Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7444/2007-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/06/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Sumário: I- A caducidade da declaração de utilidade pública não é de conhecimento oficioso (artigo 13.º/4 do Código das Expropriações de 1999 e artigos 303.º e 333.º do Código Civil.
II- A arguição da caducidade da declaração de utilidade pública não pode ser invocada  até à decisão final, deve sê-lo, sob pena de preclusão, antes de ser proferida decisão a adjudicar a parcela expropriada à entidade expropriante
III- Decorrem do artigo 51.º/5 do Código das Expropriações  dois actos processuais autónomos: o primeiro, em que se adjudica à entidade expropriante a propriedade da parcela; o segundo, que dá a conhecer ao expropriado a decisão arbitral, bem como todos os elementos apresentados pelos árbitros, informando-os da faculdade de interposição de recurso, destinando-se o prazo constante do artigo 52.º/1 à impugnação do acórdão arbitral, abrindo a discussão acerca do valor indemnizatório devido.

(SC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa ( 7ª Secção ).

I – RELATÓRIO.
Requereu R. […] EP., a expropriação por utilidade pública urgente da parcela de terreno com a área de 1.151 m2, no sítio denominado Estrada Nacional do Vale do Grou, freguesia de Alhos Vedros […]

Por despacho do Secretário de Estado dos Transportes e Comunicações, datado de 29 de Dezembro de 2004, publicado no Diário da República, II Série, de 3 de Fevereiro de 2005, foi declarada a expropriação por utilidade pública, com carácter de urgência, das parcelas de terreno necessárias às obras de remodelação e obras complementares do troço H: Barreiro - Pinhal Novo, na linha do Alentejo.
          
Em 12 de Abril de 2005 foi realizada a vistoria “ad perpetuam rei memoriam” da parcela nº 2, propriedade da expropriada.

Em 30 de Maio de 2005, a expropriante tomou posse administrativa da parcela nº 2, propriedade da expropriada.

Em 4 de Julho de 2005 a expropriante solicitou ao Tribunal da Relação de Lisboa a nomeação de elementos para a constituição da Arbitragem.

Em 18 de Setembro de 2006 foi proferido o Acórdão de Arbitragem referente à parcela expropriada.

O presente processo deu entrada em juízo a 15 de Dezembro de 2006.

Por despacho proferido em 18 de Dezembro de 2006, foi adjudicada a referida parcela, para integração no domínio público ferroviário, à R. […] EP, notificando-se, simultaneamente, os interessados, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 51º, nº 5, do Código das Expropriações.

J. […] Lda., expropriada, notificada do despacho judicial de adjudicação, proferido em 18 de Dezembro de 2006, veio, ao abrigo do disposto no artigo 52º do Código das Expropriações, interpor recurso da decisão arbitral.

Na fundamentação do recurso, suscitou a caducidade da declaração de utilidade pública (DUP) da expropriação das parcelas de terreno, nas quais se inclui a que é objecto dos autos.

Notificada para, no prazo de 10 dias, dizer o que tivesse por conveniente, veio a expropriante sublinhar a palavra “ou” inserida no artigo 13º, nº3, do Código das Expropriações, mais referindo que a constituição da arbitragem foi promovida em 4 de Julho de 2005, ou seja, cinco meses após a publicação da DUP.

Seguidamente, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar verificada a caducidade da declaração de utilidade pública, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13º, nº3, do Código das Expropriações, declarando-se extinto o direito de expropriação, sem prejuízo do preceituado no nº 6 da mesma norma, e ordenando, em consequência, o arquivamento dos autos.

Apresentou a expropriante recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação.

Juntas as alegações de recurso de fls. 162 a 175, formulou a expropriante as seguintes conclusões :
 
A) Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou verificada a caducidade da declaração de utilidade pública e, em consequência, declarou extinto o direito de expropriação e ordenou o arquivamento dos autos.
B) Por Despacho do Senhor Secretário de Estado dos Transportes e Comunicações com o nº 2622/2005 de 29 de Dezembro de 2004, publicado no Diário da República, II Série, nº 24, de 3 de Fevereiro de 2005, foi declarada a utilidade pública com carácter de urgência da parcela objecto dos presentes autos.
C) A Apelante tomou posse administrativa da parcela expropriada em 30 de Maio de 2005.
D) A Arbitragem foi concluída por Acórdão de 18 de Setembro de 2006.
E) O processo de expropriação litigiosa deu entrada no Tribunal Judicial da Moita em 15 de Dezembro de 2006.
F) Por douto despacho notificado em 20 de Dezembro de 2006, foi adjudicada à apelante, para integração no domínio público ferroviário do Estado, a parcela dos presentes autos.
G) O referido despacho de adjudicação transitou em julgado.
H) Em 22 de Janeiro de 2007, a expropriada interpôs recurso do acórdão arbitral tendo no mesmo, e como questão preliminar, invocado a caducidade da DUP.
I) Entendeu a sentença recorrida que ao Expropriado é lícito arguir a caducidade da DUP até ao momento da decisão final.

J) Dispõe o nº 2 do art.º 333º do Código Civil que:

 “ Se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no art.º 303º”, ou seja, necessita de ser invocada por aquele a quem aproveita.

L) Dispõe o nº 4 do art.º 13º do C.E. que:
A declaração de caducidade pode ser requerida pelo expropriado ou por qualquer outro interessado ao tribunal competente para conhecer do recurso da decisão arbitral ...”.

M) O pedido de caducidade da declaração de utilidade pública está contido na disponibilidade do expropriado, não sendo de conhecimento oficioso, nem podendo ser requerido pela entidade expropriante – cf. Acórdão da Relação do Porto de 15 de Fevereiro de 1996 (Proc. 10162 in www.dgsi.pt)

N) O facto de os despachos previstos no nº 5 do art.º 51º do C.E. – despacho de adjudicação e o despacho a ordenar a notificação às partes do acórdão arbitral – serem simultâneos, não lhes retira a autonomia e independência que revestem.

O) Enquanto que o recurso do despacho de adjudicação  segue o regime geral previsto na lei processual civil, o recurso do acórdão arbitral segue o regime específico do Código das Expropriações.

P) O despacho de adjudicação da propriedade da parcela expropriada foi notificado em 20 de Dezembro de 2006.

Q) O referido despacho transitou em julgado.

R) Não tendo a expropriada interposto recurso do despacho de adjudicação, este tornou-se vinculativo tendo formado caso julgado material.

S) Com o trânsito em julgado do despacho de adjudicação, a expropriação ficou consumada e a propriedade transmitiu-se definitivamente para a Apelante.

T) Sendo que, após a prolação do referido despacho, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz no que aquela matéria respeita.

U) Se o bem expropriado foi adjudicado à expropriante já não pode ter lugar a caducidade e apenas poderá haver lugar à reversão se a esta houver lugar – cf. Acórdão da Relação do Porto de 6 de Maio de 1996 (RP199605069650386 in www.dgsi.pt).

V) A expropriada deveria ter deduzido tal pretensão ou, em requerimento autónomo no prazo limite dos 10 dias contados da data de notificação do despacho de adjudicação ou, no próprio recurso do acórdão arbitral mas sempre dentro do referido prazo de 10 dias.

X) Não o tendo feito, transitou em julgado o despacho de adjudicação de 20 de Dezembro de 2006 pelo que, se consumou definitivamente a expropriação partindo, precisamente, de um dos seus pressupostos essenciais – declaração de utilidade pública.

Z) A sentença recorrida violou, assim, o disposto nos artºs 333º nº 2 e 306º ambos do Código Civil, art.º 13º nº 3 e 4 do C.E. e art.º 671º do C.P.C..
 
Apresentou a expropriada as suas contra-alegações, pugnado pela manutenção do decidido.

II – FACTOS PROVADOS.
Encontra-se provado nos autos que :
1.
2. Por despacho do Secretário de Estado dos Transportes e Comunicações, datado de 29 de Dezembro de 2004, publicado no Diário da República, II Série, de 3 de Fevereiro de 2005, foi declarada a expropriação por utilidade pública, com carácter de urgência, das parcelas de terreno necessárias às obras de remodelação e obras complementares do troço H: Barreiro - Pinhal Novo, na linha do Alentejo (cf. doc. de fls. 5 e 6).
3. Em 12 de Abril de 2005 foi realizada a vistoria “ad perpetuam rei memoriam” da parcela nº2, propriedade da expropriada (cf. doc. de fls. 75 a 79).
4. Em 30 de Maio de 2005, a expropriante tomou posse administrativa da parcela nº 2, propriedade da expropriada (cf. doc. de fls. 56).
5. Em 4 de Julho de 2005 a expropriante solicitou ao Tribunal da Relação de Lisboa a nomeação de elementos para a constituição da Arbitragem (cf. doc. de fls. 64).
6.  Em 18 de Setembro de 2006 foi proferido o Acórdão de Arbitragem referente à parcela expropriada (cf. doc. de fls. 70 a 74).
7. Os autos foram remetidos a este Tribunal em 15 de Maio de 2006 (fls. 2).
 
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.

São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar :

1 – Do conhecimento da excepção de caducidade da declaração de utilidade pública.
2 – Da intempestividade da sua arguição pela expropriada.

Passemos à sua análise :

1 – Do conhecimento da excepção de caducidade da declaração de utilidade pública.

A caducidade da declaração de utilidade pública depende de atempada arguição pelo expropriado ou por qualquer interessado, não sendo do conhecimento oficioso do Tribunal[1][2].

É o que necessariamente resulta do disposto no art.º 13º, nº 4, do Código das Expropriações, onde se confere ao expropriado a possibilidade de requerer a declaração de caducidade, sem que em qualquer outra norma se preveja o seu conhecimento oficioso pelo Tribunal[3].

Este regime encontra-se, ainda, em estreita consonância com o estabelecido nos artsº 333º e 303º, do Cod. Civil.

Há que considerar que nos encontramos perante matéria que não é subtraída à disponibilidade das partes, como o atesta o facto da expropriante poder desistir da expropriação ( art.º 88º, do Código das Expropriações ), bem como da faculdade de realização de transacção judicial ( artsº 36º, 37º e 67º, do Código das Expropriações ).

Poderá o expropriado não ver qualquer interesse em suscitar tal excepção de caducidade, preferindo o prosseguimento do processo expropriativo, não subsistindo, nesse caso, interesse público que imponha o arquivamento dos autos, por via do esgotamento dos prazos consignados no art.º 13º, nº 3, do Código das Expropriações.

O interesse primordial prosseguido com a introdução na lei[4] do prazo de caducidade da declaração de utilidade pública prende-se especialmente com a protecção do direito de propriedade do particular e do seu sucedâneo – o direito à indemnização justa -, obviando ao protelamento, ou mesmo eternização, da indesejável situação de indisponibilidade, imposta por imperativos de interesse público ao expropriado.

É, por conseguinte, um interesse de natureza privada – e disponível – que subjaz ao fundamento desta caducidade.  

2 – Da intempestividade da sua arguição pela expropriada.

Entendeu-se, na decisão recorrida, que a arguição da caducidade da declaração de utilidade pública podia ser invocada até à decisão final a proferir nos autos[5].

Não sufragamos tal entendimento.

Afigura-se-nos, pelo contrário, que
A arguição da excepção de caducidade da declaração de utilidade pública deverá ter lugar em momento anterior à adjudicação, por decisão judicial, da parcela expropriada à entidade expropriante.[6]

Com efeito,

Através dessa decisão opera-se a transferência da propriedade sobre o bem expropriado em favor do respectivo beneficiário[7].

O art.º 51º, nº 5, do Código das Expropriações, autonomiza, com toda a clareza, dois actos processuais autónomos que ao juiz compete praticar : um primeiro, através do qual, verificados todos os requisitos necessários[8], adjudica à entidade expropriante a propriedade da parcela, notificando do mesmo o expropriado ; um segundo, em que dá a conhecer ao expropriado a decisão arbitral, bem como todos os elementos apresentados pelos árbitros, informando-o da faculdade de interposição de recurso.

