma sintética, tem o requerente que enunciar todos os factos, ou se bastará enunciar os factos principais, podendo reportar-se quanto à sua concretização para o constante nas facturas.
Note-se que este procedimento não se confunde com a mera remissão para documentos sem que se mostre cumprida a obrigação legal de indicar a causa de pedir. No caso em apreço ela é indicada quanto ao facto essencial e somente é remissiva para as facturas quanto aos factos instrumentais da concreta execução de cada um dos serviços prestados. Portanto, não se confunde “facto” e “meio de prova” […]
O que acontece é que “o documento junto com a petição considera-se sua parte integrante, suprindo lacunas que comporte”. Por isso que, alegado o facto essencial respeitante à prestação de serviços de catering, nada impede que quanto aos concretos serviços prestados se remeta, como aqui aconteceu, para a discriminação constante das facturas. […]
Portanto, no caso dos autos, tendo a requerente alegado os factos essenciais quanto ao contrato de prestação de serviços, e remetido a concretização desses serviços prestados para as facturas invocadas na petição inicial, nunca o requerimento inicial apresentado nestes termos poderia ser inepto por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir, conclusão que é válida, como os ensinamentos que antecedem retratam, quer para o procedimento de injunção quer ainda se estivéssemos ab initio perante uma acção comum.”
Em cumprimento desse ónus de especificação dos elementos concretizadores ou complementares em falta (enquanto factos necessários à procedência da acção mas não integrantes do seu núcleo essencial), o tribunal recorrido refere na sua decisão que a requerente foi notificada, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 10º, n.º 3 do DL 62/2013, de 10 de Maio, e não supriu as faltas identificadas, afirmando apenas que o requerimento continha todos os elementos fácticos essenciais.
Decorre do normativo legal mencionado que, após a dedução da oposição e transformada a injunção em acção declarativa com processo comum, o juiz, recebidos os autos, pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais.
Ora, este aperfeiçoamento pressupõe que os autos forneciam os factos essenciais para a identificação da causa de pedir, porquanto o despacho de convite ao aperfeiçoamento depende da existência desta última.
Na verdade, tal como decorre do estatuído no art. 590º, n.º 4 do CPC, o juiz pode convidar as partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização matéria de facto alegada, sendo que, como refere António Abrantes Geraldes, estão afastadas dessa previsão as “situações mais graves em que o vício da petição inicial corresponda a uma verdadeira ineptidão, motivada pela ausência de causa de pedir, pela sua ininteligibilidade, pela contradição entre causas de pedir ou entre a causa de pedir e o pedido” – cf. Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 1997, pág. 81.
Com efeito, conforme se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-05-2019, processo n.º 89078/18.6YIPRT-A.L1-6 acima mencionado:
“O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir.
Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.
As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC).
De outra forma, afrontar-se-ia o princípio da estabilidade da instância, previsto no art.º 260.º do CPC, nos termos do qual, após a citação do réu, a instância estabiliza-se quanto ao objecto e às partes, sendo legalmente limitada qualquer possibilidade de alteração objectiva ou subjectiva […]”
E como referem A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 679:
“O convite ao aperfeiçoamento procura completar o que é insuficiente ou corrigir o que é impreciso, na certeza de que a causa de pedir existe (na petição) e é perceptível (inteligível); apenas sucede que não foram alegados todos os elementos fácticos que a integram, ou foram-no em termos pouco precisos. Daí o convite ao aperfeiçoamento, destinado a completar ou a corrigir um quadro fáctico já traçado nos autos. Coisa diversa, e afastada do âmbito do art. 590º, n.º 4, seria permitir à parte, na sequência desse despacho, apresentar, ex novo, um quadro fáctico até então inexistente ou de todo imperceptível (o que, aqui, equivale ao mesmo), restrição que, aliás, também decorre do art. 590º, n.º 6.”
No mesmo sentido propende a essencialidade da doutrina e jurisprudência, ou seja, o juiz só pode convidar a parte a corrigir a exposição ou concretização da matéria de facto quando esta tenha a densidade suficiente para constituir uma causa de pedir inteligível – cf. Rui Pinto, Código de Processo Civil, Volume II, 2018, pág. 109.
Como tal, não podia o tribunal recorrido convidar a parte a suprir irregularidades na exposição da matéria de facto e, subsequentemente, perante a ausência de resposta a tal convite, considerar verificada uma situação de ineptidão da causa de pedir.
O convite ao aperfeiçoamento pressupõe a existência de causa de pedir e a falta de suprimento das insuficiências na exposição dos factos determinará uma possível pronúncia antecipada, no despacho saneador, quanto ao mérito da causa, ou influenciará a fixação dos temas da prova ou reflectir-se-á apenas na decisão final, onde se retirarão as consequências derivadas das falhas não supridas, mas não conduz à nulidade de todo o processo por ausência de causa de pedir – cf. A. Abrantes Geraldes, Temas…, pág. 90.
Assim, o poder de mandar aperfeiçoar os articulados para serem supridas insuficiências ou imprecisões na exposição e concretização da matéria de facto alegada deve ser balizado por estritos limites, ou seja, os esclarecimentos, aditamentos ou correcções a efectuar não podem colocar em causa o conhecimento da questão jurídica e a decisão do seu mérito devendo apenas facilitá-los, pelo que o não acatamento do convite ao aperfeiçoamento nunca poderá determinar a extinção do processo por absolvição da instância (solução prevista para a ineptidão da petição inicial) – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-10-2016, relator Manuel Capelo, processo n.º 203848/14.2YIPRT.C1.
Acresce que, como argumenta a recorrente, não se pode afirmar que esta foi convidada a suprir as irregularidades da exposição da matéria de facto e não acedeu a tal convite.
Na verdade, no despacho proferido em 10 de Setembro de 2020 e acima reproduzido, apesar de se aludir ao n.º 3 do art. 10º do DL 62/2013, de 10 de Maio, tal referência foi efectuada em termos abstractos para afirmar a possibilidade da formulação de um convite às partes para aperfeiçoarem as peças processuais.
No entanto, feita essa menção, aquilo que vem a ser concreta e expressamente determinado é a notificação das partes para apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os já apresentados e, bem assim, a notificação da autora para juntar cópia das facturas e se pronunciar sobre a excepção deduzida (cf. Ref. Elect. 398624423 - “Permite o nº 3 do citado preceito que o juiz convide as partes a aperfeiçoar as peças processuais, normativo que abrangerá os atos estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei (como nos determina o artigo 193º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, a respeito da situação do erro na forma de processo, que se aproxima desta questão, quanto aos seus efeitos e saneamento). Assim sendo, notifique as partes para, em 10 dias, apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os que hajam apresentado. No mesmo prazo, deverá a autora juntar cópia das facturas cujo pagamento reclama nesta ação.”)
A autora não foi, pois, convidada a aperfeiçoar o requerimento de injunção, nem lhe foi transmitido que tudo quanto referiu na relação discriminada das facturas se revelava insuficiente para uma correcta concretização da causa de pedir.
Entendendo o tribunal recorrido que a matéria de facto padecia das imprecisões e insuficiências que descreveu na decisão recorrida, não se podendo acompanhar o seu juízo de que se está perante “uma deficiência radical e total da petição no que respeita aos elementos em que se decompõe a causa de pedir” pelas razões que atrás se deixaram aduzidas, estando antes configurada uma situação em que a apreciação da causa e a eventual procedência da acção carece de uma melhor e mais pormenorizada concretização dos bens fornecidos, data e valores em dívida, seja por referências às facturas, seja em explicitação das notas de débito também carreadas para os autos, estava aquele obrigado a convidar, expressamente, a parte a aperfeiçoar a sua pela processual nesse sentido, o que não foi feito.
Actualmente, não se discute já o carácter vinculado deste tipo de despacho. Com efeito, a intervenção do juiz nesta fase processual é especialmente relevante quanto à sindicância que exerce sobre o conteúdo material dos articulados, designadamente, sobre a exposição ou concretização da matéria de facto.
Trata-se de um verdadeiro dever legal do juiz – despacho de aperfeiçoamento vinculado – no sentido de identificar os aspectos que importa corrigir[10].
Considerando que a recorrente, no âmbito do procedimento de injunção, conjugado com a relação discriminada das facturas, efectuou uma exposição da factualidade subjacente ao pedido formulado em que alegou, ao menos, os factos essenciais da causa de pedir susceptíveis de identificar e individualizar o objecto do litígio e não se verificando uma situação de ineptidão da petição inicial, não podia a senhora juíza a quo ter deixado de a convidar a aperfeiçoar tal peça processual, ou seja, transmutado o procedimento injuntivo em acção declarativa comum, não poderia ter deixado de dar cumprimento ao disposto no art.º 590.º, n.ºs 2, al. b) e 4, do CPC.
Não obstante tenha afirmado tê-lo feito, o que se verifica é que o despacho proferido em 10 de Setembro de 2020 não foi claro nesse sentido, pois apesar da referência ao n.º 3 do art. 10º do DL 62/2013, de 10 de Maio, apenas mencionou, em concreto, a necessidade de apresentação de requerimentos probatórios ou da sua alteração.
Acresce que, na falta de notificação à recorrida do conteúdo da listagem junta pela recorrente, verifica-se que o tribunal recorrido apreciou a invocada excepção de ineptidão sem que a recorrida tivesse tido a oportunidade de se pronunciar sobre o conteúdo desse elemento junto aos autos, que poderia até, eventualmente e de acordo com a sua visão, suprir as insuficiências do requerimento injuntivo.
Em conformidade com o acima já referido, a exposição dos fundamentos de facto da acção por remissão para os factos contidos em documentos que acompanhem a petição inicial só deverá ser admitida quando essa remissão se destine a completar a exposição já feita na petição, de modo que a extensão ou a complexidade dos documentos ou a essencialidade de tais factos não subalternize a função do articulado de petição inicial enquanto lugar de exposição dos fundamentos de facto da acção cf. neste sentido, acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-05-2014 e de 30-11-2011, relator Ezagüy Martins, processos n.ºs 6903/13.4T2SNT.L1-2 e 1026/11.4TBBNV-A.L1-2; Rui Pinto, op. cit., pág. 34.
De todo o modo, no caso em apreço, nem se trata de remissão mera e simples para o conteúdo das facturas, mas antes de todo um anexo que funciona ainda como alegação factual onde se verteram factos atinentes à identificação das facturas, a sua data e valor em dívida, por impossibilidade de o aduzir no próprio formulário electrónico (tendo em conta que o requerimento de injunção foi apresentado em formato electrónico, nos termos do art. 5º da Portaria n.º 220-A/2008, de 4 de Março), pelo que não só está afastada a ineptidão da petição inicial, como se impunha ao tribunal recorrido dar conhecimento à recorrida da junção desse elemento, o que não sucedeu.
Estipula o artigo 3º, n.º 2 do CPC que “Só nos casos excepcionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.”
Nos termos do n.º 3 desse mesmo art. 3.º, “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”
E acrescenta o n.º 4: “Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.”
Estes normativos legais consagram o princípio do contraditório como princípio geral e na vertente proibitiva da decisão-surpresa (n.º 3) e no atinente à alegação dos factos da causa (n.º 4), garantindo-se às partes a sua efectiva intervenção no desenvolvimento de todo o litígio, sob pena de nulidade da decisão que o não observe (contraditório dinâmico).
Tal como referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pág. 7:
“Resultam estes preceitos duma conceção moderna do princípio do contraditório, mais ampla do que a do direito anterior à sua introdução no nosso ordenamento. Não se trata já apenas de, formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, ser dada à contraparte a oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão e de, oferecida uma prova por uma parte, ter a parte contrária o direito de se pronunciar sobre a sua admissão ou de controlar a sua produção. Este direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário duma conceção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.”
Do princípio do contraditório – que é uma decorrência do princípio da igualdade das partes estabelecido no art. 4º do CPC -, emana, pois, o direito da parte ao conhecimento de que contra ela foi proposta uma acção e, logo, um direito à audição prévia antes de contra ela ser tomada qualquer decisão ou providência, mas também um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a poder tomar posição sobre elas, ou seja, um direito de resposta, que consiste “na faculdade, concedida a qualquer das partes, de responder a um acto processual (articulado, requerimento, alegação ou acto probatório) da contraparte.” – cf. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos…, pp. 46-47.
Por força desse entendimento amplo da regra do contraditório e face à garantia de processo equitativo do artigo 20º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, a decisão final só deve ser proferida assegurada que seja a participação efectiva dos titulares da relação litigiosa, ou seja, antes de decidir, o juiz deve facultar às partes a invocação de razões que julguem pertinentes perante uma eventual ocorrência de excepções dilatórias, e, sobremaneira, face à invocação de qualquer excepção pela outra parte – cf. ainda António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 19.
Do princípio do contraditório decorre, pois, a regra fundamental da proibição da indefesa, em função da qual nenhuma decisão, mesmo interlocutória, deve ser tomada, pelo tribunal, sem que, previamente, tenha sido dada às partes ampla e efectiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar.
Assim, a decisão recorrida enveredou pelo conhecimento de uma excepção de ineptidão susceptível de anular todo o processo sem a recorrida ter tido a oportunidade de avaliar da cabal concretização da causa de pedir, no confronto entre o requerimento de injunção e o seu anexo. E se se impõe que à requerente seja concedida a oportunidade de aperfeiçoar a alegação factual proferida, também tem se reconhecer que a decisão a proferir deve ser precedida da notificação à contraparte de todo o contexto factual alegado, pois que só então estará esta em condições de aferir da pertinência da manutenção da excepção invocada.
Haverá, assim, que julgar procedente o recurso e revogar a decisão recorrida, devendo ordenar-se a notificação à ré do conteúdo do anexo apresentado em 19 de Março de 2020 e, bem assim, a formulação de convite dirigido à autora para concretizar a matéria de facto alegada, designadamente, no que concerne aos períodos concretos de fornecimento de bens, contexto em que os pedidos de fornecimento foram formulados pela ré, a natureza dos bens fornecidos e valores praticados, as circunstâncias que justificaram a emissão de notas de débito, o estabelecimento de uma eventual relação de deve e haver, entre outros elementos que a parte entenda útil aduzir para melhor esclarecimento da relação contratual estabelecida entre as partes, após o que os autos prosseguirão os trâmites normais que se impuserem.
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Da Litigância de Má Fé
No seu requerimento de 16 de Outubro de 2020, a recorrente formulou pedido de condenação da ré como litigante de má fé, com fundamento na circunstância de esta afirmar, ao contrário daquilo que sabe ser a verdade dos factos, que nada deve àquela, para além de, com o requerimento de 13 de Outubro de 2020, onde reiterou que a autora não procedeu à junção do anexo a que alude no requerimento injuntivo, ter feito um uso dos meios processuais manifestamente reprovável, com vista a entorpecer a justiça e protelar o normal andamento dos autos.
Na decisão recorrida, entendeu a 1ª instância que a conduta processual da ré não justificava a sua condenação como litigante de má fé, sendo que perante a parca alegação de factos esta se defendeu impugnando os poucos alegados.
A apelante insurge-se ainda contra este segmento da decisão, agora invocando que em face de os autos se terem iniciado como procedimento de injunção a forma de citação determinada é a que foi cumprida, pelo que deduziu oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, para além de invocar a ineptidão da petição inicial quando tinha conhecimento do pedido e da causa de pedir, depois de ter acesso a todos os elementos dos autos.
O art. 542º, n.º 1 do CPC prevê a possibilidade de a parte ser condenada em multa quando tenha litigado de má fé.
Litigante de má fé será aquele que, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão – cf. n.º 2 do art. 542º do CPC.
De referir que, a litigância de má fé exige que se verifique por parte do litigante dolo ou negligência grave, isto é, pressupõe a consciência de que se não tem razão; é necessário que a parte tenha agido com intenção maliciosa, e não apenas com leviandade ou imprudência.
A avaliação da actuação da parte terá de ser sempre casuística, analisando as circunstâncias concretas em que aquela se revela, sendo que a condenação como litigante de má-fé pressupõe sempre que se encontra demonstrado nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça, litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes, e que o fez de forma consciente ou sendo-lhe exigível essa consciencialização – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17-09-2020, relatora Raquel Batista Tavares, processo n.º 6495/18.9T8BRG.G1.
