Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
201/11.6TTFUN.L1-4
Relator: ISABEL TAPADINHAS
Descritores: MOBBING
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - O assédio moral ou mobbing, abrangido no âmbito de tutela do art. 24.º, nº 2 do Código do Trabalho de 2003 (CT/2003) – consubstanciado num comportamento indesejado do empregador e com efeitos hostis no trabalhador – é aquele que se encontra conexionado com um, ou mais, factores de discriminação, de entre os expressamente previstos no art. 23.º, n.º 1, do mesmo diploma legal e 32.º, n.º 1, do Regulamento do Código do Trabalho (RCT).
II - Assim, o trabalhador que pretenda demonstrar a existência do comportamento, levado a cabo pelo empregador, susceptível de ser qualificado como mobbing ao abrigo do disposto no referido art. 24.º, nº 2, para além de alegar esse mesmo comportamento, tem de alegar que o mesmo se funda numa atitude discriminatória alicerçada em qualquer um dos factores de discriminação, comparativamente aferido face a outro ou a todos os restantes trabalhadores, aplicando-se, nesse caso, o regime especial de repartição do ónus da prova consignado no nº 3 do art. 23.º do CT.
III - Não tendo a autora alegado factologia susceptível de afrontar, directa ou indirectamente, o princípio da igual dignidade sócio-laboral, subjacente a qualquer um dos factores característicos da discriminação, o assédio moral por parte da ré, por ela invocado, tem de ser apreciado à luz das garantias consignadas no art. 18.º do CT, segundo o qual o empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respectiva integridade física e moral, aplicando-se o regime geral de repartição do ónus da prova estabelecido no art. 342.º do Cód. Civil.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa:
      Relatório
      AA instaurou, em 20 de Abril de 2011, acção declarativa com processo comum contra BB, S.A., pedindo que a ré seja condenada a cumprir os seus deveres laborais, bem como, a pagar a título de indemnização por danos morais a quantia de € 54 200,00.
      Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que a ré assumiu de forma injustificada, uma verdadeira situação de mobbing, altamente lesiva dos seus direitos laborais e pessoais, sentindo enormes dificuldades para resistir à humilhação e vergonha a que foi sujeita, o que afectou e continua a afectar gravemente, as suas relações com familiares e amigos, que a vêem permanentemente desalentada, com grande frustração e desânimo.
      Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação da ré para contestar o que ela fez, por impugnação, concluindo pela improcedência da acção, com a sua absolvição.
      Instruída e julgada a causa, com decisão da matéria de facto que teve lugar no dia 12 de Julho de 2012, foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo a ré do pedido.
      Inconformada com a decisão da mesma interpôs a autora recurso, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões:
      (...)
      A ré contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado.
      Nesta Relação, o Exmo. Magistrado do M.P. teve vista nos autos nos termos e para os efeitos do disposto no art. 87.º, nº 3 do Cód. Proc. Trab.
      Colhidos os demais vistos legais cumpre apreciar e decidir.
      Como se sabe, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente – tantum devolutum quantum appelatum (Alberto dos Reis “Código do Processo Civil Anotado” vol. V, pág. 310 e Ac. do STJ de 12.12.95, CJ/STJ Ano III, T. III, pág. 156).
      No caso em apreço, não existem questões que importe conhecer oficiosamente.
      As questões colocadas nos recursos delimitados pelas respectivas conclusões (com trânsito em julgado das questões nela não contidas) – arts. 684.º, nº 3 e 685.º-A, nº 1 do Cód. Proc. Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, aqui aplicável, atenta a data da propositura da acção (20.04.2011) e da prolação da sentença (5.11.2012) – são as seguintes:
1.ª – alteração da matéria de facto que vem fixada da 1.ª instância;
2.ªmobbing e danos morais
      Fundamentação de facto
      A 1ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
1. No dia 27.05.1999 entre a autora e CC, Ld.ª foi celebrado o documento intitulado “Contrato de Trabalho a Termo Certo” que se encontra junto a fls. 24 a 26, com início em 01.06.1999, nos termos do qual a autora se comprometeu a prestar a sua actividade profissional, desempenhando as funções correspondentes à categoria profissional de Directora de Pessoal.
2. No dia 31.08.2005 entre CC, Ld.ª, a ré e a autora foi celebrado o documento intitulado “Cessão da posição contratual” que se acha junto a fls. 27 e 28, nos termos do qual foi cedida a posição contratual à ré.
