Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1627/21.2YRLSB-3
Relator: JOÃO LEE FERREIRA
Descritores: EXTRADIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: EXTRADIÇÃO
Decisão: DEFERIDA A EXTRADIÇÃO
Sumário: I- Se não houver necessidade de audição de testemunhas, nem de produção de outros meios de prova para lá dos documentos apresentados pelo Extraditando e tendo sido assegurado exercício do contraditório, não se justifica a realização das alegações referidas nos artigos 56º e 57º da Lei nº 144/99 de 31 de Agosto e o processo deverá prosseguir para a decisão final em Conferência;
II- Uma vez que neste pedido de extradição, a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa são, respetivamente, Estado requerente e Estado requerido, o regime definido na Convenção entre os Países da CPLP substitui ou afasta a aplicação das normas da Lei nº 144/99 de 31 de Agosto que regulem a mesma matéria. Ainda em conformidade com o previsto no artigo 25º nº 1, as disposições da Convenção CPLP sobrepõem-se às disposições do anterior Tratado de Extradição entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, assinado em Brasília em 7 de Maio de 1991;
III- A jurisprudência tem afirmado unanimemente que o circunstancialismo decorrente da actual situação prisional no Brasil não constitui causa de recusa da extradição, sublinhando que o princípio da confiança mútua impõe que cada um dos Estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa que firmaram a Convenção respeite os direitos fundamentais e não permita a existência de condições indignas ou desumanas nos estabelecimentos prisionais.
IV- No artigo 4º da Convenção da CPLP, norma que enuncia de forma taxativa as causas de recusa facultativa da extradição, não se inclui a possibilidade de denegação da cooperação internacional quando do deferimento do pedido possam resultar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal, tal qual sucede com o n.º 2 do artigo 18º da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto.
 ( Sumário elaborado pelo relator )
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes desembargadores no Tribunal da Relação de Lisboa[1]:

1. O Ministério Público promoveu a extradição para o Brasil do cidadão PSB____ , de nacionalidade brasileira, nascido em Goiania a 15 de Janeiro de 1996, titular do passaporte n° FS0280, com residência em Av., Goiania, Brasil e em Portugal na Rua Venteira ao abrigo da Convenção de Extradição entre Estados membros da CPLP e da Lei n° 144/99, de 31 de Agosto.
O Requerido foi detido em Portugal pela autoridade policial portuguesa em 18 de Agosto de 2021, em cumprimento de mandado de detenção formulado pela autoridade judiciária da República Federativa do Brasil.
No dia seguinte, procedeu-se a diligência de audição do extraditando no Tribunal da Relação de Lisboa, em conformidade com o disposto no artigo 54º da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto. Nessa diligência, o requerido declarou opor-se à extradição. O relator de turno decidiu manter a situação de detenção provisória do requerido.
Em 3 de Setembro de 2021, a Procuradoria Geral da República comunicou aos presentes autos que tinha dado entrada do pedido formal de extradição da República Federativa do Brasil.
Em 17 de Setembro de 2021, o extraditando PSB____  deduziu oposição à extradição que conclui nos seguintes termos (transcrição parcial):
“(…) deve a presente ação principal ser julgada procedente, por provado, e em consequência ser:
1 - Revogada a detenção, sob a consequência de, se assim não o fizer, estar configurada a detenção ilegal, tendo em vista o decurso do prazo legal de 18 dias em razão da ausência de comunicação da intenção de formular pedido de extradição, bem como, de fundamentos que possam justificar eventual dilação do prazo para 40 dias.
2-Revogada a detenção, sob a consequência de, se assim não o fizer, estar configurada a detenção ilegal, tendo em vista o decurso do prazo legal de 18 dias em razão da ausência do pedido formal de extradição, bem como, de fundamentos que possam justificar eventual dilação do prazo para 40 dias. 
3-Concedido novo prazo para a manifestação do mandatário do extraditando após a juntada aos autos do pedido formal de extradição, haja vista que, até o presente momento não houve pedido formal de extradição e a ausência deste impossibilita a análise dos pressupostos violando os princípios da ampla defesa, contraditório, configurando cerceamento de defesa.
4-Reconhecida a inadmissibilidade da extradição, nos termos do artigo 3° do Tratado de extradição entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil, tendo em vista as condições desumanas dos presídios brasileiros, conforme foi reconhecida na arguição de descumprimento de preceito fundamental 347 julgada pelo Supremo Tribunal federal brasileiro.
5-Denegado o pedido de extradição em razão dos motivos de carater pessoal do extraditando, nos termos do artigo 18, número 2 da lei 144/99, em especial pelos motivos de perseguição, tentativas de vingança e ameaças que o extraditando está a sofrer.
6-Subsidiariamente, caso Vossa Excelência não entenda pela procedência dos demais pedidos que seja reconsiderada a decisão de manutenção da detenção para que seja aplicada medida de coação diversa, haja vista que a situação fática do extraditando foi alterada, uma vez que agora encontra-se em local certo e sabido, bem como, já não há mais o perigo iminente de fuga dada a intenção do extraditando de trabalhar e regularizar a sua situação em território português.
O requerido juntou dois documentos e não requereu a realização de qualquer prova por testemunho ou declarações.
Em 20 de Setembro de 2021 (2ª feira), o Ministério Público juntou o pedido formal da República Federativa do Brasil de extradição do cidadão PSB____  para “responder a processo criminal pela suposta prática do crime de homicídio na forma tentada capitulado no artigo 121 § 2º inciso 4IV c/c o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal.
O extraditando foi notificado da junção do pedido formal das autoridades brasileiras e para se pronunciar em cinco dias.
