Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1756/16.4YRLSB-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: ACÇÃO ARBITRAL
PATENTE
ENCARGOS
VALOR DA CAUSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: – Numa acção arbitral intentada ao abrigo dos artigos 2º e 3º da Lei 62/2011 de 12/12, não se tendo demonstrado a ingerência não intencional das demandadas nos direitos conferidos pela patente das demandantes, não se provando que tivessem auferido rendimentos na venda dos seus medicamentos genéricos para a terapêutica protegida pela patente das demandantes, não há que aplicar os institutos da colisão de direitos e do enriquecimento sem causa.

– Tendo as demandantes obtido vencimento na sua pretensão de pedir a condenação das demandadas a absterem-se de praticar actos violadores da sua patente, sem que se tivesse provado qualquer acto dessa natureza por parte das demandadas e tendo as demandantes decaído em todos os restantes pedidos, está adequada a repartição de encargos em 95% para as demandantes e 5% para as demandadas.

– Não tendo sido indicado o valor dos pedidos de condenação em quantias a liquidar em execução de sentença, mostra-se correcta a fixação do valor da causa na metade do montante da sanção pecuniária compulsória não atribuída ao Estado, calculada desde a data do acórdão arbitral até à data da caducidade da patente.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


Instalado Tribunal Arbitral ao abrigo do artigo 2º da Lei 62/2011 de 12/12, no âmbito do qual são demandantes W… e P… e onde foi inicialmente demandada V…, a que se veio a juntar, por intervenção, a demandada C…, fixou-se, como objecto de litígio, o exercício dos direitos de propriedade industrial invocados pelas demandantes relativos à Patente Europeia nº0934061, face à publicação, em 29/10/2014, pelo Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, a pedido da demandada, de autorizações de introdução no mercado do medicamento genérico, contendo a substância activa pregabalina.

Foi alegado na petição inicial, em síntese, que as demandantes integram o Grupo P..., com actividade na investigação farmacêutica, sendo a 1ª demandante titular da Patente Europeia nº0934061 (EP 0934061), em vigor até 16/07/2017, relativa ao medicamento Lyrica, com a substância activa pregabalina, usado no tratamento da dor, que a 2ª demandante está autorizada a comercializar em Portugal na qualidade de titular da respectiva AIM desde Julho de 2004, tendo a demandada V… requerido Autorizações de Introdução no Mercado para medicamentos genéricos com a mesma substância activa de pregabalina e por referência ao medicamento Lyrica, o que é um indício de que pretende introduzir estes medicamentos genéricos no comércio, com violação dos direitos de propriedade industrial das demandantes, delimitados pela sua patente e protegidos pelo artigo 101º do CPI, violação essa que também se verificará mesmo que o medicamento genérico da demandada seja adoptado e comercializado para usos não protegidos pela patente das demandantes, face ao sistema de prescrição e dispensa dos medicamentos, o qual permite que o medicamento genérico da demandada venha a ser utilizado no tratamento da dor, caso em que se deverá aplicar os artigos 335º do CC e 107º do CPI para harmonizar os direitos conflituantes das partes, com a atribuição
de remuneração às demandantes.                                                                                                                
Concluíram pedindo que a demandada seja (A) condenada a não fabricar, armazenar, introduzir no mercado português e a não utilizar, importar ou estar na posse dos medicamentos de PREGABALINA para os quais requereu as AIM em causa nestes autos dirigidos ao tratamento da dor, até à data da caducidade da EP0934061; (B) condenada a não fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no mercado português e a não utilizar, importar ou estar na posse de quaisquer medicamentos de PREGABALINA dirigidos ao tratamento da dor e até à data da caducidade da EP0934061; (C) condenada, até à data de caducidade da EP0934061, a eliminar do Resumo das Características, Folheto Informativo e Rotulagem dos seus medicamentos genéricos de PREGABALINA qualquer referência, directa ou indirecta, ao tratamento da dor; (D) condenada até à data da caducidade da EP0934061, a (i) não fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no mercado português e utilizar, importar ou estar na posse de medicamentos genéricos de PREGABALINA em quantidade superior a 1 293,5 kg por ano, correspondente à quantidade máxima de vendas anuais da PREGABALINA para as indicações livres até hoje registada; (ii) entregar todos os anos, em 31 de Janeiro e 31 de Julho, às demandantes, um montante correspondente a 8% do valor correspondente a 725 das suas vendas nos semestres imediatamente anteriores, registadas pela IMS, do seu medicamento genérico de PREGABALINA.

Ou, caso assim não se entenda, subsidiariamente à alínea D), condenar a demandada (E) até à data de caducidade da EP0934061, a entregar todos os anos, em 31 de Janeiro e 31 de Julho, às demandantes, um montante correspondente a 12% do valor correspondente a 72% das suas vendas nos semestres imediatamente anteriores, registadas pela IMS, do se medicamento de PREGABALINA.

E, cumulativamente com os demais pedidos, condenar a demandada (F) no pagamento dos honorários dos árbitros e demais encargos do processo arbitral, incluindo encargos administrativos, honorários de peritos, técnicos e advogados; (G) nos termos do artigo 829º-A do CC, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a 48 000,00 euros por cada dia de atraso no cumprimento da sentença que vier a ser proferida nos termos do acima peticionado.  
   
A demandada V… contestou alegando, em síntese, que comercializa medicamentos genéricos, respeitando sempre os direitos das patentes da titularidade de terceiros, tendo requerido AIM para o medicamento genérico em causa com indicações terapêuticas não conflituantes com o direito das demandantes, destinando-se ao tratamento da epilepsia e da perturbação da ansiedade generalizada e não ao tratamento da dor, não podendo considerar-se o simples pedido, permitido por lei, de autorização de introdução no mercado de medicamentos com pregabalina, como violador dos direitos de propriedade industrial das demandantes, como resulta do artigo 19º nº8 do DL 176/2006 de 30/8 e dos artigos 2º e 3º da Lei 62/2011 de 30/8, pelo que as demandantes não têm qualquer interesse na instauração da presente acção, não existindo também enquadramento legal para os pedidos formulados pelas demandantes nas letras D. e. E., nem fundamento para a aplicação de sanção pecuniária compulsória, que o tribunal arbitral não tem competência para aplicar.    
 
Concluiu pedindo a improcedência da acção e a absolvição de todos os pedidos formulados, bem como a condenação das demandantes no pagamento integral dos encargos decorrentes da acção, com o reembolso da contestante dos montantes que já despendeu e que venha a despender. 

As demandantes responderam às excepções contidas na contestação e o Tribunal apreciou as excepções de falta de interesse em agir e de incompetência material e concluiu não haver obstáculos ao prosseguimento do processo.

As demandantes requereram a intervenção da C…, alegando que a demandada lhe transmitiu as AIM.

A chamada C… veio aos autos aceitar expressamente e sem reservas a sua intervenção como demandada, aceitando os autos no estado em que se encontravam.

A intervenção foi admitida pelo Tribunal, ficando a chamada com posição processual igual à da demandada V… e, na sequência da admissão da intervenção, vieram as demandantes requerer a alteração dos pedidos que passaram a ser os seguintes:
A)– Condenar a demandada a não fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no mercado português e a não utilizar, importar ou estar na posse dos medicamentos de PREGABALINA para os quais requereu as AIMs em causa nestes autos, dirigidos ao tratamento da dor, até à data de caducidade da EP0934061.
B)– Condenar a demandada a não fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no mercado português e a não utilizar, importar ou estar na posse de quaisquer medicamentos de PREGABALINA dirigidos ao tratamento da dor até à data de caducidade da EP0934061.
C)– Condenar a demandada, e até à data de caducidade da EP0934061, a não incluir no Resumo das Características, Folheto Informativo e Rotulagem dos seus medicamentos genéricos de PREGABALINA qualquer referência, directa ou indirecta, ao tratamento da dor.
D)– Reconhecer a existência de uma situação de colisão de direitos e, consequentemente, condenar a demandada C… no pagamento de uma compensação, a liquidar em execução de sentença.

Subsidiariamente ao pedido formulado em D):
E)– Condenar a demandada C… no pagamento de uma compensação a título de enriquecimento sem causa, no valor correspondente ao lucro obtido com as vendas dos seus medicamentos genéricos de PREGABALINA para o tratamento da dor, desde o início da sua comercialização e até à presente data, acrescido do valor que venha a obter até à data de caducidade da EP0934061, tudo a liquidar ulteriormente.
Subsidiariamente ao pedido formulado em E):
F)– Condenar a Demandada C… no pagamento de uma compensação a título de enriquecimento sem causa, correspondente ao valor devido por um licenciado pela exploração da patente das demandantes, até à data de caducidade da EP0934061, a liquidar ulteriormente.

E cumulativamente com os pedidos anteriores:
G)– Condenar a demandada no pagamento dos honorários dos árbitros e demais encargos do processo arbitral, incluindo encargos administrativos, honorários de peritos, técnicos e advogados.
H)– Condenar a demandada, nos termos do artigo 829º-A do Código Civil, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a 48 000,00 euros, por cada dia de atraso no cumprimento da sentença que vier a ser proferida nos termos acima peticionados.

O Tribunal admitiu os novos pedidos formulados contra a demandada C…, fixando prazo para o respectivo contraditório.

Teve lugar a produção de prova, as demandadas pronunciaram-se sobre a alteração dos pedidos e oportunamente as partes apresentaram alegações, tendo as demandantes juntado o parecer jurídico de fls 1278 e seguintes, após o que o Tribunal proferiu decisão arbitral, onde fixou o valor da causa em 10 000 000,00 euros e decidiu sobre os pedidos formulados nos seguintes termos:
a)- Julgar procedente o pedido A. formulado pelas demandantes e condenar as demandadas a não fabricarem, oferecerem, armazenarem, introduzirem no mercado português e a não utilizarem, importarem ou estarem na posse dos medicamentos PREGABALINA para os quais foram requeridas as AIM em causa nestes autos dirigidos ao tratamento da dor, até à data da caducidade da EP0934061.
b)-Julgar procedente o pedido B. formulado pelas demandantes e condenar as demandadas a não fabricarem, oferecerem, armazenarem, introduzirem no mercado português e a não utilizarem, importarem ou estarem na posse de quaisquer medicamentos de PREGABALINA dirigidos ao tratamento da dor até à data da caducidade da EP0934061.
c)-Julgar procedente o pedido C. formulado pelas demandantes e condenar as demandadas, até à data de caducidade da EP0934061, a não incluírem no Resumo das Características e no Folheto Informativo e Rotulagem dos seus medicamentos genéricos de PREGABALINA qualquer referência, directa ou indirecta, ao tratamento da dor.  
d)-Julgar improcedente o pedido D. formulado pelas demandantes e absolver a demandada C… do mesmo.
e)-Julgar improcedente o pedido E. formulado pelas demandantes e absolver a demandada C… do mesmo.
f)-Julgar improcedente o pedido F. formulado pelas demandantes e absolver a demandada C… do mesmo.
g)-Julgar improcedente o pedido de condenação das demandadas em sanção pecuniária compulsória e absolver as demandadas do mesmo.
g)-Condenar as demandantes, em conjunto, a pagarem 95% dos encargos do processo.
h)-Condenar as demandadas, em conjunto, a pagarem 5% dos encargos do processo.  
                                                           
