Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
102/22.2T8VLS.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
CAUSA DE PEDIR
PEDIDO RECONVENCIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDÊNCIA
Sumário: I) A causa de pedir na ação de divisão de coisa comum – que não constitui uma ação real - é integrada pela existência de situação de comunhão, não estando em questão a propriedade sobre a coisa ou direito, mas a relação de comunhão em que os consortes estão envolvidos e o poder – de provocar a sua cessação mediante divisão - resultante dessa relação.
II) O processo especial para divisão de coisa comum comporta duas fases fundamentais: Uma declarativa - que visa decidir sobre a existência e os termos do direito à divisão invocado, que só se desenvolve quando haja contestação ou, inexistindo esta, quando a revelia do requerido seja inoperante (artigo 926.º, n.º 2, do CPC) - e uma executiva – em que se materializa, fundamentalmente por meio de perícia, o direito já definido na fase declarativa ou afirmado sem contestação pelo autor (se a coisa for divisível, procedendo-se ao seccionamento em substância da coisa, à sua divisão mediante a formação em quinhões, de acordo com as quotas dos comproprietários, e à subsequente adjudicação desses quinhões; ou, se a coisa for indivisível, procedendo-se à sua adjudicação a um dos consortes e ao preenchimento em dinheiro das quotas dos restantes, ou à venda executiva da coisa com a repartição do produto da venda pelos interessados, na proporção das respetivas quotas).
III) Na contestação da ação, o requerido poderá, nomeadamente: impugnar a compropriedade (arrogando-se, por exemplo, proprietário exclusivo da coisa); negar o direito do requerente a uma quota-parte; contrariar o volume de quotas indicado pelo requerente; suscitar a questão da indivisibilidade material da coisa; suscitar questões que tenham a ver com as características físico-materiais da coisa, como sejam confrontações, áreas, etc.
IV) No caso de se suscitar alguma destas questões, o Tribunal terá de as conhecer e decidir na fase declarativa da ação de divisão de coisa comum, ou por meio incidental (cfr. artigo 926.º, n.º 2, do CPC) se a questão revestir simplicidade, ou, ordenando o prosseguimento dos autos, segundo a tramitação prevista para o processo comum, se entender que a questão não pode ser sumariamente decidida (cfr. artigo 926.º, n.º 3, do CPC).
V) Na ação de divisão de coisa comum de prédio, onde não se discute a sua indivisibilidade, nem a situação de comunhão ou as quotas dos contitulares, deve o juiz autorizar a apreciação da reconvenção do requerido – na qual este pretende obter o reconhecimento a seu favor, de crédito emergente de pagamentos de prestações de empréstimo bancário contraído para a aquisição do prédio objeto da ação e de benfeitorias resultantes de obras realizadas no mesmo, sobre a requerente, a fim de obter a compensação do mesmo, na partilha do valor correspondente, através da adjudicação do imóvel - , de harmonia com o disposto nos artigos 266.º, n.º 3 e 37.º, n.º. 2, do CPC, por não ocorrer uma tramitação manifestamente incompatível – daí não derivando a prática de atos processuais contraditórios, antinómicos ou inconciliáveis - na apreciação de tal pretensão em conjunto com a da requerente.
VI) Nessa situação, apesar de os pedidos da ação e da reconvenção seguirem formas de processo diferentes, há interesse relevante na apreciação conjunta das pretensões, que se afigura indispensável para a composição justa do litígio, servindo-se, concomitantemente, os princípios da celeridade e de economia processuais – num mesmo processo e evitando a propositura de outra ação para que o reconvinte veja o seu direito reconhecido – , com intervenção do dever de gestão processual e de adequação formal (cfr. artigos 6.º e 547.º do CPC), devendo adaptar-se o processado – cfr. artigo 37.º, n.º 3 do CPC – e ser determinado que os autos sigam os termos do processo comum, de harmonia com o previsto no artigo 926º nº 3, do CPC.
VII) Tal encontro entre o deve e o haver entre as partes deve cingir-se à aferição e cômputo dos encargos com a coisa comum e derivados da contitularidade do imóvel cuja divisão se peticiona e não reportar-se a quaisquer outros direitos creditícios que não tenham qualquer interferência ou reflexo na reivindicada divisão da coisa comum.
VIII) Inexistindo norma que dispense tributação (cfr. artigo 1.º, n.º 1, do RCP), deve ser apurada a responsabilidade tributária decorrente da instância gerada e do facto de se ter desenvolvido atividade jurisdicional relevante para efeitos de custas, dos eventuais encargos assumidos e das custas de parte que poderá ter determinado.
IX) Se no momento em que é proferido acórdão não é possível afirmar que o desfecho da apelação de decisão interlocutória, ainda que revogando o decidido em 1ª instância, se reflete negativamente na esfera das partes, em termos do seu decaimento e não é possível determinar que o proveito do recurso é encontrado relativamente a qualquer delas, impõe-se relegar a decisão sobre a responsabilidade tributária inerente à instância do presente recurso para aquela que decida sobre a responsabilidade tributária da decisão final.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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1. Relatório:
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1. TR, identificada nos autos, instaurou ação especial de divisão de coisa comum contra RA, também identificado nos autos, tendo requerido a divisão do prédio urbano, sito no Vale do Lameiro, freguesia de Norte Grande, composto por casa de rés-do-chão e quintal, com a área total de 260 m2, confrontando a norte – estrada; sul – AM; nascente – TA; e poente – AB; descrito na Conservatória do Registo Predial Velas sob o n.º …/…, Freguesia Norte Grande (Neves), inscrito na matriz predial n.º ….
Alegou a autora, em síntese, que adquiriu com o réu o mencionado prédio, na proporção de metade para cada um, com recurso a um empréstimo bancário para aquisição de habitação e que pretende por fim à indivisão. Mais alega que o prédio não pode ser dividido em substância, pelo que deve ser adjudicado a uma das partes, recebendo a outra o valor equivalente à sua metade na compropriedade, ou, em alternativa, proceder-se à venda do mesmo. Sustenta, ainda, que o valor patrimonial atual do prédio é de 6.830,95€, mas que o seu valor de mercado ronda os 40.000,00€.
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2. Citado, o réu deduziu contestação, aceitando a compropriedade e a indivisibilidade do prédio, manifestando, ainda, a intenção de lhe ver adjudicado o mesmo. Sustentou que foi sempre quem procedeu ao exclusivo pagamento das prestações devidas no âmbito do contrato de crédito de aquisição de habitação, sendo que a responsabilidade pelo crédito é de ambos na proporção de metade para cada um, pelo que tal deverá ser tido em conta na divisão do ativo e do passivo. Mais impugnou o valor do prédio, invocando que o seu valor de mercado não ultrapassará os 27.500,00€.
Deduziu pedido de reconvencional, peticionando:
“(…) c) (…) o valor correspondente a 50% (€ 8.718,82) da quantia ainda em dívida resultante do contrato de crédito habitação n.º  para aquisição do imóvel, designadamente prédio com a descrição predial …- Urbano da freguesia do Norte Grande (Neves), artigo matricial …, sito em Vale do Lameiro, s/n …-… Norte Grande (Neves) no valor de €17.437,65 ser abatido no valor das tornas que Réu tem a pagar à Autora.
d) Deverá o crédito do Réu ser tido em consideração no momento de acerto de contas, a titulo de tornas, devendo a Autora ser condenada a reconhecer o crédito do Réu, sobre a Autora, no valor de €4.258,60, correspondente a 50% do capital liquidado, comissões bancárias, juros de mora e impostos referentes ao contrato de crédito habitação n.º … totalmente suportados, apenas, pelo Réu, desde 24/09/2015 até à presente data, acrescido de juros de mora à taxa legal de 4% desde o presente processo até ao efectivo e integral reembolso.
e) Deverá ser reconhecido o crédito do Réu sobre a Autora referente a 50% do pagamento das prestações mensais e encargos inerentes do crédito bancário de aquisição do imóvel comum pagas em exclusivo pelo Réu desde a presente data até à adjudicação do imóvel, cujo valor em deverá ser concretizado em sede de incidente de sentença e tido em conta nas tornas que o Réu terá a pagar a Autora;
f) Deverá ser reconhecido o crédito do Réu sobre a Autora referente a 50% do pagamento exclusivo dos materiais de construção utilizados na realização de benfeitorias no imóvel comum no valor de €3.386,66 (três mil e oitenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), cujo valor deverá ser tido em conta nas tornas que o Réu terá que pagar à Autora (…)”.
Para tanto alegou, em síntese, que a par do ativo, a autora e o réu têm passivo que está diretamente relacionado com o mencionado prédio, designadamente: (i) a quantia em dívida pelo crédito bancário para a aquisição do imóvel no montante de €17.437,65, pelo 50 % desse valor deve ser abatido no valor das tornas que o réu tem a pagar à autora; (ii) a autora-reconvinda nunca procedeu ao pagamento de 50% das prestações bancárias referentes ao mencionado crédito à habitação, pelo que deve ao réu a quantia de €4.258,60 correspondente a 50% do valor de €8.517,17, pago exclusivamente pelo réu-reconvinte pelo crédito à habitação; (iii) o réu-reconvinte continuará a proceder ao pagamento exclusivo das prestações mensais e encargos inerentes ao crédito de aquisição do imóvel, pelo que detém um crédito sobre a autora-reconvinda correspondente a 50 % desse montante a apurar em incidente de liquidação de sentença; (iv) o réu-reconvinte despendeu €6.773,31 para a realização de benfeitorias no imóvel, pelo que a autora-reconvinda é devedora de metade desse valor.
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3. A autora/reconvinda veio responder à reconvenção sustentando, em síntese, que viveu com o réu-reconvinte durante 16 anos em união de facto, pelo que partilhavam as despesas domésticas. Em conformidade, alega que procedia ao pagamento do seguro de vida de ambos na Liberty Vida, obrigatório para a concessão do empréstimo, no valor de 88,58€ anuais, do seguro Liberty Lar Plus, do imóvel e do recheio da habitação, no valor de 102,48€ anuais, do abastecimento elétrico da casa, no valor médio de 75,00€ mensais, do abastecimento da rede de água e saneamento básico, no valor médio de 16,00€ mensais, das despesas com a televisão internet e telefones, à empresa MEO, no valor de 55,00€ mensais e que procedia, semanalmente, às compras para a casa, nomeadamente, alimentação, bebidas, produtos de higiene e limpeza.
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4. Após, em 30-09-2022, foi proferida decisão que, além do mais, decidiu rejeitar a reconvenção, nos seguintes termos:
“(…) Da (in)admissibilidade do pedido reconvencional
TR, instaurou a presente ação especial de divisão de coisa comum contra RA peticionando a divisão do prédio urbano situado no Vale do Lameiro, freguesia de Norte Grande, composto por casa de rés-do-chão e quintal, com a área total de 260 m2, confrontando a norte – estrada; Sul – AM; Nascente – TA; e poente – AB; com o artigo matricial nº …º, e registado na Conservatória do Registo Predial com o nº …/….
Para tanto alegou, em síntese, que adquiriu com o réu o mencionado prédio, na proporção de metade para cada um, com recurso a um empréstimo bancário para aquisição de habitação e que pretende por fim à indivisão.
Mais alega que o prédio não pode ser dividido em substância, pelo que deve ser adjudicado a uma das partes, recebendo a outra o valor equivalente à sua metade na compropriedade, ou, em alternativa, proceder-se à venda do mesmo. Sustenta, ainda, que o valor patrimonial atual do prédio é de 6.830,95€, mas que o seu valor de mercado ronda os 40.000,00€.
(…) O réu apresentou contestação, aceitando a compropriedade e a indivisibilidade do prédio, manifestando, ainda, a intenção de lhe ver adjudicado o mesmo.
Todavia, sustentou que foi sempre ele que procedeu em exclusivo ao pagamento das prestações devidas no âmbito do contrato de crédito de aquisição de habitação, sendo que a responsabilidade pelo crédito é de ambos na proporção de metade para cada um, pelo que tal deverá ser tido em conta na divisão do ativo e do passivo. Mais impugnou o valor do prédio, invocando que o seu valor de mercado não ultrapassará os 27.500,00€.
Acresce que deduziu pedido reconvencional peticionando (i) que o valor correspondente a 50% da quantia ainda em dívida resultante do contrato de crédito para a aquisição do imóvel objeto do litigio seja abatido no valor das tornas que o réu-reconvinte terá de pagar à autora-reconvinda, (ii) que esta seja condenada a reconhecer o crédito do réu reconvinte no montante de 4.258,60€ correspondente a 50% do capital liquidado, comissões bancárias, juros de mora e impostos referentes ao contrato de crédito habitação suportados na
totalidade pelo réu, acrescido de juros de mora à taxa legal de 4% desde o presente processo até ao efetivo e integral reembolso; (iii) ser reconhecido o crédito do réu-reconvinte sobre a autora-reconvinda referente a 50% do pagamento das prestações mensais e encargos inerentes do crédito bancário de aquisição do imóvel comum pagas em exclusivo por aquele desde a presente data até à adjudicação do imóvel, cujo valor deverá ser concretizado em sede de incidente de sentença e tido em conta nas tornas que o réu-reconvinte terá a pagar à autora reconvinda; e (iv) ser reconhecido o crédito do réu-reconvinte sobre a autora-reconvinda referente a 50% do pagamento exclusivo dos materiais de construção utilizados na realização de benfeitorias no imóvel comum no valor de €3.386,66 cujo valor deverá ser tido em conta nas tornas que o Réu terá que pagar à Autora.
Para tanto alegou, em síntese, que a par do ativo, a autora e o réu têm passivo que está diretamente relacionado com o mencionado prédio, designadamente: (i) a quantia em dívida pelo crédito bancário para a aquisição do imóvel no montante de €17.437,65, pelo 50 % desse valor deve ser abatido no valor das tornas que o réu tem a pagar à autora; (ii) a autora-reconvinda nunca procedeu ao pagamento de 50% das prestações bancárias referentes ao mencionado crédito à habitação, pelo que deve ao réu a quantia de €4.258,60 correspondente a 50% do valor de €8.517,17, pago exclusivamente pelo réu-reconvinte pelo crédito à habitação; (iii) o réu-reconvinte continuará a proceder ao pagamento exclusivo das prestações mensais e encargos inerentes ao crédito de aquisição do imóvel, pelo que detém um crédito sobre a autora-reconvinda correspondente a 50 % desse montante a apurar em incidente de liquidação de sentença; (iv) o réu-reconvinte despendeu €6.773,31 para a realização de benfeitorias no imóvel, pelo que a autora-reconvinda é devedora de metade desse valor.
(…) A autora-reconvinda veio responder à reconvenção sustentando, em síntese, que viveu com o réu-reconvinte durante 16 anos em união de facto, pelo que partilhavam as despesas domésticas. Em conformidade, alega que procedia ao pagamento do seguro de vida de ambos na Liberty Vida, obrigatório para a concessão do empréstimo, no valor de 88,58€ anuais, do seguro Liberty Lar Plus, do imóvel e do recheio da habitação, no valor de 102,48€ anuais, que pagava o abastecimento elétrico da casa, no valor médio de 75,00€ mensais, o abastecimento, da rede de água e saneamento básico, no valor médio de 16,00€ mensais, as despesas com a televisão internet e telefones, à empresa MEO, no valor de 55,00€ mensais be que procedia, semanalmente, às compras para a casa, nomeadamente, alimentação, bebidas, produtos de higiene e limpeza.
Cumpre apreciar e decidir.
(…) Ao réu é possibilitada a dedução de pedidos contra o autor por via reconvencional, no que constitui uma contra-ação.
Todavia, para que a dedução do pedido reconvencional seja admissível mostra-se necessária a verificação de uma conexão entre o objeto da ação e o objeto da reconvenção.
Nos termos do art.º 266.º, n.º 1, do CPC “A reconvenção é admissível nos seguintes casos: a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa; b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter;”.
Aos mencionados fatores de conexão material soma-se a exigência de compatibilidade processual entre o pedido do autor e o pedido do réu, da manutenção identidade subjetiva, exceto nos limites do n.º 4, do art.º 266.º, do CPC, e o respeito pelas regras da competência absoluta do tribunal – cfr. art.º 266.º, n.º 3 e 4 e 93.º do CPC.
In casu, a autora peticiona a divisão do prédio e o réu reconvém peticionando o reconhecimento de um direito de crédito sobre a autora. Atentos os pedidos formulados por ambas as partes verifica-se que não se encontra preenchido nenhum dos critérios de conexão material consagrados no art.º 266.º, n.º 2, do CPC. Nem se sustente com a verificação dos pressupostos para a obtenção, por parte do réu, da compensação de um crédito – al. c), do n.º 2, do art.º 266.º do CPC -, pois, para o réu poder obter uma qualquer compensação pela eventual existência de um direito de crédito sobre a autora era necessário que esta peticionasse, igualmente, o reconhecimento de um direito de crédito sobre o réu, o que, no caso concreto, conforme referido, não sucede, pois, a autora peticiona a divisão do prédio em compropriedade com o réu.
Acresce que, conforme sufragado por Luís Filipe Pires de Sousa “não será de admitir a reconvenção formulada pelos réus, para efeitos de eventual compensação porquanto não é certo que, das operações de divisão da coisa comum, resulte um crédito do autor sobre os réus, para preenchimento da quota daquele, em resultado da adjudicação do bem aos réus” - vd. Luís Filipe Pires de Sousa, Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, Almedina, 2017 p. 98.
Por outro lado, as formas processuais de cada um dos pedidos mostram-se incompatíveis, pois o pedido da autora segue a forma especial e o pedido do réu deduzido em reconvenção segue a forma comum. Vejamos.
A ação especial de divisão de coisa comum, regulada nos art.ºs 925.º e ss. do CPC, visa efetivar o direito à divisão, uma vez que qualquer comproprietário ou consorte num direito não é obrigado a permanecer na indivisão, constituindo a causa de pedir desta ação a propriedade em comum sobre uma coisa móvel ou imóvel e a vontade de um ou mais dos consortes em por termo à indivisão – cfr. art.ºs 1412.º, n.º 1, do CC e 925.º, do CPC.
Uma vez citados os requeridos, se houver contestação ou a revelia não for operante, o juiz, produzidas as provas necessárias, profere logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão, por via incidental, exceto se entender que as questões não podem ser sumariamente decididas, situação em que a ação segue a forma do processo comum – cfr. art.ºs 926.º, n.º 2 e do CPC.
Seguindo a ação de divisão de coisa comum a forma do processo comum, atenta a complexidade das questões a decidir, poderá ser admissível a dedução de reconvenção, pois, nestas circunstâncias, as formas processuais mostram-se compatíveis. Mostra-se, igualmente, admissível a dedução de reconvenção, não obstante a ação ter prosseguido pela via incidental, quando a reconvenção possa, também, ser decidida por de forma sumária – neste sentido, Pires de Sousa, Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, Almedina, 2016, p. 95 e 97.
Sucede que, no caso concreto, não foi contestado qualquer pressuposto da divisão do imóvel, isto é, autora e réu concordam que são comproprietários do prédio na proporção de metade cada um e que o mesmo, pelas suas características, é indivisível. Assim, não se mostra necessária a existência de uma fase declarativa, ainda que incidental para aferir da situação de compropriedade e da (in)divisibilidade do bem, fixando os respetivos quinhões, pois tal matéria está já assente nos autos. Ao invés, em face dos elementos constantes dos autos, estão reunidas as condições para a prolação de uma decisão sumária – cfr. art.º 926.º, n.ºs 2 e 3, 1ª parte, do CPC.
Por outro lado, abrir uma fase declarativa apenas para conhecimento do pedido reconvencional, ou enxertar a instância reconvencional na fase executiva que se segue, implicaria a introdução de uma forma processual manifestamente incompatível, não sendo suscetível de qualquer adequação – neste sentido, acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03-11-2020, proc. n.º 1761/19.9T8PBL.C1; Tribunal da Relação do Porto, de 26-01-2021, proc. n.º 1509/19.8T8GDM.P1; Tribunal da Relação de Lisboa, de 25-06-2020, proc. n.º 329/18.T8FNC-A.L-8.
Assim, não sendo reclamada na presente ação um direito de crédito da autora sobre o réu, e não se mostrando compatíveis as formas processuais previstas para a apreciação da pretensão da autora e do réu, impõe-se rejeitar a reconvenção por ser legalmente inadmissível.
Em face do exposto, decide-se rejeitar a reconvenção por legalmente inadmissível, dando-se como não escritos os seus artigos 26 a 55.
Em conformidade, tendo a reconvenção sido rejeitada, dão-se como não escritos os factos alegados na réplica. (…)”.
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5. Não se conformando com esta decisão, dela apela o requerido, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A. O Despacho Saneador proferido pelo Tribunal 'a quo' decidiu rejeitar a reconvenção apresentada pelo aqui Recorrente, por legalmente inadmissível, dando como não escritos os seus artigos 26.º a 55.º.
B.O Recorrente não se conforma com a decisão a quo uma vez que a mesma viola os artigos 2.º, n.º 2; 6.º, n.º 1; 37.º; 266.º, n.ºs 2 e 3.º e 926.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil.
C. Actualmente é pacifico e existe jurisprudência uniforme nos tribunais superiores, a interpretação no sentido da admissibilidade de reconvença o, quando - como in casu - está em causa o pedido de reembolso, por compensação, relativo a valores pagos em amortização de créditos reportadas à aquisição da coisa comum ou à realização de benfeitorias no imóvel;
D. O Recorrente apresentou Reconvenção nos termos e para os efeitos do art.º 266º, n.º 2, alínea b) e alínea c) do CPC: (i) tornar efectivo o direito a benfeitorias; e (ii) o reconhecimento de um crédito para obter a compensação do valor em que o crédito invocado excede o do Autor;
E. Ambos os pedidos reconvencionais encontram-se relacionados com a coisa comum;
F. Só tendo em conta os factos alegados no pedido reconvencional se terá em conta o verdadeiro âmago do litígio e, decidindo-se pelo valor de tornas que um deverá entregar ao outro na respectiva proporção da sua contribuição real e efectivo e não na proporção de uma hipotética quota;
G.O Tribunal a quo ao decidir - mal - que nos presentes autos não se encontram preenchidos nenhum dos critérios de conexão material consagrados no art.º 266.º, n.º 2 do CPC, violou as alíneas b) e c) do n.º 2 do cit. Artigo;
H.A Reconvenção nos presentes autos, nos termos em que foi deduzida, sempre se subsumiria à hipótese prevista na al. b) e na al. c), permitindo-se que o aqui Recorrente pudesse provar que contribuiu em maior medida para a satisfação de despesas (crédito bancário) para a aquisição e para a realização de benfeitorias na coisa comum;
I.O único obstáculo à determinação da convolação do processo especial em processo comum seria o decorrente da forma de processo, mas o n.º 3 do art.º 266.º do CPC salvaguarda a possibilidade de o Juiz autorizar a reconvenção;
J. É expressamente admissível a convolação do processo especial de divisão de coisa comum em processo comum, de acordo com o art.º 37.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, o Juiz pode autorizar a reconvenção;
K. As formas de processo especial e comum, correspondentes aos pedidos da Requerente e do Requerido, não seguem uma "tramitação manifestamente incompatível", pois o próprio legislador prevê, no art.º 926.º, n.º 3, do CPC, a transmutação do processo especial de divisão de coisa comum em processo comum;
L.O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que apenas existe "tramitação manifestamente incompatível" quando se mostre necessária a prática de actos processuais contraditórios ou inconciliáveis, o que, m casu, não se verifica;
M.A sentença recorrida ao decidir, como decidiu, que os pedidos os presentes autos são incompatíveis, violou o previsto nos art.ºs 266.º, n.º 2 e n.º 3, e 37.º, n.º 2 e 3, do CPC;
N. Impunha-se ao Tribunal a quo, em ordem aos princípios que estabelecem a garantia de acesso aos tribunais (art.º 2.º, n.º 2, do CPC) e do dever de gestão processual (art.º 6.º, n.º 1 do CPC) que tivesse admitido o pedido reconvencional;”.
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6. Dos autos não resulta terem sido apresentadas contra-alegações.
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7. Nos termos do despacho proferido em 11-01-2023 foi admitido o recurso interposto.
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8. Foram colhidos os vistos legais.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , tendo em conta o recurso de apelação interposto, as questões a decidir são:
A) Se a decisão recorrida viola os artigos 2.º, n.º 2; 6.º, n.º 1; 37.º; 266.º, n.ºs 2 e 3; e 926.º, n.º 2, do CPC?
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3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso, conforme resultam dos autos, os elencados no relatório.
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4. Fundamentação de Direito:
Vejamos o recurso apresentado, apreciando a questão enunciada.
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A) Se a decisão recorrida viola os artigos 2.º, n.º 2; 6.º, n.º 1; 37.º; 266.º, n.ºs. 2 e 3; e 926.º, n.º 2, do CPC?
Conclui o apelante que a decisão recorrida, que considerou inadmissível a reconvenção que apresentou, viola os aludidos normativos, tendo alinhado, em suma, a seguinte linha de argumentação:
- A reconvenção é admissível quando está em causa o pedido de reembolso, por compensação, relativo a valores pagos em amortização de créditos reportadas à aquisição da coisa comum ou à realização de benfeitorias no imóvel, nos termos do artigo 266.º, n.º 2, alíneas, b) e c), do CPC;
- Os pedidos reconvencionais formulados encontram-se relacionados com a coisa comum;
- A reconvenção sempre se subsumiria à hipótese prevista nas als. b) e c), permitindo-se que o recorrente pudesse provar que contribuiu em maior medida para a satisfação de despesas (crédito bancário) para a aquisição e para a realização de benfeitorias na coisa comum;
- O único obstáculo para a convolação do processo especial em processo comum seria o da forma de processo, mas de acordo com o disposto nos artigos 37.º, n.ºs. 2 e 3 e 266.º, n.º 3, do CPC, o juiz pode autorizar a convolação;
- As formas de processo especial e comum, correspondentes aos pedidos da Requerente e do Requerido, não seguem uma "tramitação manifestamente incompatível" (pratica de actos contraditórios/inconciliáveis), pois o art.º 926.º, n.º 3, do CPC, prevê a transmutação do processo especial de divisão de coisa comum em processo comum; e
- Os princípios da garantia de acesso aos tribunais (art.º 2.º, n.º 2, do CPC) e do dever de gestão processual (art.º 6.º, n.º 1 do CPC) imporiam que tivesse sido admitida a reconvenção.
Vejamos:
Em termos gerais, no âmbito do processo comum de declaração, para além de impugnar os factos articulados pelo autor, ou de contra ele deduzir exceção dilatória ou perentória, o réu pode aproveitar o articulado de defesa para operar uma modificação objetiva da instância, deduzindo um pedido que seja autónomo relativamente ao pedido do autor, “visando através dele obter a condenação do autor nesse novo pedido, ultrapassará uma postura ou atitude simplesmente defensional, pois que acrescentará algo de inovatório (relativamente ao pedido principal), dizendo em tal eventualidade que se defendeu, ou melhor, que contra-atacou através de reconvenção” (assim, Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 149).
De facto, conforme resulta do disposto nos nºs. 1 do artigo 266.º do CPC, o réu pode deduzir pedido reconvencional, apresentando uma contra-pretensão contra o autor, nos casos previstos no n.º 2 do mesmo artigo.
De harmonia com o disposto no n.º 3 do artigo 266.º do CPC, não é admissível a reconvenção quando ao pedido do réu corresponda forma de processo diferente da do pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos do artigo 37.º, n.ºs. 2 e 3 do CPC, com as necessárias adaptações.
O réu deve observar, na dedução do pedido reconvencional, determinados requisitos formais ou processuais legalmente exigidos para a obtenção de uma decisão de mérito, como sejam:
- A verificação dos pressupostos processuais relativos à competência absoluta do tribunal (em razão da matéria, nacionalidade e hierarquia) – cfr. artigo 93.º, n.º 2, do CPC;
- A verificação dos pressupostos processuais relacionados com a forma do processo (cfr. artigo 266.º, n.º 3, do CPC);
-A dedução na contestação, de modo separado, discriminado e destacado ou isoladamente (no caso de não existir contestação-defesa) e com subordinação a artigos como qualquer outro articulado, devendo conter as indicações e elementos constantes do artigo 552.º, n.º 1, als. c), d) e e) do CPC (cfr. artigo 583.º, n.º. 1, do CPC);
- A indicação do valor da reconvenção (cfr. artigo 583.º, n.º 2, do CPC).
Para além dos requisitos processuais e conforme resulta do disposto no n.º 2 do artigo 266.º do CPC, o exercício do direito de reconvir depende ainda da verificação de requisitos de ordem substancial ou material, apenas sendo admissível em situações em que exista uma certa conexão entre o pedido do autor e o formulado pelo réu.
A reconvenção é, assim, materialmente admissível nos casos elencados no artigo 266.º, n.º 2, do CPC, a saber:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou a despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; e
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
A reconvenção pode ainda ser deduzida a título eventual – reconvenção subsidiária – para o caso de o pedido originário do autor vir a ser julgado procedente (neste sentido, vd., entre outros, na doutrina, Manuel de Andrade; Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 153; Miguel Teixeira de Sousa; “Reconvenção subsidiária, valor da causa e responsabilidade pelas custas”, in Cadernos de Direito Privado, ISSN 1645-7242, n.º 7, 2004, pp. 11-18; Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 158; Marco António de Aço e Borges; A Demanda Reconvencional; Quid Juris, 2008, p. 221; e, na jurisprudência, Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 20-05-2004, Pº 0432573, rel. FERNANDO BAPTISTA; de 05-07-2011, Pº 7830/10.3TBVNG-A.P1, rel. FERNANDO SAMÕES; de 21-11-2019, Pº 1414/18.5T8PVZ.P1, rel. CARLOS PORTELA; e de 13-10-2020, Pº 3393/18.0T8PNF.P2, rel. VIEIRA E CUNHA).
Miguel Teixeira de Sousa (“Reconvenção subsidiária, valor da causa e responsabilidade pelas custas”, in Cadernos de Direito Privado, ISSN 1645-7242, n.º 7, 2004, pp. 12-13), distingue, ainda, a reconvenção subsidiária da reconvenção dependente, considerando que, enquanto, na primeira, se verifica que o réu quer obter, antes do mais, a improcedência da ação (pedido principal) e apenas, se tal não suceder, pretende a procedência do pedido reconvencional (pedido subsidiário), já na segunda figura (reconvenção dependente) o réu utiliza a procedência ou improcedência do pedido formulado pelo autor como objeto prejudicial face à reconvenção que deduz.
Relativamente à alínea a) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC, referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado; Vol. 1.º, 4.ª Edição, Almedina, p. 531) que a correspondente previsão pressupõe que o pedido reconvencional se funde na mesma causa de pedir, total ou parcialmente, que a do pedido do autor (de acordo com a teoria da substanciação, importando a causa de pedir integrada pelos factos concretos que caraterizam a norma/instituto jurídico invocados).
Assim, “a dedução de um pedido reconvencional fundado na mesma causa de pedir do pedido do autor, pressupõe que aquela seja entendida à luz da teoria da substanciação, isto é, integrada pelos factos concretos que concretizam a norma ou o instituto jurídicos invocados, não valendo para o efeito a abstracta invocação pelo réu dos mesmos norma ou instituto jurídicos, quando consubstanciados por factos absolutamente diferentes e distintos dos primitivos (art.ºs 266º, nº 1 e nº 2, al. a), e 581º, nº 4, ambos do C.P.C.)” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-07-2018, Pº 1630/17.7T8VRL-A.G1, rel. MARIA JOÃO MATOS).
De facto, tratando-se a reconvenção de uma contra-pretensão do requerido, embora dentro do mesmo processo, um pedido autónomo, deve ter certa compatibilidade com a causa de pedir do autor, pelo que, o pedido reconvencional tem de ter necessariamente a sua génese na causa de pedir invocada pelo autor-reconvindo, ou no qual o réu-reconvinte estriba a sua defesa em relação a essa causa de pedir invocada pelo autor-reconvindo.
Sobre a mesma alínea a) reportam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 302) que, “[o] facto jurídico que serve de fundamento à ação (al. a)) constitui o ato ou relação jurídica cuja invocação sustenta o pedido formulado, como ocorre com a invocação de um direito emergente de um contrato, o qual também pode ser invocado pelo réu para sustentar uma diversa pretensão dirigida contra o autor. O facto jurídico que serve de sustentação à defesa envolve essencialmente a matéria de exceção, mas poderá igualmente assentar em factos que integrem a impugnação especificada dos fundamentos da ação. Nestes casos, o réu aproveita a defesa não apenas para se defender da pretensão do autor, mas ainda para sustentar nos mesmos factos uma pretensão autónoma contra aquele”.
Conforme evidencia Mariana França Gouveia (A Causa de Pedir na Ação Declarativa; Almedina, 2019, p. 270), “a causa de pedir, para efeitos de admissibilidade de reconvenção, deve ser definida através do facto principal comum a ambas as contra pretensões”, ou seja, que “os factos alegados devem ser selecionados através das normas jurídicas alegadas, assim se determinando quais são os principais. Estabelecidos estes, se um deles for principal para a ação e para a reconvenção, haverá identidade de causa de pedir e, logo, estará preenchido o requisito” previsto na alínea a) do n.º 2, do artigo 266.º do CPC.
Assim:
“A admissibilidade da reconvenção pressupõe uma conexão objectiva entre as duas ações, um nexo entre os objectos da causa inicial e da causa reconvencional.
O pedido reconvencional do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação se existir identidade, total ou parcial, de ambas as causas de pedir, a da ação e da reconvenção.
O pedido reconvencional do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa quando faz nascer uma questão prejudicial em relação à causa principal, ou seja, produza “efeito útil defensivo”, capaz de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-03-2020, Pº 590/19.4T8GRD-A.C1, rel. JORGE ARCANJO).
Isso mesmo se expressou, igualmente, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06-05-2021 (Pº 2103/19.9T8VNF-A.G1, rel. JORGE TEIXEIRA) no qual se referiu o seguinte:
“A primeira parte da al. a) do n.º 2 do art.º 266 carece de ser interpretada no sentido de que a reconvenção é admissível quando o pedido reconvencional se funda na mesma causa de pedir (ou parte desta) em que o Autor funda o direito que invoca. Já a segunda parte daquela alínea tem o sentido de que só é admissível a reconvenção quando o réu-reconvinte invoque como meio de defesa qualquer acto ou facto jurídico que tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido formulado pelo autor e com base nesse acto ou facto – ou parte dele - que serve de fundamento à sua defesa, deduza o pedido reconvencional. Isto porque, tratando-se de uma contra pretensão, conquanto dentro do mesmo processo, a reconvenção, embora com um pedido autónomo, deve ter certa compatibilidade com a causa de pedir do autor, pelo que o pedido reconvencional tem de ter necessariamente a sua génese na causa de pedir invocada pelo Autor-reconvindo, ou a factualidade na qual o Réu-reconvinte estriba a sua defesa em relação a essa causa de pedir invocada pelo Autor-reconvindo. Por sua vez, a defesa por excepção consiste, antes, num ataque lateral ou de flanco, com a alegação de factos novos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos alegados pelo autor, socorrendo-se o réu de factos diversos daqueles em que se funda a petição”.
Assim, a primeira parte da mencionada alínea a) só poderá ter o sentido de a reconvenção ser admissível quando o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir da acção, isto é, o mesmo facto jurídico (real ou concreto) em que o autor fundamenta o direito que invoca, de modo a concluir-se que o pedido cruzado do réu resulte naturalmente, ou até se contenha, na causa de pedir do autor: Pedida, por exemplo, a condenação do réu no pagamento do preço da compra e venda, o réu pede a condenação do autor na entrega da coisa (o mesmo contrato é, simultaneamente, causa do pedido do autor e do réu).
Por seu turno, a segunda parte da alínea a) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC tem o sentido de a reconvenção ser admissível quando o réu invoque, como meio de defesa, qualquer acto ou facto jurídico que, a verificar-se, tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor, em termos de tal pretensão do réu ser normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa (cfr., neste sentido, entre outros, Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, II, p. 28 e os acórdãos do STJ de 05-03-1996, in BMJ 455.º, p. 389 e de 27-04-2006, Pº 06A945, rel. SEBASTIÃO PÓVOAS e do Tribunal da Relação do Porto de 16-09-1991, CJ, ano XVI, tomo IV, p. 247 e de 05-07-2011, Pº 7830/10.3TBVNG-A.P1, rel. FERNANDO SAMÕES): Pedida, por exemplo, a condenação do réu no pagamento de remanescente do preço de empreitada, o réu exceciona a anulabilidade do contrato por dolo e pede a condenação do autor na restituição do que pagou e em indemnização (a causa de pedir da reconvenção assenta nos factos que sustentam a anulabilidade do contrato e o seu incumprimento pelo autor).
De todo o modo tem que existir uma conexão entre o pedido do autor e do réu e esta tem de ser “uma conexão forte, não bastando uma ténue ligação entre os objectos da acção e da reconvenção, já que a lei optou, como vimos, por um sistema restritivo de admissibilidade da reconvenção, o que implica, por parte do juiz, uma análise minuciosa das causa de pedir alegadas nas duas demandas cruzadas” (cfr., Marco António de Aço e Borges; A Demanda Reconvencional; Quid Juris, 2008, p. 43).
Na alínea b) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC, admite-se a reconvenção “quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida”.
Conforme refere Marco António de Aço e Borges (A Demanda Reconvencional; Quid Juris, 2008, p. 76), “[c]onstitui pressuposto do uso da reconvenção com este fim a existência de uma acção através da qual o autor peticione a entrega de uma coisa certa e determinada.
Esta situação está pensada para aqueles casos em que o detentor da coisa é demandado para a entregar e pede, em reconvenção, uma indemnização fundada nas benfeitorias ou despesas introduzidas ou efectuadas com respeito a essa coisa.
Estão nessa situação o depositário, o comodatário, o mandatário, o locatário”.
O pedido reconvencional para indemnização por benfeitorias é um pedido que pressupõe a alegação de factos materiais concretos que devam ser qualificados como benfeitorias, devendo ser um pedido específico, certo e determinado, “já que, sendo genérico (…) isto é, indeterminado no seu quantitativo, é ilegal, porquanto a lei o proíbe fora dos apertados casos taxativamente enumerados no art.º [556.º do CPC]” (assim, Marco António de Aço e Borges; A Demanda Reconvencional; Quid Juris, 2008, p. 76).
De acordo com a alínea c) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC, admite-se a pretensão reconvencional, “quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”.
A compensação – causa de extinção de obrigações para além do cumprimento –operará quando uma pessoa dever a outra certa quantia, por determinado título, sendo credora dela, de igual ou diversa quantia, por título diferente.
“O legislador do NCPC, ao introduzir a redacção plasmada na alínea c), do n.º 2 do art.º 266º, teve por fito pôr termo à controvérsia jurisprudencial e doutrinária sobre a questão da admissibilidade da compensação por via de excepção, nos casos em que o valor da mesma fosse inferior ao do pedido do autor, optando por estabelecer que a compensação só pode operar por via reconvencional, independentemente do seu valor ser inferior ou não ao pedido formulado pelo autor.” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-02-2018, Pº 96889/16.5YIPRT.E1, rel. SILVA RATO).
A compensação traduz um “encontro de contas” e, por isso, “não é possível invocar a compensação, (…) se o réu negar a existência do crédito contra si afirmado, caso contrário, seria um contrassenso” (assim, Marco António de Aço e Borges; A Demanda Reconvencional; Quid Juris, 2008, pp. 63-64). De todo o modo, o réu poderá reconvir pedindo o reconhecimento de um crédito, para obter a compensação, “para o caso de não proceder a defesa dele consistente na negação do direito de crédito do autor” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-02-2022, Pº 1058/20.1T8ACB-A.C1, rel. FERNANDO MONTEIRO).
Finalmente, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC, a reconvenção é admissível quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter, falando-se, a propósito em reversão a favor do réu, do efeito jurídico pretendido pelo autor (hipótese legal que foi especialmente pensada para as ações de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens).
A presente ação consiste num processo especial de divisão de coisa comum, regulado pelos artigos 925.º a 930.º do CPC.
De facto, prevendo sobre o direito de exigir a divisão, extrai-se do estatuído nos artigos 1412º e 1413º do CC que, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa, “nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão”, podendo a divisão ser concretizada, “amigavelmente ou nos termos da lei de processo”.
Assim, caso se conclua pela indivisibilidade material da coisa dividenda, pode existir acordo na sua adjudicação a algum dos titulares do direito de compropriedade, preenchendo-se os quinhões (ou quinhão) dos demais (do demais) com dinheiro, ou, inexistindo acordo, procede-se à venda da coisa e subsequente repartição do produto da mesma, pelos vários interessados, na proporção das quotas de cada um.
Caso se conclua pela divisibilidade material da coisa, ocorrerá como que uma fragmentação ou segmentação do direito de compropriedade, quer no que concerne aos sujeitos, quer no que respeita ao objecto.
O processo especial para divisão de coisa comum comporta duas fases fundamentais:
“I – Uma de natureza declarativa que visa decidir sobre a existência e os termos do direito à divisão invocado. Esta fase só se desenvolve quando haja contestação ou, inexistindo esta, quando a revelia do(s) réu(s) seja inoperante (artigo [926.º], n.º 2, do CPC).
II – Uma de índole executiva em que se materializa, fundamentalmente por meio de perícia, o direito já definido na fase declarativa ou afirmado sem contestação pelo autor.
Nesta fase, procede-se:
a) nos casos de seccionamento em substância da coisa, à sua divisão mediante a formação em quinhões, em princípio em conformidade com as quotas dos comproprietários, e à subsequente adjudicação desses quinhões;
b) nos casos de indivisibilidade material, à adjudicação da coisa a um dos consortes e ao preenchimento em dinheiro das quotas dos restantes, ou à venda executiva da coisa com a repartição do produto da venda pelos interessados, na proporção das respectivas quotas” (assim, Luís Filipe Pires de Sousa; Acções Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, Coimbra Editora, 2011, pp. 88-89).
A causa de pedir na ação de divisão de coisa comum traduz-se na situação de comunhão de direitos e na vontade de um ou vários consortes de pôr termo à respetiva e concreta indivisão, bastando a alegação de que a coisa é propriedade comum das pessoas indicadas, sem que tenha que demonstrar a origem da compropriedade.
Como refere Nuno Andrade Pissarra (Processos especiais; vol I; coord. Rui Pinto e Ana Alves Leal, Almedina, 2020, p. 168) “a causa de pedir na ação de divisão de coisa comum atual é integrada pela existência (ou persistência) da situação de comunhão e não pelos factos jurídicos de que derivam os direitos em comunhão ou a situação de comunhão. A ação de divisão de coisa comum não é uma ação real (…)”, não estando em questão a propriedade sobre a coisa ou direito, mas a relação de comunhão em que os consortes estão envolvidos e o poder resultante dessa relação: o de provocar a sua cessação mediante divisão.
Por seu turno, “estando os direitos em comunhão e a situação de comunhão fora do objecto do litígio, não vale a regra da substanciação” (assim, Nuno Andrade Pissarra; Processos especiais; vol I; coord. Rui Pinto e Ana Alves Leal, Almedina, 2020, p. 169), pelo que, o pedido consiste na divisão material da coisa de harmonia com os quinhões que forem fixados ou, sendo a coisa indivisível, na sua adjudicação ou venda, com a subsequente partilha do valor na proporção das quotas de cada um dos consortes (cfr. artigo 925º do CPC).
O “pedido formulado pode visar a extinção da compropriedade mas também apenas a sua modificação através da redução do número de comproprietários” (assim, Luís Filipe Pires de Sousa; Acções Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, Coimbra Editora, 2011, p. 91).
Deduzida pelo requerente a pretensão, será o requerido citado para contestar no prazo de 30 dias a ação, oferecendo logo as provas (cfr. artigo 926.º, n.º 1, do CPC).
Na contestação, o requerido poderá, nomeadamente: deduzir exceções dilatórias; impugnar a compropriedade arrogando-se, por exemplo, proprietário exclusivo da coisa; negar o direito do autor a uma quota-parte; contrariar o volume de quotas indicado pelo autor; suscitar a questão da indivisibilidade material da coisa; suscitar questões que tenham a ver com as características físico-materiais da coisa, como sejam confrontações, áreas, etc.
No caso de se suscitar alguma destas questões, o Tribunal terá de as conhecer e decidir na fase declarativa da ação de divisão de coisa comum, ou por meio incidental, nos termos do disposto no art.º 926º, nº 2 do CPC, que remete para os art.ºs 294º e 295º do mesmo diploma, revestindo a questão de simplicidade, ou, entendendo que a questão se reveste de complexidade, deverá ordenar o prosseguimento dos autos segundo a tramitação prevista para o processo comum.
É o regime que resulta dos n.ºs 2 a 5 do mesmo artigo 926.º do CPC:
“2 - Se houver contestação ou a revelia não for operante, o juiz, produzidas as provas necessárias, profere logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão, aplicando-se o disposto nos artigos 294.º e 295.º; da decisão proferida cabe apelação, que sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
3 - Se, porém, o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, conforme o preceituado no número anterior, manda seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.
4 - Ainda que as partes não hajam suscitado a questão da indivisibilidade, o juiz conhece dela oficiosamente, determinando a realização das diligências instrutórias que se mostrem necessárias.
5 - Se tiver sido suscitada a questão da indivisibilidade e houver lugar à produção de prova pericial, os peritos pronunciam-se logo sobre a formação dos diversos quinhões, quando concluam pela divisibilidade.”.
Naturalmente, questiona-se se, no âmbito deste processo especial, a dedução de reconvenção pelo requerido, respeitante a pedido a que corresponda processo comum, é admissível, ou se, tal não sucede.
De facto, constituindo a ação de divisão de coisa comum um processo especial e cabendo à ação reconvencional em causa o processo comum, coloca-se a questão da admissibilidade desta, à luz dos artigos 266.º e 37.º do CPC, designadamente, quando inexista divergência entre as partes relativamente à existência de contitularidade do direito, quanto à natureza indivisível da coisa e não seja invocado qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, a determinar o imediato prosseguimento dos autos para a fase executiva do processo.
A jurisprudência dos tribunais superiores não tem sido uniforme nesta matéria.
Isso mesmo foi, com clareza, mencionado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-10-2019 (Pº 385/18.2T8LMG-A.C1.S2, rel. JOSÉ RAINHO), considerações que se transcrevem:
“Alguma jurisprudência tem enveredado por uma visão restritiva da admissibilidade da reconvenção por pedido a que corresponda processo comum na ação de divisão de coisa comum. Assim, no acórdão da Relação de Coimbra de 21 de outubro de 2003 (processo n.º 1460/03, disponível em www.dgsi.pt) defende-se que, em princípio, é possível deduzir reconvenção no processo de divisão de coisa comum sempre que haja contestação; se, no entanto, as questões deduzidas na contestação, no confronto com o pedido inicial, forem decididas sumariamente sem que haja de prosseguir a causa nos termos do processo comum, a reconvenção só é admissível se também dessa forma poder ser decidida. Igual entendimento é adotado no acórdão da Relação de Lisboa de 4 de março de 2010 (processo n.º 1392/08.9TCSNT.L1-6, disponível em www.dgsi.pt)”.
Nesse sentido, decidiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21-10-2003 (Pº 1460/03, rel. COELHO DE MATOS) que: “Em princípio é possível deduzir reconvenção no processo de divisão de coisa comum sempre que haja contestação. Se, no entanto, as questões deduzidas na contestação, no confronto com o pedido inicial, forem decididas sumariamente sem que haja de prosseguir a causa nos termos do processo comum, a reconvenção só é admissível se também dessa forma poder ser decidida”.
Lê-se na fundamentação deste aresto que:
“O problema da admissibilidade da reconvenção surge necessariamente da incompatibilidade da forma de processo e compreende-se porquê. É que se para conhecer do pedido reconvencional houver de se proceder a instrução e respeitar o contraditório, tal exige uma tramitação que se não compagina com a do processo especial. Daí que o n.º 3 do artigo 274º do Código de Processo Civil levante esse obstáculo à admissibilidade da reconvenção – não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponda ao pedido do autor.
Retomando a ideia acima aflorada sobre a suspensão da acção especial e o enxerto duma fase declaratória comum, comandada pela contestação, já se pode admitir que, em princípio, apresentada a contestação, seja admissível a reconvenção.
Em “princípio” porque a reconvenção só pode ser conhecida (e nessa medida admitida) em duas circunstâncias: se for ordenada a tramitação comum posterior à contestação; ou se for possível conhecer da reconvenção sem necessidade de instrução, isto é, sumariamente, na fase do saneador, se aí também forem conhecidas as questões que a contestação opõe é petição inicial (pedido inicial e, ou, causa de pedir).
Vejamos:
Se tiver de prosseguir a causa enxertada, comandada pela contestação, então os termos do processo comum correspondentes ao valor da causa, permitem que se conheça também da reconvenção, uma vez que não existe, então, o obstáculo da forma de processo (falamos em termos de serem supostos os restantes requisitos).
Mas se as questões opostas (à petição inicial) pela contestação poderem ser logo decididas sumariamente, sem necessidade de instrução, só faz sentido admitir a reconvenção se também aí se poder, da mesma forma, conhecer dela.
Isto porque a primeira decisão ou coloca a petição inicial em condições de prosseguir, recomeçando a tramitação adequada ao processo especial, ou extingue a instância, se tiver dado vencimento à oposição ao pedido de divisão de coisa comum.
No primeiro caso voltamos a deparar-nos com a incompatibilidade processual e no segundo com a total falta de sentido que o processo prossiga, para conhecer da reconvenção, quando já se extinguiu a instância.
Por tudo isto, e como já se decidiu nesta Relação num caso em todo idêntico ( Acórdão da RC, de 03/07/1984, CJ, tomo 4, pag.84), num processo em que o ora relator ainda era juiz na primeira instância, em princípio é possível deduzir reconvenção no processo de divisão de coisa comum sempre que haja contestação. Se, no entanto, as questões deduzidas na contestação, no confronto com o pedido inicial, forem decididas sumariamente sem que haja de prosseguir a causa nos termos do processo comum, a reconvenção só é admissível se também dessa forma poder ser decidida.”.
Na mesma linha, considerando que, sendo proferida decisão sumária relativa à indivisibilidade do imóvel e determinado o prosseguimento dos autos nos termos do nº 2 do art.º 929º do CPC, então não será admissível o pedido reconvencional por benfeitorias, a impor uma fase processual absolutamente distinta e incompatível, não suscetível de adequação, situam-se as seguintes decisões:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20-09-2018 (Pº 242/17.0T8VPC-A.G1, rel. ANTÓNIO BARROCA PENHA) onde se decidiu que: “A ação especial de divisão de coisa comum admite reconvenção (reunidos que estejam os respetivos pressupostos substanciais) se houver contestação, pois o processo converte-se normalmente, nos termos do disposto na 2ª parte do n.º 3 do art.º 926º, do C. P. Civil, de processo especial em processo comum; a menos que as questões deduzidas na contestação/reconvenção possam ser decididas sumariamente, sem necessidade de prosseguir a causa nos termos do processo comum (art.º 926º, n.ºs 2 e 3, 1ª parte, do C. P. Civil)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25-06-2020 (Pº 329/18.1T8FNC-A.L1-8, rel. TERESA SANDIÃES), onde se concluiu que: “Em acção especial de divisão de coisa comum, em que foi proferida decisão sumária relativa à indivisibilidade do imóvel e determinado o prosseguimento dos autos nos termos do art.º 926º, nº 2 e 929º, nº 2 do C.P.C., não é admissível pedido reconvencional relativo a realização de benfeitorias. A fase subsequente do processo especial de divisão de coisa comum (fase de natureza executiva) e a forma de processo comum que o conhecimento do pedido reconvencional imporia são formas de processo que comportam tramitação absolutamente distintas e manifestamente incompatíveis (art.º 37º do C.P.C.), não susceptíveis de adequação, pois só depois da tramitação própria do processo comum quanto ao pedido reconvencional, com instrução da prova, decisão de facto e de direito, eventual recurso, se retomaria a fase executiva própria da acção especial de divisão de coisa comum, para adjudicação ou venda do imóvel. Tal corresponde a duas tramitações autónomas e sequenciais, constituindo o conhecimento do pedido reconvencional uma fase declarativa a “enxertar” à tramitação regular do processo especial, assim provocando a paragem deste até à decisão daquele. É nesta circunstância que radica a manifesta incompatibilidade, insusceptível de adaptação formal, adaptação que terá de significar, de algum modo, aproximação, conciliação de duas formas processuais distintas, seja através de concatenação de actos, de supressão de outros, etc. – e não apenas “cumulação” de actos próprios de uma forma processual e de outra”.
Semelhante entendimento expressou-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03-11-2020 (Pº 1761/19.9T8PBL.C1, rel. FREITAS NETO): “Estando em causa a finalidade de divisão de certa coisa comum, seguem-se os termos adequados a esse desiderato, previstos nos art.ºs 925º e ss. do CPC. Termos que sinteticamente se caracterizam pela adjudicação ou venda, se a coisa for indivisível, ou pela formação de lotes e sua adjudicação se a coisa for materialmente divisível, admitindo-se apenas a intervenção de prova pericial. Os requisitos que condicionam o avanço do processo de divisão podem ser atacados por diversas razões – não haver indivisão, haver obstáculo à sua extinção, não existir acordo sobre as quotas de cada, ou por outro fundamento. Passa então a ser necessária a existência de uma fase declarativa (sob a forma comum) enxertada na acção especial, fase essa que obviamente prejudica o início da fase “executiva” (assim dita por se destinar específicamente a acabar com a contitularidade do domínio). Em todo o caso, antes de introduzir a tramitação da acção comum para conhecer dessa questão prévia, o juiz pode tentar conhecê-la sumariamente como uma mera questão incidental, e só se entender que não há adequação do incidente regulado nos termos dos artigos 292º e ss. do CPC é que mandará seguir os termos da acção comum (art.º 926º, nºs 2 e 3, do CPC)”. Não se ajustando a reconvenção ao disposto na al. c) do nº 2 do art.º 266º do CPC – nem a nenhuma outra – a reconvenção não pode ser admitida. Também não se verifica o condicionalismo da 2ª parte do nº 3 do art.º 266º do nCPC, ou seja, que o juiz pode/deve autorizar a reconvenção ao abrigo do nº 2 do art.º 37º”.
Igual orientação foi perfilhada pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-01-2021 (Pº 1509/19.8T8GDM.P1, rel. ANABELA DIAS DA SILVA): “A acção de divisão de coisa comum é assim uma acção de natureza real e constitutiva, na medida em que implica uma modificação subjectiva e objectiva do direito real que incide sobre a coisa. Comporta processualmente duas fases distintas, uma declarativa a que se reportam os art.ºs 925.º a 928.º do C.P.Civil e outra executiva, nos termos do art.º 929.º do C.P.Civil. A fase declarativa processa-se de acordo com as regras aplicáveis aos incidentes da instância, e só assim não será se o Juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, caso em que os autos deverão seguir os termos do processo comum.
Inexistindo qualquer divergência entre as partes relativamente à existência de compropriedade do imóvel em apreço por ter sido por ambos adquirido, nem quanto à natureza indivisível da coisa, e não tendo invocada em sua defesa qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, a acção tem de ser totalmente procedente, encerrando-se a fase declarativa da acção.
O pedido reconvencional fundamentado em despesas alegadamente efectuadas apenas pela ré na aquisição e manutenção do imóvel cuja divisão se peticiona, e outras decorrentes da vida em comum havida entre as partes, com vista ao reconhecimento desse crédito sobre o autor a ser efectivado/compensado aquando da adjudicação ou venda do imóvel, não é admissível à míngua da não verificação de qualquer requisito substancial de conexão, cfr. n.º 2 do art.º 266.º do C.P.Civil.
Estando por força da lei encerrada a fase declarativa da acção de divisão de coisa comum, arrendada estava também a possibilidade de o juiz, à luz do preceituado no n.ºs 2 e 3 do art.º 37.º do C.P.Civil, adequar a formas de processo (declarativos) para admitir o pedido reconvencional.
Mas mesmo que assim se não entenda, certo é que o que se pretende com a reconvenção é acautelar um eventual direito de crédito a ser realizado/concretizado num futuro incerto ou eventual, ou seja, aquando da adjudicação ou venda do imóvel a terceiro – fase executiva da presente acção de divisão de coisa comum, todavia, a admissibilidade do pedido reconvencional não pode depender de condição futura e incerta, exigindo-se que os respectivos requisitos se mostrem reunidos aquando da sua dedução.”.
Ainda nesta linha, pode referir-se o decidido nos seguintes Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa:
- De 07-01-2021 (Pº 2538/19.7T8LRS-A.L1-6, rel. GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES): “Considerando o pedido reconvencional da ré este assenta na existência de um pretenso direito de crédito sobre o réu, ou seja não assenta tal pedido na proporção superior do seu quinhão, pois este constitui matéria de excepção do direito de metade que se arroga o Autor. Ora, é certo que o crédito que invoca na reconvenção prende-se com a aquisição do imóvel cuja divisão se pretende, mas não é a comunhão em concreto que se visa com tal pedido, mas sim fazer valer um crédito que a ré se arroga contra o réu, mas na acção de divisão de coisa comum nada relevam os factos jurídicos de que relevam a comunhão, pelo que tal pedido, ao contrário do defendido, não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa nos termos da alínea a) do nº 2 do art.º 266º do CPC”;
- De 13-09-2018 (Pº 358/17.2T8SNT.L1-2, rel. PEDRO MARTINS): “A pretensão de pôr termo à indivisão de coisa em compropriedade de dois unidos de facto não está dependente da ruptura da união de facto, tal como não o está a pretensão de um deles exigir do outro, em direito de regresso, aquilo que pagou no lugar do outro no âmbito dos contratos de empréstimo para compra do prédio em compropriedade feitos a ambos os unidos de facto, comproprietários do imóvel. Não haveria qualquer interesse na cumulação de pedidos relativos à divisão de coisa comum com pedidos relativos a créditos que um dos ex-unidos de facto tenha contra o outro, nem a apreciação conjunta de tais pedidos (e ainda de outros) seria indispensável para a justa composição do litígio; antes pelo contrário”.