 Em 27 de Setembro de 2021, o Ministério Público apresentou resposta à oposição, concluindo que mantém o pedido de extradição formulado nos autos, pugnando pelo seu deferimento, por não existir óbice ou motivo algum que impeça o deferimento da presente extradição.
Em 29 de Setembro de 2021, o Requerido apresentou requerimento na sequência da notificação para se pronunciar quanto ao teor do pedido formal de extradição, concluindo nos seguintes termos (transcrição):
“(…) (D)eve a presente ação principal ser julgada procedente, por provado, e em consequência ser:
1-Reconhecido os erros na tramitação processual e que tais erros violaram direitos do ora Extraditando, bem como que seja cessada a detenção;
2-Concedido o prazo de 08 dias para a dedução da oposição, haja vista que foi concedido o prazo de 05 dias, prazo menor do que o prazo legal, previsto no artigo 55, n. 1, da Lei 144/99 (com as devidas alterações).
3-Seja determinada a correção do pedido formal de extradição, fixando- se prazo para que se proceda, a fim de que seja juntado documento relativo ao facto, ainda que seja a Portaria de instauração de IPL, o conforme art. 23, n. 1 alínea g, da Lei 144/99 (com as devidas alterações), sob a consequência de que não o fazendo, ser o processo de extradição arquivado e o Extraditando ser colocado imediatamente em liberdade, nos termos do artigo 45, n. 2 e 3, da Lei 144/99 (com as devidas alterações).
4-Seja determinada a correção do pedido formal de extradição, fixando- se prazo para que se proceda, a fim de que seja juntada nova cópia devidamente autenticada da decisão que ordenou a expedição do mandado de detenção para procedimento penal, nos termos do art. 44, n. alínea "b”, da Lei 144/99 (com as devidas alterações), sob a consequência de que não o fazendo, ser o processo de extradição arquivado e o Extraditando ser colocado imediatamente em liberdade, nos termos do artigo 45, n. 2 e 3, da Lei 144/99 (com as devidas alterações).
3-Reconhecida a inadmissibilidade da extradição, nos termos do artigo 3° do Tratado de extradição entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil, tendo em vista as condições desumanas dos presídios brasileiros, conforme foi reconhecida na arguição de descumprimento de preceito fundamental 347 julgada pelo Supremo Tribunal federal brasileiro.
4-Denegado o pedido de extradição em razão dos motivos de carater pessoal do extraditando, nos termos do artigo 18, número 2 da lei 144/99, em especial pelos motivos de perseguição, tentativas de vingança e ameaças que o extraditando está a sofrer.
5-Subsidiariamente, caso Vossa Excelência não entenda pela procedência dos demais pedidos que seja reconsiderada a decisão de manutenção da detenção para que seja aplicada medida de coação diversa, haja vista que a situação fática do extraditando foi alterada, uma vez que agora encontra-se em local certo e sabido, bem como, já não há mais o perigo iminente de fuga dada a intenção do extraditando de trabalhar e regularizar a sua situação em território português.
8-Levantadas as coisas que estavam com o Extraditando no momento da detenção e que foram apreendidas, caso seja possível, pelo mandatário do Extraditando.
9-Enviadas ao Estado requerente as coisas que estavam com o Extraditando no momento da detenção e que foram apreendidas, caso não seja possível serem levantadas pelo mandatário do Extraditando, e que permaneça sob a custódia deste, enquanto o Extraditando estiver detido ou até que ocorram ulteriores decisões no processo que tramita no Brasil.”
2. Tendo em conta o disposto nos artigos 56º a 57º da Lei nº 144/99 de 31 de Agosto[2], poder-se-ia entender que após a oposição do extraditando, haveria lugar a produção de prova e a alegações por cinco dias, antes da decisão final.
Neste processo o extraditando ofereceu três documentos, mas não existe qualquer outra prova a produzir, pelo que a realização de alegações seria acto processual destituído de qualquer utilidade.
Acompanhamos assim a posição expressa no acórdão do STJ de 09-07-2015, proc. 65/14.8YREVR.S1, João Silva Miguel, in www.dgsi.pt:
Havendo produção de prova, compreende-se que o extraditando e o Ministério possam exprimir as suas posições sobre o resultado da diligência, habilitando o tribunal com os seus pontos de vista sobre a questão; não havendo produção de prova, as respetivas posições decorrem já do pedido formulado pelo MP e pela resposta providenciada pelo extraditando, não havendo razão para, nestas situações, haver lugar a alegações, cuja omissão não ofende o disposto no art. 56.º da Lei 144/99, de 31-08.
Neste sentido, não havendo necessidade de audição de testemunhas, nem de produção de outros meios de prova, para lá dos documentos apresentados pelo Extraditando e tendo sido assegurado exercício do contraditório, não se justifica a existência de (mais) alegações e o processo deverá prosseguir de imediato para a decisão final[3].     
3. As questões a decidir são as seguintes, pela ordem lógica de conhecimento:
a) Observância dos prazos de comunicação de intenção e de formalização do pedido de extradição pelo Estado requerente;
b) Prazo para a dedução da oposição;
c) Correcção do pedido formal de extradição para cumprimento do requisito constante do artigo 23º nº 1, alínea g) da Lei nº 144/99 de 31 de Agosto e por junção de cópia autenticada da decisão que ordenou a expedição do mandado de detenção e cumprimento do requisito constante do artigo 44º nº 2, alínea b) da Lei nº 144/99 de 31 de Agosto;
e) Inadmissibilidade da extradição tendo em vista as condições desumanas dos presídios brasileiros;
f) Denegação do pedido de extradição por motivos pessoais do extraditando;
g)Manutenção ou revogação da detenção provisória do extraditando e substituição por diversa medida de coacção;
h) Destino dos objectos apreendidos.
4. O circunstancialismo fáctico-processual provado com interesse para a decisão é o seguinte:
4.1 No âmbito do processo n°5563926-27.2020.8.09.0051, que corre termos na 3ª Vara de Crimes Dolosos Contra a Vida e Tribunal de Júri da Comarca de Goiânia, PSB____ , cidadão brasileiro, encontra-se acusado pela prática de factos subsumíveis ao tipo legal de homicídio na forma tentada previsto pelos artigos 121°, §2°, inciso IV e 14, inciso II, do Código Penal brasileiro e abstractamente punível com pena de prisão até 20 anos.
4.2 A autoridade judicial Brasileira emitente do mandado de detenção decretou a prisão preventiva e solicitou a extradição do requerido PSB____  por considerar indiciado que (transcrição nos seus precisos termos):
No dia 17 do mês de Fevereiro do ano de 2020, por volta de 20h 45m, na Rua U-52, em um campo de futebol no Setor Vila União, nesta Capital, o denunciado PSB____ , usando uma arma de fogo deu início à execução de um crime de homicídio em desfavor da vítima T___   , de 24 anos, ao efectuar nele vários tiros, cujo delito só não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade.
Apurou-se ainda que T___  (vítima) viveu em união estável com MSS___  desde o ano de 2016, e deste relacionamento tiveram 02 filhos. Consta também do Inquérito que T___  e o denunciado eram amigos há aproximadamente 11 anos, inclusive, T___  tinha o hábito de frequentar a casa dele na companhia de seus filhos e de sua esposa.
No final do mês de Janeiro do ano de 2020, aproximadamente, T___ e MSS___ terminaram o relacionamento e, após a separação, várias pessoas comentaram que o denunciado havia “ficado" com MSS___  em uma festa, motivo pelo qual T___  enviou algumas mensagens para ele, questionando-o a respeito deste assunto, o qual negou veementemente.
Na data do fato (17/02/2020) T___ e o denunciado PSB____  trocaram várias mensagens por meio de aplicativos abordando o referido assunto e, em uma delas, T___  disse que MSS___  lhe confirmou que realmente havia namorado o denunciado na aludida festa.
Então, o denunciado propôs encontrar T___  para conversarem pessoalmente, tendo combinado que o encontro seria às 20 h, em um campo de futebol situado na Vila União. Na hora aprazada, T___  chegou ao local ocupando um veículo FIAT/MOBI, desembarcou e ficou aguardando a chegada do denunciado. Por volta de 20h45, o denunciado chegou ao local conduzindo um veículo VW/GOL, estacionou-o e foi ao encontro do T___ , e quando estava há aproximadamente 02 metros de distância dele pronunciou as seguintes palavras: "você está acreditando naquela vagabunda"! Ao mesmo tempo, repentinamente, sacou uma arma de fogo que trazia consigo na cintura e efectuou vários tiros em T___ , atingindo-o mais de uma vez, derrubando-o no chão. Conforme os depoimentos das testemunhas presenciais, o denunciado atirou cerca de 06(seis)vezes em T___ , o qual foi socorrido pelo SAMU e levado para o Hospital de Urgências, onde recebeu eficaz atendimento médico e sobreviveu.
De acordo com o relatório médico de lesões corporais de folhas 29-30, autos físicos do Inquérito, evento 1, arquivo 3, T___  foi atingido por projécteis transfixantes no braço direito e na mão esquerda, e um outro na região temporal direita que não transfixou, todavia, causou a perda da visão do olho direito. Portanto, demonstrado restou a intenção homicida, notadamente em razão do número de tiros efectuados.
4.3. O Requerido foi detido pela autoridade policial portuguesa em 18 de Agosto de 2021.
Na audição de detido, PSB____  declarou que se encontra em Portugal desde Março de 2020, trabalhando actualmente como estafeta da Uber. Afirmou ainda que não tem familiares a viver em Portugal.
4.4 O pedido de extradição de PSB____  formalizado pelo Estado Brasileiro, através do Departamento de Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça da República Federativa do Brasil, dirigido à Procuradoria Geral da República portuguesa, deu entrada na Procuradoria Geral da República em 3 de Setembro de 2021.
Em 13 de Setembro de 2021 a Srª Ministra da Justiça declarou admissível o pedido de extradição apresentado pelo Brasil relativamente a PSB____ , nos termos do disposto nos artigos 31.° e 48.°, n.° 2 da Lei n.° 144/99, de 31 de agosto, e artigos 1.° e 2.° da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, e considerando a informação prestada pela Procuradoria-Geral da República
4.5 No pedido de extradição foram assumidas as seguintes garantias do Estado brasileiro ao Estado requerido:
I- Não submeter o extraditando a prisão ou processo por fato anterior ao pedido de extradição;
II-Computar o tempo da prisão que, no Estado requerido, foi imposta por força da extradição;
III-Comutar a pena corporal, perpétua ou de morte em pena privativa de liberdade, respeitado o limite máximo de cumprimento de 30 (trinta) anos;
IV-Não entregar o extraditando, sem consentimento do Estado requerido, a outro Estado que o reclame;
V-Não considerar qualquer motivo político para agravar a pena; e
VI-Não submeter o extraditando a tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
4.6. O pedido formal das autoridades do Brasil para a extradição de Portugal para o Brasil do cidadão PSB____  deu entrada nos presentes autos em 20 de Setembro de 2021 (2ª feira).
4.7 Em data não apurada, o Sr. T___ enviou mensagem em aplicativo de comunicação com os seguintes dizeres: "PSB____   , some viu q se eu te achar mlk se nunca vai querer ter nascido vamo resolver se homem pra homem.” (Tradução nossa: PSB____   talaricão - palavra utilizada para definir traidor - some, viu?! Se eu te achar moleque, você nunca vai querer ter nascido. Vamos resolver de homem para homem).
5. Por total ausência de sustentação probatória, julgamos não provado que
A) Após os factos e até os dias actuais, o Sr. T___  continua a ameaçar o ora Extraditando de uma eventual vingança para acerto de contas, sendo que o objectivo do Sr. T___  seria a morte do Extraditando.
B) Em outro momento, foi gravado um vídeo, no qual parece ser o Sr. T___   a dizer que está perseguindo o ora Extraditando e que teria como finalidade se vingar do Extraditando.
C) Há boatos de que essa terceira pessoa conhece e possui relacionamento com pessoas ligadas à facções criminosas dentro e fora dos estabelecimentos prisionais do Estado de Goiânia.
6. Convicção do Tribunal:
O Tribunal formou a sua convicção quanto à “matéria de facto” provada e não provada no exame e valoração conjunta dos documentos juntos aos autos, onde se incluem os documentos apresentados pelo Extraditando com a Oposição e com o requerimento de 29 de Setembro de 2021.
7. Considerações genéricas:
A extradição constitui instrumento de cooperação internacional, pelo qual um Estado (requerente) solicita a outro Estado (requerido) a entrega de uma pessoa para efeito de procedimento penal ou para cumprimento de pena ou de medida de segurança privativas de liberdade, por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente.
A admissibilidade de extradição passiva é regulada pelos Tratados e Convenções internacionais e, na sua falta ou insuficiência, pela Lei de Cooperação Internacional, ou seja, pela Lei nº 144/99 de 31 de Agosto e, ainda, se necessário, pelo Código de Processo Penal.
 Uma vez que no pedido de extradição destes autos, a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa, assumem-se, respectivamente, como Estado requerente e Estado requerido, deverá ser aplicada a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa[4] (adiante designada apenas por Convenção CPLP).
Após a aprovação e publicação oficial, as normas insertas nas convenções internacionais vigoram na ordem jurídica interna, com um valor nunca inferior à lei ordinária interna - cf. artigo 8º n.ºs 1 e 2, da Constituição da Republica Portuguesa (CRP).
Nos termos do artigo 3º da Lei nº 144/99, as formas de cooperação judiciária internacional em matéria penal regem-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições desse diploma.
O que significa que o regime definido na referida Convenção CPLP substitui ou afasta a aplicação das normas da Lei nº 144/99 de 31 de Agosto que regulem a mesma matéria. Ainda em conformidade com o previsto no artigo 25º nº 1, as disposições da Convenção CPLP sobrepõem-se às disposições do anterior Tratado de Extradição entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, assinado em Brasília em 7 de Maio de 1991, aprovado para ratificação pela Assembleia da República na Resolução nº 5/94, publicada no D.R. de 3 de Fevereiro de 1994.
Nos termos da Convenção CPLP:
Artigo 1.º
Obrigação de extraditar
Os Estados Contratantes obrigam-se a entregar, reciprocamente, segundo as regras e as condições estabelecidas na presente Convenção, as pessoas que se encontrem nos seus respectivos territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para fins de procedimento criminal ou para cumprimento de pena privativa da liberdade por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente.
  Artigo 2.º
Factos determinantes da extradição
1 - Dão causa à extradição os factos tipificados como crime segundo as leis do Estado requerente e do Estado requerido, independentemente da denominação dada ao crime, os quais sejam puníveis em ambos os Estados com pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a um ano.
2 - Se a extradição for requerida para o cumprimento de uma pena privativa da liberdade exige-se, ainda, que a parte da pena por cumprir não seja inferior a seis meses.
3 - Se a extradição requerida por um dos Estados Contratantes se referir a diversos crimes, respeitado o princípio da dupla incriminação para cada um deles, basta que apenas um satisfaça as exigências previstas no presente artigo para que a extradição possa ser concedida, inclusive com respeito a todos eles.
  Artigo 3.º
Inadmissibilidade de extradição
1 - Não haverá lugar a extradição nos seguintes casos:
a) Quando se tratar de crime punível com pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física;
b) Quando se tratar de crime que o Estado requerido considere ser político ou com ele conexo. A mera alegação de um fim ou motivo político não implicará que o crime deva necessariamente ser qualificado como tal;
c) Quando se tratar de crime militar que não constitua simultaneamente uma infracção de direito comum;
d) Quando a pessoa reclamada tiver sido definitivamente julgada, indultada, beneficiada por amnistia ou objecto de perdão no Estado requerido com respeito ao facto ou aos factos que fundamentam o pedido de extradição;
e) Quando a pessoa reclamada tiver sido condenada ou dever ser julgada no Estado requerente por um tribunal de excepção;
f) Quando se encontrarem prescritos o procedimento criminal ou a pena em conformidade com a legislação do Estado requerente ou do Estado requerido.
2 - Para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 não se consideram crimes de natureza política ou com eles conexos:
a) Os crimes contra a vida de titulares de órgãos de soberania ou de altos cargos públicos ou de pessoas a quem for devida especial protecção segundo o direito internacional;
b) Os actos de pirataria aérea e marítima;
c) Os actos a que seja retirada natureza de infracção política por convenções internacionais de que seja parte o Estado requerido;
d) O genocídio, os crimes contra a Humanidade, os crimes de guerra e infracções graves segundo as Convenções de Genebra de 1949;
e) Os actos referidos na Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1984.
  Artigo 4.º
Recusa facultativa de extradição
A extradição poderá ser recusada se:
a) A pessoa reclamada for nacional do Estado requerido;
b) O crime que deu lugar ao pedido de extradição for punível com pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida;
c) A pessoa reclamada estiver a ser julgada no território do Estado requerido pelos factos que fundamentam o pedido;
d) A pessoa reclamada não puder ser objecto de procedimento criminal em razão da idade;
e) A pessoa reclamada tiver sido condenada à revelia pela infracção que deu lugar ao pedido de extradição, excepto se as leis do Estado requerente lhe assegurarem a possibilidade de interposição de recurso, a realização de novo julgamento ou outra garantia de natureza equivalente.
8. Prazo de comunicação de intenção e de formalização do pedido de extradição pelo Estado requerente
Alega o Extraditando, em síntese, que no prazo de dezoito dias após a detenção não houve nestes autos manifestação comprovada de que efectivamente o Estado Brasileiro pretendia formular o pedido de extradição, pelo que nos termos do artigo 64º nº 3 da Lei nº 144/99 de 31 de Agosto, o Requerido logo devia ter sido libertado.
A alegação é manifestamente improcedente.
O Requerido invoca o regime previsto na Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, “esquecendo” que na situação concreta destes autos, sendo Brasil o Estado requerente e Portugal o Estado requerido, as normas aplicáveis devem ser encontradas na Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
A Convenção CPLP regula o regime referente à transmissão do pedido de extradição havendo detenção provisória nos seguintes termos:
Artigo 21.º
Detenção provisória
1 - As autoridades competentes do Estado requerente podem solicitar a detenção provisória para assegurar o procedimento de extradição da pessoa reclamada, a qual será cumprida com a máxima urgência pelo Estado requerido de acordo com a sua legislação.
2 - O pedido de detenção provisória deve indicar que tal pessoa é objecto de procedimento criminal, de uma sentença condenatória ou de ordem de detenção judicial, devendo consignar a data e os factos que motivem o pedido, o tempo e o local da sua ocorrência, além dos dados que permitam a identificação da pessoa cuja detenção se requer. Também deverá constar do pedido a intenção de se proceder a um pedido formal de extradição.
3 - O pedido de detenção provisória poderá ser apresentado pelas autoridades competentes do Estado requerente pelas vias estabelecidas na presente Convenção, bem como pela Organização Internacional de Polícia Criminal (INTERPOL), devendo ser transmitido por correio, fax ou qualquer outro meio que permita a comunicação por escrito.
4 - A pessoa detida em virtude do referido pedido de detenção provisória é imediatamente posta em liberdade se, ao cabo de 40 dias seguidos, a contar da data de notificação da sua detenção ao Estado requerente, este não tiver formalizado um pedido de extradição.
5 - O disposto no número anterior não prejudica nova detenção da pessoa reclamada caso venha a ser apresentado o pedido de extradição.
Ressalta do exposto que a Convenção não exige a prévia informação do Estado requerente de que irá formalizar o pedido e determina que a libertação da pessoa detida tem de ocorrer se não for formalizado pedido de extradição no prazo de quarenta dias a contar da notificação ao Estado requerente da detenção da pessoa procurada.
Nestes autos, o mencionado prazo, que se iniciou a 19 de Agosto de 2021, completava-se no dia 27 de Setembro de 2021.
O pedido formal tinha sido junto aos autos sete dias antes do fim desse prazo.
Ainda que assim não fosse e se entendesse aplicável a Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, também não assistia razão ao Requerido.
Com efeito, estabelece o artigo 64º deste diploma legal:
Competência e forma da detenção não directamente solicitada
1 (…)
2 - No caso de ser confirmada, a detenção é comunicada imediatamente à Procuradoria-Geral da República e, pela via mais rápida, à autoridade estrangeira a quem ela interessar, para que informe, urgentemente e pela mesma via, se irá ser formulado o pedido de extradição, solicitando-se-lhe ainda a observância dos prazos previstos no n.º 5 do artigo 38.º
3 - O detido será posto em liberdade 18 dias após a data da detenção se, entretanto, não chegar a informação referida no número anterior, ou 40 dias após a data da detenção se, tendo havido informação positiva, o pedido de extradição não for recebido nesse prazo.
4 – (…)
Não há dúvida de que na economia do diploma legal, o que tem de chegar aos autos no prazo de dezoito dias não é a prova da efectivação do pedido, mas a informação de que o Estado requerente irá formular o pedido de extradição.
Essa informação que o Estado brasileiro iria formalizar o pedido chegou aos autos em 3 de Setembro de 2021, por intermédio do magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal da Relação de Lisboa, mas vinda por ofício da Procuradoria-Geral da República, ou seja, da autoridade central da República Portuguesa para efeito de comunicação e transmissão dos pedidos de extradição (artigo 21º nº 1 da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto).
O que aconteceu antes de se esgotar o prazo de dezoito dias a contar da data da detenção. Posteriormente, o pedido formal de extradição foi junto aos autos antes de decorrido o prazo de quarenta dias após a detenção.
Não houve prorrogação do prazo de detenção de 18 dias para 40 dias, nem ocorreu até hoje motivo atendível para libertação do Requerido.
9. Prazo para a dedução da oposição
Pretende o Requerido que lhe seja concedido um novo prazo de oito dias para poder deduzir oposição ao pedido de extradição.
Nos termos do artigo 55º da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, após a audição do extraditando o defensor ou advogado constituído tem o prazo de oito dias para deduzir por escrito oposição fundamentada ao pedido de extradição e indicar meios de prova admitidos pela lei portuguesa.
A Lei não impõe, nem pressupõe que o prazo de oposição só se inicie depois de junto o pedido formal de extradição.
Nestes autos, o Requerido beneficiou do prazo de oito dias para deduzir oposição e, posteriormente, de um adicional prazo de cinco dias para se pronunciar quanto ao teor do pedido formal de extradição.
Ou seja, prevendo a Lei um prazo de oito dias, o Requerido dispôs no total de treze dias para apresentar a sua oposição e agora reclama pretendendo ainda um novo prazo de oito dias !
O período de treze dias é perfeitamente adequado para o mais amplo exercício do direito ao contraditório mediante a apresentação de todos os argumentos de defesa sobre a verificação dos pressupostos da extradição, pelo que a pretensão do Requerido se revela absolutamente destituída de fundamento e vai indeferida.
10. Correcção do pedido formal de extradição para cumprimento dos requisitos constantes do artigo 23º nº 1, alínea g) e do artigo 44º nº 2, alínea b), ambos da Lei nº 144/99 de 31 de Agosto.
Afirma o Requerido que é necessária a correcção do pedido formal de extradição mediante a junção de documento relativo ao facto, ainda que seja a Portaria de instauração de IPL e a junção de cópia autenticada da decisão que ordenou a expedição do mandado de detenção para procedimento criminal.
Uma vez mais, o Extraditando invoca o regime previsto na Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, “esquecendo” que na situação concreta destes autos, sendo a República Federativa do Brasil o Estado requerente e a República Portuguesa o Estado requerido, as normas aplicáveis devem ser encontradas na Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Nos termos da Convenção CPLP:
Artigo 10.º
Forma e instrução do pedido
1 - Quando se tratar de pedido para procedimento criminal, o pedido de extradição deverá ser acompanhado de original ou cópia certificada do mandado de prisão ou de acto processual equivalente.
2 - Quando se tratar de pedido para cumprimento de pena, o pedido de extradição deverá ser acompanhado de original ou cópia certificada da sentença condenatória e de certidão ou mandado de prisão dos quais conste qual a pena que resta cumprir.
3 - Nas hipóteses referidas nos n.os 1 e 2, deverão ainda acompanhar o pedido:
a) Descrição dos factos pelos quais se requer a extradição, indicando-se o lugar e a data de sua ocorrência, sua qualificação legal e fazendo-se referência às disposições legais aplicáveis;
b) Todos os dados conhecidos quanto à identidade, nacionalidade, domicílio, residência ou localização da pessoa reclamada e, se possível, fotografia, impressões digitais e outros meios que permitam a sua identificação; e
c) Cópia dos textos legais que tipificam e sancionam o crime, identificando a pena aplicável, bem como os que estabelecem o respectivo regime prescricional.
  Artigo 11.º
Dispensa de legalização
1 - O pedido de extradição assim como os documentos que o acompanhem estarão isentos de legalização, autenticação ou formalidade semelhante.
2 - Tratando-se de cópias de documentos, estas deverão estar certificadas por autoridade competente.
  Artigo 12.º
Informações complementares
1 - Se os dados ou documentos enviados com o pedido de extradição forem insuficientes ou irregulares, o Estado requerido comunicará esse facto sem demora ao Estado requerente, que terá o prazo de 45 dias seguidos, contados a partir da data do recebimento da comunicação, para corrigir tais insuficiências ou irregularidades.
2 - Se, por circunstâncias devidamente fundamentadas, o Estado requerente não puder cumprir com o disposto no número anterior dentro do prazo consignado, poderá solicitar ao Estado requerido a prorrogação do referido prazo por mais 20 dias seguidos.
3 - O Estado requerido poderá solicitar ao Estado requerente uma redução do prazo previsto no n.º 1, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto.
4 - O não envio das informações solicitadas nos termos do n.º 1 não obsta a que o pedido de extradição seja decidido à luz das informações disponíveis.
Afigura-se-nos que o pedido de extradição destes autos respeita todo este formalismo legal, contendo designadamente o mandado de prisão, a descrição dos factos imputados, a indicação das normas legais aplicáveis, bem como os dados quanto à identificação da pessoa reclamada, bem como indicação dos textos legais que tipificam o crime, a pena aplicável e o regime prescricional.
Desconhecemos o que pretende o Requerido saber com a “Portaria de instauração de IPL”, sendo incompreensível o relevo desse documento para a perfeição formal do pedido de extradição.
Tendo em conta o disposto no artigo 11º da Convenção, não é necessária a junção de cópia autenticada da decisão que que determinou a expedição do mandado de detenção.
Termos em que julgamos improcedente o requerimento de correcção do pedido de extradição.
Diremos ainda que, se existissem irregularidades, a consequência legal nunca seria o arquivamento do processo de extradição e a libertação imediata do extraditando, como pretende o Requerido, tendo em devida conta o disposto no citado artigo 12º da Convenção CPLP.
11. Inadmissibilidade da extradição tendo em vista as condições desumanas dos presídios brasileiros
Nos requerimentos de oposição, o Extraditando desenvolve extensa argumentação invocando, em síntese, que a eventual sujeição a prisão preventiva no Brasil viola as exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais ou de outros instrumentos internacionais relevantes na matéria, ratificados por Portugal, uma vez que o Estado Brasil não é capaz de garantir princípios como o da dignidade da pessoa humana dentro dos estabelecimentos prisionais para além do total descontrole do vírus causador da pandemia global, COVID 19, (…) em condições precárias e desumanas.
Uma vez mais, o Extraditando invoca o regime previsto na Lei nº 144/99, de 31 de Agosto e as disposições do anterior Tratado de Extradição entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, assinado em Brasília em 7 de Maio de 1991, mas na situação concreta destes autos as normas aplicáveis são em primeiro lugar as constantes da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, assinada em 23 de Novembro de 2005.
A Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que as alegações sobre a actual situação prisional no Brasil não constituem causa de recusa da extradição, sublinhando que o princípio da confiança mútua impõe que cada um dos Estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa que firmaram a Convenção respeite os direitos fundamentais e não permita a existência de condições desumanas nos estabelecimentos prisionais.
Como se escreveu no acórdão do STJ de 21-04-2021, proc. 5/21.8YREVR.S1, Sénio Alves, acessível in www.dgsi.pt,
 (…) o Brasil é um Estado democrático, assente em princípios fundamentais como a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a separação de poderes, regendo-se nas suas relações internacionais pelos princípios da prevalência dos direitos humanos, sendo certo que subscreveu inúmeras convenções internacionais respeitantes aos direitos humanos e à Cooperação Judiciária Internacional, nomeadamente a Convenção de 1987 contra a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes [1] e a Convenção de extradição entre os Estados membros da CPLP [2], razão pela qual as autoridades brasileiras não deixarão de assegurar, de forma integral, o respeito pelos direitos fundamentais do extraditando.
 Como, aliás, se refere no Ac. STJ de 7/9/2017, Proc. 483/16.7YRLSB.S1, «Tendo cada país um regime político-criminal próprio os países subscritores da Convenção da CPLP não deixaram de ter em conta uma comum identidade de princípios e valores de defesa dos direitos humanos quando reciprocamente se obrigaram à extradição enquanto forma de cooperação judiciária internacional em matéria penal, de forma a combater de forma eficaz a criminalidade.
E no que respeita ao Brasil, que é hoje indiscutivelmente um país democrático, é desde logo a Constituição da República que no seu art.º 1.º garante a dignidade da pessoa humana, a independência dos poderes (legislativo, executivo e judiciário) (art.º 2.º), a regência das suas relações internacionais com prevalência dos direitos humanos (…) e a concessão de asilo político (art.º 4.º).
No art.º 5.º garante que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…) III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
(…) XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
(…)
XLVIII – a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;
(…)
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
 Para além disso, o Brasil é um Estado Parte do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas (1966), que ratificou em 1992, bem como da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) e que, à semelhança da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, não deixam de lhe conferir o direito a um processo justo e equitativo, no modo como é consagrado pelo art.º 6.º desta Convenção e acolhido no art.º 20.º da CRP, como, de resto, explanou o acórdão recorrido, do direito à publicidade, direito ao contraditório, direito à igualdade de armas, direito a estar presente, direito ao silêncio e direito a julgamento em prazo razoável».”
Já anteriormente,  nos Acórdãos de 30-10-2013, proc. 86/13.8YREVR.S1, Oliveira Mendes e de 16-05-2019, proc. 334/19, Gabriel Catarino, ambos acessíveis in www.dgsi.pt, o STJ tinha negado provimento a idênticas alegações, afirmando que a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP não prevê a possibilidade de recusa de extradição com fundamento no alegado funcionamento deficiente do sistema de justiça e do sistema prisional do Estado emissor do pedido de cooperação.
Termos em que julgamos improcedente a arguição do Extraditando.
12. Denegação do pedido de extradição por motivos pessoais do extraditando
O Extraditando entende que o Estado português deve negar a sua extradição nos termos do artigo 18º nº 2 da Lei nº 144/99, em observância dos direitos constitucionais à vida, à segurança e ao direito á integridade física, alegando que tem sido vítima de perseguição e sofre de constantes ameaças de vingança de pessoa ligada às facções criminosas.
A matéria de facto provada, com fundamento no exame dos documentos apresentados pelo Requerido, não permite considerar indiciado que PSB____  tenha sido vítima de perseguição ou sofrido séria ameaça de vingança por outra pessoa.
Ainda assim, sempre se dirá que o circunstancialismo alegado não se inclui em nenhuma das causas de recusa facultativa de extradição.
Com efeito, no artigo 4º da Convenção da CPLP[5], norma que elenca de forma taxativa as causas de recusa facultativa da extradição, não se inclui a possibilidade de denegação da cooperação internacional quando do deferimento do pedido e tendo em conta uma ponderação entre a gravidade do facto e a gravidade das consequências da extradição para o visado[6], possam resultar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal, tal qual sucede com o n.º 2 do artigo 18º da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto
Assim sendo, não se prevendo na Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa a possibilidade de recusa da extradição por o seu deferimento poder implicar consequências graves para o visado, improcede a pretensão de denegação facultativa.
13. Manutenção ou revogação da detenção provisória do extraditando e substituição por diversa medida de coacção
Na diligência de audição em 19-08-2021, o Exmº Desembargador determinou a detenção provisória do Requerido, atenta à natureza do crime indiciado, a sua fase processual, e a precária situação do arguido no nosso país.
O Extraditando pretende a substituição por medida diversa, invocando que a situação fática do extraditando foi alterada, uma vez que agora encontra-se em local certo e sabido, bem como, já não há mais o perigo iminente de fuga dada a intenção do extraditando de trabalhar e regularizar a sua situação em território português.
A alegação das circunstâncias de onde poderia resultar a atenuação do perigo de fuga carece de qualquer sustentação em elementos probatórios recolhidos nestes autos.
Indicia-se o cometimento de crime de homicídio na forma tentada, sabe-se que o Requerido se deslocou para fora do seu país poucos dias após os factos indiciados e não tem família em Portugal, nem vínculo profissional estabilizado.
Considerando a gravidade dos factos indiciados e que determinaram a emissão do mandado de detenção e do pedido de extradição, afigura-se-nos que nenhuma outra medida de coacção se revela adequada para corresponder às concretas exigências cautelares e que a reclusão em estabelecimento prisional é a medida proporcional, necessária e mesmo  imprescindível para as exigências cautelares, de modo a evitar o risco particularmente intenso de o requerido se eximir ao pedido de entrega, razão pela qual não se altera o seu estatuto.