Por essa razão, importa considerar que o juízo a formular nesse âmbito depende do apuramento e fixação das ocorrências materiais relativamente às quais se visa reconhecer a existência de má fé, o que constitui uma questão de facto que caberá ao juiz que assistiu ao desenrolar do processo valorar e decidir.
A má-fé alegada pela recorrente assume natureza material ou substancial e instrumental, sendo que, quanto à primeira, é invocada a alteração da verdade dos factos, o que carece de uma apreciação mais consubstanciada a ter lugar no julgamento da acção, devendo ter-se como prudente remeter para final a formulação do juízo definitivo sobre a existência, ou não, da alegada má-fé substancial da recorrida, mas também sobre a sua má-fé instrumental ou processual, pois que a avaliação da conduta da ré não dispensa a prova dos factos alegados indicadores da má-fé – cf. neste sentido, ainda que a propósito do juízo formulado em sede de procedimento cautelar, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-09-2020, relator Manuel Rodrigues, processo n.º 19727/18.4 SLSB-A.L1-6.
Assim, importa revogar, também neste ponto, a decisão recorrida, na parte em que considerou não existir fundamento para a condenação da ré como litigante de má fé, relegando esse conhecimento para a decisão final a proferir nos autos.
Em síntese, procede integralmente o presente recurso impondo-se a revogação da decisão recorrida, devendo ser ordenado o prosseguimento dos autos após o cumprimento do supra ordenado.
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Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do RCP, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
A pretensão que a apelante trouxe a juízo merece provimento, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a cargo da recorrida.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar a apelação procedente e, em consequência:
a. Revogar a decisão proferida, que deverá ser substituída por outra que ordene a notificação à ré/apelada do anexo apresentado em 19 de Março de 2020 e convide a autora a aperfeiçoar o seu articulado, no sentido supra expendido, com o subsequente prosseguimento dos autos de acordo com os trâmites normais que se impuserem.
Custas a cargo da ré/apelada.

Lisboa, 13 de Julho de 2021[11]
Micaela Marisa da Silva Sousa
Cristina Silva Maximiano
Amélia Alves Ribeiro
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[1] Adiante designado pela sigla CPC.
[2] Acessível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.
[3] Acessível o Blog do IPPC em https://blogippc.blogspot.com/.
[4] Adiante designado pela sigla RCOP.
[5] Cf. Nulidade da notificação do requerimento de injunção, acessível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=notifica%C3%A7%C3%A3o+sociedade+injun%C3%A7%C3%A3o.
[6] Acessível em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/92666/1/Disserta%c3%a7%c3%a3o.pdf.
[7] Acessível em https://docentes.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/MFG_MA_27006.pdf.
[8] Acessível em https://portal.oa.pt/upl/%7Ba1e1a26b-2895-45e6-8081-17b5e4232e08%7D.pdf.
[9] “[…] os factos essenciais são aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da excepção e cuja falta determina a inviabilidade da acção ou da excepção; - os factos instrumentais, probatórios ou acessórios são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos; - finalmente, os factos complementares ou concretizadores são aqueles cuja falta não constitui motivo de inviabilidade da acção ou da excepção, mas que participam de uma causa de pedir ou de uma excepção complexa e que, por isso, são indispensáveis à procedência dessa acção ou excepção.”
[10] Aliás, a este propósito, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa identifica um novo princípio processual que é o da proibição da oneração da parte pela Relação com o risco da improcedência, para sustentar que, constando-se que a 1ª instância omitiu o dever de convidar a parte ao aperfeiçoamento, não pode a acção ser julgada improcedente devendo a Relação anular a decisão proferida pela 1.ª instância com base na deficiência do julgamento da matéria de facto (art. 662.º, n.º 2, al. c), do CPC) - cf. A proibição da oneração da parte pela Relação com o risco da improcedência: um novo princípio processual?, 29-01-2014, disponível no Blog do IPPC em https://blogippc.blogspot.com/2014/01/a-proibicao-da-oneracao-da-parte-pela.html.
[11] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.