Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19495/19.2T8SNT.L1-1
Relator: PEDRO BRIGHTON
Descritores: DIREITO À INFORMAÇÃO
DIREITO AOS LUCROS
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I–Nas sociedades, o direito dos sócios à informação, genericamente previsto no artº 21º nº 1, al. c), do Código das Sociedades Comerciais, é um direito essencial para garantir o exercício de outros direitos sociais, nomeadamente, o direito aos lucros, de voto e de impugnação de deliberações sociais.

II–O direito à informação, como direito do sócio, desdobra-se, na perspectiva do Código das Sociedades Comerciais, em quatro direcções diferentes, podendo nele considerar-se compreendidos : Um direito a obter informações, um direito de consulta dos livros e documentos da sociedade, um direito de inspecção de bens sociais e, embora noutro plano, um direito de requerer inquérito judicial.

III–Este direito do sócio à informação tem uma função de controlo, “a posteriori”, dos actos de gestão que foram praticados. Esta necessidade de controlo só se compreende no pressuposto de que o sócio minoritário não tem, por outra forma, meio de conhecer o modo como a sociedade é gerida.

IV–A informação a prestar pela sociedade ao sócio, deve ser verdadeira, completa e elucidativa (artº 214º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais), isto é, deve remover e esclarecer as dúvidas ou o desconhecimento acerca de factos ou razões ou justificações para a sua prática.

V–Nas sociedades por quotas, o sócio está limitado no seu direito de pedir informações fora da assembleia geral à “gestão da sociedade” e aos “assuntos sujeitos a deliberação”, quanto às informações requeridas em assembleia geral (artº 214º nº 1 do Código de Processo Civil).

VI–Nas sociedades por quotas existem dois momentos distintos para a prestação de informações aos sócios por parte da sociedade : Em qualquer altura da vida societária (artº 214º nºs. 1 a 5 do Código das Sociedades Comerciais) ; no decorrer da assembleia geral (artº 290º do Código das Sociedades Comerciais, “ex vi” artº 214º nº 7 do mesmo Código).

VII–Estando expressamente regulamentado o direito à informação para as sociedades por quotas, não será aplicável às mesmas o regime estabelecido no artº 289º do Código das Sociedades Comerciais para as informações preparatórias da assembleia geral, que é exclusivo para as sociedades anónimas.

VIII–O artº 21º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais contém um elenco dos direitos gerais dos sócios. E o primeiro direito geral de sócio, contemplado naquele preceito é o de quinhoar nos lucros da sociedade.

IX–A definição genérica de lucro traduz-se no ganho do património da sociedade.

X–No direito societário há diversas noções de lucro, nomeadamente : Lucro de balanço, Lucro de exercício e Lucro final.

XI–A Reserva societária é a cifra representativa de valores patrimoniais da sociedade, derivados normalmente de lucros que os sócios não podem ou não querem distribuir, que serve principalmente para cobrir eventuais perdas sociais e para autofinanciamento. Geralmente as reservas derivam de lucros (ou parte deles) que não podem ser distribuídos aos sócios, como é o caso de reservas legais ou estatutárias, ou de deliberações a não distribuir, destinando os lucros a reservas livres. As reservas têm, à luz do artº 296º do Código das Sociedades Comerciais, a importante função de serem utilizadas para cobrir prejuízos.

XII–A Doutrina e Jurisprudência não se têm manifestado de forma unânime em relação à norma do artº 58º nº 1, al. b) do Código das Sociedades Comerciais.

XIII–Segundo uma posição, há quem defenda que o instituto do abuso do direito, consagrado no artº 334º do Código Civil, está afastado do campo de actuação do citado normativo.

XIV–Segundo outra posição, o instituto do abuso do direito aplica-se no âmbito das deliberações sociais, articulando-se o artº 58º nº 1, al. b) do Código das Sociedades Comerciais com o artº 334º do Código Civil, uma vez que o primeiro não prevê taxativamente todas as situações de abuso do direito que possam decorrer, sendo necessário recorrer à cláusula geral do referido normativo do Código Civil para sancionar os restantes casos que não se enquadram no aludido preceito do Código das Sociedades Comerciais.



Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA :


I–Relatório


1–N.J.O.S. intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra “L.M., Ldª”, pedindo a anulação das deliberações sociais aprovadas em Assembleia Geral da R. de 7/11/2019 e ainda que seja substituída a deliberação anulável correspondente ao ponto 2 da ordem de trabalhos por outra que contemple a distribuição de metade dos lucros dos exercícios relativos aos anos de 2016, 2017 e 2018.
Para fundamentar tal pretensão alega, em resumo, que não lhe foram fornecidas informações suficientes para conhecer a situação da sociedade e votar de forma informada quantos aos pontos que integravam a ordem de trabalhos.  Para além disso, foi violado propositadamente o seu direito à distribuição dos dividendos, não obstante os lucros apresentados pela R..
2– Regularmente citada, veio a R. contestar, defendendo-se por execepção e por impugnação.
Previamente, referiu que a falta de apresentação da acta da Assembleia Geral iniciada a 22/10/2019 e concluída em 7/11/2019 é motivo para determinar a suspensão da instância.
Em sede de excepção, referiu que a petição inicial é inepta.
Em impugnação afirma existir abuso de direito da minoria por parte do A., pois foram-lhe prestadas todas as informações e elementos necessários para o exercício do direito de voto.
Além disso, a não distribuição dos dividendos sempre foi a prática na sociedade, sendo certo que ainda há suprimentos de montante elevado a reembolsar aos sócios.
Pede ainda a condenação do A. como litigante de má fé, afirmando que este fez um uso censurável e deplorável dos meios judiciais ao seu dispor, utilizando a presente acção como estratégia de desgaste que tem procurado implementar contra os demais sócios da R..
Concluiu pela improcedência da acção.
3– O A. apresentou articulado de resposta.
4– Foi elaborado o despacho saneador, onde :
-Se julgou improcedente a nulidade decorrente de ineptidão da petição inicial.
-Não se admitiu a cumulação entre o pedido de substituição da deliberação anulável correspondente ao Ponto Segundo da Ordem de Trabalhos, por nova deliberação que assegure ao A. a distribuição dos lucros a que tem direito.
-Foi enunciado o objecto do litígio e indicados os temas de prova.
5–Seguiram os autos para julgamento, ao qual se procedeu com observância do legal formalismo.

6–Posteriormente, foi proferida Sentença a julgar a acção parcialmente procedente, constando da parte decisória da mesma :
“Pelo exposto, decide-se julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, determina-se a anulação da deliberação social tomada quanto ao ponto 2 da ordem de trabalhos da assembleia geral da sociedade comercial “L.M., Lda.”, realizada em 07/11/2019, a saber :  “Relativamente ao exercício de 2016, que o resultado líquido do período de € 11.943,19, seja aplicado do seguinte modo: € 1.480,00 para a rubrica “Reservas Legais e € 10.463,19 para a rubrica “Outras Reservas”; relativamente ao exercício de 2017, que o resultado líquido do período de € 32.809,30, seja integralmente aplicado na rubrica “Outras Reservas” e, relativamente ao exercício de 2018, que o resultado líquido do período de € 79.119,39, seja integralmente aplicado na rubrica “Outras Reservas”.
Absolve-se a R. do pedido de anulação das demais deliberações tomadas na assembleia geral da sociedade comercial “L.M., Lda.”, realizada em 07/11/2019.
Julga-se ainda improcedente o pedido de condenação do A. como litigante de má-fe.
Custas pelo A. e pela R., em partes iguais (art. 527, 1 e 2, do Cód. Proc. Civil).
Valor da ação: 30.000,01.
Notifique e registe”.

7–Desta decisão interpôs o A. recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as (extensas) conclusões que se seguem :
“i.-O Recorrente peticionou a anulação das deliberações sociais aprovadas em assembleia geral de 07-11-2019 e ainda a substituição da deliberação anulável correspondente ao ponto 2 da ordem de trabalhos por outra que contemple a distribuição de metade dos lucros dos exercícios relativos aos anos de 2016, 2017 e 2018.
ii.-O Tribunal decidiu, muito bem, pela procedência parcial da acção, anulando a deliberação social correspondente ao ponto dois da ordem de trabalhos, respeitante à distribuição de lucros dos exercícios em causa.
iii.-Quanto às demais deliberações, entendeu o Tribunal a quo, de forma extremamente sucinta e que, entendemos, insuficiente no que respeita à fundamentação da sentença, que não se mostram preenchidos os requisitos que presidem à anulação das demais deliberações impugnadas.
iv.-Ora, entende o Recorrente que o tribunal a quo deveria, igualmente, ter anulado as deliberações correspondentes aos pontos Um e Cinco da ordem de trabalhos, bem como ter decidido pela de distribuição de lucros, ao invés de se bastar com a anulação da respectiva deliberação.
v.-O Recorrente entende, assim, que foram incorretamente julgados os temas relativos à violação do direito de informação do sócio (direito de informação prévio e durante a Assembleia Geral).
vi.-Acresce que, no que respeita às deliberações em causa (Pontos Um e Cinco da Ordem de Trabalhos), o tribunal a quo não fundamentou, de todo, a razão pela qual entendeu não se encontrarem preenchidos os respectivos requisitos de anulação.
vii.-Em especial, no que respeita ao ponto cinco da ordem de trabalhos, o Tribunal a quo olvidou a violação estatutária evidente que inquina a deliberação aprovada, pelo que também quanto a esta matéria a resposta da douta sentença recorrida encontra-se, a nosso ver, incorrectamente formulada.
viii.-No que respeita à violação do direito de informação durante a Assembleia Geral o tribunal a quo não ofereceu qualquer fundamentação para suportar a decisão da qual se recorre.
ix.-Da mesma forma, não tomou qualquer posição quanto a nenhuma das violações estatutárias que determinam a anulabilidade das deliberações cujo vício o tribunal não declarou, existindo no que a este tema respeita, uma evidente omissão de pronúncia.
x.-No entendimento do Recorrente para uma boa decisão da causa haverá a necessidade de proceder a uma reapreciação da prova, documental e testemunhal, porquanto, salvo melhor opinião e no seu entendimento, existiu errada apreciação de matéria de facto que foi dada como provada e não provada, o que conduziu a uma decisão que fez má valorização dos factos e consequente má aplicação do Direito, como se demonstrará.
xi.-Na verdade, e no que respeita em especial, ao direito e ao cumprimento das normas estatutárias aplicáveis, o tribunal a quo limitou-se a declarar o seguinte:
xii.-“Quanto às demais deliberações, não se mostram preenchidos quaisquer pressupostos para a respetiva anulação”.
xiii.-Entende o Recorrente ser evidente que não existe uma fundamentação e uma análise das normas legais e, em especial, das disposições estatutárias aplicáveis à decisão de cada uma daquelas deliberações.
xiv.-Com efeito, o Recorrente alegou e pretendeu demonstrar que quanto ao ponto primeiro da ordem de trabalhos, não só não se mostravam cumpridas as obrigações de informação prévias à realização da AG, como durante a realização da AG não foram cumpridos os deveres mínimos de informação, através da resposta da Gerência às questões colocadas pelo sócio N.J.S., ora Recorrente.
xv.-O trecho decisório transcrito no artº 17º supra não tem a virtualidade de fundamentar a opção do tribunal a quo de não considerar anulável as deliberações tomadas nos pontos um e cinco da ordem de trabalhos.
xvi.-Os Estatutos da Recorrida são claríssimos ao determinar as maiorias necessárias para a aquisição de imóveis ou para deliberar relativamente a contratos que tenham a virtualidade de alterar substancialmente o valor da sociedade.
xvii.-O Tribunal a quo, ao fundamentar a sua decisão de forma manifestamente insuficiente determinou a nulidade da sentença recorrida no que respeita aos pontos/temas carecidos de fundamentação bastante.
xviii.-A fundamentação da matéria de facto provada e não provada, com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objectividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas da decisão, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e qual a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal.
xix.-O Meritíssimo Juiz da 1ª Instância através da sucinta referência constante do art.º 17 supra, não cumpriu plenamente o preceituado no artº 607º, nº 4, do C.P.C, visto que a omissão da fundamentação completa dos factos não provados é uma circunstância relevante no exame e decisão da causa, como se lhe impunha pelos atrás citados preceitos legais.
xx.-Entende o Recorrente que na Motivação não deu o Meritíssimo Juiz a quo cumprimento ao preceituado nos nºs 3 e 4 do artº 607º do C.P.C., porquanto, ainda que tendo indicado quais os factos dados como não provados e não fundamentou nem indicou os meios de prova em que se suportou para formar a sua convicção.
xxi.-Perante a falta da fundamentação relativa aos factos não provados, é legítima a dúvida se, para além dos factos provados, foram ou não considerados, para efeitos de prova, qualquer um dos factos relevantes não contemplados no elenco dos factos provados, nomeadamente as normas estatutárias constantes do Doc. nº 3 (Estatutos da sociedade Recorrida), integrante do acervo documental junto com a Petição Inicial.
xxii.-A fundamentação da matéria de facto deve indicar, de forma clara, os concretos meios de prova que determinaram a decisão, positiva ou negativa, para, assim, dar adequado cumprimento à formalidade legal consagrada no art. 607º, nº 4, do Código de Processo Civil.
xxiii.-Com a omissão das formalidades referidas, previstas no artº 607º, nº 4, do Código de Processo Civil, cometeu-se uma nulidade processual prevista no artº 195º, nº 1, do Código de Processo Civil.
xxiv.-Assim, por efeito da nulidade processual, justifica-se a anulação da sentença e de todos os actos subsequentes, nos termos do art. 195º, nº 2, do Código de Processo Civil.
xxv.-No que respeita à violação do Direito de informação, conforme se adiantou, entende o Recorrente que tal direito se mostra violado em duas das suas 3 vertentes.
xxvi.-Com efeito, o Recorrente considera que não obteve informação prévia suficiente e adequada a assegurar a sua participação esclarecida na Assembleia Geral na sociedade Recorrida.
xxvii.-Por outro lado, como consequência da deficiente informação recebida, o Recorrente foi obrigado a colocar uma série de questões em Assembleia Geral, várias das quais não foram cabalmente esclarecidas.
xxviii.-Sem a consulta da necessária informação, os sócios não poderiam estar a par da situação da sociedade Recorrida, e da gestão exercida pelos actuais administradores pelo que na falta da referida informação o Recorrente não poderia exercer o seu direito de voto de forma esclarecida e consciente.
xxix.-Ambas as vertentes do direito à informação do Recorrente, na sua qualidade de sócio da sociedade Recorrida se mostram violados, de forma grosseira, no que respeita a todas as deliberações tomadas na referida em Assembleia Geral, com especial incidência no que respeita às deliberações a tomar nos Pontos Um e Cinco da ordem de trabalhos.
xxx.-Tendo o Recorrente sido convocado para a Assembleia Geral Ordinária, em 04/10/2019, cuidou de tentar consultar todos os elementos disponíveis e que suportariam as deliberações a tomar.
xxxi.-Foi com este intuito que, em 10 de outubro de 2019, o Recorrente enviou à Gerência da Recorrida uma missiva a solicitar o envio, para o seu endereço eletrónico, de toda a informação preparatória da referida Assembleia, tendo em conta a ordem dos trabalhos agendada, ao abrigo do artigo 289º do CSC, conforme resulta do Doc. n.º 6, junto com a P.I..
xxxii.-Na mesma missiva o Recorrente informou a gerência da Recorrida que pelas 14h30 do dia 15/10/2019 deslocar-se-ia à sede social para consultar os documentos contabilísticos referentes aos anos de 2016, 2017 e 2018, referidos na ordem de trabalhos da Assembleia Geral, nomeadamente os relatórios de gestão, extratos bancários, e contratos.
xxxiii.-O agendamento do Recorrente foi realizado em cumprimento do solicitado na convocatória de 04/10/2019, onde expressamente se assegurava pela gerência da Recorrida a disponibilização de Relatórios de Gestão e os documentos de prestação de contas, na sede da Recorrida, mediante prévio agendamento, cfr. Doc. nº 4, junto com a Petição Inicial.
xxxiv.-Sucede que, o pedido de informação do Recorrente não foi atendido pela Gerência da Recorrida, nem presencialmente, aquando da sua deslocação à sede da Recorrida, nem por qualquer outra via.
xxxv.-Por este motivo foi enviada pelo Recorrente à Gerência da Recorrida nova missiva, datada de 16/10/2019, a reiterar o pedido de disponibilização, por qualquer forma, da totalidade da informação preparatória da referida Assembleia Geral, conforme Doc. nº 7, junto com a Petição Inicial.
xxxvi.-A Gerência da Recorrida apenas respondeu ao Recorrente em 17/10/2019, designadamente às missivas datadas de 10/10/2019, conforme facto provado nº 15.
xxxvii.-A resposta da Gerência da Recorrida foi sempre evasiva e no sentido de recusar a informação pretendida pelo Recorrente, com o argumento de que se trata de matéria que extravasa o âmbito da Assembleia Geral, conforme Doc. nº 8, junto com a Petição Inicial e facto provado nº 15.
xxxviii.-Apenas em 21/10/2019, um dia antes da Assembleia Geral Ordinária, a Gerência da Recorrida respondeu ao pedido do Recorrente datado de 17/10/2019, conforme Doc. nº 9, junto com a Petição Inicial.
xxxix.-Mas, uma vez mais, a posição da Gerência da Recorrida manteve-se inalterada quanto ao pedido de informação pretendida pelo Recorrente, alegando de que os Relatórios de Gestão, incluindo as propostas de aplicação, haviam sido disponibilizadas na sede da Recorrida, facto que não corresponde de todo à verdade, e é contrariado pela prova documental junta aos autos e supra referida, bem como pela prova testemunhal produzida.
xl.-Em 15/10/2019, o Recorrente, acompanhado do Dr. J.B., contabilista certificado, deslocou-se à sede da Recorrida para consultar informação preparatória essencial para a Assembleia Geral a realizar no dia 22 de outubro de 2019.
xli.-A informação em questão, não foi disponibilizada de forma completa ao Recorrente, não tendo sido possível a este obter cópias da informação parcial disponibilizada, designadamente, do Relatório de Gestão, das Contas do Exercício e demais documentos de prestação de contas relativas aos exercícios de 2016, 2017 e 2018, conforme comunicado à Recorrida mediante missiva junta como Doc. nº 7, com a Petição Inicial.
xlii.-Resulta, assim, de forma clara e evidente que a Recorrida não cumpriu com a sua obrigação de disponibilização de informação essencial preparatória da Assembleia Geral ao Recorrente, ao abrigo do artigo 263º e 289º do CSC.
xliii.-Não obstante a deslocação do Recorrente à sede da Recorrida, a consulta da informação preparatória à Assembleia Geral não foi possível uma vez que a informação disponível se encontrava manifestamente incompleta.
xliv.-Com efeito, tenha-se em consideração o depoimento da testemunha J.B., Técnico Oficial de Contas, com mais de 30 anos de experiência (minuto 01:55 a 14:47 da gravação do seu depoimento).
xlv.-Por outro lado, o Recorrente, em Depoimento de parte, foi muito claro ao referir que os documentos que lhe foram disponibilizados na sede da sociedade não correspondiam aos que lhe foram exibidos já em sede de Assembleia Geral.
xlvi.-Tal como referido pela Testemunha Dr. J.B., referiu a testemunha N.R.S., que não lhe foram disponibilizados os IES, até à data da Assembleia Geral, conforme 3m:54ss do seu depoimento.
xlvii.-Resulta claro que, ao contrário do que se mostra julgado provado – em especial no ponto 13 – não estavam disponíveis para consulta nomeadamente os IES dos exercícios em causa, bem como não se encontravam disponíveis extratos, balancetes analíticos e outra documentação que permitisse preparar convenientemente a Assembleia Geral da Recorrida.
xlviii.-Bem como não se encontrava disponível o contrato de locação financeira que iria ser objecto de deliberação no âmbito do Ponto Cinco da Ordem de Trabalhos.
xlix.-Não cuidou o tribunal a quo de se debruçar sobre quais seriam “os demais elementos de prestação de contas” e se os mesmos foram ou não disponibilizados ao sócio previamente à realização da AG.
l.-Os “demais elementos de prestação de contas” abarcam necessariamente os elementos de suporte (extractos bancários e facturas) sem os quais é impossível fazer um cruzamento com aquilo que se declara nas contas do exercício, vide elementos contabilísticos (balanços, balancetes, demonstrações de resultados) e fiscais (IES, dossier fiscal).
li.-Aquilo que a gerência da Recorrida disponibilizou ao Recorrente e ao Dr. J.B., não cumpre com os mínimos de informação a fornecer aos sócios, impedindo que este se preparasse, de forma conveniente, ou suficiente, para a Assembleia Geral.
lii.-Por fim, deverá ter-se presente que, considerando o teor do ponto 5 da ordem de trabalhos, o qual envolvia a discussão e deliberação relativa a um contrato de locação financeira, a Gerência da sociedade, não disponibilizou a respectiva cópia, para consulta, já no decurso da Assembleia Geral.
liii.-Ora, nenhum pedido de informação efetuado pelo Recorrente foi efectivamente respondido, na medida em que as respostas da Gerência da Recorrida foram sempre evasivas, recusando a informação pretendida com o argumento de que se trata de matéria que extravasa o âmbito da Assembleia Geral, o que não é, de todo verdade.
liv.-Desta forma, resulta evidente que a informação necessária à preparação da Assembleia Geral não se encontrava disponível para consulta na sede da sociedade, nos 15 dias anteriores à realização da Assembleia Geral.
lv.-Não se encontravam disponíveis, designadamente, os elementos referidos no nº 1 do artº 289º do CSC, que supra se transcreveu.
lvi.-A prova documental e testemunhal produzida, com especial enfoque para aquela que supra se referiu e transcreveu, é manifestamente suficiente para que seja alterada a resposta dada ao ponto 13 dos factos provados e, bem assim, das alíneas b), c) e d) dos factos não provados.
lvii.-Deverá, assim, ser substituída a sentença recorrida por acórdão que declare a anulabilidade das deliberações tomadas em Assembleia Geral, por violação manifesta do artº 289º do CSC.
lviii.-No que respeita ao ponto um da ordem de trabalhos, foram, igualmente, recusadas ao Recorrente informações e esclarecimentos em Assembleia Geral, em directa e frontal violação do artº 290º do Código das Sociedades Comerciais.
lix.-A este propósito, após iniciada a discussão do primeiro ponto da ordem de trabalhos o Recorrente voltou a referir que os documentos de prestação de contas apresentados pela gerência não reúnem os requisitos legais e contabilísticos aplicáveis.
lx.-Na verdade, de tais documentos não constava, designadamente, uma exposição clara sobre a evolução dos negócios, o desempenho e a posição da sociedade, os investimentos realizados, a atividade que originou os custos e os proveitos da sociedade e nem as informações exigidas para o anexo às contas, em particular no que se refere às operações realizadas com partes relacionadas, conforme exigido pelo artigo 66º-A do Código das Sociedades Comerciais (CSC), pelo facto de não incluírem o detalhe dessas operações, nomeadamente os montantes, a natureza e as condições das relações existentes e ainda se tais operações foram realizadas em condições de mercado.
lxi.-Confrontado com a manifesta deficiência dos documentos que serviriam de suporte à deliberação, o Recorrente viu-se obrigado a dirigir à gerência alguns pedidos de esclarecimento, com o objectivo de permitir a deliberação e votação informada daquele ponto da ordem de trabalhos.
lxii.-Tendo sido a gerência confrontada com as referidas questões e sendo as mesmas objectivas e estritamente relacionadas com o ponto da ordem de trabalhos em discussão, a Recorrida, pela mão da gerência, não foi capaz de responder directamente às mesmas.
lxiii.-Não foi a gerência, ou a contabilista certificada da sociedade, capaz de dar qualquer resposta às seguintes questões:
3.-Que contratos de arrendamento existem relativos aos imóveis da propriedade da sociedade e em que condições?
5.-Quais os valores das rendas praticados pela Sociedade?
6.-Solicitamos que sejam disponibilizadas cópias de todos os contratos de arrendamento em que a sociedade seja parte.
10.-Qual a natureza das relações existentes com cada uma das partes relacionadas?
13.-Qual o detalhe/decomposição do saldo da rubrica de outros rendimentos?
14.-Qual a origem do saldo de € 168.550 à M. & S.?
15.-Qual a repartição dos suprimentos entre os sócios?
lxiv.-A falta de resposta às questões referidas resulta da simples análise da Acta da Assembleia Geral, constituindo, pois, um facto, objectivo e que deveria ter sido valorado pelo Tribunal a quo.
lxv.-Mesmo que o Recorrente tenha conhecimento da existência do contrato e tenha tido conhecimento da sua entrada em vigor e dos seus termos, parece, no mínimo, razoável e de boa fé, que mais de 10 anos volvidos seja disponibilizada uma cópia ao sócio, em especial quando o contrato em questão se destinava a ser discutido em Assembleia Geral.
lxvi.-Para além da incontornável prova documental que consubstancia a Acta da Assembleia Geral, também a testemunha N.R.S., que esteve presente em Assembleia Geral em representação do seu Pai, ora Recorrente, foi claro ao corroborar os factos constantes da mesma.
lxvii.-Entendeu o Recorrente, evidentemente, que seria impossível aprovar contas de uma sociedade sem que a gerente e a contabilista certificada tenham respondido às questões sobre os saldos e movimentos que ficaram pendentes e sem conhecer os contratos de arrendamento e respectivas condições respeitantes a imóveis da sociedade Recorrida.
lxviii.-Existe recusa de informação, no sentido de recusa ilícita de informação, sempre que o órgão competente para a sua prestação, face a uma solicitação feita por um ou mais sócios, nas condições de legitimidade estabelecidas na lei, ou no contrato, quando admissíveis, e nos limites fixados, denegue essa mesma prestação ou forneça informação falsa, incompleta ou não elucidativa.
lxix.-Conforme expressamente se referiu, no decurso da deliberação do Ponto Primeiro da ordem de trabalhos, o Recorrente colocou uma série de questões, concisas, bem definidas e de efectiva utilidade para o esclarecimento do ponto em votação.
lxx.-Tais questões não foram respondidas pela gerência, tendo este órgão rejeitado, deliberadamente fornecer informação correcta e completa ao sócio, de forma a que a este fosse possível votar com pleno conhecimento o assunto em deliberação.
lxxi.-Deverá ter-se em especial consideração, que uma das questões colocadas pelo Recorrente e relativamente à qual não obteve resposta, diz respeito a alegadas relações comerciais com uma sociedade “M. & S.”, da qual são sócios, apenas, os senhores M.B. e a socia G.J.S..
lxxii.-O esclarecimento de tal questão é importante não só pelas quantias envolvidas nas alegadas relações comerciais (€168.550,00), mas também porque, atendendo à qualidade de sócios, em ambas as sociedades dos Senhores J.S. e M.B., tal negócio poderá configurar uma grave situação de conflito de interesses.
lxxiii.-Por outro lado, uma vez que apenas a sócia gerente e o sócio M.B. conhecem tais negócios, é evidente que a falta de esclarecimento do mesmo em sede de Assembleia Geral consubstancia uma ocultação deliberada e grave de informação
lxxiv.-A Recorrida apenas em 29 de Novembro de 2019, através de carta registada com aviso de recepção, prestou alguma das informações solicitadas em Assembleia Geral e, ainda assim de forma incompleta, conforme Docs. nº 10 e 11, juntos com a Petição Inicial.
lxxv.-Tudo conforme referido pela Testemunha N.R.S. e o teor da Acta da Assembleia Geral.
lxxvi.-O que permite concluir, sem margem para dúvida, até aquele momento, já em sede de Assembleia Geral, tais informações não foram prestadas ao sócio Recorrente, tendo o tribunal a quo olvidado a valoração de tal facto.
lxxvii.-O envio e recepção das informações necessárias à votação em Assembleia Geral, cerca de 20 dias após o encerramento da Assembleia é a prova determinante de que tais informações não existiram e não foram prestadas antes, ou no decurso da Assembleia Geral.
lxxviii.-Não tendo sido prestada resposta concreta, atempada e individualizadora aos factos perguntados que ficaram por esclarecer, verifica-se a recusa de informação “strito sensu”, já que a lei equipara os casos de prestação de informação não verdadeira, incompleta ou não elucidativa, o que determina a anulabilidade da deliberação, a qual expressamente se invoca, nos termos e para os efeitos dos artigos 58º, nº 1, c) e nº 4 a), por afetar o direito de informação do destituindo, previsto nos artigos 248º, nº 1 e 290º, todos do Código das Sociedades Comerciais, vício que expressamente se deixa arguido.
lxxix.-Perante o acervo documental, nomeadamente, a Acta da Assembleia Geral, cujo teor não foi impugnado por nenhuma das partes e o depoimento da testemunha N.R.S., que esteve presente em Assembleia Geral, deveria o tribunal a quo ter dado diferente resposta à alínea e) dos factos não provados.
lxxx.-Desta forma, requer-se que seja a proferido acórdão que substitua a resposta dada à alínea e) dos factos não provados, passando a entender-se que, na verdade, nem a gerência, nem a Contabilista Certificada da Recorrente foram capazes de dar resposta às questões colocadas pelo Recorrente em Assembleia Geral.
lxxxi.-No que respeita ao ponto cinco da ordem de trabalhos, o Recorrente requereu a anulação da deliberação aprovada em Assembleia Geral.
lxxxii.-A presente deliberação é igualmente nula por violação do direito de informação, conforme se referiu, em especial, nos art.ºs 50º a 102º, os quais se deixam reproduzidos por questões de mera economia.
lxxxiii.-Com efeito, recorde-se apenas, que os contratos de financiamento, conforme referido, não foram disponibilizados ao Recorrente, previamente à deliberação, não constando dos elementos disponíveis para consulta na sede da sociedade, tratando-se de um documento que se destinava a ser discutido em Assembleia Geral.
lxxxiv.-Entendeu o Recorrente terem sido frontalmente violados os Estatutos da sociedade, conforme oportunamente declarado em sede de Assembleia Geral e declaração de voto lavrada em Acta.
lxxxv.-Sobre esta questão de aprovação da deliberação correspondente ao ponto cinco da ordem de trabalhos, apesar de o Recorrente ter requerido a sua anulação por violação dos Estatutos da sociedade, o tribunal à quo não se debruçou sobre a questão, concluindo apenas que:
lxxxvi.-“Quanto às demais deliberações, não se mostram preenchidos quaisquer pressupostos para a respetiva anulação”.
lxxxvii.-A prova produzida, neste particular com especial destaque para a prova documental, impunha ao tribunal uma decisão distinta daquela que se mostra vertida na sentença recorrida.
lxxxviii.-A proposta apresentada pela gerência foi no sentido da atribuição de poderes à gerente em funções, J.I.S.O.S., para representar a Sociedade na outorga da escritura e ou documento particular autenticado de aquisição do imóvel.
lxxxix.-O Recorrente solicitou que fosse indicada a proposta respeitante a este ponto da Ordem de Trabalhos, uma vez que a mesma não consta da convocatória e nem foi apresentada subsequentemente, sugerindo o Recorrente que a mesma deveria ser divida em dois pontos distintos, a saber:
1- Primeira proposta – a aquisição do imóvel ao Banco “A”.
2- Segunda proposta – atribuição de poderes à gerente J.S. para a realização da escritura.
xc.-Já no que respeita à segunda proposta (“atribuição de poderes à gerente J.S. para a realização da escritura”), deliberação que agora se impugna, o Recorrente votou contra.
xci.-O Recorrente referiu em AG que a intervenção isolada da gerente J.S. perante o Banco, caso ocorra, será ilegal, na medida em que viola os estatutos da sociedade, os quais exigem, para este acto, a intervenção conjunta de dois gerentes – cfr. Doc. nº 1 e 2, juntos com a P.I..
xcii.-A representação da sociedade por apenas um gerente é violadora do Artigo 4º, nº 2 dos Estatutos da sociedade, na medida em que esta apenas se obriga validamente com a intervenção de dois gerentes.
xciii.-Prevê o Artigo 4º, nº 2 dos Estatutos da Recorrida:
2.–A sociedade obriga-se com a intervenção de dois gerentes, salvo em actos de mero expediente e no sacar de cheques até ao montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), por acto, ou conjunto de actos, em que é suficiente a assinatura de um gerente.
xciv.-O nº 3, alínea f), do mesmo Artigo 4º dos Estatutos estabelece, ainda, que:
3.–Para que não existam dúvidas, desde já se estipula que, para efeitos do número anterior, não se entendem como actos de mero expediente, nomeadamente, nenhum dos seguintes actos:
f)-Celebrar, alterar ou cessar contratos materialmente relevantes que possam alterar significativamente o valor da sociedade;
xcv.-Por outro lado, também para a aprovação da presente deliberação os Estatutos da sociedade exigem uma maioria qualificada, nos exactos termos acima expostos.
xcvi.-Com efeito, o Artigo 7º, nº 1, alínea h) dos estatutos da Recorrida, estabelece o seguinte:
1.- Será necessária uma maioria qualificada de setenta e cinco por cento do capital social para aprovação de deliberações para as quais a lei exija maioria qualificada, salvo nos casos em que a maioria legal seja mais exigente que a prevista nestes estatutos, e ainda para aprovação das deliberações relativas a:
d)- Aquisição ou alienação de imóveis;
xcvii.-No caso concreto é, uma vez mais, manifestamente evidente, que não foi atingido o quórum deliberativo de 75%, exigidos pelos Estatutos da sociedade, uma vez que o Recorrente votou contra a proposta da gerência, a qual passava pela atribuição de amplos poderes à gerente da sociedade para celebrar a escritura tendente à aquisição do imóvel.
xcviii.-Isso mesmo considerou provado o tribunal a quo, sem que tenha, contudo, de tal facto retirado qualquer conclusão, conforme ponto 32 dos factos provados.
xcix.-Verifica-se uma clara violação dos Artigos 4º, nº 2 e 7º, nº 1, d) do Contrato de Sociedade, o que determina a anulabilidade da deliberação por violação da alínea a), do nº 1, do artigo 58º do CSC, a qual expressamente se mostra arguida.
c.-O Tribunal a quo não se debruçou sobre esta questão, não fazendo relativamente à mesma qualquer outra referência que não aquela que consta transcrita no artº 17º.
ci.-Desta forma, ocorre uma manifesta falta de fundamentação ou mesmo omissão de pronúncia, caso se entenda que a fundamentação é inexistente, ao invés de meramente insuficiente.
cii.-Desta forma, e perante a manifesta violação dos estatutos da sociedade Recorrida, a aprovação da deliberação correspondente ao Ponto Cinco da Ordem de trabalhos (atribuição de poderes à sócia J.S.) é ilegal por violação directa dos Estatutos da Sociedade.
ciii.-A sentença proferida, apesar da anulação da deliberação que nega a distribuição de lucros, apesar de favorável ao Recorrente, de nada lhe adianta.
civ.-O Recorrente fica exatamente na mesma posição em que se encontrava, uma vez que a mesma é insuscetível de ser executada, nada acrescentando à ordem jurídica e, em especial, à difícil situação económica do Recorrente.
cv.-Assim, requer-se, em cumprimento do artº 217º do CSC que seja determinada a distribuição de metade dos lucros distribuíveis dos exercícios de 2016, 2017 e 2018.

Nestes termos se requer a esse Venerando Tribunal que:
A)-Reaprecie a matéria de facto, mais concretamente, a matéria que foi dada como não provada nos pontos b) a f) da douta sentença, dando a mesma como provada;
B)-Altere a resposta dada ao ponto 13 da matéria julgada provada;
C)-Revogue a sentença recorrida, substituindo-a por acórdão que decrete a procedência total da acção.
Só assim se fará a costumada Justiça”.

8-A R. apresentou contra-alegações.

9-A R. também apresentou recurso da Sentença, apresentando as suas alegações com as conclusões (também extensas) que se seguem :
I.-Do supra exposto resulta que o presente recurso tem por finalidade: (i) a alteração da matéria de facto dada como provada, através da reapreciação da prova produzida e, (ii) a alteração da decisão de direito quanto à decisão de “a anulação da deliberação social tomada quanto ao ponto 2 da ordem de trabalhos da assembleia geral da sociedade comercial “L.M., Lda.”, realizada em 07/11/2019, a saber: “Relativamente ao exercício de 2016, que o resultado líquido do período de € 11.943,19, seja aplicado do seguinte modo: € 1.480,00 para a rubrica “Reservas Legais” e € 10.463,19 para a rubrica “Outras Reservas”; relativamente ao exercício de 2017, que o resultado líquido do período de € 32.809,30, seja integralmente aplicado na rubrica “Outras Reservas” e, relativamente ao exercício de 2018, que o resultado líquido do período de € 79.119,39, seja integralmente aplicado na rubrica “Outras Reservas””.
II.-Primus, entende a Recorrente que o Tribunal a quo não procedeu à realização conveniente do exame crítico da prova produzida, violando o nº 4 do artigo 607º do CPC.
III.-Efectivamente, entende a Recorrente que, apesar da prova produzida, quer documental, quer testemunhal, quer ainda através de declarações de parte, o Tribunal a quo não valorou o facto de o Recorrido, desde a data de constituição da Recorrente até à sua destituição enquanto gerente, ter sempre votado a favor da alocação dos resultados de exercício (positivos e negativos) a “Resultados Transitados”, a “Reservas Legais” e a “Reservas Livres”, nunca tendo proposto que os resultados positivos de exercício fossem distribuídos pelos sócios da Recorrente, nem sequer se tendo insurgido alguma vez quanto ao facto de nunca ter havido deliberação nesse sentido.
IV.-Com efeito, resulta das actas das Assembleias Gerais dos anos 2009 a 2016, inclusive, juntas com a Contestação como documentos 14, 16, 19, 20 a 24, inclusive, que:
a.- Documento 14 – acta da Assembleia Geral da Recorrente, ocorrida em 31.03.2009, para apreciação do exercício de 2008:
i.- O Recorrido estava presente na qualidade de sócio;
ii.- O Recorrido, em relação ao ponto 2 da Ordem de Trabalhos – Deliberação sobre a afectação dos resultados de exercício”, juntamente com os demais sócios, unanimemente, aprovou que o resultado tivesse a seguinte afectação: “Resultados Transitados --- 4.524,77€”.
b.- Documento 16 – acta da Assembleia Geral da Recorrente, ocorrida em 31.03.2010, para apreciação do exercício de 2009:
i.- O Recorrido estava presente na qualidade de sócio;
ii.- O Recorrido, em relação ao ponto 2 da Ordem de Trabalhos – “Deliberação sobre a afectação dos resultados de exercício”, juntamente com os demais sócios, unanimemente, aprovou que o resultado tivesse a seguinte afectação: “Resultados Transitados -- 30.393,20 €”.
c.- Documento 19 – acta da Assembleia Geral da Recorrente, ocorrida em 31.03.2011, para apreciação do exercício de 2010:
i.- O Recorrido estava presente na qualidade de sócio;
ii.- O Recorrido, em relação ao ponto 2 da Ordem de Trabalhos – “Deliberação sobre a afectação dos resultados de exercício”, juntamente com os demais sócios, unanimemente, aprovou que o resultado tivesse a seguinte afectação:
“Resultados Transitados ----------- 34.917,97 € -------”
“Reservas Legais ------------ 1.020,00 € --------”
“Reservas Livres ---------- 13.351,70 € -------”
d.-Documento 20 – acta da Assembleia Geral da Recorrente, ocorrida em 31.03.2012, para apreciação do exercício de 2011:
i-. O Recorrido estava presente na qualidade de sócio;
ii.- O Recorrido, em relação ao ponto 2 da Ordem de Trabalhos – “Deliberação sobre a afectação dos resultados de exercício”, juntamente com os demais sócios, unanimemente, aprovou que o resultado tivesse a seguinte afectação:
“Resultados Transitados ----------- 9.277,05 € --------”
“Reservas Livres ---------- 14.371,70 € -------”
e.-Documento 21 – acta da Assembleia Geral da Recorrente, ocorrida em 29.03.2013, para apreciação do exercício de 2012:
i.- O Recorrido estava presente na qualidade de sócio;
ii.- O Recorrido, em relação ao ponto 2 da Ordem de Trabalhos – “Deliberação sobre a afectação dos resultados de exercício”, juntamente com os demais sócios, unanimemente, aprovou que o resultado tivesse a seguinte afectação:
“Resultados Transitados ----------- 4.367,15 € --------”
f.- Documento 22 – acta da Assembleia Geral da Recorrente, ocorrida em 31.03.2014, para apreciação do exercício de 2013:
i.- O Recorrido estava presente na qualidade de sócio;
ii.- O Recorrido, em relação ao ponto 2 da Ordem de Trabalhos – “Deliberação sobre a afectação dos resultados de exercício”, juntamente com os demais sócios, unanimemente, aprovou que o resultado tivesse a seguinte afectação:
“Resultados Transitados ----------- 832,83 € --------”
g.- Documento 23 – acta da Assembleia Geral da Recorrente, ocorrida em 31.03.2015, para apreciação do exercício de 2014:
i.- O Recorrido estava presente na qualidade de sócio;
ii.- O Recorrido, em relação ao ponto 2 da Ordem de Trabalhos – “Deliberação sobre a afectação dos resultados de exercício”, juntamente com os demais sócios, unanimemente, aprovou que o resultado tivesse a seguinte afectação:
“Resultados Transitados ----------- 5.650,63 € --------”
h.- Documento 24 – acta da Assembleia Geral da Recorrente, ocorrida em 31.03.2016, para apreciação do exercício de 2015:
i.- O Recorrido estava presente na qualidade de sócio;
ii.- O Recorrido, em relação ao ponto 2 da Ordem de Trabalhos – “Deliberação sobre a afectação dos resultados de exercício”, juntamente com os demais sócios, unanimemente, aprovou que o resultado tivesse a seguinte afectação:
“Resultados Transitados ----------- 10.439,55 € --------”
V.– Por sua vez, a testemunha M.B., sócio da Recorrente, que esteve presente em todas as Assembleias Gerais, depôs o seguinte (ficheiro áudio nº 202009120451_4294580_2871299): (…)
VI.– Já a legal representante da Recorrente, esclareceu o Tribunal a quo sobre o assunto da não distribuição de dividendos, da seguinte forma: (…)
VII.– Com o devido respeito, é entendimento da Recorrente que o Tribunal a quo não procedeu à análise crítica da prova produzida e, não o tendo feito, incorreu o Tribunal a quo num erro de pressuposto de facto.
VIII.– Assim, analisada a prova relevante o Tribunal a quo na decisão da matéria de facto provada, deveria ter incluído a realidade fáctica de que o Recorrido, entre 2009 e 2016, nunca propôs a distribuição de dividendos ou se insurgiu contra a forma como os resultados eram aplicados.
IX.– A decisão da matéria de facto deveria corresponder ao que na realidade existe e ficou demonstrado.
X.– Deveria, assim, o Tribunal a quo ter proferido decisão de matéria de facto que contemplasse todos os factos provados.
XI.– Inclusivamente, tendo a Recorrente alegado este facto, o qual é essencial, para a boa decisão da causa, em conformidade com o preceituado nos termos do artigo 5º do CPC e em obediência ao Princípio do Dispositivo, deveria o Tribunal a quo, atento o disposto no artigo 413º do CPC, ter atendido a todas as provas produzidas.
XII.– Ora, a decisão deste facto como provado influi na decisão de Direito, mormente quando o Tribunal a quo decide que a deliberação de não distribuição de dividendos, aprovada por 66,7% do capital social (logo maioria qualificada dos votos) é uma deliberação abusiva.
XIII.–Nada mais falacioso! Abusiva é a própria decisão do Tribunal a quo, que, sobrepondo-se à vontade da maioria dos sócios, aos Estatutos e à própria Lei, pugna pela defesa de um interesse pessoal do Recorrido, caracterizado pela mesquinhez e vingança, ao invés do interesse superior que é o interesse social.
XIV.–Ademais, o Tribunal a quo olvida na sua decisão que há suprimentos que devem ser pagos, os quais foram dados como provados na matéria de facto provada nº 33.
XV.–Destarte, a livre apreciação da prova não se confunde com uma análise superficial ou arbitrária da prova nem das circunstâncias. Deve o julgador vincular-se à sua experiência e à lei para apreciar a prova e decidir sobre os factos que considera provados e sobre os quais incidirá a sua decisão de direito.
XVI.–Ergo, admitida a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, e alicerçada no princípio da livre valoração da prova e no recurso aos meios probatórios que aqui se indicam, entende a Recorrente que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa dispõe dos meios suficientes para alterar aquela decisão.
XVII.–Efectivamente, “Uma das funções mais nobres dos Tribunais da Relação consiste na reapreciação da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto, quando impugnada, em sede de recurso, porquanto, afinal, é da fixação dessa matéria que depende a aplicação do direito determinante do mérito da causa e do resultado da acção. (…) Importa é que a decisão da matéria de facto traduza o resultado dessa apreciação crítica e analítica dos meios de prova, essencialmente daqueles que estão sujeitos à livre apreciação do Tribunal. (…) o legislador consagrou o dever de analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos decisivos para a convicção adquirida pelo julgador sobre a prova ou inexistência de prova dos factos (arts. 655º, nº 1 e 653º, nº 2). (…) Quer isto dizer que, nessa reapreciação da prova feita pela 2ª instância, não se procura obter uma nova convicção a todo o custo, mas verificar se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável, atendendo aos elementos que constam dos autos…” (Sra. Dra. Ana Luísa Passos Martins da Silva Geraldes, Juíza Desembargadora no Tribunal da Relação de Lisboa, em “Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto”, inserido na “Obra realizada em Homenagem ao Professor Lebre de Freitas”, Lisboa, Agosto de 2012).
XVIII.–Por conseguinte, considera a Recorrente que devem constar do elenco dos factos considerados provados, os seguintes factos:
-“O Autor votou sempre, ao lado dos demais sócios, pela alocação dos resultados – positivos e negativos – para “Resultados Transitados”, “Reservas Legais” e/ou “Reservas Livres”.
-“Foi sempre prática reiterada na Ré não haver distribuição de lucros”.
XIX.–Secundus, o notório erro de julgamento e a má apreciação da prova produzida, conduziram a uma fundamentação frágil, parca e sem lógica da decisão proferida.
XX.–Com efeito, não se compreende como é que o Tribunal a quo desconsiderando os factos provados em 32, 33 e 39, designadamente sobre: i) a maioria qualificada, determinada estatutariamente, para se deliberar a distribuição de dividendos; ii) a existência de suprimentos, ainda por reembolsar aos sócios; e iii) a não existência de quaisquer rendimentos distribuíveis, decide qualificar a votação da maioria do capital social como “abusiva”, sendo evidente a ausência de qualquer prova, que suporte esta conclusão.
XXI.–Ademais, o Tribunal a quo não explica por que motivo faz prevalecer sobre normas estatutárias e, sobre a vontade da maioria dos sócios, que em conjunto detêm 66,7% do capital social da Recorrente, a sua decisão de anular a deliberação.
XXII.–Mais, o Tribunal a quo não explica como é que, dando como provada a existência de suprimentos num valor global de € 907.500,00 (novecentos e sete mil e quinhentos Euros) (vd. facto 33 da matéria de facto provado), decide invalidar uma deliberação que permite o aforro necessário da Recorrente para fazer face a valores em dívida, e decidindo pela distribuição lucros (que nem sequer existem!).
XXIII.–O Tribunal a quo não explica como podem existir lucros susceptíveis de serem distribuídos, quando a Recorrente não tem liquidez, como ficou provado e tem dívidas por liquidar aos seus sócios.
XXIV.–Mais, o Tribunal a quo não explica porque não atendeu aos interesses da Recorrente designadamente os interesses em liquidar as dívidas, em primeiro lugar, em estrita obediência ao legalmente previsto, designadamente nos artigos 32º e 33º do CSC.
XXV.–Impõe o artigo 154º, do CPC que: “1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. 2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição (…)”.
XXVI.–Esta disposição consagra a previsão constitucional ínsita no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
XXVII.–O que tem respaldo na jurisprudência “A obrigação de fundamentação das decisões judiciais tem a função de permitir o controlo interno (partes e instâncias de recurso) do modo como o juiz exerceu os seus poderes. A fundamentação visa ainda expor os motivos determinantes da decisão para a opinião pública; o juiz deve demonstrar a consistência dos vários aspectos da decisão, que vão desde a determinação da verdade dos factos na base das provas, até à correcta interpretação e aplicação da norma que se assume como critério do juízo. Pela fundamentação demonstra-se que a decisão foi tomada nos seus aspectos de facto e de direito, de maneira racional e imparcial.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.02.2014, proc. 496/09.5TBPNI.L1-8).
XXVIII.–Assim “O juiz, ao decidir, tem de “explicar” porque decide naquele sentido, indicando os factos e os dispositivos legais ou princípios jurídicos em que baseia a sua decisão, ou seja, explicar o “porquê”, factual e legal, daquela decisão, ainda que o possa fazer em termos mais sucintos em face da natureza da decisão em causa (…).” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de12.01.2016, proc. 9353/12.7 TBCSC-B.L1-7)
XXIX.–Sendo que, “O dever de fundamentação existe para que seja claro e inequívoco o percurso lógico seguido pelo Juiz do processo para chegar à conclusão contida no decreto judicial que dirime (elimina) o litígio submetido ao seu julgamento e para que possa ser verdadeiramente sindicado se foram ou não cumpridas as regras muito claras que guiam e às quais deve obedecer a livre e prudente apreciação da prova produzida nos autos definidas no ritual processual legalmente estabelecido (due process of law)” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24.01.2017, proc. 644/10.2 VXLSB.L1-1).
XXX.–Ergo, é notório que, o Tribunal a quo proferiu sentença que merece a censura do Tribunal Superior pela frágil fundamentação para suportar uma decisão que, ademais, não se coaduna com o Direito aplicável.
XXXI.–O Tribunal a quo é omisso na apreciação dos factos e das normas legais e, bem assim, na falta de esclarecimento acerca de não fazer prevalecer o interesse da sociedade sobre o interesse particular de um dos sócios e porque desconsiderou a aplicação da norma estatutária da Recorrente, aprovada e resultante da vontade unânime de todos os sócios e vertida no respectivo pacto social, que impõe uma maioria qualificada para a aprovação da deliberação da distribuição de dividendos.
XXXII.– Portanto, salvo melhor entendimento, a sentença de que se recorre é violadora dos artigos 205º da Constituição da República Portuguesa e 154º do CPC, e, por conseguinte, merece censura.
XXXIII.– Tercius, é incompreensível, também, a aplicação do Direito que é feita pelo Tribunal a quo, pois que, também neste considerando e na parte a que se circunscreve o presente recurso, merece censura a Sentença de que se recorre.
XXXIV.– O Tribunal a quo decidiu sem cuidar saber: (i) se existia lucro distribuível na Recorrente; (ii) qual era a vontade da maioria dos sócios da Recorrente; (iii) qual o interesse social da Recorrente; (iv) da Lei e dos Estatutos.
XXXV.– Ao apreciar-se a Sentença de que se recorre, coloca-se desde logo a questão de saber se o Tribunal a quo teve presente os vários conceitos jurídico-contabilísticos que envolvem a decisão de distribuir lucros.
XXXVI.– Efectivamente, uma coisa é “resultado positivo de exercício”, outra coisa é “lucro distribuível”. Tratam-se, com efeito, de realidades distintas.
XXXVII.– O Tribunal a quo deveria ter feito o exercício de definição de lucro distribuível e distingui-lo de outros tipos de lucro. Assim:
a.- Lucro de balanço (lb): valor positivo equivalente à diferença entre o valor do património social líquido (ps) e, por outro lado, o valor conjunto do capital social (cs) e das reservas indisponíveis (r) (legais e estatutárias) (lb = ps − (cs + r))
b.- Lucro de exercício (le): valor positivo que decorre da diferença entre o património social líquido no final do exercício (psf) e o património social líquido no início (psi) do mesmo período (le = psf – psi)
c.- Lucro distribuível (ld): parcela do lucro obtido no exercício que não é necessário para cobrir prejuízos (p) transitados nem para formar ou reconstruir reservas (r) impostas por lei (ld = le –(p+r)).
XXXVIII.– Mais deveria saber o Tribunal a quo que é do lucro de exercício que se vai “extrair” o valor para a constituição da reserva legal (cf. art. 218º CSC) e de reservas estatutárias (cf. art. 33º/1 CSC).
XXXIX.– Mais, ficou bem demonstrado que a Recorrente, apesar de apresentar um resultado positivo de exercício não dispunha de liquidez, logo, não podia distribuir eventuais lucros, como bem vincou a testemunha Dra. A.C.D.S., contabilista certificada da Recorrente (ficheiro de áudio nº 20200916144410_4294580_2871299): (…)
XL.– Reforça-se também que o próprio Tribunal a quo deu como provada a existência de suprimentos no valor global de € 907.500,00 (novecentos e sete mil e quinhentos Euros), logo, como pode considerar que existe lucro, quando o resultado positivo de exercício no ano de 2016 correspondeu a € 11.943,19 (onze mil novecentos e quarenta e três Euros e dezanove cêntimos), em 2017 a € 32.809,30 (trinta e dois mil oitocentos e nove Euros e trinta cêntimos) e em 2018 a € 79.119,39 (setenta e nove mil cento e dezanove Euros e trinta e nove cêntimos), ou seja, num total, em três exercícios, o resultado positivo líquido foi de € 123.871,88 (cento e vinte e três mil oitocentos e setenta e um Euros e oitenta e oito cêntimos), valor que nem sequer daria para reembolsar o valor dos suprimentos do Recorrido, quanto mais o valor global (?!).
XLI.–O Tribunal a quo bastou-se com um direito abstracto ao lucro para decidir que ao Recorrido deveria ser distribuído lucro, mas faltou-lhe o aprofundar, técnico e jurídico, das questões inerentes à definição de lucro distribuível, algo que se lhe impunha, como aplicador da Lei e decisor.
XLII.–Também o Tribunal a quo desvalorizou as regras do ónus da prova porquanto o Recorrido, apesar de ter alegado a existência de dividendos e a capacidade da Recorrente para os distribuir, não os provou como seria sua responsabilidade.
XLIII.–Mais, o Tribunal a quo desconsiderou – daí a impugnação da matéria de facto – que o Recorrido sempre votou no sentido favorável à aprovação das propostas de alocação de resultados para resultados transitados e/ou constituição de reservas legais e/ou constituição de reservas livres, nunca propondo a distribuição de dividendos.
XLIV.– É surpreendente que o Tribunal a quo venha decidir que é violadora da Lei, uma deliberação que aprova uma proposta de contornos semelhantes àquelas que, desde sempre, foram aprovadas por todos os sócios da Recorrente, incluindo Recorrido, desde a data da sua constituição.
XLV.–Como é do conhecimento do Tribunal a quo, como aliás resulta do facto provado nº 41, entre Recorrido e sócios da Recorrente há um intenso litígio.
XLVI.–Ora, se antes dos desentendimentos entre sócios, o Recorrido entendia que a Recorrente não deveria distribuir lucros (cf. documentos juntos com a Contestação, prova testemunhal e declarações de parte aqui reproduzidos), após o início daqueles desentendimentos, o Recorrido passou a pugnar pela posição contrária, apesar de consciente de que a Recorrente não tem (como nunca teve) capacidade de distribuir dividendos.
XLVII.–O Recorrido passou a usar o seu sentido de voto para prosseguir um interesse próprio, com o propósito de prejudicar a Recorrente e/ou os demais sócios – ergo, abusando do seu voto (não só quanto à aprovação de contas e respectiva aplicação de resultados mas também noutras matérias de gestão e interesse societário).
XLVIII.–E, ainda que o art. 217º do CSC atribua aos sócios das sociedades por quotas o direito à distribuição de, pelo menos, metade do lucro de exercício distribuível, não quer dizer que deva sempre haver distribuição de lucro pois que, primeiramente, há que destinar o eventual lucro apurado a prejuízos transitados, à formação de reservas legais e estatutárias, à cobertura de despesas de investimento e de desenvolvimento não amortizadas e que não estejam cobertas por outros valores do activo (cf. artigo 33º n.ºs 1 e 2 do CSC).
XLIX.–O direito dos sócios ao lucro, que, como referido pelo Tribunal a quo, está consagrado no art. 21º/1/a) do CSC, não é um direito absoluto nem natural e só existirá quando o lucro for distribuível, pois que, uma coisa é a existência de um direito geral e abstracto, e outra, totalmente distinta, é o conteúdo concreto de tal direito, ou que o mesmo se possa concretizar ou vir a ser exercido.
L.–Assim, “(…) podemos extrair do regime dos artºs 33º e 217º, nº 1 do CSC que o direito dos sócios aos lucros não é absoluto e pode ceder perante o interesse da sociedade, que se pode sobrepor ao interesse individual de cada sócio, caso existam razões que o justifique. Ora, tendo a Ré, na contestação, alegado factos que integram as razões que justificaram a deliberação de constituir reservas com o resultado líquido do exercício de 2014 (e, consequentemente, a não distribuir os lucros aos sócios), razões essas que também constam do relatório de gestão junto aos autos, submetido a votação e aprovado por deliberação da dita Assembleia Geral de 26/05/2015 (ponto um da ordem de trabalhos), deverão os mesmos, a nosso ver, ser objecto de discussão e de produção de prova” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10.05.2018, proc. Nº 5396/15.7 T8VNF.G2).
LI.–No mesmo sentido “O direito dos quotistas à distribuição de pelo menos metade do lucro de exercício distribuível não é um direito absoluto. Ele pode ser afastado pelos sócios, mediante uma de duas formas:
a)- Através de uma cláusula do pacto, que estabeleça regime diversos do previsto no art. 217º;
ou
b)- Na ausência de cláusula contratual que disponha de modo diversos, através de uma deliberação aprovada por uma maioria qualificada de ¾ dos votos correspondentes ao capital social.
Com este regime, pretendeu a lei alcançar uma solução de compromisso entre, por um lado, a vontade do(s) sócio(s) maioritários que, as mais das vezes, desde logo por estarem associados à gestão da empresa societária, pretenderão não distribuir lucros, e, por outro lado, o interesse do(s) sócio(s) minoritário(s) que, por via de regra, desejarão a maior distribuição possível do lucro” (Professor Paulo de Tarso Domingues, in “Código das Sociedades Comerciais em Comentário – Volume III”, coordenação de Coutinho de Abreu, Almedina, 2011, pág. 333).
LII.–Por conseguinte, ao contrário do pugnado pelo Tribunal a quo, não há um direito natural, nem absoluto do sócio ao dividendo, pois que se não houver lucro distribuível, não há distribuição de dividendos. Mas, mesmo que se apure a existência de lucro, a sua distribuição depende sempre de deliberação dos sócios, aprovada nos termos da Lei e/ou dos respectivos Estatutos.
LIII.–Perante o exposto acima, qualquer distribuição de dividendos que viesse a ser feita nos termos que o Recorrido defende e que o Tribunal a quo validou, viola a Lei (artigos 32º, 33º e 217º do CSC), mas também os próprios Estatutos da Recorrente (Cláusula 7ª), e, bem assim, a vontade da maioria do capital social da Recorrente, além de consubstanciar, igualmente, uma má decisão de gestão, por conduzir à descapitalização da Recorrente.
LIV.–Mal andou, portanto, a Sentença de que se recorre, no que ao entendimento ao “direito ao lucro” defendeu, merecendo censura superior.
LV.–Igualmente, mal andou a Sentença de que se recorre ao decidir que a deliberação é inválida com base num suposto voto abusivo dos sócios maioritários, sobrepondo-se à vontade da maioria dos sócios, que detêm 66,7% do capital social da Recorrente, e não justificando em que medida a sua decisão protege o interesse social da Recorrente.
LVI.–É incompreensível para a Recorrente que o Tribunal a quo defenda que a decisão dos restantes sócios de alocar o resultado do exercício a Reservas da Recorrente é apropriada “para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes” – cf. artigo 58º, nº 1, alínea b), do CSC. O Tribunal a quo não fundamenta este entendimento, limitando-se a exprimir uma opinião subjectiva, sem base legal ou sequer com respaldo na verdade dos factos.
LVII.–Torna-se incompreensível a defesa feita pelo Tribunal a quo de que há um voto abusivo da maioria, quando os sócios J.S. e M.B., que compõem essa mesma maioria, votaram também contrariamente aos seus interesses individuais, tendo votado, aliás, em consonância com a prática reiterada dos sócios da Recorrente, incluindo o Recorrido.
LVIII.–Aduz-se que utilizar o resultado positivo do exercício para reforçar as reservas da Recorrente é uma decisão que prossegue, em primeira linha e no curto prazo, o interesse da sociedade.
LIX.–Olvida o Tribunal a quo que as regras gerais do direito aos lucros, no caso, a prevista no artigo 217º do CSC, têm natureza meramente supletiva, o que resulta, aliás, de forma absolutamente cristalina, da própria redacção e da estrutura da mesma, algo, que, inclusivamente, é, actualmente, pacífico, na doutrina e na jurisprudência.
LX.–Como também é pacífico na jurisprudência, que a proposta de aplicação de resultados deve ser aprovada à luz do interesse social, “de acordo com uma administração prudente e de molde a fazer face às sempre variáveis circunstâncias da conjuntura económica” (cf., a título de exemplo, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido a 10.05.2018, e acima referido).
LXI.–Assim, a deliberação dos sócios e aprovação por maioria de 66,7% do capital social, das propostas de aplicação de resultados, foi aprovada à luz do interesse social e cabe na derrogação estatutária prevista no artigo 7º, nº 1, alínea h) dos Estatutos da Recorrente.
LXII.–Ademais, na Sentença recorrida, o próprio Tribunal a quo refere que “E quanto à distribuição dos lucros/dividendos obrigam os estatutos a uma votação qualificada de 75%” (último parágrafo da página 24).
LXIII.–Assim sendo, se uma deliberação de distribuição de dividendos para ser aprovada em Assembleia Geral, carece sempre de aprovação por uma maioria qualificada de 75% do capital social, é evidente que, in casu, tal maioria não se alcançou nem se alcançará com o voto isolado do Recorrido.
LXIV.–Pelo que, é indubitável que a deliberação de aplicação dos resultados de exercício para a constituição de reservas legais e de outras reservas, foi validamente aprovada por deliberação tomada por maioria dos votos emitidos, em estrita observância dos termos estatutários e legais.
LXV.–Não demonstra o Tribunal a quo que da deliberação colocada em crise tenha resultado qualquer vantagem especial, quer para os sócios, que a votaram favoravelmente, quer para terceiros.
LXVI.–Ora, o enunciado do normativo ínsito no art. 58º, n.º 1 al. b) do CSC, exige que, para que uma deliberação seja anulável, a mesma deve encerrar em si, um propósito, doloso, de um ou mais sócios.
LXVII.–Incumbia ao Recorrido o ónus de provar que a deliberação foi abusiva e que decorre de um comportamento doloso da parte dos sócios maioritários. Sucede, todavia, que o mesmo não logrou fazer essa prova, nem consta do elenco dos factos provados qualquer vislumbre de ter sido dado como provado qualquer comportamento dos sócios maioritários nesse sentido.
LXVIII.–“São os seguintes os requisitos que se têm de verificar para que se considere a deliberação abusiva:
-Pressuposto objectivo da deliberação, ou seja, deverá verificar-se, objectivamente, que o benefício desejado pelo sócio acarretou prejuízo para a sociedade ou para os restantes sócios, isto é, adequação da deliberação para provocar uma situação de vantagem para os sócios em causa ou para terceiro, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios, ou uma situação de simples prejuízo para a sociedade sem que se obtenham vantagens especiais.
-Pressuposto subjectivo da deliberação que assenta na intenção do sócio em determinar através do seu voto, um prejuízo para a sociedade ou para os restantes sócios, isto é, o propósito do sócio de conseguir vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios, ou simplesmente de prejudicar a sociedade, exigindo-se assim o dolo, ainda que revestido na modalidade de dolo eventual.
“Resulta do exposto, que o impugnante, na acção de anulabilidade de uma deliberação abusiva terá de fazer prova que essa deliberação é apropriada para satisfazer o propósito ilícito de um ou mais sócios, dela derivando prejuízo para a sociedade ou para os sócios” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11.12.2019, proc. nº 10587/16.0 T8LSB.L1).
LXIX.–E ainda, “Para se verificar se uma deliberação é abusiva ou não, importa averiguar o voto, em si mesmo e não o conteúdo da própria deliberação, pois a norma em causa reporta-se essencialmente ao exercício do direito de voto, abrangendo assim as deliberações sociais que sejam tomadas mediante votos abusivos e que, objectiva ou subjectivamente impliquem vantagens especiais para o próprio (geralmente patrimoniais, mas também poderão ser vantagens na posição jurídico-corporativa), em prejuízo da sociedade ou de terceiros ou tenham em vista prejudicar a sociedade ou outros sócios. (…) Resulta do exposto, que o impugnante, na acção de anulabilidade de uma deliberação abusiva terá de fazer prova que essa deliberação é apropriada para satisfazer o propósito ilícito de um sócio e/ou sócios, dela derivando prejuízo para a sociedade e/ou para os sócios.” (Acórdão da Relação de Lisboa de 02.11.2017, proc. nº 3731/13.1 TBFUN.L1-2).
LXX.–O facto de numa sociedade se formarem maiorias não é sinónimo de abuso de posição de domínio.
LXXI.–Não há prova nos autos de qualquer comportamento abusivo da parte dos sócios maioritários.
LXXII.–Igualmente, não há prova nos autos de que a decisão desses sócios de alocar os resultados positivos a Reservas da Recorrente se destinasse a “satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes”.
LXXIII.–Ao invés, há prova inequívoca que, após se iniciarem os desentendimentos entre os sócios em 2017, o Recorrido foi o único que modificou o seu sentido de voto sobre a matéria de distribuição de dividendos (cf. as actas das assembleias gerais da Recorrente, juntas como documentos n.ºs 14, 16, 19, 20, 21, 22, 23 e 24 da Contestação).
LXXIV.–Estas mesmas actas demonstram e provam sem margem de dúvidas que, desde a constituição da Recorrente, todos os sócios da Recorrente têm votado sempre da mesma forma e não mudaram em nada o seu comportamento depois dos litígios com o Recorrido.
LXXV.–A existir alguma deliberação abusiva, é a preconizada pelo Recorrido, que sacrifica o interesse social e os interesses da maioria dos sócios e do capital social, apenas para seu benefício individual.
LXXVI.–O abuso de direito deve ser visto como uma válvula de segurança, mas o recurso que à sua invocação se fez, quer pelo Recorrido quer pelo Tribunal a quo, permite concluir que a concreta invocação constitui, em si mesma, um verdadeiro abuso, juridicamente inadmissível.
LXXVII.–A decisão de proceder à distribuição de eventuais lucros é, sim, ela própria uma decisão abusiva contra a maioria do capital social da Recorrente.
LXXVIII.–O Tribunal a quo ignorou a vontade dos sócios da Recorrente, que corresponde à maioria, representando 66,7% do capital social, que votou favoravelmente as propostas apresentadas pela Gerência da Recorrente.
LXXIX.–Por outro lado, o Tribunal a quo ignorou as normas estatutárias, válidas, com plena eficácia e que, inclusivamente, foram aprovadas pela unanimidade dos sócios, incluindo o próprio Recorrido.
LXXX.–Por conseguinte, se a distribuição de dividendos exige uma deliberação tomada por maioria qualificada de 75% do capital social, não se compreende a decisão do Tribunal a quo.
LXXXI.–A eventual admissão e aceitação da proposta de distribuição de dividendos peticionada pelo Recorrido, conduziria a uma deliberação nula por força dos artigos 69º, nº 3 e 217º do CSC, que impõem o cumprimento dos preceitos legais relativos à constituição e reforço das reservas legais.
LXXXII.–Aduz-se, ainda, que o Tribunal a quo decidiu sem atender ao critério de um bom gestor, cingindo-se a proteger a posição de apenas um sócio.
LXXXIII.–O Tribunal a quo olvidou que o que estava em causa era o interesse social da Recorrente e não os interesses egoístas dos seus sócios (cf. artigo 64º, nº 1 do CSC). O Tribunal a quo ignorou o primado do interesse da sociedade.
LXXXIV.– Ergo, o Tribunal a quo nas suas decisões violou assim os seguintes normativos legais:
a.- Artigo 5º, por violação do ónus de alegação e de impugnação da Recorrente;
b.- Artigo 413º do CPC por não ter atendido a todas as provas produzidas;
c.- Artigo 607º, nº 4 do CPC por falta de exame crítico da prova produzida;
d.- Artigo 607º, n.º 5 do CPC por não ter aplicado uma prudente convicção na apreciação da prova;
e.- Artigos 341º, 342º, 346º, 358º, 361º 376º do Código Civil por violação das regras respeitantes ao ónus da prova e à produção de prova plena;
f.- Artigos 32º, 33º, 64º e 217º do CSC e Cláusula 7ª dos Estatutos da Recorrente, por violação das regras respeitante à distribuição de dividendos.
LXXXV.–Portanto, mal andou a Sentença recorrida merecendo a censura do Tribunal Superior pela fragilidade da sua fundamentação fáctica e jurídica, devendo ser revogada e substituída por decisão que considere como válida, por legal, a deliberação de aprovação das propostas da Gerência da Recorrente, submetidas à apreciação dos sócios, e ínsitas no ponto 2 da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral.
Termos em que, com a devida vénia e o douto suprimento de V. Exas., por estar em tempo, ser admissível e ter legitimidade, deve o presente recurso ser apreciado e, em consequência, deve proceder-se à reapreciação da matéria de facto e de Direito e, consequentemente, deve a Sentença de que se recorre, na parte respectiva, ser revogada, proferindo-se Acórdão que declare válida a deliberação tomada em relação ao Ponto dois da Ordem de Trabalhos que aprova as propostas apresentadas pela gerência sobre a aplicação do resultado positivo dos exercícios de 2016, 2017 E 2018.
Com o que se fará Justiça”.

10–O A. apresentou contra-alegações.

*  *  *

II–Fundamentação

a)-A matéria de facto considerada provada na 1ª instância foi a seguinte :
1-A R. é uma sociedade por quotas regularmente constituída, que tem por objeto o comércio por grosso e a retalho de produtos de higiene, cosméticos, para tratamento capilar e demais produtos similares para tratamento e beleza, bem como mercadorias e outros materiais, móveis, equipamentos e outros bens, para atividades e indústrias diversas, distribuição, importação e exportação, prestação de serviços administrativos, logísticos, de contabilidade e demais assessoria a empresas, e ainda, gestão de imóveis próprios, compra e revenda dos adquiridos para esse fim.
2-São sócios da R., para além do A., J.I.S.O.S. e M.B..
3-O A. é pai da sócia gerente J.S..
4-O A. foi sócio e gerente (de direito e de facto) da R., de forma ininterrupta desde 29/1/2008 até 31/7/2017.
5-A R. tem o capital social de 5.100 €, repartido por três quotas, nos seguintes termos :
-Uma quota no valor nominal de 1.500 €, da titularidade da sócia J.I.S.O.S.;
-Uma quota no valor nominal de 1.900 €, da titularidade do sócio M.B.;
-Uma quota no valor nominal de 1.700 €, da titularidade do A..
6-A referida divisão de capital social era distinta, até ao dia 2/10/2019, mostrando-se, até àquela data o capital dividido da seguinte forma :
-Uma quota no valor nominal de 1.700 €, da titularidade da sócia J.I.S.O.S.;
-Uma quota no valor nominal de 1.700 €, da titularidade do sócio M.B.;
-Uma quota no valor nominal de 1.700 €, da titularidade do A..
7-Tal “status quo”, relativo à divisão de capital, apenas se alterou em vésperas da Assembleia Geral ora em discussão, tendo a sócia gerente J.S. vendido, pelo valor nominal, ao sócio M.B., uma quota no valor de 200 €.
8-A sócia J.I.S.O.S., para além desta qualidade, é igualmente gerente da sociedade R..
9-Por carta de 4/10/2019, foi o A. convocado para estar presente na Assembleia Geral Ordinária da sociedade R., a realizar-se no dia 22/10/2019, na sede social da sociedade, nos seguintes termos :
“Cascais, 4 de Outubro de 2019
Registada c/AR
Assunto: Convocatória da Assembleia Geral Ordinária da sociedade L.M., Lda.
Ex.mo Senhor
Na qualidade de Gerente da L.M., Lda., com sede na Avª. .... ...., Quinta ....., Lote ..., A____, pessoa coletiva nº 5........, com o capital social de €5.100,00 (cinco mil e cem euros), cujos documentos se encontram depositados na Conservatória do Registo Comercial de Cascais (a “Sociedade”) venho, nos termos estatutários e legais, convocar os Sócios da Sociedade para se reunirem em Assembleia Geral Ordinária, na sua referida sede social, no próximo dia 22 de Outubro de 2019. pelas 15 horas, com a seguinte Ordem de Trabalhos:
Ponto Um: Deliberar sobre o Relatório de Gestão e as Contas da Sociedade relativos aos exercícios findos em 31 de Dezembro de 2016, 31 de Dezembro de 2017 e 31 de Dezembro de 2018.
Ponto Dois: Deliberar sobre a proposto de aplicação de resultados apresentada pela Gerência da Sociedade relativamente aos exercícios findos em 31 de Dezembro de 2016, 31 de Dezembro de 2017 e 31 de Dezembro de 2018.
Ponto Três: Proceder à apreciação geral da gestão da Sociedade relativamente aos exercícios findos em 31 de Dezembro de 2016, 31 de Dezembro de 2017 e 31 de Dezembro de 2018.
Ponto Quatro: Discutir e deliberar sobre a eleição de novo gerente da Sociedade.
Ponto Cinco: Discutir e deliberar sobre o contrato de locação financeira imobiliária relativo ao imóvel correspondente à fração autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao 1º andar, com entrada pelo número ...-B, do prédio urbano sito na Rua ..... ....., n.º ..., ...-A e ...-B, em L_____.
Os relatórios de gestão e os documentos de prestação de contas, serão facultados a consulta dos Sócios, na sede da Sociedade, mediante prévio agendamento durante a hora de expediente, a partir da data de expedição da presente convocatória.
Com os melhores cumprimentos,
A Gerente,
J.I.S.O.S.”.

10-Mediante carta datada de 10/10/2019 o A. requereu a intervenção de Notário na AG designada para 22 de Outubro seguinte.
11-Em 10/10/2019, o A. enviou à Gerência da R. missiva a solicitar o envio, para o seu endereço eletrónico, de toda a informação preparatória da referida Assembleia.
12-Na mesma missiva o A. informou a gerência da R. que, pelas 14 horas e 30 minutos do dia 15/10/2019 deslocar-se-ia à sede social para consultar os documentos contabilísticos referentes aos anos de 2016, 2017 e 2018, referidos na ordem de trabalhos da Assembleia Geral, nomeadamente os relatórios de gestão, extractos bancários, e contratos.
13-Em 15/10/2019, o A., acompanhado do Dr. J.B., contabilista certificado, deslocou-se à sede da R. para consultar informação essencial para a Assembleia Geral a realizar no dia 22/10/2019, tendo sido disponibilizada uma pasta com documentação para consulta contendo os relatórios de gestão e contas, os IES e uma comunicação de cessão de quotas.
14-Foi enviada pelo A. à Gerência da R. nova missiva, datada de 16/10/2019, a reiterar o pedido de disponibilização, por qualquer forma, da totalidade da informação preparatória da referida Assembleia Geral.
15-A Gerência da R. respondeu em 17/10/2019 que, não se tratando de sociedade anónima, não era exigível o fornecimento da informação preparatória solicitada, tendo sido colocada à disposição a informação prevista no artº 263º nº 1, do Código das Sociedades Comerciais.
16-A Assembleia Geral em causa teve início do dia 22/10/2019, tendo sido interrompida por acordo dos sócios, sendo retomada e concluída no dia 7/11/2019.
17-Com efeito, o A. suscitou naquela ocasião que todas as páginas relativas aos documentos de prestação de contas não se encontravam rubricadas pela Contabilista Certificada e não tinham aposta a respectiva vinheta profissional.
18-Antes do início da discussão dos pontos da ordem de trabalhos interveio o sócio M.B., que manifestou a sua intenção de presidir à mesa desta Assembleia-Geral, sustentando tal pretensão pelo facto de ter adquirido uma quota com o valor nominal de duzentos euros, à sócia J.I.S.O.S., com a qual passou a ser titular da maioria do capital social.
19-Tal aquisição foi realizada através de documento particular de divisão e cessão de quota celebrado no dia 1/10/2019.
20-A 7/11/2019, pelas 15 horas, na respectiva sede social, teve lugar a continuação da Assembleia Geral Ordinária da sociedade R..
21-No decorrer da Assembleia Geral o A. dirigiu à gerência alguns pedidos de esclarecimento, a saber :
1.- Que activos estão contabilizados em activos fixos tangíveis?
2.- Que activos/imóveis estão contabilizados em propriedades de investimento?
3.- Que contratos de arrendamento existem relativos aos imóveis da propriedade da sociedade e em que condições?
4.-Quem assinou os contratos de arrendamento em representação da L.M.?
5.- Quais os valores das rendas praticados pela Sociedade?
6.- Solicitamos que sejam disponibilizadas cópias de todos os contratos de arrendamento em que a sociedade seja parte.
7.-Que financiamentos estão considerados como financiamentos obtidos na rubrica de passivos não correntes?
8.- Qual o detalhe/decomposição desta rubrica?
9.- Que condições são aplicáveis aos referidos financiamentos?
10.- qual a natureza das relações existentes com cada uma das partes relacionadas?
11.- As transacções em causa foram realizadas em condições de mercado?
12.-Qual a razão/fundamento do saldo de adiantamentos de clientes?
13.- Qual o detalhe/decomposição do saldo da rubrica de outros rendimentos?
14.- Qual a origem do saldo de € 168.550 à M. & S.?
15.- Qual a repartição dos suprimentos entre os sócios?”.

22.-Nessa sequência foi admitida a entrada e participação na Assembleia da Contabilista da sociedade, para socorrer a gerência na resposta às questões suscitadas.
23.-Os sócios J.S. e M.B. votaram favoravelmente o ponto primeiro da ordem de trabalhos e o A. votou contra, resultando na aprovação por maioria do capital social.
24.-No que concerne ao ponto 2 da ordem de trabalhos a gerência da R. propôs a aplicação dos resultados, da seguinte forma :
“Relativamente ao exercício de 2016, que o resultado líquido do período de € 11.943,19, seja aplicado do seguinte modo: € 1.480,00 para a rubrica “Reservas Legais e € 10.463,19 para a rubrica “Outras Reservas”;
Relativamente ao exercício de 2017, que o resultado líquido do período de € 32.809,30, seja integralmente aplicado na rubrica “Outras Reservas” e, relativamente ao exercício de 2018, que o resultado líquido do período de € 79.119,39, seja integralmente aplicado na rubrica “Outras Reservas””.
25.-Os sócios J.S. e M.B. votaram favoravelmente o segundo ponto da ordem de trabalhos e o A. votou contra, resultando na aprovação por maioria do capital social.
26.-Os sócios J.S. e M.B. votaram favoravelmente o terceiro ponto da ordem de trabalhos e o A. votou contra, resultando na aprovação por maioria do capital social.
27.-Os sócios J.S. e M.B. votaram favoravelmente o quarto ponto da ordem de trabalhos e o A. votou contra, resultando na rejeição da aprovação por não reunir a maioria qualificada do capital social.
28.-Os sócios J.S. e M.B. votaram favoravelmente o quinto ponto da ordem de trabalhos e o A. votou contra, resultando na aprovação por maioria do capital social.
29.- Com data de 29/11/2019 a R. dirigiu ao A. a carta constante de fls. 48 (anexa à petição inicial), cujo teor se dá por reproduzido.
30.-Prevê o artigo 4º, nº 2 dos Estatutos da R. :
2.- A sociedade obriga-se com a intervenção de dois gerentes, salvo em actos de mero expediente e no sacar de cheques até ao montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), por acto, ou conjunto de actos, em que é suficiente a assinatura de um gerente”.
31.-Dispõe o artigo 5º nº 1 dos Estatutos da R. que a cessão de quotas entre sócios é livremente permitida.
32.-Nos termos do artigo 7º dos Estatutos da Sociedade, “Será necessária uma maioria qualificada de 75% do capital social para aprovação de deliberações sobre todas as matérias para as quais a lei exija maioria qualificada, salvo nos casos em que a maioria legal seja mais exigente que a prevista nestes estatutos, e ainda para aprovação das deliberações relativas a (…) d) aquisição ou alienação de imóveis, (…) h) distribuição de dividendos (…), m) nomeação de membros dos órgãos sociais”.
33.-Os valores de suprimentos que cada um dos sócios prestou à R. e que ainda não foram reembolsados, são os seguintes :
-J.S. : 319.500 € ;
-M.B. : 302.500 € ;
-N.J.S. : 285.500 €.
34.-No que concerne ao ponto 5 da ordem de trabalhos e ao imóvel ali referido, tem as seguintes características :
-O imóvel foi adquirido através de contrato de locação imobiliária celebrado em 31/3/2009 ;
-Ao longo de mais de dez anos, a R. pagou todas as rendas do referido contrato de locação financeira ;
-A R. exerceu a opção de compra junto do Banco e pagou o preço residual do referido imóvel em Maio de 2019 ;
-Preço residual e rendas representam um investimento global por parte da R. no montante de 1.341.250 € ;
-Valor esse que está já totalmente pago ;
-Pretendia a R. a celebração com o Banco da escritura final de compra e venda do imóvel a seu favor.
35.-Eram do perfeito conhecimento do A. os termos da celebração dos contratos de locação financeira relativos aos imóveis da R..
36.-Na Assembleia Geral da R. realizada a 31/7/2017 foi deliberada a destituição do A. do cargo de gerente.
37.-O A. instaurou contra a R. acção judicial visando a destituição da gerente J.S. e a nomeação de gerentes da sociedade R., que tramita no Juízo de Comércio de Sintra com o nº 4258/18.0 T8SNT.
38.-No processo referido em 37. foi proferida Sentença em 26/7/2018, que julgou a acção improcedente designadamente o pedido de destituição da gerente e procedeu à nomeação de um segundo gerente (P.J.P.C.) que está pendente de recurso no Tribunal da Relação de Lisboa, interposto pelo A..
39.-No processo mencionado em 37. ficou provado o seguinte :
11.- A sociedade requerida tem vindo a servir como veículo para aquisições imobiliárias que são suportadas por injecções de capital dos sócios, não gerando até esta altura quaisquer rendimentos distribuíveis.
(…)
48.-Entre o requerente e a requerida J.S., e ainda N.R.O.S., como sócios e gerentes de sociedades do grupo S…, em que se integra, entre outras, a sociedade L.M., estão pendentes diversos processos em tribunal, identificados na listagem junta em 07.03.2018 (fls. 102) (…)”.
40.-Com data de 18/6/2020 a R. enviou ao A. uma carta solicitando a indicação de três datas alternativas para realização da escritura pública de aquisição do imóvel sito em Lisboa (Chiado), cujo valor se encontra totalmente pago ao Banco por via de “leasing” imobiliário, em cumprimento do deliberado quanto ao ponto 5 da ordem de trabalhos.
41.-A R. integra, com outras sociedades, o denominado grupo “S…”, conhecido pelo exercício da atividade de cabeleireiro, tendo as partes no âmbito do litigio que opõe o A. (pai), a R. (sociedade comercial), a gerente J.S. (filha) e ainda N.R.O.S. (irmão) instaurado reciprocamente dezenas de acções judiciais relativas ao governo societário.

*
b)-Foram considerados não provados os seguintes factos :
I- A sócia J.S. vive em economia comum com o sócio M.B., na morada que é a sede da sociedade R..
II- O pedido de informação do A. não foi atendido pela Gerência da R., nem presencialmente, aquando da sua deslocação à sede da R., nem por qualquer outra via.
III- A informação não foi disponibilizada de forma completa ao A., não tendo sido possível a este obter cópias da informação parcial disponibilizada, designadamente, do Relatório de Gestão, das Contas do Exercício e demais documentos de prestação de contas relativas aos exercícios de 2016, 2017 e 2018.
IV- Considerando o teor do ponto 5 da ordem de trabalhos, o qual envolvia a discussão e deliberação relativa a um contrato de locação financeira, a Gerência da sociedade, não disponibilizou a respectiva cópia, para consulta, já no decurso da Assembleia Geral.
V- Ainda assim, não foi a gerência, ou a contabilista certificada da sociedade, capaz de dar qualquer resposta às seguintes questões :
3.- Que contratos de arrendamento existem relativos aos imóveis da propriedade da sociedade e em que condições?
5.- Quais os valores das rendas praticados pela Sociedade?
6.- Solicitamos que sejam disponibilizadas cópias de todos os contratos de arrendamento em que a sociedade seja parte.
10.- Qual a natureza das relações existentes com cada uma das partes relacionadas?
13.- Qual o detalhe/decomposição do saldo da rubrica de outros rendimentos?
14.- Qual a origem do saldo de € 168.550 à M. & S.?
15.- Qual a repartição dos suprimentos entre os sócios?
VI- Tais questões não foram respondidas pela gerência, tendo este órgão rejeitado, deliberadamente fornecer informação correta e completa ao sócio, de forma a que a este fosse possível votar com pleno conhecimento o assunto em deliberação.
*
c)-  Como resulta do disposto nos artºs. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
In casu” estamos perante dois recursos de apelação, um interposto pelo A. e outro pela R., ambos incidentes sobre a Sentença.
*
d)- Recurso interposto pelo A..
Perante as conclusões das alegações deste recorrente as questões em recurso consistem em determinar :
-Se existem razões para alterar a matéria de facto dada como provada na 1ª instância.
-Se a Sentença recorrida é nula.
-Se ocorreu violação do Direito de informação do A., enquanto sócio da R..
-Se é de determinar a anulabilidade da deliberação correspondente ao Ponto Um da Ordem de Trabalhos.
-Se é de determinar a anulabilidade da deliberação correspondente ao Ponto Cinco da Ordem de Trabalhos:
-Se é de substituir a deliberação anulável, correspondente ao Ponto Dois da ordem de trabalhos, por outra que contemple a distribuição de metade dos lucros dos exercícios relativos aos anos de 2016, 2017 e 2018.
*
e)- Recurso interposto pela R..
Perante as conclusões das alegações desta recorrente as questões em recurso consistem em :
-Saber se existem razões para alterar a matéria de facto dada como provada na 1ª instância.
-Saber se a Sentença recorrida é nula.
-Saber se a decisão referente ao Ponto Dois da ordem de trabalhos da Assembleia geral da R. deve ser anulada.
*
f)- Uma vez que ambos os recursos incidem sobre a decisão referente à matéria de facto, iremos tratar em conjunto tal questão, a fim de, depois de fixada a matéria de facto, nos debruçarmos sobre as questões de Direito.
*
g)- Vejamos, pois, se existem razões para alterar a matéria de facto dada como provada na 1ª instância.
De acordo com o disposto no artº 640º nº 1 do Código de Processo Civil, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso, especificar :
-Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.
-Quais os concretos meios de probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
-A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Há que realçar que as alterações introduzidas no Código de Processo Civil com o Decreto-Lei nº 39/95, de 15/2, com o aditamento do artº 690º-A (posteriormente artº 685º-B e, actualmente, artº 640º) quiseram garantir no sistema processual civil português, um duplo grau de jurisdição.
De qualquer modo, há que não esquecer que continua a vigorar entre nós o sistema da livre apreciação da prova conforme resulta do artº 607º nº 5 do Código de Processo Civil, o qual dispõe que “o Juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
*
h)- Quanto ao recurso do A. incidente sobre a matéria de facto.
Pretende o A. que se altere a redacção do Facto Provado 13. e que os Factos Não Provados II, III e IV (ou b), c) e d)) sejam considerados provados.
Reportam-se tais factos, no essencial, à disponibilização de informação por parte da R. ao A., com vista à preparação deste para a participação na Assembleia Geral do dia 22/10/2019.  (…)
(…) deferindo-se parcialmente à pretensão do A., irá considerar-se como provado que foi disponibilizada àquele uma pasta com documentação para consulta contendo os relatórios de gestão e contas e uma comunicação de cessão de quotas, excluindo-se do facto provado que na pasta se encontravam as declarações de IES.
Quanto aos Factos Não Provados II, III e IV (ou b), c) e d)), (…) não iremos reverter os Factos Não Provados II. e III. para o rol dos factos provados.
Já quanto ao Facto Não Provado IV., entendemos que o mesmo deverá ser considerado provado. (…)
Assim, e em face do exposto, altera-se o Facto Provado 13., que passa a ter a seguinte redacção:
“13-  Em 15/10/2019, o A., acompanhado do Dr. J.B., contabilista certificado, deslocou-se à sede da R. para consultar informação essencial para a Assembleia Geral a realizar no dia 22/10/2019, tendo sido disponibilizada uma pasta com documentação para consulta contendo os relatórios de gestão e contas e uma comunicação de cessão de quotas”.
Por outro lado, o Facto Não Provado IV. (ou d)) passa a integrar o elenco dos Factos Provados com o número 21-A, com a seguinte redacção :
“21-A-  Considerando o teor do ponto 5 da ordem de trabalhos, o qual envolvia a discussão e deliberação relativa a um contrato de locação financeira, a Gerência da sociedade, não disponibilizou a respectiva cópia, para consulta, já no decurso da Assembleia Geral”.
Consequentemente, elimina-se o Facto Não Provado IV..
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i)-Quanto ao recurso da R. referente à decisão da matéria de facto.
Em sede de recurso de facto dia a R. que alegou, em sede de contestação, que o A. sempre votou favoravelmente à não distribuição de dividendos.  Segundo afirma essa matéria resultou da prova documental e testemunhal, pelo que devem constar do elenco dos factos considerados provados, os seguintes factos :
-“O Autor votou sempre, ao lado dos demais sócios, pela alocação dos resultados – positivos e negativos – para “Resultados Transitados”, “Reservas Legais” e/ou “Reservas Livres”.
-“Foi sempre prática reiterada da Ré não haver distribuição de lucros”.
(…) poderemos concluir, com segurança, que da prova produzida resulta que o primeiro dos factos sugeridos resulta provado.  Já quanto ao segundo, o certo é que não podemos concluir que seja uma “prática reiterada da R. não haver distribuição de lucros”, antes havendo uma situação concreta da qual não poderemos extrair quaisquer ilações.
Deste modo, adita-se o Facto Provado 33-A., com a seguinte redacção:
“33-A-  “O A., nos anos de 2009 a 2015, votou sempre, ao lado dos demais sócios, pela alocação dos resultados – positivos e negativos – para “Resultados Transitados”, “Reservas Legais” e/ou “Reservas Livres””.
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j)- Terminada a análise dos recursos incidentes sobre a matéria de facto, há que referir que será com base na factualidade fixada pelo Tribunal “a quo”, com as alterações acima apontadas (e devidamente sublinhadas), que importa doravante trabalhar no âmbito da análise das restantes questões trazidas em sede de recurso.
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k)- Quanto ao recurso do A..
Vejamos, em primeiro lugar, se a decisão recorrida é nula.
As causas de nulidade da Sentença (e dos restantes despachos) vêm taxativamente enunciadas no artº 615º nº 1 do Código de Processo Civil, onde se estabelece que é nula a sentença:
-Quando não contenha a assinatura do juiz (al. a)).
-Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b)).
-Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al. c)).
-Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d)).
-Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (al. e)).
O Prof. Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, Vol. III, pg. 297), na análise dos vícios da Sentença enumera cinco tipos :
-vícios de essência ;
-vícios de formação ;
-vícios de conteúdo ;
-vícios de forma ;
-vícios de limites.
Refere o mesmo Professor (in “Direito Processual Civil”, Vol. III, pg. 308), que uma Sentença nula “não contém tudo o que devia, ou contém mais do que devia”.
Por seu turno, o Prof. Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil”, pg. 686),
no sentido de delimitar o conceito, face à previsão do artº 668º do Código de Processo Civil (actual artº 615º), salienta que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…) e apenas se curou das causas de nulidade da sentença, deixando de lado os casos a que a doutrina tem chamado de inexistência da sentença”.

Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, pgs. 668 e 669) considera que apenas a “falta de assinatura do juiz” constitui fundamento de nulidade, pois trata-se de “um requisito de forma essencial. O acto nem sequer tem a aparência de sentença, tal como não tem a respectiva aparência o documento autêntico e o documento particular não assinados”.  A respeito das demais situações previstas na norma, considera o mesmo autor tratar-se de “anulabilidade” da sentença e respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença”.
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l)- A primeira nulidade invocada consta do artº 615º nº 1, al. b) do Código do Processo Civil.
Afirma o A. recorrente que a decisão “ainda que tendo indicado quais os factos dados como não provados, não fundamentou nem indicou os meios de prova em que se suportou para formar a sua convicção”, “assim como não indicou os exactos fundamentos de direito e a análise das disposições estatutárias em que alicerçou a sua decisão”.
O vício em causa está relacionado com a norma que disciplina a “ordem de julgamento” (cf. artº 608º nº 2 do Código de Processo Civil).
Com efeito, resulta do regime previsto neste preceito que o Juiz na Sentença (e também nos despachos) “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.  Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Ora, como salienta o Prof. Alberto dos Reis (in “CPC Anotado”, Vol. V, pg. 143) :
“Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (artº 511º nº 1), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido :  por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida ;  por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (artº 664º) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas”
Resulta desta interpretação que a Sentença (ou o despacho) não padece de nulidade quando não analisa um certo segmento jurídico que a parte apresentou, desde que fundadamente tenha analisado as questões colocadas e aplicado o direito.
Mas há que referir que só a falta absoluta de fundamentação gera nulidade.  A insuficiência, a mediocridade ou o erro da motivação afectarão o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de revogação ou de alteração, mas não contendem com a sua regularidade formal (cf. Alberto dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado”, volume V, pg. 140).
“In casu” vem o apelante afirmar, em primeiro lugar, que o Tribunal “a quo” não indicou os meios de prova que suportaram a sua convicção na indicação dos factos não provados.
Neste ponto, não se vê que assista razão ao apelante.
Com efeito, diz-se expressamente na Sentença recorrida, aquando da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto que, “no que concerne à factualidade não provada, a mesma resultou da insuficiência dos meios de prova apresentados pelo autor”, seguindo-se uma página de fundamentação.
Por outro lado, diz o apelante que o Tribunal não indicou os exactos fundamentos de Direito e a análise das disposições estatutárias em que alicerçou a sua decisão.
Ora, lida a fundamentação de Direito da Sentença, que se estende por cerca de dez páginas, é fácil verificar que foram ali indicadas as normas legais aplicáveis ao caso concreto.
Ou seja, quer num caso, quer no outro, a decisão não é absolutamente omissa no que à sua fundamentação diz respeito.  E só esta omissão total é susceptível de configurar a nulidade em apreço.
Deste modo, teremos de concluir que a decisão recorrida está devidamente fundamentada.
Não ocorre, assim, a invocada nulidade.
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m)-  A segunda nulidade invocada pelo A. consta do artº 615º nº 1, al. c) do Código do Processo Civil, segundo o qual ocorre nulidade da Sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, ou seja, quando os fundamentos invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença ou o acórdão expressa.
Na Jurisprudência do S.T.J. tem-se entendido que essa nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos artºs. 154º e 607º nºs. 3 e 4 do Código de Processo Civil (anteriores artºs. 158º e 659º nºs. 2 e 3) de o Juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, pelo facto de a Sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor), e que não ocorre essa nulidade se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável, ou se errou na indagação de tal norma ou da sua interpretação.
A obscuridade e a ambiguidade que, no entender do recorrente, possa existir entre os factos e a decisão de Direito, não constitui qualquer nulidade da Sentença recorrida que (basta lê-la) tem os fundamentos de facto e de direito em concordância lógica com a decisão, sendo a mesma, de acordo com o raciocínio nela exposto, clara e inequívoca.
Com efeito, a verdade é que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica.  Se na fundamentação da decisão, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.  Esta oposição, porém, não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta.  Isto é, quando embora mal, o Juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade.
Ora, neste ponto o recorrente, no essencial, defende que o Tribunal de 1ª instância aduziu fundamentação, mas que a conclusão do mesmo não pode merecer acolhimento.
Sucede que o Tribunal deu como provados determinados factos e deles retirou uma conclusão.  O que sucede é que o apelante não concorda com essa mesma conclusão.  Mas isso, em nosso entender, nada tem que ver com a figura da nulidade da Sentença.
Assim esta situação não configura a alegada causa de nulidade da Sentença, nomeadamente a que decorre da oposição entre os fundamentos e a decisão.
Pelo exposto, improcede nesta parte o recurso.
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n)- Por fim, invoca o A. recorrente a nulidade de omissão de pronúncia.
Esta nulidade encontra-se referida no artº 615º nº 1, al. d) do Código de Processo Civil, segundo o qual ocorre nulidade da sentença quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
O vício em causa está relacionado com a norma que disciplina a “ordem de julgamento” (cf. artº 608º nº 2 do Código de Processo Civil).
Com efeito, resulta do regime previsto neste preceito que o Juiz na Sentença (e nos despachos) “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ;  não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Ora, como salienta o Prof. Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pg. 143) :
“Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (artº 511º nº 1), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido :  por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida ;  por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (artº 664º) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas”.
Resulta desta interpretação que a Sentença ou despacho não padece de nulidade quando não analisa um certo segmento jurídico que a parte apresentou, desde que fundadamente tenha analisado as questões colocadas e aplicado o direito.
No caso em apreço o recorrente refere que, a propósito das deliberações da Assembleia Geral da R., com excepção do Ponto 2 da ordem de trabalhos, o Tribunal limitou-se a dizer que “quanto às demais deliberações, não se mostram preenchidos quaisquer pressupostos para a respetiva anulação”.
Sucede que na Sentença ora em análise é referido expressamente que, a propósito de todas as cinco deliberações, não foi violado o direito à informação por parte dos sócios.  Por outro lado, é feita a análise mais pormenorizada da segunda deliberação.  E após concluir esta análise é que o Tribunal utiliza a frase apontada pelo A..
Eventualmente, poderia o Tribunal ter ido um pouco mais além na sua fundamentação de Direito, mas, de acordo com o raciocínio exposto na Sentença, os motivos que levaram à anulação da segunda deliberação, não se verificam quanto às demais.
E a decisão é, neste ponto, absolutamente perceptível.
Assim sendo, não se vislumbra que tenha ocorrido a nulidade invocada, de omissão de pronúncia.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
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o)-Em face do exposto, teremos de concluir que não ocorre qualquer nulidade da decisão recorrida, razão pela qual, nesta parte, o recurso improcede.
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p)-Passando ao recurso incidente sobre o Direito aplicado, vejamos se ocorreu violação do direito de informação do A., enquanto sócio da R..
Diz o A. apelante que tal direito se mostra violado em duas das suas três vertentes.
Para tanto, refere que “considera que não obteve informação prévia suficiente e adequada a assegurar a sua participação esclarecida na Assembleia Geral na sociedade Recorrida” e que, “por outro lado, como consequência da deficiente informação recebida, o Recorrente foi obrigado a colocar uma série de questões em Assembleia Geral, várias das quais não foram cabalmente esclarecidas”.
Vejamos :
O artº 21º nº 1, al. c) do Código das Sociedades Comerciais consagra o princípio de que “todo o sócio tem direito (…) a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato”.
O direito à informação é depois objecto de tratamento específico relativamente a cada um dos tipos de sociedades, regendo para as sociedades por quotas, como é o caso da sociedade R., o disposto nos artºs. 214º a 216º do Código das Sociedades Comerciais.
O artº 214º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais dispõe que “os gerentes devem prestar a qualquer sócio que o requeira informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade, e bem assim facultar-lhe na sede social a consulta da respectiva escrituração, livros e documentos.  A informação será dada por escrito, se assim for solicitado”.
Acrescenta o nº 3 deste preceito que “podem ser pedidas informações sobre actos já praticados ou sobre actos cuja prática seja esperada, quando estes sejam susceptíveis de fazerem incorrer o seu autor em responsabilidade, nos termos da lei”.
Por sua vez, o nº 4 daquele normativo estipula que “a consulta da escrituração, livros ou documentos deve ser feita pessoalmente pelo sócio, que pode fazer-se assistir de um revisor oficial de contas ou de outro perito, bem como usar da faculdade reconhecida pelo artigo 576º do Código Civil”.
O nº 7 do mesmo artº 214º do Código das Sociedades Comerciais refere que “à prestação de informações em assembleia geral é aplicável o disposto no artigo 290º”.
O direito à informação é um direito essencial para garantir o exercício de outros direitos sociais, nomeadamente, o direito aos lucros, de voto e de impugnação de deliberações sociais.
“O direito à informação, como direito do sócio, desdobra-se, na perspectiva do Código das Sociedades Comerciais, em quatro direcções diferentes, podendo nele considerar-se compreendidos :  Um direito a obter informações, um direito de consulta dos livros e documentos da sociedade, um direito de inspecção de bens sociais e, embora noutro plano, um direito de requerer inquérito judicial” (cf. Carlos Maria Pinheiro Torres, in “O Direito à Informação nas Sociedades Comerciais, 1998, pg. 121).
Este direito do sócio à informação tem uma função de controle, “a posteriori”, dos actos de gestão que foram praticados. Esta necessidade de controlo só se compreende no pressuposto de que o sócio minoritário não tem, por outra forma, meio de conhecer o modo como a sociedade é gerida.
O direito à informação, genericamente previsto no já referido artº 21º nº 1, al. c), do Código das Sociedades Comerciais, é um direito social autónomo e não meramente instrumental, corolário do risco de entrada na sociedade, traduzindo-se numa “ferramenta de controlo social”, que permite a reclamação de dados essenciais à salvaguarda da posição financeira e social do sócio (cf. Acórdão da Relação do Porto de 25/1/2016, Relator Carlos Querido, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
Nas sociedades por quotas, o sócio está limitado no seu direito de pedir informações fora da assembleia geral à gestão da sociedade, nos temos do artº 214º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais.
A lei não exige a apresentação de qualquer justificação ou motivação para a consulta de documentos e pedidos de informação, desde que sejam relativas a actos de gestão.
O “direito à informação é um elemento estrutural do status do sócio” (cf. Menezes Cordeiro, in “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, 2ª Ed., pg. 144).
A informação deve ser verdadeira, completa e elucidativa (artº 214º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais), isto é, deve remover e esclarecer as dúvidas ou o desconhecimento acerca de factos ou razões ou justificações para a sua prática.
“Informação completa é aquela que contém todos os elementos necessários para corresponder a toda a plenitude da solicitação do sócio, pelo que o critério para se distinguir a completude da incompletude da informação será fornecido pelo teor do requerimento que desencadeie a respectiva prestação (cf. Carlos Maria Pinheiro Torres in “O Direito à Informação nas Sociedades Comerciais”, 1998, pg. 208).  No entanto, estando a iniciativa do sócio objectivamente limitada pela lei, a completude da prestação deve aferir-se também pelo que legalmente for consentido.
Assim, nas sociedades por quotas, o sócio está limitado no seu direito de pedir informações fora da assembleia geral à “gestão da sociedade” e aos “assuntos sujeitos a deliberação”, quanto às informações requeridas em assembleia geral (artº 214º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais).
A informação deve ser também elucidativa, isto é, deve remover e esclarecer as dúvidas ou o desconhecimento acerca de factos ou razões ou justificações para a sua prática, tal como se contém na solicitação do sócio.
Existe recusa de informação, no sentido de recusa ilícita de informação, sempre que o órgão competente para a sua prestação, face a uma solicitação feita por um ou mais sócios, nas condições de legitimidade estabelecidas na lei, ou no contrato, quando admissíveis, e nos limites fixados, denegue essa mesma prestação ou forneça informação falsa, incompleta ou não elucidativa (artº 216º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais).
Há casos, no entanto, em que a recusa da prestação de informação é admitida (artº 215º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais).
Ou seja, e sintetizando, diremos que o direito à informação em sentido estrito pode ser exercido fora das assembleias gerais (mediante requerimento, escrito ou verbal), ou dentro destas.
O direito de consulta de livros, escrituração e documentação, e o direito a inspecionar bens sociais, serão sempre exercidos na sede social ou no local onde se situem os bens, respectivamente.
O direito à informação em assembleia geral é essencial para os sócios poderem reagir, contra a sociedade, ou contra os órgãos estatutários, se obtiverem conhecimento de algum facto que dê azo a essa reacção, ou adoptarem a posição mais favorável ao interesse social (nomeadamente, exercendo o seu direito de voto, livre e esclarecido).
Ainda sintetizando o que acima se deixou exposto, poderemos dizer que, nas sociedades por quotas existem dois momentos distintos para a prestação de informações aos sócios por parte da sociedade :  Em qualquer altura da vida societária (artº 214º nºs. 1 a 5 do Código das Sociedades Comerciais) ;  no decorrer da assembleia geral (artº 290º do Código das Sociedades Comerciais, “ex vi” artº 214º nº 7 do mesmo Código).
Estando expressamente regulamentado o direito à informação para as sociedades por quotas, não será aplicável às mesmas o regime estabelecido no artº 289º do Código das Sociedades Comerciais para as informações preparatórias da assembleia geral que é exclusivo para as sociedades anónimas (veja-se que o artº 214º do Código das Sociedades Comerciais quis fazer apenas remissão para o regime artº 290º do Código das Sociedades Comerciais e já não para o do artº 289º do mesmo diploma).
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q)-Revertendo estas considerações de Direito para o caso concreto, diremos que “in casu” apurou-se que, por carta de 4/10/2019, foi o A. convocado para estar presente na Assembleia Geral Ordinária da Ré, a realizar-se no dia 22/10/2019.
Seis dias depois, em 10/10/2019, o A. enviou à R. uma carta onde lhe solicitava o envio, para o seu endereço eletrónico, de toda a informação preparatória da referida Assembleia.  Nessa mesma carta, o A. informou a gerência da R. que, no dia 15/10/2019 deslocar-se-ia à sede social para consultar os documentos contabilísticos referentes aos anos de 2016, 2017 e 2018, nomeadamente os relatórios de gestão, extractos bancários, e contratos.
Na aludida data (15/10/2019), o A., acompanhado de um contabilista certificado, deslocou-se à sede da R. para consultar informação essencial para a referida Assembleia Geral, tendo sido disponibilizada uma pasta com documentação para consulta, que continha os relatórios de gestão e contas e uma comunicação de cessão de quotas.
Em 16/10/2019 o A. enviou nova missiva à R., pedindo a disponibilização, por qualquer forma, da totalidade da informação preparatória da referida Assembleia Geral.  No dia seguinte a R. respondeu que não teria que prestar tais informações por tal não lhe ser legalmente exigível.
A Assembleia Geral em causa teve início do dia 22/10/2019, tendo sido interrompida por acordo dos sócios, sendo retomada e concluída no dia 7/11/2019.
No decurso da mesma, nomeadamente na Sessão do dia 7/11/2019, o A. dirigiu à gerência da R. alguns pedidos de esclarecimento (ver Facto Provado 21.).
A fim de prestar os esclarecimentos solicitados, foi autorizada a entrada da contabilista responsável pelas constas da sociedade.
Depois dos esclarecimentos, o A. solicitou a gerência da R. os elementos documentais que lhe permitissem a resposta às questões que considerou não terem sido respondidas na assembleia.
Não consta da acta que tais elementos lhe tenham sido entregues no acto.
Ora, perante tais factos e considerando o regime legal acima analisado, afigura-se-nos que foram colocadas à disposição do A. as informações essenciais para assegurar a sua participação esclarecida na assembleia geral.
O A. afirma que “a Recorrida não cumpriu com a sua obrigação de disponibilização de informação essencial preparatória da Assembleia Geral ao Recorrente, ao abrigo do artigo 263º e 289º do CSC”.
Porém, como já vimos, nas sociedades por quotas as informações preparatórias da assembleia geral não têm a amplitude daquelas que estão fixadas para as sociedades anónimas, por não lhes ser aplicável o preceituado no artº 289º do Código das Sociedades Comerciais (nomeadamente o disposto no seu nº 1, al. e)).
É certo que, aquando da deslocação do A. à sede da R. para consultar diversa documentação necessária ao seu esclarecimento, a fim de participar na Assembleia Geral, não lhe foram disponibilizados os IES.  Porém, trata-se de elementos de acesso público, nos termos do disposto no artº 10º do Decreto-Lei 8/2007 de 17/1, sendo possível a qualquer interessado consultar a IES (nomeadamente o lucro ou o prejuízo, o volume de facturação, os gastos com o pessoal e outras despesas) de uma empresa, através do portal “ePortugal” (eportugal.gov.pt).  Assim, esta mos perante elementos que o A. poderia obter por si, sendo irrelevante que a R. não lhos tenha fornecido.
Por outro lado, afigura-se-nos que, no que diz respeito aos documentos solicitados no decorrer da assembleia geral da R., a não entrega se deve, essencialmente, a uma questão de impossibilidade de entrega imediata.
Aliás, lida a acta, não se vê que o A. tenha reagido, no momento, quanto a essa questão, parecendo ter aceitado que os documentos chegassem às suas mãos em momento posterior.
Temos, pois, de concluir pela não violação do direito à informação do A., por parte da R., motivo pelo qual o recurso improcede nesta parte.
*
r)-Vem ainda o A. suscitar a questão da anulabilidade da deliberação correspondente ao Ponto Um da ordem de trabalhos.
O seu teor era o seguinte :
“Deliberar sobre o Relatório de Gestão e as Contas da Sociedade relativos aos exercícios findos em 31 de Dezembro de 2016, 31 de Dezembro de 2017 e 31 de Dezembro de 2018”.
Diz o A. que ocorreu a violação do dever de informação em Assembleia Geral, constante do artº 290º do Código das Sociedades Comerciais, porquanto não lhe foram fornecidas quaisquer informações adicionais relevantes
Refere o A. que, “após iniciada a discussão do primeiro ponto da ordem de trabalhos o Recorrente voltou a referir que os documentos de prestação de contas apresentados pela gerência não reúnem os requisitos legais e contabilísticos aplicáveis”.  “Na verdade, de tais documentos não constava, designadamente, uma exposição clara sobre a evolução dos negócios, o desempenho e a posição da sociedade, os investimentos realizados, a atividade que originou os custos e os proveitos da sociedade e nem as informações exigidas para o anexo às contas, em particular no que se refere às operações realizadas com partes relacionadas, conforme exigido pelo artigo 66º-A do Código das Sociedades Comerciais (CSC), pelo facto de não incluírem o detalhe dessas operações, nomeadamente os montantes, a natureza e as condições das relações existentes e ainda se tais operações foram realizadas em condições de mercado”.  Assim, “confrontado com a manifesta deficiência dos documentos que serviriam de suporte à deliberação, o Recorrente viu-se obrigado a dirigir à gerência alguns pedidos de esclarecimento, com o objectivo de permitir a deliberação e votação informada daquele ponto da ordem de trabalhos”.  Diz, por fim, que “a falta de resposta às questões (…) resulta da simples análise da Acta da Assembleia Geral, constituindo”.
Ora, antes de mais há que salientar que se provou que o A., antes da Assembleia Geral teve acesso a uma pasta com documentação para consulta, contendo os relatórios de gestão e contas e uma comunicação de cessão de quotas.
Por outro lado, no que aos contratos de arrendamento em relação aos quais o A. diz não ter obtido esclarecimentos, repare-se que na própria acta da assembleia geral constam diversos esclarecimentos sobre tal matéria, tendo a contabilista da R. referido expressamente os contratos relativos ao espaço do Chiado, e ao escritório do Porto.  Disse ainda aquela que não tinha consigo os contratos pelo que não podia indicar as datas de início e condições dos contratos.  Falou ainda sobre o contrato de um apartamento da R. em Coimbra, que se encontra arrendado a estudantes há muitos anos.  Referiu ainda a rescisão de dois desses contratos.
O A., no acto, pediu à gerência da R. que disponibilizasse cópias dos contratos e das rescisões.
E da carta datada de 29/10/2019 (Documento nº 10 junto com a petição inicial), enviada pela R. ao A., verifica-se que aquela enviou a este cópia do contrato de arrendamento do imóvel de Coimbra, adenda ao mesmo e acordo de revogação, cópia do contrato de sublocação do imóvel de Lisboa e o contrato de arrendamento do imóvel do Porto, “referentes aos exercícios em análise na Assembleia Geral”.
Assim, poderemos concluir que foram colocadas à disposição do A., enquanto sócio da R., as informações essenciais e necessárias para assegurar uma participação esclarecida na assembleia geral e votar o Ponto Um da Ordem de Trabalhos, referente à aprovação do Relatório de Gestão e as Contas da Sociedade relativos aos exercícios findos em 31/12/2016, 31/15/2017 e 31/12/2018.
Ora, nos termos do artº 58º nº 1, al. c) do Código das Sociedades Comerciais, a referida deliberação apenas seria anulável, caso não fosse precedida do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação o que não sucede “in casu”.
Improcede, pois, o recurso do A. neste ponto.
*
s)-Defende, também o A. que é de anular a deliberação correspondente ao Ponto Cinco da ordem de trabalhos.
O teor da mesma é o que segue :
“Discutir e deliberar sobre o contrato de locação financeira imobiliária relativo ao imóvel correspondente à fração autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao primeiro andar, com entrada pelo número ... – B, do prédio urbano sito na Rua ..... ....., números ..., ... – A, e ... – B, em L____”.
A deliberação aprovada (com voto contra do A.) foi a seguinte (tal como consta da respectiva acta) :
“O Sr. Presidente da mesa declara o ponto cinco da ordem de trabalhos aprovado por maioria do capital social sendo deste modo atribuídos a J.S.O.S. os poderes para, isoladamente, representar a Sociedade na outorga da escritura e ou documento particular autenticado de aquisição da fracção autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao primeiro anda do prédio urbano, com entrada pelo nº ...-B, ao nível da sobreloja, sito na Rua ..... ..... nºs. ..., ...-A e ...-B, freguesia de S....., concelho de L____, descrito na Conservatória do Registo Predial de L____ sob o nº ... e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo ..., bem como para apresentar quaisquer requerimentos ou declarar ou requerer tudo o que pela Sociedade deva ser declarado ou requerido, junto de Cartórios Notariais, Bancos, serviços de registo predial, Autoridade Tributária e Aduaneira, ou outras entidades competentes, com vista à concretização dessa escritura”.  
Dispõe o artº 58º nº 1, al. a) que “são anuláveis as deliberações que :  a) Violem disposições quer da lei (…) quer do contrato de sociedade”.
Ora, nos termos do artigo 7º dos Estatutos da Sociedade “será necessária uma maioria qualificada de 75% do capital social para aprovação de deliberações sobre todas as matérias para as quais a lei exija maioria qualificada, salvo nos casos em que a maioria legal seja mais exigente que a prevista nestes estatutos, e ainda para aprovação das deliberações relativas a :  (…)  d) aquisição ou alienação de imóveis (…)”.
Verifica-se que está em causa nesta situação a aquisição de um imóvel (aliás, isso é reconhecido na própria deliberação aprovada pelos dois sócios que não o A.).
Trata-se de um imóvel sobre o qual incidiu um contrato de locação imobiliária celebrado em 31/3/2009 e, ao longo de mais de dez anos, a R. pagou todas as rendas do referido contrato.  A R. exerceu a opção de compra junto do Banco e pagou o preço residual do referido imóvel.
Ora, a locação financeira (aqui na vertente de locação imobiliária) “é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados” (artº1º do Decreto-Lei nº 149/95 de 24/6.
“O contrato da locação financeira tem como objecto a cedência do uso da coisa :  não a transferência da sua propriedade ;  nem a cedência do uso mais a cedência contratual da propriedade.  A cedência do uso do bem, culminada com a transferência da propriedade, é só operada através da compra e venda a prestações com reserva de propriedade ou da locação-compra” (cf. Diogo Leite de Campos, in “Locação Financeira (Leasing) e Locação”, artigo publicado na Revista da Ordem dos Advogados, consultado “on line” no Portal da Ordem dos Advogados).
Assim sendo, estando-se perante uma verdadeira aquisição do imóvel, e tendo sido dados poderes à gerente J.S. para a outorga da respectiva escritura, teremos de concluir que, para a aprovação desta deliberação “será necessária uma maioria qualificada de 75% do capital social”.
Ora, a R. tem o capital social de 5.100 €, repartido por três quotas, nos seguintes termos :
-Uma quota no valor nominal de 1.500 €, da titularidade da sócia J.I.S.O.S..
-Uma quota no valor nominal de 1.900 €, da titularidade do sócio M.B..
-Uma quota no valor nominal de 1.700 €, da titularidade do A..
Deste modo, para aprovação da referida deliberação, tonava-se necessária a aprovação por parte de sócios que representassem 3.825 € (isto é, 75% de 5.100 €).
Verifica-se que a deliberação foi votada apenas pelos sócios J.S. e M.B., que representam 3.400 € do capital social, ou seja, um valor inferior a 75% do mesmo.
Significa isto que a deliberação em causa violou os estatutos da R., pelo que haverá que anular a mesma, procedendo o recurso nesta parte, nos termos que infra se decidirá.
*
t)-Vejamos, por fim, no que ao recurso do A. diz respeito, a questão da substituição da deliberação anulável, correspondente ao Ponto Dois da ordem de trabalhos, por outra que contemple a distribuição de metade dos lucros dos exercícios relativos aos anos de 2016, 2017 e 2018.
Ora, sobre esta questão já se debruçou o despacho saneador proferido nos autos, a propósito da cumulação deste pedido de substituição da declaração, com o de anulação da deliberação social.
E aí foi dito :
“O A. requereu a cumulação do pedido de declaração de invalidade das deliberações tomadas em AG com o pedido de decretamento judicial de distribuição dos dividendos/lucros do exercício pelos sócios, entre os quais o próprio A.
A R. opôs-se com fundamento na incompatibilidade decorrente do facto de o A. ter pedido a invalidade também da deliberação que aprovou os relatórios de gestão e contas.
Prescreve o art. 555º, nº 1, do CPC que “Pode o autor deduzir cumulativamente contra o mesmo R., num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação”.
Também sem necessidade de vastas considerações, por desnecessárias, torna-se evidente que tendo o A. pedido a anulação das deliberações que aprovaram as contas da sociedade, não é viável pedir que sejam distribuídos os dividendos resultantes de lucros de exercício obtidos necessariamente de contas objecto de deliberações de aprovação nos termos legais.
Pelo exposto, não autorizo a cumulação dos pedidos formulados, ou seja, mais concretamente, o pedido formulado na al. b), de substituição da deliberação anulável correspondente ao Ponto Segundo da Ordem de Trabalhos, por nova deliberação que assegure ao A. a distribuição dos lucros a que tem direito”.

Ora, esse despacho era susceptível de recurso autónomo (artº 644º nº 1, al. b) do Código de Processo Civil).
O A. dele não recorreu.
Assim, a questão relativa ao pedido de substituição da deliberação anulável (Ponto Dois da ordem de trabalhos) mostra-se já decidida com efeito de caso julgado.
Ora, aquilo que o A. pretende nesta parte do recurso é, precisamente, trazer de novo, em sede recursiva, uma questão já anteriormente decidida.
Assim sendo, e sem necessidade de mais considerandos, haverá que julgar o recurso improcedente nesta parcela.
*
u)-Resumindo quanto ao recurso do A. :
Há que julgar o mesmo parcialmente procedente na parte incidente sobre a decisão da matéria de facto (nomeadamente quanto ao Pacto Provado 13. e quanto ao Facto Não Provado IV. (ou d)), que passa a integrar a lista dos Factos Provados).
Em sede de Direito, há que julgar o recurso procedente na parte em que pede a anulação da deliberação correspondente ao Ponto Cinco da ordem de trabalhos.
No mais, há que julgar o recurso improcedente.
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v)-Quanto ao recurso da R..
Suscita a R. a questão da nulidade da Sentença.
A primeira das nulidades invocadas consta do artº 615º nº 1, al. b) do Código do Processo Civil, consistente na falta de fundamentação.
Diz a R. nas suas Conclusões que o Tribunal “a quo” não fez o exame crítico da prova produzida.
Em termos de análise desta nulidade, remetemos para o que acima foi dito a propósito das nulidades suscitadas pelo A., entre elas a de falta de fundamentação.
Ora, relembre-se que só a falta absoluta de fundamentação gera nulidade.  A insuficiência, a mediocridade ou o erro da motivação afectarão o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de revogação ou de alteração, mas não contendem com a sua regularidade formal (cf. Alberto dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado”, volume V, pg. 140).
“In casu” não se vê que assista razão à apelante.
Com efeito, indica-se expressamente na Sentença recorrida, logo após a indicação dos factos provados e não provados, a motivação para tal decisão, com a referência à prova documental, à prova testemunhal e à prova por declarações de parte.
E no fim desta parte da Sentença diz-se :
“No essencial, as testemunhas inquiridas responderam de forma coerente e espontânea relativamente aos factos que eram do seu conhecimento directo”.
“Em termos de análise critica e conjunta da prova produzida sobressaiu mais uma vez a intensificação do litígio familiar e societário vigente, necessariamente prejudicial ao funcionamento da sociedade comercial requerida”.
Ou seja, é fácil concluir que a decisão de facto não é absolutamente omissa no que à sua fundamentação diz respeito.  E só esta omissão total seria susceptível de configurar a nulidade em apreço.
Deste modo, teremos de concluir que a decisão recorrida está devidamente fundamentada.
Não se verifica, pois, a alegada nulidade.
*
w)-A segunda nulidade invocada pela R. consta do artº 615º nº 1, al. c) do Código do Processo Civil, e ocorre quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, ou seja, quando os fundamentos invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a Sentença ou o acórdão expressa.
Mais uma vez damos aqui por reproduzido tudo aquilo que já dissemos neste Acórdão sobre a aludida nulidade.
Diz a R. que o Tribunal não aplicou uma prudente convicção na apreciação da prova, pelo que a conclusão de Direito teria de ser diversa.
Mas o certo é que o Tribunal deu como provados certos factos e deles retirou uma conclusão.  O que sucede é que a R. recorrente não concorda com essa mesma conclusão.  Mas isso, em nosso entender, nada tem que ver com a figura da nulidade da Sentença.
Assim esta situação também não configura a alegada causa de nulidade da Sentença, nomeadamente a que decorre da oposição entre os fundamentos e a decisão.
Deste modo, o recurso improcede nesta parte.
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x)- Por fim, invoca a R. a nulidade de omissão de pronúncia.
Esta nulidade encontra-se referida no artº 615º nº 1, al. d) do Código de Processo Civil.
Diz a R. que o Tribunal não teria atendido a todas as provas produzidas.
No entanto, como já dissemos, o Tribunal “a quo” verificou com atenção e cuidado as provas produzidas, nomeadamente documental, testemunhal e por declarações de parte.
Não vemos que outras provas não tenham sido atendidas, afigurando-se-nos que a R. discorda, isso sim, da apreciação que foi feita da prova.  Mas isso, em caso algum, pode ser entendido como configurando a nulidade por omissão de pronúncia.
Pelo exposto, inexistindo a alegada nulidade, concluímos que o recurso improcede nesta parte.
*
y)-Assim sendo, teremos de concluir que não ocorre qualquer nulidade da decisão recorrida, razão pela qual, nesta parte, o recurso improcede.
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z)- Passando ao recurso incidente sobre o Direito aplicado.
Diz a R. que os factos considerados como provados (mal no seu entender) influíram na decisão de Direito, mormente “quando o Tribunal “a quo” decidiu que a deliberação de não distribuição de dividendos, aprovada por 66,7% do capital social (logo maioria qualificada dos votos) é uma deliberação abusiva”.
Vejamos :
O artº 21º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais contém um elenco dos direitos gerais dos sócios.  E o primeiro direito geral de sócio, contemplado naquele preceito é o de quinhoar nos lucros da sociedade.
A definição genérica de lucro traduz-se no ganho do património da sociedade. 
Mas no direito societário há diversas noções de lucro, nomeadamente (cf. Diogo Frada de Almeida e Marta da Fonseca Morgado, in “Distribuição dos Lucros”, estudo consultado na “internet” em https://carlospintodeabreu.com/wp-content/uploads/2018/10/distribuicao_dos_lucros.pdf) :
-Lucro de balanço:  “Acréscimo patrimonial, revelado em balanço, equivalente à diferença entre, por um lado, o valor do património social líquido e, por outro lado, o valor conjunto do capital social e das reservas indisponíveis”. Este lucro corresponde ao limite máximo dos bens que, durante a existência da sociedade, podem ser distribuídos aos sócios (artº 32º do Código das Sociedades Comerciais).
-Lucro de exercício:  “Excedente do valor do património social líquido no final do exercício ou “período” sobre o valor do património social líquido no início do mesmo período”.  Este lucro é importante para determinar a parte do lucro que, em regra, deve ser distribuída pelos sócios depois de findo o exercício.
-Lucro final:  Este lucro é apurado na fase terminal da sociedade.  É o excedente do património social líquido sobre o capital social.
Quanto aos lucros de balanço, nos termos do artº 32º do Código das Sociedades Comerciais, os sócios não têm um direito ao mesmo, não têm o poder de exigir que este lhes seja atribuído consequentemente à aprovação do balanço.  Têm sim o direito de exigir que anualmente a administração lhes apresente um relatório de gestão (artº 65º nºs. 1 e 5 do Código das Sociedades Comerciais) contendo também uma proposta de aplicação de resultados (artº 66º nº 5, al. f) do Código das Sociedades Comerciais) e de deliberar sobre tal aplicação (artºs. 189º nº 3, 246º nº 1, al. e) e 376º nº 1, al. b do Código das Sociedades Comerciais).  Uma das excepções a esta regra diz respeito às sociedades por quotas e anónimas, onde, não se verificando certas condições, os sócios têm direito à distribuição de pelo menos metade do lucro de exercício distribuível (artºs. 217º nº 1 e 294º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais).
No que diz respeito aos lucros de exercício, de acordo com os artºs. 217º nº 1 e 294º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais, “salvo diferente cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social em assembleia geral para o efeito convocada, não pode deixar de ser distribuído aos sócios (“accionistas” no artº 294º do Código das Sociedades Comerciais) metade do lucro do exercício que, nos termos desta lei, seja distribuível”.  Existindo lucros de exercício distribuíveis, se o estatuto social não dispuser diferentemente e se os sócios não deliberarem distribuir menos de metade, a sociedade fica obrigada a distribuir aos sócios metade do lucro de exercício, os sócios têm direito a essa distribuição.  No entanto, não são distribuíveis os lucros do exercício necessário para cobrir prejuízos transitados ou para formar ou reconstituir reservas impostas por lei (artºs 218º e 295º do Código das Sociedades Comerciais) ou pelo estatuto social (artº 33º do Código das Sociedades Comerciais).
O lucro final é irrelevante para o caso aqui em apreço.
No que às reservas diz respeito (questão relevante, em especial, para os lucros de exercício), diremos (seguindo ainda o estudo supra citado) que a Reserva societária é a cifra representativa de valores patrimoniais da sociedade, derivados normalmente de lucros que os sócios não podem ou não querem distribuir, que serve principalmente para cobrir eventuais perdas sociais e para autofinanciamento.  Geralmente as reservas derivam de lucros (ou parte deles) que não podem ser distribuídos aos sócios, como é o caso de reservas legais ou estatutárias, ou de deliberações a não distribuir, destinando os lucros a reservas livres.  As reservas têm, à luz do artº 296º do Código das Sociedades Comerciais, a importante função de serem utilizadas para cobrir prejuízos.
A propósito da obrigatoriedade de constituição de reserva legal prevista no artº 218º do Código das Sociedades Comerciais, estabelece o artº 295º nº 1 deste mesmo Código, que uma percentagem não inferior à vigésima parte dos lucros da sociedade é destinada à constituição da reserva legal e, sendo caso disso, à sua reintegração, até que aquela represente a quinta parte do capital social.
E quanto à distribuição dos lucros/dividendos obrigam os estatutos da R. (artº 7º nº 1, al. h)) a uma votação qualificada de 75%.
*
aa)- No caso dos autos, entendeu o Tribunal “a quo” que a decisão sobre o Ponto Dois da ordem de trabalhos é anulável.
E fundamenta a sua posição nos seguintes termos :

No contexto da sociedade em causa, que notoriamente alcançou lucros e que vive sob um intenso conflito familiar e societário entre pai/filho e filha, não é aceitável uma afectação total dos proventos a reservas o que nesse caso significa igualmente materializar a pretensão de afastamento do autor de receber os benefícios que resultam da actividade da sociedade R., de que é sócio com uma quota equivalente a 33% do capital social, visando nitidamente prejudicá-lo.
Assim sendo, a deliberação que incidiu sobre o ponto 2, ao ser votada favoravelmente pelos sócios J.S. e M. nos moldes em que ocorreu, configura um exercício abusivo de tal direito de voto, por contender diretamente com direito societário fundamental do sócio N.J.S. em quinhoar lucros, nos termos do art. 21º, nº 1, al. a).
Pelo que, tal deliberação merece ser anulada, nos termos do disposto no art. 58º, nº 1, al. b), do CSC”.

Defende a R. que a deliberação não é abusiva.
No que diz respeito às deliberações abusivas, diremos que o artº 58º nº 1, al. b) do Código das Sociedades Comerciais dispõe que “são anuláveis as deliberações que : (…) b) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos”.
Para António Menezes Cordeiro (in “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, pg. 226), o artº 58º do Código das Sociedades Comerciais prevê dois grandes tipos de vícios :  a contrariedade à lei (ampla) ou aos estatutos ;  e o abuso, previstos no nº 1, als. a) e b).
O artº 56º nº 2 do Código das Sociedades Comerciais precisa a contrariedade à lei, enquanto o artº 56º nº 1, al. c) e o artº 58º nº 4, ambos do Código das Sociedades Comerciais, concretizam em especial caso desse tipo de contrariedade :  A violação do dever de informação.  O artº 58º nº 3 do mesmo Código estipula consequências pessoais, para os sócios, pela prática de abuso.
A contrariedade à lei provoca anulabilidade quando, por via de alguma das alíneas do artº 56º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais, não implique a nulidade aludida no artº 58º nº 2 do referido Código.
Os vícios de forma ou de procedimento, quando não caiam no artº 56º nº 1, als. a) e b) geram anulabilidade, mas apenas quando a falha possa intervir no sentido final da deliberação.  Trata-se da regra geral do processo (201º nº 1 do Código de Processo Civil), que serve também o “favor societatis”.
Com efeito, os sócios para manifestarem a sua vontade relativamente aos conteúdos mais importantes da vida da sociedade, fazem-no mediante deliberação.  As deliberações dos sócios podem revestir diferentes modalidades, no entanto, apenas é admissível deliberar tendo em conta as formas previstas pela lei, nos artºs. 53º e 54º do Código das Sociedades Comerciais.
A assembleia geral equivale, como esclarece António Menezes Cordeiro (in “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, pg. 216), ao modo matricial básico de tomar deliberações pelos sócios de uma sociedade, sendo que as regras relativas à assembleia geral que decorrem, quer da lei quer dos estatutos, aplicam-se, como decorre do artº 53º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais, a todos os modos de deliberar, salvo diversa solução interpretativa, como flui do nº 2 do citado normativo.
Nos termos do artº 21º nº 1, al. b) do Código das Sociedades Comerciais, todos os sócios têm direito a participar nas deliberações, sem prejuízo das restrições previstas na lei e para esse efeito, as deliberações são tomadas, em regra, em assembleia geral devidamente convocada.
Como refere António Menezes Cordeiro (in “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, pg. 137), nas assembleias gerais o direito de participar implica o de usar da palavra, o de colocar questões, o de adiantar argumentos, o de formular propostas e o de votar.
Mas, é consabido que o voto maioritário sempre prevalecerá, conforme se infere dos artºs. 189º, 250º, 386º, 410º e 423º do Código das Sociedades Comerciais, não obstante as várias disposições do mesmo Código que traçam uma reserva de protecção das minorias.
O acima citado artº 58º nº 1, al. b) do Código das Sociedades Comerciais, prevê a anulabilidade das deliberações que sejam apropriadas para satisfazer :
-O propósito de um dos sócios ;
-De conseguir através do exercício do direito de voto ;
-Vantagens especiais para si ou para terceiros ;
-Em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ;
-Ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes.
A anulabilidade da deliberação é, todavia, afastada, caso se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos (a chamada prova de resistência de uma deliberação válida).
A Doutrina e Jurisprudência não se têm manifestado de forma unânime em relação à aludida norma.
Citando o Acórdão da Relação de Lisboa de 2/11/2017 (Relatora Ondina Carmo Alves, consultado na “internet” em www.dgsi.pt) :
“Segundo uma tese, o facto de no preceito não se fazer qualquer referência à manifesta contrariedade à boa-fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito, assim como a falta da cominação de ilegitimidade, afasta a possibilidade de actuação do citado artigo 58º nº1, alínea b), do CSC do campo do abuso do direito – v. neste sentido Pedro Pais de Vasconcelos, A Participação Social nas Sociedades Comerciais, 2ª Ed., Almedina, 2006, 153, ou António Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2009, 228, ao referir que :  (…)“O exercício do voto pode, como em qualquer situação jurídica, incorrer em abuso do direito (334º do Código Civil).  Para tanto, ele deverá defrontar o núcleo axiológico fundamental do sistema, expresso pela locução boa fé e concretizado através de dois princípios mediantes :  (a) a tutela da confiança legítima ;  (b) a primazia da materialidade subjacente.  O abuso do direito toma corpo em grupos típicos de situações abusivas : “venire contra factum proprium”, inalegabilidades formais, “suppressio, tu quoque” e desequilíbrio no exercício. Todos estão profundamente radicados na jurisprudência dos últimos vinte anos. As deliberações sociais podem, por essa via, incorrer em abuso, violando, através de algumas destas figuras (que não são taxativas), o 334º do Código Civil.  Quando isso suceda, segue-se o regime da nulidade, por violação de um princípio injuntivo – 56º/1, d).  O 58º/1, b), não pretende, objectivamente, ocupar o lugar do 334º do Código Civil; nem faria sentido que, violado este preceito, se seguisse a mera anulabilidade””.
“(…)”
“Seguindo este entendimento, o Ac. TRC de 06.11.2012 (Pº 281/08.1 TBVNO.C1), acessível em www.dgsi.pt., defendeu que as deliberações e os votos abusivos não são identificáveis com o abuso do direito”.
“Outra tese propugna, ao invés, pela aplicabilidade do instituto do abuso do direito no âmbito das deliberações sociais, pelo que haverá que articular o artigo 58º, nº 1, alínea b), do CSC com o artigo 334º do CC, uma vez que o primeiro não prevê taxativamente todas as situações de abuso do direito que daqui possam decorrer.  É, por isso, necessário recorrer à cláusula geral do artigo 334º do CC para sancionar os restantes casos que não se enquadram no artigo 58º, nº 1, alínea b), do CSC. Considera, portanto, esta tese que a aplicabilidade de um dos artigos não afasta a aplicabilidade do outro – v. neste sentido, Armando Manuel Triunfante, A Tutela das Minorias nas Sociedades Anónimas – Direitos de Minoria Qualificada ;  Abuso de Direito, Coimbra Editora, 2004, 376 e ss. ; Jorge Henrique da Cruz Pinto Furtado, Deliberações de Sociedades Comerciais, Almedina, Coimbra, 2005, 656 e ss. que igualmente defende que a aplicabilidade do artigo 58º, nº 1, al. b), do CSC, deve ser patenteada pelo cumprimento de pressupostos previstos pelo artigo 334º do CC, ou seja, para este autor existe articulação entre ambos os artigos ;  cfr. também do mesmo autor, Curso de Direito das Sociedades, 3ª ed., Almedina, 450 e ainda, a título meramente exemplificativo, Ac. TRP de 17.02.2011 (Pº 117/07.0 TYVNG.P1)”.
“Porém, e independentemente da tese perfilhada, a verdade é que se deve defender como deliberação social abusiva, toda a deliberação, formal e objectivamente correcta, desarmónica com o fim social, que causa um prejuízo à sociedade ou aos sócios, nessa qualidade.  Caracteriza-se por visar a prossecução de um interesse particular, prejudicando o interesse dos sócios, sem que isso corresponda ao interesse da sociedade”.
Assim, para se verificar se uma deliberação é abusiva ou não, importa averiguar o voto, em si mesmo e não o conteúdo da própria deliberação, pois a norma em causa reporta-se essencialmente ao exercício do direito de voto, abrangendo assim as deliberações sociais que sejam tomadas mediante votos abusivos e que, objectiva ou subjectivamente impliquem vantagens especiais para o próprio (geralmente patrimoniais, mas também poderão ser vantagens na posição jurídico-corporativa), em prejuízo da sociedade ou de terceiros ou tenham em vista prejudicar a sociedade ou outros sócios.
O artº 58º nº 1, al. b), do Código das Sociedades Comerciais prevê, portanto, duas modalidades de deliberações abusivas :
1º-  As deliberações que revelem o intuito do sócio de conseguir vantagens especiais para si, ou para terceiros, em detrimento de outros sócios ou da própria sociedade, ou seja, as apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios, de conseguirem, através do exercício do direito do voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios.
2º-  Deliberações que revelem o intuito do sócio em prejudicar a sociedade ou os outros sócios, através do exercício do seu direito de voto, ou seja, as apropriadas para satisfazer o propósito tão-só de prejudicar a sociedade ou os outros sócios.
Esta última espécie de deliberação é também designada de deliberação emulativa e assenta essencialmente nesse desiderato :  Em satisfazer um único propósito, o de prejudicar a sociedade ou os outros sócios (cf. Pinto Furtado, in “Curso de Direito Comercial”, Vol. II, 4ª ed., pgs. 555 a 560).
De acordo com o Acórdão da Relação de Lisboa de 2/11/2017 (consultado na “internet” em www.dgsi.pt), são os seguintes os requisitos que se têm de verificar para que se considere a deliberação abusiva :
-Pressuposto objectivo da deliberação, ou seja, deverá verificar-se, objectivamente, que o benefício desejado pelo sócio acarretou prejuízo para a sociedade ou para os restantes sócios, isto é, adequação da deliberação para provocar uma situação de vantagem para os sócios em causa ou para terceiro, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios, ou uma situação de simples prejuízo para a sociedade sem que se obtenham vantagens especiais.
-Pressuposto subjectivo da deliberação que assenta na intenção do sócio em determinar através do seu voto, um prejuízo para a sociedade ou para os restantes sócios, isto é, o propósito do sócio de conseguir vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios, ou simplesmente de prejudicar a sociedade, exigindo-se assim o dolo, ainda que revestido na modalidade de dolo eventual.
Resulta do exposto, que o impugnante, na acção de anulabilidade de uma deliberação abusiva terá de fazer prova que essa deliberação é apropriada para satisfazer o propósito ilícito de um ou mais sócios, dela derivando prejuízo para a sociedade ou para os sócios.
*
bb)- Vejamos o que sucedeu no caso concreto.
Constava do Ponto Dois da ordem de trabalhos:  “Deliberar sobre a proposto de aplicação de resultados apresentada pela Gerência da Sociedade relativamente aos exercícios findos em 31 de Dezembro de 2016, 31 de Dezembro de 2017 e 31 de Dezembro de 2018”.
Em 7/11/2019, na sede social da R., teve lugar a continuação da Assembleia Geral Ordinária desta.
No que diz respeito ao referido Ponto Dois da ordem de trabalhos, a gerência da R. propôs a aplicação dos resultados, da seguinte forma :
“Relativamente ao exercício de 2016, que o resultado líquido do período de € 11.943,19, seja aplicado do seguinte modo: € 1.480,00 para a rubrica “Reservas Legais e € 10.463,19 para a rubrica “Outras Reservas”;
Relativamente ao exercício de 2017, que o resultado líquido do período de € 32.809,30, seja integralmente aplicado na rubrica “Outras Reservas” e, relativamente ao exercício de 2018, que o resultado líquido do período de € 79.119,39, seja integralmente aplicado na rubrica “Outras Reservas””.
Os sócios J.S. e M.B., que representam 3.400 € (1.500 € + 1.900€) do capital social, votaram favoravelmente o segundo ponto da ordem de trabalhos e o A., que representa 1.700 € do capital social, votou contra, resultando na aprovação por maioria do capital social.
Nos termos do artigo 7º dos Estatutos da Sociedade R., “será necessária uma maioria qualificada de 75% do capital social para aprovação de deliberações sobre todas as matérias para as quais a lei exija maioria qualificada, salvo nos casos em que a maioria legal seja mais exigente que a prevista nestes estatutos, e ainda para aprovação das deliberações relativas a :  (…) h) distribuição de dividendos”.
Apurou-se ainda a existência de suprimentos não reembolsados aos sócios, no valor global de 907.500 € (J.S. = 319.500 € + M.B. = 302.500 € + N.J.S. = 285.500 €).
Ora, analisando os Relatórios de Gestão da R. referentes aos anos de 2016, 2017 e 2018 (Docs. 2, 3 e 4 juntos aos autos em 3/2/2020 pelo Requerimento com a Refª 16298233) verifica-se que esta teve um resultado positivo de exercício de 11.943,19 € no ano de 2016, de 32.809,30 € no ano de 2017 e de 79.119,39 € no ano de 2018 €.  Ou seja, o resultado positivo líquido total desses três anos foi de 123.871,88 € (11.943,19 € + 32.809,30 € + 79.119,39 €).
De salientar aqui que nos anos anteriores (2009 a 2015), o A. votou sempre, ao lado dos demais sócios, pela alocação dos resultados (positivos e negativos) para “Resultados Transitados”, “Reservas Legais” e/ou “Reservas Livres””, nunca propondo a distribuição de dividendos, tal como a R. referiu nas alegações de recurso.  No entanto, o A. indica nas suas contra-alegações de recurso que essas deliberações foram tomadas numa situação em que a sociedade procedia à restituição de valores aos sócios em função dos suprimentos feitos (ver os artigos 31º a 33º das contra-alegações do A.), contextualizando, pois, nesses termos a sua vontade aquando da tomada dessas deliberações, podendo razoavelmente aceitar-se que assim acontecesse, considerando que estamos perante facto pessoal que até é favorável à sociedade R. (pagamento de suprimentos).
Perante esta factualidade, é possível concluir que a deliberação em causa foi aprovada pelos sócios maioritários com o intuito de conseguirem vantagens especiais para si, ou para terceiros, com prejuízo de outros sócios, neste caso o A., que não a aprovou.
Com efeito, verifica-se que a sociedade R. não tem prejuízos, não se vendo que esta, através dos outros dois sócios (J.S. e M.B.), explique de forma convincente o motivo pelo qual se justifica a necessidade de não distribuição de lucros, ainda para mais quando estes respeitam a um período de tempo não despiciendo (três anos).  O certo é que da acta da assembleia geral em causa, não se mostra demonstrada a necessidade de capitalização, nem justificada a constituição de reservas legais ou contratuais, sendo que tudo o que ali é referido, o é em termos genéricos).
E, além do mais, mostra-se indiciado um clima de conflitualidade entre os dois sócios maioritários, de um lado, e o A. do outro, sendo, pois, manifesta a intenção daqueles em privar o sócio minoritário de receber os benefícios que resultam da atividade da R..
Assim sendo, a deliberação agora em análise, que incidiu sobre o Ponto Dois da ordem de trabalhos, ao ser votada nos termos em que o foi, configura um exercício abusivo de tal direito de voto, visando os dois sócios maioritários colher para si uma vantagem que, em contrapartida, prejudica o A., contendendo directamente com o direito societário deste em quinhoar nos lucros (artº 21º nº 1, al. a) do Código das Sociedades Comerciais), havendo, pois, que a anular, por violação da lei (artº 58º nº 1, al. a) do Código das Sociedades Comerciais)
Deste modo, teremos que concluir que o recurso da R., em sede de Direito, improcede na totalidade.
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cc)- Resumindo quanto ao recurso da R. :
Há que julgar o mesmo parcialmente procedente na parte incidente sobre a decisão da matéria de facto (nomeadamente quanto ao aditamento de um facto novo, a que se atribuiu o número 33-A.).
Em sede de Direito, há que julgar o recurso totalmente improcedente.

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III–Decisão

Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em :
1º- Quanto ao recurso do A. N.J.O.S. :
a)- Alterar a matéria de facto conforme acima fica dito.
b)- Conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, revogar parcialmente a Sentença recorrida e, nessa medida, determina-se a anulação da deliberação social tomada quanto ao Ponto Cinco da ordem de trabalhos da Assembleia Geral da sociedade comercial “L.M., Ldª”, realizada em 7/11/2019, a saber :
“O Sr. Presidente da mesa declara o ponto cinco da ordem de trabalhos aprovado por maioria do capital social sendo deste modo atribuídos a J.S.O.S. os poderes para, isoladamente, representar a Sociedade na outorga da escritura e ou documento particular autenticado de aquisição da fracção autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao primeiro anda do prédio urbano, com entrada pelo nº ...-B, ao nível da sobreloja, sito na Rua ..... ..... nºs. ..., ...-A e ...-B, freguesia de S....., concelho de L____, descrito na Conservatória do Registo Predial de L____ sob o nº ... e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo ..., bem como para apresentar quaisquer requerimentos ou declarar ou requerer tudo o que pela Sociedade deva ser declarado ou requerido, junto de Cartórios Notariais, Bancos, serviços de registo predial, Autoridade Tributária e Aduaneira, ou outras entidades competentes, com vista à concretização dessa escritura”.   
c)-  No mais, confirmar a decisão recorrida.
2º-  Quanto ao recurso da R. “L.M., Ldª” :
a)-  Alterar a matéria de facto conforme acima fica dito.
b)- Negar provimento ao recurso confirmando na íntegra a decisão recorrida.
Custas do recurso do A. :  Na proporção de 2/5 pelo A. e 3/5 pela R. (artº 527º do Código do Processo Civil).
Custas do recurso da R. :  Pela R. (artº 527º do Código do Processo Civil).

Processado em computador e revisto pelo relator



Lisboa, 7 de Fevereiro de 2023


Pedro Brighton
Teresa Sousa Henriques
Isabel Fonseca