14. Destino dos objectos apreendidos
Pretende ainda PSB____  que as coisas que estavam com o Extraditando no momento da detenção e que lhe foram apreendidas, sejam entregues ao mandatário ou enviadas ao Estado requerente.
O Requerido não apresenta qualquer indicação concreta sobre a que objectos ou bens se refere e, salvo melhor entendimento, não consta destes autos alguma referência sobre apreensão de bens.
Nestas condições, desconhecendo-se a natureza dos bens que se encontrem em Portugal, este Tribunal nada pode decidir a esse propósito.
Oportunamente, ter-se-á presente o disposto no artigo 16º da Convenção CPLP e no artigo 28º da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto.
15. No caso destes autos, o mandado de detenção e o pedido de extradição para procedimento criminal foi regularmente transmitido e obedece aos requisitos de forma e de conteúdo previstos no artigo 10º da Convenção CPLP.
Os crimes pelos quais o arguido se encontra acusado encontram correspondência no disposto nos artigos 22º e 131º do Código Penal português, são puníveis com pena de duração máxima não inferior a um ano e o decorrente procedimento criminal não se mostra extinto, por efeito de prescrição, conforme resulta do disposto no artigo 118º, n° 1, alínea a), do Código Penal português, não ocorre alguma causa de inadmissibilidade ou de recusa facultativa da extradição, constante dos artigos 3º e 4º da Convenção e deve ser deferido o pedido de extradição.

16. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes desembargadores no Tribunal da Relação de Lisboa em deferir o requerido pelo Ministério Público e, em consequência, em autorizar a extradição para o Brasil do cidadão PSB____ , de nacionalidade brasileira, nascido em … a 15 de Janeiro de 1996, filho de WBS___ e de VAS___, titular do passaporte n° F…0, com residência em Av. …, Brasil e em Portugal na Rua … Amadora.
Este tribunal delibera ainda manter a detenção provisória do Extraditando, assim indeferindo o requerimento de revogação ou modificação da medida de coacção, bem como omitir, por ora, decisão quanto a bens apreendidos, sem prejuízo do disposto no artigo 16º da Convenção CPLP e no artigo 28º da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto.
Sem tributação.
Notifique-se, sendo o requerido pessoalmente.
Proceda às necessárias comunicações.

Lisboa, 6 de Outubro de 2021.
Texto elaborado em computador e revisto pelo relator.
João Lee Ferreira
Maria Leonor Silveira Botelho
Ana Paula Grandvaux
_______________________________________________________
[1] O juiz relator escreve de acordo com a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990. As transcrições serão efectuadas nos seus precisos termos, ou seja, respeitando a ortografia original.
[2] Artigo 56.º
Produção da prova
1 - As diligências que tiverem sido requeridas e as que o juiz relator entender necessárias, designadamente para decidir sobre o destino de coisas apreendidas, devem ser efectivadas no prazo máximo de 15 dias, com a presença do extraditando, do defensor ou advogado constituído e do intérprete, se necessário, bem como do Ministério Público.
2 - Terminada a produção da prova, o Ministério Público, o defensor ou o advogado do extraditando têm, sucessivamente, vista do processo por cinco dias, para alegações.
  Artigo 57.º
Decisão final
1 - Se o extraditando não tiver apresentado oposição escrita, ou depois de produzidas as alegações nos termos do n.º 2 do artigo anterior, o juiz relator procede, em 10 dias, ao exame do processo e manda dar vista a cada um dos dois juízes-adjuntos por 5 dias.
2 - Após o último visto, o processo é apresentado na sessão imediata, independentemente de inscrição em tabela e com preferência sobre os outros, para decisão final, sendo o acórdão elaborado nos termos da lei de processo penal.
[3] Vide ainda o acórdão do STJ de 11-01-2018, proc. 1331/17.6YRLSB.S1, Manuel Augusto de Matos, in www.dgsi.pt, com o seguinte sumário (transcrição parcial):
I (…) a Lei 144/99, de 31-08, não impõe a utilização do julgamento em audiência.
II-A forma explícita como se regula no art. 57.º da Lei 144/99 o procedimento de julgamento do pedido de extradição é reveladora da inexistência de qualquer lacuna a suprir com recurso à norma geral do processo penal.
III-Não sendo determinada nem requerida a realização de diligências de prova, designadamente a inquirição de testemunhas, não existe razão que justifique a realização da audiência, mostrando-se respeitado o princípio do contraditório sobre a posição do MP com a notificação efectuada ao extraditando para deduzir oposição ao pedido de extradição (o que este efectuou, juntando documentos) e com a notificação da resposta do MP (alegações) para alegar, querendo, em 5 dias (o que este fez apresentando alegações com as quais juntou igualmente documentos).
[4] Assinada em 23 de Novembro de 2005 e aprovada pela Resolução da AR nº 49/2008, publicada no DR,I, de 15 de Setembro de 2008
[5] Artigo 4.º
Recusa facultativa de extradição
A extradição poderá ser recusada se:
a) A pessoa reclamada for nacional do Estado requerido;
b) O crime que deu lugar ao pedido de extradição for punível com pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida;
c) A pessoa reclamada estiver a ser julgada no território do Estado requerido pelos factos que fundamentam o pedido;
d) A pessoa reclamada não puder ser objecto de procedimento criminal em razão da idade;
e) A pessoa reclamada tiver sido condenada à revelia pela infracção que deu lugar ao pedido de extradição, excepto se as leis do Estado requerente lhe assegurarem a possibilidade de interposição de recurso, a realização de novo julgamento ou outra garantia de natureza equivalente.
[6] Crf. Acórdão do STJ de 30-10-2013, proc. 86/13.8YREVR.S1, Oliveira Mendes, in www.dgsi.pt