Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2837/18.5T8OER.L3-2
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: ANULAÇÃO DE SENTENÇA
PODERES DA RELAÇÃO
TEMAS DA PROVA
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/01/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Discordando da sentença proferida pelo tribunal de 1º instância quanto aos factos que declarou provados e não provados e da fundamentação dessa decisão, na sequência da anulação declarada por acórdão do Tribunal da Relação, não podem os apelantes deixar de dar cumprimento ao disposto no n.º 1, do art.º 640.º, do C. P. Civil, em ordem a habilitar o Tribunal da Relação a exercer o poder/dever de alteração da decisão de 1ª instância em matéria de facto, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 662.º, do C. P. Civil, uma vez que a invocação de incumprimento do acórdão anulatório não tem o condão de substituir o instituto processual da impugnação da decisão da 1ª instância em matéria de facto e de desonerar os apelantes do ónus que tal instituto lhes impõe.
2. Um acórdão do Tribunal da Relação proferido em recurso de apelação não pode ordenar nem sugerir ao tribunal de 1ª instância que declare provado ou não provado determinado facto, porque a hierarquia entre os tribunais se encontra estabelecida em termos de patamar de decisão e não de ordem para proferir decisão pré-estabelecida pela 2ª instância, podendo esta no exercício dessa hierarquia, revogar as decisões da 1ª instância no âmbito do conhecimento do objeto de recurso interposto e admitido, quer sobre a matéria de facto, quer sobre a matéria de direito, nos termos processualmente consagrados, mas essas decisões são proferidas pela 1ª instância em jurisdição plena.
3. A inação do 2º A/apelante relativamente ao regime legal aplicável ao licenciamento dos autos é invocada pelo tribunal a quo, nos termos do disposto no art.º 494.º, do C. Civil, ex vi, do n.º 4, do art.º 496.º, do C. Civil, e foi extraída pelo tribunal da matéria de facto provada sob os números 7 a 9, 13 a 16, e 19 a 22, em aplicação do instituto das presunções judiciais, consagrado nos art.ºs 349.º e 351.º, do C. Civil.
4. O 2º A/apelante, como cidadão de pleno direito que empreendeu a atividade que se se encontra provada nos autos, a começar pelo “Plano de Negócios” a que se reporta o n.º 1 da matéria de facto provada da sentença, tinha o dever de se informar sobre o quadro legal aplicável a esse empreendimento e teve tempo para o fazer e não o tendo feito, o tribunal a quo relevou essa inação no âmbito do juízo de equidade a que se reportam o n.º 4, do art.º 496.º e o art.º 494.º, do C. Civil, como podia e devia fazer, pelo que tal não constitui erro de julgamento.
5, A parte que, depois de articular determinado facto e requerer a junção de documento em ordem a fazer prova dele, impugna em apelação a sentença que o declarou provado, com invocação do disposto no n.º 1, do art.º 421.º, do C. P. Civil, relativo ao valor extraprocessual das provas, incorre na proibição habitualmente qualificada sob o brocardo latino de venire contra factum proprium, sendo o seu ato suscetível de subsunção ao instituto processual da má-fé, consagrado no art.º 542.º, do C. P. Civil.
6. Os temas da prova a que se reporta a parte final do n.º 1, do art.º 596.º, do C. P. Civil, não se confundem com os factos pertinentes para decisão da causa que devem integrar esses temas e são estes e não aqueles que podem ser objeto de impugnação da decisão em matéria de facto, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 640.º, do C. P. Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO.
ET – Bar e Bilhar, Lda e PMC propuseram contra PMM e ACD esta ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a sua condenação a entregar-lhes indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, com fundamento, em síntese, no incumprimento de um contrato de prestação de serviço de arquitetura entre eles celebrado, de que lhes advieram prejuízos de natureza patrimonial e não patrimonial.
Citados, contestaram os RR por exceção e impugnação, deduzindo as exceções da ilegitimidade da R e do caso julgado, tendo a A sido condenada, relativamente ao mesmo contrato invocado na petição, no pagamento do remanescente do preço por resolução ilícita, pedindo a procedência das exceções e a improcedência da ação e absolvição do pedido.
O tribunal julgou procedente a exceção da ilegitimidade da 2ª R, absolvendo-a da instância e julgou procedente a exceção do caso julgado, absolvendo o 1º R da instância, tendo essa decisão sido revogada por acórdão deste Tribunal da Relação, que julgou improcedentes as exceções e ordenou o prosseguimento da ação.
Deste acórdão foi interposto recurso de revista, que não foi admitido pelo STJ.
Realizada audiência de julgamento foi proferida sentença, julgando a ação parcialmente procedente, absolvendo a 2ª R do pedido e condenando o 1º R a pagar ao A a quantia de dois mil euros.
Interposto recurso de apelação, este Tribunal da Relação anulou a sentença para ampliação da matéria de facto, no mais declarando prejudicado o conhecimento da apelação.
Realizada audiência de julgamento, de novo foi proferida sentença, julgando a ação parcialmente procedente, absolvendo a 2ª R do pedido e condenando o 1.º R a pagar ao A a quantia de dois mil euros.
Inconformados com essa decisão, os AA dela interpuseram recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação e a substituída por outra que jugue procedente o pedido ou, caso assim se não entenda, a sua anulação, para que seja fundamentada de facto e de direito, com ampliação da matéria de facto, suprimindo-se as deficiências da decisão de facto e as contradições da respetiva motivação, não abrangendo a anulação os ponto da matéria de facto provada e não provada, formulando para o efeito as seguintes conclusões:
1. O presente Recurso é interposto da decisão a quo de fls. …, proferida em 13 de janeiro de 2023 que absolveu a 2’ Ré dos pedidos e condenou o 1º Réu a pagar ao 2º Autor a quantia de dois mil euros.
2. O presente recurso é ainda interposto por razão da verificação de diversas nulidades, de grave erro de decisão e de julgamento a quo, de violação de caso julgado formal e de violação do dever de obediência às decisões do Tribunais superiores.
3. Encontrando-se a decisão de que ora se recorre ferida de nulidade, absoluta, incontornável e insuprível, de grave erro de julgamento das instâncias, por razão da violação do art.º 615º, nº 1, al. b), c) 1ª e 2ª parte, e al. d) 1ª parte do CPC.
4. Por sentença proferida em 21 de abril de 2022, (ref.ª Citius 136056874) o Tribunal a quo decidiu absolver a 2’ R. dos pedidos e condenar o 1º R. a pagar ao 2º A. a quantia de dois mil euros.
5. Da decisão interpuserem os ora recorrentes, em 07 de junho de 2022, o correspondente recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo alegado, em suma, que a sentença do tribunal a quo padecia de diversos vícios e se encontrava ferida de nulidade, absoluta, incontornável e insuprível, e de grave erro de julgamento das instâncias, por razão da violação do art.º 615º, nº 1, al. b), c) 1ª e 2ª parte, e al. d) 1ª parte do CPC,
6. Pugnando os autores-recorrentes pela revogação, na sua totalidade, da sentença recorrida, e pela sua substituição por outra decisão que decidisse pela procedência total do pedido e consequente condenação dos réus-recorridos no pagamento de todos os danos patrimoniais causados e, condenados ainda no pagamento ao autor-recorrente da quantia não inferior a €10.000,00 (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais.
7. Em 13 de outubro de 2022 (ref.ª Citius 18895782) foi proferido o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, tendo o Venerando Juiz Desembargador Relator redigido o seguinte sumário, o qual se transcreve na íntegra para melhor compreensão:
“I –É deficiente a decisão proferida pela 1.ª instância quando o acervo de factos dados como provados e como não provados não corresponda a tudo o que, de forma relevante, foi previamente alegado pelas partes e objecto de prova e de discussão em audiência final.
II – Justifica-se a anulação oficiosa da sentença (art.º 662.º, n.º 2, al. c), do CPC) nos casos em essa deficiência atinge um grau elevado, como naqueles em que a decisão sobre a matéria de facto omite a especificação de factos essenciais ou que sejam complemento ou concretização de factos essenciais que as partes hajam oportunamente alegado e tenham resultado da instrução da causa, atinentes aos danos patrimoniais e não patrimoniais invocados como fundamento da pretensão indemnizatória por si deduzida.
III – Face a uma total ausência de apreciação crítica da prova produzida relativamente a essa questão, deve o Tribunal da Relação anular oficiosamente a decisão da 1.ª instância, por de outro modo ficar a parte que dela pretenda recorrer impossibilitada de cumprir o ónus de impugnação imposto para o efeito pelo art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC, e ficar o próprio Tribunal de Recurso impedido de exercer o seu poder de sindicância (art.º 662.º, n.º 2, al. d), do CPC).
8. Tendo os Venerandos Juízes da 6.’ Sessão do Tribunal da Relação de Lisboa acordado e decidido, a final, e por unanimidade em “Anular a sentença recorrida, por forma a que seja fundamentada de facto e de direito, com ampliação da matéria de facto, suprimindo-se as deficiências da decisão de facto e as contradições da respectiva motivação, nos termos apontados, conforme imposto pelo art.º 607.º, n.º 3, n.º 4 e n.º 5 do CPC (não abrangendo a anulação os pontos da matéria de facto provada e não provada); e “Declarar prejudicado o conhecimento do objecto do recurso de apelação interposto da sentença final.”
9. Na sequência do Acórdão deste Tribunal da Relação proferiu o Tribunal inferior nova sentença em 13 de janeiro de 2023 (ref.ª Citius 141115757), a qual, pasme-se, mais não é do que um mero copy/paste quando confrontada com a decisão proferida em 21 de abril de 2022, decidindo manter exatamente nos mesmo termos a decisão proferida anteriormente.
10. Isto é, absolver – com os mesmos fundamentos, ou melhor, com os mesmos parcos, ambíguos e contraditórios fundamentos – a 2ª R. dos pedidos e condenar o 1.º R. ao pagamento ao 2º A. da quantia de €2.000,00 (dois mil euros).
11. A decisão de que agora se recorre, não só continua a enfermar dos mesmos vícios, como adiciona, agora, a esse rol, uma nova violação de caso julgado formal e a violação da obediência devida à decisão deste Tribunal Superior!
12. Os tribunais inferiores têm o dever de acatamento das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores, é o que decorre do estipulado no art.º 152.º n.º 1, do CPC e que se encontra igualmente consagrado no n.º 1 do art.º 4.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, que aprovou a Lei da Organização do Sistema Judiciário.
13. O não acatamento pelos Tribunais inferiores das decisões dos Tribunais superiores quando proferidas em via de recurso e estejam transitadas em julgado, constitui nulidade insuprível. É o que resulta da lei e também da jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, Vd. Acórdão da Relação de Lisboa e da Relação do Porto, que perfilham igualmente entendimento.