Inconformadas, as demandantes interpuseram recurso da sentença arbitral e alegaram, formulando conclusões com os seguintes argumentos:
 - Não deverá ser mantida a sentença recorrida na parte que absolveu as demandadas dos pedidos D., E., F. e G. formulados pelas ora apelantes.
 - Face à prova produzida, que se discrimina, deverão ser alteradas as respostas dadas aos factos controvertidos B), C), K), N) e O), dando-se resposta menos restritiva ao ponto controvertido b) e, aos pontos controvertidos c), k), n) e o), aos quais foi dada resposta negativa, dando-se resposta positiva, com algumas alterações.
 - Face aos factos provados, nomeadamente aos que resultam da alteração pedida no presente recurso, confirma-se que a 2ª recorrida beneficia da venda dos seus medicamentos genéricos de pregabalina para o tratamento da dor neuropática, com base nas AIMs concedidas à 1ª recorrida, que lhe foram transmitidas.
 - Tal situação consubstancia uma colisão de direitos nos termos do artigo 335º do CC, entre o direito exclusivo das recorrentes, proveniente da patente em causa e o direito da 2ª recorrida de comercializar os medicamentos genéricos não incluídos na protecção da patente, pelo que a única medida que preserva o direito de uso exclusivo dos recorrentes sem impedir a 2ª recorrida de comercializar a pregabalina para o tratamento de indicações livres passa por configurar as situações existentes, harmonizando-se os dois direitos em presença, designadamente através da atribuição de uma licença remunerada, de acordo com o artigo 107º do CPI.
 - Deveria ter sido julgado procedente o pedido D) formulado pelas ora recorrentes, tendo o acórdão recorrido violado os artigos 335º do CC e 107º do CPI.
 - Subsidiariamente, se não se entender haver colisão de direitos, sempre haverá enriquecimento sem causa, resultante do aproveitamento pela 2ª recorrida dos resultados da comercialização de medicamentos genéricos de pregabalina para o tratamento da dor, nos termos do artigo 473º do CC, o qual foi violado pela decisão recorrida, que deveria ter julgado procedente o pedido subsidiário E) formulado pelas ora recorrentes.
 - Ainda subsidiariamente ao pedido E), relativamente à extensão do objecto de restituição, nos termos do artigo 479º do CC, esta deveria ter o seu limite inferior fixado como vem exposto no parecer jurídico junto aos autos, ou seja, “no equivalente pecuniário da faculdade exclusiva de colocação de um medicamento com a substância activa pregabalina para o tratamento da dor ou no valor que o titular daquela faculdade poderia reclamar como contrapartida da sua transmissão a terceiros”.
 - Independentemente da boa ou má fé do enriquecido, o objecto da obrigação de restituição surge referido à adequada contrapartida dos direitos de utilização, como se tivesse sido celebrado um contrato de licença entre as partes, pelo que deveria, subsidiariamente ao pedido E), ser procedente o pedido F) formulado pelas ora recorrentes.
 - O acórdão arbitral violou o artigo 527º nº2 do CPC, aplicável por via do ponto 4.2 da Acta de Instalação do Tribunal, ao condenar as demandantes na proporção de 95% dos encargos com o processo, devendo ser substituído por outro que condene as recorridas na proporção de 80%, ou, caso não haja revogação da decisão recorrida quanto aos pedidos D), E) e F), deverá a condenação das partes pelos encargos ser fixada na proporção de 50%.
 - A proporção fixada para a responsabilidade das custas pelas ora recorrentes, numa arbitragem que tem de ser obrigatoriamente desencadeada por força da Lei 62/2011 de 12/12 e onde obteve ganho de causa num significativo número de pedidos contestados pelas demandadas, viola o princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, plasmados no artigo 20º Da CRP.
 - A decisão recorrida violou também os artigos 297º nº2, parte final e 303º nº1 do CPC, devendo ser revogada na parte em que fixa o valor de 10 000 000,00 euros correspondente a metade do valor da aplicação da sanção pecuniária compulsória, calculada desde a data da produção dos efeitos da decisão recorrida e a extinção da patente, devendo manter-se o valor da causa em 30 000,01 euros, nos temos do artigo 303º nº1, conforme indicado pelas ora recorrentes e aceite pelas recorridas.   
                                                         
A demandadas recorridas contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.
                                                           
As questões a decidir são:
I)-Impugnação da matéria de facto.
II)-Pedidos formulados pelas demandantes recorrentes nas alíneas D), E) e F).
III)-Repartição da responsabilidade pelos encargos do processo.
IV)-Valor da causa. 
                                                         
FACTOS.
O acórdão arbitral considerou os seguintes factos provados e não provados:

Provados.
1)- A 1ª demandante é titular da Patente Europeia EP0934061, que protege a substância activa PREGABALINA para o tratamento da dor (documento nº9 junto com a PI).
2)- A 2ª demandante encontra-se autorizada a comercializar e comercializa em Portugal com o nome comercial LYRICA os medicamentos obtidos com base nas invenções protegidas pela referida patente (documento nº10 junto com a PI).
3)- Desde Julho de 2004, é esta 2ª demandante titular da AIM para o medicamento LYRICA (25 mg, 50 mg, 75 mg, 100 mg, 150 mg, 200 mg, 225 mg e 300 mg, cápsulas e 20 mg/ml, solução oral) (documento nº10 junto com a PI).
4)- Em 17/10/2014, a demandada V… solicitou ao Infarmed a concessão de AIMs para medicamentos genéricos de PREGABALINA nas dosagens de 25 mg, 75 mg, 150 mg e 300 mg (documento nº12 junto com a PI).
5)- Em 29/10/2014, o Infarmed publicitou na sua página informática os requerimentos de autorizações de introdução no mercado solicitados pela demandada (documento nº12 junto com a PI).
6)- A Pregabalina foi inicialmente descoberta como adjuvante das crises parciais de epilepsia e da Perturbação de Ansiedade Generalizada (documento nº1 junto com a petição inicial e artigo 74º da contestação).
7)- Posteriormente foram identificadas novas e inventivas características e utilidades da Pregabalina para o tratamento da dor (acordo das partes e documentos nºs 2, 3, 4, 5, 6 e 7 juntos com a PI).
8)- O LYRICA é o medicamento de referência dos medicamentos genéricos das demandadas contendo Pregabalina (documento nº12 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
9)- No que respeita a patologias associadas à dor, o LYRICA está indicado no respectivo RCM, para o tratamento da dor neuropática (documento nº1 junto com a PI).
10)- No Reino Unido, a demandante P… emitiu uma circular informativa com o teor que consta do documento junto com a contestação com a denominação «Doc. Anexo VI-10 (Nota Informativa Pfizer Limited»).
11)- Em 19/11/2014, as demandantes dirigiram à demandada a carta junta à acta de instalação, cujo teor se dá como reproduzido, requerendo a submissão do presente litígio a arbitragem.
12)- Com a data de 13/03/2015, foi emitida pelos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde e pelo Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P. a “Circular Informativa Conjunta” nº 02/INFARMED/SPMS, que consta da página informática do Infarmed, cuja cópia consta do documento junto com a contestação com a denominação «Anexo VI (Circular Informativa FARMED, IP Prescrição pregabalina»). 
13)- A EP0934061, descrita como “Isobutilgaba e seus derivados para o tratamento da dor”, contém 14 reivindicações (documento nº9 junto com a PI).
14)- A reivindicação 1 EP0934061 descreve a utilização da PREGABALINA para o tratamento da dor: “Utilização do ácido (s)-3-(aminometil)-5-metil-hexenóico ou um seu sal farmaceuticamente aceitável para a preparação de uma composição farmacêutica para tratar a dor” (documento nº9 junto com a PI). 
15)- As reivindicações 2 a 16 da EP0934061 especificam alguns tipos de dor incluídos na reivindicação anterior: inflamatória, neuropática, do cancro, pós-operatória, do membro fantasma, de uma queimadura, de gota, osteoartrítica, neuralgia do trigeminal, com aguda herpética e pós-herpética, de causalgia, idiopática e de fibromialgia (documento nº9 junto com a petição inicial).
16)- No momento em que foi apresentada a petição inicial existiam, pelo menos, 26 pedidos de AIM para genéricos de PREGABALINA em apreciação pelo Infarmed, todos formulados por sociedades diferentes, sendo que já foram concedidas 14 autorizações de introdução no mercado (documento nº13 junto com a petição inicial).
17)- Na base farmacêutica da empresa IMS Health, relativa aos valores das vendas do armazenista às farmácias, são indicados como valores das vendas do medicamento LYRICA, em Portugal, os de 20 047 870,00 euros no ano antecedente a 31/08/2010, de 21 373 302,00 euros no ano antecedente a 31/08/2011, de 23 478 522,00 euros no ano antecedente a 31/08/2012, de 24 115 697,00 euros no ano antecedente a 31/08/2013, de 26 310 480,00 euros no ano antecedente a 31/0872014, sendo estes valores inferiores aos valores das vendas do medicamento LYRICA efectuadas pela P… ao armazenista (resposta ao quesito a)). 
18)- Parte das 178 554 936 unidades (em número de cápsulas) vendidas do medicamento LYRICA em Portugal entre 01/09/2009 e 31/08/2014 foram prescritas para o tratamento da dor neuropática (resposta ao quesito b)).
19)- Existem poucas alternativas terapêuticas para o tratamento da dor neuropática e não existem medicamentos próprios para a dor neuropática, havendo medicamentos de outras classes que são usados simultaneamente para a dor neuropática, sendo a Pregabalina o mais utilizado e o que cobre a maior parte das situações de dor neuropática (resposta ao quesito g)).
20)- Para perturbação de ansiedade generalizada são também utilizados fármacos para além da Pregabalina (resposta ao quesito h)).
21)- A Pregabalina é indicada como terapêutica para a epilepsia (resposta ao quesito i)).
22)- A demandada C… introduziu no comércio medicamentos genéricos contendo Pregabalina no dia 01/09/2015 e a demandada V… é a representante em Portugal dos medicamentos genéricos C… (resposta ao quesito p)).
23)- A demandada C…, nos primeiros dias de Setembro de 2015, iniciou a promoção dos seus medicamentos genéricos com Pregabalina e não os promoveu para o tratamento da dor (resposta ao quesito q)).
24)- Os Resumos das Características dos Medicamentos «Pregalina Vitalion» e «Pregabalina Cinfa» não contêm indicação terapêutica dos mesmos para o tratamento de qualquer tipo de dor, mas apenas para o tratamento da epilepsia e da perturbação de ansiedade generalizada (resposta ao quesito r)).
25)- No final de Julho de 2015, a demandante P… enviou uma comunicação às farmácias alertando para os direitos relativos à utilização de pregabalina para o tratamento da dor (discussão da causa).
26)- No mês de Agosto de 2015, verificou-se um aumento de vendas e recuperação das vendas do Lyrica (discussão da causa).

Não provados.
- Ponto c)- Nos últimos anos, as vendas da Lyrica para o tratamento da dor representaram, em Portugal, 72% do total das vendas deste medicamento.
- Ponto d)- Relativamente às utilizações de medicamentos com pregabalina que não se destinava ao tratamento da dor foram comercializados nos últimos anos, em média, 9 868 852 comprimidos.
- Ponto e)- No ano em que foram maiores as vendas de pregabalina não destinada ao tratamento da dor foram vendidos 13 990 071 comprimidos para tais utilizações, correspondentes a 1 293,5 kg de pregabalina.
- Ponto f)- A exploração comercial da pregabalina para o tratamento da dor representa em Portugal um volume de vendas anual de 17 581 055,00 euros.
- Ponto j)- A percentagem de vendas da pregabalina para o tratamento da Perturbação de Ansiedade Generalizada e da epilepsia foi, no último ano, de apenas 1,8% do volume de negócios total gerado com a venda do medicamento Lyrica.
- Ponto k)- Pelo menos 72% das receitas da demandada provenientes da comercialização dos medicamentos genéricos Pregabalina serão devidas ao seu uso para o tratamento da dor.
Ponto l)- Sem relevância, por se referir ao pedido primitivo das demandantes, que foi eliminado na parte a que respeita este ponto.
- Ponto m)- Sem relevância, por se referir ao pedido primitivo das demandantes, que foi eliminado na parte a que respeita este ponto.
- Ponto n)- É expectável uma alteração na tendência de prescrição de Pregabalina para o tratamento da dor neuropática até ao fim do prazo de vigência da EP0934061.
- Ponto o)- É expectável uma alteração nos valores de prescrição de Pregabalina para o tratamento da dor neuropática até ao fim do prazo de vigência da EP0934061.
                                                           
ENQUADRAMENTO JURÍDICO.

I)– Impugnação da matéria de facto.
As apelantes pretendem que seja dada resposta menos restritiva ao ponto controvertido b) e resposta positiva aos pontos controvertidos c), k), n) e o), aos quais foi dada resposta negativa.
É a seguinte a redacção dos referidos pontos controvertidos, das respostas dadas na decisão arbitral e das respostas pretendidas pelas apelantes:
Ponto b)- Foram vendidas 178 554 936 unidades (em número de cápsulas) do medicamento LYRICA em Portugal entre Agosto de 2010 e Agosto de 2014, das quais 129 210 673 foram prescritas para o tratamento da dor neuropática?
Resposta do acórdão arbitral (ponto 18 dos factos provados) – Provado apenas que parte das 178 554 936 unidades (em número de cápsulas) vendidas do medicamento Lyrica em Portugal, entre 01-09-2009 e 31-08-2014, foi prescrita para o tratamento da dor neuropática.
Resposta pretendida pelas apelantes – Foram vendidas 178 554 936 unidades (em número de cápsulas) do medicamento Lyrica em Portugal entre Setembro de 2010 e Agosto de 2014, das quais 129 210 672 foram prescritas para o tratamento da dor neuropática.
Ponto c)- Nos últimos anos, as vendas da Lyrica para o tratamento da dor representaram, em Portugal, 72% do total das vendas deste medicamento?
Resposta do acórdão arbitral – Não provado.
Resposta pretendida pelas apelantes – Provado, ou, subsidiariamente, nos últimos anos a utilização maioritária de Pregabalina, sempre em torno de 70% das suas vendas totais, é destinada ao tratamento da dor.
Relativamente a estes pontos b) e c), a decisão recorrida entendeu ser insuficiente o documento 8 da petição inicial, que, juntamente com os documentos 19 e 20, são quadros que as demandantes apresentaram como tendo sido elaborados pela empresa IMS Health, empresa que se dedica a fazer estudos de mercado na área da saúde e os disponibiliza aos interessados, nomeadamente da indústria farmacêutica, para análise do mercado e da performance dos seus produtos.
Considerou também insuficientes para prova destes pontos os depoimentos das testemunhas PT… e TG…, ambos trabalhadores da P…, que prestaram esclarecimentos sobre estes documentos, bem como os depoimentos das testemunhas PB… e FA…, ambos médicos, que depuseram sobre a sua experiência pessoal na prescrição de medicamentos, nomeadamente daqueles que são compostos por pregabalina.
E, analisada esta prova, não pode deixar de se acompanhar a decisão recorrida.
Os referidos documentos disponibilizam informação sobre as vendas das farmacêuticas aos armazenistas (sell in) e constam, respectivamente, a fls 291 e seguintes (documento 8, com as vendas do Lyrica desde Setembro de 2009 a Agosto de 2014) a fls 998 e 999 (documento 19, com as vendas do Lyrica e de medicamentos genéricos de pregabalina em 2014 e 2015) e a fls 1043 e 1044, que substituiu o de fls 1000 e seguintes (documento 20, com as vendas de 2014 e de 2015 do Lyrica e dos genéricos de pregabalina apenas para o tratamento da dor).
Desde logo não foi demonstrada a autoria destes documentos mediante qualquer ficha técnica ou testemunha da empresa IMS que os confirmasse.
De qualquer forma, aceitando-se o depoimento das testemunhas PT… e TG…, ligados à demandante P…, no sentido de que estes estudos provêm da referida empresa IMS, considerada credível pelos intervenientes no mercado, a verdade é que não ficou clara como é feita a recolha de informação, nomeadamente relativamente à indicação de terapêutica, pois estas duas testemunhas explicaram que a IMS tem protocolos conjuntos com médicos, que autorizam a recolha de informação nos seus sistema de prescrição e assim se chega a percentagens que depois são extrapoladas, mas não sabiam exactamente o número de médicos intervenientes no processo, nem a margem de erro dos estudos.
Aceitando-se também que estes estudos serão credíveis e úteis para a monitorização do mercado, já não se pode considerar que, por si só, constituam prova suficiente sobre a fiabilidade dos cálculos sobre a efectiva venda do medicamento Lyrica para cada uma das terapêuticas para que foi indicado, prova essa que poderia ter sido produzida eficazmente pelas demandantes, com a junção de documentos contabilísticos relativos às vendas que realizaram.
Por seu lado, as testemunhas PB… e FA…, nos seus depoimentos, embora declarando que a pregabalina é um fármaco muito importante para o tratamento da dor neuropática, tiveram dificuldade em quantificar a percentagem da sua prescrição para esta terapêutica, uma vez que as suas especialidades não são psiquiatria nem neurologia.
Deverão assim manter-se as respostas dadas aos pontos b) e c).    

Ponto k)- Pelo menos 72% das receitas da demandada provenientes da comercialização dos medicamentos genéricos Pregabalina serão devidas ao seu uso para o tratamento da dor?
Resposta do acórdão arbitral – Não provado.
Resposta pretendida pelas apelantes – Provado, ou, subsidiariamente, parte das receitas da 2ª recorrida provenientes da comercialização dos medicamentos genéricos Pregabalina serão devidas ao seu uso para o tratamento da dor.

Relativamente ao ponto k), para além de não ter sido feita a prova de qualquer percentagem, não pode deixar de se concluir que também não ficou demonstrado que parte das receitas da demandada resulta da venda do medicamento para o tratamento da dor, cuja prova cabia às apelantes, já que inexiste qualquer presunção legal resultante de inversão de ónus da prova, como aquela que vem prevista no artigo 98º do CPI, relativa ao processo de produto novo, não aplicável ao caso dos autos.

As testemunhas PB… e FA… descreveram situações em que poderá ter havido utilizações de genéricos para o tratamento da dor, por aparecerem na consulta doentes a quem foi receitado o Lyrica e a quem foram dispensados medicamentos genéricos e porque, em casos não muito frequentes, o próprio médico fica sensibilizado com a falta de capacidade económica do doente e prescreve o genérico para o tratamento da dor.

Por sua vez, a testemunha IS…, farmacêutica, descreveu como na sua farmácia as prescrições costumam vir por DCI (designação comum internacional) da substância activa e não por designação comercial e que tem sempre disponível pelo menos três medicamentos com a mesma substância activa que dá a escolher ao cliente, o que faz no âmbito da legislação em vigor.

Destes depoimentos parece resultar que serão dispensados medicamentos genéricos para o tratamento da dor, mas, existindo várias empresas titulares de AIM para genéricos com pregabalina, não se sabe quais os genéricos que foram dispensados nessas condições, ignorando-se se foi o da demandada.

Dos depoimentos da testemunha PT… e da testemunha IS… resulta também que na maioria dos casos as prescrições são emitidas por DCI, onde não consta que as mesmas se destinam ao tratamento da dor, pelo que também não se apurou como é que a empresa IMS obtém a informação, que inclui nos seus estudos, sobre a que terapêutica se destina cada uma das prescrições.  
     
E, relativamente às receitas da demandada C…, o único elemento dos autos que as menciona é o documento 19, igualmente atribuído à IMS, onde consta informação sobre as vendas do seu medicamento genérico em Setembro e Outubro de 2015, tendo sido nesse mês de Setembro que este medicamento foi introduzido no mercado.

Mas o referido documento 19 não disponibiliza a informação sobre as indicações terapêuticas, ignorando-se se foi vendido para tratamento da dor e, por outro lado, releva o que já se expôs sobre a suficiência dos estudos da IMS para a prova, nomeadamente sobre a evolução ou estabilização dos grupos de patologias para as quais é utilizada a pregabalina, não podendo, assim, aceitar-se como fiáveis as estimativas feitas pelas testemunhas PT… e TG…, com base no documento 20, que contém apenas a informação relativa ao tratamento da dor, de que a percentagem de vendas do genérico da demandada para o tratamento da dor fosse na ordem do 30%, a que acresce que, conforme foi confirmado por esta última testemunha, ignora-se qual o número de cápsulas efectivamente vendidas aos doentes para o tratamento da dor, já que a informação fornecida se reporta às vendas ao armazenista (sell in) e não às vendas às farmácias (sell out).

Deverá, portanto, manter-se a resposta de não provado ao ponto c).

Ponto n)- É expectável uma alteração na tendência de prescrição de Pregabalina para o tratamento da dor neuropática até ao fim do prazo de vigência da EP0934061?
Resposta do acórdão arbitral – Não provado.
Resposta pretendida pelas apelantes – Não haverá uma alteração na tendência de prescrição de Pregabalina para o tratamento da dor neuropática até ao fim do prazo de vigência da EP0934061.

Ponto o)- É expectável uma alteração nos valores de prescrição de Pregabalina para o tratamento da dor neuropática até ao fim do prazo de vigência da EP0934061?
Resposta do tribunal arbitral– Não provado.
Resposta pretendida pelas apelantes – Não haverá uma alteração nos valores de prescrição de Pregabalina para o tratamento da dor neuropática até ao fim do prazo de vigência da EP0934061. 

Relativamente aos pontos n) e o), deverá claramente manter-se a resposta de não provado pois se trata de matéria conclusiva.
Improcede, pois, na totalidade, a impugnação da matéria de facto.
                                                           
II)– Pedidos formulados pelas ora recorrentes nas alíneas D), E) e F).
No presente litígio as demandantes invocam e pedem protecção dos seus direitos, decorrentes da patente europeia EP 0934061, perante a actividade das demandadas de exploração de medicamento genérico que tem por referência o medicamento das demandantes e a mesma substância activa, a pregabalina.

Sendo esta substância já conhecida para o tratamento da epilepsia e da ansiedade generalizada (ponto 6 dos factos), veio a ser objecto de um uso novo, para o tratamento da dor, mediante o medicamento Lyrica, protegido pela patente da 1ª demandante que a 2ª demandante se encontra autorizada a comercializar em Portugal (pontos 1, 2, 3, 7 e 9 dos factos), a qual constitui uma patente de uso, de substância já compreendida no estado da técnica, para utilização terapêutica, esta ainda não compreendida no estado da técnica, a que se referem os artigos 54º nº1 b) do CPI (Código da Propriedade Industrial) e 54º nº5 da CPE (convenção da Patente Europeia). 
 
Por seu lado, a demandada V…, que é representante da demandada C… em Portugal, solicitou e obteve, ao abrigo do artigo 14º do DL 176/2006 de 30/8 (Estatuto do Medicamento), concessão do Infarmed de AIMs (autorizações de introdução no mercado) para medicamentos genéricos de pregabalina com referência ao Lyrica, os quais foram introduzidos no mercado em Setembro de 2015 (pontos 4, 5 e 8 dos factos).

Deste modo, as demandantes são beneficiárias da protecção conferida pela referida patente europeia, na medida das respectivas reivindicações, todas respeitantes ao tratamento da dor (pontos 14 e 15 dos factos), nos termos dos artigos 97º e 101º do CPI e 69º da CPE.

De igual modo, as demandadas são titulares de AIMs que lhes facultam o direito de comercializar em Portugal medicamento genérico com referência ao Lyrica, para indicações terapêuticas não incluídas na protecção da patente das demandantes, ou seja para outras que não o tratamento da dor, como a epilepsia ou a ansiedade generalizada, tudo nos termos dos artigos 19º nºs 1 e 8 e 25º nº2 do DL 176/2006.

Com a presente acção arbitral, as demandantes accionaram o procedimento previsto nos artigos 2º e 3º da Lei 62/2011 de 12/12, para defesa do seu direito de propriedade industrial, tendo formulado vários pedidos contra as demandadas, dos quais foram julgados procedentes os pedidos A, B e C, de condenação das demandadas a, até à data da caducidade da patente das demandantes, não fabricarem, oferecerem, armazenarem, introduzirem no mercado português e a não utilizarem, importarem ou estarem na posse dos medicamentos de pregabalina para os quais foram requeridas as AIMs dirigidos ao tratamento da dor ou de qualquer outro medicamento de pregabalina dirigido ao tratamento da dor, bem como a, até à caducidade da mesma patente, não incluírem, no resumo de características e no folheto informativo e rotulagem dos seus medicamentos genéricos de pregabalina, qualquer referência ao tratamento da dor. 

Já os pedidos D, E e F foram julgados improcedentes, decisão com a qual as recorrentes não se conformam.

Nestes pedidos, pretendem as demandantes que a demandada C… seja condenada a reconhecer a existência de uma colisão de direitos e no pagamento de uma compensação a liquidar em execução de sentença, ou, subsidiariamente, no pagamento de uma compensação a título de enriquecimento sem causa no valor correspondente ao lucro obtido com as vendas dos seus medicamentos genéricos de pregabalina para o tratamento da dor, desde o início da sua comercialização e até à caducidade da patente, a liquidar ulteriormente ou ainda, subsidiariamente, no pagamento de uma compensação a título de enriquecimento sem causa, correspondente ao valor devido por um licenciado pela exploração da patente das demandantes, até à caducidade da patente.

As demandantes fundamentam estes pedidos alegando que, mesmo inexistindo actuação ilícita e culposa por parte da demandada, esta aufere rendimentos à custa de vendas do seu medicamento genérico para o tratamento da dor, com violação dos direitos das demandantes, protegidos pela patente.

Sobre esta matéria se pronunciaram recentemente os acórdãos desta RL de 6/07/2017, p. 1503/16 e de 19/09/2017, p. 93/17, ambos em www.dgsi.pt, onde, tendo sido considerado provado em ambos que a demandada titular das AIMs beneficiou com a venda do seu genérico para o tratamento protegido pela patente das demandantes, se decidiu, no p. 1503/16, haver colisão de direitos com condenação no pagamento de compensação a liquidar em execução de sentença e, no p. 93/2017, haver enriquecimento sem causa, com pagamento em quantia a liquidar em execução de sentença.

Em sentido contrário, no acórdão também desta RL, de 8/06/2017, p. 696/17.4 YRLSB, relatado pela ora Mmª 2ª adjunta, em que a demandada titular dos AIMs não havia ainda introduzido o seu medicamento no mercado, considerou-se não ser de aplicar o instituto da colisão de direitos, por os direitos em causa não assegurarem permissões incompatíveis entre si.

As demandantes alegam que o sistema legal relativo à prescrição dos medicamentos e à sua dispensa na farmácia dá lugar a situações em que a demandada irá beneficiar da venda do seu genérico para o tratamento para a dor, mesmo que o seu comportamento não tenha contribuído para este resultado.

Na verdade, por força dos nºs 1 e 2 do artigo 120º do DL 176/2006 de 30/8, a prescrição de medicamentos deve incluir obrigatoriamente a denominação comum internacional da sua substância activa, podendo também ser indicada a denominação comercial.

Impõe também este artigo 120º, no seu nº3, que o médico não pode impedir a substituição de medicamento prescrito sob denominação comercial, a não ser que, ao prescrevê-lo, justifique tecnicamente com uma das seguintes três excepções; (a) prescrição de medicamento com margem ou índice terapêutico estreito, de acordo com informação prestada pelo Infarmed, (b) fundada suspeita, previamente reportada ao Infarmed, de intolerância ou reacção adversa a um medicamento com a mesma substância activa, mas identificado por outra identificação comercial e (c) prescrição de medicamento destinado a assegurar a continuidade de um tratamento com duração estimada superior a 28 dias.

No domínio da dispensa do medicamento na farmácia, rege o artigo 120º-A do mesmo DL 176/2006, nos seus nºs 1 e 2, que os farmacêuticos estão obrigados a informar o doente da existência de outros medicamentos com a mesma substância activa, devendo informá-lo também sobre os que são comparticipados pelo SNS e com o preço mais baixo no mercado e devendo ainda ter disponíveis três medicamentos com a mesma substância activa, de entre os que correspondem aos cinco preços mais baixos dentro do mesmo grupo homogéneo, dando preferência à dispensa do que tiver preço mais baixo, salvo se for outra a opção do doente.

Nos seus nºs 3 e 4, o artigo 120º-A contém os direitos dos doentes, que poderão sempre optar por qualquer um dos medicamentos disponíveis com a mesma substância activa, com excepção dos casos em que a prescrição médica apresente justificação técnica com as alíneas a) e b) do nº3 do artigo 120º.

Estas regras são confirmadas pelo regime sobre as prescrições médicas, previsto na Portaria 137-A/2012 de 11/5, nomeadamente os seus artigos 6º e 14º, a qual entretanto foi revogada e substituída pela Portaria 224/2015 de 27/7, que manteve o mesmo enquadramento legal, a que acrescem as imposições legais relativamente aos preços inferiores dos medicamentos genéricos relativamente aos de referência. 
   
Deste quadro legal, com o objectivo de proteger o doente consumidor, em que a esmagadora maioria das prescrições será referenciada por DCI à substância activa e não à denominação comercial e em que é disponibilizada e facilitada a dispensa dos medicamentos com preço mais baixo, não pode deixar de se concluir que o mesmo proporciona situações de venda de medicamentos genéricos para fins terapêuticos que possam estar protegidos por patente, como é o caso dos medicamentos genéricos de pregabalina para o tratamento da dor, mesmo que as respectivas empresas nada tenham feito para tal suceda.

Contudo, no caso dos autos, havendo vários medicamentos genéricos de pregabalina no mercado para além do medicamento das demandadas (ponto 16 dos factos), não se provou que os medicamentos destas estivessem entre aqueles que podem eventualmente ter sido dispensados nas farmácias para o tratamento da dor, já que não se provou que as demandadas auferiram rendimentos com a venda dos seus medicamentos para o tratamento da dor (resposta negativa ao ponto k), provando-se, em contrapartida, que estes foram introduzidos no mercado sem serem promovidos para a dor e que os respectivos resumos de características não contêm indicação terapêutica para o tratamento da dor (pontos 23 e 24 dos factos).  

Pedem as demandantes que lhes seja atribuída uma compensação a título de colisão de direitos ao abrigo do artigo 335º do CC e, subsidiariamente, a título de enriquecimento, ao abrigo do artigo 473º do CC.

No parecer jurídico que as demandantes apresentaram, defende-se que estes dois institutos são aplicáveis, enquadrando-se a colisão de direitos numa tutela primária ou preventiva dos direitos das demandantes e o enriquecimento sem causa numa tutela secundária ou reactiva, este último no âmbito da figura da ingerência nos direitos absolutos alheios, correspondendo o enriquecimento sem causa ao ganho auferido à custa desses direitos, em que se incluem os direitos de propriedade e os direitos de propriedade industrial e sendo integrado não necessariamente por um comportamento ilícito, mas sim pela intervenção introduzida na exclusividade da utilização do bem, atendendo-se assim ao conteúdo do destino do bem e não à ilicitude da actuação (Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume I, 2013, páginas 394 e seguintes). 

Começando então pelo instituto do enriquecimento sem causa e independentemente da discussão que se poderá suscitar quanto ao requisito de inexistência de causa jurídica, é manifesto que no presente caso não poderá aplicar-se, pois não se provou qualquer enriquecimento das demandadas à custa dos direitos da patente para o tratamento da dor.

Resta saber se, não se tendo provado que as demandadas obtiveram receitas com a venda do seu medicamento para a dor, se poderá aplicar o instituto da colisão de direitos como mecanismo preventivo.

E a resposta terá de ser negativa.

Com efeito, para além da discussão que igualmente se poderá suscitar quanto à natureza dos direitos em causa e sua subsunção ao instituto da colisão de direitos, verifica-se no artigo 101º do CPI, que enuncia os direitos conferidos pela patente, a consagração do princípio da tipicidade, não existindo enquadramento no nosso ordenamento jurídico para uma tutela preventiva fora daquela que é facultada para as violações dos direitos aí delimitados.

A directiva nº2004/48/CE do Parlamento Europeu e Conselho de 29/04/2004, que tem por finalidade a aproximação das legislações para uma melhor protecção dos direitos de propriedade intelectual, foi transposta para a nossa ordem jurídica pela Lei 16/2008 de 1/4, a qual aditou ao CPI os artigos 338º-A a 338º-P, de que se destaca o artigo 338º-L, que associa a protecção dos direitos de propriedade industrial à responsabilidade civil por dolo ou mera culpa, não tendo o legislador adoptado outras medidas de protecção preventiva para situações de inexistência de ilicitude e de culpa.

Conclui-se, portanto, que não são de aplicar ao caso dos autos nenhum dos referidos institutos, improcedendo as alegações das apelantes nesta parte.            
                                                           
III)–Repartição dos encargos do processo.
Alegam também as apelantes que a repartição do encargo das custas viola o disposto no artigo 527º do CPC, devendo ser fixada na proporção de 80% a cargo das recorridas ou, se se mantiver a absolvição dos pedidos D, E e F, na proporção de 50%.

Mantendo-se a improcedência dos referidos pedidos D, E e F, verifica-se que as demandantes não só decaíram nestes três pedidos, mas também no pedido de condenação no pagamento de sanção pecuniária compulsória, apenas tendo obtido vencimento nos três primeiros pedidos que, no fundo se reconduzem à mesma pretensão, sendo certo que, não se tendo provado qualquer violação ou intenção de violar a patente por parte das demandadas, a responsabilidade destas reside apenas na oposição que ofereceram a esta pretensão, razão pela qual se mostra adequada a repartição de encargos fixada na decisão recorrida, que se mantém.  
                                                           
IV)–Valor da causa.
Finalmente, não se conformam também as apelantes com o valor da causa, fixado em 10 000 000,00 euros, apesar de ter sido indicado o valor de 30 000,01 euros, que não mereceu oposição.

O valor da causa representa a utilidade económica do pedido (artigo 296º do CPC), considerando-se o valor de 30 000,01 euros o valor das acções sobre interesses imateriais (artigo 303º nº1), sendo que, pretendendo-se obter qualquer quantia certa é esse o valor da causa, ou a soma das respectivas quantias correspondentes se se cumularem vários pedidos (artigo 297º).

Cumulando-se na presente acção aos pedidos A, B e C, os pedidos D, E e F a liquidar ulteriormente, mas aos quais não foi atribuído valor, mostra-se insuficiente o indicado valor de 30 000,01 euros e adequado o critério aplicado, de corrigir o valor inicialmente aceite, nos termos do artigo 299º nº4 do CC e aferir o valor económico dos pedidos mediante o montante pedido a título de sanção pecuniária compulsória que ascende a cerca de 20 000 000,00 euros entre a data do acórdão arbitral e a data da caducidade da patente, mas que só deverá ser atendido na proporção de metade, tendo em atenção a outra metade se destina ao Estado, por força do artigo 829º-A do CC (cfr neste sentido acs RL 26/06/2014, p. 78/13, 2/12/2014, p. 1158/13 e 6/07/2017, p. 1503/16, todos em www.dgsi.pt).

Improcedem, pois, também nesta parte, as alegações das apelantes.
                                                          
DECISÃO.
Pelo exposto se decide julgar improcedente a apelação e confirmar o acórdão recorrido.
                                                         
Custas pelas apelantes.


                                                                    
Lisboa, 2017-12-14


                                                                 
Maria Teresa Pardal
Carlos Marinho
Anabela Calafate

                                   
Decisão Texto Integral: