Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
342/09.0TVLSB.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: LIBERDADE DE IMPRENSA
OFENSAS À HONRA
OFENSAS AO BOM NOME
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. O facto do nome da A. não ser, expressamente, mencionado na notícia não obsta a que se verifique a prática de acto ilícito, pois o art. 24º nº 1 da Lei da Imprensa (Lei nº 2/99, de 13.01) admite a ofensa à reputação e boa fama através de referências indirectas, e resultou provado que, apesar da falta de referência expressa ao nome da autora, os leitores do jornal que leram a notícia identificaram-na como participante em prática de crimes.
2. A notícia que permite criar a suspeição pública, pelo menos pelos leitores do jornal que a leram, da prática de crimes pela A. põe em causa, inquestionavelmente, a sua honra, o bom nome e consideração, protegidos por lei.
3. Ao publicar a notícia em termos de dar como certa a prática de crimes, violou-se o direito à presunção de inocência previsto no art. 32º, nº 2 da CRP, violando dever profissional consagrado no art. 14º, nº 1, al. c) da L. 1/99, de 13.01.
4. A notícia não é objectiva se, fazendo referência uma série de dados objectivos, está redigida em termos tais que aquilo que são ainda meros indícios recolhidos pela PJ, aparecem como certezas, apontando, inquestionavelmente no sentido da incriminação das pessoas envolvidas.
5. Exprimindo a culpa um juízo de reprovabilidade da conduta do agente, a forma como os factos constantes da notícia foram divulgados, bem como a falta de maior cuidado na averiguação e confirmação dos mesmos, não é a consentânea com a actuação de um “bom pai de família”, verificando-se actuação culposa da R.
6. A falsidade, ainda que parcial, da notícia afasta eventual interesse público na publicação da mesma, devendo sobrelevar o direito à honra e ao bom nome.
7. Da conjugação dos artigos 19º. 20º, nº 1, al. a) e 29º da Lei 2/99 de 13.01, resulta uma presunção legal de culpa do director do jornal relativamente aos artigos aí publicados pelos jornalistas, pelo que à A. bastava apenas alegar a publicação do escrito e a qualidade de director do demandado, incumbindo àquele alegar factos que demonstrassem que a notícia foi publicada sem o seu conhecimento ou com a sua oposição.
8. A responsabilidade do director adjunto e dos sub-directores pelas publicações resulta de, efectivamente, coadjuvarem ou substituírem o director nas respectivas funções, nos termos do art. 21º da Lei de Imprensa, e não em termos cumulativos.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.

A intentou contra (1) B, (2) C, (3) D, (4) E, (5) F e (6) G…, S.A. a presente acção declarativa comum na forma ordinária, pedindo que os RR. sejam condenados a pagar-lhe, solidariamente, a quantia de € 50.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal.
A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese:
No dia 8.12.2006, o jornal semanário … publicou um artigo intitulado “Porto do Funchal no MP”, do qual se fizeram constar factos falsos e que revestem natureza caluniosa relativamente à A.
No dia 13.10.2007, o jornal G.…SA publica uma nova notícia intitulada “PS – Madeira leva casos arquivados ao PGR”, no qual insinua que a A. está envolvida num esquema de corrupção dos Magistrados do MP da Madeira, o que é falso e, consequentemente, ofensivo do bom nome e honra da A.
Ao proferir as afirmações constantes da 1ª notícia, no caso da 5ª R., e ao aprovarem e permitirem a sua publicação, no caso dos restantes RR., todos sabiam estar a publicar informação que estava à altura sujeita a segredo de justiça, por se tratar de um processo crime em fase de inquérito, devendo o G…SA abster-se de divulgar quaisquer informações sobre o procedimento da PJ, as suas eventuais conclusões, as diligências de prova ou o eventual resultado do inquérito.
Violaram de forma deliberada o princípio de presunção de inocência.
Para além disso violaram os mais elementares deveres da profissão de jornalista, não tendo tido qualquer preocupação em permitir o exercício do contraditório (nunca tendo contactado a A.), nem em confirmar as informações que receberam.
Os 1º, 2º, 3º e 4º RR. são, respectivamente, o 1º Director, o 2º Director, e os Subdirectores do semanário …, sendo responsáveis pelas edições semanais, tendo todos trabalhado nas referidas edições desse jornal.
As competências dos directores e subdirectores impõe-lhes o dever de conhecimento antecipado das matérias a publicar em ordem a impedir a divulgação daquelas susceptíveis de gerar responsabilidade criminal ou cível para os seus autores ou para o jornal.
Bem sabiam os RR. que, com tais textos, ofendiam a honra, bom nome, prestígio e credibilidade da A., agindo de forma livre e voluntária, com intenção de a ofender.
As notícias tendenciosas e falsas criaram uma imagem negativa da A., prejudicando-a a nível profissional e familiar.
A A. sofreu grande angústia, depressão e ansiedade.

Regularmente citados, os RR. contestaram, por impugnação, propugnando pela improcedência da acção.
A A. replicou, propugnando pela improcedência das “excepções” deduzidas.
Realizou-se audiência preliminar, na qual, frustrada a conciliação, se proferiu despacho, declarando não escrita a réplica de fls. 198 a 211, saneou-se o processo, e seleccionaram-se matéria de facto assente e B.I., que não sofreram quaisquer reclamações.
Realizou-se audiência de julgamento, vindo, oportunamente a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, absolveu os réus B, C, D, E e G…, SA, da totalidade do pedido, e condenou a ré F.. a pagar à autora a indemnização de 12.500,00€, acrescida de juros de mora desde a data da sentença, à taxa de 4%.

Não se conformando com a decisão, dela apelaram a A. e a R. F...
A A., no final das respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões, que se reproduzem:
A. O presente recurso é interposto da sentença proferida nos presentes autos, e especificamente da parte desta que absolve os réus B, C, D, E e G… S.A. da totalidade do pedido.
B. Pelas notícias que foram objecto da acção e pelo respectivo conteúdo ofensivo, ilícito e culposo, bem como pelos danos que comprovadamente causaram na autora o tribunal recorrido condenou no pagamento de uma indemnização de 12.500 euros a jornalista F, autora das notícias.
C. Determina o artigo 20º, nº1, alínea a) da Lei nº2/99 de 13/01 que ao director compete orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação;
D. Sendo que de acordo com o nº1 do art. 21º da mesma lei nas publicações com mais de cinco jornalistas o director pode ser coadjuvado por um ou mais directores-adjuntos ou subdirectores, que o substituem nas suas ausências ou impedimentos.
E. Ora, o fundamento da absolvição dos 1º a 4º réus do pedido resulta da interpretação destas normas e especificamente do entendimento que o tribunal recorrido apresenta sobre o que entende por orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação, enquanto dever do director e dos sub-directores expressamente consagrado na Lei de Imprensa.
F. Embora não seja absolutamente claro da fundamentação apresentada pelo tribunal a quo qual a interpretação da norma em questão o que pode mesmo consubstanciar uma nulidade por omissão de pronuncia, ela aponta no sentido de que o tribunal considera que para que haja violação desse dever o director ou sub-directores de um jornal têm que ter tido conhecimento da noticia e/ou nada ter feito para impedir a publicação e/ou no limite tê-la mesmo aprovado.
G. E assim, teria incumbido à autora, ora recorrente, a prova que não logrou fazer desses factos que consubstanciariam a violação de tal dever.
H. Sucede, contudo, que a interpretação e aplicação das normas sob apreciação é manifestamente incorrecta, impondo-se por isso, a sua correcção no sentido que vem sendo unanimemente assumido por toda a jurisprudência dos tribunais superiores.
I. Por absolutamente esclarecedor e depositário daquela que se vem afirmando como tese unânime cita-se acórdão proferido no âmbito do processo nº  que correu termos na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, que teve por objecto idênticos factos reportados a outra vítima e onde se pode ler “A implicação no ilícito de todos os RR. advém do facto de todas as publicações periódicas deverem ter um director e entre as competências deste se situar as de orientação, superintendência e determinação do conteúdo da publicação - arts 20º/1/ alínea a) da L 2/99- podendo haver em determinadas condições, substituto legal do director, director adjunto e subdirector- aos quais é aplicável com as necessárias adaptações o mesmo regime do director, determinando o art. 29º, nº2 daquela lei que “no caso de escrito ou imagem inseridos em publicação periódica com conhecimento ou sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado”. Do que resulta que impende sobre o director ou sobre quem legalmente o substitua o dever de obstar à publicação de escritos ou imagens que possam constituir um facto ilícito gerador de responsabilidade civil. A imputação ao director da publicação do escrito resulta da titularidade e exercício da função e dos inerentes deveres de conhecimento e funciona na base de uma presunção legal que dispensa o interessado da prova do facto (do conhecimento e aceitação da publicação), cabendo pois ao director a elisão da presunção, alegando e provando que o escrito foi publicado sem o seu conhecimento ou com oposição sua ou do seu substituto legal.
J. Em face da jurisprudência acima expendida, forçoso é concluir que a responsabilidade civil do director e dos directores adjuntos se pode efectivar de duas formas: a primeira quando o director tem conhecimento da notícia e não impede a sua publicação, a segunda ocorre quando, ainda que não tenha tido conhecimento, o director tendo o dever de o conhecer e de impedir a sua publicação, em virtude do não cumprimento desses deveres, permitiu a publicação da notícia originadora da responsabilidade civil.
K. No caso vertente, os réus apenas alegaram o desconhecimento, que obviamente, lhes incumbia provar, o que não conseguiram.
L. Ao contrário do que é afirmado na sentença recorrida não era à autora que incumbia provar que os réus tinham conhecimento da notícia e nada fizeram para impedir a sua publicação,
M. Deviam outrossim os réus ter provado o desconhecimento da mesma ou a sua oposição à sua publicação.
N. Mas mesmo que assim não fosse, os réus teriam sempre que ser condenados pela segunda forma de efectivação de responsabilidade, que os acórdãos mencionados invocam, decorrente do incumprimento dos deveres funcionais subjacentes ao cargo que desempenham.
O. De facto, a jurisprudência é unânime em afirmar que sendo um dever dos directores o de conhecer antecipadamente as noticias que são publicadas, a violação desse dever, é por si só apta a originar a responsabilidade dos réus pela publicação de notícias lesivas do bom nome da autora, não sendo, neste caso, necessário, alegar mais do que a publicação do escrito e a qualidade de director do réu.
P. E foi isso mesmo que a ora recorrente fez e foi isso mesmo que foi considerado provado;
Q. Que os réus B, C, D, E, são o primeiro, o Director e o segundo, Director Adjunto, terceiro e quarto subdirectores do referido jornal ….”- Facto E da matéria assente.
R. E que foram publicadas pelo G…SA noticias com o conteúdo descrito nas alíneas A), B) e C) da matéria assente.
S. E bem se compreende que seja esta a correcta interpretação das normas contidas nos arts 20º e 21º da Lei da Imprensa, porquanto, não seria justo virem os réus invocar o desconhecimento da notícia, que é uma violação de um dever funcional, esquivando-se à sua responsabilidade, e vendo assim premiado o incumprimento de um dever que lhes incumbe  enquanto directores de jornal e que salvo melhor opinião, se insere no núcleo duro da definição das suas funções.