Assim sendo,

O prazo previsto no art.º 52º, nº 1, do Código das Expropriações destina-se exclusivamente, conforme decorre inequivocamente da lei, à impugnação do acórdão arbitral, abrindo a discussão acerca do valor indemnizatório devido.

Esta fase processual nada tem que ver com a matéria atinente à aquisição, através de adjudicação judicial, da parcela expropriada pela expropriante.

A possibilidade de arguição da caducidade da declaração de utilidade pública precludirá se não for suscitada antes do juiz proferir o despacho de adjudicação da parcela expropriada[9].

A transferência de propriedade consolida-se, naturalmente, com o trânsito em julgado do despacho proferido nos termos da 1ª parte, do art.º 51º, nº 5, do Código das Expropriações[10][11].

De resto - salvaguardando sempre o devido respeito por entendimentos contrários -, não é compreensível nem justificável que o expropriado possa arguir a caducidade da declaração de utilidade pública até ao final do processo expropriativo[12].

Em primeiro lugar, inexiste norma que – expressa ou implicitamente - estenda tal faculdade para além do momento da adjudicação judicial da parcela expropriada[13].

Não se prevê mesmo no Código das Expropriações qualquer processado subsequente, no que concerne ao efeito translativo típico inerente adjudicação judicial da parcela expropriada, para além do momento a que alude o art.º 51º, nº 5º, 1ª parte.

Logo, não há disposição legal que preveja o conhecimento dessa matéria no âmbito da discussão acerca do quantum indemnizatório devido.

Em segundo lugar, seria absolutamente incongruente obrigar o juiz a rever o sentido do despacho de adjudicação que, nos termos legais e no momento processual próprio, proferiu, voltando a julgar os pressupostos da transferência de propriedade sobre a parcela expropriada[14] que, no uso dos seus poderes jurisdicionais, já antes analisou[15].

Em terceiro lugar, a fase processual que se inicia com o recurso interposto nos termos do art.º 52º, nº 1, do Código das Expropriações, já tem subentendida a transferência da propriedade da parcela expropriada em favor da expropriante.

Admitindo-se, por hipótese, a possibilidade de ser arguida, nesta fase, a caducidade da declaração de utilidade pública - não dando como facto adquirido que o bem em causa é já propriedade da expropriante -, constituiria um contra-senso a discussão, em simultâneo, do valor indemnizatório a atribuir ao expropriado[16].

Se o bem em apreço, afinal, por força da caducidade da declaração de utilidade pública, nem sequer será transferido para a expropriante, todas as diligências processuais em torno da atribuição duma indemnização pela expropriação são totalmente inúteis, desprovidas de sentido prático e redundam numa absoluta perda de tempo.

Em quarto lugar, o processo de expropriação, quer na sua fase administrativa, quer na fase judicial[17], proporciona ao expropriado e a outros interessados, actuando com a diligência devida, amplas possibilidades de suscitarem, com tempo, a caducidade da declaração de utilidade pública.

Desde logo, a publicação em jornal oficial da data da declaração de utilidade pública, conjugada com fixação de prazos fixos, claramente definidos na lei[18], permitem descortinar, com facilidade, o momento temporal em que operou tal caducidade[19].

Por outro lado, a lei faculta ao expropriado e aos demais interessados a participação activa no processo de expropriação, na sua fase administrativa.

Assiste-lhes, particularmente, o direito a :

Serem notificados, através de cópia, do auto de posse administrativa ( art.º 22º, nº 3 ).

Receberem a proposta do montante indemnizatório, no prazo de quinze dias após a publicação da declaração de utilidade pública ( art.º 35º, nº 1 ) ;

Serem notificados do início da expropriação litigiosa ( art.º 35º, nº 3 ) ;

Intervirem, com expressa atribuição de legitimidade, no processo ( art.º 40º, nº 1 ) ;

Requererem, nas situações previstas nas alíneas b), c), d) e e), do nº 2, do art.º 42º, que as funções da entidade expropriante relativas à constituição e funcionamento da arbitragem passem a caber ao juiz de direito da comarca da situação do bem ( art.º 42º, nº 3).

Apresentarem os quesitos que entenderem pertinentes para a fixação do valor dos bens objecto da expropriação, devendo serem notificados desta faculdade ( artsº 48º e 47º, nº 2 ) ;

Comparecerem à decisão arbitral ( art.º 49º, nº 6 );
Requererem ao tribunal que determine à entidade expropriante a remessa dos autos a juízo, para efeitos de adjudicação e recurso da decisão arbitral, caso a expropriante o não faça no prazo de trinta dias, contado da decisão arbitral. ( art.º 51º, nº 2 ) ;

Reclamarem contra qualquer irregularidade cometida no procedimento administrativa ( art.º 54º, nº 1 ).

Ora, O acompanhamento, atento e interessado, das vicissitudes atinentes ao processo de expropriação, na sua fase administrativa[20], permite perfeitamente a invocação, pelo expropriado, da caducidade da declaração de utilidade pública, em tempo útil, isto é, em momento anterior à adjudicação judicial.

O conhecimento das excepções que obstam ao deferimento da pretensão da expropriante - quanto à adjudicação do bem a expropriar -, só podem logicamente suscitar-se antes do momento processual definido na lei[21] para o Tribunal analisar e decidir tal matéria, transferindo, ou não, a propriedade da parcela expropriada para o beneficiário.

Não faz sentido que, não podendo conhecer oficiosamente da caducidade da declaração de utilidade pública – o que supõe que o expropriado, se nisso tiver interesse, a invoque[22] – o Tribunal se veja[23], simultaneamente, na estranha eminência de desdizer-se – considerando afinal “ não adjudicado “ aquilo que antes, sem nenhum óbice e com a previsível chancela do caso julgado[24], havia efectiva e legalmente adjudicado à expropriante[25].

Foi, por conseguinte, intempestiva a arguição de caducidade da declaração de utilidade pública, impondo-se a validade e plena eficácia da decisão de adjudicação judicial e o prosseguimento dos autos para apuramento do quantum indemnizatório devido.

Pelo que a presente apelação não poderá deixar de proceder.

IV - DECISÃO :

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão que julgou verificada a caducidade da declaração de utilidade pública, a qual deverá ser substituída por outra que dê seguimento aos ulteriores termos processuais.
Custas pela apelada.
      
Lisboa, 6 de Novembro de 2007.

                          
( Luís Espírito Santo ).          

 
( Isabel Salgado ).

                                                                    
( Roque Nogueira ).

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[1] Trata-se de jurisprudência firmada : vide, entre muitos outros, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Outubro de 1996, publicado in www.dgsi.pt ; acórdão da Relação de Lisboa de 9 de Junho de 1996, publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XIX, tomo III, pag. 282 ; acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Fevereiro de 1996, ( relator Serra Batista ), publicado in www.dgsi.pt ; acórdão da Relação do Porto de 5 de Fevereiro de 1996, ( relator Couto Pereira ) in www.dgsi.pt. ; acórdão da Relação de Lisboa de 29 de Junho de 1995, ( relator Silva Paixão ), publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XX, tomo III, pags. 148 a 150 ; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Outubro de 1988, ( relator Pires Machado ), in BMJ nº 380, pags. 311 a 315, onde se salienta “ …a caducidade é estabelecida em proveito do proprietário, tendo, por estar em jogo um interesse privado e poder haver alienação voluntária, de entender-se que este ( proprietário ) pode dispor livremente do seu direito de a invocar. “ ; acórdão da Relação de Évora de 9 de Junho de 1994, ( relator Cortez Neves ), publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XIX, tomo III, pags. 282 a 283 ; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Março de 1989, ( relator Pires Machado ), in BMJ nº 385 , pags. 411 a 417. Vide, ainda, anotação ao artº 13º, in “ Código das Expropriações “ Anotado por Victor Sá Pereira e António Proença Fouto e “ Guia das Expropriações por Utilidade Pública “ de Pedro Elias da Costa, pag. 224.
[2] No sentido de que esta excepção de caducidade é do conhecimento oficioso do Tribunal, vide Osvaldo Gomes, in “ Expropriações por Utilidade Pública “, pags. 356 a 359, onde refere : “ …pressupondo a adjudicação da propriedade a existência e eficácia da declaração de utilidade pública, os tribunais comuns têm de conhecer de todas as causas extintivas do direito invocado pela expropriante, maxime da caducidade prescrita no artº 10º, nº 3, do CE 91 ( … ) a ratio juris do artº 10º do CE 91 e os interesses aí tutelados prendem-se com valores fundamentais de qualquer Estado de Direito, ultrapassando o domínio reservado e disponível dos particulares. “. Sobre os fundamentos da caducidade da declaração de utilidade pública, enquanto corolário do princípio da protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos, expressão da garantia constitucional do direito de propriedade privada, vide Fausto de Quadros, in  “ Breves Reflexões em torno do artº 9º, nº 2, do Código das Expropriações “, in  separata da Revista da Ordem dos Advogados.
[3] Que dispensaria, logicamente, a sua invocação pelas partes.
[4] Por via do Decreto-lei nº 154/83, de 12 de Abril, que acrescentou tal regime à versão original do artº 9º, do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-lei nº 845/76, de 11 de Dezembro – fixando em um ano o prazo de caducidade da declaração de utilidade pública ( ulteriormente alargado, por força do Decreto-lei nº 413/83, de 23 de Novembro, para dois anos ).
[5] No mesmo sentido, vide acórdão da Relação de Lisboa de 19 de Outubro de 2006 ( relator Jorge Leal ), publicado in www.dgsi.pt ; acórdão da Relação do Porto de 21 de Junho de 2000 ( relator João Vaz ), sumariado in www.dgsi.pt.
[6] Vide, a este propósito – embora sem total coincidência com a posição que ora se adopta -, o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Março de 2007, ( relator Camilo Moreira Camilo ), publicado in Colectânea de Juisprudência/STJ, Ano XV, tomo I, pags. 110 a 112, no qual se conclui que “ Deveriam os interessados ( … ) requerer a declaração da caducidade da DUP, pelo facto de o processo não ter sido remetido a tribunal no prazo de 18 meses previsto no referido artigo 13º, nº 3, em requerimento autónomo, ( … ) no prazo-limite de 10 dias, a contar da notificação a que alude o nº 5, do artigo 51º ( cfr. artº 153º, nº 1, do Código de Processo Civil ). “.
[7] Sobre este ponto, vide Osvaldo Gomes, in ob. cit. supra, pags. 382 ; 332 a 335 e 359 a 361, onde este autor salienta, de forma clarividente, que : “ O despacho de adjudicação é uma verdadeira decisão judicial, não se traduzindo num mero visto, nem em simples elemento integrativo da eficácia do acto de declaração de utilidade pública ( … ) a aquisição dos direitos reais sobre imóveis pelo beneficiário da expropriação verifica-se ( no momento ) da prolação do despacho de adjudicação da propriedade pelo juiz, nas expropriações litigiosas que não sejam expropriações parcelares ( … ) O despacho de adjudicação previsto no artº 50º, nº 4, ( do CE 91 ) consuma a ablação dos direitos do expropriado. “.