3. A autora actualmente aufere a retribuição base mensal de € 2850,51.
4. Em 2003 a estrutura organizativa da ré é alterada passando a integrar, entre outros, o actual administrador executivo o Dr. DD e o Dr. EE.
5. Numa reunião de direcção em Novembro de 2003, foi dito pelo Dr. DD que a autora teria de enviar os relatórios as vezes que ele quisesse e que “se não estivesse satisfeita, a porta estava aberta”.
6. Em consequência desta situação a autora chorou e abandonou a reunião.
7. Em data e circunstâncias não apuradas pelo Dr. DD foi dito que quem está de baixa, não dá uma para a caixa.
8. Em Setembro de 2007 a autora foi autorizada a dar formação/aulas na Escola Profissional (...), durante o ano lectivo de 2007/2008, no horário por si comunicado.
9. Na comunicação interna, datada de 13 de Novembro de 2008, junto aos autos a fls. 30 pode ler-se: Assunto: Controlo de assiduidade e cumprimento do horário de trabalho. Serve a presente para lhe comunicar que tendo por objectivo disciplinar o controlo de assiduidade de todos os trabalhadores da BB, SA, Vª Exª deverá doravante sujeitar-se a esse controlo, picando o ponto como os restantes funcionários e cumprir o horário de trabalho estipulado das 9:00 às 13:00 e das 14:00 às 18:00, se segunda a quinta-feira e das 09:00 às 13:00 e das 14:00 às 17:00 às sexta-feiras, de acordo com o contrato de trabalho.
10. Tendo a autora respondido nos termos do e.mail datado de 25 de Setembro de 2008, no qual, entre outros assuntos solicita autorização para dar aulas no ano lectivo 2008/2009, às quartas-feiras no horário 16:15m às 18h15m e consequente dispensa de serviço neste horário.
11. A ré recusou um pedido de autora de adiantamento do subsídio de férias, alegando indisponibilidade financeira da empresa.
12. A ré, em Novembro de 2008 atribuiu novas funções e responsabilidades à secretária pessoal da autora, sem a sua consulta prévia.
13. A 11 de Fevereiro de 2011 a ré questionou a autora a que título teria de estar presente na reunião da revisão do CCTV.
14. A autora inicialmente desenvolveu a sua actividade profissional, com empenho, zelo e dedicação, sendo estimada pelos colegas.
15. No ano de 2011, a autora esteve ausente do trabalho, por baixa médica, nos seguintes períodos:
- 7 dias no mês de Janeiro;
- 4 dias no mês de Fevereiro;
- 30 dias no mês de Março;
16. - No ano de 2010 a autora esteve ausente do trabalho, por baixa médica, nos seguintes períodos:
- 12 dias no mês de Janeiro;
- 5 dias no mês de Fevereiro;
- 11 dias no mês de Março;
- 3 dias do mês de Abril;
- 26 dias no mês de Maio;
- 3 dias no mês de Junho;
- 4 dias no mês de Julho;
- 11 dias no mês de Agosto;
- 5 dias no mês de Outubro;
17. - No ano de 2009 a autora esteve ausente do trabalho, por baixa médica, nos seguintes períodos:
- meses de Janeiro e Fevereiro: baixa por doença (gravidez de risco);
- meses de Março a Junho: licença de maternidade;
- 18 dias do mês de Setembro (baixa por doença);
- 3 dias de Outubro (baixa por doença);
- 8 dias do mês de Novembro (baixa por doença);
- 5 dias de Dezembro (baixa por doença).
18. - No ano de 2008 a autora esteve ausente do trabalho, por baixa médica, nos seguintes períodos:
- 8 dias do mês de Fevereiro (baixa por doença);
- 3 dias do mês de Março (baixa por doença);
- 2 dias do mês de Junho (baixa por doença);
- 30 dias do mês de Julho (baixa por doença);
- 24 dias do mês de Agosto (baixa por doença);
- 1 dia do mês de Setembro (baixa por doença);
- 10 dias do mês de Outubro (baixa por doença);
- 12 dias do mês de Novembro (baixa por doença);
- 12 dias do mês de Dezembro (baixa por doença);
19. - No ano de 2007 a autora esteve ausente do trabalho, por baixa médica, nos seguintes períodos:
- 10 dias do mês de Fevereiro (baixa por doença);
- 4 dias do mês de Novembro (baixa por doença);
20. - No ano de 2006 a autora esteve ausente do trabalho, por baixa médica, nos seguintes períodos:
- 4 dias do mês de Março (baixa por doença);
- 2 dias do mês de Junho (baixa por doença);
- 1 dia do mês de Novembro (baixa por doença);
- 1 dia do mês de Dezembro (baixa por doença).