T. É que é ao director que cabe precisamente escrutinar a credibilidade das notícias que o jornal que dirige publica e salvaguardar a imagem do mesmo.
U. Doutro modo os directores e, mais grave, as empresas jornalísticas descartariam sempre a sua responsabilidade bastando para tanto que os directores (e no caso do … entre Director e Directores Adjuntos são vários) assumissem o desconhecimento das notícias geradoras de responsabilidade, remetendo-se ao papel de directores formais que nada sabem e tudo desconhecem do que é publicado nos seus jornais.
V. Termos em que aplicando o entendimento acima explanado das normas contidas nos arts 20º, nº1, alínea a) e 21º, nº1 da lei nº 2/99, devem os 1ºs a 4º réus ser condenados no pagamento solidário com a 5ª ré à autora da indemnização de 12 500 euros.
W. Dando por reproduzida toda a argumentação acima expendida forçoso é também que se altere a decisão no que diz respeito à responsabilidade à empresa jornalística, 6ª ré, igualmente absolvida do pedido pelo tribunal a quo.
X. De facto, determina o art. 29º, nº2 daquela lei que “no caso de escrito ou imagem inseridos em publicação periódica com conhecimento ou sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado”.
Y. Concluindo-se, pelas razões acima aduzidas, que os 1º a 4º réus tinham presuntivo conhecimento e violando os seus deveres não se opuseram à publicação das notícias, a correcta interpretação e aplicação da norma contida no nº2 do art. 29º da Lei da Imprensa determina logicamente a condenação da 6ª ré no pagamento à autora solidariamente com os restantes réus da indemnização arbitrada pelo tribunal a quo.
Termina pedindo a revogação parcial da decisão recorrida e “decidir-se que esta decisão interpretou e aplicou erradamente o disposto nos artºs 20º, nº1, alínea a), 21º, nº1 e 29º, nº 2 da Lei nº 2/99 e que a interpretação correcta destes artigos impunha que se considerasse ilícita, culposa e causalmente determinante de danos indemnizáveis a conduta dos réus e deve, por isso, produzir-se decisão que, com base na interpretação correcta destes normativos, condene os 1º a 4º e 6º réus, solidariamente com 5ª ré no pagamento da indemnização devida à A.”.
Os 1º, 2º, 3º, 4º e 6ª RR. contra-alegaram, propugnando pela improcedência do recurso e confirmação da decisão recorrida.

A R. F, no final das respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões, que se reproduzem:
A. Os presentes autos foram intentados, alegadamente, por causa das notícias publicadas no jornal G…SA… em 8 de Dezembro de 2006 e 13 de Outubro de 2007, da autoria da Recorrente, segundo esta por terem ofendido a sua honra, bom nome, prestígio e a sua credibilidade;
B. O certo é que da leitura singela das notícias verifica-se que a Autora não é mencionada em qualquer delas, nem empresa de que esta seja sócia ou accionista. E, os visados foram a …, seu responsável L e P, também administrador da ….
C. Não tendo sido a Recorrida visada pela notícia, nunca podia ter sido contactada para exercer o contraditório;
D. Também as notícias em causa não mencionam a sociedade …;
E. O ponto 7 da fundamentação de facto da sentença proferida, correspondente ao 1º da Base instrutória, foi dado como provado devido a um erro de julgamento;
F. É que a notícia em causa mencionado na A) da Matéria Assente, não permite dar tal facto como provado, porque o nome da Autora não foi mencionado, nem nenhuma empresa de que esta seja sócia ou accionista;
G. Não basta mencionar empresas em nome de P… e de elementos da sua família, para se afirmar com evidência que é a Autora, pois nesse mundo fazem parte a sua mãe e seu marido;
H. Estamos por isso perante uma sentença construída com base numa acção intentada por quem foi arguida num processo e foi mencionada em diversas notícias em 2001, mas que não foi referida, nem visada pela notícia em causa nos presentes autos, com óbvio erro de julgamento;
I. O mesmo se passa com o facto do ponto 14º da fundamentação de facto da sentença proferida, que se reporta ao ponto 9º da Base Instrutória, foi incorrectamente julgado e por causa disso dado como provado;
J. É que existem documentos nos autos que provam exactamente o contrário, como seja a fls. 1267 da numeração referida no relatório final da Polícia Judiciária proferido no processo .., que correu termos na Procuradoria da República do Funchal, onde consta a fls. 431: “Constatou-se também, que as empresas – F § C, P § C, GL, SL, … – solicitaram à … a emissão de facturas referentes a serviços não prestados, que posteriormente foram utilizadas pelos sócios dessas mesmas empresas, para fins particulares.”
K. E, no âmbito desse mesmo processo, no despacho de arquivamento proferido menciona a fls. 481, o seguinte: “Da análise contabilística e financeira realizada confirmou-se igualmente que os arguidos dos autos constituíram ou se associaram a diversas sociedades, nomeadamente a …. de que eram igualmente sócios ou seus familiares, com quem, em representação da …, vieram a celebrar diversos negócios jurídicos, nomeadamente a prestação de assessorias quanto às quais não existem prova cabal da sua realização, não tendo eventualmente sido prestadas, mas tendo sido determinado o seu pagamento aos administradores da … ora arguidos e seus familiares e ainda a outras sociedades, ainda também por imediação dos sindicatos, e que envolvem montantes muitos elevados conforme resulta da perícia realizada.”
L. Face à prova mencionada, o facto mencionado no ponto 14º da fundamentação de facto da sentença proferida ou seja, o ponto 9º da Base Instrutória, deveria ter sido dado como não provado;
M. E os factos constantes dos pontos 23º, 25º, 26º, 27º e 28º da fundamentação de facto da sentença, correspondentes, respectivamente, aos 28º, 32º, 33º, 35º e 36º da Base Instrutória, deveriam ter sido dado como não provados;
N. Conforme foi mencionado pela testemunha CN, ao depor na audiência de discussão e julgamento no dia 7 de Setembro de 2010, disse:
(14:05 da gravação) – Adv: Mas não tem conhecimento directo, não tem, não tem… eu agradeço que me diga que não tem. Tem ideia se, digamos, também já me disse que ela acabou o curso de direito, tem ideia se ela se inscreveu na Ordem dos Advogados ou não?
C N: Eu penso que ela já se inscreveu na Ordem dos Advogados.
Adv: Já se inscreveu na Ordem dos Advogados. Só lhe pergunto isto e agora pergunto-lhe já de outro modo mas o que eu pergunto é isto: o Sr. Dr. teve conhecimento destas notícias do G…SA? Em que diziam que havia uma investigação ao porto do Funchal, que ia dar uma acusação, enfim, o Sr. Dr. teve conhecimento disso? O que eu lhe pergunto é se na altura essas notícias primeiro abalaram a Dra. A?
CN: Naturalmente, e a família toda.
Adv: E a família toda? Designadamente…?
CN: O pai e a mãe e o filho.
Adv: O pai, a mãe, o marido e o filho. O filho que era um jovem?
CN: O filho agora está quase a acabar o 2.º ou 3.º ano na Universidade…
Adv: E estas notícias são de 2006 e 2007, ele estaria ainda a…
CN: Não, isso foi muito mau para ela.
Adv: Foi muito mau para ela. Tem ideia se noticias destas… o Sr. Dr. Ainda por cima é do meio, é ROC, a sra D. A exercia as funções de TOC, hoje é advogada, o Sr. Dr. tem ideia se notícias destas podem ou não causar danos na imagem de uma pessoa?
CN: É natural que tenha porque efectivamente ela desempenha, as empresas desenvolvem trabalhos de contabilidade para terceiros, é natural que se virem notícias dessas no jornal é bem capaz de causar algum transtorno a nível regional, para além dos aspectos mais pessoais, mas de facto a nível profissional é claro que pode afectar, o conceito pode alterar-se. As pessoas conhecem-na e como referi há pouco, mesmo a nível da administração fiscal é uma pessoa bem conceituada mas de qualquer modo pode abalar e as pessoas quando aparecem notícias ficam sempre na dúvida, em Portugal há aquele ditado velho “não há fumo sem fogo”, quer dizer, as pessoas não sabem bem se é verdade ou se não é verdade e a dúvida levanta-se, não é? E consequentemente não é bom.
(18:45m da gravação) - Adv: Referiu aqui assim as notícias que foram publicadas no Jornal G….SA Também peço-lhe mais uma vez, não sei se recorda do teor das notícias?
CN: Mais ou menos, recordo-me a nível geral.
Adv: A nível geral. Na Madeira foram publicadas mais notícias também sobre a mesma matéria, recorda-se ou não?
CN: Sim, sim. Noutros jornais.
Adv: Noutros jornais. Diário … da Madeira.
CN: De maneiras mais ou menos diferentes, foram referidas algumas situações, principalmente a nível dessa notícia do G…SA mais o …, não sei, parece que o … agora já acabou, não sei se acabou, se não acabou…
Adv: Ainda não, acho que não.
CN: Não sei. Não é objecto da minha leitura, portanto…! Por acaso o … até leio, até leio, uns tempos sem ler…
Adv: Zangou-se! E diga-me só uma questão, recorda-se de alguma outra notícia ter referido o fornecimento de material de escritório no valor de meio milhão de contos?
CN: Segundo o …, acho que foi esse, não sei se o Diário trouxe alguma coisa desse tipo, parecida, agora as notícias da Madeira…. (risos).
Adv: Outra questão que eu também lhe queria perguntar: referiu aqui que a notícia do ... terá causado transtorno à Dra. A.
CN: Não tenho dúvidas quanto a esse aspecto, se o meu nome viesse, ou a minha empresa viesse publicada num jornal com uma notícia dessas ou num sentido desses, acho que eu ficaria afectado. Não aconteceu, mas acho que eu ficaria afectado.
Adv: Como é que a Dra. A reagiu às notícias de 2001? Com maior, o mesmo grau…?
CN: Só as pessoas é que sabem o que sentiram, não é?
Adv: Claro.
CN: É muito difícil nós transferirmos. Agora sei que ela andou preocupada, abalada e andou adoentada.
O. E, a testemunha ML. , ao depor na audiência de discussão e julgamento no dia 8 de Setembro de 2010, disse:
(00:18 da gravação) Adv: Se tem ideia se nessa notícia de 2006 em que dá conta do fim da investigação e em que numa caixa refere o meio milhão de contos de canetas e lápis, se a sua fonte foi o Jornal G…SA a polícia judiciária, o Ministério Público…?
MF: Não sei, não posso precisar agora.
Adv: Não pode precisar, sim senhor, sim senhor… Olhe, mas quando…
MF: Mas como eu já lhe disse, Dr. Como eu já lhe disse, eu na altura em 2001…
Adv: Seis. Não, não Sr. ML mas ouça 2006… 2006. Já a investigação estaria, de acordo com o semanário ..., concluída. 2006, é disso que estamos a falar, não é de 2001 é de 2006.
MF: 2006 teve origem precisamente nas notícias de 2001, acho eu.
Adv: Ó senhor ML, a notícia de 2006 diz que a investigação criminal está concluída. Pergunto-lhe: em 2001 havia alguma investigação criminal concluída?
MF: Não havia… quer dizer… iniciou-se a investigação criminal a partir das notícias do Diário … da altura (imperceptível)
Adv: Em 2001? Iniciou-se?
MF: (imperceptível) onde se falava precisamente de… onde se falava precisamente de… algumas actividades comercias da …, na altura detida pelo governo regional, na altura detida pelo governo regional, um terço dessa empresa (imperceptível) tinha parte pública e tinha um gestor nomeado pela parte pública, acho eu. E depois falava-se lá das aquisições à empresa… à  … (imperceptível) que havia efectivamente essas compras.
P. Houve por isso, erro de julgamento, e a prova supra referida deveria ter originado como provado o seguinte: Ponto 28º da Base Instrutória: a notícia mencionada em A) não pôs em causa a imagem da autora; Ponto 32º da Base Instrutória: Em consequência da publicação da notícia em A), a autora não sofreu de angústia e ansiedade, face ao noticiado em 2001, à existência do processo crime e às buscas realizadas no âmbito deste; Ponto 33º da Base Instrutória: A A. não receou que a publicação da notícia referida em A) levasse os leitores a fazer juízos de valor negativos sobre o seu carácter; Ponto 36º da Base instrutória: A autora não teve receio de perder a confiança dos seus clientes.
Q. Mais, existem notícias que estão juntas aos autos publicadas em 2001 e que deram origem ao supra mencionado inquérito, onde essas sim, mencionaram o nome da autora e a empresa G;
R. Como sejam a 26 de Junho de 2001 no Diário …-Madeira, sob o título “Portuários levam queixa ao Ministério Público”, refere: “Ontem, em declarações ao Diário, descreveram pormenorizadamente os serviços que fizeram na casa que o administrador P… possui em … ..., bem como na casa da filha deste (que desempenha funções de contabilista na … e cujo marido é engenheiro no porto do Funchal), que fica mesmo ao lado.” – negrito nosso; e no dia 29 de Junho de 2001 o mesmo Diário …-Madeira, sob o título “pedra preciosa na …” refere: “A participação dos familiares de P na … faz-se através da empresa “RS”, a qual detém 8,69% do capital do operador portuário, que é um milhão de contos. A “R” tem como único gerente A (filha de P) e o seu capital é detido integralmente pela sociedade “offshore” “…”. De referir que A… é directora de contabilidade da … e o seu marido, LC…, desempenhava funções de director de Informática na mesma empresa, P, esposa, filha e genro são também sócios das empresas “…”, “…” e “…”, as quais facturaram à … cerca de 500 mil contos por ano, pela aquisição de bens diversos (lápis, canetas, material de escritório, etc.) e por serviços de Informática e Contabilidade”
S. Pelo exposto, é facto notório que não se pode imputar uma das notícias publicadas no jornal … em 2006, como pondo em causa a imagem da Autora, que esta sofreu angústia e ansiedade, que os leitores fizeram um juízo negativo sobre o seu carácter e que teve receio de perder a confiança dos seus clientes, quando em 2001 foram publicadas notícias com conteúdo mais grave, mencionam o seu nome, que por sua vez deram origem a um processo crime, em que a Autora foi constituída arguida e que as suas empresas foram alvo de buscas;
T. Por outro lado, conforme documentação junta aos autos pela Autora, este era TOC agora é advogada, sendo certo que não desempenhar estas duas profissões por incompatibilidades, nunca poderia esta ter o receio de perder clientes;
U. A notícia mencionada na A) da Matéria Assente é objectiva e não põe em causa qualquer direito da Autora, até porque o seu nome não foi mencionado, nem o de empresas de que esta seja sócia ou accionista;
V. Não basta alegar na fundamentação de direito que o artigo 10º nº 2 da CEDH limita o direito de informar, quando está em causa a protecção da honra e de direitos de terceiros, quando no caso concreto é impossível beliscar a honra da Autora, e a sentença não menciona, nem concretiza que direitos de outrem possa ter violado, sendo certo que o princípio do dispositivo a tal impedia;
W. Não estão preenchidos os requisitos previstos no artigo 483º do CC, uma vez que não existe facto ilícito, quanto à culpa, a sentença padece de um erro crasso, é que a Recorrente não podia verificar quaisquer elementos nas Finanças, porque estes estão abrangidos pelo segredo fiscal;
X. Quase todos os factos já tinham sido noticiados por outros de comunicação social na Madeira, com uma divulgação superior à do jornal G…SA
Y. Como refere Jónatas Machado, o silêncio do legislador civil quanto à prova da verdade impele-nos a buscar a solução quer no princípio constitucional da concordância prática entre bens jurídicos conflituantes, quer na forma como o Direito Penal resolve a questão. Deste modo, a exceptio veritatis deve ser admitida quanto a imputações difamatórias, de natureza valorativa e factual e quanto a afirmações, com ou sem animus injuriandi, de factos injuriosos, contanto que se demonstre a existência de um interesse socialmente relevante;
Z. Os factos relatados na notícia são verdadeiros e estão provados por inúmera documentação junta aos autos, facto que deveria ter sido analisado e dado como provado, o que não aconteceu, o que fere a sentença de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC;
AA. De resto, não foi alegado pela Autora, que a Recorrente sabia que os factos relatados eram falsos, o que impede o Juiz a quo de tecer considerações sobre tal matéria, sob pena de violar o disposto no artigo 264º do CPC, e também por isso ferir a sentença de nulidade, como o fez, ao pronunciar-se sobre a alegada falsidade dos factos, sem prova e passando por cima da falta de factos e elementos que pudessem apurar se a Recorrente sabia dessa.
BB. Como se disse, não há facto ilícito, o agente não agiu com culpa, não há danos, pelo menos por causa da notícia em causa.
BC. É que resulta da experiência comum e é um facto notório que quem foi mencionado como consta das notícias publicadas em 2001 e que estas deram origem a um processo crime, que originou buscas nas empresas de que se é sócio ou accionista, causa angústia e ansiedade, mas não por um facto praticado pela ora Recorrente;
BD. Quanto ao artigo 483º do CC, este enumera os requisitos da responsabilidade por facto ilícito, que não estão preenchidos, quer genericamente quer quanto à tutela da ofensa ao bom nome prevista no artigo 484º do CC;
BE. O certo é que, se a sentença proferida fosse revogada por outra que condenasse os Recorridos, essa eventual condenação violaria direitos constitucionalmente protegidos: a liberdade de informação e de imprensa – artigos 37º e 38º da CRP;
BF. Há que ter em conta também que face às funções exercidas pelo Recorrente e os factos em causa, não se pode negar que as notícias em causa fossem e são de relevante interesse público e que o mesmo está sujeito ao escrutínio;
BH. Ou seja, “A questão reside, portanto, em determinar se a restrição infringida à liberdade de expressão [desta Ré] é proporcionado ao fim legítimo prosseguido, se esta liberdade sucumbe aos direitos da personalidade [do A.]”, in Ac. da RL de 2904/2008. Pelo que não se pode ab initio e em abstracto, afirmar a superioridade de um direito em face do outro, como faz o Recorrente;
BI. No caso sub judie, sendo o Recorrente titular de cargos com relevância social, está sujeito ao escrutínio público, tendo sido objecto de diversas notícias na Madeira e continente;
BJ. A CRP afirma sem hesitações que os direitos, liberdades e garantias “vinculam entidades públicas e privadas” [18.º, 1 CRP], estamos perante uma eventual colisão de direitos fundamentais similares ou da mesma hierarquia, ambos direitos, liberdades e garantias e pessoais;
BK. Também GOMES CANOTILHO diz que em caso de conflito a “doutrina fundamental é esta: “todos os direitos têm em princípio o mesmo valor, devendo os seus conflitos solucionar-se preferencialmente mediante recurso ao princípio da concordância prática.”, isto é, deve ser encontrada uma forma de atribuir a cada um dos direitos a máxima eficácia possível, para o que deve ser utilizado os critérios do artigo 335º do CC;
BL. Pelo que, orientados pelo princípio da proporcionalidade conjugado com os ditames da adequação e todo o circunstancialismo envolvente a este caso, no estrito cumprimento do princípio da concordância prática, o provimento do presente recurso, corresponderia a uma limitação excessiva e inaceitável do direito à informação e de imprensa;
BM. Assim sendo, se por mera hipótese fosse dado provimento ao presente recurso, tal decisão constituiria uma violação óbvia do princípio da proporcionalidade a que as decisões judiciais devem estar sujeitas, em total respeito com os interesses presentes na relação controvertida e em clara violação da constituição, nomeadamente dos artigos 18º, 37º e 38º da CRP;
BN. As notícia contêm um relato objectivo de factos com a única finalidade de informar clara e seriamente o leitor, nem o jornal G…SA nem e/ou os Recorridos têm qualquer intuito persecutório em relação ao Recorrente. O seu nome for utilizado na notícia, porque se tratava de uma das figuras das mais relevantes no processo e o interesse público impunha-se;
BO. Nesta conformidade, a sentença proferida padece de qualquer nulidade e erro de julgamento, pelo analisando a prova produzida e aplicando o direito aos mesmos, deve ser revogada, absolvendo-se a Recorrente.
A A. contra-alegou propugnando pela improcedência do recurso.
O tribunal recorrido proferiu despacho no sentido de não se verificar a nulidade da sentença invocada.

QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões dos recorrentes (art. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC) as questões a decidir são:
APELAÇÃO DA A.
- da responsabilidade solidária dos 1º, 2º, 3º, 4º e 6ª RR.
APELAÇÃO DA R.
a) Reapreciação das respostas dadas aos artigos 1º, 9º, 28º, 32º, 33º, 35º e 36º da B.I.;
b) se estão preenchidos os requisitos previstos no art. 483º do CC; da liberdade de informação e de imprensa; da nulidade da sentença; do interesse público.

Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
O tribunal recorrido considerou relevantes os seguintes factos:
1º - No dia 8/12/2006, o Jornal G…SA publicou um artigo da autoria da 5ª Ré , intitulado “Porto do Funchal no MP”, e, como subtítulo “Os gestores do Porto são arguidos num caso em que foram desviados 15 milhões” e, ainda um subtítulo “Foram criadas 20 empresas fantasmas que prestavam serviços, fictícios”, cuja cópia se mostra a fls. 42, da qual consta além do mais: “…A investigação criminal à gestão do Porto do Funchal …já está concluída. Segundo o … apurou, em breve o Ministério Público tomará uma decisão sobre os termos da acusação”. “… Sete pessoas foram constituídas arguidas ao longo do inquérito, entre as quais os administradores da empresa que gere em regime de exclusividade (há mais de 20 anos) as operações portuárias no Funchal; a OPM – Operações Portuárias da Madeira….” “…Os responsáveis pela antiga empresa pública ETP – Empresa de Trabalho Temporário – que gere a mão-de-obra portuária e onde tinha assento um representante do governo regional, um representante dos sindicatos dos estivadores e L , enquanto representante da referida OPM – estão também entre os arguidos”. “…Segundo soube o G…SA, a investigação criminal que abrangeu um período de cerca de 5 anos a partir de 2001, concluiu que foram criadas 20 empresas, apenas para prestarem serviços fictícios à ETP, emitir facturas por esses serviços e receber o respectivo pagamento. “…Isto com o objectivo de, alegadamente, desviar parte dos lucros da referida empresa. No total, os investigadores apuraram um valor da ordem dos 15 milhões de euros pagos a estas “empresas fantasma” “… Um dos principais visados na investigação é o antigo sindicalista DP…” (…) …uma vez que se descobriu que o ex-sindicalista tinha uma participação em quase todas as empresas que prestaram os falsos serviços.” “...os investigadores detectaram a existência de uma rede de empresas, em nome de P.. e de elementos da sua família, mas sem quaisquer funcionários, que prestavam serviços de consultadoria e de informática à ETP. Uma delas, só num ano, terá facturado a esta empresa cerca de meio milhão de contos em canetas, lápis e outro material de escritório”. “…Uma das vertentes do negócio portuária é a mão-de-obra, cuja gestão no Funchal, passou na sequência daquela concessão, a ser feita por uma empresa pública criada para o efeito (a ETP), mas onde o Grupo … sempre teve uma posição de destaque” – Alínea A) dos Factos Assentes.
            2º- A “Associação Portuária da Madeira – Empresa de Trabalho Portuário – ETP”, tinha até 02/11/1994, a denominação de AGMOP/RAM – Associação de Gestão de Mão-de-obra Portuária dos Portos da R.A.M.” foi constituída em 29/04/1991, tinha por atribuições: “…São atribuições da ETP – RAM, para além das legalmente consagradas as seguinte: a) Inscrever e manter actualizado um registo de trabalhadores vinculados à ETP e comunicar à entidade competente, o conteúdo deste registo e das alterações nele verificadas; b) Assegurar uma correcta, adequada, racional e equitativa distribuição do trabalho pelos trabalhadores portuários vinculados à ETP, com respeito pelo A.C.T. – Contrato Colectivo de Trabalho para os Trabalhadores Portuários RAM; c) Efectuar o pagamento pontual e integral das prestações retributivas e de carácter social devidas aos trabalhadores, de acordo com as normas aplicáveis; d) Promover e garantir a aplicação das normas de segurança, higiene e saúde no trabalho portuário, organizando as respectivas actividades; e) Promover e patrocinar acções de formação e aperfeiçoamento profissionais portuárias; f) Garantir a observância das normas de disciplina do trabalho; g) Observar e fazer cumprir as disposições legais e do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável; e, passou a ter por objecto exclusivo, em 07/05/2003, “…o exercício da actividade de cedência temporária de trabalhadores portuários nos portos e terminais da Região Autónoma da Madeira” - Alínea B) dos FA.
3º- Em 13/10/07, o Jornal G…SA publicou a notícia, da autoria da 5ª Ré, intitulada “PS – Madeira leva casos arquivados ao PGR”, na qual consta: “…pelo menos um dos casos que consta do dossiê de denúncias de corrupção na Madeira – que o PS regional levou, anteontem ao Procurador-Geral da República para que fosse investigado – já foi alvo de despacho de arquivamento do ministério Público (MP) do Funchal.” “…Trata-se do caso conhecido como Porto do Funchal” no qual a investigação policial descobriu que cerca de 20 empresas fictícias facturaram aquele organismo milhões de euros em serviços inexistentes segundo uma informação prestada ao G…SA, nesta semana, pelo gabinete de Pinto Monteiro, o inquérito foi arquivado pelo MP a 31 de Julho passado, apesar de o relatório final da investigação apontar para a acusação”. - Alínea C) dos FA.
4º- Os RR., antes de publicarem as notícias referidas em A) e C), não contactaram a Autora para se pronunciar sobre o conteúdo das mesmas, as confirmasse ou desmentisse as informações delas constantes - Alínea D) dos FA.
5º- Os Réus B, C, D, E, são o primeiro, o Director, o segundo, Director Adjunto, terceiro e quarto, Subdirectores do referido jornal G…SA - Alínea E) dos FA.
6º- A Autora e outros, apresentaram queixa crime contra os ora RR, por alegada violação de segredo de justiça, com fundamento na publicação da notícia referida em A), queixa essa arquivada por decisão de 13/11/08, com fundamento em descriminalização do crime de violação do segredo de justiça -Alínea F) dos FA.
7º- Quem lesse a notícia referida em 1º supra e conhecesse a autora seria levado a entender que a investigação teria apurado a prática de crimes também [1] pela Autora - Resposta ao ponto 1º da Base Instrutória.
8º- A .… forneceu material de papelaria à ETP, nos anos de 2001 a 2003, em montantes não apurados - Resposta ao ponto 2º da BI.
9º- No anexo recapitulativo de fornecedores, “anexo P”, entregue nas finanças pela .…, não consta a ETP da relação de clientes desta acima dos 50.000 € anuais - Resposta ao ponto 3º da BI.
10º- Em qualquer dos anos de 2001, 2002 e 2003, a facturação da .… foi inferior a “meio milhão de contos” - Resposta ao ponto 4º da BI.
11º- A … depositou anualmente, nos anos de 2001, 2002 e 2003, as suas contas na conservatória do registo comercial - Resposta ao ponto 5º da BI.
12º- A ETP dispõe de contabilidade organizada, fiável e rigorosa - Resposta ao ponto 7º da BI.
13º- Os serviços de finanças não detectaram, na ETP, a prática de quaisquer actos tributáveis desfavoráveis - Resposta ao ponto 8º da BI.
14º- A organização fiável e rigorosa da contabilidade da ETP, deve-se à introdução de procedimentos e regras pela autora - Resposta ao ponto 9º da BI.
15º- A autora é economista e tem experiência anterior na direcção financeira de várias empresas - Resposta ao ponto 10º da BI.
16º- O que leva à aprovação das contas sem reservas por parte dos ROC que auditam as contas da ETP - Resposta ao ponto 11º da BI.
17º- A A. é directora técnica da ETP - Resposta ao ponto 12º da BI.
18º- A 5ª ré, à data da publicação da notícia referida em 1º, sabia que o caso “Porto do Funchal” estava em fase de inquérito - Resposta ao ponto 17º da Base Instrutória.
19º- A A. construiu, ao longo dos anos, uma reputação de integridade e competência na área da gestão e de direcção financeira de empresas e grupos económicos - Resposta ao ponto 23º da Base Instrutória.
20º- A autora prestou serviços na “…” e nos Hotéis … - Resposta ao ponto 24º da Base Instrutória.
21º- Pautando-se por grande exigência no cumprimento das regras de gestão - Resposta ao ponto 25º da Base Instrutória.
22º- A A. desempenhou, durante anos, funções de TOC, de diversas empresas, recolhendo elogios dessas empresas da sua actuação - Resposta ao ponto 26º da Base Instrutória.
23º- A notícia referida em A) (1º supra), pôs em causa a imagem da autora - Resposta ao ponto 28º da Base Instrutória.
24º- Os leitores que leram a notícia referida em A) (1º Supra), são levados a considerar que os factos nela relatados são verdadeiros - Resposta ao ponto 29º da Base Instrutória.
25º- Em consequência da publicação da notícia referida em A) (1º supra), a autora sofreu de angústia e ansiedade - Resposta ao ponto 32º da Base Instrutória.
26º- A A. receou que a publicação da notícia referida em A) (1º supra) levasse os leitores a fazer juízos de valor negativos sobre o seu carácter - Resposta ao ponto 33º da Base Instrutória.
27º- A autora sentiu angústia por se sentir incapaz de proteger o seu filho dos comentários que sobre ela eram proferidos na presença do mesmo - Resposta ao ponto 35º da Base Instrutória.
28º- A autora teve receio de perder a confiança dos seus clientes - Resposta ao ponto 36º da Base Instrutória.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Não obstante a ordem de interposição dos recursos, começar-se-á por analisar a apelação interposta pela R. por ser logicamente antecedente da apelação interposta pela A., uma vez que se impugna a matéria de facto dada como provada e a responsabilidade daquela.
Apelação da R.
Alegando erro na apreciação da prova produzida, pretende a recorrente a sua reapreciação, nomeadamente no que respeita aos artigos 1º, 9º, 28º, 32º, 33º, 35º e 36º da base instrutória.
A recorrente cumpriu o estatuído no art. 685º-B do CPC e tendo a prova testemunhal produzida sido gravada, tem esta Relação a possibilidade para proceder, se for caso disso, à alteração factual requerida, nos termos do art. 712º do CPC.
Analisemos, pois.
Perguntava-se no art. 1º da B.I. se “Quem lesse a notícia referida em A) seria levado a entender que a investigação tinha apurado a prática de crimes pela Autora”.
A este quesito respondeu o tribunal recorrido nos termos dados por reproduzidos no ponto 7 da fundamentação de facto supra.
Pretende a apelante que o mesmo seja dado como “não provado”, sustentando a sua pretensão no facto do texto objectivo da notícia em causa não permitir dar tal facto como provado porque o nome da A. não foi mencionado, nem nenhuma empresa de que esta seja sócia ou accionista, para além de que “não é o facto de mencionar empresas de D e de elementos da sua família, que pode ser confundível com a A., pois nesse mundo fazem parte a sua mãe e seu marido”, sendo que “só os próprios, com conhecimentos profundos do mundo empresarial de D e da sua família, é que poderiam saber se a A. é sócia ou accionista deste e em que sociedades”, tendo a sentença proferida construído os seus fundamentos numa acção intentada por quem foi arguida num processo e mencionada em diversas notícias de 2001, mas que não foi referida, nem visada pela notícia em causa nos presentes autos.
Na notícia referida no ponto 1 da fundamentação de facto supra não consta, efectivamente, o nome da A. nem de qualquer empresa de que seja sócia ou accionista, mas tal não significa, ao contrário do sustentado pela apelante, que a mesma não fosse visada pela notícia em causa nos presentes autos, não sendo necessário que haja uma referência expressa ao seu nome, bastando que, do texto, fosse possível aos leitores (nomeadamente da Madeira) deduzir a quem se referia, também, a notícia, para além dos nomes expressamente referidos [2].
Aliás, ao fazer-se referência à “rede de empresas, em nome de P… e de elementos da sua família”, sem se concretizar quais são esses elementos, está-se a permitir que os leitores [3] deduzam quais sejam eles, não só de acordo com o conhecimento que as pessoas (da região autónoma) têm de quais são os elementos da família de P… mais directamente envolvidos na ETP e nas referidas empresas (nomeadamente na que fornece materiais para escritório), que, alegadamente, emitiram facturação falsa, mas também por relação com as notícias de 2001, que deram origem à investigação, nos próprios termos da notícia em causa, e nas quais - mais concretamente na notícia de 29.06.2001 do Diário de Notícias – Madeira [4] -, se fazia referência expressa à A. dando conta das sociedades (da dita rede de empresas) nas quais a mesma participava, como sócia, gerente ou directora [5].
Por outro lado, à apreciação objectiva da notícia em causa, haverá que acrescer a ponderação da prova testemunhal produzida, tal como o fez o tribunal recorrido.
Na fundamentação da resposta dada a este quesito, escreveu o tribunal recorrido que “Para a resposta ao ponto 1º, o tribunal baseou-se, por um lado, na análise do conteúdo da própria notícia; dela resulta, por um lado, a imputação de actuações ilícitas, em investigação criminal, supostamente com acusação para breve, em que estariam envolvidos, além do mais, pessoas da família de P… e a ETP e empresas criadas para prestarem serviços fictícios a esta. Com efeito, nela se refere expressamente “… o MP tomará posição sobre os termos da acusação …”, “… responsáveis da ETP”, “… foram criadas 20 empresas apenas para prestarem serviços fictícios à ETP, emitir facturas e receber pagamentos …”, a existência de “… diversas empresas em nome de P… e elementos da sua família, sem quaisquer funcionários … que prestavam serviços à ETP …”, “… uma delas, só num ano, terá facturado a esta empresa cerca de meio milhão de contos em canetas, lápis e outro material de escritório …”. Por outro lado, as testemunhas …., referiram que quem lesse a notícia e conhecesse a autora e a sua família, seria levado a pensar que ela seria um dos visados pelas investigações, dado ser membro da família …, estar ligada à ETP e às empresas da família, entre elas a ..…, que supostamente teria feito o fornecimento no valor superior ao meio milhão de contos referido na notícia. Aliás, a testemunha … (que trabalha na ETP, com a autora, há cerca de 16 anos) disse que ela própria se sentiu incomodada com a notícia e que as pessoas faziam comentários sobre a sua situação, referindo-se às “canetinhas” e se não “tinha umas canetinhas também para elas …”. Também as testemunhas …e … referiram que as pessoas faziam comentários, em tom jocoso, sobre a notícia[6].
E ouvida a prova produzida, pudemos constatar que, efectivamente, as testemunhas referidas depuseram no sentido mencionado, havendo, ainda, que acrescentar o depoimento da testemunha …, que declarou, apara além do mais, que “o Funchal é uma aldeia, todos se conhecem uns aos outros” e quando sai uma notícia as pessoas sabem quem são as pessoas em causa.
Por tudo quanto se deixa dito conclui-se que a resposta dada ao quesito em questão está de acordo com a prova produzida, não se verificando o alegado erro de julgamento, improcedendo a apelação nesta parte.
Perguntava-se no art. 9º da B.I. se “A organização fiável e rigorosa da contabilidade da ETP, deve-se à introdução de procedimentos e regras da autora”, ao qual o tribunal recorrido respondeu afirmativamente, conforme consta do ponto 14 da fundamentação de facto supra.
Pretende a apelante que a resposta seja alterada para “não provado”, sustentando a sua pretensão na prova documental junta aos autos, nomeadamente o constante de fls. 1267 [7] (relatório final da PJ) e 481 (despacho de arquivamento) [8] do inquérito criminal junto aos autos, que terminou com despacho de arquivamento nos termos do art. 277º, nº 2 do CPP.
Em primeiro lugar haverá que referir que não se alcança porque peticiona a apelante a alteração da resposta dada a este quesito sem requerer, também, a alteração da resposta dada ao quesito 7º da B.I. (dado por reproduzido no ponto 12 da fundamentação de facto supra) uma vez que o perguntado no quesito 9º vem na sequência do perguntado naquele [9].
Ou seja, o que estava em causa era saber se a organização fiável e rigorosa da contabilidade da ETP dada por assente na resposta ao quesito 7º, era assim por força de procedimentos e regras introduzidos pela A..
E para prova deste quesito foram ouvidas as testemunhas arroladas pela A., que todas confirmaram que assim era, esclarecendo que aquela era uma profissional muito rigorosa e exigente, que tinha imposto regras rigorosas de procedimento desde o início.
Por outro lado, a prova testemunhal produzida na qual o tribunal recorrido baseou a sua convicção [10], não é posta em causa pela prova documental referida, quer porque, sobre esta questão concreta, nada é referido naquela, quer porque o constante do relatório final da PJ e do despacho de arquivamento não fazem prova fora do respectivo inquérito [11].
Improcede, pois, também nesta parte, a alteração pretendida.
Perguntava-se nos arts. 28º, 32º, 33º, 35º e 36º da B.I. se:
28º- “Com as notícias referidas em A) e C), os RR. puseram em causa a imagem da A)”.
32º - “Em consequência da publicação das notícias, a A. sofreu de angústia, depressão e ansiedade ?”
33º- “A A. receou que a publicação de tais notícias levasse os leitores a fazer juízos de valor negativos sobre o seu carácter ?”
35º - “E a A. sentiu angústia por se sentir incapaz de proteger o seu filho dos comentários que sobre ela eram proferidos na presença do mesmo ?”
36º- E a A. teve receio de perder a confiança dos seus clientes ?”.
Os quesitos 28º, 32º e 33º mereceram respostas restritivas nos termos reproduzidos nos pontos 25 e 26 da fundamentação de facto supra, e os artigos 35 e 36 resposta de “provado”, como reproduzido nos pontos 27 e 28 daquela.
Pretende a apelante que as respostas dadas sejam alteradas para “não provado”, sustentando a sua pretensão no depoimento das testemunhas ….
Começar-se-á por referir que a prova é um todo, devendo os depoimentos das testemunhas ser ponderados e analisados na sua globalidade e em conjugação com os outros elementos de prova existentes nos autos.
Reproduz a apelante parte do depoimento da testemunha …, do mesmo pretendendo resultar o contrário do que era perguntado.
Mas nem das passagens reproduzidas resulta o que a apelante pretende, nem as mesmas podem ser entendidas “desenquadradas” do restante depoimento, que, aliás, foi no sentido de confirmar aquilo que era perguntado.
Para além disso, à matéria dos referidos artigos da B.I. foram ouvidas todas as testemunhas arroladas pela A. e não apenas a testemunha ….
Assim, sobre esta matéria depuseram, ainda, as testemunhas …, … e …, que, de forma clara e com conhecimento directo, explicaram em que medida a notícia em causa afectou a A. e os receios e angústias que esta sofreu, bem como a medida em que aquela notícia tinha posto em causa a imagem da A., sendo certo que em relação a estes depoimentos, em que o tribunal recorrido se baseou para formar a sua convicção, a apelante nada referiu.
Atente-se na fundamentação dada pelo tribunal recorrido às respostas dadas: “... Relativamente à resposta dada ao ponto 28º, respondeu-se restritivamente, por referência apenas, à notícia referida em A) dos Factos Assentes, porque, como se referiu supra, as testemunhas não se reportaram à notícia referida em C) dos Factos Assentes; por outro lado, as testemunhas …, … e … todas referiram que a notícia causou dúvidas, nas pessoas que a liam, também acerca do comportamento da A., passando a haver comentários sobre ela, com referências às “canetas” e aos negócios que estariam em causa. … No que respeita às respostas aos pontos 32º, 33, 35º e 36º, o tribunal baseou-se nos depoimentos de ... – que disse que a A. andava triste com a publicação da notícia e angustiada porque o filho lhe dizia que os miúdos na escola faziam comentários desagradáveis sobre a mãe – … – que disse que a A. andava triste e deprimida por causa da notícia e que desabafou com ela manifestando grande tristeza e preocupação por as pessoas fazerem comentários e porem em causa a sua honestidade - e … que disse que a A. andava preocupada com a reacção e comentários das pessoas e receou vir a perder clientes por causa da notícia [12].
Acresce referir que o depoimento destas testemunhas não foi posto em causa pelo depoimento da testemunha …que sobre o perguntado nada sabia concretamente, limitando-se a fazer referência ao artigo que escreveu em 2001 e a que acima já se fez referência.
Sustenta, ainda, a apelante que não se pode imputar à notícia em apreço como pondo em causa a imagem da A., “quando em 2001 foram publicadas notícias com conteúdo mais grave, mencionam o seu nome, que por sua vez deram origem a um processo crime, em que a A. foi constituída arguida e que as suas empresas foram alvo de buscas”.
Também esta questão foi colocada às testemunhas arroladas pela A. e supra referidas que, unanimemente, explicaram que uma coisa era ser-se alvo de uma investigação [13], outra, bem diferente, falar-se em acusação.
E atente-se que nas notícias publicadas em 2001, juntas de fls. 282 a 285, não existe qualquer referência ao facto da A. ter sido constituída arguida e das suas empresas terem sido alvo de buscas, apenas se referindo que “os portuários levaram queixa ao MP”, que o “PS viabilizou inquérito à ETP” que existe “promiscuidade no Porto do Funchal” - concretizando as empresas da família P… -, e que o “MP abre inquérito”.
Por tudo quanto se deixa dito conclui-se que as respostas dadas estão de acordo com a prova produzida, não existindo qualquer erro de julgamento a justificar as alterações pretendidas.
Improcede, pois, a apelação no que respeita à impugnação da factualidade dada como provada, que se mostra, pois, fixada.
Analisemos, agora, as restantes questões suscitadas pela apelante, começando por referir que a sentença recorrida, para além de primar pela clareza, analisa os direitos invocados pela A. e R., e as normas que devem ser ponderadas, sustentando-se, de forma suficiente, na doutrina e jurisprudência existentes sobre a matéria, pelo que remetemos para as considerações gerais aí tecidas, passando a analisar-se as questões concretamente suscitadas pela apelante, pela mesma ordem que são abordadas nas alegações.
Alega a apelante que, ao contrário do sustentado na sentença recorrida, não se verifica a prática de acto ilícito, uma vez que a notícia “é objectiva e não põe em causa qualquer direito da Autora, até porque o seu nome não foi mencionado, nem o de empresas de que seja sócia ou accionista”, não tendo a sentença recorrida concretizado que direitos possa ter violado.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, não assiste qualquer razão à apelante.
O facto do nome da A. (ou de empresa de que seja sócia) não ter sido mencionado não obsta a que se verifique a prática de acto ilícito, pois, como referiu o tribunal recorrido, o próprio art. 24º nº 1 da Lei da Imprensa (Lei nº 2/99, de 13.01) admite a ofensa à reputação e boa fama através de referências indirectas, e resultou provado que apesar da falta de referência expressa ao nome da autora, os leitores do jornal que leram a notícia identificaram-na como participante em prática de crimes (ponto 7º da fundamentação de facto supra).
Ora, uma notícia que permite criar a suspeição pública, pelo menos pelos leitores do jornal que a leram, da prática de crimes põe em causa, inquestionavelmente, a honra, o bom nome e consideração da A., protegidos por lei (arts. 70º e 484º do CC, 25º e 26º da CRP), como, expressamente, referiu o tribunal recorrido [14].
Como escreve R. Capelo de Sousa, in “O Direito Geral de Personalidade”, págs. 303 a 307, “a honra juscivilisticamente tutelada abrange desde logo a projecção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela Natureza igualmente a todos os seres humanos, insusceptível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância e atributiva a todo o homem, para além de expressões essenciais, de uma honorabilidade média em todos os outros domínios, a não ser que os seus actos demonstrem o contrário. A honra, em sentido amplo, inclui também o bom nome e a reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo ... .Engloba ainda o simples decoro, como projecção dos valores comportamentais do indivíduo no que se prende ao trato social. E envolve, finalmente, o crédito pessoal, como projecção social das aptidões e capacidades económicas desenvolvidas por cada homem. Estes bens são tutelados juscivilisticamente impondo às demais pessoas, não fundamentalmente específicos deveres de acção, mas um dever geral de respeito e de abstenção de ofensas, ou mesmo de ameaças de ofensas, à honra alheia, sob cominação das sanções previstas nos arts. 70º, n.º 2 e 483º do Código Civil”.
Acresce referir que, como sustenta a apelada, ao publicar a notícia em termos de dar como certa a prática de crimes, violou o direito à presunção de inocência previsto no art. 32º, nº 2 da CRP, violando dever profissional consagrado no art. 14º, nº 1, al. c) da L. 1/99, de 13.01, bem como, ao divulgar elementos constantes do inquérito, violou o segredo de justiça então em vigor [15], sendo certo que se com este se pretendia, em primeira mão, proteger a boa administração da justiça, não menos certo é que, não deixa, também, de visar a tutela da honra e bom nome dos suspeitos sob investigação [16].
Resta referir que, ao contrário do sustentado pela apelante, a notícia em causa não é objectiva.
Sê-o-ia se se tivesse limitado a dar conta dos indícios para que aponta a investigação e da hipótese de vir a ser deduzida acusação [17].
Não é isso, porém, que sucede.
Fazendo referência uma série de dados objectivos – a existência da investigação na sequência de denúncias, a conclusão da mesma, estando a aguardar decisão do MP, a constituição de arguidos no processo e referência a alguns deles, a existência de uma rede de empresas ligadas entre si, com elementos comuns e facturação cruzada – redigiu-se, porém, a notícia em termos tais que aquilo que são ainda meros indícios recolhidos pela PJ, aparecem como certezas [18], apontando, inquestionavelmente no sentido da incriminação das pessoas envolvidas [19].
Assim, logo no subtítulo se afirma, em negrito e de forma destacada, que no caso foram desviados 15 milhões [20].
Por outro lado, também em destaque se afirma que foram criadas 20 “empresas fantasma” que prestavam serviços fictícios e, no texto da notícia faz-se referência à referida rede de empresas, especificando-se que as mesmas estão em nome de D e de elementos da sua família, mas sem quaisquer funcionários, acabando por se concretizar que “uma delas, só num ano, terá facturado cerca de meio milhão de contos em canetas, lápis e outro material de escritório”.
Para além disso, não se diz que o MP irá tomar uma decisão sobre a investigação, deduzindo ou não acusação, mas que o MP tomará uma decisão sobre os termos da acusação, indicando, pois, que é certo que a mesma será dada.
A notícia em causa seria, também, objectiva se estes factos constassem de uma acusação e a notícia desse conta da mesma [21], o que não é o caso, sendo certo que algumas das afirmações que se acabou de referir não correspondem, com rigor, ao que consta do inquérito, como mais adiante se dirá, nem ao que resulta apurado nos autos [22].
Resulta, pois, demonstrada a ilicitude do acto.
Alega, também, a apelante que não agiu com culpa, e, nesta matéria, sustenta que:
- a sentença recorrida errou, porque a apelante não podia verificar quaisquer elementos nas Finanças, porque estão abrangidos pelo segredo fiscal;
- os factos relatados são verdadeiros e estão provados por inúmera documentação junta aos autos, que o tribunal devia ter analisado e não analisou, pelo que a sentença está ferida de nulidade, por omissão de pronúncia;
- não foi alegado pela apelada que a apelante sabia que os factos relatados eram falsos, pelo que não podia a sentença recorrida pronunciar-se sobre a alegada falsidade dos mesmos, estando, também nesta parte, ferida de nulidade por excesso de pronuncia.
Sobre a matéria da culpa, escreveu-se na sentença recorrida que “Pretende apurar-se, por este requisito, se a actuação do agente é censurável, no sentido de saber se o lesante, nas circunstâncias do caso, podia e devia ter agido de modo diferente, de forma a evitar a lesão. Há culpa do lesante se ele actuou com falta de cuidado de que devia e era capaz. No caso dos autos, a 5ª ré poderia, com pouco trabalho, através do acesso ao anexo recapitulativo de fornecedores (Anexo P) entregue nas Finanças, ter verificado que a G… não forneceu 500 mil contos de materiais à ETP que refere na notícia como facto verdadeiro. Podia ter concluído, com facilidade, que a ETP não é uma empresa pública mas sim uma associação e verificar qual o respectivo fim. A 5ª ré podia e devia ter tido outro cuidado na averiguação, na confirmação e consequente redacção da notícia. O Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, I Volume – 7ª, edição – em nota de rodapé – pág. 559 – relativamente ao requisito “culpa” no âmbito da violação do direito absoluto ao bom nome, diz: “Para haver culpa, no caso de afirmação ou divulgação de factos susceptíveis de prejudicar o crédito ou o bom nome de alguém, basta, em princípio, que o agente queira afirmar ou difundir o facto, pouco importando que ele soubesse ou não que, em consequência disso, o lesado perderia um negócio vantajoso ou uma colocação rendosa ou veria desfeito o seu noivado. Desde que o agente conheça ou devesse conhecer a ilicitude ou o carácter danoso do facto, é justo que sobre ele recaia o encargo de reparar os danos efectivamente causados por esse facto”.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, afigura-se-nos não ter existido qualquer erro crasso da sentença, pois se é certo que à apelante estava vedado obter informações junto das finanças, não menos certo é que as poderia ter obtido junto da CRCom [23], bem como junto das pessoas envolvidas, nomeadamente da A. e da G…, permitindo-lhes o exercício do contraditório [24], o que não foi feito (ponto 4º da fundamentação de facto supra).
Por outro lado, a sentença recorrida apenas se pronunciou sobre a falsidade/veracidade dos factos em sede de eventual exclusão da ilicitude, apreciando o invocado (pela R.) direito de informar e do relevante interesse público em questão, não tendo, pois, conhecido fora do âmbito das questões que lhe foram colocadas, não se verificando a invocada nulidade da sentença recorrida, por excesso de pronúncia.
E também não se verifica a invocada nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.
Dispõe o art. 668º, nº1 do CPC que “é nula a sentença quando: … d) o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar …”.
A nulidade referida “está em correspondência directa com o 1º período da 2ª alínea do artigo 660º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. A nulidade que examinamos, resulta da infracção do referido dever” (Alberto dos Reis, in CPC Anotado, Vol. V., pág. 142).
Como refere Antunes Varela, in RLJ, ano 122, pág. 112, “não pode confundir-se de modo nenhum, na boa interpretação da alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto e de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão”.
Também, Alberto dos Reis ensinava, in loc. cit., pág. 143, que “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
E como se escreve no Ac. do STJ de 06.05.04, P. 04B1409, in www. dgsi. pt, “ ... terá o julgador que identificar, caso a caso, quais as questões que lhe foram postas e que deverá decidir. .... E se, eventualmente, o juiz, ao decidir das questões suscitadas, tem por assentes factos controvertidos ou vice-versa, qualifica juridicamente mal uma determinada questão, aplica uma lei inapropriada ou interpreta mal a lei que devia aplicar, haverá erro de julgamento, mas não nulidade por omissão de pronúncia”.
No caso, a sentença recorrida não deixou de apreciar todas as questões que lhe foram colocadas pelas partes e que se impunha ponderar no processo em apreço.
O facto do tribunal não se pronunciar sobre um determinado elemento de prova junto aos autos  – documentação – consubstancia, quanto muito, eventual erro de julgamento na apreciação da prova produzida, o que não se confunde com a nulidade invocada [25].
Sempre se dirá, contudo, que, ao contrário do sustentado pela apelante, nem todos os factos relatados são verdadeiros e estão provados pela documentação junta aos autos.
Analisado o relatório final da PJ, e mesmo o despacho de arquivamento, verifica-se que, para além dos referidos pelo tribunal [26], também não resulta dos mesmos que se tenha concluído, de forma segura, que todas as 20 empresas referenciadas fossem empresas-fantasma, criadas apenas para prestarem serviços fictícios à ETP e sem quaisquer funcionários.
Em conclusão, exprimindo a culpa um juízo de reprovabilidade da conduta do agente, a forma como os factos constantes da notícia foram divulgados, bem como a falta de maior cuidado na averiguação e confirmação dos mesmos, não é a consentânea com a actuação de um “bom pai de família” [27], pelo que se verifica a actuação culposa da R.  
Alega, ainda, a apelante, que também não se provaram os danos, porquanto “resulta da experiência comum e é um facto notório que quem foi mencionado como consta das notícias publicadas em 2001 e que estas deram origem a um processo crime, que originou buscas nas empresas de que se é sócio ou accionista, causa angústia e ansiedade, mas não por um facto praticado pela ora Recorrente”.
Em primeiro lugar haverá que referir que não é o facto de se ter sido referido em notícias anteriores, eventualmente até, com imputações mais graves [28], que afasta a possibilidade de as novas notícias causarem danos [29].
Por outro lado, da factualidade provada resulta, inquestionavelmente, a prova de tais danos – pontos 23 e 25 a 28 da fundamentação de facto supra -, resultando demonstrados os danos sofridos pela A. por força da notícia em causa, quer os de natureza externa (ponto 23), quer interna (25 a 28), pelo que nenhuma razão assiste à apelante.
Por último, alega a apelante que a sua actuação sempre se mostraria justificada, por força do relevante interesse público na publicação da notícia, na salvaguarda dos direitos constitucionalmente protegidos de liberdade de informação e de imprensa.
A actuação no exercício regular de um direito ou no cumprimento de uma obrigação legal constituem causas de exclusão da ilicitude [30].
Aos jornalistas assiste o direito de informar, que é uma manifestação constitucional da liberdade de expressão e de imprensa, consagradas nos artigos 37º e 38º da CRP e na lei ordinária.
Contudo não são direitos ilimitados, absolutos.
Segundo o art. 18º, nº 2 da CRP, o direito de expressão, bem como os demais direitos, liberdades e garantias, são passíveis de sofrerem restrições, embora se devam limitar ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
O art. 37º, nº 3 da CRP prevê que as infracções cometidas no exercício dos direitos de expressão e de informação ficam submetidos aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social e o nº 4 estatui que a todas as pessoas, singulares ou colectivas, são assegurados os direitos de resposta, rectificação e a indemnização pelos danos sofridos.
O art. 3º da L. 2/99 de 13.01 estabelece que “a liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público a ordem democrática”.
Por outro lado, ressalta do art. 14º da L. 1/99, de 13.01, que constituem deveres fundamentais do jornalista “a) exercer a actividade com respeito pela ética profissional, informando com rigor e isenção”, “c) abster-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência”, e “g) respeitar a privacidade de acordo com a natureza do caso e a condição das pessoas”.
Estando em causa o conflito entre dois direitos constitucionalmente protegidos, com igual hierarquia constitucional, como é o caso, o mesmo há-de ser resolvido de forma harmonizada, respeitando o princípio da proporcionalidade, e de forma a atribuir a cada um dos direitos a máxima eficácia possível, como refere a apelante.
Como se escreveu no Ac. do STJ de 17.10.2000, in CJASTJ, Tomo III, pág. 78 e ss., “… a liberdade de imprensa e o direito de informação (…) comportam limites legais, entre os quais relevam a garantia quer da objectividade, do rigor e da verdade do que é informado ao público, quer justamente também a salvaguarda do direito ao bom nome e reputação, tutelado pelo art. 26º, nº 1 da CRP e 484º do CC. O direito de informar não é um direito absoluto que possa conduzir à total impunidade do jornalista. A informação prestada deve ser rigorosa e verdadeira, para não se defraudar o direito público a ser informado e não se impedir a plena formação da opinião pública, característica de uma sociedade democrática. O jornalista deve colher informações em fontes idóneas e estar convicto da verdade da informação que veicula e divulga. Deve haver adequação ao meio, dando-se a notícia com contenção, para não afectar, além do necessário, a reputação dos visados. Havendo conflito entre direitos constitucionalmente consagrados, a sua harmonização concreta depende de critérios metódicos abstractos, tal como o princípio da concordância prática ou ideia do melhor equilíbrio possível entre os direitos colidentes. Quando o direito ao bom nome e reputação entra em conflito com o direito de liberdade de imprensa, há que resolvê-lo, coordenando-os um com o outro, de forma a distribuir proporcionalmente os custos desse conflito, sem atingir o conteúdo essencial de cada um deles”.
Sustenta a apelante que, no caso, os factos em causa são de relevante o interesse público, porque “sendo a ETP uma empresa que presta serviços de relevância no contexto internacional, está sujeita ao escrutínio público, tendo sido objecto de diversas notícias na Madeira e continente”, para além de que nenhum dos “direitos invocados pela A. foram postos em causa ou merecem tutela”.
Desde logo, nenhuma razão tem a apelante quanto à última das suas afirmações, como sobejamente já se analisou supra.
Os direitos invocados pela A. (ao bom nome, honra e consideração) foram, efectivamente, postos em causa com a notícia em apreço e merecem, inquestionavelmente a tutela do direito.
Por outro lado, embora a ETP deva, de facto, estar sujeita ao escrutínio público, a informação a transmitir sobre a mesma e para tal efeito deve ser rigorosa e isenta, o que, no caso, não sucedeu, uma vez que os factos constantes da notícia não são todos, rigorosamente, verdadeiros, como já analisado, e a forma como a notícia foi dada não foi isenta, como também já supra se referiu, acabando por não ter sido formulada qualquer acusação.
E se era, efectivamente, a ETP a visada pela notícia, deveria a mesma ter-se abstido de “colar” àquela e à actuação em causa, a A., ainda que por referência indirecta, que não é “figura pública” sob atenção da sociedade.
A falsidade, ainda que parcial, da notícia afasta eventual interesse público na publicação da mesma, devendo sobrelevar o direito à honra e ao bom nome.
Não se poderá terminar sem referir que o teor das conclusões BF, BI e BN está desenquadrado do restante alegado [31], afigurando-se-nos existir mero lapso devido ao eventual aproveitamento de outra peça processual, nada havendo, pois, a referir sobre as mesmas.
Por tudo quanto se deixa exposto, conclui-se que improcede, na totalidade, a apelação da R.  G, devendo ser confirmada a sentença recorrida no que, quanto a esta, foi decidido.

Apelação da A.
Tendo-se aqui por reproduzido tudo o que se acabou de referir quanto à verificação dos pressupostos da responsabilidade extra-contratual e não verificação das invocadas causas de exclusão da ilicitude [32], a única questão que cumpre apreciar no âmbito do recurso interposto pela A. é a de saber se os 1º a 4º e 6ª RR são solidariamente responsáveis, com a R. G, pelo pagamento da indemnização fixada pelo tribunal recorrido, o que se prende com a interpretação do disposto nos arts. 20º, nº 1, al. a), 21º, nº 1 e 29º, nº 2 da L. 2/99, de 13.01.
Entendeu o tribunal recorrido que não, com os seguintes fundamentos: “E quanto aos 1º a 4º réus? Não se apurou, como pretendia a autora, que tenham aprovado e permitido a publicação de qualquer das duas notícias (resposta negativa ao ponto 16º da base instrutória); ou que soubessem que à data da publicação da 1ª notícia, o “caso Porto do Funchal” estivesse em fase de inquérito (resposta parcial ao ponto 17º BI); ou que tenham trabalhado nas edições do jornal que publicaram as duas notícias (resposta negativa ao ponto 19º BI). Igualmente não se provou que os 1º a 4º réus, com as publicações das duas notícias, tenham revelado vontade de condenação pública dos arguidos do processo (resposta negativa ao ponto 20º BI); nem que soubessem que a publicação das notícias ofendia a honra e consideração da autora e, ainda assim, optaram por publicá-las (resposta aos pontos 21º e 22º da BI). Ou seja, não se apuraram factos dos quais se possa concluir pela responsabilidade delitual dos 1º, 2º, 3º e 4º réus. E a 6ª ré? O artº 29º nº 2 da Lei 2/99, de 13/01, faz depender a responsabilidade das empresas jornalísticas – considerando-a solidária com a dos autores do escrito/notícia – pela reparação/indemnização dos danos causados, da circunstância de a notícia ter sido publicada com o conhecimento e sem oposição do director ou do substituto legal do periódico. Ora, no caso dos autos, como vimos, não se provou que o director, director-adjunto e subdirectores, tivessem tido conhecimento e não se tivessem oposto à publicação das notícias. Assim, resta concluir que a 6ª ré não responde pelos danos causados à autora”.
Insurge-se a A. contra o decidido, alinhavando os seguintes argumentos:
- ao contrário do entendido pelo tribunal recorrido, a imputação ao director da publicação do “escrito”, que resulta da própria titularidade e exercício da função e dos inerentes deveres de conhecimento, integra, na construção conceptual, uma presunção legal, que dispensa o interessado da prova do facto (o conhecimento, a aceitação e a imputação da publicação) a que a presunção conduz, admitindo, porém, que o onerado ilida a presunção mediante prova em contrário; assim, ao demandante basta invocar os factos que integrem o ilícito (no caso, a publicação do escrito) e a qualidade de director do demandado, cabendo a este ilidir a presunção legal, alegando e provando que o escrito foi publicado sem o seu conhecimento ou oposição sua ou do seu substituto legal, que lhe dá coadjuvação e o substitui nas ausências ou impedimentos;
- não tendo o director do jornal alegado, sequer, qualquer facto que, se provado, permitisse ilidir a base da presunção, há que concluir que agiu com culpa, por ter aceite, expressa ou tacitamente – ou por, no cumprimento dos deveres do cargo, não ter impedido - a publicação do texto;
- mesmo tendo os 1º a 4º RR. alegado o desconhecimento, que não provaram, sempre teriam de ser condenados por incumprimento dos deveres funcionais subjacentes ao cargo que desempenham, uma vez que, sendo um dever dos directores o de conhecer antecipadamente as notícias que são publicadas, a violação desse dever, é por si só apta a originar responsabilidade pela publicação de notícias lesivas do bom nome da A.;
- concluindo-se pelo conhecimento dos 1º a 4º RR. e a sua não oposição à publicação da notícia, necessariamente a 6ª R. responde solidariamente pela indemnização arbitrada.
No Capítulo IV da L. 2/99 de 13.01, que tem a epígrafe “Organização das empresas jornalísticas”, dispõe o art. 19º que “1. As publicações periódicas devem ter um director. 2. A designação e a demissão do director são da competência da entidade proprietária da publicação, ouvido o conselho de redacção. …”.
E no que ao estatuto do director concerne, dispõe o art. 20º, nº 1, al. a) da mesma Lei que ao director compete “orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação”.
Estatui, ainda, o art. 21º inserido no mesmo capítulo que “1. Nas publicações com mais de cinco jornalistas, o director pode ser coadjuvado por um ou mais directores-adjuntos ou sub-directores, que o substituem nas suas ausências ou impedimentos. 2. Aos directores-adjuntos e subdirectores é aplicável o preceituado no art. 19º, com as necessárias adaptações”.
Por seu turno, no Capítulo VI da mencionada Lei, que tem a epígrafe “Formas de responsabilidade”, dispõe o art. 29º, com a epígrafe “responsabilidade civil” que “1. Na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa observam-se os princípios gerais. 2. No caso de escrito ou imagem inserido numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado”.
Resultou provado que os 1º a 4º RR. são, o 1º director, o 2º director adjunto e os 3º e 4º subdirectores do jornal G …SA
A restante factualidade alegada pela A. – que os 1º a 4º RR. aprovaram e permitiram a publicação da notícia em causa ( ponto 16º da BI), que sabiam que à data da publicação da 1ª notícia, o “caso Porto do Funchal” estava em fase de inquérito (ponto 17º BI), que trabalharam na edição do jornal que publicou a notícia (ponto 19º BI), que, com a publicação da notícia, revelaram vontade de condenação pública dos arguidos do processo (ponto 20º BI) e que sabiam que a publicação das notícias ofendia a honra e consideração da autora e, ainda assim, optaram por publicá-las (pontos 21º e 22º da BI) – não resultou provada, motivo pelo qual o tribunal recorrido entendeu que não podiam aqueles RR. ser, solidariamente, responsabilizados pelo pagamento da indemnização fixada.
Em primeiro lugar há que não esquecer que a falta de prova de um facto não significa a prova do facto contrário.
Por outro lado, só seria relevante a falta de prova dos factos indicados, se à A. incumbisse a prova dos mesmos, como entendeu o tribunal recorrido e com o que não concordamos.
De facto, na esteira da jurisprudência maioritária do STJ, da conjugação dos artigos supra referidos da Lei 2/99 de 13.01 [33] resulta uma presunção legal de culpa do director do jornal relativamente aos artigos aí publicados pelos jornalistas, pelo que à A. bastava apenas alegar a publicação do escrito e a qualidade de director do demandado.
Como se escreveu no Ac. do STJ de 15.03.2012, P. 3976/06.0TBCSC.L1.S1, rel. Cons. Hélder Roque, in www.dgsi.pt, “…, a lei prevê excepções à regra geral de que é ao lesado, na responsabilidade extra-contratual, que compete provar a culpa do agente, consagrando situações de presunção de culpa. Com efeito, compete ao director, nomeadamente, nos termos do estipulado pelo artigo 20º, nº 1, al. a) da Lei de Imprensa, “orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação”. Esta competência, entre outras, que a lei comete ao director significa que lhe impõe um dever especial de conhecimento antecipado das matérias a publicar e que hão-de constituir o conteúdo do periódico, que lhe importa determinar como um dever funcional, em ordem a obstar à publicação daquelas que possam integrar um tipo legal de crime ou constituir um facto ilícito gerador de responsabilidade civil. … Impondo-se ao director da publicação o dever, de acordo com as competências definidas por lei, de conhecer e decidir, antecipadamente, sobre a determinação do seu conteúdo, em ordem a impedir a divulgação de escritos ou imagens susceptíveis de constituir um facto ilícito gerador de responsabilidade civil, a imputação ao director da publicação do conteúdo que resulta da própria titularidade e exercício da função e dos inerentes deveres de conhecimento, integra uma presunção legal, em que a lei considera certo um facto, quando se não faça prova do contrário. E esta presunção legal dispensa ao autor-lesado o ónus da prova do facto, ou seja, o conhecimento, a aceitação e a imputação da publicação, a que a presunção conduz, isto é, a demonstração da culpa do lesante, admitindo-se, porém, que o onerado a ilida, mediante prova em contrário, dada a sua natureza de presunção “tantum iuris”, nos termos estipulados pelo artigo 350º, nºs 1 e 2 do CC” [34].
Pronunciando-se, também, no mesmo sentido, concluiu-se no Ac. do STJ de 10.07.2008, P. 08P1410, rel. Cons. Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt, que “…, demandado civilmente o director, e vista a amplitude da formulação dos termos da responsabilidade e da consequente presunção, (ao lesado) basta invocar os factos que integrem o ilícito (no caso, a publicação do “escrito”) e a qualidade de director do demandado, cabendo a este ilidir a presunção, alegando que o escrito foi publicado sem o seu conhecimento ou com oposição sua ou do seu substituto legal” [35].
Assim sendo, e não sendo à A. que incumbia demonstrar o conhecimento ou não oposição do director do jornal, não devia a factualidade alegada pela mesma ter sido levada à B.I., sendo, pois, irrelevante que não tenha resultado provada, antes incumbindo ao 1º R. alegar factos que demonstrassem que a notícia foi publicada sem o seu conhecimento ou com a sua oposição, o que não fez [36], sendo, pois, responsável pela notícia publicada, respondendo, também, necessariamente, a 6ª R., solidariamente, pela indemnização arbitrada.
Já no que respeita aos 2º a 4º RR. se nos afigura que não podem os mesmos ser responsabilizados nos termos requeridos.
Os mesmos são, respectivamente, o director adjunto e os sub-directores do semanário, podendo coadjuvar o director e substituindo-o nas suas ausências ou impedimentos, nos termos do art. 21º da Lei de Imprensa.
A sua responsabilidade pelas publicações resulta de, efectivamente, coadjuvarem ou substituírem o director nas respectivas funções, nomeadamente na referida na al. a) do art. 20º, e não em termos cumulativos – nesse sentido apontando a redacção do artigo 29º, nº 2 da Lei de Imprensa.
Não demonstrada a efectiva intervenção destes RR. na publicação, não podem os mesmos ser responsabilizados nos termos peticionados.
Procede, pois, em parte, a apelação da A. 
Uma última palavra para dizer que o montante da indemnização se mostra equitativamente fixado [37].

DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação apresentada pela R. F…, e parcialmente procedente a apelação apresentada pela A., alterando-se a sentença recorrida, condenando-se o 1º R. (B) e 6ª R. (G…,S.A.), solidariamente com a R. F…, no pagamento à A. da indemnização fixada, mantendo-se o demais decidido.
Custas da apelação interposta pela A., na proporção de ½ para cada um (apelante e apelados).
Custas pela R. / apelante da apelação por si interposta.
                                                          
Lisboa, 2012.07.12

Cristina Coelho
Maria João Areias
Luís Lameiras
-----------------------------------------------------------------------------------------
[1] Cfr. a resposta à matéria de facto a fls. 612.
[2] Apenas 3 num universo de, pelo menos, 7 arguidos, nos termos da notícia.
[3] E não só os próprios, como refere a apelante.
[4] Junta a fls. 284 dos autos.
[5] Ao contrário do alegado pela apelante, não eram apenas os próprios que sabiam de que sociedades era a A. sócia ou accionista. Pelo menos a partir da referida notícia, tornou-se do conhecimento público as sociedades de que era sócia a A. com o pai, bem como quais eram os outros familiares envolvidos nas referidas sociedades – a mãe e o marido da A. -, e em que termos.
[6] Sendo de esclarecer que se é certo que a testemunha … trabalha, também, na ETP, sociedade expressamente referida na notícia, não menos certo é que a testemunha ... trabalha na G….
[7] Fls. 431 destes autos.
[8] Refere-se a fls. 526 destes autos.
[9] Sendo que a prova documental referida mais teria a ver com o perguntado no quesito7º.
[10] Escreveu o tribunal recorrido que a sua convicção se baseou “nos depoimentos das testemunhas …, que referiram que o rigor da organização do suporte documental das contas das empresas se deve a exigências da A.” – fls. 615.
[11] Tanto mais que não foram sujeitos a escrutínio judicial em audiência de julgamento.
[12] Cfr. fls. 616 e 617.
[13] Tendo a A. confiado que tudo se esclareceria.
[14] “Há, assim, uma actuação ilícita da 5ª ré, visto que o conteúdo da notícia que escreveu violou o direito absoluto à honra e consideração da autora. Como dissemos supra, uma actuação é ilícita quando dela decorre a violação de direitos de outrem ou regras tendentes à protecção de interesses alheios”.
[15] Art. 86º do CPP na redacção dada pela L. 59/98 de 25.08.
[16] Como refere José da Costa Pimenta, in CPP Anotado, pág. 371, “a existência de segredo de justiça nas fases processuais de inquérito e da instrução assenta numa tríplice ordem de razões: em primeiro lugar, quer-se facilitar os objectivos da perseguição e repressão criminal, evitando-se, em consequência, estender em público todo o trabalho de procura e valoração de provas; por outro lado, pretende-se salvaguardar a magistratura, que se quer livre e objectiva, das pressões da opinião pública, tantas vezes deformada; finalmente, põe-se ao abrigo de agressões desnecessárias a vida privada do arguido, que se presume inocente, a quem mesmo um eventual arquivamento dos autos dificilmente apagará os efeitos da afronta que o processual penal constitui”.
[17] Como se escreveu no Ac. do STJ de 15.09.2011, P. 2634/06.0TBPTM.E1.S1, rel. Cons. Sérgio Poças, in www.dgsi.pt, “Importa é que a notícia se mantenha nos seus limites e não transforme a existência de uma investigação da PJ numa condenação. Ou seja, em tais casos, a comunicação social deve actuar com especiais cuidados – nada está provado – de modo a não espezinhar irremediavelmente o princípio de presunção de inocência. Deverá ser sempre uma notícia de que resulte claro que se averigua o que poderá ter acontecido ou não e nunca uma notícia que dá como verificado aquilo que ainda se investiga”.
[18] Como aliás resultou provado - ponto 24 da fundamentação de facto supra.
[19] Se é certo que as empresas visadas e expressamente referidas na notícias são a OPM e a ETP, e os seus responsáveis directos – L e P -, não menos certo é que a notícia chama à colação, expressamente, quer os elementos da família … ligados às alegadas empresas-fantasma, entre os quais a A., quer um empresa em concreto dessa rede.
[20] Como se escreveu no Ac. do STJ de 10.07.2008, P. 08P1410, rel. Cons. Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt, “Na imprensa escrita, os títulos (e sub-títulos, acrescentamos nós) pretendem evidenciar os aspectos mais característicos da notícia, “apresentando-a de forma icástica e sintética”, com “particular força impressiva”, possuindo, por isso, muitas vezes, “uma acrescida eficácia corrosiva”; constituem uma “síntese” que “por antonomásia se identifica com o conteúdo total da notícia”, com a consequência de muitas vezes a imagem ou impressão resultante do título ser aquilo que se retira e se fica a saber (cfr. Faria Costa, “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, I, pág.620 e 621). … Os títulos possuem, assim, um conteúdo informativo ou de mensagem que existe (pode existir) autonomamente na análise de conjunto com o conteúdo do artigo ou da notícia a que se referem, identificam ou titulam. Possuindo conteúdo autónomo, que pode deslocar dos textos titulados que assinalam, possuem uma “intrínseca idoneidade” para afectar o direito ao crédito ou ao bom-nome, que pode ser particularmente reforçada pela natureza “sintética, apelativa e assertiva” que usualmente revelam (Faria Costa, ibidem, pág. 621)”.
[21] Embora continuando a violar o segredo de justiça.
[22] Ver pontos 2º e 8º a 11º da fundamentação de facto.
[23] Não só quanto à ETP, para apurar da sua natureza, mas também relativamente às contas apresentadas pela .….
[24] Quer quanto às questões avançadas sobre a “natureza fictícia” das empresas, nomeadamente, da ausência de funcionários e de outros clientes, quer quanto aos números concretamente referenciados.
[25] Sempre se dirá, porém, que a sentença recorrida teve em atenção a documentação junta aos autos, nomeadamente a certidão do inquérito, e para se pronunciar sobre a sua relevância. Como se referiu na mesma “No caso dos autos, não corresponde à verdade que “uma empresa” tenha facturado à ETP meio milhão de contos em canetas, lápis e outro material de escritório; nem que a ETP é uma empresa pública. Além disso, não foi demonstrado que correspondia à verdade o esquema fraudulento relatado na notícia: o inquérito foi arquivado, como decorre do despacho de arquivamento de fls. 482 a 490. Como refere Menezes Cordeiro, tanto se pode considerar como não verdadeira a notícia que é absolutamente falsa como a que relata situações dubitativas, ou as desprovidas de contexto (Cfr. Tratado…, cit. pág. 184 e seg.) como a parcialmente falsa. A notícia publicada não correspondia à realidade e as insinuações nela contidas acabaram por não ter correspondência com o desenvolvimento posterior da investigação levada a efeito pelos órgãos criminais competentes”.
[26] O facto da ETP não ser uma empresa pública e de “uma empresa” ter facturado à ETP, só num ano, meio milhão de contos em canetas, lápis e outro material de escritório, o que, aliás, também não resultava do relatório da PJ.
[27] Art. 487º, nº 2 do CC.
[28] O que não é o caso como já se referiu aquando da apreciação da impugnação da matéria de facto.
[29] Como se escreveu no Ac. da RL de 9.06.2011, P. 604/09.6TVLSB.L1, rel. Desemb. Teresa Albuquerque, in www.dgsi.pt, que se debruçou sobre os mesmos factos relativamente a outro A., “… a circunstância das notícias em causa nos autos já anteriormente terem sido divulgadas pela comunicação social, se lhes retira parte do impacto, não evita as ofensas que estão em causa, podendo até implicar um efeito mais gravoso, na medida em que potencia a consolidação da opinião pública das imputações anteriormente transmitidas”.
[30] Como escreve R. Capelo de Sousa, ob. cit., pág. 552 e 435 “o cumprimento de um dever, o exercício regular de um direito, a acção directa, a legítima defesa e o consentimento tolerante podem, ..., excluir a ilicitude de certos actos lesivos do direito geral de personalidade e de direitos especiais de personalidade e, como tal, funcionar como limites ao exercício dos direitos de personalidade”. Também P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 421, escrevem que “a afirmação ou divulgação do facto pode, no entanto, não ser ilícita, se corresponder ao exercício de um direito ou faculdade ou ao cumprimento de um dever ( ... )”.
[31] Bem como o alegado nas alíneas BE, BL e BM quanto ao provimento do recurso.
[32] Nenhuma razão assistindo, pois, aos apelados quando sustentam que não há facto ilícito, nem danos que mereçam a tutela do direito e que os factos relatados na notícia são verdadeiros, estando em causa matéria de relevante interesse público.
[33] Apenas se fazendo referência aos acórdãos que tiveram por base, pois, a Lei de Imprensa 2/99, e não a anterior Lei de Imprensa de 1975.
[34] No mesmo sentido, ver, entre outros, os Acs. do STJ de 14.02.2012, P. 5817/07.2TBOER.L1.S1, do mesmo relator, e de 9.09.2010, P. 77/05.2TBARL.E1.S1, rel. Cons. Gonçalo Silvano, in www.dgsi.pt.
[35] Neste sentido se pronunciou, também, o Ac. da RL de 30.06.2011, P. 1755/08.0TVLSB..L1, rel. Desemb. Rosário Gonçalves, in www.dgsi.pt.
[36] Os factos alegados na contestação no sentido do desconhecimento são conclusivos, não se tendo concretizado em quem, no caso concreto, foram delegadas competências e o alcance de tal delegação.
[37] Não assistindo razão aos apelados, quando alegam ser a mesma excessiva.