[8] Vide, quanto à natureza deste acto judicial e contrariando a tese simplista e redutora que vê no mesmo um simples acto de controlo formal, equiparável a um “ visto “, acórdão da Relação do Porto de 8 de Janeiro de 1996, anotado e comentado por Osvaldo Gomes, in Revista da Ordem dos Advogados, nº 56, Dezembro de 1996, pags. 971 a 1009, onde se pode ler : “ A declaração de utilidade pública constitui o acto-chave ou basilar do procedimento expropriativo, resultando do despacho de adjudicação – verdadeira decisão judicial – a ablação do direito de propriedade “.
[9] Tal como se verifica, em geral, relativamente ao conhecimento de qualquer outra excepção peremptória de caducidade ( a qual não é atendível depois do juiz haver decidido acerca do mérito do direito que a mesma visaria extinguir – e ainda que esteja a decorrer o prazo legal fixado para a impugnação, por via de recurso, dessa decisão judicial ).
[10] Sendo certo que é através de tal despacho de adjudicação, independentemente do seu posterior e eventual trânsito em julgado, que o juiz analisa a validade e eficácia da declaração de utilidade pública e toma conhecimento da invocação da sua caducidade ( se existir, claro ).
[11] Justificar-se-á, sim, a interposição de recurso contra o despacho de adjudicação, com fundamento na caducidade da declaração de utilidade pública, caso se entenda que a mesma é do conhecimento oficioso – havendo, nesse pressuposto, violação da lei pelo facto do juiz não ter da mesma conhecido.
[12] Salientando-se que, na situação sub judice, a expropriante já havia tomado posse administrativa da parcela expropriada em 30 de Maio de 2005.
[13] Atente-se em que o juiz ao adjudicar a parcela expropriada à expropriante – reconhecendo a plena validade e eficácia da declaração de utilidade pública que, de forma imprescindível, lhe subjaz -, esgotou naturalmente o seu poder jurisdicional nesta matéria, em conformidade com o disposto no artº 666º, nº 1, do Cod. Proc. Civil.
[14] Conforme se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Outubro de 1991, ( relator Martins da Fonseca ), publicado in BMJ nº 410, pags. 748 a 753 : “ A declaração de utilidade pública é mais do que uma simples condição de expropriação, é o facto constitutivo da relação de expropriação. “.
[15] Discorda-se da posição assumida por Fernando Alves Correia, in “ As Garantias do Particular “, pags. 114 e 194, no sentido de que “ o acto de transferência da propriedade e da posse ( se esta não tiver sido feita administrativamente ), embora da competência do juiz do tribunal comum, não é um acto judicial, sob o ponto de vista material, pela simples razão de que aquele não tem qualquer poder de julgamento ou de apreciação ou ilegalidade da expropriação, nem muito menos da sua conveniência ou oportunidade. O juiz realiza apenas uma acto de controle preventivo ( … ) de âmbito limitado, verificando tão só a regularidade formal dos actos do procedimento expropriativo “. Em sentido oposto, com argumentação clara, consistente e convincente, vide Osvaldo Gomes in ob. cit. supra, pags. 333 a 335, doutrina para a qual, respeitosamente, se remete. 
[16] Sem olvidar o interesse substantivo e processual em que a questão jurídica da validade da declaração de utilidade pública seja rapidamente esclarecida e definida - com trânsito em julgado -, gerando uma desejável situação de certeza e segurança quanto à transferência da propriedade sobre a parcela de que a entidade expropriante tomou posse administrativa ( com vista à sua afectação a fins de interesse público e bem estar social ).
[17] Embora no seu momento liminar, reconheça-se.
[18] Cujo conhecimento incumbe aos cidadãos, em geral ( artº 6º, do Cod. Civil ).
[19] Para além de que o expropriado é notificado da resolução de requerer a declaração de utilidade pública, a qual deverá incluir a proposta de aquisição, por via de direito privado, que tem como referência o valor constante do relatório do perito ( artsº 10º, nº 5 e 11º, nº 2 ), bem como do acto declarativo da utilidade pública e da sua renovação ( artº 17º, nº 1 ).
[20] Proporcionado, em termos amplos, pelo Código das Expropriações.
[21] Que ninguém duvida ser o previsto no artº 51º, nº 5, 1ª parte, do Código das Expropriações.
[22] Constituindo um ónus que sobre ele impende.
[23] Num momento processual ulterior, destinado a finalidades completamente diversas e autónomas.
[24] É indiscutível que a decisão de adjudicação, sendo passível de recurso nos termos gerais, produz o efeito de caso julgado, em conformidade com o disposto no artº 671º, nº 1, do Cod. Proc. Civil.
[25] Vide, ainda, sobre esta matéria, acórdão da Relação de Lisboa de 26 de Outubro de 2006 ( relatora Fátima Galante ), publicado in www.dgsi.pt, e acórdão da Relação do Porto de 6 de Maio de 1996 ( relator Simões Freire ), sumariado in www.dgsi.pt.