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/f46822661 07d6f0b802585ff0047ec6d?OpenDocument
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/-/FBCA95CCABBA4928802571B1004A07F3
14. No que toca à manutenção, pelo tribunal inferior, da decisão de absolvição da 2ª R. dos pedidos, importa, desde logo, salientar que, já no recurso interposto da primeira sentença, os ora recorrentes alegaram que o tribunal a quo deu como provado que no dia 08/09/2015 o 1º recorrido enviou ao recorrente a “proposta para execução de Projeto de Interiores e Licenciamento 0”.
15. E deu igualmente por provado que a 2ª R. “(…) emitiu, em nome da 1’ A. a “fatura-recibo” (‘25% adjudicação’) junta a fls 128 – no valor de 5.686,87€. (…)” e que “(…) emitiu, em nome da 1ª A. as “fatura-recibo” (2ª e 3ª tranches) juntas a fls 127 e 127v – nos valores de 5.686,87€ e 5.686,87€. (…)” – (Cfr. pontos 12 e 14 dos Factos dados como provados na sentença proferida em 21/04/2022)
16. Ora, analisado o teor da referida proposta junta a fls. 79 – cujo teor o tribunal a quo deu integralmente por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos – resulta que a mesma é da responsabilidade dos arquitetos PMM e ACD, respetivamente 1º e 2º Réus e ora recorridos, ou seja, encontra-se subscrita por ambos os RR.
17. Sentido, aliás perfilhado pelo Acórdão do Tribunal da Relação proferido em 5 de março de 2020, quando chamado a apreciar sobre a exceção dilatória da ilegitimidade invocada pela 2ª Ré e que a seguir se transcreve:
“(…) os Autores alicerçam os seus pedidos indemnizatórios, por danos patrimoniais e não patrimoniais, em responsabilidade por culpa na formação de um contrato de prestação de serviços para “execução de Projeto de Interiores e Licenciamento 0”, de que a 2ª Ré também é subscritora [cfr. Doc. junto a fls. 79 e 79 verso e 110 e 110 verso] (…)” _ (Cfr. Douto Acórdão do Tribunal da Relação, 6ª Secção, proferido  em 5 de março de 2020 e transitado em julgado, e que aqui se dá integralmente por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos)
18. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo não só decidiu em sentido contrário aos factos que ele próprio deu como provados, como, e em boa verdade, violou caso julgado formal ao decidir absolver a 2ª Ré, tal como resulta do disposto no art.º 620.º, do CPC.
19. Impunha-se, pois, ao tribunal a quo pronunciar-se sobre o mérito da causa e apreciar a questão do comportamento da 2ª Ré, e se dos factos dados como provados resultava que a Ré tinha ou não violado os seus deveres deontológicos profissionais, e em caso afirmativo, determinar os danos que culposamente tinha causado aos Recorrentes.
20. Posição, aliás, subscrita e perfilhada pelos Venerandos Juízes Desembargadores deste Tribunal superior que, no seguimento do anterior recurso interposto pelos recorrentes, determinaram anular a sentença proferida pela 1.ª instância e ordenaram ao tribunal da 1ª instância que procedesse à ampliação da matéria de facto “por forma a que seja colmatada a sua actual falta de fundamentação de facto (que, em sentido amplo, inclui quer a falta de discriminação dos factos provados e não provados, quer a falta de qualquer apreciação crítica da prova relativamente à culpa da 2.ª Ré)” – (Cfr. Douto Acórdão do Tribunal da Relação, 6ª Secção, proferido em 13 de outubro de 2022 e transitado em julgado, e que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.)
21. Entenderam unanimemente os Venerandos Juízes Desembargadores neste douto Acórdão do Tribunal da Relação que “(…) Com efeito, verifica-se que na decisão da matéria de facto não se analisaram criticamente o depoimento prestado pelo 1.º Réu e o doc. de fls. 79 e 79v relativo ao facto relevante de a 2.ª Ré ter subscrito, conjuntamente com o 1.º Réu, a proposta de honorários para a prestação de serviços de arquitetura apresentada ao 2.º Autor e por este aceite, os quais consistiam na “Execução de Projecto de Interiores e Licenciamento 0”.  Esta factualidade, bem como os factos provados sob os pontos 12 e 14 afiguram-se relevantes para a apreciação da culpa da 2.ª Ré. (…)”
22. Baixado o processo à 1’ instância para que se desse cumprimento à douta decisão do Tribunal da Relação, numa atitude absolutamente desrespeitadora da obediência devida para com a decisão deste Tribunal Superior, o Meritíssimo Juiz a quo, ignorou e continuou sem relevar o depoimento do 1º R., não fazendo qualquer alusão ao mesmo, persistindo em ignorar e não se pronunciar, sobre o facto de no depoimento prestado pelo 1º R., este afirmar que a 2ª Ré subscreveu a proposta de prestação de serviços de arquitetura, violando o disposto no art.º 466.º do CPC.
23. Numa tentativa de criar a ilusão de que estava a cumprir com o que lhe fora ordenado pelo Tribunal Superior, na sua nova sentença o Tribunal a quo acrescenta o ponto 30 e dá como não provado que a 2ª R. tenha subscrito a proposta junta a fls 79. – (Cfr. sentença proferida em 13 de janeiro de 2023 e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos) para manter a conclusão anterior, a de que “a 2ª R. não negociou com os AA. (pontos 5 e 30), e, por tanto, não violou qualquer regra de boa fé – devendo ser absolvida dos pedidos indemnizatórios.”
24. Acrescentando, sem qualquer fundamento que “Desconhece-se o motivo da emissão dos recibos pela 2ª R. (pontos 12 e 14) – concluindo-se que terão que ser documentos falsos (se a R. não contratou, não podia declarar ter recebido).”, sendo que nem nunca a 2ª R. negou ter recebido os pagamentos na conta bancária de que é titular, nem nunca alegou a falsidade dos documentos de natureza fiscal, revestindo-se de particular gravidade as  considerações e conclusões tiradas por este tribunal de 1ª instância.
25. Posto isto, forçoso é concluir que o tribunal inferior insiste em lavrar nos mesmo vícios e, ao invés de suprir as deficiências da decisão de facto e as contradições da respetiva motivação, conforme lhe foi ordenado por este Tribunal Superior, mais do que persistir nos mesmos erros de julgamento, conseguiu o feito de violar por duas vezes caso julgado formal – concretamente o Ac. deste Tribunal da Relação proferido em 5/03/2020 e o Ac. também deste Tribunal da Relação proferido em 13/01/2023, os quais decidiram pela subscrição pela 2ª Ré do documento junto a fls. 79 e 79v – e de violar o dever de obediência à decisão deste Tribunal Superior, ao ignorar e desconsiderar a valoração e a análise crítica da prova documental e testemunhal produzida.
26. Instado o Juiz a quo a “anular a sentença recorrida, por forma a que seja fundamentada de facto e de direito, com ampliação da matéria de facto, suprimindo-se as deficiências da decisão de facto e as contradições da respectiva motivação, nos termos apontados, conforme imposto pelo art.º 607.º, n.º 3, n.º 4 e n.º 5 do CPC (não abrangendo a anulação os pontos da matéria de facto provada e não provada); - (Cfr. Ac. da Relação de Lisboa de 13/01/2023, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos),
27. Importa – antes de nos debruçarmos sobre a forma como foi desconsiderada a decisão deste douto Tribunal Superior, e omitida e desvirtuada a materialidade dos factos alegados no Articulado Superveniente (Cfr. Ata de Discussão e Julgamento Ref.ª Citius 133136276) -, salientar que, já no recurso interposto da primeira sentença, os ora recorrentes alegaram admissão, não só do Articulado Superveniente, mas igualmente dos documentos oferecidos com o mesmo, salientando que, de forma manifesta, os factos articulados importam, todos eles, à boa decisão da causa e constituem tema da prova.
28. É que se à data da interposição da ação o recorrente estava convicto que com a constituição da associação tinha logrado ultrapassar as exigências legais respeitantes ao licenciamento para a actividade de restauração, por julgar que as associações estavam dispensadas do cumprimento de tais exigências dado o seu carácter e natureza associativa, e de ter sido exatamente com base neste pressuposto que a recorrente requereu a condenação dos réus no pagamento de todos os custos com vista ao licenciamento do imóvel,
29. A decisão transitada em julgado, pelo mesmo tribunal judicial da comarca de ... veio decidir que o piso -1 só podia ser afeto a arrumos e não se podia dar outro destino, o que determinou o encerramento do estabelecimento existente na loja adquirida pela Recorrente, pois sem poder afetar o uso do piso -1 à atividade lúdica dos seus associados, não podia manter a atividade de restauração no piso 0, pois que esta está apenas dispensada dos requisitos de licenciamento prévio se for considerada zona de apoio aos associados.
30. Consequentemente os danos patrimoniais causados pelos Réus consistiam, não no apuramento dos custos de licenciamento, mas nos danos patrimoniais correspondentes a todos os custos que os recorrentes incorreram e quantificaram, quer ainda daqueles que viessem a ser determinados em execução de sentença.
31. A este propósito, pronunciaram-se os Venerandos Juízes deste Tribunal da Relação no douto Acórdão de 13 de janeiro de 2023, da seguinte forma:
32. “Verifica-se, ainda, que a 1.ª Instância não valorou nem analisou criticamente a prova documental e testemunhal produzida relativamente aos danos patrimoniais discriminados na petição inicial (artigos 161.º a 180.º) e actualizados no articulado superveniente  apresentado no início da audiência de julgamento, cujos factos alegados – uns e outros – constituem tema da prova e se afiguram relevantes para a boa decisão da causa (…)devendo, por isso, ser objecto de decisão em termos de matéria de facto.
33. “Certo é que o Senhor Juiz a quo, (…) omitindo qualquer referência aos docs.  60 a 63 e aos factos alegados no Articulado Superveniente que os mesmos visam demonstrar, sendo que tal materialidade, pela sua eventual relevância para a boa decisão da causa, constitui tema de prova (artigo 588.º, n.º 6 e 596.º do CPC).
34. Acrescentando, o douto Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa que, “o que releva apurar é o dano que resultou para os Recorrentes, do facto de ter sido contraído empréstimo para a abertura e exploração de um estabelecimento de restauração e bebidas com salão de snooker – e se esse projecto de negócio se desmoronou, qual castelo de cartas, em virtude do imóvel adquirido pela Recorrente, não poder prosseguir a atividade para a qual tinha sido financiada – (Vd. ponto 3. Dos factos Provados); se a aquisição desse imóvel foi determinada pela convicção criada e pelas informações prestadas por ambos os Recorridos, - nexo de causalidade entre o facto e o dano – se, no final, a Recorrida – 1.ª Autora vendeu o imóvel em razão dessa impossibilidade de prossecução da actividade pretendida; e bem assim quais os custos em que os Recorrentes incorreram com os serviços de contabilidade da associação e bem assim com a aquisição de equipamentos determinada pelo comportamento dos Réus.
Assim como devem ser apurados e discriminados em sede de decisão de facto os prejuízos alegados nos artigos 161.º e segs. da Petição Inicial, a que se deve seguir pronúncia sobre a existência ou não de nexo de causalidade entre o facto culposo e os danos que venham a ser apurados e dados como provados.”
35. Veja-se então como decidiu a 1.ª Instância quanto à apontada falta de valoração e análise crítica da prova documental e testemunhal produzida relativamente aos danos patrimoniais discriminados na petição inicial: Alega o Tribunal a quo que “Os documentos 60 e 61 (juntos com o articulado superveniente) não foram considerados por se referirem a despesas de quem não é Parte nestes autos (‘... – Associação’) – sendo os docs 62 e 63 (análise de mercado) irrelevantes, uma vez que a fracção foi efectivamente vendida.”
36. E quanto à análise crítica dos factos constantes dos artigos 161º a 180º - laconicamente e sem qualquer sustentação com o vertido nos mesmos responde: “os artigos 161º, 162º, 164º, 165º, 169º, 170º, 171º são conclusivos; os artigos 167º e 168º, e 178º a 180º são de Direito; a matéria dos artigos 163º e 166º (2ª parte) refere-se a despesas de quem não é Parte na causa; a matéria do artigo 172º está provada nos pontos 8 e 10; a matéria dos artigos 173º a 176º é especulativa – e nunca se poderia relegar para liquidação danos de uma entidade que não é Parte na causa (artigo 177º).”
37. Ou seja, o tribunal a quo, insiste e persiste em ignorar a valoração e análise crítica dos factos que ele próprio deu como provados,
38. E consequentemente que os danos patrimoniais causados pelos Réus, consistiam não no apuramento dos custos de licenciamento, mas nos danos patrimoniais correspondentes a todos os custos que os recorrentes incorreram e quantificaram, quer ainda daqueles que viessem a ser determinados em execução de sentença, sendo certo que nesses danos, e tal como peticionado, se incluíam os custos em que o A. incorreu com a constituição e manutenção da Associação, entre os quais se incluem, os custos com a contabilidade e os custos na aquisição de todo o equipamento à A. constantes dos docs. 60 e 61, admitidos e não impugnados, o mesmo sucedendo com os docs. 62 e 63 que atestam a diferença do valor comercial do imóvel que a A. tinha a venda e o valor pelo qual poderia ter sido vendido, se tivesse licença de restauração, pelo que o tribunal a quo não podia ter deixado de relevar estes documentos.
39. Mas, ao invés de relegar para execução de sentença o apuramento dos prejuízos sofridos pela A., o Tribunal a quo mantém ipsis verbis a decisão que tinha proferido anteriormente por sentença datada de 21 de abril de 2022, ou seja, a de que “Não se pode concluir pela existência de um dano patrimonial (na venda), pois não se sabe por que montante terá sido “vendida” a fração (o que terá sucedido em XI-21, segundo SM)”.
40. Ora, se para concluir pela existência ou não de dano patrimonial, no entender do Tribunal a quo, era decisivo ter conhecimento do valor de venda do imóvel, então, poderia e deveria, por sua iniciativa ter notificado a A. para juntar cópia da escritura de compra e venda e não, ao invés, concluir – por não estar na posse da informação que não lhe interessou ter, apesar de entender a mesma crucial – pela negação da existência de dano!
41. Parecendo apreciar a matéria constante dos artigos que este Tribunal superior o mandou apreciar, na realidade, o que o tribunal a quo optou foi por descontextualizar o peticionado, desconsiderando em absoluto a decisão deste Tribunal.
42. E, não alterando nem acrescentando mais uma vírgula sequer, em relação à decisão proferida por sentença de 21 de abril de 2022, o alegado no douto Acórdão deste Tribunal da Relação aplica-se mutatis mutandis à decisão proferida por sentença em 13 de janeiro de 2023.
43. Ou seja, “quanto a esta questão dos danos patrimoniais e não patrimoniais a sentença, para além se revelar deficiente por falta de especificação de fundamentos de facto (isto é, da falta de discriminação dos factos provados e não provados, a que se juntou ainda a completa omissão de qualquer apreciação crítica da prova produzida que houvesse permitido o apuramento de tais danos), enferma de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.’, n.’ 1, alíneas c) e d), do CPC, por contradição entre os fundamentos e a decisão por omissão de pronúncia. – (sublinhado nosso)
44. Concluindo, impõe-se anular oficiosamente a sentença proferida pelo Tribunal a quo, para que ele, face nomeadamente à prova produzida em audiência de julgamento, a fundamente de facto nos aspectos omissos, nos termos apontados (conforme imposto pelo art.º 607.º, n.ºs 3, 4 e 5 do CPC), já que cabe a este Tribunal da Relação sindicar esse juízo de facto que realize, e não substituir-se-lhe no mesmo (produzindo-o de forma inédita e integral). – (sublinhado nosso)
45. Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela anulação da sentença proferida pela 1.ª instância e ampliação da matéria de facto, se necessário com reabertura da audiência de julgamento (artigo 662.º, n.º 2, alíneas c) e d) e n.º 3, alíneas a) e c), do CPC), por forma a que seja colmatada a sua actual falta de fundamentação de facto (que, em sentido amplo, inclui quer a falta de discriminação dos factos provados e não provados, quer a falta de qualquer apreciação crítica da prova relativamente à culpa da 2.ª Ré, aos danos sofridos pelos Autores e à existência ou não de nexo de causalidade entre o facto culposo e os danos). – (sublinhado nosso) – sendo que “a anulação, para melhor fundamentação de facto e de direito e ampliação da matéria de facto nos termos assinalados não abrange os pontos da matéria de facto dados como provados e não provados. (…)”
SEM CONCEDER,
46. Entre os factos dados como provados, assumem particular destaque para a boa decisão da causa os factos constantes dos pontos 4, 5, 8, 9, 18 e 19.
47. A decisão do tribunal a quo que culminou com a absolvição da 2ª Ré dos pedidos – questão que os recorrentes se debruçarão mais à frente no presente requerimento, conforme acima referido -, e com a condenação do 1ª Ré a pagar ao 2º Autor a quantia de €2.000,00, está em clara oposição com a fundamentação e em desconformidade com os factos provados, e como tal enferma de nulidade insanável, conforme resulta do disposto na c) do n.º 1 do art.º 615.º, do CPC, e consequentemente impunha decisão  diversa.
48. Mas padece também de omissão de pronúncia, de falta de fundamentação e de violação de caso julgado formal, vícios também eles geradores de nulidades absolutas e insanáveis.
49. Ora, “A primeira questão a decidir” – segundo o tribunal a quo – “é a de saber se houve culpa (por violação da boa-fé e deveres deontológicos profissionais) na formação do “contrato de prestação de serviços de arquitectura e licenciamento de estabelecimento” (conforme declarou o Tribunal da Relação de Lisboa) (…)”.
50. E sobre esta matéria, o tribunal a quo, aos costumes disse nada!
51. Ou seja, se a premissa para apurar se os Réus atuaram com culpa – ou não – na formação do contrato de prestação de serviços de arquitetura é a de apurar se violaram ou não as regras da boa-fé e os deveres deontológicos profissionais, e se quanto a esta matéria o tribunal a quo, pura e simplesmente, não conhece desta questão, enferma, consequentemente, de nulidade a sentença de que se recorre por omissão de pronúncia (Cfr.  615º, nº 1, al. d), 1ª parte, do CPC)
52. Tivesse o tribunal a quo conhecido desta matéria e forçosamente teria de ter concluído pela violação grosseira da boa-fé e dos deveres deontológicos e profissionais, concretamente da violação do art.º 3.º al. b) e do nº 2 do art.º 8.º do Regulamento de Deontologia da Ordem dos Arquitetos.
53. E citando o Venerando Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, António Santos Abrantes Geraldes in “Sentença Cível”, “(…) Importa ainda evidenciar a necessidade de se afastar a contradição entre os fundamentos e a decisão ou situações de ambiguidade ou de obscuridade que determinem a nulidade da sentença, nos termos do art.º 615º, nº 1, al. c). (…)” acrescentando, que o dever do juiz, quanto às questões jurídicas, é o “(…) de identificar, interpretar e aplicar as normas jurídicas que se ajustem ao caso concreto. (…)” e que a “(…) a sentença, na parte da motivação jurídica, deve exercer a função de convencer as partes quanto ao trajeto percorrido (…)”.
54. Pois que dos factos dados como provados impunha-se apreciar as normas jurídicas aplicáveis ao caso concreto, as quais apontam, sem qualquer margem para dúvidas, no sentido da culpa na formação da vontade imputável aos Réus, por violação dos seus deveres deontológicos e profissionais e que determinaram que, em erro, a 1ª Autora, adquirisse o imóvel convicta que estava de poder exercer no mesmo a atividade de restauração e bebidas com salão de pool, sem necessidade de submeter previamente qualquer pedido de licenciamento e sem ter de obedecer às restrições legais quanto à altura mínima do pé direito, o que lhe causou danos patrimoniais – quantificados na p.i. e quantificados já em sede de audiência de discussão e julgamento através dos documentos n.ºs 60, 61e 63, admitidos e não impugnados, e ainda os a apurar em sede de execução da sentença – e danos não patrimoniais ao recorrente.
55. De uma leitura menos atenta até parece que o tribunal a quo interpretou e identificou corretamente a norma aplicável ao caso concreto, a constante do n.º 1 do artigo 227º do Código Civil.
56. Porém, da continuação da leitura da sentença, e, repita-se, apesar de ter identificado e interpretado corretamente a norma, e ao arrepio das mais elementares regras de direito, deixa de aplicar a norma ao caso concreto, quando dos factos dados como provados e da sua fundamentação de direito, seria forçoso concluir que os Réus violaram o disposto no n.º 1 do art.º  227.º, do Código Civil e nessa medida deveriam responder por todos os danos que causaram aos recorrentes,
57. Para vir de alguma forma justificar e tentar desculpabilizar o comportamento do 1º Réu, - quando o próprio tribunal a quo, em nenhum momento da sentença alegou ou invocou qualquer situação passível de afastar a culpa dos Réus – aventando a possibilidade de este ter sido induzido em erro na Câmara Municipal de ..., antes punindo e culpabilizando o Recorrente, - que toda vida foi empregado bancário e que pagou para o efeito a dois profissionais para fazerem o seu trabalho -, por não ter verificado as normas legais aplicáveis, pasme-se que foram enviadas pelo próprio Réu, para vir, deste modo, concluir que a não verificação das normas legais pelo Recorrente “(…) traduz-se num “facto culposo do lesado” (CC 570º/1) que concorreu para a produção do dano patrimonial: a impossibilidade de exercício da actividade. (…)”.
58. Sucede que “(…) a aplicação do disposto no artigo 570.º, do CC reclama que o facto do lesado seja também causa do dano, o que significa haver necessidade de se estabelecer o nexo causal, em termos de causalidade adequada, mas também que o procedimento do lesado seja “culposo” no entendimento expresso de que por procedimento culposo do lesado se quis significar um comportamento “censurável” ou “reprovável”. – (Vd. Acórdão do STJ, de 15 de junho de 1989, in
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c7c1649baea2850 ”802568f”003a2f98?OpenDocument)
59. Ora e apesar de já exaustivamente alegado, nem dos factos provados, nem da fundamentação decorre que, de alguma forma, o Recorrente tenha concorrido para a produção dos danos que sofreu, e que da não verificação das normas aplicáveis – enviadas pelo 1º Réu, que afinal não as desconhecia – possa ser entendido e interpretado como facto culposo do Recorrente, e muito menos ser entendido e interpretado como passível de censura ou reprovação, pelo que incorreu a sentença a quo em erro de julgamento, que afeta e vicia definitivamente a decisão proferida.
60. Pelo contrário, dos factos provados e da, ainda que parca, fundamentação que esta segunda sentença teima em manter– “(…) Não há dúvida que a 1ª A. “adquiriu a loja nº 6 com a convicção que podia exercer a sua actividade e a podia exercer nos dois pisos” (artigo 172º da p.i.), e que essa convicção se fundou nas declarações orais do 1º R. (…)” – resulta, de forma absolutamente clara e indiscutível, que existe uma desconformidade entre a fundamentação e a decisão, pois que se impunha que o tribunal a quo tivesse pugnado pela condenação dos Réus, respondendo estes por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais causados, pelo que se reitera que  também nesta matéria a douta sentença se encontra ferida de nulidade  absoluta e insanável, conforme resulta do disposto no art.º 615., nº 1, al.  c), do CPC.
61. No início da audiência de discussão e julgamento, que teve lugar no dia 08/10/2021, os Autores e ora recorrentes, ao abrigo das disposições conjugadas do art.º 423 n.º 3 do CPC conjugado com o art.º 588.º n.º 1, 2 e 3 al. c) do CPC, apresentaram oralmente Articulado Superveniente, o qual consta da respetiva Ata de Discussão e Julgamento.
62. Determina o nº 6, do art.º 588.º, do CPC que “Os factos articulados que interessem à decisão da causa constituem tema da prova nos termos do disposto no artigo 596.º.”
63. Porém, e apesar de cruciais para a boa decisão da causa, o tribunal a quo, em violação do disposto no art.º 588.º, e pelos motivos já acima alegados, entendeu – apesar de instado por este Tribunal superior – em continuar sem não relevar os documentos nºs 60 a 63.º, apesar de dos mesmos resultar uma alteração superveniente das circunstâncias e consequente alteração do valor do pedido, já que os danos patrimoniais causados pelos Réus, consistiam não no apuramento dos custos de licenciamento, mas nos danos patrimoniais correspondentes a todos os custos que os recorrentes incorreram e quantificaram, quer ainda daqueles que viessem a ser determinados em execução de sentença.
64. Como já supramencionado, optou o tribunal a quo, dos factos trazidos ao conhecimento do tribunal através de requerimento superveniente, continuar a relevar apenas os documentos n.ºs 57 a 59, dados como provados no ponto 23 da sentença, pretendendo ver na prova de decisão em processo contraordenacional uma qualquer justificação para vir concluir por uma qualquer imputação de responsabilidade na parte de fundamentação de direito pela culpa do lesado.
65. Sucede que a prova de decisão em processo contraordenacional ainda que transitada em julgado, não tem qualquer relevo, nem pode ser tida como aplicável à matéria em discussão neste processo cível. Veja-se a este propósito o douto Acórdão do STJ de 05 de maio de 2005, (Vd.  http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e8d354703185f56  380257038003aa60a?OpenDocument)
66. Aliás, ao dar o tribunal a quo como provado que a Recorrente sabia qual a afetação do piso -1, com base em facto provado e transitado em julgado no âmbito de outro processo, para daí poder vir desculpabilizar o comportamento danoso do 1º Réu e simultaneamente atribuir responsabilidade aos Autores pelos danos sofridos, não estamos mais na esfera da discussão sobre a admissibilidade ou não da possibilidade de ampliação da eficácia extraprocessual das provas, mas antes a discutir a admissibilidade da extrapolação da própria eficácia extraprocessual das provas, já que os Recorrentes não eram parte nessa ação.
67. Este facto superveniente, faz sim prova, - não de que ao Recorrente pudesse ser assacada algum tipo de responsabilidade pelos danos e prejuízos sofridos decorrentes da aquisição pela Recorrente do imóvel através de locação financeira imobiliária – da necessidade de alterar o pedido por impossibilidade de condenar os Réus no pagamento do montante necessário para a Recorrente poder licenciar o estabelecimento e afetar o piso -1 à atividade de restauração e bebidas.
68. Pelo exposto, conclui-se que o tribunal a quo violou o princípio da eficácia extraprocessual das provas consagrado no art.º 522º, nº 1, do CPC.
69. Deste facto, constante de decisão transitada em julgado, - vd. ponto 23  dos factos provados – a somar com o depoimento da testemunha arrolada pelos recorrentes e totalmente desconsiderada pelo tribunal a quo, por e transcreve-se “(…) não estando aqui em causa a execução do contrato de empreitada), mostra-se irrelevante a matéria dos temas da prova 6 a 11 – matéria sobre que incidiram os depoimentos de PFA (arquitecto) (…)”.
70. É que ao contrário do alegado o depoimento do arquiteto PFA, incidiu essencialmente no esclarecimento sobre os deveres deontológicos e profissionais dos arquitetos e da legislação aplicável à actividade de restauração e bebidas, concretamente quanto à obrigatoriedade inequívoca de licenciar o piso 0 para a atividade de restauração e bebidas (por possuir somente licença de comércio e serviços em geral) e à impossibilidade de afetar o piso -1 à atividade pretendida, devido ao facto impeditivo de o pé-direito ser inferior ao mínimo regulamentar exigido _ - Conforme se infere do depoimento ocorrido e registado entre as 10:13:49 e as 11:02:47 e que já se transcreveu parcialmente.
71. Pela que de novo é forçoso concluir que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, pois ao contrário do alegado, as declarações da testemunha incidiram sobretudo sobre matéria relevante para a boa decisão da causa, já que é o próprio tribunal a quo quem afirma “(…) A primeira questão a decidir é a de saber se houve culpa (por violação da boa-fé e deveres deontológicos profissionais) na formação do “contrato de prestação de serviços de arquitectura e licenciamento de estabelecimento”.(…)”
72. Ora, foi exatamente sobre a questão dos deveres deontológicos profissionais, que a testemunha se pronunciou. Por isso, tivesse o tribunal a quo valorado as declarações da testemunha – que as prestou de forma credível, consistente e fiável, pois nem em relação a esta, nem a nenhuma das ouvidas em tribunal foi criada a convicção do contrário – e poderia seguramente ter apreciado a questão basilar, que deixou de apreciar e que motivou a sua decisão: isto é a questão da culpa na formação do contrato de prestação de serviços de arquitetura, por violação da boa-fé e deveres deontológicos profissionais.
73. Decidiu o tribunal a quo para a produção do dano tinha concorrido facto culposo do lesado. Por outras palavras, o tribunal a quo não tinha dúvidas da existência de danos.
74. Porém, no início do parágrafo imediatamente anterior o tribunal a quo tinha decidido exatamente pelo contrário: “(…) Não se pode concluir pela existência de um dano patrimonial, pois não se sabe por que montante terá sido “vendida” a fracção (o que terá sucedido em XI-21, segundo SM) – (…)”
75. Mas não lavra apenas em contradição da fundamentação nesta matéria. Esperar-se-ia que o tribunal a quo tivesse, pelo menos, decidido pela não existência de um dano patrimonial, por ter concluído pela inexistência de culpa na formação do contrato de prestação de serviços de arquitetura.
76. Para o tribunal a quo a determinação da existência ou não do dano patrimonial não está dependente da verificação do facto que lhe deu origem – no caso, de culpa na formação do contrato por violação dos deveres de boa-fé e deveres deontológicos profissionais -, mas antes do facto de desconhecer o valor pelo qual o imóvel da Recorrente foi vendido.
77. Assim, e quanto a esta matéria dos danos patrimoniais o tribunal a quo ao pugnar pela sua existência e simultaneamente pela sua não existência, viola o disposto no art.º 615.º, nº 1, al. c), 2ª parte, do CPC, pelo que também nesta parte enferma a sentença a quo de nulidade absoluta e insanável (cfr.)
78. Citando de novo o Venerando Juiz Conselheiro, António Santos Abrantes Geraldes in “Sentença Cível”, “Enunciadas as questões a resolver e identificada a ordem lógica pela qual devem ser apreciadas, o juiz deve concentrar-se naquilo que é essencial para a sua resolução, encontrando o justo equilíbrio no que concerne à fundamentação jurídica, a qual, não podendo ser dispensada (art.º 154º), deve ser moderada, evitando que se transforme num mero repositório de considerações jurídicas irrelevantes para o caso concreto (…)”
79. Se de facto existem sentenças que pecam pela abundância de considerações jurídicas, a sentença a quo peca exatamente pelo oposto. Na fixação do valor da indemnização por devida pelo 1º Réu ao 2º Autor, ora recorrente, o tribunal não tece uma única consideração jurídica – nem qualquer outro tipo de consideração – para fundamentar a redução do montante peticionado – no mínimo de 10.000 euros – a título de danos não patrimoniais.
80. É entendimento uniforme da jurisprudência e doutrina que a falta absoluta de fundamentação constitui nulidade, porque violadora do disposto no art.º 615.º, nº 1 al b) do CPC.
81. Para que esta sua decisão não tivesse ferida de nulidade absoluta e insanável, deveria o tribunal a quo ter ponderado nas particularidades e especificidades do caso concreto e decidido em obediência a juízos de equidade assentes numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum. (Vd. Acórdão do STJ, de 11 de março de 2021, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4ee03443  11627401802586cb00444e4c?OpenDocument)
82. Sendo que, da aplicação das mais elementares regras de experiência comum e com base nos “(…) depoimentos de GNF (amigo do 2º A., que declarou que “ele foi-se bastante abaixo” – embora os factos tivessem coincidido com o falecimento do pai), e SM – que se referiu a uma “reacção de grande desalento e grande desespero” (…)”, resultaria forçosamente uma condenação do 1º Réu no pagamento ao Recorrente de quantia mínima de €10.000,00.
83. Entre outras, encontram-se violadas as normas constantes dos artigos 227.º, nº 1, do CC, 152.º nº 1, 466.º, nº 3, 522.º, nº 1, 588.º, 607º, nºs 3 e 4 e 620º, todos do CPC e ainda o art. 4º, nº 1, da Lei 62/2013, de 26 de agosto.
84. Do sentido em que o Tribunal a quo interpretou e aplicou cada norma na visão dos recorrentes e como deveria, em contrário, ter sido interpretada e aplicada encontra-se expresso nas motivações e nas conclusões supra.
85. Os quais aferidos, interpretados e valorados no seu conjunto só poderiam levar a concluir pela culpa dos recorridos, por violação da boa-fé e dos deveres deontológicos profissionais, na formação do “contrato de prestação de serviços de arquitetura e licenciamento de estabelecimento.
86. E consequentemente ter conduzido à decisão de condenação dos Recorridos no pagamento à Recorrente de todos os danos patrimoniais quantificados a fls 98-99 “(…) os AA. liquidaram os pedidos efetuados (A) = 12.429,10€; B) = 5.785,80€ (…)” e dos quantificados nos documentos nºs 60 e 61, no montante global de € 22.988,70, devendo ser relegado para execução de sentença o apuramento dos danos patrimoniais causados resultantes da venda da loja pela Recorrida, da diferença resultante entre o valor vendido e o valor pelo qual poderia ter vendido se tivesse toda a área licenciada para restauração.
87. Encontrando-se a decisão recorrida ferida de nulidade, absoluta, incontornável e insuprível, de grave erro de julgamento das instâncias, por razão da violação do art. 615º, nº 1, al. b), c) 1ª e 2ª parte, e al. d) 1ª parte do CPC.
*
Os apelados contra-alegaram, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

A) OS FACTOS.


O Tribunal a quo julgou:
A.1. Provados os seguintes factos:
1 - Em data incerta o 2º A. apresentou o “Plano de Negócios” (junto aos autos), ao abrigo do programa “Invest+”.
2 - Em 9-IV-15 SM. e o ora 2º A. outorgaram o “CONTRATO DE SOCIEDADE POR QUOTAS” (da ora 1ª A.).
3 - Em 7-V-15 1ª A. e “C.G.D., S.A.” assinaram o “CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO (LINHA DE CRÉDITO INVEST +)” junto aos autos (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
4 - Em finais de VIII ou início de IX-15, na primeira reunião entre 2º A. e 1º R., este informou-o que a cave podia ser destinada à actividade de estabelecimento de bebidas e ‘pool’, em virtude de estar abrangida por regime excepcional que dispensava a obrigatoriedade de ter um mínimo de 3m de pé direito – adiantando que a dispensa de tal requisito era uma questão pacífica.
5 - Em 8-IX-15 o 1º R. enviou ao 2º A. a “proposta para execução de Projeto de Interiores e Licenciamento 0” junta a fls 79 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
6 - Em 11-IX-15 o 2º A. enviou ao 1º R. a ‘mensagem’ junta a fls 80 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
7 - Em 11-X-15 o 1º R. enviou ao 2º A. os “esclarecimentos” juntos aos autos (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – onde se lê: “PÉ DIREITO Na situação em concreto o pé direito da fração do edifício objecto de remodelação é de 2,60m (na cave), colocando-se por isso a questão do cumprimento do artigo 65º do RGEU (...). Em termos de exceções, o nº 4 do mesmo artigo 65º dispensa deste limite os casos de tetos com vigas, inclinados, abobadados ou, em geral, contendo superfícies salientes, onde o pé direito mínimo acima indicado deve ser mantido, pelo menos, em 80% da superfície do teto, admitindo-se na superfície restante que o pé-direito livre possa descer até ao limite de 2,70m. (...) DISPENSA DE REQUESITOS Decreto-Lei 234 – Artº 8: Dispensa de requisitos NOTA: Um outro diploma legal a ter em conta, principalmente quando são realizadas obras, será o Decreto-Lei nº 555/99 de 16 de Dezembro, alterado e republicado pelo Decreto-lei nº 26/2010 de 30 de Março (...). Esta norma é também invocada sempre que seja exigido a alteração da licença de utilização do edifício ou fração, por parte do município. O terceiro eixo legislativo e o mais específico consiste na Portaria nº 215/2011 de 31 de Maio que estabelece os requisitos relativos às instalações dos estabelecimentos de restauração e bebidas, o seu funcionamento e regime de classificação.”
8 - Com base na informação prestada pelo 1º R., e porque acreditava que este era um profissional experiente e zeloso, que nunca asseguraria que um requisito essencial se mostrava dispensado sem o estar, o 2º A. comunicou ao ‘Banco Popular’ que estaria interessado (apenas) na loja que possuía cave.
9 - O 1º R. garantiu que não existia qualquer problema em licenciar a cave para a actividade que a 1ª A. pretendia prosseguir.
10 - Em 6-VI-16 “Banco Popular Portugal, S.A.” e 1ª A. outorgaram o “CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA IMOBILIÁRIA Nº 540-0791601” junto aos autos (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
11 - Em 7-VI-16 o 1º R. enviou ao 1º A. a “Proposta” junta a fls 85v-86 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – no valor total de 24.263,99€.
12 - Em 8-VI-16 a 2ª R. emitiu, em nome da 1ª A. a “fatura-recibo” (‘25% adjudicação’) junta a fls 128 – no valor de 5.686,87€.
13 - Encontra-se registada a favor da ora 1ª A. desde 9-VI-16 a “Locação financeira” (por 300 meses) da fracção “F” do prédio (sito na rua ..., Algés) descrito na 2ª C.R.P. de ... com o nº 639.
14 - Em 21-VI-16 a 2ª R. emitiu, em nome da 1ª A. as “fatura-recibo” (2ª e 3ª tranches) juntas a fls 127 e 127v – nos valores de 5.686,87€ e 5.686,87€.
15 - Em 29-VI-16 1ª A. e 2º R. assinaram o “ACORDO DE EMPREITADA” junto a fls 86v a 88 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
16 - Em finais de IX-16 os trabalhos não estavam concluídos.
17 - Em 4-X-16 a 1ª A. enviou ao 1º R. a carta junta a fls 76v a 77v (cujo teor se dá aqui por reproduzido – intitulada “Rescisão do Acordo de Empreitada”).
18 - Concluídas as obras em finais de XI-16, o 2º A. dirigiu-se à C.M.O. a fim de apurar quais os procedimentos para o “licenciamento 0” – tendo-lhe sido dito que a actividade que a 1ª A. pretendia exercer não se encontrava abrangida por tal regime, antes necessitava de uma licença de restauração.
19 - Em data incerta foi explicado pela C.M.O. ao 2º A. que era necessário um pedido de licenciamento prévio ao início de quaisquer obras, e que só depois de concedida licença de utilização válida para o uso de comércio, com a actividade de restauração e bebidas, poderia a 1ª A. apresentar a mera comunicação prévia ao abrigo do ‘licenciamento 0’ - sendo também dito ao 2º A. que a cave não estava abrangida por qualquer regime excepcional, e que não podia ser afecta à actividade de restauração e bebidas.
20 - Em 24-I-17 PFA elaborou a “PROPOSTA DE HONORÁRIOS” junta aos autos (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
21 - Em 13-II-17 o ora 2º A. e NMC outorgaram a “Constituição de Associação” junta aos autos (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
22 - Em 7-III-17 a C.M.O. enviou ao 2º A. a informação junta a fls 128v a 130v (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – não tendo sido apresentado qualquer pedido de alteração da licença de utilização.
23 - Em 30-VI-21 foi proferida sentença que julgou improcedente o recurso da “... – Associação Cultural, Recreativa e Desportiva” da decisão condenatória da C.M.O. de 8-VII-20 em três processos de contra-ordenação (praticadas em 30-IV-19 e 25-X-19 – tendo sido provado que a recorrente sabia que a licença de utilização do piso -1 era para arrumos).
24 – Em consequência da impossibilidade de exercer a actividade, o 2º A. sofreu angústia.
*
A. 2. Não provados os seguintes factos:
25 - Em 18-XI-15 o 1º R. enviou (à 1ª A.) o projecto de arquitectura.
26 - Em contrapartida da aceitação do orçamento de obras, os RR. ofereceriam o projecto de arquitectura e decoração de interiores.
27 - Em 13-IX-15 o 1º R. enviou ao 2º A. por ‘email’ a regulamentação que sustentaria a dispensa do requisito relativo ao pé direito.
28 - A situação causada pelos RR. arrastou o 2º A. para uma grave depressão clinicamente diagnosticada – tendo sido medicado para o efeito.
29 – O 1º R. dispôs-se a colaborar na exposição prévia que seria necessário apresentar junto da C.M.O. antes do início dos trabalhos e respectivo licenciamento – tendo o 2º A. declinado tal serviço.
30 – A 2ª R. subscreveu a proposta junta a fls 79.

B) O DIREITO APLICÁVEL.
O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2 e 639.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).
Atentas as conclusões da apelação, acima descritas, as questões submetidas ao conhecimento deste Tribunal pelos apelantes consistem em saber se a) a sentença enferma das nulidades previstas nas als. b), c) e d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C. P. Civil (conclusões 3, 47 a 53, 60, 73 a 82), b) a sentença não deu cumprimento aos acórdãos desta Relação de 5/03/2020 e de 13/10/2022 (conclusões 7, 22 a 45 e 48), c) a sentença viola o caso julgado formal ao absolver a 2ª R, uma vez que esta Relação já decidiu que o documento de fls. 79 e 110 está subscrito por ambos os RR (conclusões 16 a 20), d) os RR violaram o disposto no n.º 1 do art.º 227.º, do Código Civil, causando danos patrimoniais - quantificados na p.i. e quantificados já em sede de audiência de discussão e julgamento através dos documentos n.º s 60, 61 e 63, admitidos e não impugnados, e ainda os a apurar em sede de execução da sentença – e danos não patrimoniais ao recorrente (conclusões 46, 54 a 56 e 83 a 87), e) nem dos factos provados, nem da fundamentação decorre que, de alguma forma, o Recorrente tenha concorrido para a produção dos danos que sofreu, e que da não verificação das normas aplicáveis possa ser entendido e interpretado como facto culposo do Recorrente, e muito menos ser entendido e interpretado como passível de censura ou reprovação, pelo que incorreu a sentença a quo em erro de julgamento, que afeta e vicia definitivamente a decisão proferida (conclusões 57 a 59), f) a sentença omitiu factos do articulado superveniente (conclusões 61 a 63), g) ao declarar provado o facto 23 a sentença violou o princípio da eficácia extraprocessual das provas consagrado no art.º 522.º, n.º 1, do CPC (conclusões 64 a 68), h) o tribunal a quo ao referir que “mostra-se irrelevante a matéria dos temas da prova 6 a 11 – matéria sobre que incidiram os depoimentos de PFA (arquitecto)…”  incorreu em erro de julgamento ao não valorar o depoimento da testemunha arquiteto PFA, incidiu essencialmente no esclarecimento sobre os deveres deontológicos e profissionais dos arquitetos e da legislação aplicável à atividade de restauração e bebidas (conclusões 69 a 72), i) a indemnização a favor do 2.º A/apelante deve ser fixada em €10.000,00 (conclusões 81 a 83)
Conhecendo.
1) Quanto à primeira questão, a saber, se a sentença enferma das nulidades previstas nas als. b), c) e d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C. P. Civil.
Relativamente à primeira nulidade, dispõe o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do C. P. Civil que:
 “É nula a sentença quando: b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Como desde há muito é pacífico na jurisprudência portuguesa, a nulidade de falta de fundamentação só ocorre quando a fundamentação seja omitida, inexistindo, e não quando a mesma seja parca ou mesmo insuficiente[1].
Ora, analisada a sentença, constatamos que, quer a decisão em matéria de facto, que identifica os factos provados e não provados e os elementos de prova pessoal e documental que sustentam uns e outros, quer a decisão de direito, que incide sobre as questões que constituem o cerne do litígio dos autos, se encontram longamente fundamentadas, dando cabal cumprimento ao disposto no art.º 607.º, n.º 4, do C. P. Civil.
E tal acontece também no que respeita à indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais, na perspectiva em que agora abordamos a questão suscitada na apelação, em que o tribunal a quo invoca a concorrência da inação do 2º R/apelante na produção do respectivo dano.
Nesta matéria, se falta de fundamentação existisse, em face do facto sob o n.º 28 dos factos não provados da sentença e do disposto no n.º 1, do art.º 496.º, do C. Civil, a mesma relevaria, não para o quantum da indemnização arbitrada, mas ao nível dos pressupostos da condenação em indemnização a título de danos não patrimoniais, em si mesma que, aliás, o apelado não impugnou.
Não podemos, pois, deixar de concluir que, independentemente da discordância dos apelantes quanto ao decidido em ambas as matérias, a mesma não enferma da referida nulidade.
Em relação à segunda das invocadas nulidades, dispõe o art.º 615.º, n.º 1, al. c), do C. P. Civil, que:
É nula a sentença quando…c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Ao imputar à sentença esta nulidade os apelantes reportam-se, quer à oposição entre os fundamentos e a decisão, quer à ininteligibilidade da decisão por ambiguidade ou obscuridade.
Em relação à primeira asserção, esta nulidade ocorre quando a decisão e os seus fundamentos, de facto e de direito, ao invés de se encontrarem numa sequência lógico-jurídica, se encontram em oposição, ou seja, quando aqueles fundamentos conduziam necessariamente a uma decisão e o juiz proferiu outra.
Este vício, que quebra a sequência lógica e racional entre o raciocínio fundamentador e a decisão que se lhe segue não abrange o erro de julgamento[2].
Trata-se de um “…vício lógico na construção da sentença”, pois, querendo a lei processual que o juiz justifique a sentença, os fundamentos que este invoca para a sua decisão “…conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”[3].
Na síntese do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/02/1997[4], existe tal nulidade: “quando o raciocínio do Juiz aponta num sentido e no entanto decide em sentido oposto ou pelo menos em sentido diferente”.
Analisada a sentença não encontramos qualquer contradição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão de mérito, nem os apelantes os identificam para além do que constitui a sua discordância com o sentido decisório da sentença, expressa no conjunto das questões da apelação.
Relativamente à segunda asserção, como decorre do próprio texto legal em causa, qualquer ambiguidade ou obscuridade que decorra do texto da sentença só constitui nulidade se em consequência da mesma a sentença se configurar como ininteligível.
Analisada a sentença, também nesta perspectiva, constatamos que a mesma, pese embora a discordância dos apelantes, se configura como comezinhamente inteligível, quer no âmbito da decisão em matéria de facto, quer relativamente à decisão de direito.
Aduzem os apelantes, de forma genérica, que a condenação do 1º R a pagar ao 2º Autor a quantia de €2.000,00, está em clara oposição com a fundamentação e em desconformidade com os factos provados, e em especial que a sentença ao declarar que “(...) Não há dúvida que a 1ª A. “adquiriu a loja nº 6 com a convicção que podia exercer a sua actividade e a podia exercer nos dois pisos” e que essa convicção se fundou nas declarações orais do 1º R…” não podia deixar de condenar os RR por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, mas não lhes assiste razão, nem na asserção genérica, nem na asserção especial, que referem.
Com efeito, em face do facto provado sob o n.º 15 da matéria de facto da sentença e do facto sob o n.º 30 dos factos não provados, a 2ª R não poderia deixar de ser absolvida do pedido, como foi.
Relativamente ao 1º R, o mesmo só podia ser condenado no ressarcimento dos danos apurados em julgamento e como decorre da decisão em matéria de facto e refere a sentença na apreciação de direito não está provada a ocorrência de dano patrimonial.
Mais aduzem os apelantes que a sentença incorre em contradição uma vez que, relativamente a danos patrimoniais, pugna pela sua existência e simultaneamente pela sua não existência, mas tal não acontece, pois, a sentença é clara quando refere a inexistência de danos patrimoniais e absolve em conformidade com essa inexistência.
Discordando da sentença em parte alguma das suas alegações, os apelantes, dão cumprimento ao disposto no n.º 1, do art.º 640.º, do C. P. Civil, em ordem a habilitar este Tribunal da Relação a exercer o poder/dever de alteração da decisão de 1ª instância em matéria de facto, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 662.º, do C. P. Civil.
Não podemos, pois, deixar de concluir que os fundamentos de facto e de direito da sentença sustentam e estão de acordo com a decisão de absolvição da 2ª R e com os termos da condenação do 1º R, a qual é clara até na invocação da concorrência da inação do 2º A/apelante no dano por si sofrido, pelo que a sentença não enferma também da nulidade prevista na al. c), do n.º 1, do art.º 615.º, do C. P. Civil.
Relativamente à terceira nulidade, dispõe o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do C. P. Civil, que “É nula a sentença quando: d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Aduzem os apelantes que o tribunal a quo identificou questão de que não conheceu, como acontece com a questão da culpa e da violação da boa-fé e dos deveres deontológicos e profissionais, mas também nesta parte lhes não assiste razão uma vez que a sentença inicia a apreciação de direito, precisamente, por essa questão e termina essa apreciação com a condenação a favor do 2º A, a qual pressupõe uma resposta positiva à questão identificada pelo tribunal.
No mais, quanto à extensão dessa apreciação, vale aqui o já expendido relativamente à invocada nulidade de falta de fundamentação, que só a sua inexistência, que não a mera exiguidade, constitui nulidade de sentença.
Improcede, pois, esta primeira questão.
2) Quanto à segunda questão, a saber, se a sentença não deu cumprimento aos acórdãos desta Relação de 5/03/2020 e de 13/10/2022.
Pretendem os apelantes que a sentença não deu cumprimento, ou violou, os acórdãos deste Tribunal da Relação de 5/03/2020 e de 13/10/2022 na medida em que estes decidiram pela subscrição pela 2ª R do documento junto a fls. 79 e 79 verso, mas não lhes assiste razão porque nem o primeiro nem o segundo acórdão decidiram tal questão.
O acórdão de 5/03/2020 decidiu, tão só, a exceção da ilegitimidade da 2ª R, considerando e declarando que a mesma era parte legítima para ser demandada nesta ação, como claramente decorre da fundamentação dessa decisão ao referir que:
 “O conflito patente na acção diz respeito a ambos os Réus, enquanto sujeitos passivos da relação material controvertida, tal como configurada pelos Autores.
À luz da configuração que os Autores deram na Petição Inicial à relação material controvertida entre as partes, isto é, face à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados, é fora de dúvida que os Réus têm interesse em contradizer a acção, exprimido pelo prejuízo que da procedência da acção possa advir para ambos”.
O acórdão de 13/10/2022 também se não pronunciou sobre esta questão, não tendo declarado quaisquer factos como provados ou não provados, apenas anulando a sentença para os efeitos que ele próprio declarou.
E o tribunal a quo cumpriu qualquer essas decisões, como lhe competia fazer, pronunciando-se sobre todos os factos que o acórdão de 13/10/2022 identificou por referência genérica para os articulados e ata de audiência, não se vislumbrando fundamento razoável para a invocação de violação ou desobediência ao que por ele foi decidido.
Ao contrário do expendido pelos apelantes, a sentença não ignorou nem desconsiderou a valoração e a análise crítica da prova documental e testemunhal produzida e pronunciou-se sobre todos os factos referenciados no acórdão de 13/10/2022 como atesta o excerto em que refere “O Tribunal da Relação de Lisboa considera deverem ser julgados os factos constantes dos artigos 161º a 180º - mas: os artigos 161º, 162º, 164º, 165º, 169º, 170º, 171º são conclusivos; os artigos 167º e 168º, e 178º a 180º são de Direito; a matéria dos artigos 163º e 166º (2ª parte) refere-se a despesas de quem não é Parte na causa; a matéria do artigo 172º está provada nos pontos 8 e 10; a matéria dos artigos 173º a 176º é especulativa – e nunca se poderia relegar para liquidação danos de uma entidade que não é Parte na causa (artigo 177º)”.
Discordando da sentença proferida pelo tribunal a quo quanto aos factos que declarou provados e não provados e da fundamentação dessa decisão, na sequência da anulação declarada pelo acórdão de 13/10/2022, como discordam, não poderiam os apelantes deixar de dar cumprimento ao disposto no n.º 1, do art.º 640.º, do C. P. Civil, em ordem a habilitar este Tribunal da Relação a exercer o poder/dever de alteração da decisão de 1ª instância em matéria de facto, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 662.º, do C. P. Civil.
A invocação de incumprimento do acórdão de 13/10/2022 é insubsistente e nunca poderia ter o condão de substituir o instituto processual da impugnação da decisão da 1ª instância em matéria de facto e de desonerar os apelantes do ónus que tal instituto lhes impõe.
Em conexão com esta questão e por referência aos danos patrimoniais cuja existência resultou não provada, tendo o tribunal a quo citado na fundamentação da sua decisão o depoimento de testemunha sobre o destino que, entretanto teria sido dado ao imóvel em causa nos autos, aduzem ainda os apelantes que “…se para concluir pela existência ou não de dano patrimonial, no entender do Tribunal a quo, era decisivo ter conhecimento do valor de venda do imóvel, então, poderia e deveria, por sua iniciativa ter notificado a A. para juntar cópia da escritura de compra e venda e não, ao invés, concluir – por não estar na posse da informação que não lhe interessou ter, apesar de entender a mesma crucial – pela negação da existência de dano” (conclusão 40), mas também nesta parte lhes não assiste razão.
Nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 5.º, do C. P. Civil, sobre a parte incide o ónus de articular os factos pertinentes para decisão da causa, principio que sofre apenas as exceções tipificadas no n.º 2, do mesmo preceito, entre as quais se não compreende a pretensão de ação oficiosa que os apelantes se propõem lançar sobre o tribunal., 
Improcede, pois, também esta segunda questão.
3) Quanto à terceira questão, a saber, se a sentença viola o caso julgado formal ao absolver a 2ª R, uma vez que esta Relação já decidiu que o documento de fls. 79 e 110 está subscrito por ambos os RR.
Esta questão foi já apreciada no âmbito da questão anterior, nela se referindo que o acórdão de 5/03/2020, referenciando o documento a fls. 79 e a fls.110, o fez no âmbito do conhecimento da exceção da ilegitimidade da 2ª R, declarando que a mesma era parte legítima para ser demandada na ação.
Não obstante, porventura antevendo a formulação desta mesma questão da apelação, depois de declarar sob o facto 30 dos factos não provados da sentença que “A 2ª R. subscreveu a proposta junta a fls 79”, o tribunal a quo fundamentou a sua decisão por referência ao acórdão de 13/10/2020 exarando que “ “Se bem se compreendeu o acórdão de 13-X-22, pretende-se, ou sugere-se, que seja considerado provado que a 2ª R. subscreveu a proposta de fls 79 (ponto 5) – mas tal não pode ser, porque tal proposta não se mostra subscrita por ninguém (novo ponto, 30)”.
Sobre esta matéria importa referir que, sendo certo que o documento em causa se não mostra “subscrito” e não está assinado pela 2ª R, e que os termos do acórdão de 13/10/2020 - aliás, na sequência da conformação dada à lide na petição inicial, na qual pontifica uma certa confusão entre a sociedade (1ª A) e o seu sócio (2º A), e que se transmitiu a todo o processado subsequente - sustentam a expressão “Se bem se compreendeu”, o certo é que o acórdão de 13/10/2020 não podia ordenar nem sugerir ao tribunal a quo que declarasse provado ou não provado determinado facto, como não fez nem ordenou, por duas ordens de razões.
A primeira porque a hierarquia entre os tribunais funciona em termos de patamar de decisão e não de ordem para proferir decisão pré-estabelecida.
A segunda porque podendo a 2ª instância, no exercício dessa hierarquia, revogar as decisões da 1ª instância no âmbito do conhecimento do objeto de recurso interposto e admitido, quer sobre a matéria de facto, quer sobre a matéria de direito, nos termos processualmente consagrados, essas decisões não deixam de ser proferidas pela 1ª instância em jurisdição plena.
Não tendo o acórdão deste Tribunal da Relação de 13/10/2020 declarado provado que A 2ª R. subscreveu a proposta junta a fls 79, o tribunal a quo não violou o disposto no n.º 1, do art.º 620.º, do C. P. Civil, ao declarar tal facto não provado.
Improcede, pois, esta terceira questão.
4) Quanto à quarta questão, a saber, se os RR violaram o disposto no n.º 1 do art.º 227.º, do Código Civil, causando danos patrimoniais - quantificados na p.i. e quantificados já em sede de audiência de discussão e julgamento através dos documentos n.º s 60, 61e 63, admitidos e não impugnados, e ainda os a apurar em sede de execução da sentença – e danos não patrimoniais ao recorrente.
A matéria de facto provada da sentença não sustenta a celebração de qualquer contrato entre a 2ª R, quer com a 1ª A sociedade, quer com o 2º A, seu sócio, e consequentemente não permite imputar-lhe qualquer incumprimento contratual suscetível de constituir violação do disposto no art.º 227.º do C. Civil ou de qualquer outro preceito legal.
Relativamente ao 2º R, a matéria de facto provada da sentença, que não foi impugnada com observância do instituto processual próprio, apesar da discordância, também não permite assacar qualquer responsabilidade indemnizatória de danos de natureza patrimonial, nos termos do n.º 1, do art.º 483.º, do C. Civil, porque a ocorrência de tais danos não está provada nos autos.
 A violação pelo 1º R/apelado do disposto no n.º 1, do art.º 227.º, do C. Civil, na economia dos autos, compreendendo o acórdão desta Relação de 5/03/2020, que conheceu da exceção do caso julgado, e a decisão proferida no processo n.º 118689/16.0YIPRT, em que foi A o, aqui, 1º R e R a, aqui, 1ª A, que, grosso modo, conheceu do incumprimento do “acordo” referenciado sob o n.º 15 dos factos provados da sentença, conduziu à condenação decretada pela sentença recorrida.
Esta quarta questão não pode, pois, deixar de improceder em tudo o que excede a condenação decretada pela 1ª instância.
5) Quanto à quinta questão, a saber, se nem dos factos provados, nem da fundamentação decorre que, de alguma forma, o Recorrente tenha concorrido para a produção dos danos que sofreu, e que da não verificação das normas aplicáveis possa ser entendido e interpretado como facto culposo do Recorrente, e muito menos ser entendido e interpretado como passível de censura ou reprovação, pelo que incorreu a sentença a quo em erro de julgamento, que afeta e vicia definitivamente a decisão proferida.
A sentença recorrida, depois de considerar que sobre o 1º R impendia o dever de indemnizar o 2º A a título de danos não patrimoniais, fixou em €2.000,00 o valor dessa indemnização, aduzindo para o efeito que:
 “…não é menos verdade que indicou ao 2º A. as normas legais aplicáveis cerca de nove meses antes da celebração do contrato de locação financeira – tempo suficiente para que o 2º A. pudesse averiguar todas as questões junto da C.M.O. (desconhecendo-se se o fez e com que resultados, ou se não o fez, e por quê), e sendo indubitável que tinha muito interesse (pessoal, e financeiro) no esclarecimento das questões.
Esta inacção ou inércia, durante período tão prolongado, traduz-se num “facto culposo do lesado” (CC 570º/1) que concorreu para a produção do dano patrimonial: a impossibilidade de exercício da actividade”.
A inação do 2º A/apelante relativamente ao regime legal aplicável ao licenciamento dos autos é invocada pelo tribunal a quo, nos termos do disposto no art.º 494.º, do C. Civil, ex vi, do n.º 4, do art.º 496.º, do C. Civil, e foi extraída pelo tribunal da matéria de facto provada sob os números 7 a 9, 13 a 16, e 19 a 22, em aplicação do instituto das presunções judiciais, consagrado nos art.ºs 349.º e 351.º, do C. Civil.
Como apoditico é, o 2º A/apelante, como cidadão de pleno direito que empreendeu a atividade que se se encontra provada nos autos, a começar pelo “Plano de Negócios” a que se reporta o n.º 1 da matéria de facto provada da sentença, tinha o dever de se informar sobre o quadro legal aplicável a esse empreendimento e teve tempo para o fazer.
Não o tendo feito, o tribunal a quo relevou essa inação no âmbito do juízo de equidade a que se reportam o n.º 4, do art.º 496.º e o art.º 494.º, do C. Civil, como podia e devia fazer, pelo que tal não constitui erro de julgamento.
Improcede, pois, também esta quinta questão.
6) Quanto à sexta questão, a saber se a sentença omitiu factos do articulado superveniente.
Com a formulação desta questão pretendem os apelantes que “…o tribunal a quo, em violação do disposto no art.º 588.º, e pelos motivos já acima alegados, entendeu – apesar de instado por este Tribunal superior – em continuar sem não relevar os documentos nºs 60 a 63.º…”, mas não lhes assiste razão em qualquer das perspectivas em que a questão possa ser analisada.
Não lhes assiste razão, primeiramente, na invocação da violação do disposto no art.º 588.º, do C. P. Civil porque não é esse o instrumento processual ao seu dispor para a impugnação da decisão em matéria de facto, como já salientado na apreciação das questões anteriores.
 Em segundo lugar, não lhes assiste razão quando alegam que o tribunal não deu relevância aos documentos porque documentos não são factos, mas mero meio de prova de factos.
E em terceiro lugar e essencialmente, porque o tribunal a quo apreciou o requerimento dos apelantes, de junção dos documentos em causa, formulado na audiência de 8/10/2021.
Com efeito, tendo os apelantes indicado no seu requerimento os factos da petição inicial a cuja prova se destinavam os documentos (supervenientes) cuja junção requereu, o tribunal a quo pronunciou-se sobre uns (documentos) e outros (factos), como resulta do excerto da fundamentação da decisão em matéria de facto, onde refere que:
Os documentos 60 e 61 (juntos com o articulado superveniente) não foram considerados por se referirem a despesas de quem não é Parte nestes autos (‘... - Associação’) – sendo os docs 62 e 63 (análise de mercado) irrelevantes, uma vez que a fracção foi efectivamente vendida.… os artigos 161º, 162º, 164º, 165º, 169º, 170º, 171º são conclusivos; os artigos 167º e 168º, e 178º a 180º são de Direito; a matéria dos artigos 163º e 166º (2ª parte) refere-se a despesas de quem não é Parte na causa; a matéria do artigo 172º está provada nos pontos 8 e 10; a matéria dos artigos 173º a 176º é especulativa – e nunca se poderia relegar para liquidação danos de uma entidade que não é Parte na causa (artigo 177º)”.
Discordando desta decisão sempre os apelantes a poderiam impugnar, mas nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 640.º, o C. P. Civil e não invocando uma omissão cognitiva que não existe.
Improcede, pois, esta sexta questão.
7) Quanto à sétima questão, a saber se ao declarar provado o facto 23 a sentença violou o princípio da eficácia extraprocessual das provas consagrado no art.º 522.º, n.º 1, do CPC.
Com a proposição desta questão, os apelantes incorrem numa contradição, habitualmente qualificada sob o brocardo latino de venire contra factum proprium.
O facto sob o n.º 23 da matéria de facto provada da sentença respeita à associação “...”, a qual, na economia da configuração destes autos em que só agora temos intervenção, se configura como mais uma entidade colectiva, a par da sociedade 1ª A/apelante, que se entrelaça e confunde com o 2.º A/apelante, e foi trazido aos autos pelos próprios apelantes, como consta da ata da audiência de 8/10/2021, que também requereram a junção do documento referenciado nesse facto sob o n.º 23.
Tendo o facto sob o n.º 23 sido invocado/articulado pelos apelantes e tendo o documenta (sentença) a que o facto se reporta entrado nos autos também a requerimento dos apelantes, está vedada a estes a invocação do disposto no n.º 1, do art.º 421.º, do C. P. Civil, relativo ao valor extraprocessual das provas (porventura por lapso os apelantes referem o n.º 1, do art.º 522.º, do C. P. Civil), sendo o seu ato suscetível de subsunção ao instituto processual da má-fé, consagrado no art.º 542.º, do C. P. Civil.
Acresce que, ao contrário do expendido pelos apelantes, não se vislumbra que o facto sob o n.º 23, aliás, por eles trazido aos autos, tenha sustentado a decisão de direito do tribunal a quo.
Improcede, pois, também esta sétima questão.
8) Quanto à oitava questão, a saber se o tribunal a quo ao referir que “mostra-se irrelevante a matéria dos temas da prova 6 a 11 – matéria sobre que incidiram os depoimentos de PFA (arquitecto)…”  incorreu em erro de julgamento ao não valorar o depoimento da testemunha arquiteto PFA, incidiu essencialmente no esclarecimento sobre os deveres deontológicos e profissionais dos arquitetos e da legislação aplicável à atividade de restauração e bebidas.
A resposta a esta questão contêm-se já, grosso modo, no âmbito da apreciação da quarta questão da apelação, na medida em que a mesma se reporta à violação pelo 1º R/apelado do disposto no n.º 1, do art.º 227.º, do C. Civil.
Não obstante, importa ainda referir que o invocado erro de julgamento não existe em qualquer das perspectivas em que esta questão possa ser analisada.
Não existe porque os temas da prova a que se reporta a parte final do n.º 1, do art.º 596.º, do C. P. Civil, se não confundem com os factos pertinentes para decisão da causa que devem integrar esses temas, como decorre da perspectiva conceptual que introduz os temas da prova com o propósito de ultrapassar as delongas próprias do instituto processual inerente à “especificação e questionário”, do C. P. Civil de 1939, e são estes (factos) e não aqueles (temas da prova) que podem ser objeto de impugnação da decisão em matéria de facto, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 640.º, do C. P. Civil.
Não existe também porque, ao reportar-se aos temas da prova 6 a 11, que ordenou no seu despacho de 8/4/2021, o tribunal a quo se propôs apenas dar cumprimento ao acórdão de 13/10/2020, cujo desrespeito os apelantes invocam repetidamente, como decorre do excerto em que refere “Tendo o Tribunal da Relação de Lisboa delimitado a causa de pedir da presente acção na “existência de uma relação jurídica que esteve na base da negociação e celebração do contrato de prestação de serviços, no leque de direitos e deveres dela emergentes, assim como no incumprimento desses deveres” (e não estando aqui em causa a execução do contrato de empreitada), mostra-se irrelevante a matéria dos temas da prova 6 a 11 – matéria sobre que incidiram os depoimentos de PFA. (arquitecto), GNF (arquitecto), AJP (canalizador), OGC (pedreiro), e AS.
E não existe ainda porque se não vislumbram quaisquer outros factos pertinentes para decisão da causa a que o tribunal a quo pudesse imputar o depoimento da testemunha indicada pelos apelantes, como decorre dos factos provados sob os n.ºs 4 e 9 da sentença e da subsunção jurídica que deles faz o tribunal a quo ao expender que “Não há dúvida que a 1ª A. “adquiriu a loja nº 6 com a convicção que podia exercer a sua actividade e a podia exercer nos dois pisos” (artigo 172º da p.i.), e que essa convicção se fundou nas declarações orais do 1º R. (pontos 4 e 9)…”.
Improcede, pois, esta oitava questão.
9) Quanto à nona questão, a saber se a indemnização a favor do 2.º A/apelante deve ser fixada em €10.000,00.
O 2º A/apelante formulou na petição, a título de danos morais, um pedido de condenação dos RR no pagamento de indemnização a apurar em sede de julgamento e posteriormente formulou requerimento de “liquidação dos pedidos”, solicitando o “Pagamento de uma indemnização ao A, pelos danos não patrimoniais causados a apurar em sede de execução de sentença, não inferiores a 10.000,000 (dez mil euros)”.
Relativamente a danos não patrimoniais, dispondo o n.º 1, do art.º 496.º, do C. Civil que “…deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” e o n.º 3, do mesmo preceito que “O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º…”, relativamente a estes danos a sentença, culminado um extenso julgamento e uma lide com quase cinco anos, contém um único facto provado, segundo o qual, por referência aos factos relativos à “implementação” de um estabelecimento de bebidas com dois espaços lúdicos (documento intitulado “Plano de Negócios”), “24 – Em consequência da impossibilidade de exercer a actividade, o 2º A. sofreu angústia” e contém também apenas um único facto não provado nos termos do qual “28 - A situação causada pelos RR. arrastou o 2º A. para uma grave depressão clinicamente diagnosticada – tendo sido medicado para o efeito”.
Em face de tal factualidade, o tribunal a quo arbitrou indemnização, a título de danos não patrimoniais, a favor do 2º A/apelante e a cargo do 1.º R/apelado, no valor de €2.000,00.
Não se questionando a recondução da “angústia” do apelante aos pressupostos de indemnização dos danos não patrimoniais estabelecidos pelo n.º 1, do art.º 496.º, do C. Civil, o objeto da apelação cinge-se nesta matéria ao quantum indemnizatório fixado.
Pretendem os apelantes que essa indemnização deve ser fixada no valor de €10.000,00 (dez mil euros), mas tal como no requerimento em que liquidaram o pedido nesse valor, não indicam agora os fundamentos em que estruturam a sua pretensão.
Nestas circunstâncias, mesmo estabelecendo uma bissectriz interpretativa entre os factos provado e não provado, acima referidos, este Tribunal da Relação não dispõe de elementos que lhe permitam objectivamente sustentar que o valor arbitrado pela 1ª instância não cumpre os critérios balizadores estabelecidos pelo n.º 4, do art.ºs 496.º e pelo art.º 494.º, do C. Civil, nem que esses mesmos critérios apontam para um qualquer outro valor, entre eles o valor do pedido formulado. 
Esta nona questão não pode, pois, deixar de improceder e com ela a apelação. 

C) SUMÁRIO
1. Discordando da sentença proferida pelo tribunal de 1º instância quanto aos factos que declarou provados e não provados e da fundamentação dessa decisão, na sequência da anulação declarada por acórdão do Tribunal da Relação, não podem os apelantes deixar de dar cumprimento ao disposto no n.º 1, do art.º 640.º, do C. P. Civil, em ordem a habilitar o Tribunal da Relação a exercer o poder/dever de alteração da decisão de 1ª instância em matéria de facto, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 662.º, do C. P. Civil, uma vez que a invocação de incumprimento do acórdão anulatório não tem o condão de substituir o instituto processual da impugnação da decisão da 1ª instância em matéria de facto e de desonerar os apelantes do ónus que tal instituto lhes impõe.
2. Um acórdão do Tribunal da Relação proferido em recurso de apelação não pode ordenar nem sugerir ao tribunal de 1ª instância que declare provado ou não provado determinado facto, porque a hierarquia entre os tribunais se encontra estabelecida em termos de patamar de decisão e não de ordem para proferir decisão pré-estabelecida pela 2ª instância, podendo esta no exercício dessa hierarquia, revogar as decisões da 1ª instância no âmbito do conhecimento do objeto de recurso interposto e admitido, quer sobre a matéria de facto, quer sobre a matéria de direito, nos termos processualmente consagrados, mas essas decisões são proferidas pela 1ª instância em jurisdição plena.
3. A inação do 2º A/apelante relativamente ao regime legal aplicável ao licenciamento dos autos é invocada pelo tribunal a quo, nos termos do disposto no art.º 494.º, do C. Civil, ex vi, do n.º 4, do art.º 496.º, do C. Civil, e foi extraída pelo tribunal da matéria de facto provada sob os números 7 a 9, 13 a 16, e 19 a 22, em aplicação do instituto das presunções judiciais, consagrado nos art.ºs 349.º e 351.º, do C. Civil.
4. O 2º A/apelante, como cidadão de pleno direito que empreendeu a atividade que se se encontra provada nos autos, a começar pelo “Plano de Negócios” a que se reporta o n.º 1 da matéria de facto provada da sentença, tinha o dever de se informar sobre o quadro legal aplicável a esse empreendimento e teve tempo para o fazer e não o tendo feito, o tribunal a quo relevou essa inação no âmbito do juízo de equidade a que se reportam o n.º 4, do art.º 496.º e o art.º 494.º, do C. Civil, como podia e devia fazer, pelo que tal não constitui erro de julgamento.
5, A parte que, depois de articular determinado facto e requerer a junção de documento em ordem a fazer prova dele, impugna em apelação a sentença que o declarou provado, com invocação do disposto no n.º 1, do art.º 421.º, do C. P. Civil, relativo ao valor extraprocessual das provas, incorre na proibição habitualmente qualificada sob o brocardo latino de venire contra factum proprium, sendo o seu ato suscetível de subsunção ao instituto processual da má-fé, consagrado no art.º 542.º, do C. P. Civil.
6. Os temas da prova a que se reporta a parte final do n.º 1, do art.º 596.º, do C. P. Civil, não se confundem com os factos pertinentes para decisão da causa que devem integrar esses temas e são estes e não aqueles que podem ser objeto de impugnação da decisão em matéria de facto, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 640.º, do C. P. Civil.

3. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.

Lisboa, 01 de junho de 2023
Orlando Santos Nascimento
Vaz Gomes
Nelson Borges Carneiro
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[1]   RT, ano 86, pág. 38; Ac. S. T. J. de 1/3/1990, B. M. J. n.º 395, pág. 479 e Ac. R. L. de 1/10/1992, in Col. J. 1992, tomo 4, pág. 168 e de 10/03/1994, in Col. J. 1994, tomo 2, pág. 83, entre outros. 
[2] Cfr. O Ac. S. T. J. de 21/05/1998, in Col. J. II, pág. 95
[3] Prof. José A. Reis, C. P. Civil anotado, vol. V, pág. 141
[4] BMJ, 464, pág. 525