21. – A partir de Março de 2011 até a presente data a autora permanece em baixa médica por motivo de doença.
22. – A autora tem acompanhamento psiquiátrico.
      Por não ter qualquer suporte no documento junto a fls. 36, constituindo, por outro lado, um verdadeiro impossível responder a uma comunicação interna, datada de 13 de Novembro de 2008 com um e-mail datado de 25 de Setembro de 2008, altera-se, ao abrigo do disposto no art. 659.º, nºs 2 e 3 ex vi art. 713.º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, o facto provado 10. - que passa a ter a seguinte redacção:
10. A autora dirigiu a FF (ADM) o e-mail datado de 25 de Setembro de 2008, junto a fls. 36 no qual, entre outros assuntos, solicita que a destinatária diligencie no sentido de ser obtida junto da Administração autorização para a autora dar aulas no ano lectivo 2008/2009, às quartas-feiras no horário 16:15m às 18h15m e consequente dispensa de serviço neste horário.
      Fundamentação de direito
      Antes de nos debruçarmos sobre o objecto do recurso, há que decidir sobre a admissibilidade da junção dos docs. de fls. 270 a 273 – nota de culpa deduzida pela ré contra a autora  em 15 de Outubro de 2012 – e 274 a 279 – resposta da autora a essa nota de culpa -, com que a recorrente fez acompanhar as suas alegações e com os quais pretende mostrar a bondade da tese que nessas alegações defende e que a Relatora relegou para este momento.
      É, naturalmente, excepcional a faculdade de apresentar documentos com a alegação, pois a instrução do processo faz-se na primeira instância, onde devem ser produzidos os meios de prova designadamente a documental.
      Sobre esta questão da junção de documentos conjuntamente com as alegações de recurso de apelação, pode ler-se a dado passo da anotação de Antunes Varela (RLJ, Ano 115,º, pág. 95 e segs.):
      A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.
      Todos sabem, com efeito, que nem o Juiz nem o Colectivo se podem utilizar de factos não alegados pelas partes (salvo o disposto nos artºs 514º e 665º do CPC). Mas que podem, em contrapartida, realizar todas as diligências probatórias que considerem necessárias à averiguação da verdade sobre os factos alegados (artºs 264º nº 3, 535º, 612º etc.) e que nem o juiz nem o tribunal se têm de cingir, na decisão da causa, às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação ou aplicação das regras de direito (artº 664º - 1ª parte).
      A decisão de 1ª instância pode por isso criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do nº 1 do artº 706º do CPC.
      Como esclarecidamente se refere no Ac. do STJ de 12.01.94, BMJ nº 433 pág. 467, o legislador, na última parte do art. 706.º do Cód. Proc. Civil – actual art. 693.º-B -, ao permitir às partes juntar documentos às alegações no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância quis cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida, significando o advérbio “apenas”, inserto no segmento normativo em causa, que a junção só é possível se a necessidade era imprevisível antes de proferida a decisão em 1ª instância.
      Assim, a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela 1ª vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam.
       O que manifestamente não é o caso dos autos.
      Deste modo, os documentos ex-novo juntos aos autos com o recurso não se tornaram, pois, necessários em virtude do julgamento da 1ª instância, não se integrando ademais, em qualquer das excepções contempladas nos arts. 524.º e 693.º-B  do Cód. Proc. Civil, cuja parte final se reporta a recursos interpostos de decisões de natureza processual, interlocutórias, ou pós finais, em ordem a poderem ser admitidos e tomados em consideração no julgamento nesta instância.
      Conclui-se, assim, pela inadmissibilidade da junção dos documentos apresentados pela recorrente (fls. 270 a 279), pelo que, a final, se ordenará o seu desentranhamento.
      Uma vez que só a recorrente deu causa ao incidente, as respectivas custas ficarão, por força do disposto no nº1 do art. 446.º do Cód. Proc. Civil, a seu cargo exclusivo.
      Decidida esta questão incidental, vejamos agora as questões que se colocam.
      Quanto à 1.ª questão:
      (...)
      Quanto à 2.ª questão:
      A autora peticionou a condenação da ré no pagamento de uma indemnização por danos morais, provocados pela conduta ilícita da ré que descreveu na petição inicial, pretensão desatendida na sentença da 1.ª instância e, daí, o seu inconformismo.
      Para fundamentar a sua inconformada reacção, aduz ora, em reedição, nomeadamente, que – como já alegou na petição inicial – os factos provados e outros que em seu entender deveriam ter sido dados como provados - neste aspecto apenas consideramos provado o facto que aditámos sob o nº 23., ou seja, que a ré não renovou a autorização para a autora aulas no ano lectivo 2008/2009 - evidenciam violação dos arts. 23.º, 25º, 29° e 127°. alíneas a) e b) do Cód. Trab.
      Mas – tudo já visto e ponderado – sem razão, podemos adiantá-lo.
      Antes de mais cumpre referir que tal como entendeu a recorrente, o quadro legal ao abrigo do qual tem de ser analisada a questão aqui em apreço é o Código do Trabalho de 2003, atento do disposto nos arts. 3.º, nº 1 e 8.º, nº 1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, e 7.º nº 1, da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, — diploma a que pertencem as disposições adiante mencionadas sem referência de origem — e da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho, que procedeu à sua regulamentação.
      Integrado na Subsecção III, sob a epígrafe “Igualdade e não discriminação”, dispõe o art. 24.º (“Assédio”):
      1 - Constitui discriminação o assédio a candidato a emprego e a trabalhador.
      2 - Entende-se por assédio todo o comportamento indesejado relacionado com um dos factores indicados no n.º 1 do artigo anterior, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de afectar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
      3 - Constitui, em especial, assédio todo o comportamento indesejado de carácter sexual, sob a forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referidos no número anterior.
      Por sua vez, o art. 23.º (“Proibição de discriminação”) dispõe que:
      1 - O empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, baseada, nomeadamente, na ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.
      2 - Não constitui discriminação o comportamento baseado num dos factores indicados no número anterior, sempre que, em virtude da natureza das actividades profissionais em causa ou do contexto da sua execução, esse factor constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da actividade profissional, devendo o objectivo ser legítimo e o requisito proporcional.
      3 - Cabe a quem alegar a discriminação fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que as diferenças de condições de trabalho não assentam em nenhum dos factores indicados no n.º 1.
      Finalmente o art. 26.º (“Obrigação de Indemnização”) esclarece que:
      Sem prejuízo do disposto no Livro II, a prática de qualquer acto discriminatório lesivo de um trabalhador ou candidato a emprego confere-lhe o direito a uma indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais.
      A Lei nº 35/2004, de 29 de Julho, que, como dissemos regulamentou o Código do Trabalho, tratou da matéria da igualdade e não discriminação no seu Capítulo V, dispondo, no que aqui importa registar:
      O Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29 de Julho (RCT), tratou da matéria da igualdade e não discriminação no seu Capítulo V e no seu art. 32.º, alarga os factores de discriminação e delimita os conceitos de discriminação envolvidos nesta temática: discriminação directa; discriminação indirecta; trabalho igual e de trabalho de valor igual, dispondo sob a epígrafe (“Conceitos”), o seguinte:
      1 — Constituem factores de discriminação, além dos previstos no n.º 1 do artigo 23.º do Código do Trabalho, nomeadamente, o território de origem, língua, raça, instrução, situação económica, origem ou condição social.
      2 — Considera-se:
      a) Discriminação directa sempre que, em razão de um dos factores indicados no referido preceito legal, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;
      b) Discriminação indirecta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja susceptível de colocar pessoas que se incluam num dos factores característicos indicados no referido preceito legal numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objectivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários;
      c) [...]
      d) [...]
      3 — Constitui discriminação uma ordem ou instrução que tenha a finalidade de prejudicar pessoas em razão de um factor referido no n.º 1 deste artigo ou no n.º 1 do artigo 23.º do Código do Trabalho.
      E o art. 35.º do mesmo RCT (“Extensão da protecção em situações de discriminação”) estatui que [e]m caso de invocação de qualquer prática discriminatória no acesso ao trabalho, à formação profissional e nas condições de trabalho, nomeadamente por motivo de licença por maternidade, dispensa para consultas pré-natais, protecção da segurança e saúde e de despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, licença parental ou faltas para assistência a menores, aplica-se o regime previsto no n.º 3 do artigo 23.º do Código do Trabalho em matéria de ónus da prova.
      Refere Júlio Gomes (“Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho”, Coimbra Editora, 2007, pág. 428) concretizando o mencionado conceito, que “o mobbing ou assédio moral ou, ainda, como por vezes se designa, terrorismo psicológico, parece caracterizar-se por três facetas: a prática de determinados comportamentos, a sua duração e as consequências destes, sendo usual associar-se a intencionalidade da conduta persecutória, o seu carácter repetitivo e a verificação de consequências na saúde física e psíquica do trabalhador e no próprio emprego.
      Nos termos legalmente consagrados – de forma inovadora e resultando da transposição da Directiva nº 76/207/CEE, de 23 de Setembro – o conceito de mobbing é amplo, traduzindo-se numa prática persecutória reiterada, contra o trabalhador, levada a efeito, por regra, pelos respectivos superiores hierárquicos ou pelo empregador, a qual tem por objectivo, ou como efeito, afectar a dignidade do visado, levando-o eventualmente ao extremo de querer abandonar o emprego (“Código do Trabalho Anotado”, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 111 — obra colectiva de Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray e Luís Gonçalves da Silva, em anotação ao art. 24.º).
      Como resulta, claramente, quer da inserção sistemática dos preceitos acima transcritos, quer da sua própria redacção, o assédio moral abrangido no âmbito de tutela do art. 24.º, nº 2 é aquele que se encontra conexionado com um, ou mais, factores de discriminação, de entre os expressamente previstos no art. 23.º, nº 1 e 32.º, nº 1 do RCT. Ou seja, o comportamento levado a cabo pelo empregador, susceptível de ser qualificado como traduzindo mobbing, fundamenta-se numa atitude discriminatória do empregador relativamente ao referido trabalhador vítima de assédio e, necessariamente, aferido em relação aos restantes trabalhadores que prestam trabalho nas mesmas circunstâncias funcionais para a empregadora. Ou, ainda, nos dizeres do preceito, tem de se tratar de um comportamento indesejado relacionado com um dos factores indicados no n.º 1 do art. 23.º.
      Vale isto por dizer que o trabalhador que pretenda demonstrar a existência do referido comportamento do empregador, qualificável como assédio moral, ao abrigo do disposto no referido art. 24.º, nº 2, para além de alegar esse mesmo comportamento, tem de alegar que o mesmo se funda numa atitude discriminatória alicerçada em qualquer um dos factores de discriminação comparativamente aferido face a outro, ou a todos os restantes trabalhadores.
      É, aliás, o que resulta claramente da regra de distribuição do ónus da prova constante do nº 3 do art. 23.º, que prescreve que compete a quem alegar a discriminação fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado e, perante essa demonstração, incumbe ao empregador provar que as diferenças, no caso, de tratamento, não assentam em nenhum dos factores de discriminação indicados.
      Explicita Maria do Rosário Ramalho, (“Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais”, Almedina, 2008, 2.ª edição, págs. 150 e 151), quanto ao assédio, que trata-se de um comportamento indesejado, que viola a dignidade do trabalhador ou candidato a emprego e cujo objectivo ou efeito é criar um ambiente hostil ou degradante, humilhante ou destabilizador para o trabalhador, assinalando, entre as vária formas de assédio, o assédio moral discriminatório, em que o comportamento indesejado, e com efeitos hostis, se baseia em qualquer factor discriminatório que não o sexo (art. 24.º, n.º 1) (discriminatory harassement); e o assédio moral não discriminatório, quando o comportamento indesejado não se baseia em nenhum factor discriminatório, mas, pelo seu carácter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis, almejando, em última análise, afastar aquele trabalhador da empresa (mobbing). Considera que [p]erante os termos do art. 24.º do C.T., parece difícil integrar esta última forma de assédio no âmbito da tutela conferida pelo princípio da não discriminação, apesar da sua importância e frequência prática. E pondera: Contudo, crê-se que, mesmo que a tutela por esta via não seja possível, este tipo de assédio cabe no âmbito de previsão do art. 18.º do CT, na medida em que constitui um atentado à integridade física e moral do trabalhador ou candidato a emprego.
      Júlio Gomes (ob. cit. pág. 442) considera, referindo-se ao art. 24.º, que, embora tal disposição tenha a vantagem de esclarecer que a intenção ou ânimo nocivo não são um requisito imprescindível já que é suficiente a criação objectiva de um resultado (a lesão da dignidade de outrem ou a produção do ambiente negativo referido) não parece que o seu âmbito abranja todo o tipo de mobbing. Na verdade, a referência restritiva da primeira parte do n.º 2 do artigo 24.º implica que o comportamento indesejado a que esse preceito se reporta tem de estar relacionado com um dos factores enunciados no n.º 1 do artigo 23.º, notando que, quando tal não suceda, sempre se poderá invocar, no entanto, o disposto no artigo 18.º do Código do Trabalho.
      Nesta linha de orientação, insere-se o comentário de Guilherme Dray, em anotação ao já referido art. 18.º (“Código do Trabalho Anotado”, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 111 — obra colectiva de Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray e Luís Gonçalves da Silva), ao observar que tal preceito, quando conjugado com o artigo 24.º do presente diploma, proscreve a prática de actos vexatórios, hostis, humilhantes ou degradantes para a contraparte, que afectem a sua dignidade como cidadão e respectiva honorabilidade, e garante a tutela das partes contra o assédio moral, habitualmente denominado por mobbing — prática persecutória reiterada contra o trabalhador, levada a efeito, em regra, pelos respectivos superiores hierárquicos ou pelo empregador, a qual tem por objectivo ou como efeito afectar a dignidade do visado.
      É este também o sentido da jurisprudência como se pode ver pelos Acs. do STJ de 21.04.2010, de 13.01.2010 e de 23.11.2011, (www.dgsi.pt).
      Em suma, tendo presente o teor dos nºs 1 e 2 do art. 24.º e os subsídios da doutrina e jurisprudência a que fizemos referência, pode afirmar-se, que o assédio moral invocado pelo autor não deve ser apreciado à luz do quadro legal definido para garantir o princípio da igualdade e da não discriminação, mas sim, à luz das garantias consignadas no artigo 18.º, segundo o qual [o] empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respectiva integridade física e moral.
      De facto, na situação aprecianda, a autora não alegou, como causa petendi, factologia susceptível de afrontar, directa ou indirectamente, o princípio da igual dignidade sócio-laboral, subjacente a qualquer dos factores característicos da discriminação.
      E, assim sendo, não se aplica, no caso, o regime especial de repartição do ónus da prova, consignado no nº 3 do art. 23.º, onde se estabelece uma presunção de causalidade entre qualquer dos factores característicos da discriminação e os factos que revelam o tratamento desigual de trabalhadores – a alegar e demonstrar pelo pretenso lesado –, impondo-se ao empregador a demonstração de factos susceptíveis de ilidir aquela presunção.
      É que, fora do domínio da protecção contra a discriminação, e no âmbito da tutela dos direitos de personalidade, não se encontra norma que estatua presunção de causalidade idêntica à que se referiu, daí que o denunciante de uma situação de assédio moral não discriminatório deva, nos termos do art. 342.º, nº 1, do Cód. Civil, suportar o ónus de alegar e provar todos os factos que, concretamente, integram a violação do direito à integridade moral a que se refere o art. 18.º.
      Assim, cumpre agora analisar se nos autos ficaram demonstrados comportamentos da ré em relação à autora que traduzam a violação dos deveres daquela para com esta, ou seja, importa apreciar, se os demonstrados comportamentos da ré, apreciados isoladamente e no seu conjunto, se revelam susceptíveis de ferir a integridade moral de um trabalhador de sensibilidade normal, colocado na situação da autora.
      É sabido que, entre outros, o empregador tem o dever de – concretamente quanto ao que aqui releva – respeitar e tratar com urbanidade e probidade o trabalhador e proporcionar-lhe boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral - alíneas a) e c) do art. 120.º.
      Ora, como acertadamente se ajuizou, a razão não está do lado da recorrente.
      Com efeito, os argumentos contrapostos, acima sumariamente delineados, não são susceptíveis, porque manifestamente frustes, de abalar a bondade da solução eleita, cuja consistência e sobriedade o significativo excerto da respectiva fundamentação, a seguir transcrito, sobejamente patenteia.
      Assim:
      No caso em apreço, e com relevância para a questão a decidir, provou-se que “numa reunião de direcção, foi dito pelo Dr. Roseira (administrador executivo da ré) que a autora teria de enviar os relatórios as vezes que ele quisesse e que “se não estivesse satisfeita, a porta estava aberta”, “em consequência desta situação a autora chorou e abandonou a reunião”, “em data e circunstâncias não apuradas pelo Dr. Roseira foi dito que quem está de baixa, não dá uma para a caixa”, “a ré, em Novembro de 2008 atribuiu novas funções e responsabilidades à secretária pessoal da autora, sem a sua consulta prévia”, “a partir de Março de 2011 até à presente data a autora permanece em baixa médica por motivo de doença e que “a autora tem acompanhamento psiquiátrico”. Também resultou provado que nos anos de 2006. 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011 a autora esteve ausente do trabalho, por baixa médica, em vários períodos.
      Ora em face desta factualidade constato que por parte do administrador executivo da ré, Dr. Roseira houve comportamentos menos correctos em relação à autora, mas que não assumiram um foro de gravidade que se possa qualificar de assédio moral (veja-se ainda os factos não provados sob os nºs 2.2., 2.4., 2.5., 2.6., 2.7., 2.8., 2.9., 2.10., 2.11., 2.12., 2.13., 2.14., 2.15., 2.16., 2.17., 2.18., 2.19., 2.20., 2.21., 2.22., 2.24., 2.25. (repetido) e 2.26).
      Acresce dizer, também não resultou provado que as baixas médicas e o acompanhamento psiquiátrico fossem consequência do comportamento de representantes da ré, nomeadamente dos seus administradores executivos.
      Em suma, a autora não logrou provar os elementos objectivos e subjectivos do assédio moral, ou seja, um comportamento de gravidade extrema, ou um conjunto de comportamentos, por um lado, a intencionalidade do assediador ou a verificação do assédio moral, pelo resultado verificado.
      Ante o exposto, que se sufraga nos seus traços essenciais, restando acrescentar que o facto de se ter demonstrado que a ré não renovou a autorização para a autora dar aulas no ano lectivo de 2008/2009 é inócuo, visto que tal pedido só foi formulado no decurso desse ano lectivo, a solução eleita não suscita qualquer reparo ou censura.
      A materialidade adrede alegada e apurada não reúne indícios mínimos que permitam sustentar estar-se perante uma típica situação de assédio moral/mobbing, não se encontrando sinais que, com segurança, permitam concluir que as apuradas condutas se inseriram num processo adequado a produzir, num trabalhador dotado de normal sensibilidade, colocado na situação da autora, ofensa à dignidade e integridade moral, mediante desgaste psicológico, humilhação, intimidação, hostilidade ou desestabilização.
      A prova dos factos integrantes daquela ofensa competia, como se referiu, à autora
      Não se podendo concluir pela existência de um comportamento da ré que integre o alegado intuito persecutório em relação à autora, soçobram logicamente as correspondentes asserções conclusivas da motivação do recurso.
      Decisão
      Pelo exposto, acorda-se em:
- não admitir a junção dos documentos de fls. 270 a 270, pelo que se ordena o seu desentranhamento e a sua entrega à recorrente, condenando este nas custas do incidente;
- altera-se o facto provado o facto provado 10., que passa a ter a seguinte redacção:
10. A autora dirigiu a Magda Freitas (ADM) o e-mail datado de 25 de Setembro de 2008, junto a fls. 36 no qual, entre outros assuntos, solicita que a destinatária diligencie no sentido de ser obtida junto da Administração autorização para a autora dar aulas no ano lectivo 2008/2009, às quartas-feiras no horário 16:15m às 18h15m e consequente dispensa de serviço neste horário.
- adita-se ao elenco dos factos provados o facto provado 23. com a seguinte redacção:
23. A ré não renovou a autorização para a autora dar aulas no ano lectivo de 2008/2009.
- julga-se, no mais, o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.
      Custas pela recorrente.
      Lisboa, 25 de Setembro de 2013
      Isabel Tapadinhas
      Leopoldo Soares
      José Eduardo Sapateiro

Decisão Texto Integral: