Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
250/11.4YRLSB-2
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
REVISÃO FORMAL
CASO JULGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/23/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: REVISTA A SENTENÇA/CONFIRMAR A SENTENÇA
Sumário: I – Na acção de revisão e confirmação de sentença apenas se verifica se a decisão estrangeira está em condições de produzir efeitos em Portugal, i. é, se se verificam os requisitos taxativamente indicados no art.1096º, conforme art.1100º, nº1º, 1ª parte, CPC.
II – O regime interno do direito português – excluídas portanto convenções e outras fontes internacionais – consagra um sistema de simples revisão formal das decisões estrangeiras.
III. Não cabe ao Tribunal português verificar o cumprimento das regras processuais pelo Tribunal de onde procede a decisão revidenda.
IV. Não viola a ordem pública internacional ou reserva de ordem pública prevista na al. f) do art.1096º CPC a simples prolação no mesmo processo, pelo mesmo Tribunal superior que proferiu a primeira, e fazendo aliás referencia àquela, de uma nova decisão, sabido como é que o caso julgado não impede que a lei permita a alteração e prolação de novas decisões de modo a melhor realizar a justiça, o que ocorre em várias áreas do direito português, do cível ao laboral, passando pela jurisdição de menores.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa
I
Requerentes: “A”, “B”
Requerida: “C”.
Pedido e fundamentos: que seja revista e confirmada a decisão de 10.8.2010 do Tribunal Superior de Justiça de Ontário, Canadá, que revogou a sentença de N. J. de 8.9.2008, revista por esta Relação de Lisboa (proc. 1161/09.9YLSV).
Os requerentes pretendem com esta sentença fazer prova no processo cível 1342/09.5T2AVR, que decorre no Tribunal de Grande Instância Cível de Anadia.
Citada, a requerida deduziu oposição alegando que a decisão confirmatória desta Relação transitou em 2.2.2010, e incidiu sobre a sentença relevante do Tribunal superior de Justiça de Ontário, sendo a novel decisão canadiana irrelevante, e invocada pelos requerentes tão-somente para protelar a acção de nulidade de simulação do Tribunal português. Pedem a sua improcedência.
Cumprido o disposto no art. 1099/1 do CPC, o DM do M.° P.° pronunciou-se notando que não está em causa verdadeiramente o caso julgado, porquanto a segunda decisão substancialmente incorpora uma revisão ou incidente subsequente da primeira, comprometendo o efeito executório desta, pelo que o objecto desta não coincide com o da primeira, nada impedindo, pois, a sua revisão. E não se diga que se trata de mero meio de prova para processo pendente em Portugal, pois, como nota Ferrer Correia, o legislador quis submeter a controlo prévio a produção em Portugal de todos os efeitos próprios da sentença. Em suma, estão verificados os requisitos da requerida revisão.
As partes vieram alegar, mantendo as respectivas posições.
*
*
II
O Tribunal é o competente, não se verificando quaisquer excepções dilatórias, nulidades ou questões prévias que importe decidir.
Atentos os elementos dos autos estão provados os seguintes factos:
1. Por sentença de 8 de Setembro de 2008, do Tribunal Superior de Justiça de Ontário, Canadá, no processo n.º 03-CV-248339CM2, foram os ora requerentes “A” e “B” condenados a pagar à ora requerida “C”, a quantia de $ 239.690,00, acrescida de juros calculados desde 6 de Maio de 2003 até à data da sentença à taxa anual de 6%, contados semestralmente, num total de $ 328.817,91, e ainda condenados no montante que a “C” teve de desembolsar com a acção, fixado no total de $ 174.457,00, no âmbito de responsabilidade civil pela prática de fraude, desfalque e apropriação indevida.
2. Tal decisão foi revista e confirmada pelo acórdão desta Relação de 15.12.2007.
3. Por sentença do mesmo Tribunal Superior de Justiça de Ontário, proferida no mesmo processo n.º 03-CV-248339CM2, de 10 de Agosto de 2010, foi decidido, designadamente, que a sentença de 8 de Setembro de 2008 é por este meio repudiada; os réus pagarão à autora $5.000.00 por conta das ordens de custas; as providências de apreensão e venda e penhora, assim como o certificado de litigância pendente contra a propriedade dos RR permanecerão em vigor, sem que quaisquer outras medidas posteriores sejam tomadas no seu âmbito por meio de apreensão e venda ou penhora, ate ordem posterior deste Tribunal; os RR. não tomarão quaisquer medidas para apagar ou remover quaisquer providências ou outros certificados que a autora possa ter emitido contra os arguidos ou sua propriedade em Portugal, pendendo ordem posterior deste Tribunal; a acção da autora por transacção fraudulenta continue.
*
*
É sabido que o reconhecimento em Portugal dos efeitos decorrentes duma sentença estrangeira que regule relações privatísticas depende da sua revisão e confirmação.
Com efeito, como já notava A. de Paula Coelho[1], aliás na peugada de Machado Vilela, para assegurar a exequibilidade das sentenças estrangeiras são possíveis vários sistemas, como o da reciprocidade[2], o do reconhecimento, que pode ser de plano[3] ou mediante confirmação ou revisão, podendo, este ultimo, subdividir-se em revisão de mérito[4] e revisão formal (delibação)[5]; isto sem mencionar aqueles sistemas que não reconhecem simplesmente as sentenças estrangeiras. 
Tem havido uma evolução das ordens jurídicas no sentido do máximo reconhecimento das sentenças estrangeiras, quer por via de um mero reconhecimento formal, quer mesmo de um reconhecimento automático, nomeadamente no âmbito do direito comunitário[6].
Com efeito, se outrora a regra era o não reconhecimento das decisões provenientes de outros ordenamentos[7], hoje a velocidade do comércio jurídico exige que os efeitos das sentenças não se limitem à territorialidade do seu ordenamento.
Em todo o caso, desde cedo o nosso sistema foi reconhecido como “fundamentalmente de delibação … atenuado por um caso de revisão de mérito[8].
Acontece que hoje o reconhecimento pelo regime interno luso não exige, em regra, qualquer controlo de mérito das decisões estrangeiras.   
Efectivamente, o art. 1096 do CPC estabelece os requisitos necessários para a confirmação de sentença estrangeira, a saber:
Para que a sentença seja confirmada é necessário:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português, excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes.
f) Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português”.
Nos termos do art.º 1101 o tribunal verificará oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do art.º 1096, negando oficiosamente a confirmação quando pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções apure que falta algum dos requisitos exigidos nas restantes alíneas.
Tal controlo apenas ocorrerá quando se verifique o caso do n.º 2 do art.º 1100: “Se a sentença tiver sido proferida contra pessoa singular ou colectiva de nacionalidade portuguesa, a impugnação pode ainda fundar-se em que o resultado da acção lhe teria sido mais favorável se o tribunal estrangeiro tivesse aplicado o direito material português, quando por este devesse ser resolvida a questão segundo as normas de conflitos da lei portuguesa[9].
Assim sendo, cumpre meramente reconhecer e confirmar a aludida decisão, atento o normativo em causa.
“Reconhecer uma sentença estrangeira é atribuir-lhe no Estado do foro, no todo ou em parte, os efeitos que lhe competem segundo a lei do Estado de origem[10]
Esses efeitos são o efeito de caso julgado e o efeito de título executivo.
Em suma: o sistema de revisão e confirmação de sentença estrangeira assenta num sistema de controlo formal, através do qual se controla essencialmente os elementos formais da sentença revidenda e não os seus elementos de mérito. Nem sequer cabe apreciar o seu valor processual do ponto de vista processual do Estado de origem[11].
*
Ora, avaliando formalmente a decisão em apreço, não vislumbramos dúvidas – nem as partes as suscitam - sobre a autenticidade dos documentos juntos pelos requerentes nem sobre a inteligência da decisão; nem que o reconhecimento da decisão canadiana conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
Alega a R., porém, que existe caso julgado.
Vejamos.
Dispõe o art.º 671, n.º 1, do Código de Processo Civil, que “transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 497.º e seguintes, sem prejuízo do que vai disposto sobre os recursos de revisão e de oposição de terceiro. Têm o mesmo valor que esta decisão os despachos que recaiam sobre o mérito da causa”. 
Por sua vez, o art.º 673 estipula que “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique”.
Caracteriza o caso julgado a insusceptibilidade de impugnação ordinária (art.º 677), sendo “uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos Tribunais e da salvaguarda da paz social, pois que evita que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, obsta a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios (…) e é expressão dos valores de segurança e certeza que são imanentes a qualquer ordem jurídica” (Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 568).
Sendo, agora, uma excepção dilatória (art.º 494/i), “pressupõe a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado. 2. Tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior” (art.º 497/1 e 2).
1. Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico” (art.º 498).
O caso julgado – sem nos determos em noções e classificações que para o caso pouco importam, como a distinção caso julgado formal-material ou autoridade-excepção, ou absoluto – relativo (esta com o sentido pugnado por Castro Mendes, em Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, 157) - pode ser visto com dimensão variável.
Assim, para Castro Mendes, o caso julgado abarca a decisão procedente, relevando os fundamentos sobremodo em sede interpretativa da decisão; já a decisão absolutória faz caso julgado por referência à causa de pedir (por ex., o caso julgado da decisão que declarou que A é proprietário de x releva de per si, independentemente da causa de pedir – v.g. aquisição derivada ou usucapião; a que declarou improcedente é vale por referência à fundamentação invocada – v.g. a compra e venda -, não impedindo que volte a ser discutida a propriedade com fundamento noutra causa, p. ex. aquisição por sucessão mortis causa).
Para Teixeira de Sousa, op. cit., 578, “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo”. E, em sede de força acrescenta: a “eficácia de caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada (…). Está igualmente afastado todo o efeito incompatível, isto é, que seja excluído pelo que foi definido na decisão transitada”(idem, 579).
No caso, o que se passa não é, claramente, a repetição de uma acção; simplesmente no mesmo processo o mesmo Tribunal – aliás superior – profere, com pleno conhecimento de causa e na sequência de alterações subsequentes, uma decisão diferente, que se insere no iter da decisão do litígio.
Será isto violador dos princípios da ordem pública internacional do Estado português?
Decerto que não.
É que, ao contrário do que parece pretender a requerida, a ordem jurídica portuguesa não ignora a prolação de decisões sucessivas no mesmo processo.
O caso julgado, vimo-lo, visa evitar que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias, e é expressão dos valores de segurança e certeza que são imanentes a qualquer ordem jurídica; não se propõe anquilosar a justiça e torná-la concretamente inoperante mas antes servi-la garantido que a aplicação do Direito atinge esse fim superior. Dito de outro modo, não é a fórmula que interessa mas o resultado justo.
Por isso, muitos casos há em que, exactamente para garantir que a justiça é atingida, se admite nos mesmos autos a modificação de decisões, por forma a acompanhar a situação fáctica subjacente.
Não se trata, pois, de proferir decisão contraditória, mas sim de acompanhar as exigências de facto entretanto surgidas.
Pense-se por exemplo na possível prolação de novas decisões de graduação de créditos (art.º 868/6 do Código de Processo Civil) ou na revisão de incapacidade em processo laboral (art.º 145 a 147 do Código de Processo do Trabalho)[12].
Deste modo, é irrefragável que a prolação de decisões sucessivas nos autos não constitui, só por si ofensa ao caso julgado, e muito menos à ordem pública internacional do Estado português.
*
Pretende a requerida, ainda, que este processo não é o adequado, mas, quando muito, poderia sê-lo o do recurso extraordinário de revisão previsto nos art.º 771 e ss. do Código de Processo Civil.
Não podemos concordar com este ponto de vista: a revisão e confirmação de decisões estrangeiras é condição para que produzam efeitos em Portugal (art.º 1094, n.º 1); logo não se vê por que haviam de ser os requerentes impedidos de prosseguir esse seu desiderato.
Por outro lado, não se vê que num caso com estas características haja lugar a recurso extraordinário, por não se encaixar em qualquer das alíneas do art.º 771 (e ainda para mais nas condições propostas pela requerida, i. é, sem a decisão estrangeira ser previamente reconhecida).
*
*
Assim, podemos dizer que não consta dos autos elemento donde se possa retirar a existência de uma situação de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a um Tribunal português, nem que não tenham sido cumpridos os princípios do contraditório e da igualdade das partes; nem que a decisão cuja confirmação é pretendida provenha de Tribunal cuja competência tenha sido provocada em fraude à lei; nem ainda que a matéria sobre a qual a sentença versa é da exclusiva competência dos Tribunais portugueses (art. 65-A do CPC).
Deste modo, não se apura a falta de qualquer dos restantes requisitos aludidos no art. 1096.
Em consequência, a acção deve proceder[13].
*
*
*
III.
Termos em que se concede a revisão e, em consequência se confirma a sentença que decidiu designadamente repudiar a sentença de 8 de Setembro de 2008, condenar os réus, ora requerentes, a pagar à autora $5.000.00 por conta das ordens de custas; que determinou que as providências de apreensão e venda e penhora, assim como o certificado de litigância pendente contra a propriedade dos RR permanecerão em vigor, sem que quaisquer outras medidas posteriores sejam tomadas no seu âmbito por meio de apreensão e venda ou penhora, ate ordem posterior deste Tribunal; que os RR. não tomarão quaisquer medidas para apagar ou remover quaisquer providências ou outros certificados que a autora possa ter emitido contra os arguidos ou sua propriedade em Portugal, pendendo ordem posterior deste Tribunal; e que a acção da autora por transacção fraudulenta continue, declarando-se a mesma revista e confirmada, para valer com todos os seus efeitos em Portugal.
Valor da causa: o declarado pelos requerentes (art.º 315°, no 1 do CPC)
Custas pela requerida.
Notifique e registe.

Lisboa, 23 de Novembro de 2011

Sérgio Silva Almeida
Ana Paula Boularot
Lucia Sousa
------------------------------------------------------------------------------------
[1] cf. Lições de Direito Internacional Privado, 1942, 255 e ss.
[2] O Estado “admite a exequibilidade das sentenças proferidas em país estrangeiro no caso de também neste país as suas sentenças serem exequíveis”, idem, 258.
[3] A sentença estrangeira é logo admitida como tal, sem qualquer actividade dos Tribunais internos orientada à declaração da sua eficácia.
[4] Sistema em que o Tribunal interno tem competência para conhecer do fundo da questão, seja de facto, de direito ou ambos.
[5]O Tribunal de revisão não tem competência para entrar na apreciação do mérito da sentença, limitando-se a verificar a irregularidade internacional da mesma sentença” – idem, 257.
[6] Por todos cf. o Regulamento Comunitário em Matéria Civil e Comercial (Reg. CE n.º 44/2001, de 22.12.2000 – Bruxelas I), alterado designadamente pelos Regulamentos (CE) n.º 1791/2006 e 1103/2008, cujo art.º 33, n.º 1, estipula que “As decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem necessidade de recurso a qualquer processo”.
[7] Machado Vilela, in Tratado Elementar de Direito Internacional Privado, Coimbra Editora, 1921, pag. 636, dá conta de que até 1837 não havia qualquer referência à execução de sentenças estrangeiras, sendo que os praxistas e a jurisprudência militavam no sentido da sua inexequibilidade no reino: por ex. Alexandre Caetano Gomes, no Tractatus de Executionibus, de 1737, ensinava que “nas cartas precatórias que vêm de outros reinos para fazer execução de pessoas ou bens da parte contra quem são passadas, não lhes ponha o juiz “cumpra-se”, como incompetentes e sem jurisdição”. Mas a reforma de 13.1.1837 consagrou logo um sistema de revisão das sentenças estrangeiras
[8] Machado Vilela, idem, 639. A excepção referia-se à norma que obstava ao reconhecimento de sentença proferida contra português em oposição aos princípios de direito civil português, quando por estes devesse ser resolvida a questão.
[9] Neste sentido, por todos, cf. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2011: “II - O sistema português de revisão de sentenças estrangeiras inspira-se no chamado sistema de delibação, isto é, de revisão meramente formal, o que significa que o tribunal, em princípio, se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma, não conhecendo do fundo ou mérito da causa. III - Desde que o tribunal nacional se certifique de que tem perante si uma verdadeira sentença estrangeira, deve reconhecer-se os efeitos típicos das decisões judiciais, não fazendo sentido que se proceda a um novo julgamento da causa. IV - A excepção à referida regra só ocorre se a sentença tiver sido proferida contra pessoa singular ou colectiva de nacionalidade portuguesa, caso em que a impugnação também pode ser fundada na circunstância de que o resultado da acção lhe teria sido mais favorável se o tribunal estrangeiro tivesse aplicado o direito material português, quando por este devesse ser resolvida a questão, segundo as normas de conflitos da lei portuguesa – cf. art. 1100.º, n.º 2, do Código de Processo Civil”; e de 11-11-2008: “I - O sistema de revisão e confirmação de sentenças estrangeiras estatuído no direito português, em regra, é o de revisão meramente formal. II) – Assim, o Tribunal português competente para a revisão e confirmação, deve verificar se a sentença estrangeira satisfaz a certos requisitos de forma, não conhecendo do fundo ou mérito da causa, e assim apreciar do bem fundado da decisão, e se a sua execução importa dificuldade para uma das partes. III) Excepção à referida regra só ocorre se a sentença tiver sido proferida contra pessoa singular ou colectiva de nacionalidade portuguesa, caso em que a impugnação também pode ser fundada na circunstância de que o resultado da acção lhe teria sido mais favorável se o tribunal estrangeiro tivesse aplicado o direito material português, quando por este devesse ser resolvida a questão, segundo as normas de conflitos da lei portuguesa – artigo 1100º, nº2, do Código de Processo Civil”. Disponíveis em www.dgsi.pt, como os demais infra citados.
[10] Ferrer Correia, Lições de Direito Internacional Privado, Aditamentos (Do Reconhecimento e Execução das Sentenças Estrangeiras, Univ. Coimbra, 1973, pag. 4). No mesmo sentido (aludindo à confirmação após o reconhecimento), cf. António Marques dos Santos, Revisão e Confirmação de Sentenças Estrangeiras no Novo Código de Processo Civil de 1997 (Alterações ao Regime Anterior), Aspectos do Novo Processo Civil, Lex, 1997, 105,
[11] “O Tribunal requerido não pode censurar, os termos processuais seguidos pela lei do processo do Estado de origem” - Supremo Tribunal de Justiça, acórdão de 07-10-2004
[12] O exemplo talvez mais evidente é o das decisões sucessivas na jurisdição de menores, acompanhando dessa forma a situação da criança.
[13] Permitimo-nos transcrever o resumo do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-02-2006, que superiormente decidiu questões similares às abordadas: “I - A acção com processo especial de revisão e confirmação de sentença é uma acção declarativa de simples apreciação em que apenas se verifica se a decisão estrangeira está em condições de produzir efeitos em Portugal, e, assim, tão-somente se averigua se se verificam, ou não, os requisitos para tanto necessários, taxativamente indicados no art.1096º, conforme art.1100º, nº1º, 1ª parte, CPC. II - Fundado no princípio da estabilidade das relações jurídicas internacionais, está instituído no nosso País sistema de simples revisão formal das sentenças estrangeiras, de que a fundamentação da sentença revidenda não constitui pressuposto, não estando abrangida em qualquer das alíneas do art.1096º CPC. III - Nesse sistema, o princípio do reconhecimento das sentenças estrangeiras reside na aceitação da competência do tribunal de origem, pelo que, como regra, a revisão de mérito está dele excluída. IV - Como resulta da 2ª parte do art.1101º CPC é sobre a parte requerida que recai o ónus da prova da não verificação dos requisitos da confirmação estabelecidos nas als. b) a e) do art.1096º, que a lei presume que existem. V - Assim, o requerente está dispensado de fazer prova directa e positiva desses requisitos, posto que se, pelo exame do processo, ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, o tribunal não apurar a falta dos mesmos, presume-se que existem, não podendo o tribunal negar a confirmação quando, por falta de elementos, lhe seja impossível concluir se os requisitos dessas alíneas se verificam ou não. VI - É, por conseguinte, à parte requerida que incumbe provar a inexistência de trânsito em julgado segundo a lei do país em que a sentença revidenda foi proferida - al. b), a incompetência do tribunal sentenciador, nos termos indicados na al. c), a litispendência - al.d), e a inobservância do princípio do contraditório e da igualdade das partes no processo que levou à decisão em causa - al. e), tendo-se esses requisitos por verificados em caso de dúvida a esse respeito. VII - A excepção de ordem pública internacional ou reserva de ordem pública prevista na al.f) do art.1096º CPC só tem cabimento quando da aplicação do direito estrangeiro cogente resulte contradição flagrante com, e atropelo grosseiro ou ofensa intolerável dos, princípios fundamentais que enformam a ordem jurídica nacional e, assim, a concepção de justiça do direito material, tal como o Estado a entende. VIII - Só há que negar a confirmação das sentenças estrangeiras quando contiverem em si mesmas, e não nos seus fundamentos, decisões contrárias à ordem pública internacional do Estado Português - núcleo mais limitado que o correspondente à chamada ordem pública interna, por aquele historicamente definido em função das valorações económicas, sociais e políticas de que a sociedade não pode prescindir, e que opera em cada caso concreto para afastar os resultados chocantes eventualmente advenientes da aplicação da lei estrangeira. IX - O cabimento da reserva de ordem pública só, por conseguinte, se verifica quando o resultado da aplicação do direito estrangeiro contrarie ou abale os princípios fundamentais da ordem jurídica interna, pondo em causa interesses da maior dignidade e transcendência”.