Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
963/09.0TMLSB.L1-6
Relator: ANA LUCINDA CABRAL
Descritores: DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DE UM DOS CÔNJUGES
ATRIBUIÇÃO DA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
CRÉDITO ENTRE CÔNJUGES
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/28/2013
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - O pedido de atribuição da casa de morada de família configura um processo autónomo de jurisdição voluntária, sendo deduzido por apenso à acção de divórcio ou de separação judicial se esta estiver pendente. Trata-se de uma competência por conexão.
Acontece que no caso a Autora formulou na petição da acção de Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge o seu pedido de atribuição da casa de família, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito.
Ora estando, como está, a petição de atribuição da casa de morada de família, apta no que respeita concretização da causa de pedir e pedido, deveria o juiz ter convidado a parte a individualizar tal petitório para a autuação por apenso à acção de divórcio.
II - Vigorando entre os cônjuges o regime da separação de bens, assim como, havendo compropriedade de bens, qualquer um pode, em qualquer momento, pôr fim à indivisão e também qualquer dos cônjuges pode, em qualquer momento, exigir o crédito que reclama
A Apelante pretende ser ressarcida nesta acção por um crédito que diz ter sobre o Apelado mas tal não é possível por não se verificar aqui a compatibilidade substancial dos pedidos (art.470º, nº1 e 30º do CPC).
III - Enquanto não se proceder à resolução definitiva da atribuição da casa de morada de família pode justificar-se a regulação provisória, em termos incidentais, nos termos prescritos no art. 1407º, nº 7 do CPC.
Da argumentação da Recorrente resulta que existe uma perturbação da vida familiar causada pelo Recorrido e, nessa medida, considera-se ser de admitir o incidente em causa com vista apurar dessas razões.
(ALC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório

Nos presentes autos de Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge que Maria (…) move contra João (…) no saneador foi proferido o seguinte despacho:

“A Autora moveu contra o Réu acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, pedindo, além do decretamento do divórcio, na alínea b) que se condene o Réu a reconhecer a existência da posse, pelos cônjuges, da casa de morada de família por empréstimo da sociedade proprietária, devendo a casa de morada de família ser atribuída definitivamente à Autora, sem qualquer contrapartida.

Cumpre, pois, apreciar e decidir.

A atribuição da casa de morada de família não se traduz em ordenar-se a saída de um dos cônjuges para ali residir o outro, antes em atribuir a casa àquele dos cônjuges que mais carecido dela se mostrar. Sendo assim, o cônjuge que pretende lhe seja atribuída a casa de morada de família tem que alegar e provar encontrar-se em situação que permita a intervenção do tribunal ao abrigo do disposto no artigo 84º do Regime de Arrendamento Urbano e artigo 1793º do Código Civil.

 Por seu turno, a lei adjectiva civil enuncia que aquele que pretenda atribuição da casa de morada de família, nos termos do aludido art. 1793.º do Código Civil, ou a transferência do direito ao arrendamento, nos termos do artigo 84º do Regime do Arrendamento urbano, deduzirá o seu pedido, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito, e se estiver pendente ou tiver corrido acção de divórcio ou de separação litigiosos, o pedido é deduzido por apenso – art. 1413.º nºs 1 e 4 do CPC, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 329-A/1995, 12 Dezembro. O art. 1793.º do Código Civil prescreve que pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer esta seja comum, quer próprio do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.

 Como já observamos o processo de jurisdição voluntária previsto no art. 1413.º do Código de Processo Civil, é dependência da acção de divórcio ou separação litigiosa.

Como decorre dos citados normativos, e na esteira do que vem sendo defendido na doutrina, «a lei quererá que a casa de morada da família, decretado o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, possa ser utilizada pelo cônjuge ou ex-cônjuge a quem for mais justo atribuí-la, tendo em conta, designadamente, as necessidades de um e de outro» -Cfr. Prof. Pereira Coelho, apud, Revista Legislação e Jurisprudência, Ano 122°, pág. 137. O Ilustre Professor têm o cuidado de referenciar que a casa de morada de família pode ser utilizada pelo cônjuge, no caso de separação judicial, ou ex-cônjuge, no caso de divórcio, o que necessariamente implica decisão que decrete o divórcio, com trânsito em julgado.

 Mais uma vez se enfatiza o pressuposto da atribuição da casa de morada de família, qual seja, a decisão que decreta o divórcio, com trânsito em julgado.

Idêntica posição vem tomando a nossa Jurisprudência, designadamente nos prolatados Acórdãos da Relação do Porto de 21.10.1999 e 24.5.2001, apud, http//www.dgsi.pt, onde se expressa, respectivamente, "A atribuição da casa de morada de família a um dos cônjuges pressupõe que tenha sido decretado o divórcio" "A atribuição definitiva da casa de morada de família a um dos cônjuges, nos termos do artigo 1973.º do Código Civil, pressupõe necessariamente a efectiva ou simultânea verificação do pedido de divórcio"

"Julgado improcedente um pedido de divórcio, não pode prosseguir o processo de atribuição da casa de morada de família" – AC. RP, 15.12.2003, www.dgsi.pt, Relator Exmo Des. António José Abreu.

Aqui chegados, o processo previsto no art. 1413.º do C.P.C. trata-se de um processo de jurisdição voluntária, com tramitação própria, distinta da acção de divórcio. Não pode pois, cumular-se este pedido com o pedido de divórcio, por a tal obstar o disposto no art. 470.º, nº 2 do C.P.C. Na realidade, o n.º 1 permite a cumulação de pedidos, num só processo, desde que sejam compatíveis. Nesta previsão, valora-se o efectivo interesse processual na apreciação conjunta das pretensões que deve sobrelevar a mera diversidade formal de tramitação processual tanto por razões de economia processual como também porque a apreciação conjunta se revela indispensável a um correcto entendimento e julgamento do litígio. A violação desta regra consubstancia uma excepção dilatória atípica, com absolvição da instância no despacho saneador circunscrita ao pedido que não possa ser deduzido na forma utilizada pelo autor.

Pelo exposto e sem necessidade de mais latas considerações, esta cumulação ilegal de pedidos, como excepção dilatória, acarreta a absolvição da instância do Réu (art. 288.º, alínea e); 493.º, n.º 2; 495.º e 510.º, n.º 1, alínea a), todos do C.P.C.) prosseguindo os autos apenas para apreciação dos fundamentos da acção.”

Crédito de compensação

Vem a Autora pedir – alínea d) – que o Réu seja condenado a pagar-lhe a compensação de € 24.750,00, acrescida de 36 mensalidades de € 2.250,00, alegando, para tanto e em síntese, que renunciou a uma carreira profissional (artigos 188.º a 201.º).

Vejamos.

Com efeito, o legislador veio conferir um crédito de compensação ao ex-cônjuge que contribuir de forma consideravelmente superior ao que era devido à sua participação nos encargos da vida familiar, nos termos do art. 1676.º, n.º 2 do Código Civil, a exigir no momento da partilha. Pretendeu, pois, o legislador, compensar o cônjuge (na esmagadora maioria, o cônjuge mulher), em consequência do divórcio, pela sua contribuição excessiva para os encargos da vida familiar, quando essa contribuição resultou de renúncia de interesses profissionais com prejuízos importantes, a considerar no momento da partilha dos bens do casal.

 Por sua vez, este crédito de compensação só é exigível no momento da partilha dos bens do casal, a não ser que vigore o regime da separação, de acordo com o n.º 3 do art. 1676.º, n.º 3 do Código Civil. É precisamente o caso dos autos – Autora e Réu casaram civilmente, com convenção antenupcial,

Isto posto, parece-nos que este crédito de compensação terá de ser reclamado em processo próprio, após decretado o divórcio, no caso de não ter lugar o processo de partilha. É certo que o art. 470.º, n.º 1 do C.P.C. permite a cumulação de pedidos, num só processo, desde que sejam compatíveis. Nesta previsão, valora-se o efectivo interesse processual na apreciação conjunta das pretensões que deve sobrelevar a mera diversidade formal de tramitação processual tanto por razões de economia processual como também porque a apreciação conjunta se revela indispensável a um correcto entendimento e julgamento do litígio.

Não obstante, parece-nos que existe uma incompatibilidade intrínseca formular um pedido de crédito de compensação, assente no decretar do divórcio e consequente dissolução do casamento, o qual pressupõe, necessariamente, a declaração prévia e definitiva deste direito. Neste sentido, parece-nos curial o que se afirma na exposição de motivos da lei n.º 61/2008: (…) Afirma-se o princípio de que o cônjuge que contribui manifestamente mais do que era devido para os encargos da vida familiar adquire um crédito de compensação que deve ser satisfeito no momento da partilha. Este é apenas mais um caso em que se aplica o princípio geral de que os movimentos de enriquecimento ou de empobrecimento que ocorrem, por razões diversas, durante o casamento, não devem deixar de ser compensados no momento em que se acertam as contas finais dos patrimónios.

 Por outro lado, e no que respeita à admissibilidade de cumulação de pedidos, o disposto no n.º 2 do art. 470.º do C.P.C. parece restringir a sua formulação, nos processos de divórcio, além, obviamente da decretação do mesmo e consequente dissolução do casamento, à dedução do pedido tendente à fixação do direito a alimentos. Por último, nestes casos em que se convencionou regime de separação de bens.-não existem bens comuns a partilhar – embora não estando afastado o direito de compensação, verificados que estejam os seus pressupostos, parece-nos que terá de ser reclamado nos meios comuns.

Pelo exposto e sem necessidade de mais latas considerações, esta cumulação ilegal de pedidos, como excepção dilatória, acarreta a absolvição da instância do Réu (art. 288.º, alínea e); 493.º, n.º 2; 495.º e 510.º, n.º 1, alínea a), todos do C.P.C.) prosseguindo os autos apenas para apreciação dos fundamentos da acção.

Atribuição provisória da casa de morada de família

A Autora e requerente nos presentes autos de divórcio, veio (pedido alínea c). 69 e seguintes) requerer a fixação de um regime provisório no que respeita à casa de morada de família, atribuindo-lhe a sua utilização, oferecendo prova documental e testemunhal (11 testemunhas).

Regularmente notificado, respondeu o Réu e requerido, deduzindo a sua oposição, com os fundamentos articulados a fls. 86 e segs.

Cumpre, pois, apreciar e decidir.

A providência de fixação do regime provisório de utilização da casa de morada de família prevista no n.º 7 do art.1407.º do C.P.C. distingue-se, no plano processual ou adjectivo, do incidente de atribuição da casa de morada de família, regulado no art. 1413.º do mesmo diploma. Visando este último a definição duradoura do regime de ocupação da morada do desmembrado casal, a vigorar subsequentemente à decisão final de divórcio, aquele destina-se apenas a acautelar a protecção da habitação de um dos cônjuges durante o processo de divórcio, em função do condicionalismo que a lei tem por pertinente 1. A fixação do aludido regime provisório, apesar de ter um fim cautelar, não corresponde estruturalmente ao decretamento de uma providência cautelar nos moldes dos artigos 381.º e seguintes do C.P.C., dado que não procura, como acontece com esta, assegurar a efectividade do direito ameaçado.

Na realidade, não tendo o Juiz conseguido que as partes em processo de divórcio litigioso acordassem quanto à utilização da casa de morada de família durante o período de pendência do processo, pode aquele, em qualquer altura e se o julgar conveniente, fixar um regime provisório quanto àquela utilização. Como se retira do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 207/80, de 01.07, com o disposto no art. 1407.º, n.º 7 do C.P.C. visou-se apenas solucionar provisoriamente o conflito eventualmente existente entre as partes sobre a utilização da casa de morada de família durante a pendência do processo.

Por outro lado, as possibilidades de o Juiz avançar para o estabelecimento desse regime provisório ex oficio e de o rejeitar caso não o considere conveniente, previstas no art. 1407.º, n.º 7 do C.P.C., acrescem ao propósito do legislador de conferir ao julgador a máxima amplitude tanto na aplicação do direito (pelo apelo à equidade) como no campo da avaliação fáctica, aqui quer na livre investigação dos factos quer na sondagem das provas, afastando a intervenção da ritologia específica da jurisdição contenciosa. A concessão à capacidade inventiva e autonomia de indagação do Juiz, à sua experiência e senso, que individualizam a jurisdição voluntária – art. 1409.º do C.P.C. – não pode deixar de aqui ter pleno cabimento em função da delicadeza e particularidade das questões submetidas à apreciação do Tribunal.

Esta feição dos temas a tratar pelo Juiz, justificando a recusa da rigidez dos mecanismos de formação da prova próprios da jurisdição contenciosa, é também Ac. RC, 6.03.2007, Rel. Des. Freitas Neto. totalmente incompatível com o ónus da impugnação especificada plasmado pelo art. 490.º, n.º 1 a 3 do C.P.C. In casu, o contraditório do Requerido desempenha neste tipo de providência mais o papel de uma fonte de esclarecimento complementar do Juiz – com a adução de matéria nova e provas confluentes no círculo fáctico decisivo – do que um instrumento da consolidação dos interesses da Requerente, desenvolvidos com a acção.

Por outro lado, a fixação de um regime provisório da casa de morada tem como simples desiderato responder à necessidade de solucionar o problema objectivo da habitação dos cônjuges – cuja convivência no mesmo local é compreensivelmente perturbada pela pendência do processo – mediante a ponderação das condições de vida objectivas de cada um deles – incluindo a situação dos filhos – que integrem o agregado.

Não tem que nele interferir – ainda que perfunctoriamente – qualquer indiciação sobre os fundamentos do divórcio.

Na realidade, não se visa aqui castigar o cônjuge culpado ou premiar o inocente, como não se visa manter na casa de morada de família, em qualquer caso, o cônjuge ou ex-cônjuge que aí tenha permanecido após a separação de facto, mas o de proteger o cônjuge ou ex-cônjuge que mais seria atingido pelo divórcio ou pela separação quanto à estabilidade da habitação familiar.

Isto posto, temos que o incidente suscitado destina-se a regular a utilização da casa de morada de família apenas na pendência da acção de divórcio, tem cariz preventivo, e apenas razões gravosas poderão fundamentar o decretar desta medida. No essencial, a matéria fáctica alegada pela Requerente que fundamenta a causa de pedir apresenta-se como controvertida, pelo que, qualquer decisão sobre este incidente implicaria a produção de prova – A requerente arrolou 14 (catorze) testemunhas – o que determinaria ainda mais, o protelamento do processo naquilo que lhe é nuclear (o divórcio) para decidir uma questão incidental.

Decisão

Pelo exposto, sem necessidade de mais latas considerações e ao abrigo das disposições legais citadas, considero inconveniente – art. 1407.º, n.º 7 do C.P.C. - desencadear no âmbito destes autos de divórcio os subsequentes trâmites processuais atinentes à decisão de mérito sobre a atribuição provisória da casa de morada de família, pelo que, se indefere o pedido.”

A Autora interpôs recurso, concluindo.

A. O artigo 1413º/4 do CPC não estatui, nem determina, que o pedido de atribuição definitiva da casa de morada deva ser deduzido sempre por apenso. Estatui, outrossim, que quando alguma pessoa pretenda deduzir este pedido estando já pendente, ou finda, uma acção de divórcio, deve fazê-lo nos próprios autos de divórcio, por incidente a eles apenso.

B. Nada diz, nem prevê, para a situação em que uma pessoa pretenda deduzir este pedido quando ainda não está pendente a acção do divórcio, e justamente pretenda deduzir os dois pedidos simultâneamente. Nesse caso, e para esse caso, a norma processual não diz que a parte não pode deduzir o pedido de atribuição da casa de morada de família conjuntamente com o pedido principal.

C. Por outro lado, ao contrário do sentenciado, os pedidos de divórcio e de atribuição a título definitivo da casa de morada de família são pedidos cumuláveis nos termos do artigo 470º/2.

D. A decisão recorrida diz-nos que, prevendo o nº 2 do artigo 470º do CPC, que no processo de divórcio “é admissível a dedução de pedido tendente à fixação do direito a alimentos”, tal norma excluirá a possibilidade de dedução conjunta de outro pedido que não seja este mesmo pedido alimentar.

E. Assim não é. Na vigência desta norma sempre foi possível cumular o pedido de divórcio com o de outros pedidos, como seja o pedido de indemnização pelos danos resultantes da dissolução do casamento previstos no artigo 1792º do Código Civil sem que a redacção deste número 2 o tenha alguma vez impedido.

F. Diga-se ainda que a lei, no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro (diploma que operou a transferência de competência decisória em determinados processos de jurisdição voluntária dos tribunais judiciais para o Ministério Público e conservatórias do registo civil) previu expressamente esta possibilidade de cumulação dos pedidos de divórcio e de atribuição a título definitivo da casa de morada de família na mesma acção.

G. Também jurisprudência, e desta e doutras Relações, e a doutrina consultada, o prevêm.

H. Por outro lado, não existe qualquer fundamento de insusceptibilidade do pedido de atribuição da casa de morada ser cumulado o pedido de divórcio em razão daquele se tratar de um processo de jurisdição voluntária. Basta atentar que o pedido de alimentos, expressamente incluído no regime dos artigos 1412º do CPC como processo de jurisdição voluntária, é também ele cumulável, por norma expressa, com o pedido de divórcio. Ou o pedido de alimentos provisórios.

I. Aliás, após a reforma de 1995/96 do CPC passou a ser genericamente admitida a cumulação de pedidos a que correspondam formas de processo diferentes, sem que haja, evidentemente, diminuição das garantias processuais das partes, o que no caso se verifica pois que as regras processuais próprias do divórcio dão garantias processuais acrescidas às partes quanto à apreciação daquele outro pedido de atribuição da casa de morada.

J. Assim é que o regime do artigo 31º nº 2 do CPC, em sede de coligação, prevê como pressupostos da licitude da coligação, por um lado, não serem as formas de processo a que correspondam os diversos pedidos manifestamente incompatíveis (isto é, que a respectiva tramitação siga um modelo base comum) e, por outro lado, que haja um efectivo interesse na apreciação conjunta das pretensões por questões relacionadas com a economia processual ou motivada na necessidade de apreciação conjunta dos factos e dos pedidos para um correcto julgamento do litígio.

L. No caso dos autos as formas de processo aplicáveis ao pedido de divórcio (processo especial) e ao pedido de atribuição da casa de morada (processo de jurisdição voluntária) não são manifestamente incompatíveis, até porque, são coincidentes nos trâmites dos articulados (admitindo, via de regra, apenas dois articulados, e posteriores termos das fases de instrução e julgamento).

M. Por outro lado, é patente e ostensivo o interesse no julgamento conjunto de ambos os pedidos, não só por razões de economia processual mas também pela conveniência na apreciação e julgamento conjunto dos factos em cuja verificação assentam ambos os pedidos.

N. Não existem, por isso, em situações como a dos autos, em regra, obstáculos à coligação nos termos do artigo 31º do Código de Processo Civil, sendo, em conformidade permitida a cumulação dos pedidos na mesma acção, nos termos do artigo 470º nº 1 do Código de Processo Civil.

 Termos em que esta cumulação é legal e o despacho recorrido nulo, por violação de lei, em especial o regime do artº 470º do CPC, devendo ser substituído por outro que a admita.

P. Ainda que assim não fosse, e uma vez que o artigo 1408º, nº 1 do CPC prevê que, havendo contestação, “seguir-se-ão os termos do processo ordinário”, sempre haveria lugar – e necessariamente – a audiência preliminar onde o poder-dever de convite ao aperfeiçoamento dos articulados, mormente quanto a este aspecto de dedução por apenso do pedido secundário, podia ser exercido.

Q. Como é jurisprudência pacífica, “se a violação da norma processual se consubstanciar no facto de o Tribunal de 1ª Instância ter dispensado a audiência preliminar, onde o poder-dever de convite ao aperfeiçoamento podia ser exercido, conhecendo, de seguida, do mérito da acção, então porque a nulidade já estaria coberta por uma decisão judicial, o meio adequado para reagir seria o recurso e não a arguição de nulidade.” Ac. STJ de 18.10.2006, AD, 544º, p. 716, cit. por Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado.

R. Termos em que, subsidiariamente, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que anule o processado, convoque as partes para a audiência preliminar determine ao Tribunal recorrido que convide o A. a corrigir a petição em despacho pré-saneador, com vista à dedução em apenso do pedido secundário.

S. A decisão recorrida igualmente absolveu da instância o R. quanto ao pedido de pagamento de compensação com o fundamento de que este crédito apenas poderá ser reclamado em processo próprio, após decretado o divórcio, no caso de não ter lugar o processo de partilha.

T. No entender do tribunal a quo, duas ordens de razões impõem esta solução: a) “incompatibilidade intrínseca de formular um pedido de crédito de compensação, assente no decretar do divórcio e consequente dissolução do casamento, o qual pressupõe, necessariamente, a declaração prévia e definitiva desse direito” e b) porque o nº 2 do artigo 470º do CPC parece apenas admitir cumulação do pedido de divórcio com o de alimentos.

U. Quer os pedidos de atribuição de casa de morada de família, pedido de alimentos ao ex-cônjuge, pedido de condenação em indemnização pelos danos resultantes da dissolução do casamento previstos no artigo 1792º do Código Civil ou de indemnização pelos danos resultantes dos factos que constituem fundamento do divórcio são pedidos todos eles dedutíveis na própria acção de divórcio e são todos dependentes do pedido principal e (dos termos) da sua decretação. E assim acontece em todas as áreas do direito.

V. Bem ao contrário do sentenciado, existe mesmo uma total e completa compatibilidade intrínseca entre esses pedidos, enquanto os pedidos acessórios, porque dependentes do pedido principal, assentam fundamentalmente na apreciação dos mesmos factos e na procedência do pedido principal.

X. Por outro lado, nada justifica que a sentença recorrida considere como momento oportuno para a apreciação deste pedido secundário o momento de acerto de contas finais dos patrimónios, e que é o da partilha, pois que se assim fosse – e não é – a lei tinha igualmente remetido para o tal “momento em que se acertam as contas finais dos patrimónios” a apreciação do pedido de indemnização pelos danos resultantes da dissolução do casamento previstos no artigo 1792º, o que não faz. Nessa tese, seria justamente o momento da partilha, como “momento em que se acertam as contas finais dos patrimónios” que haveria que ponderar as indemnizações e compensações patrimoniais que um cônjuge deve a outro pela própria dissolução do casamento.

Z. Idem quanto à fixação de alimentos, para cuja fixação o tribunal pondera até as “contas finais dos patrimónios”, justamente para avaliar as medidas das necessidades e possibilidades alimentares.

Quando a lei – sabemo-lo – estatui expressamente que estes alimentos são cumuláveis com o pedido de divórcio, sem necessidade de qualquer espera pelo tal “momento em que se acertam contas finais dos patrimónios”.

AA. Por outro lado – e será a perspectiva principal a considerar para fundamentar o desacerto argumentativo da sentença recorrida – se considerarmos a sua causa-função, o processo de inventário é um processo divisório, que tem por objectivo estabelecer a partilha de uma massa de bens pelos respectivos titulares (artº 1326 nºs 1 e 3 do CPC). Portanto, o processo de inventário contém essencialmente uma função estritamente divisória: dissolve uma universalidade, substituindo-lhe a formação de quinhões ou quotas individuais e concretizadas.

AB. Todavia, para este efeito, há que fazer uma distinção entre as verdadeiras compensações e os créditos entre os cônjuges: as compensações verificam-se entre o património comum e o património próprio de cada um dos cônjuges e, portanto, só têm lugar, evidentemente, nos regimes de comunhão; os créditos entre cônjuges são os que existem entre os patrimónios próprios de cada um dos cônjuges, sem intervenção do património comum, admissíveis em qualquer regime de bens e exigíveis a todo o tempo. E, portanto, sem necessidade de qualquer espera pelo momento da partilha.

AC. No caso, o crédito de compensação da autora foi constituído em decorrência de uma contribuição desproporcionada para os encargos da vida familiar. Trata-se, portanto, de um crédito de um dos cônjuges sobre o outro – e não de uma compensação, essa sim a ser equacionada em partilha. O débito correspondente não integra qualquer passivo comum, como dívida da comunhão a um dos cônjuges, e, portanto, nem sequer teria que ser relacionado no processo de inventário, consequente à extinção da comunhão de bens entre os cônjuges, se os mesmos fossem casados em regime de comunhão.

AD. Portanto, o cônjuge que seja titular de um crédito sobre o outro cônjuge não tem, necessariamente, de reclamar o seu crédito no inventário em que se procede à partilha do património conjugal comum, para ser pago pela meação do devedor nesse património: a esse cônjuge é inteiramente livre o recurso aos meios judiciais comuns para obter esse pagamento.

E, sendo cumuláveis os pedidos, pode evidentemente cumulá-lo com o pedido principal de divórcio, como, aliás, tem sido reconhecido pelos nossos tribunais.

AE. Quanto ao segundo fundamento invocado de que o pedido de divórcio admite exclusivamente ser cumulado com o pedido de alimentos, já atrás demonstramos que assim não é a propósito da possibilidade de cumulação do pedido de divórcio com o pedido de atribuição de casa de morada.

AF. Assim sendo, também nesta parte a decisão recorrida viola o regime da cumulação de pedidos, e como tal dever ser revogada e substituída por outra que admita o pedido, com as legais consequências, designadamente a sua admissão e que seja determinada ao Tribunal a quo a reformulação do despacho saneador.

AG. Por a matéria de facto relativa ao pedido de atribuição provisório da casa de morada da família ser controvertida, considerou a sentença recorrida que a decisão do incidente implicaria uma fase de produção de prova que determinaria “o protelamento do processo naquilo que lhe é nuclear (o divórcio) para decidir uma questão incidental”, pelo que considerou inconveniente desencadear os subsequentes trâmites processuais atenientes ao incidente, que assim indeferiu.

Vejamos o desacerto da decisão recorrida.

AH. No art. 67º da Constituição da República o legislador constitucional previu que “a família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros”. Um dos direitos que a CRP erigiu como direito à realização da família e dos seus membros é o direito à habitação. Com efeito, segundo o art. 65º, “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”.

E este direito constitucional realiza-o o legislador ordinário, entre outras vertentes, através da atribuição da casa de morada de família, quer a título definitivo, quer a título provisório.

AI. A atribuição da casa de morada de família a um dos ex-cônjuges para nela continuar a habitar com descendentes do casal, quer na vertente de direito provisório, a vigorar na pendência do processo de divórcio, quer como direito definitivo, configura, pois, a realização dos princípios constitucionais do direito da protecção à família e do direito a uma habitação condigna, direitos que não podem ser recusados por norma de direito ordinário.

AJ. A interpretação feita pela decisão recorrida das normas processuais invocadas (1407º/7, 1410º e 1413º do CPC) no sentido de concederem ao Juíz o poder de recusar o julgamento duma pretensão da Recorrente quanto à casa de morada da família sempre que existem versões contraditórias dos factos ou dissídio, ou sempre que haja, por via dessa natureza controvertida, necessidade de abrir uma fase de instrução para o seu julgamento, com inerente “protelamento naquilo que é nuclear (o divórcio) para decidir uma questão acidental” é interpretação não consentânea com o regime dos artigos 65º e 67º da CRP.

AL. Por outro lado, o legislador constitucional previu também no artigo 20º da CRP o direito de acesso aos tribunais e o direito à tutela judicial efectiva, que inclui no seu conteúdo conceptual, entre outros, a proibição da indefesa.

AM. Se a lei constitucional e ordinária consagram justamente à Recorrente o direito de, na pendência de um processo de divórcio, lhe seja atribuída a casa de morada da família, como expressão do direito familiar de habitação, deixar ao critério de mera oportunidade do tribunal a opção de apreciar, ou não, o exercício do direito, designadamente por considerar o mesmo inoportuno por ser controvertido e a sua apreciação ir alegadamente protelar a apreciação do divórcio, consubstancia quanto à Recorrente um flagrante caso de indefesa na medida em que lhe retira o direito de ver apreciada e julgada por um tribunal a sua pretensão de atribuição provisória da casa de morada da família, justamente na pendência do processo de divórcio. Pois que o direito em causa – atribuição provisória da casa de morada – tem por causa-função exclusiva o garantir habitação à Recorrente na pendência da própria acção (!). E não depois.

AN. O Tribunal pode entender, uma vez sindicada e julgada a questão (e só então ! ), que a Recorrente não tem o direito à atribuição provisória da casa de morada; mas tem o dever legal de apreciar e julgar a pretensão da Recorrente, ainda que a mesma seja controvertida, e apenas a pode indeferir se, de acordo com o seu convencimento, e após a ponderação da mesma, porventura concluir que se não verificam os pressupostos relativos à sua atribuição. O que não pode fazer é o que fez: negar-se a julgar a questão porque a mesma é controvertida e por isso inoportuna, sendo que se não é oportuno agora julgar a questão nunca mais o será pois que o direito que a Recorrente pretende exercer é justamente o direito de na pendência da acção lhe seja atribuída a morada da família.

AO. À luz da proibição da indefesa, pode afirmar-se que a norma do artigo 1407º/7 do CPC, ao ser interpretada como consagrando o princípio da livre apreciação da oportunidade de apreciação do pedido de atribuição provisória da casa de morada da família, ou consagrando o poder do julgador de não julgar por inoportunidade, traduz-se em privação ou limitação daquele direito subjectivo de levar determinada pretensão ao conhecimento e decisão de um órgão jurisdicional.

AP. A interpretação dada à norma do artigo 1407º/7 do Código de Processo Civil pela decisão recorrida colide com o princípio constitucional que garante o acesso ao direito e aos tribunais, já que no caso concreto determina que a Recorrente se ache privada de deduzir e defender os direitos que lhe possam porventura assistir em matéria de garantia da atribuição da casa de morada durante a discussão do divórcio.

AQ. Tal interpretação radica, aliás, num paradoxo interpretativo, pois que através dela a atribuição provisória da casa de morada apenas seria garantida quando não tivesse natureza controvertida.

Restrição que a lei não prevê.

AR. Esta interpretação do Tribunal recorrido mostra-se inteiramente desconforme com o sentido e alcance das respectivas normas constitucionais e ordinárias com os objectivos que lhe estão na base: a da atribuição da casa de morada de família a um dos ex-cônjuges para nela continuar a habitar com descendentes do casal, realizando os princípios constitucionais do direito da protecção à família e do direito a uma habitação condigna e direito de acesso aos tribunais e tutela jurisdicional efectiva.

AS. A restrição ao exercício do direito nesta fase processual como decretada na decisão recorrida revela-se, à luz dos artigos 20º, 65º e 67º da Lei Fundamental, desproporcionada e desadequada pois atinge o núcleo essencial do direito de acesso aos tribunais e da tutela da família, na vertente de direito à casa de morada durante a fase da pendência do processo de divórcio.

AT Tem, pois, de entender-se que a solução constante do artigo 1407º/7 do CPC, na interpretação feita de que dá ao tribunal o direito de julgar oportuna/inoportuna proceder à apreciação do direito à atribuição provisória da casa de morada da família, constitui uma restrição desproporcionada ao direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais e protecção da família.

AU. Mais ainda. A decisão recorrida constitui caso de omissão de pronúncia e, como tal, gerador de nulidade.

AV. O predomínio, nos processos de jurisdição voluntária, dos princípios do inquisitório sobre o dispositivo e da equidade sobre a legalidade não consente que o tribunal entenda não ter que julgar por tal ser porventura processualmente inconveniente.

AX. O próprio teor do artigo 1407/7º do CPC exclui essa possibilidade: o que realmente dá ao julgador é a oportunidade de considerar conveniente ou não conveniente atribuir o direito, em função da verificação ou não dos próprios fundamentos dessa atribuição, e não de entender conveniente, ou não conveniente, apreciar a questão.

AZ. Por outro lado, o critério do artigo 1407º e 1410º do CPC foi ofendido pelos termos da decisão recorrida uma vez que o critério da decisão recorrida não foi conveniente, nem oportuno. Bem longe disso.

BA. A conveniência e oportunidade a que a lei alude, reportada à situação dos autos, terá que ser vista na perspectiva de se impor, ou não, uma tomada de posição, nesta fase do litígio relacional e processual, em que ambos os cônjuges se encontram. Ou seja, estamos perante uma situação que justifique uma medida provisória de atribuição da casa ou não ? Verifica-se uma situação de necessidade de habitação, ou não ? Etc.

BB. Perante uma situação como a dos autos, de vivência no mesmo espaço habitacional em que existe grande conflitualidade e confronto verbal e físico, em que a mulher tem medo do marido e teme pela sua integridade física, em que existe relato circunstanciado de actos que integram o conceito legal de violência doméstica, é objectivamente conveniente e oportuno que se ponha termo a tal vivência o mais rápido possível, não se mostrando ponderado ou sensato obrigar a A., requerente da providência, aguardar pelo desfecho do processo de divórcio para resolver de facto a situação e sujeitando-a às verdadeiras situações degradantes narradas.

BC. Ninguém de bom senso pode dizer o contrário. A não ser que se considere sensato, ponderado e oportuno, fazer viver a requerente sobre o mesmo tecto do marido, em evidente situação de degradação, quando (como alegado) o R. tem a outra casa do casal para viver (provisoriamente), dotada de jardins, piscina e demais confortos, onde poderia aguardar o desfecho do processo de divórcio.

BD. Portanto, mesmo que fosse acertada a tese defendida na sentença recorrida, tal exercício era ilegal, porque desenquadrado dos critérios estatuídos na lei. E, como tal, passível de ser revogado por esta Relação.

BE. A não atribuição provisória da casa de morada, como verdadeira não decretação de medida cautelar que é, tem um regime de recurso previsto na al. d) do artigo 691ºA do CPC e als. d e e) do nº 3 do artº 692º , e subindo nos próprios autos, têm efeito suspensivo. Aliás, caso assim não fosse, perderia a Recorrente o efeito útil do recurso.

Termos em que com o douto suprimento, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro conforme supra alegado.

Assim se fazendo Justiça.

Nos termos das disposições conjugadas dos artºs 685-A,º nºs 1 e 3, do CPC, na redacção do Dec-Lei nº 303/207, de 24/VIII, são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.

 Assim, as questões a resolver consistem em saber se:

- pode, e em que termos, ser apreciado o pedido de atribuição da casa de morada de família;

- se a requerente pode, neste processo, ver apreciado o pedido de compensação de créditos;

- se deve ser procedente o pedido de atribuição provisória da casa de morada de família.

II – Fundamentação de facto.

Para a decisão recorrida releva a factualidade que se extrai do relatado supra, importando ainda consignar que a Requerente e o Requerido casaram no regime de separação de bens.

III – Fundamentação de direito

1. Pedido de atribuição da casa de morada de família.

Diz a Apelante que não existem, em situações como a dos autos, em regra, obstáculos à coligação nos termos do artigo 31º do Código de Processo Civil, sendo, em conformidade permitida a cumulação dos pedidos na mesma acção, nos termos do artigo 470º nº 1 do Código de Processo Civil.

 Mas ainda que assim não fosse, e uma vez que o artigo 1408º, nº 1 do CPC prevê que, havendo contestação, “seguir-se-ão os termos do processo ordinário”, sempre haveria lugar – e necessariamente – a audiência preliminar onde o poder-dever de convite ao aperfeiçoamento dos articulados, mormente quanto a este aspecto de dedução por apenso do pedido secundário, podia ser exercido.

Analisando.

O destino que pode ser atribuído à casa de morada de família, em casos de divórcio está regulado no art. 1793º do CC, admitindo-se que qualquer dos cônjuges possa promover a sua regulação. Em termos definitivos, tal pode ser feito através de processo de jurisdição voluntária autonomamente instaurado (da competência da Conservatória do Registo Civil, nos termos do art. 5º, nº 1, al. b), do Dec. lei nº 272/01, de 13-10) ou por apenso à acção de divórcio litigioso, nos termos do art. 1413º do Código de Processo Civil.

Tendo em conta o novo regime estatuído pelo Decreto-Lei nº. 272/2001, de 13 de Outubro, tem vindo a defender-se que o pedido de atribuição de casa de morada de família deve ser requerido:

- no tribunal desde que esteja pendente acção de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens litigiosos, a título provisório, nos termos do art. 1407º. do CPC.
- no tribunal, durante a pendência de acção de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens litigiosos, a título definitivo, através da acção especial prevista no art. 1413º.d do CPC.;

- na Conservatória do Registo Civil, nos restantes casos, ou seja, nomeadamente, após decretado, por sentença transitada em julgado, o divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, em processos litigiosos, dado não se tratar de processo pendente (cfr. Divórcio por Mútuo Acordo, Anotado e Comentado, de Tomé d`Almeida Ramião).

 Coloca-se a questão do meio processual, para se obter a atribuição da casa de morada de família, no caso de falta de acordo dos cônjuges já que o art. 1793º CC, norma substantiva, nada nos diz a esse respeito, pois que apenas se limita a regular um dos efeitos do divórcio. É pois na lei adjectiva que haverá de alcançar-se a solução. Desde logo não vem essa situação prevista no art. 470 nº 2 CPC, quando refere a possibilidade de com o pedido de divórcio ou separação litigiosos, se cumularem outros.

Na lei adjectiva, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo DL 329-A/95, não havia norma expressa, o que levou a certa divisão da jurisprudência. Apesar disso, era pacífico, que em causa estaria «incidente» a processar nos termos dos processos de jurisdição voluntária.

Assim se pronunciou o Ac. STJ de 30.04.1996 (CJ 96, II, 47) «A questão da atribuição do direito ao arrendamento não é um efeito ou complemento do divórcio, o qual funciona apenas como pressuposto ou condição para a formulação do pedido. Trata-se assim de questão autónoma e independente, que pode até vir a ser discutida vários anos depois de decretado o divórcio, pelo que o respectivo processo não deve ser qualificado como simples incidente... O critério do julgamento coincide pois aqui também com o que é próprio daqueles processos de jurisdição voluntária (art. 1410 CPC). O lugar adequado à regulamentação deste processo seria entre as «providências relativas aos cônjuges, previstas nos art. 1413 e seguintes do CPC. Isto só não terá ocorrido por manifesto lapso do legislador das reformas processuais de 1967 e 1979, que não atentou na alteração estabelecida no cit. art. 1110, relativamente ao que se dispunha antes do cit. art. 45 da Lei 2330, devendo a lacuna ser preenchida em conformidade com o disposto no art. 10 CC e 138 nº 1 CPC».

Com as alterações introduzidas pelo DL 329-A/95, a questão deixou de ter razão de ser. Com efeito, sabedor da lacuna referida, o legislador, em sede de processos de jurisdição voluntária dispõe agora no art. 1413ª do CPC que «aquele que pretenda a atribuição da casa de morada de família, nos termos do art. 1793º CC, ou a transferência do direito ao arrendamento, nos termos do art. 84º RAU, deduzirá o seu pedido, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito». Prevê-se depois o formalismo processual a observar.

Esta ideia resultava já, (ainda antes das alterações introduzidas pelo DL 329-A/95), da redacção quer do art. 1110 CC, quer do art. 84º do RAU, em que o pressuposto (questão prévia) era ter-se obtido o divórcio.

 Aragão Seia, in Arrendamento Urbano – 6ª edc., pag.547, explicava o seguinte: «Anteriormente, a atribuição da casa de morada de família concretizava-se através de um incidente no respectivo processo. Com a entrada em vigor das alterações ao CPC, passou a existir para o efeito um processo específico, de jurisdição voluntária; se estiver pendente ou tiver corrido acção de divórcio ou de separação judicial litigiosos, o pedido é deduzido por apenso – art. 1413º CPC».

O STJ, no Ac. de 16.12.1999, Bol. 492/410, sentenciou: ”I – O pedido de atribuição da casa morada de família art. 1793 do CC – pode ser deduzido, nos termos do art. 1413 do CPC, na pendência da acção de divórcio ou separação litigiosa. II – Porém, como regime definitivo da utilização da casa morada de família apenas pode ser fixado após ter sido decretado o divórcio, deverá sobrestar-se na decisão, aguardando que seja proferida decisão final na acção de divórcio, no caso de a sequência processual ter determinado que o incidente de atribuição de casa morada de família esteja pronto para decisão com os cônjuges ainda casados.”

Portanto, temos hoje que o pedido de atribuição da casa de morada de família é um processo autónomo de jurisdição voluntária, sendo deduzido por apenso à acção de divórcio ou de separação judicial se esta estiver pendente. Trata-se de uma competência por conexão.

Acontece que no caso a Autora formulou na petição da acção de Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge o seu pedido de atribuição da casa de família, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito.

Dispõe o artigo 508.º nº 1que “Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho destinado a:

 a) Providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, nos termos do nº 2 do art. 265º …”

E o nº 2 do art. 265.º rege: ”O juiz providenciará mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando estiver em causa alguma modificação subjectiva da instância, convidando as partes a praticá-los.”

Ora estando, como está, a petição de atribuição da casa de morada de família, apta no que respeita concretização da causa de pedir e pedido, deveria o juiz ter convidado a parte a individualizar tal petitório para a autuação por apenso à acção de divórcio, indiscutível que é a referida competência por conexão.

Assim, assiste, nesta parte, razão à Apelante.

2. Compensação de créditos

Mais argumenta a recorrente que a decisão recorrida igualmente absolveu da instância o R. quanto ao pedido de pagamento de compensação com o fundamento de que este crédito apenas poderá ser reclamado em processo próprio, após decretado o divórcio, no caso de não ter lugar o processo de partilha.

Diz que o seu crédito de compensação foi constituído em decorrência de uma contribuição desproporcionada para os encargos da vida familiar. Trata-se, portanto, de um crédito de um dos cônjuges sobre o outro – e não de uma compensação, essa sim a ser equacionada em partilha. O débito correspondente não integra qualquer passivo comum, como dívida da comunhão a um dos cônjuges, e, portanto, nem sequer teria que ser relacionado no processo de inventário, consequente à extinção da comunhão de bens entre os cônjuges, se os mesmos fossem casados em regime de comunhão.

Vejamos.

A Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, veio aprofundar o modelo “moderno” de casamento, por contraposição ao seu modelo “tradicional”, modelo esse que “desvaloriza o lado institucional e faz do sentimento dos cônjuges, ou seja, da sua real ligação afectiva, o verdadeiro fundamento do casamento”, que passa a ser “tendencialmente”, ou, no limite, antes que uma “instituição”, “uma simples associação de duas pessoas, que buscam, através dela, uma e outra, a sua felicidade e a sua realização pessoal”, ideia que justifica e propugna a dissolução jurídica do vínculo matrimonial quando, independentemente da culpa de qualquer dos cônjuges, ele se haja já dissolvido de facto, por se haver perdido, definitivamente, e, sem esperança de retorno, a possibilidade de vida em comum (vide Pereira Coelho, Casamento e família no direito português, em “Temas de Direito da Família” (Ciclo de Conferências na Ordem dos Advogados – Porto), Coimbra, 1986, 10 e 14.) .

A introdução de causas de divórcio, de natureza objectiva, que, pura e simplesmente, exprimem a “ruptura da vida em comum”, traduziu o abandono da ideia de «divórcio-sanção», na tentativa de retomar, o mais, amplamente, possível, a ideia de «divórcio-remédio», alargando-a mesmo a uma concepção de «divórcio-consumação» ou «divórcio-falência» (Cfr. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direto da Família, I, 3ª edção, 2003, 661 e 662 e Antunes Varela, Direito da Família, Lisboa, 1987, 466).

Mas é nossa convicção que não obstante a dissolução do casamento-contrato, subsistem as relações de afinidade e a possibilidade de manutenção do uso do apelido pelo cônjuge que assim o deseje, desde que devidamente autorizado pelo outro e, bem assim, a obrigação de alimentos (artºs 1602 c), 1677-B e 2016 do Código Civil).

A consagração legal a manutenção destas relações não é mais que um reconhecimento de que o matrimónio não se reconduz, sem mais, ao casamento contrato previsto na lei. O casamento é um contrato outro, que liga profundamente a pessoa dos cônjuges e tem amplos reflexos em relação a terceiros.
Não obstante a similitude, não se pode comparar o casamento a qualquer outro contrato. Se faltassem fundamentos – ligados à particular importância social e jurídica do casamento - a este óbice, bastaria a ponderação dos valores em causa. Até porque o vínculo familiar que se constitui na constância do matrimónio não se apagará jamais, designadamente quando existirem filhos. E a própria lei reconhece este princípio, ao prescrever imperativamente a manutenção das relações de afinidade que, mesmo depois da dissolução, continuam a configurar como obstáculo à celebração de casamento entre os cônjuges e os afins. (cfr. Pereira Coelho, RLJ nº 3720, págs. 91 e 93).

Nos regimes de comunhão, seja da comunhão de adquiridos seja da comunhão geral, a massa dos bens comuns dos cônjuges pode coexistir com outras massas patrimoniais: a dos bens próprios de cada um dos cônjuges (artºs 1721, 1722, 1723, 1724, 1732 e 1733 do CC).

Nos regimes de comunhão – ao contrário do que sucede no regime de separação podem, portanto, existir patrimónios separados que pertençam ao mesmo cônjuge.

A extinção do casamento importa a cessação da generalidade das relações patrimoniais entre os cônjuges, a extinção da comunhão entre eles e a sua substituição por uma situação de indivisão a que se põe fim com a liquidação

É por demais sabido que só os bens englobados na comunhão – seja no regime de comunhão geral de bens ou no regime de comunhão de adquiridos – é que fazem parte do património autónomo que será partilhado apenas e só quando se extinguir a relação matrimonial.

Naquelas duas situações, mesmo no caso de divórcio, os bens continuam a pertencer ao património comum até à partilha, nunca se podendo falar em compropriedade mesmo após a sentença que o decretou (Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Volume I – 2ª edição –, página 670 e 671).

Diferentemente, no regime de separação, não há bens comuns (há uma mera presunção de compropriedade em relação aos bens móveis a funcionar nos casos de dúvidas, por força do disposto no artigo 1736º, nº 2 do Código Civil), mas nada impede que haja bens em compropriedade.

No caso presente a Apelante fala em compensação mas depois precisa que o que se trata é de um crédito de um dos cônjuges sobre o outro – e não de uma compensação -, essa sim a ser equacionada em partilha. Diz que, ao contrário do sentenciado, existe mesmo uma total e completa compatibilidade intrínseca entre esses pedidos, enquanto os pedidos acessórios, porque dependentes do pedido principal, assentam fundamentalmente na apreciação dos mesmos factos e na procedência do pedido principal.

O autor pode deduzir vários pedidos cumulativos contra o réu, desde que eles sejam entre si substancialmente compatíveis, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação (art.470º, nº1).

Postula-se, antes de mais, a compatibilidade substancial dos pedidos discriminadamente deduzidos por autores ou contra réus distintos (art.30º do CPC).

 Dispõe o art. 30.º do CPC:

1. É permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência.

2. É igualmente lícita a coligação quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas.

Na situação em análise pretende a Apelante ser ressarcida por um crédito que diz ter sobre o Apelado. Ora, não se vislumbra aqui conexão substantiva, nos termos atrás referidos.

Na verdade, vigorando entre os cônjuges o regime da separação de bens, assim como, havendo compropriedade de bens qualquer um pode, em qualquer momento, pôr fim à indivisão, como se disse, também qualquer dos cônjuges pode, em qualquer momento, exigir o crédito que reclama.

Não, assim, proceder a pretensão da Apelante.

3. Atribuição provisória da casa de morada de família.

Adianta ainda que a interpretação feita pela decisão recorrida das normas processuais invocadas (1407º/7, 1410º e 1413º do CPC) no sentido de concederem ao Juiz o poder de recusar o julgamento duma pretensão da Recorrente quanto à casa de morada da família sempre que existem versões contraditórias dos factos ou dissídio, ou sempre que haja, por via dessa natureza controvertida, necessidade de abrir uma fase de instrução para o seu julgamento, com inerente “protelamento naquilo que é nuclear (o divórcio) para decidir uma questão acidental” é interpretação não consentânea com o regime dos artigos 65º e 67º da CRP e colide com o princípio constitucional que garante o acesso ao direito e aos tribunais, já que no caso concreto determina que a Recorrente se ache privada de deduzir e defender os direitos que lhe possam porventura assistir em matéria de garantia da atribuição da casa de morada durante a discussão do divórcio. 

O Tribunal pode entender, uma vez sindicada e julgada a questão (e só então!) que a Recorrente não tem o direito à atribuição provisória da casa de morada; mas tem o dever legal de apreciar e julgar a pretensão da Recorrente, ainda que a mesma seja controvertida, e apenas a pode indeferir se, de acordo com o seu convencimento, e após a ponderação da mesma, porventura concluir que se não verificam os pressupostos relativos à sua atribuição.

Perante uma situação como a dos autos, de vivência no mesmo espaço habitacional em que existe grande conflitualidade e confronto verbal e físico, em que a mulher tem medo do marido e teme pela sua integridade física, em que existe relato circunstanciado de actos que integram o conceito legal de violência doméstica, é objectivamente conveniente e oportuno que se ponha termo a tal vivência o mais rápido possível.

Mais ainda. A decisão recorrida constitui caso de omissão de pronúncia e, como tal, gerador de nulidade.

Atentemos.

 A nulidade da sentença invocada (al. d) do nº 1 do artº 668º do CPC) traduz-se na situação em o juiz deixa de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento...

Esta nulidade está directamente relacionada com o disposto no art. 660º nº 2 do CPC segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

É incontroverso que existe omissão de pronúncia quando o juiz não conheceu de certas questões sobre as quais não podia deixar de se pronunciar, não tendo, porém, de apreciar todos os fundamentos de que as partes se servem para fazer valer o seu ponto de vista, isto é, os argumentos, as razões, os raciocínios exposto em defesa da tese de cada uma das partes que, embora sejam consideradas “questões” em sentido lógico e técnico, não representam matéria decisória para o juiz (v.g Jorge Augusto Pais do Amaral, obra citada, pag. 353).

As nulidades da decisão previstas no citado art. 668º do CPC são deficiências (intrínsecas) da sentença (regras que se aplicam aos próprios despachos (art. 666º-3 do mesmo código). Não se confundem, todavia, com o chamado erro de julgamento que se traduz numa desconformidade entre a decisão e o direito - substantivo ou adjectivo - aplicável. Neste caso, o tribunal fundamenta a decisão, aprecia tos as questões suscitadas, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito.

É precisamente nesta última asserção que se centra a argumentação da Requerente/Apelante pois, bem ou mal, houve pronúncia sobre a questão. Daí que possa ter esgrimido as razões de discordância relativamente a essa decisão.            

Enquanto não se proceder à resolução definitiva dessa questão, pode justificar-se a regulação provisória. Para o efeito, prescreve o art. 1407º, nº 7, do CPC, que tal regulação, com características similares às que definem as providências cautelares, pode ser declarada em qualquer altura, a requerimento de qualquer dos cônjuges ou por iniciativa do juiz, fazendo preceder a decisão de diligências oportunas.

Dispõe este normativo: “em qualquer altura do processo o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma das partes, e se o considerar conveniente, poderá fixar um regime provisório quanto a alimentos, quanto à regulação do exercício do poder paternal dos filhos e quanto à utilização da casa de morada de família; para tanto poderá o juiz, previamente, ordenar a realização das diligências que considerar convenientes.”

A lei não fornece que critérios devem orientar o juiz na fixação deste regime, mas seguramente que haverá que ponderar, nomeadamente a situação patrimonial dos cônjuges, as circunstâncias de facto relativas à ocupação da casa, o interesse dos filhos.

No caso sub judice, a Apelante alega que, tanto ela como o filho não têm casa própria ou arrendada, nem outro lugar para viver que não a casa de morada de família. A casa de morada de família é propriedade do Requerido mas tratou-se de um negócio realizado em fraude à lei pois este pretende através de um subterfúgio legal furtar-se às regras legais sobre o uso e atribuição da casa de morada de família entre os cônjuges.

A Requerida e o filho necessitam de ser poupados aos actos e acções do Requerido que deixou de ter consideração pessoal pela Autora e pela família e comete agressões graves e sérias aos direitos de todos. Provoca discussões em casa apenas para irritar a Requerente. Desde que deixou de pagar as despesas da EDP passou a acender a meio da noite todas as luzes da casa para provocar gastos, ou a abrir as janelas do terraço, para a casa gelar e aumentar o custo da energia. O Requerido é milionário e dispõe de casa para viver, sita na Quinta do Perú.

O Requerido defende-se afirmando que é a Requente quem provoca o mau ambiente, insultando e ameaçando de que haveria de pô- lo fora da casa onde vivem.

Foi vitima de uma mega-burla desde Outubro de 2008 cometida por um ex-sócio que lhe deixou dívidas fiscais e bancárias elevadíssimas.

A casa onde vivem não é sua propriedade mas sim da sociedade.

Atravessa economicamente o período mais grave de sempre.

Não é proprietário de qualquer casa na Quinta do Perú, sendo apenas locatário financeiro dessa casa que fica a 45 Km de Lisboa, cidade onde exerce a sua actividade profissional.

Nas actuais circunstâncias não sabe sequer se terá possibilidade de continuar a pagar as rendas.

Com o falecimento do pai, a Requerente e os irmãos herdaram valiosos imóveis, inclusive uma herdade no Alentejo com 3.500 hectares.

A decisão em apreço considerou que, no essencial, a matéria fáctica alegada pela Requerente que fundamenta a causa de pedir se apresenta como controvertida, pelo que, qualquer decisão sobre este incidente implicaria a produção de prova – A requerente arrolou 14 (catorze) testemunhas – o que determinaria ainda mais, o protelamento do processo naquilo que lhe é nuclear (o divórcio) para decidir uma questão incidental. Nesta base julgou inconveniente – art. 1407.º, n.º 7 do C.P.C. - desencadear no âmbito destes autos de divórcio os subsequentes trâmites processuais atinentes à decisão de mérito sobre a atribuição provisória da casa de morada de família.

Este fundamento de os factos serem controversos e implicarem produção de prova com reflexos na demora do processo principal, não pode justificar o indeferimento liminar

É que este incidente deverá ser apreciado, se necessário com produção de prova, desde que suscitado. Ponto é que a parte requerente do incidente avance razões ponderosas que justifiquem a apreciação e decisão do requerido.

Explica Nuno Salter Cid, in A Protecção da Casa de Morada de Família no Direito Português, página 26, que “a família precisa, naturalmente, de um espaço físico que lhe sirva de base, de sede, de um local onde possa viver e conviver, e é de algum modo essa exigência que tem em vista o artº65º, nº1, da C.R.P., ao reconhecer a todos, para si e para a sua família, o direito a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”, que, a propósito do conceito de casa de morada de família, escreve que “a expressão «casa de morada de família» é, no sentido comum imediato das palavras que a compõem, o edifício destinado a habitação, onde reside um conjunto de pessoas do mesmo sangue ou ligadas por algum vínculo familiar, e que «residência da família» é o lugar onde esse conjunto de pessoas tem a sua morada habitual, a sua sede”.

Como se refere no despacho em crise “(…) a fixação de um regime provisório da casa de morada tem como simples desiderato responder à necessidade de solucionar o problema objectivo da habitação dos cônjuges – cuja convivência no mesmo local é compreensivelmente perturbada pela pendência do processo – mediante a ponderação das condições de vida objectivas de cada um deles – incluindo a situação dos filhos – que integrem o agregado(…)”.

Ora, da argumentação da Recorrente resulta que existe uma perturbação da vida familiar causada pelo Recorrido e, nessa medida, considera-se ser de admitir o incidente em causa com vista apurar dessas razões, sendo de realçar, como também se explicita no despacho recorrido, que se concede aqui “ao julgador a máxima amplitude tanto na aplicação do direito (pelo apelo à equidade) como no campo da avaliação fáctica, aqui quer na livre investigação dos factos quer na sondagem das provas, afastando a intervenção da ritologia específica da jurisdição contenciosa”.

Desta forma merece acolhimento esta pretensão da recorrente.

III- Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a Apelação, revogando-se a decisão que, considerando haver a cumulação ilegal de pedidos e excepção dilatória, absolveu da instância o Réu, a qual deve ser substituída por outra em que o juiz convide a parte a individualizar o petitório da atribuição definitiva da casa de morada de família para a autuação por apenso à acção de divórcio, bem como a decisão que decidiu não admitir o incidente de atribuição provisória da casa morada de família, o qual deverá ser admitido liminarmente, confirmando-se o restantes despacho

Custas pela Apelante na proporção de 1/3.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2013

Ana Lucinda Mendes Cabral (relatora nos termos do disposto no art. 713º, nº 4 do CPC relativamente à questão da atribuição provisória da casa de morada de família, seguindo declaração de voto em anexo).

Maria de Deus Correia

 Maria Teresa Pardal

DECLARAÇÂO DE VOTO

No projecto que apresentou a signatária entendeu existir falta de consistência das razões invocadas pela Requerente, o que não permite o deferimento do pedido.

As alegações não passam de abstrações pois desconhece-se que discussões em concreto o Requerido provoca, bem como os concretos actos ou acções que o Requerido comete para além de acender a luzes e abrir as janelas à noite para aumentar a despesa da EDP e, o que é mais importante para o caso, a frequência desses actos e discussões, os quais poderão ter sido esporádicos, graves ou menos graves, de modo a que se possa aquilatar da inviabilidade da convivência entre todos, além de que a Requerente também não alega factualidade que verdadeiramente conduza à necessidade premente, por não ter para onde ir, da atribuição provisória da casa de morada de família. (situação idêntica se julgou no Ac. da Relação de Lisboa, Proc. nº 1443/2005, de 14/3/2005 in www.dgsi.pt.).

A decisão a proferir sobre esse regime provisório pressupõe, pelo seu carácter excepcional, a existência de uma situação de elevado grau de carência desta regulamentação, o que se mostra no caso.