Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5327/11.3TBFUN-A.L1-8
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: CRÉDITOS LABORAIS
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -Estabelece-se na alínea b) do nº 1 do artigo 333.° do Código do Trabalho que os créditos laborais gozam de privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua atividade.
-O privilégio imobiliário especial, concedido aos créditos laborais pelo referido artº. 333.º, n.º 1, al, b), do CT, abrange todos os bens imóveis integrantes do património da insolvente afectos ao desenvolvimento da respectiva actividade empresarial, exigindo-se uma conexão, em termos funcionais, entre a actividade dos trabalhadores reclamantes e a unidade empresarial da insolvente, integrada por tais imóveis.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


. I.Relatório:


1.No âmbito do processo de insolvência foi declarada a insolvência da sociedade ..., LDA., por sentença transitada em julgado.

2.Aberto o concurso de credores, o Sr. Administrador da Insolvência veio, por apenso a esse processo, apresentar "lista de todos os credores por si reconhecidos" e "não reconhecidos", em obediência ao disposto no artigo 129.º do CIRE.

3.O Sr. Administrador comprovou ter dado cumprimento ao disposto no artigo 129.º, n.º 4, do CIRE.

4.A lista foi objeto de impugnação.

5.O Sr. Administrador veio responder às impugnações.

6.Por despacho datado de 10 de Abril de 2015, o Tribunal ordenou a notificação do Sr. Administrador da Insolvência para, no prazo de 10 (dez) dias:
" … (i) Esclarecer se os trabalhadores da insolvente prestaram a sua actividade em ambos os imóveis apreendidos a favor da massa insolvente (cfr. artigo 333.º, n.º 1, alínea b), do Código de Trabalho) ".

7.Foi proferida sentença que graduou os créditos da forma seguinte:

A)Fração autónoma designada pelas letras "CR" e descrita na Conservatória do Registo Predial do ..., sob o n.º 1.../19980807-CR (cfr. VERBA 1):
1.As dívidas da massa insolvente saem precípuas do produto da venda da VERBA 1.;

2.Do remanescente dar-se-á pagamento:
2.1. Aos CRÉDITOS PRIVILEGIADOS dos TRABALHADORES referidos no ponto IV, 4.1., 4.1.1, B), 3 e 4. supra, graduados antes dos créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil, por os mesmos beneficiarem de privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel;
Os créditos serão pagos na proporção dos seus montantes (cfr. artigo 175.º, n.º 1, do CIRE);

3.Do remanescente dar-se-á pagamento:
3.1-Ao CRÉDITO GARANTIDO do credor BANCO ..., S.A. referido no ponto IV, 4.1., 4.1.1, A), 1. (cfr. crédito garantido por hipoteca voluntária – FACTO 2.);

4.Do remanescente dar-se-á pagamento:
4.1-Aos CRÉDITOS PRIVILEGIADOS da FAZENDA NACIONAL, referente ao IRS, e do INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL DA ..., IP-RAM, referidos no ponto IV, 4.1., 4.1.1, B), 5. e 6., por terem sido constituídos dentro dos 12 (doze) meses antes do início do processo de insolvência (cfr. artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do CIRE) e por beneficiarem de privilégio imobiliário geral;
Os créditos serão pagos na proporção dos seus montantes (cfr. artigo 175.º, n.º 1, do CIRE);

5.Do remanescente dar-se-á pagamento:
5.1-Aos CRÉDITOS COMUNS referidos no ponto IV, 4.1., 4.1.1, C), supra;
Os CRÉDITOS COMUNS serão pagos em paridade e sujeitos a rateio na proporção devida caso não seja possível a plena satisfação dos mesmos;

6.Do remanescente dar-se-á pagamento:
6.1-Aos CRÉDITOS SUBORDINADOS, referidos no ponto IV, 4.1., 4.1.1, D), segundo a ordem de pagamento correspondente à enumeração das alíneas do artigo 48.º do CIRE, efetuando-se o rateio relativamente a créditos constantes da mesma alínea.

B)Fração autónoma designada pelas letras "CQ" e descrita na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º 1.../19980807-CQ (cfr. VERBA 2):
1.As dívidas da massa insolvente saem precípuas do produto da venda da VERBA 2.;

2.Do remanescente dar-se-á pagamento:
2.1.Aos CRÉDITOS PRIVILEGIADOS dos TRABALHADORES referidos no ponto IV, 4.1., 4.1.1, B), 3 e 4. supra, graduados antes dos créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil, por os mesmos beneficiarem de privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel;
Os créditos serão pagos na proporção dos seus montantes (cfr. artigo 175.º, n.º 1, do CIRE);

3.Do remanescente dar-se-á pagamento:
3.1-Aos CRÉDITOS PRIVILEGIADOS da FAZENDA NACIONAL, referente ao IRS, e do INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL DA ..., IP-RAM, referidos no ponto IV, 4.1., 4.1.1, B), 5. e 6., por terem sido constituídos dentro dos 12 (doze) meses antes do início do processo de insolvência (cfr. artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do CIRE) e por beneficiarem de privilégio imobiliário geral;
Os créditos serão pagos na proporção dos seus montantes (cfr. artigo 175.º, n.º 1, do CIRE);

4.Do remanescente dar-se-á pagamento:
4.1-Aos CRÉDITOS COMUNS referidos no ponto IV, 4.1., 4.1.1, C), supra, entre os quais o saldo remanescente do crédito do credor BANCO ..., S.A. referido no ponto IV, 4.1., 4.1.1, A), 1.;
Os CRÉDITOS COMUNS serão pagos em paridade e sujeitos a rateio na proporção devida caso não seja possível a plena satisfação dos mesmos;

5.Do remanescente dar-se-á pagamento:
5.1-Aos CRÉDITOS SUBORDINADOS, referidos no ponto IV, 4.1., 4.1.1, D), segundo a ordem de pagamento correspondente à enumeração das alíneas do artigo 48.º do CIRE, efectuando-se o rateio relativamente a créditos constantes da mesma alínea.

C:
1.As dívidas da massa insolvente saem precípuas do produto da venda dos bens móveis;

2.Do remanescente dar-se-á pagamento:
2.1-Aos CRÉDITOS PRIVILEGIADOS dos TRABALHADORES referidos no ponto IV, 4.1., 4.1.1, B), 3 e 4. supra, graduados antes dos créditos referidos no n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil;
Os mesmos são pagos na proporção dos seus montantes (cfr. artigo 175.º, n.º 1, do CIRE);

3.Do remanescente dar-se-á pagamento:
3.1-Aos CRÉDITOS PRIVILEGIADOS da FAZENDA NACIONAL e do INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL DA MADEIRA, IP-RAM, referidos no ponto IV, 4.1., 4.1.1, B), 5. e 6., por terem sido constituídos dentro dos 12 (doze) meses antes do início do processo de insolvência (cfr. artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do CIRE) e por beneficiarem de privilégio mobiliário geral, graduados nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil;
Os mesmos são pagos na proporção dos seus montantes (cfr. artigo 175.º, n.º 1, do CIRE);

4.Do remanescente dar-se-á pagamento:
4.1-Aos CRÉDITOS COMUNS referidos no ponto IV, 4.1., 4.1.1, C), supra, entre os quais o saldo remanescente do crédito do credor BANCO ..., S.A. referido no ponto IV, 4.1., 4.1.1, A), 1.;
Os CRÉDITOS COMUNS serão pagos em paridade e sujeitos a rateio na proporção devida caso não seja possível a plena satisfação dos mesmos;

5.Do remanescente dar-se-á pagamento:
5.1-Aos CRÉDITOS SUBORDINADOS, referidos no ponto IV, 4.1., 4.1.1, D), segundo a ordem de pagamento correspondente à enumeração das alíneas do artigo 48.º do CIRE, efetuando-se o rateio relativamente a créditos constantes da mesma alínea.

8.Inconformado com esta decisão, o reclamante Banco ..., S.A. interpôs recurso, que veio a ser recebido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (artigo 14º, nºs 5 e 6, do CIRE), tendo, nas suas alegações de recurso, apresentado as seguintes (transcritas) conclusões:

1ª.-O presente recurso vem interposto da sentença proferida em 02 de Julho de 2014 no apenso de reclamação de créditos dos autos de insolvência de ..., LDA que graduou o crédito garantido do ora Recorrente, no montante global de € 126.993,59, em terceiro lugar quanto ao imóvel hipotecado a seu favor e só após todos os créditos laborais reclamados.
2ª.-Com o devido respeito (que é muito), é entendimento do Banco Recorrente que a sentença recorrida violou por erro de interpretação e aplicação o disposto no artigo 333.º, n.º 1 aliena b) do Código do Trabalho e nos artigos 748.º e 751.º do Código Civil, os quais, só por si, implicariam necessariamente decisão diversa da proferida.

3ª.-A sociedade insolvente é proprietária, entre outros bens, dos seguintes imóveis:
-Fracção Autónoma designada pelas letras "CR" descrita na Conservatória do Registo Predial
do ... sob o n.º 1928/19980807 – CR;
-Fracção Autónoma designada pelas letras "CQ" descrita na Conservatória do Registo Predial
do ... sob o n.º 1.../19980807- CQ.

4ª.-Conforme se constata pelo teor do requerimento junto aos autos pelo Sr. Administrador de Insolvência em 20 de Abril de 2015 e que se encontra devidamente transcrito no ponto 12 da sentença recorrida, apenas os trabalhadores A..., D... e M... exerciam as respectivas funções no imóvel hipotecado a favor do ora Recorrente (fracção autónoma designada pelas letras "CR").
5ª.-Nessa conformidade e ao abrigo do disposto no artigo 333.º n.º 1 alínea b) do Código do Trabalho entende o Banco Recorrente que apenas os referidos trabalhadores gozam de privilégio imobiliário especial sobre a referida fracção autónoma.
6ª.-De acordo com a alínea a) do artigo 333.º, n.º 1 do CT, os trabalhadores beneficiarão sempre de um privilégio mobiliário geral, que lhes confere o direito de serem pagos antes de crédito referido no n.º 1 do art.º 747.º do Código Civil, mas pela ordem dos créditos enunciados no art.º 737.º do mesmo código.
7ª.-Já de acordo com a alínea b) do mesmo preceito, os trabalhadores poderão beneficiar de um privilégio imobiliário especial.
8ª.-Contrariamente ao entendimento sufragado na sentença recorrida, entende o Recorrente que o privilégio imobiliário especial do trabalhador abrange apenas o bem imóvel onde este presta a sua actividade e já não os restantes imóveis de que a sociedade empregadora seja proprietária, ainda que afectos ao exercício da respectiva actividade comercial.
9ª.-Com efeito, entendimento diverso do defendido pelo ora Recorrente, traduzir-se-ia numa neutralização da hipoteca, ainda que constituída em momento anterior ao nascimento dos créditos laborais, face a todo e qualquer crédito laboral, defraudando as legítimas expectativas juridicamente conferidas pelo artigo 686.º do Código Civil (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 2008, Processo n.º 08B974, disponível em www.dgsi.pt).
10ª.-Nesse mesmo sentido, refira-se o doutamente disposto no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de Julho de 2009, Processo n.º 989/04.0TBOAZ-N.S1 (disponível em www.dgsi.pt): ”… 2. A alínea b) do nº 1 do artigo 377º do Código do Trabalho confere privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade aos respectivos créditos de natureza laboral (…) 4. Ao trabalhador que reclame um crédito emergente do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação incumbe, para poder beneficiar do aludido privilégio imobiliário especial, alegar, não só a existência e o montante desse crédito, como também que se trata do imóvel onde prestava a sua actividade, fazendo, depois, e se necessário, a prova de tais factos…Trata-se de um elemento constitutivo do direito a ver reconhecido o seu crédito como privilegiado (cfr. artigo 342º, nº 1, do Código Civil)”.
11ª.-Igualmente o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04 de Maio de 2010, Processo n.º 1161/09.9TBLRA-D.C1, perfilha o entendimento de que: “Incumbe ao trabalhador reclamante, para poder beneficiar do privilégio imobiliário especial concedido aos créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessão, alegar, não só a existência e o montante do seu crédito, como também que se trata de imóvel onde prestava a sua actividade, fazendo, depois, se necessário, a prova de tais factos.

II-Prestando a reclamante serviços administrativos no único prédio urbano apreendido à sociedade requerida, é somente sobre esse imóvel que se estende o privilégio imobiliário especial de que a mesma goza”.
12ª.-Conforme bem refere o Senhor Dr. Miguel Lucas Pires, in “Questões Laborais – A Amplitude e a (in) constitucionalidade dos privilégios creditórios”: “A abrangência deste privilégio, a nosso ver, não pode ser outra que não abarcar – relativamente a cada trabalhador – o produto da venda dos concretos imóveis onde desenvolvem a sua actividade, com exclusão dos demais eventualmente existentes no património da empresa devedora, sob pena de, admitindo a hipótese inversa, estar em causa o próprio carácter especial do privilégio e, por arrastamento, a sua sujeição ao regime particularmente favorável do art. 751.º do Código Civil”.
13ª.-Nesse seguimento, atendendo a tudo quanto ficou exposto, se requer a revogação da sentença proferida e substituição por outra que, em estrito cumprimento do disposto no artigo 333.º, n.º 1 alínea b) do CT e do supra exposto apenas gradue os créditos reclamados por A..., D... e M... como créditos com privilégio imobiliário especial sobre a fracção autónoma designada pelas letras “CR” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º 1.../19980807- CR, passando apenas os referidos créditos a serem graduados antes do crédito hipotecário do Banco Recorrente, com excepção das dívidas da massa insolvente que naturalmente saem precípuas do produto da venda do imóvel.

9.Não foram apresentadas contra-alegações.

10.Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II.Delimitação do objecto do recurso:

Conforme resulta do disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o âmbito de intervenção do tribunal ad quem é delimitado em função do teor das conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida), só sendo lícito ao tribunal de recurso apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente por imperativo do artigo 608º ex vi artigo 663º, nº 2, do citado diploma legal.
Dentro dos preditos parâmetros, emerge das conclusões da alegação recursória apresentada que o objecto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se os créditos laborais beneficiam de privilégio imobiliário especial sobre o imóvel apreendido, prevalecendo sobre o crédito hipotecário do recorrente.

III.Fundamentação.

1.Dos factos provados.

1.1.A favor da massa insolvente foram apreendidos os seguintes bens:
-Fracção autónoma designada pelas letras "CR" e descrita na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º 1.../19980807-CR (cfr. VERBA 1);
-Fracção autónoma designada pelas letras "CQ" e descrita na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º 1.../19980807-CQ (cfr. VERBA 2);
-Prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º 4.../20030324 (cfr. VERBA 3);
-Bens móveis (cfr. VERBAS 4);
-Veículo automóvel de matrícula ... (cfr. VERBA 5); e
-Veículo automóvel de matrícula ... (cfr. VERBA 6).
1.2.A insolvente desenvolveu a sua actividade empresarial nas fracções autónomas designadas, respectivamente, pelas letras "CR" e "CQ", e descritas na Conservatória do Registo Predial do ... sob os nºs1.../19980807 – CR e 1.../19980807-CQ.

1.3.Encontra-se registada uma hipoteca voluntária (29/04/2010) – AP.399 -, e constituída sobre a fracção autónoma designada pelas letras "CR" e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1.../19980807-CR, sendo o seu montante máximo assegurado 189 999,94 (cfr. verba 1) e a favor do recorrente Banco ..., S.A..

2.Apreciação do mérito da apelação
Na decisão sob recurso foi entendido que os créditos dos trabalhadores da ora insolvente prevaleciam sobre o crédito hipotecário do recorrente nos termos do disposto no artigo 333º do Código de Trabalho, referindo que o privilégio imobiliário especial abrange os imóveis existentes na massa insolvente que estavam afetos à atividade empresarial da insolvente, independentemente de uma qualquer conexão específica ou imediata entre o imóvel e a concreta atividade laboral de cada um dos trabalhadores reclamantes.
Contra esta posição se insurge o recorrente, que propugna pela interpretação de que só beneficiam desse privilégio os trabalhadores que exerciam as respetivas funções no imóvel hipotecado a seu favor.
Num primeiro momento, esta questão dividiu a jurisprudência; no presente, a questão tem obtido uma mesma resposta.

Prescreve o artigo 333º do Código de Trabalho que:
1.Os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios:
a)Privilégio mobiliário geral;
b)Privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade.

2.A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:
a)O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos referidos no nº1 do artigo 747º do Código Civil;
b)O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no artigo 748º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à segurança social.
Esta disposição legal impõe uma relação de conexão entre os imóveis do empregador e o local onde o trabalhador prestou as suas funções ao serviço desse mesmo empregador.

E essa conexão é a  «…conexão entre a actividade profissional do trabalhador e os imóveis do seu empregador e deve ser entendida em termos funcionais e não naturalísticos. Isto é, quando a lei diz que o privilégio imobiliário incide sobre os "bens do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade" está a referir-se à ligação funcional do trabalhador a determinado estabelecimento ou unidade produtiva e não propriamente à localização física do seu posto de trabalho» - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22/10/2012.

(Cfr., ainda, Acórdão do STJ, de 13/11/2014)
E só ficam excluídos os imóveis do património do empregador não afetos à sua organização empresarial, quer os destinados à fruição pessoal do empregador ou integrados em estabelecimento diverso daquele em que o trabalhador reclamante desempenhou o seu trabalho.

É esta a posição que é mais consentânea com a interpretação do artigo 333º, do Código de Trabalho por assentar nos princípios da igualdade e não discriminação injustificada dos trabalhadores, sendo que uma interpretação meramente literal do preceito e sem atender aos critérios plasmados no nº 1 do artigo 9º do Código Civil, conduziria a uma iníqua situação de desproteção de uns trabalhadores face a outros da mesma entidade patronal.

Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 26/11/2013 (in www.dgsi.pt), «basta pensar em todos aqueles trabalhadores que desenvolvem atividades que, pela sua natureza, recusam um centro estável ou permanente, ou ainda naqueles que, desempenhando idênticas funções, desenvolvem a sua atividade em imóvel arrendado, caso em que os seus créditos concorreriam sem proteção, no confronto com colegas de trabalho que, por desempenharem funções em imóvel pertencente à entidade patronal, veriam os seus créditos dotados de reforçada garantia».
Assim, o privilégio imobiliário especial previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 333º do Código de Trabalho abrange todos os imóveis do empregador afetos à respectiva organização empresarial.
        
No caso presente, encontra-se provado a existência dos créditos laborais, bem como se encontram apreendidos as seguintes duas frações autónomas:

-Fracção autónoma designada pelas letras "CR" e descrita na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º 1.../19980807-CR (cfr. VERBA 1);
-Fracção autónoma designada pelas letras "CQ" e descrita na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º 1.../19980807-CQ (cfr. VERBA 2).
Por outro lado, encontra-se provado que a insolvente desenvolveu a sua actividade empresarial nessas duas frações autónomas.

Ora, destes factos provados resulta que as duas fracções autónomas fazem parte integrante da mesma unidade empresarial da sociedade, entretanto declarada insolvente, a que os trabalhadores pertenciam, pelo que os créditos de todos eles beneficiam do privilégio imobiliário especial

Desta forma, tendo em consideração que os créditos laborais de todos os trabalhadores (ora reclamantes) gozam de privilégio imobiliário sobre as referidas duas fracções e o referido privilégio imobiliário especial prefere à hipoteca (cfr. artigo 333º, nº 1, alínea b) e nº 2, alínea b) do Código de Trabalho e artigos 748º e 751º, do Código Civil), a decisão sob recurso não merece censura.

IV. Decisão:

Posto o que precede, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, manter a decisão sob recurso.
Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 14 de abril de 2016


(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas)


António Pedro de Lima Gonçalves
Alexandrina Branquinho
António Valente

Decisão Texto Integral: