Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20599/10.2T2SNT-B.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: CONTRIBUIÇÃO PARA A SEGURANÇA SOCIAL
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: SENTENÇA PARCIALMENTE ALTERADA
Sumário:
Sumário

I–A prescrição configura-se como uma excepção peremptória, assumindo a natureza de um facto obstativo do exercício de um direito – cf., o nº. 3, do artº. 576º, do Cód. de Processo Civil ;
II–no âmbito das dívidas à segurança social existe algum desvio ao regime geral daquela, nomeadamente, e desde logo, o vinculado conhecimento oficioso da excepção de prescrição, imposto pelo prescrito no artº. 175º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – aprovado pelo DL 433/99, de 26/10 -, o que decorre das alíneas c) e d),m do artº. 1º, do mesmo diploma ;
III–invocada a excepção peremptória de prescrição por parte do Impugnante Executado, e demonstrado por este o decurso do prazo prescricional entre a data em que a obrigação deveria ter sido cumprida e a data em que os créditos foram reclamados, incumbe, por sua vez, ao Reclamante credor a prova de qualquer ocorrência que tenha determinado a interrupção ou suspensão da prescrição (cf., o nº. 2, do artº. 342º, do Cód. Civil).

Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:


              
I–RELATÓRIO


1–Por apenso aos autos de Execução comum nº. 20599/10.2T2SNT, em que figura como Exequente o CONDOMÍNIO……, na Rua ……, e como Executados ANÍBAL …… e mulher ANA……, ambos residentes na ……, foram reclamados os seguintes créditos:
Pelo INSTITUTO da SEGURANÇA SOCIAL, IP, o valor de 8.406,48 € (oito mil quatrocentos e seis euros e quarenta a oito cêntimos), referente a contribuições e juros de mora, alegando, em súmula, o seguinte:
a)-Como contribuinte do Reclamante, o Executado encontra-se enquadrada no regime dos trabalhadores independentes ;
b)-Encontrando-se sujeita ao pagamento de contribuições, nos termos das disposições constantes do artº 29º do dec-lei nº 328/93, de 25 Setembro, do dec-lei nº 240/96 de 14 Dezembro, do dec-lei nº 159/01 de 18 Maio, do dec-lei nº 119/05 de 22 Julho, dos artºs 56º, 57º e 59º da lei 4/2007, de 16 Janeiro e dos artºs 150º e seguintes do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela lei nº 110/2009, de 16 Setembro (alterado pela lei nº 119/2009, de 30 Dezembro, pelo dec-lei nº 140-B/2010, de 30 Dezembro, pela lei nº 55-A/2010, de 31 Dezembro e pela lei nº 64-B/2011, de 30 Dezembro) ;
c)-Não tendo pago contribuições no valor de 6.062,34 € (seis mil sessenta e dois euros e trinta e quatro cêntimos), conforme certidão que junta ;
d)-Às quais acrescem os respectivos juros moratórios, às taxas apuradas nos termos do artigo 3º do DL nº 73/99, de 16 de Março (na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 3 - B/2010 de 28 de Abril, e pela Lei nº 55-A/2010 de 31 Dezembro) ;
e)-Perfazendo os juros vencidos até Janeiro de 2021, o valor de 2.344,14 € ;
f)-O crédito do reclamante encontra-se garantido pelo privilégio mobiliário geral e por privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património do contribuinte à data da instauração do processo executivo (artº 10º e 11º do DL nº 103/80, de 9 Maio e artºs 204º e 205º do Código Regimes Contributivos Sistema Previdencial Segurança Social, aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16 Setembro, alterada pela Lei nº 119/2009, de 30 Dezembro, pelo DL nº 140-B/2010, de 30 Dezembro, pela lei nº 55-A/2010, de 31 Dezembro e pela lei nº 64-B/2011, de 30 Dezembro).
Conclui, no sentido da admissibilidade da reclamação apresentada, devendo ser verificado, reconhecido e graduado o crédito no lugar que, pela sua preferência, legalmente lhe competir, acrescido dos respectivos juros vincendos.

2–Tendo-se procedido às notificações previstas no nº. 1, do artº. 789º, do Cód. de Processo Civil, veio o Executado deduzir impugnação, alegando, em súmula, o seguinte:
as contribuições respeitantes aos meses de Janeiro de 2009, que deveria ser paga voluntariamente até 15/2/2009, a Dezembro de 2011, que deveria ser paga até 20/1/2012, e juros de mora respectivos, já não eram exigíveis em 24/4/2021, data em que o ora reclamado foi notificado, na pessoa do seu patrono oficioso, da reclamação de créditos apresentada, por efeito da prescrição das mesmas ;
pois, antes de tal notificação jamais o ISS, IP ou o IGFSS, IP dirigiu qualquer comunicação, com seu conhecimento, conducente à liquidação ou cobrança das dívidas em causa ;
não tendo ocorrido, assim, quaisquer factos determinativos da interrupção ou suspensão do prazo de prescrição relativamente às contribuições constantes na certidão de dívida ;
tendo o ora reclamado sido notificado nos presentes autos muito para além do 5º ano posterior ao da liquidação dos tributos exequendos em questão, é de concluir que , quanto ao ora reclamado, ocorreu a prescrição dos mesmos, o que deve ser reconhecido e declarado pelo tribunal.

Conclui, no sentido de:
- ser julgada procedente, por provada a excepção peremptória invocada e, assim declarada a prescrição da divida reclamada quanto ao executado / reclamado ;
- consequentemente, ser indeferida a reclamação de créditos do ISS, IP. e , logo, ser julgado como não verificado nem graduado, na execução apensa, o crédito reclamado.

3–Notificado, veio o Reclamante responder à excepção, alegando, em resumo, que:
-vem dar conhecimento dos seguintes actos interruptivos da prescrição que forma comunicados pelo IGFSS, I.P.:
- no âmbito do Processo de execução fiscal n.º 1101201100566160, dívida de Contribuições de Trabalhador Independente dos períodos de 2009/01 a 2010/12:
. Citação remetida em 2011-06-13 a qual não foi recepcionada (cf. doc 1);
. Notificação de penhora remetida em 16/11/2011, (cf. doc 2);
. Notificação de enquadramento de divida em 15/11/2012, (cf. doc 3);
. Notificação de penhora de IRS em 18/03/2013, (cf. doc 4) ;
- no âmbito do Processo n.º 1101201500164470, dívida de Contribuições de Trabalhador Independente dos períodos de 2011/01 a 2011/12: .
.Citação enviada em 2015-03-28 e recepcionada em 2015-04-10, ( cf. doc 5).
Com tal resposta, juntou 5 documentos.

4–Notificado, veio o Executado/Reclamado, relativamente aos documentos juntos, referenciar que:
· Desconhece a autenticidade da letra e assinatura apostas nos documentos 1 a 4, por nunca deles ter tido qualquer conhecimento ;
· Quanto ao documento 5, reconhece a assinatura a ele imputado no AR, no entanto, atento o tempo já decorrido e a alteração do seu domicílio, não se recorda do teor da comunicação a que o mesmo respeitava.

5–Em 26/10/2021, foi proferida SENTENÇA, em cujo DISPOSITIVO consta o seguinte:
“4.- Pelo exposto,
a)-reconhece-se o crédito reclamado pelo Instituto da Segurança Social, I.P;
b)-graduam-se os créditos da seguinte forma:
1.º- O crédito reclamado;
2.º- O crédito exequendo.
As custas da execução saem precípuas do produto dos bens penhorados (artigo 541.º do CPC).
Custas pelo executado (527.º, n.º 1, do CPC), fixando-se à presente acção o valor de €8.406,48.
Registe e notifique.
Comunique ao AE”.

6–Inconformado com a decisão prolatada, veio o Executado/Reclamado Aníbal…… interpor recurso de apelação, no qual apresentou as seguintes CONCLUSÕES:
1–A sentença recorrida, no segmento em que considera como provada a notificação do executado / apelante, da penhora de reembolso de IRS no processo de execução fiscal nº 110120110566160 por carta de 18/3/2013, no ponto 3 da sua fundamentação, é errada fazendo uma incorreta valoração da prova documental produzida quanto a tal facto .
2–A sentença recorrida, no segmento em que considera como provada a citação do executado / apelante, para os termos da execução fiscal nº 1101201500164470 por em 10/4/2015, no ponto 4 da sua fundamentação, é errada fazendo uma incorreta valoração da prova documental produzida quanto a tal facto .
3–O reclamante juntou aos autos, para prova da interrupção da prescrição dos créditos reclamados, 5 documentos particulares correspondentes a cópias simples de notas de notificação e de citação, certidões de divida e avisos de recepção alegadamente extraídas de dois processos de execução fiscal para cobrança de contribuições devidas à segurança Social pelo apelante respeitantes ao período compreendido entre Janeiro de 2009 e Março de 2013 cuja autoria é imputada ao próprio credor reclamante.
4–A autenticidade da letra e assinaturas apostas nos referidos documentos foi impugnada pelo apelante, à excepção da assinatura aposta no aviso de recepção cuja cópia constitui a ultima página do documento 5 assim junto pelo reclamante.
5–As assinaturas neles apostas não se encontram reconhecidas ou acompanhadas de selo do respectivo do respectivo serviço e as cópias em causa não se mostram certificadas .
6–Tratam-se, pois, de cópias de documentos particulares, sujeitas à livre apreciação do julgador, nos termos do artº 366º CC.
7–Sendo apenas a prova documental que fundamentou a decisão em crise, é bem de concluir que os documentos que serviram para o convencimento do tribunal foram os referidos documentos juntos pelo credor reclamante em 4/6/2021, para além da certidão de dívida junta com a petição inicial de reclamação de créditos da ISS, IP, e demais prova documental dos autos executivos.
8–Quanto aos créditos de contribuições não pagas respeitantes ao período de Janeiro de 2009 a Novembro de 2011, alegadamente objecto de cobrança coerciva no processo de execução fiscal nº 1101201100566160 e a que respeitam os documentos 1 a 4 juntos com o requerimento do reclamante de 4/6/2021, não tendo o apelante sido citado da execução, sendo, aparentemente a nota de notificação datada de 18/3/2013, a primeira pela qual o executado teria conhecimento da pendência da execução, resulta que a notificação da penhora realizada deveria obedecer à forma pessoal, nos termos do nos termos do artº 193º nº 2 , conjugado com o disposto no artº 203º nº 1 al a) CPPT, aplicável aos autos de execução para cobrança de dividas da segurança social por remissão do artº 6º do DL nº 42/2001 , e artº 225º nº 2 CPC e 220º nº 2 CPC
9–Ou, no mínimo, que fosse realizada por carta registada, nos termos do artº 249º CPC, sendo ineficaz qualquer notificação que, pelo menos, não tenha sido remetida por via postal sob registo.
10–Não se mostra provado que a referida nota de notificação da penhora do IRS tenha sido enviada ao apelante, que tenha sido remetida sob correio registado, com ou sem aviso de recepção, e, muito menos, que o apelante tenha tido conhecimento da mesma, e, consequentemente, que tenha por ela sido notificado daquela penhora conforme se conclui no ponto 3 da fundamentação dos factos provados na sentença em crise.
11–Não foram carreados para os autos outros documentos que comprovem aquele segmento fáctico do ponto 3, ora impugnado.
12– Consequentemente, aquele segmento do ponto 3 dos factos provados - “ … tendo o executado sido notificado da penhora do reembolso de IRS ai efectuada por carta de 18/3/2021 “ - mostra-se contrário ao que decorre da prova documental dos autos, sendo facto que, ao invés, não se mostra provado por total ausência da mesma , assim devendo ser alterada a decisão sobre a matéria de facto expurgando-se do elenco dos factos provados o referido segmento.
13–O mesmo se concluindo quanto ao segmento factual inserto no ponto 4 dos factos provados – “… tendo o executado sido citado para os termos da execução em 10/4/2015”.
14–A prova que fundamentou tal errada conclusão, foi o documento 5 junto com o requerimento do credor reclamante em 4/6/2021 13 – Tal documento, isoladamente apreciado e sem qualquer outra prova que o corrobore, não permite concluir que o conteúdo da carta que terá sido registada com determinada identificação postal sejam as 6 páginas, designadamente, a 3ª página referente à certidão de dívida que constitui o titulo executivo naquela execução. 14 - Na verdade, atentos aos automatismos usados pela Segurança Social, tal como pela AT, na elaboração dos documentos nos processos executivos, com procedimentos informáticos complexos e dificilmente sancionados, frequentes são os erros de procedimento com a incorrecção na emissão de documentos e omissões de envio.
15–E, assim, a mera demonstração da elaboração ou impressão de documentos tramitados informaticamente, não permite, por si só, comprovar o envio dos mesmos ao seu destinatário.
16–Consequentemente, aquele segmento do ponto 4 dos factos provados - “… tendo o executado sido citado para os termos da execução em 10/4/2015 ”- mostra-se contrário ao que decorre da prova documental dos autos, sendo facto que, ao invés, não se mostra provado por total ausência da mesma , assim devendo ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, expurgando-se do elenco dos factos provados o referido segmento, devendo, ao invés, ambos os segmentos em crise, serem dados por não provados
17–Atenta a impugnação sobre a decisão da matéria de facto supra clamada e que se crê venha a merecer provimento, é evidente que a excepção de prescrição dos créditos reclamados pelo ISS, IP invocada pelo Apelante na oposição deve ser julgada procedente.
18–Atento o documento brandido pelo reclamante com o seu requerimento inicial de reclamação de créditos – certidão de divida de contribuições de trabalhador independente - , esse sim um documento autêntico, é de considerar-se provados os montantes das contribuições ali referidas e os períodos a que as mesmas respeitam .
19–Igualmente se mostra documentado nos autos a data em que o Apelante, na pessoa do seu patrono oficioso, foi notificação da reclamação de créditos ajuizada.
20–No que diz respeito às dívidas à Segurança Social (contribuições ou quotizações), e respectivos juros de mora, o prazo de prescrição é actualmente de cinco anos e computa-se o decurso do prazo prescricional a partir da data em que a mesma obrigação deveria ser cumprida, sendo que a prescrição se interrompe com a prática de qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida, nomeadamente a instauração de processo de execução fiscal (cfr.artº.63, nºs.2 e 3, da lei 17/2000, de 8/8; artº.49, nºs.1 e 2, da Lei 32/2002, de 20/12; artº.60, da Lei 4/2007, de 16/1; artº.187, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16/9, e que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/2011).
21–Actualmente, conforme previsto no artº 187º do CÓDIGO DOS REGIMES CONTRIBUTIVOS DO SISTEMA PREVIDENCIAL DE SEGURANÇA SOCIAL, a obrigação do pagamento das contribuições e das quotizações, respetivos juros de mora e outros valores devidos à segurança social, no âmbito da relação jurídico contributiva, prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida, sendo que tal prazo se interrompe pela ocorrência de qualquer diligência administrativa realizada, da qual tenha sido dado conhecimento ao responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida e pela apresentação de requerimento de procedimento extrajudicial de conciliação.
22–O prazo de pagamento voluntário das contribuições reclamadas terminava no dia 20 do mês seguinte àquele a que diziam respeito cfr. artº 43º CÓDIGO DOS REGIMES CONTRIBUTIVOS DO SISTEMA PREVIDENCIAL DE SEGURANÇA SOCIAL
23–O decurso do prazo de prescrição extingue o direito do Estado à cobrança do imposto.
24–Quer isto dizer que as contribuições respeitantes aos meses de Janeiro de 2009, que deveria ser paga voluntariamente até 15/2/2009, a Dezembro de 2011, que deveria ser paga até 20/1/2012, e juros de mora respectivos, já não eram exigíveis em 24/4/2021, data em que o ora reclamado foi notificado, na pessoa do seu patrono oficioso, da reclamação de créditos apresentada, por efeito da prescrição das mesmas.
25–Antes da notificação presente, jamais o ISS, IP ou o IGFSS, IP dirigiu qualquer comunicação, com seu conhecimento, conducente à liquidação ou cobrança das dividas em causa, conforme se viu, sendo ao credor reclamante que impende a obrigação de alegar e provar os factos impeditivos da prescrição invocada pelo devedor nos termos do artº 342º nº 2 CC.
26–Tendo o apelado invocado a excepção peremptória de prescrição e demonstrado os factos constitutivos da mesma seja, o facto determinativo do inicio da contagem e o tempo decorrido entre esse cômputo inicial da prescrição e a data da sua notificação nos autos, conclui-se que os créditos reclamados (que foram reclamados nos autos muito para além do 5º ano posterior ao da liquidação dos tributos exequendos em questão tal como a subsequente notificação ao apelante) encontravam-se já extintos por prescrição, o que devia ser reconhecido e declarado pelo tribunal, obstando à sua verificação e graduação.
27–A sentença em crise que assim não o considerou violou os termos do artº 60º nº 3 da Lei nº 4/2007 e artº 187º nº 1 do CRCSPSS e artº 304º nº 1 CC, pelo que deve ser revogada e substituída por outra decisão que, reconhecendo a extinção dos créditos reclamados por prescrição, dê como procedente por provada a invocada excepção e, consequentemente, julgue improcedente a reclamação de créditos, dela absolvendo o apelante do pedido, não reconhecendo nem graduando os mesmos”.

7–Não constam dos autos terem sido apresentadas quaisquer contra-alegações pelo Recorrido.

8–O recurso foi admitido por despacho datado de 04/01/2022, como apelação, com subida imediata, mos próprios autos e efeito devolutivo.

9– Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
***

II–ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1–o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2– Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a)- As normas jurídicas violadas ;
b)- O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c)-Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.

Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação do Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso,sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pelo Recorrente Reclamado, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede consubstancia-se em aferir se os créditos reclamados se encontram ou não prescritos e, na afirmativa, se tal prescrição é total ou parcial.

O que determina, no caso concreto, no balizamento efectuado pelas mesmas conclusões, apreciar acerca:
1.–DA EVENTUAL PERTINÊNCIA DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, nos quadros do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, por referência à requerida supressão de dois segmentos factuais dos pontos 3 e 4 da factualidade provada, o que implica a REAPRECIAÇÃO DA PROVAConclusões 1 a 16 ;
2.–Após, aferir acerca da SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS, o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSAConclusões 17 a 27.
Neste enquadramento impor-se-á a análise das seguintes questões:
1)– Da natureza dos créditos em equação ;
2)– Da invocada excepção de prescrição.
***

III–FUNDAMENTAÇÃO

A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença apelada foi considerada PROVADA a seguinte factualidade (constam com * os pontos factuais parcialmente impugnados, e em negrito as alterações factuais introduzidas, figurando em nota de rodapé a versão original do facto alterado):
1.-O ISS, IP, intentou a presente acção de reclamação de créditos em 14/01/2021, reclamando do executado contribuições respeitantes ao período de Janeiro de 2009 a Dezembro de 2011.
2.-O executado foi dela notificado, através do seu IP, em 03/05/2021.
3.-Antes da instauração da presente acção, o ISS, IP, intentou contra o executado/reclamado o processo de execução fiscal n.º 110120110566160, para pagamento das contribuições respeitantes ao período de Janeiro de 2009 a Novembro de 2011” [2] *;
4.-O mesmo ISS, IP, intentou contra o executado/reclamado o processo de execução fiscal n.º 1101201500164470, para pagamento das contribuições respeitantes ao período de Janeiro de 2011 a Março de 2013, tendo o executado sido citado para os termos da execução em 10/04/2015 *.
***

Figurando como factualidade NÃO PROVADA, a seguinte (conforme decisão infra):
a)-que no âmbito do processo de execução fiscal identificado em 3, o executado tenha sido notificado da penhora de reembolso de IRS aí efectuada, por carta de 18/03/2013.
***

B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

I)–Da REAPRECIAÇÃO da PROVA decorrente da impugnação da matéria de facto

Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que:
1– A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2– A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a)-Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b)-Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c)-Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d)-Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.

Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo, nos termos já supra sobejamente apreciados, plasmado no artigo 640º do mesmo diploma, o qual dispõe que:
1-Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)-Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)-Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)-A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2.–No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a)-Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b)-Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3.– O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.

No caso sub judice, a prova produzida tem exclusivamente natureza documental, pelo que, tendo o Recorrente/Apelante Reclamado dado cumprimento ao preceituado no supra referido artigo 640º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil, nada obstará, prima facie, a que o presente Tribunal proceda à reapreciação da matéria factual fixada, enunciados que foram os concretos pontos de facto considerados como incorrectamente julgados, os efectivos meios probatórios que imporiam decisão diversa daqueles mesmos pontos e a forma como tal factualidade deverá figurar como provada e não provada.

- no que concerne ao facto provado 3

O presente facto tem a seguinte redacção:
3.– Antes da instauração da presente acção, o ISS, IP, intentou contra o executado/reclamado o processo de execução fiscal n.º 110120110566160, para pagamento das contribuições respeitantes ao período de Janeiro de 2009 a Novembro de 2011, tendo o executado sido notificado da penhora de reembolso de IRS aí efectuada por carta de 18/03/2013”.
Pretendendo o Impugnante Apelante que de tal facto seja suprimido o segmento “tendo o executado sido notificado da penhora de reembolso de IRS aí efectuada por carta de 18/03/2013”, o qual deverá passar a figurar como facto não provado.
Considera ter o Tribunal a quo efectuado uma incorrecta valoração da prova documental produzida relativamente a tal facto, pois a junta aos Autos Pelo Reclamante tem natureza particular, foi devidamente impugnada pelo Reclamado e está, assim, sujeita à livre apreciação do julgador, nos termos do artº. 366º, do Cód. Civil.
Desta forma, e para além de outra argumentação, conclui que aquele segmento factual mostra-se contrário ao que decorre da prova documental junta aos autos, pois o mesmo não se mostra provado “por total ausência da mesma, assim devendo ser alterada a decisão sobre a matéria de facto expurgando-se do elenco dos factos provados o referido segmento”.

Apreciando:

Na fundamentação apresentada, a sentença apelada não especificou, relativamente a cada um dos pontos factuais provados, qual a fonte probatória, limitando-se a enunciar, em termos genéricos, ser assente na prova documental constante dos autos.
No que se reporta ao ponto factual ora questionado, resulta da análise da prova documental junta, ter tido o mesmo por fonte o teor do documento nº. 4 junto pelo Reclamante, em 04/06/2021 (cf., fls. 28) aquando da resposta apresentada à impugnação que o Executado deduziu nos autos, na qual invocou a excepção peremptória de prescrição dos créditos reclamados.
Respondendo a tal documento, veio o Executado, ora Apelante, referenciar desconhecer a autenticidade da letra e assinatura no mesmo apostas, nunca tendo tido do mesmo conhecimento, o que equivale à sua concreta impugnação.
Ora, analisado tal documento, e independentemente da sua força probatória, constata-se estarmos, aparentemente, perante uma pretendida notificação do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., tendo por destinatário o ora Executado/Reclamado, datada de 18/03/2013, tendo por assunto a penhora de reembolso de IRS, relativa ao processo de execução fiscal nº. 1101201100566160.
Consta, ainda, do mesmo a informação de terem sido “penhorados os créditos relativos a reembolso de IRS, mantendo-se a penhora até pagamento integral da dívida”, bem como informação relativa à pretensão de regularização da situação devedora.  
Naquela resposta à impugnação apresentada, consta, ainda, ter sido tal notificação da penhora concretizada em 18/03/2013.
O Reclamado Impugnante questiona a sua efectiva notificação daquela penhora de reembolso do IRS, nomeadamente através da descrita carta datada de 18/03/2013.
E, claramente, analisado o teor daquela prova documental, e independentemente da sua valoração probatória, não resulta minimamente da mesma o segundo segmento daquele facto provado, e ora questionado, ou seja, que o executado tenha sido efectivamente notificado da penhora do reembolso do IRS, e que o tenha sido mediante aquela carta datada de 18/03/2013.
Efectivamente, não resulta, sequer, de tal prova documental o comprovativo do envio de tal carta, a forma ou modalidade de tal envio e se a mesma chegou, ou não, ao âmbito ou esfera de conhecimento do ora Executado Apelante.
Pelo que, na míngua de produção de qualquer outra actividade probatória, nomeadamente de diferenciada natureza, não é minimamente perceptível como pôde, perante a impugnação apresentada, considerar o Tribunal a quo tal segmento factual como provado, ou seja, que aquela notificação tenha sido remetida e chegado à esfera de conhecimento do Executado.
O que determina, procedência do presente segmento impugnatório, deferindo-se a reclamada alteração do ponto factual nº. 3, o qual passará a figurar com a seguinte redacção:
3.– Antes da instauração da presente acção, o ISS, IP, intentou contra o executado/reclamado o processo de execução fiscal n.º 110120110566160, para pagamento das contribuições respeitantes ao período de Janeiro de 2009 a Novembro de 2011”.

Passando, consequentemente, a figurar como facto não provado, identificado sob a alínea a):
que no âmbito do processo de execução fiscal identificado em 3, o executado tenha sido notificado da penhora de reembolso de IRS aí efectuada, por carta de 18/03/2013”.

- no que concerne ao facto provado 4

Consta do presente facto o seguinte:
4.– O mesmo ISS, IP, intentou contra o executado/reclamado o processo de execução fiscal n.º 1101201500164470, para pagamento das contribuições respeitantes ao período de Janeiro de 2011 a Março de 2013, tendo o executado sido citado para os termos da execução em 10/04/2015”.
Pretendendo o Impugnante que tal facto seja amputado do seu segmento final, ou seja, na parte onde se refere “tendo o executado sido citado para os termos da execução em 10/04/2015”, o qual deverá passar a figurar como não provado.
Aduz que tal conclusão errada teve por fonte o doc. nº. 5, junto com o requerimento do credor reclamante de 04/06/2021, sendo que este, “isoladamente apreciado e sem qualquer outra prova que o corrobore, não permite concluir que o conteúdo da carta que terá sido registada com determinada identificação postal sejam as 6 páginas, designadamente, a 3ª página referente à certidão de dívida que constitui o título executivo naquela execução”.
Acrescenta que, atentos os automatismos utilizados pela Segurança Social, são frequentes “os erros de procedimento com a incorrecção na emissão de documentos e omissões de envio”, pelo que a “mera demonstração da elaboração ou impressão de documentos tramitados informaticamente, não permite, por si só, comprovar o envio dos mesmos ao seu destinatário”.
Donde, tal segmento mostra-se contrário ao que decorre da prova documental, antes se revela como não provado, por total ausência da mesma, pelo que deve ser expurgado da factualidade provada, passando a figurar na elencagem dos factos não provados.

Apreciando:

Tal como referenciámos, ainda que sem precisa indicação ou especificação, o teor da presente factualidade funda-se na prova documental junta aos autos pelo Reclamante aquando da resposta à impugnação apresentada.
Concretizando, no que ao presente ponto factual concerne, está em equação o doc. nº. 5 – cf., fls. 30 a 33 -, tradutor de cópia da citação enviada ao ora Reclamado, através de carta registada com aviso de recepção, datada de 28/03/2015, e por referência ao processo de execução fiscal nº. 1101201500164470.
Consta, ainda, identificada a dívida em cobrança, o valor da quantia exequenda e juros moratórios, bem como o seu acompanhamento pela certidão de dívida, onde tais valores se encontram devidamente especificados, por referência ao período de contribuições entre 01/2011 a 10/2013, num total de 6.328,42 €, acrescido dos juros moratórios calculados nos termos da legislação aplicável.
Acresce constar do mesmo documento cópia do aviso de recepção, com uma assinatura aparentemente correspondente ao do citando (ora Reclamado), datada de 10/04/2015.
Notificado do teor de tal documento, o Executado/Reclamado /Apelante  alegou reconhecer como sua a assinatura aposta no aviso de recepção, mas que, atento o período temporal já decorrido e a alteração do seu domicilio, “não se recorda do teor da comunicação a que o mesmo se reportava”.
Ora, o Executado não questiona que tal citação lhe tenha sido remetida e que a tenha devidamente recepcionado, apenas invocando o lapso temporal já decorrido para aduzir não se recordar qual o conteúdo da mesma, não afirmando, nomeadamente, que aquela não comportasse o teor dos documentos que ora se faz acompanhar.

Assim, perante o teor daquela prova documental, e procedendo à sua devida avaliação, parece inquestionável que:
- por um lado, o Executado foi efectivamente citado para os termos da enunciada execução fiscal, atenta a correspondência do número de registo feito constar do teor de tal instrumento de citação e o anotado no teor do rosto do aviso de recepção – RN790540164PT -, nada fazendo concluir por qualquer ausência de correspondência que, na realidade, não foi sequer invocada ;
- por outro lado, a mera alegação do ora Executado Reclamado no sentido de não se lembrar qual o teor ou conteúdo de tal citação, não determina, face aos elementos documentais ponderáveis, que se deva ter por abalada a conclusão de que tal citação se fazia efectivamente acompanhar da certidão de dívida ora junta, emitida na mesma data da citação (28/03/2015) e com total correspondência  quanto ao valor da quantia exequenda em dívida.
Pelo que, não é a mera alegação de um genérico, e não devidamente concretizado ou sustentado, actuar com putativos erros de procedimento, com incorrecção na emissão de documentose omissões de envio,imputável quer á Segurança Social, quer à Autoridade Tributária, mas desprovido de casuística imputação, que consubstanciará lastro suficiente para questionar a conclusão a que o Tribunal a quo chegou no sentido de se bastar com tal prova para o factualidade fixada.
Donde, sem ulteriores delongas, deverá o presente ponto factual manter-se nos seus precisos termos, sendo de improcedência, nesta parte, o juízo de impugnação apresentado.


II)–Do enquadramento jurídico

Os créditos reclamados reportam-se a contribuições para a Segurança Social, no regime de trabalhadores independentes, relativas ao período de Janeiro/2009 a Dezembro/2011, ou seja, num total de 36 meses, no valor global de 6.062,34 €, a que acrescem juros moratórios vencidos, até Janeiro/2021, no valor de 2.344,14 €.
Na impugnação apresentada pelo Executado, este referencia que o prazo de prescrição de tais dívidas é de 5 anos, computável a partir da data em que a obrigação deveria ser cumprida, interrompendo-se com a prática de qualquer diligência administrativa, realizada com o conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida, nomeadamente a instauração de processo de execução fiscal.
Considera, assim, que na data em que foi notificado da reclamação de créditos apresentada (Abril de 2021), aquelas retribuições já não eram exigíveis, em virtude do efeito da prescrição, sendo certo, ainda, inexistirem quaisquer factos determinativos da interrupção ou suspensão do prazo de prescrição.
Na sentença apelada, começou por referenciar-se ser oficioso o conhecimento de tal excepção de prescrição (em contraposição com o regime inscrito no artº. 303º, do Cód. Civil), e que o prazo de 5 anos conducente a esta conta-se da data em que a obrigação deveria ter sido cumprida, sendo que actualmente corresponde ao dia 20 do mês seguinte àquele a que a contribuição diz respeito.
Considerou-se, então, não se encontrar prescrito qualquer dos créditos reclamados, atentas as interrupções do prazo prescricional determinadas pela notificação de 18/03/2013 – relativamente às contribuições respeitantes ao período de Janeiro de 2009 a Novembro de 2011 -, e pela citação de 10/04/2015 – relativamente às contribuições referentes ao período de Janeiro de 2011 a Dezembro de 2011.
O que o Recorrente Executado ora questiona, nas alegações recursórias apresentadas, sustentadas na pretendida alteração da matéria factual provada, aduzindo não estarem devidamente provadas tais interrupções do prazo prescricional, conducente à extinção, por prescrição, dos créditos reclamados.

Analisemos.

Dispunham os nºs. 2 e 3, do artº. 63º, da Lei nº. 17/2000, de 08/08diploma que estabelecia as bases gerais em que assenta o sistema público de solidariedade e segurança social – que:
2- A obrigação de pagamento das cotizações e das contribuições prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.
3-A prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida”.

Tal diploma veio a ser revogado pelo artº. 132º, nº. 1, da Lei nº. 32/2002, de 20/12 – diploma que aprovou as bases da segurança social -, estabelecendo esta, nos nºs. 1 e 2, do artº. 49º, na reprodução do anteriormente exposto, que:
1- A obrigação do pagamento das cotizações e das contribuições prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.
2- A prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento conducente à liquidação ou à cobrança da dívida”.

Tal diploma veio, por sua vez, a merecer juízo revogatório determinado pelo artº. 109º, nº. 1, da Lei nº. 04/2007, de 16/01 – que, sucedendo aos antecedentes, veio estabelecer as bases gerais do sistema de segurança social -, prescrevendo  nos nºs. 3 e 4, do artº. 60º, que:
3-A obrigação do pagamento das quotizações e das contribuições prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.
4-A prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida”.

Por sua vez, estatui o artº. 187º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social – aprovado pelo artº. 1º da Lei nº. 110/2009, de 16/09, tendo entrado em vigor em 01/01/2011 -, sob a epígrafe de prescrição da obrigação de pagamento à segurança social, que:
1-A obrigação do pagamento das contribuições e das quotizações, respetivos juros de mora e outros valores devidos à segurança social, no âmbito da relação jurídico-contributiva, prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.
2-O prazo de prescrição interrompe-se pela ocorrência de qualquer diligência administrativa realizada, da qual tenha sido dado conhecimento ao responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida e pela apresentação de requerimento de procedimento extrajudicial de conciliação.
3-O prazo de prescrição suspende-se nos termos previstos no presente Código e na lei geral”.

Por sua vez, no que concerne à concretização do segmento “a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida”, rege o disposto no artº. 43º deste diploma, sob a epígrafe pagamento das contribuições e das quotizações, estabelecendo que este “é mensal e é efetuado do dia 10 até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que as contribuições e as quotizações dizem respeito”.

Prevendo acerca da repercussão do tempo nas relações jurídicas, estatui o nº. 1, do artº. 298º do Cód. Civil estarem sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
Em termos gerais civilísticos, a prescrição não pode ser conhecida oficiosamente, pois tem de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita – artº. 303º -, tendo por efeitos a faculdade do beneficiário poder recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito – artº 304º, nº. 1.
Relativamente ao início do curso da prescrição, aduz a 1ª parte, do nº. 1, do artº. 306º, que o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, sendo o seu prazo ordinário o de 20 anos – artº. 309º.
E, no que concerne à sua interrupção, nomeadamente quando promovida pelo titular do direito, estatui o artº. 323º que:
1.- A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2.- Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
3.-A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.
4.- É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido”.

Ocorrendo, igualmente, a sua interrupçãopelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido”, apenas sendo relevante o reconhecimento tácito quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam”- artº. 325º, nºs. 1 e 2.
A prescrição configura-se como uma excepção peremptória, assumindo a natureza de um facto obstativo do exercício de um direito – cf., o nº. 3, do artº. 576º, do Cód. de Processo Civil.

Todavia, no âmbito das dívidas à segurança social existe algum desvio ao regime geral sumamente enunciado.
Desde logo o vinculado conhecimento oficioso da excepção de prescrição, imposto pelo prescrito no artº. 175º do  Código de Procedimento e de Processo Tributário – aprovado pelo DL 433/99, de 26/10 -, o que decorre das alíneas c) e d),m do artº. 1º, do mesmo diploma, ao estatuir que a prescrição ou duplicação da colecta serão conhecidas oficiosamente pelo juiz se o órgão da execução fiscal que anteriormente tenha intervido o não tiver feito” [3]

Ora, invocada a excepção peremptória de prescrição por parte do Impugnante Executado, e demonstrado por este o decurso do prazo prescricional entre a data em que a obrigação deveria ter sido cumprida e a data em que os créditos foram reclamados, incumbia, por sua vez, ao Reclamante credor a prova de qualquer ocorrência que tivesse determinado a interrupção ou suspensão da prescrição (cf., o nº. 2, do artº. 342º, do Cód. Civil).

Efectivamente, conforme sumariado no douto aresto desta Relação de 11/04/2019, “alegando o co-executado a prescrição, competia ao ISS, IP alegar os factos extintivos ou impeditivos de tal exceção, e a falta de resposta determinará também neste caso o efeito cominatório do artº 574º nº 2 do CPC ex vide artº 587º do CPC”.

Pelo que, “perante a arguição da prescrição dos créditos invocados como fundamento da reclamação, assentes tais créditos na certidão junta e nos seus precisos termos, competia ao credor reclamante alegar em resposta os factos que determinariam a eventual suspensão ou interrupção do prazo prescricional, sob pena de preclusão de tal defesa”.
Assim, tendo em atenção o petitório da reclamação apresentada, relativamente às contribuições respeitantes ao período de Janeiro de 2011 a Dezembro de 2011, num total de 12 meses (no valor total de 2.233,56 € - 12X186,13 €), peticionadas no âmbito do processo de execução fiscal nº. 1101201500164470, provou-se ter sido o Executado, ora Reclamado, citado para os termos da execução em 10/04/2015 – cf., facto provado 4.
Pelo que, com tal citação, produziu-se, nos termos do transcrito nº. 2, do artº. 187º, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, o efeito interruptivo do prazo prescricional em curso, determinando, relativamente àquelas, juízo de improcedência das conclusões recursórias enunciadas, com consequente confirmação do juízo de reconhecimento de tais créditos reclamados (e graduação efectuada, não questionada no objecto recursório).

Todavia, tal juízo já não é extensível às demais contribuições reclamadas, reportadas ao período entre Janeiro de 2009 e Dezembro de 2010.
Com efeito, relativamente a estas, fruto da alteração introduzida no facto provado 3, apenas se logrou provar ter sido intentado contra o Executado processo de execução fiscal com o nº. 110120110566160, não se logrando provar a ocorrência de qualquer causa interruptiva da prescrição, nomeadamente a referenciada de notificação ao Executado da penhora do reembolso do IRS, efectuada por carta de 18/03/2013.
Donde, na míngua de tal prova, não logrou o Reclamante cumprir o ónus que o onerava, ou seja, enformar os autos de concreta e real prova da ocorrência de uma causa interruptiva ou suspensiva do decurso do prazo prescricional de 5 anos.
Pelo que, relativamente a tais contribuições, que deveriam ser liquidadas pelo Executado até ao dia 20 do mês imediato àquele a que reportavam, aquando da notificação operada ao Executado nos presentes autos, datada de 03/05/2021 – cf., facto provado 2 -, na pessoa do Ilustre Mandatário, já há muito que havia decorrido aquele prazo prescricional.
O que determina, relativamente às mesmas, dever-se concluir pela extinção de tais créditos, por verificação da excepção peremptória de prescrição, num juízo de parcial procedência das conclusões apelatórias apresentadas.

Por todo o exposto, e em guisa conclusória, no que concerne à presente apelação:
-julgam-se improcedentes as conclusões recursórias, relativamente às contribuições reclamadas respeitantes ao período de Janeiro de 2011 a Dezembro de 2011, num total de 12 meses (no valor total de 2.233,56 € - 12X186,13 €), que, acrescidas dos juros moratórios [4], vencidos e vincendos, deverão manter-se como reconhecidas e devidamente graduadas, nos termos figurados na sentença recorrida ;
- julgam-se procedentes as conclusões recursórias, relativamente às demais contribuições reclamadas, reportadas ao período entre Janeiro de 2009 e Dezembro de 2010, e, consequentemente, julgam-se extintos tais créditos, por verificação da excepção peremptória de prescrição.
***

Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas da reclamação e da presente apelação são suportadas, na proporção do respectivo decaimento, pelos Reclamante e Reclamado/Executado.
***

IV.–DECISÃO

Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a)-Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Apelante/Reclamado/Executado ANÍBAL ……, em que figura como Apelado/Reclamante o INSTITUTO da SEGURANÇA SOCIAL, IP ;
b)-Em consequência, altera-se parcialmente a sentença recorrida/apelada, no sentido de julgar extintos, por verificação da excepção peremptória de prescrição, os créditos reclamados (e consequentes juros moratórios) relativos às contribuições reportadas ao período entre Janeiro de 2009 e Dezembro de 2010 ;
c)-Mantendo-se, no demais, a mesma sentença, no que se reporta aos créditos reclamados relativos às contribuições reportadas ao período entre Janeiro de 2011 a Dezembro de 2011, num total de 12 meses (no valor global de 2.233,56 € - 12X186,13 €), que, acrescidas dos juros moratórios, vencidos e vincendos, deverão manter-se como reconhecidas e devidamente graduadas, nos termos figurados na sentença recorrida  ;
d)-Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas da reclamação e da presente apelação são suportadas, na proporção do respectivo decaimento, pelos Reclamante e Reclamado/Executado.



Lisboa, 24 de Fevereiro de 2022



Arlindo CruaRelator
António Moreira1º Adjunto
Carlos Gabriel Castelo Branco2º Adjunto


(assinado electronicamente)


[1]A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2]Originariamente, o presente facto tinha a seguinte redacção:
“3. Antes da instauração da presente acção, o ISS, IP, intentou contra o executado/reclamado o processo de execução fiscal n.º 110120110566160, para pagamento das contribuições respeitantes ao período de Janeiro de 2009 a Novembro de 2011, tendo o executado sido notificado da penhora de reembolso de IRS aí efectuada por carta de 18/03/2013”.
[3]Conforme sumariado no douto Acórdão do STJ de 21/03/2019 – Relatora: Rosa Ribeiro Coelho, Processo nº. 713/12.4TBBRG.B.G1.S1, in www.dgsi.pt -, “face ao preceituado no art. 3º da Lei Geral Tributária, aprovada pelo DL nº 398/98, de 17.12, as contribuições para a Segurança Social têm natureza tributária, pelo que, por força do art. 175º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo DL n.º 433/99, de 26.10, a sua prescrição é de conhecimento oficioso” ; no mesmo sentido, referenciou-se no douto Acórdão da RP de 05/11/2018 – Relator: Augusto de Carvalho, Processo nº. 1041/14.6TBPVZ-A.P1, in www.dgsi.pt -, que “ao contrário do que ocorre numa dívida comum, relativamente à qual o tribunal não pode suprir, de ofício, a exceção perentória em questão, carecendo de ser invocada por aquele a quem aproveita para poder ser eficaz, nos termos do artigo 303º do C.C., já a prescrição de uma dívida à Segurança Social é de conhecimento oficioso e, portanto, provida de eficácia independentemente da sua invocação pelo devedor”.
[4]Nas palavras do douto aresto desta Relação de 25/03/2021 – Relatora: Cristina Branco, Processo nº. 1671/18.7T9LSB.L1-9, in www.dgsi.pt -, os juros moratórios devem “ser calculados em conformidade com o (….) estabelecido no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social segundo o qual as contribuições para as instituições de segurança social devem ser pagas até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que disserem respeito (art. 43.º), sendo devidos juros de mora por cada mês de calendário ou fracção, pelo não pagamento das contribuições nos prazos legais (art. 211.º), sendo a taxa de juros de mora igual à estabelecida no regime geral dos juros de mora para as dívidas do Estado e outras entidades públicas, e aplicada nos mesmos termos (art. 212.º)], e no art. 3.º, n.º 1, do DL n.º 73/99, de 16-03, na
sua redacção actualizada”.