Em polo diverso situa-se outra jurisprudência de pendor “menos formalista” - como se dá conta no já referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-10-2019 (Pº 385/18.2T8LMG-A.C1.S2, rel. JOSÉ RAINHO) cujas considerações, a esse propósito, se transcrevem: “Assim, nos acórdãos da Relação de Guimarães de 25 de setembro de 2014 (processo n.º 260/12.4TBMNC-A.G1), da Relação de Guimarães de 25 de julho de 2017 (processo n.º 1242/09.9TJVNF-B.G1) e da Relação de Lisboa de 24 de setembro de 2015 (processo n.º 2510/14.3T8OER-A.L1.2 (todos disponíveis em www.dgsi.pt), entende-se que na ação de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, deverá a reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto nos artigos 266.º, n.º 3 e 37º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos do processo comum. No acórdão da Relação de Évora de 22 de março de 2018 (processo n.º 151/17.2T8ODM.E1, disponível em www.dgsi.pt) também se aceita que é admissível a dedução de reconvenção na ação de divisão de coisa comum, esclarecendo apenas que (como é óbvio) tal apenas poderá suceder nos casos taxativamente fixados nas als. a) a d) do n.º 2 do art.º 266.º do Código de Processo Civil. Ainda, no acórdão da Relação de Évora de 17 de janeiro de 2019 (processo n.º 764/18.5T8STB.E1, disponível em www.dgsi.pt) entende-se (sumário) que: “I- Sendo as diversas formas de processo - especial e comum -, o único obstáculo formal à admissibilidade da reconvenção, mas não seguindo as mesmas uma tramitação manifestamente incompatível, tanto mais que é expressamente admissível a transmutação do processo especial de divisão de coisa comum em processo comum, de acordo com o preceituado nos n.ºs 2 e 3 do indicado artigo 37.º, pode o juiz autorizar a reconvenção, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa-composição do litígio. II - Quando a indivisibilidade do bem comum é aceite entre as partes e o único litígio verdadeiramente existente se prende com as questões relativas à aquisição da fração autónoma em comum e na mesma proporção por ambos os comproprietários, com recurso a pedido de empréstimo bancário, que um alega ter suportado em quantia superior ao outro, o poder/dever de gestão processual permite a admissibilidade da reconvenção, em circunstâncias como as da presente lide. III – Esta é a única interpretação que se harmoniza com os princípios que regem a lei processual civil, cada vez mais arredados de visões de pendor marcadamente formalista em detrimento da busca da garantia de uma efetiva composição do litígio que reponha a paz social quebrada com as visões antagónicas que as partes têm do caso que as divide e que são o único fundamento da demanda.”
Cremos que é de subscrever o ponto de vista deste último conjunto jurisprudencial, que se ajusta no essencial ao caso vertente.
É certo que, como se aponta no acórdão recorrido, não foi oferecida qualquer oposição ao pedido da Autora, de sorte que a tramitação processual imediata que competiria ser seguida seria basicamente a estabelecida no n.º 2 do art.º 929.º do CPCivil.
É certo de igual forma que essa tramitação não se adequa em si mesma à tramitação inerente ao pedido reconvencional.
É ainda certo que a tramitação de processo comum a seguir em atenção ao pedido reconvencional altera a tramitação prevista para o processo de divisão de coisa comum.
Todavia, importa compreender que toda essa perturbação na tramitação processual é conatural à junção num só processo de pedidos que sigam uma tramitação diversa.
E o que é facto é que a lei não enjeita a possibilidade dessa junção.
Na perspetiva da lei, o inconveniente inerente à perturbação processual que é introduzida resolve-se através da adaptação do processado aos fins da reconvenção (n.º 3 do art.º 37.º do CPCivil).
Isto só não deverá ser assim quando a ação e a reconvenção devam seguir tramitação “manifestamente incompatível”.
Procurando densificar um pouco o conceito de tramitação “manifestamente incompatível”, afigura-se-nos que incompatibilidade manifesta (intolerável, gritante) só existirá naqueles casos em que se imporia (ou, pelo menos, em que houvesse o risco disso suceder) praticar atos processuais contraditórios ou inconciliáveis. Não basta que se esteja perante tramitações desajustadas umas das outras, pois que isso sempre acontece, em maior ou menor grau, em formas processuais diferentes.
No caso vertente, cremos que essa situação radical não ocorre. A tramitação a implementar (adaptativamente) com vista a processar o pedido reconvencional será a do processo comum, e tal tramitação não é fonte de contradição (não leva á prática de atos contraditórios) ou é inconciliável com a tramitação do pedido de divisão da coisa comum. Inclusivamente, a própria lei (n.º 3 do art.º 926.º do CPCivil) prevê com toda a naturalidade a introdução (fase declarativa do procedimento) da tramitação do processo comum no processo de divisão de coisa comum, a que se seguirá depois a fase executiva. No fundo, a situação em discussão não sai muito desse critério ou esfera.
O que se passa simplesmente é que a introdução da reconvenção em causa é fonte de perturbação no processo de divisão da coisa comum, mas isso, na perspetiva da lei, não é suficiente para impedir a reconvenção. De resto, e se se atentar bem nas coisas, são menores os inconvenientes que emergem dessa perturbação do que os que emergiriam do facto de se ter de vir mais tarde, em ação própria, discutir a questão das benfeitorias.
Vistas assim as coisas, como nos parece que devem ser vistas, a reconvenção em questão pode ser admitida e processada de acordo com as normas adaptadas do processo comum que ao caso convierem, sobrestando-se entretanto na fase executiva da divisão da coisa comum. Repetindo, não vemos que isto constitua qualquer tramitação manifestamente incompatível, nem tão pouco que daí resultem duas ações (uma a seguir à outra), tudo não passando senão de uma adaptação do processado à reconvenção. E se essa adaptação tem os seus custos processuais, isso não é senão a consequência lógica da circunstância da lei a impor (a adaptação).”.
Acolhendo esta última orientação, concluiu-se, no mencionado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-10-2019 (Pº 385/18.2T8LMG-A.C1.S2, rel. JOSÉ RAINHO) que: “Tramitação “manifestamente incompatível”, nos termos e para os efeitos dos art.ºs 266.º, n.º 3 e 37.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, só existirá naqueles casos em que se imporia (ou, pelo menos, em que houvesse o risco disso suceder) praticar atos processuais contraditórios ou inconciliáveis. Não basta que se esteja perante tramitações desajustadas umas das outras, pois que isso sempre acontece, em maior ou menor grau, em formas processuais diferentes. Na ação de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção tendente a obter indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, deverá a reconvenção ser autorizada, ao abrigo do disposto nos artigos 266.º, n.º 3 e 37.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil (…)”.
Neste âmbito, tem-se considerado ser possível e desejável a adaptação do processo pelo juiz, ao abrigo dos princípios da gestão processual e da adequação formal, nos termos previstos nos artigos 6.º e 547.º do CPC:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25-09-2014 (Pº 260/12.4TBMNC-A.G1, rel. CARLOS GUERRA): “Na ação de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, deverá a reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto nos artigos 266º, n.º 3 e 37º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum”, referindo-se na respetiva fundamentação que, incumbirá “(…) ao juiz, quando admita a reconvenção nas ditas circunstâncias, adaptar o processo à cumulação autorizada. Esta possibilidade assume hoje especial relevância face à actual lei processual civil, que atribui ao juiz amplos poderes (deveres) de gestão e adequação processual, incumbindo-lhe “... dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável” – artigo 6º, n.º 1 – e “... devendo adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo” – artigo 547º – actividade que não poderá deixar de ter sempre como limite indiscutível o respeito pelos princípios estruturantes do direito processual civil, sobretudo daqueles que constituem emanações de princípios constitucionais”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-09-2015 (Pº 2510/14.3T8OER-A.L1-2, rel. VAZ GOMES): “Na ação de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, deverá a reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto nos artigos 266º, n.º 3 e 37º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum”, lendo-se na fundamentação, em particular, que: “(…) cremos que o interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos, como seja a apreciação de um direito por benfeitorias invocado por um dos comproprietários, evitando dessa forma que ele se veja compelido a recorrer à propositura de uma outra acção para ver o seu direito reconhecido, para além de não beliscar qualquer daqueles princípios estruturantes, assume indiscutível relevância e que justifica plenamente a admissão da reconvenção. E o próprio processo especial de divisão de coisa comum contém em si os mecanismos adequados para adaptar o processo à cumulação autorizada bastando, para o efeito, seguir o “iter” inverso ao do despacho recorrido: em vez de decidir em primeiro lugar da possibilidade de proferir logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão para, em face disso, concluir depois pela incompatibilidade de tramitação, começar por, reconhecendo o interesse relevante na admissão da reconvenção e, verificada a impossibilidade de conhecer sumariamente das questões suscitadas, mandar seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum. Parece-nos, assim, que os princípios subjacentes àqueles poderes/deveres de gestão e adequação processual atribuídos ao juiz impõe que, acção de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, deverá a reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto nos artigos 266º, n.º 3 e 37º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25-05-2017 (Pº 1242/09.9TJVNF-B.G1, rel. ANA CRISTINA DUARTE): “1 - Na ação de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, deverá a reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto nos artigos 266~ n. º 3 e 37.º n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum. 2 - Tal está ao alcance do juiz, incumbindo-lhe adaptar o processo, ao abrigo dos princípios da gestão processual e adequação formal - artigos 6. º e 547. º do CPC - considerando, além do mais, que o processo especial de divisão de coisa comum comporta, ele mesmo, a possibilidade, na sua fase não executiva, de se seguirem os termos do processo comum (…)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-04-2021 (Pº 5962/20.9T8VNG.P1, rel. JOSÉ IGREJA MATOS): “Por força do princípio geral previsto no artigo 2.º, n.º 2, do Código do Processo Civil (CPC) relativo à garantia de acesso aos tribunais, no âmbito de uma ação especial de divisão de coisa comum, haverá sempre todo o interesse, na medida do possível, em procurar discutir e decidir as questões que, para além da divisão, envolvam o prédio dividendo. Não é necessariamente inviável a cumulação de pedidos, envolvendo um deles a forma de processo de divisão de coisa comum e o outro a forma de processo comum, conquanto se possam verificar os pressupostos do art.º 555º CPC, conjugado com o art.º 37º, nº 2 do mesmo Código. Uma vez apurada a indivisibilidade do prédio e restando discernir das questões relativas ao contributo de cada um dos comproprietários para a aquisição do imóvel, decidindo-se pela prossecução dos autos, no essencial, como processo comum, nada obsta, à luz de uma adequada gestão processual, que o litígio possa ser dirimido numa mesma ação. Perante as exigências de simplificação e agilização processuais impostas pelo artigo 6º do CPC, apenas se deve considerar como tramitação “manifestamente incompatível”, nos termos e para os efeitos dos art.ºs 266.º, n.º 3 e 37.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aquela que obrigue à pratica de atos processuais concretamente inconciliáveis”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-05-2021 (Pº 1761/19.9T8PBL.C1.S1, rel. JORGE DIAS): “É a lei, art.º 926º, nº 3 parte final, do CPC que se mostra adaptável a incluir no processo especial de divisão de coisa comum, a forma de processo comum. Não faz sentido não admitir a reconvenção e remeter as partes para outra ação, para colocarem fim ao litígio relacionado com a propriedade em comum do bem que foi casa de morada de família. Ao juiz compete, no cumprimento do dever de gestão processual, art.º 6º do CPC, adotar mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio. No caso dos autos é manifesta a utilidade da admissão da reconvenção, quer para o tribunal quer para o réu, não sendo manifesta a incompatibilidade, nem a impossibilidade de adaptação processual. O art.º 926º, nº 3 do CPC a prevê”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-06-2021 (Pº 13686/20.0T8LSB.L1-7, rel. CRISTINA COELHO): “Em ação especial de divisão de coisa comum, é admissível o pedido reconvencional de pagamento de despesas (por benfeitorias e relativas à aquisição da fração, bem como as com esta relacionadas), tendo em conta os princípios de gestão processual e adequação formal a impor uma aplicação mais flexível do nº 3 do art. 266º do CPC, e o interesse relevante de apreciação conjunta das pretensões para a justa composição do litígio”; e
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-11-2022 (Pº 5744/20.4T8MTS.P1, rel. RUI MOREIRA): “Numa acção de divisão de coisa comum, na qual o réu formula pedido reconvencional para reconhecimento e compensação da sua maior contribuição para a aquisição desse bem, não há uma tramitação idêntica, para a discussão e decisão do objecto de cada um dos pedidos – da acção e da reconvenção – mas elas são complementares e podem ser agregadas, por inexistência de incompatibilidade intrínseca. Não há qualquer acto a praticar na tramitação de um dos pedidos que impeça ou torne inviável a realização do objecto da outra pretensão. Nessa hipótese, os poderes de gestão processual do juiz permitirão definir os termos da tramitação a observar, acolhendo a reconvenção sob a forma de processo comum, definindo o conteúdo dos direitos em litígio e prevenindo a necessidade de instauração de outras acções”.
Nesta mesma orientação e em comentário ao Acórdão da Relação de Lisboa de 25-06-2020 (Pº 329/18.1T8FNC-A.L1-8, rel. TERESA SANDIÃES), refere Teixeira de Sousa (https://blogippc.blogspot.com/2021/01/jurisprudencia-2020-122.html) que:
“a) O problema decidido pela RL não tem uma solução linear, mas, salvo o devido respeito, propende-se para uma orientação diferente.
Ao contrário do entendimento da RL, não parece impossível aplicar, numa acção de divisão de coisa comum, o disposto, quanto ao pedido reconvencional relativo a benfeitorias, no art.º 266.º, n.º 2, al. b), CPC. No fundo, o que o autor dessa acção pretende é a entrega da parcela que tem na coisa indivisa, pelo que não é impossível entender que, se a parte demandada tiver direito a benfeitorias por obras que realizou na coisa indivisa, possa fazer valer esse direito na acção pendente. Portanto, o requisito da conexão objectiva entre os pedidos encontra-se preenchido.
Sendo assim, o que importa analisar é se permanecem outros obstáculos à admissibilidade do pedido reconvencional relativo a benfeitorias na acção de divisão de coisa comum.
A alternativa à inadmissibilidade da dedução do pedido reconvencional relativo a benfeitorias é, naturalmente, a necessidade de fazer valer esse direito numa acção autónoma. Por isso, o que, em termos de exercício dos poderes de gestão processual, tem de ser ponderado é se é justificado "complicar" a acção de divisão de coisa comum para permitir a resolução definitiva da situação das partes e evitar uma acção autónoma. É claro que a acção de divisão se "complica"; mas o que tem de ser ponderado é se essa "complicação" evita outras "complicações".
Atendendo especialmente ao disposto no art.º 929.º, n.º 2, CPC (aplicável no caso sub iudice pela circunstância de a coisa ser indivisível), era desejável que, no acerto de contas entre as partes, pudesse tomar-se em consideração o eventual direito a benfeitorias da parte demandada.
Pelo exposto, nada impediria que, através da aplicação dos poderes de gestão processual (art.º 6.º, n.º 1, e 547.º CPC), o pedido reconvencional relativo às benfeitorias fosse considerado admissível. Note-se que o exercício desses poderes pode ir para além do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 37.º CPC, para o qual remete o art.º 266.º, n.º 3, CPC.
b) Num outro plano, pode ainda perguntar-se se, na hipótese de o direito a benfeitorias pertencer à parte demandante, seria impensável admitir que esse direito pudesse ser feito valer na acção de divisão de coisa comum. Se não se descortinam razões para considerar inadmissível essa cumulação de pedidos pela parte demandante, então, por imposição do princípio da igualdade das partes, também a dedução de um idêntico pedido pela parte demandada não pode ser inadmissível”.
Finalmente, conforme se referiu no citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-06-2021, Pº 13686/20.0T8LSB.L1-7, rel. CRISTINA COELHO): “Entendem outros, que não existe qualquer tramitação manifestamente incompatível, porquanto, por um lado, a tramitação comum está prevista neste processo especial, e, por outro, trata-se tão só da introdução da tramitação do processo comum na fase declarativa do processo especial, retomando-se, depois, na fase executiva, a tramitação do processo especial, estando em causa princípios de economia processual, relevando o interesse de ver discutidas e decididas todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos - ver os Acs. do STJ de 26.1.2021, P. 1923/19.9T8GDM-A.P1.S1 (Maria João Vaz Tomé), da RL de 15.3.2018, P. 2886/15.5T8CSC.L1.L1-8 (António Valente), da RE de 17.1.2019, P. 764/18.5T8STB.E1 (Albertina Pedroso),  e da RE de 23.4.2020, P. 1449/18.8T8PTM-A.E1 (Cristina Dá Mesquita), todos em www.dgsi.pt”.
Especificamente, ao nível da apreciação dos requisitos materiais da reconvenção no âmbito da ação de divisão de coisa comum, alguma jurisprudência tem considerado que não há reciprocidade entre o direito de exigir a divisão e o exercício de direito de crédito ou a benfeitorias pelo outro contitular. Assim, decidiram o:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-03-2013 (Pº 86/11.2TBVZL-A.C1, rel. SÍLVIA PIRES) que: “Pretendendo os Autores tão só pôr termo à indivisão do prédio de que são co-proprietários com a Ré, situação que não tem fundamento na existência de qualquer direito de crédito, não é admissível a dedução de pedido reconvencional baseado na compensação”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22-03-2018 (Pº 151/17.2T8ODM.E1, rel. MÁRIO COELHO): “Embora seja admissível a dedução de reconvenção na acção de divisão de coisa comum, tal apenas poderá suceder nos casos taxativamente fixados nas als. a) a d) do n.º 2 do art.º 266.º do Código de Processo Civil. Não é possível detectar o requisito da reciprocidade entre o direito de exigir a divisão da coisa comum e o exercício de direitos relativos a benfeitorias ali realizadas por outro comproprietário”; e
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15-09-2022 (Pº 249/21.2T8VVC.E1, rel. VITOR SEQUINHO DOS SANTOS): “Não se verifica o factor de conexão estabelecido no artigo 266.º, n.º 2, al. c), do CPC, se, em acção com processo especial de divisão de coisa comum, a ré deduz um pedido reconvencional de reconhecimento de um direito de crédito, contra o autor, correspondente a metade das quantias que alega ter pago para amortização do empréstimo contraído com vista à aquisição do prédio a dividir, nos seguintes termos: 1) Na hipótese de o prédio lhe ser adjudicado, o direito de crédito que invoca deve ser compensado com o direito de crédito que o autor vier a adquirir a título de tornas; 2) Na hipótese de o prédio ser adjudicado ao autor, aquele direito de crédito acrescerá às tornas que a ré tiver direito a receber; 3) Na hipótese de o prédio ser vendido a terceiro, aquele direito de crédito acrescerá ao valor que a ré tiver direito a receber”.
Noutra aproximação, tem-se considerado ser de admitir a reconvenção que o reconvinte formule e onde peticione o reconhecimento de um crédito que invoca sobre o requerente, em razão de benfeitorias ou de despesas efetuadas (v.g. valores despendidos com empréstimo contraído para aquisição ou obras no imóvel, IMI, seguros, quotas do condomínio) com o prédio cujo processo é objeto da ação de divisão, ou para exercício de compensação de créditos com o crédito de tornas que venha a ser atribuído ao requerente (entendendo-se que, para assegurar a justa composição do litígio, a ação deverá prosseguir os termos do processo comum, para decisão dessas questões, só após se entrando na fase executiva do processo). Disso são exemplo os seguintes arestos:
- Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 15-03-2018 (Pº 2886/15.5T8CSC.L1.L1-8, rel. ANTÓNIO VALENTE): “Em acção de divisão de coisa comum, impugna a requerida na contestação o valor atribuído ao prédio pelo requerente, suscitando em sede de reconvenção os créditos que tem sobre o requerente por ter efectuadas despesas quer no pagamento do empréstimo bancário para aquisição do prédio, quer de impostos, que em seu entender incumbiam em partes iguais a ambos. Suscitando assim a compensação do seu crédito com o crédito de tornas que venha a ser atribuído ao requerente. Perante isso, e para assegurar a justa composição do litígio, a acção deverá seguir os termos do processo comum, para que sejam decididas tais questões, só então se entrando na fase executiva do processo com a conferência de interessados”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17-01-2019 (Pº 764/18.5T8STB.E1, rel. ALBERTINA PEDROSO): “Sendo as diversas formas de processo - especial e comum -, o único obstáculo formal à admissibilidade da reconvenção, mas não seguindo as mesmas uma tramitação manifestamente incompatível, tanto mais que é expressamente admissível a transmutação do processo especial de divisão de coisa comum em processo comum, de acordo com o preceituado nos n.ºs 2 e 3 do indicado artigo 37.º, pode o juiz autorizar a reconvenção, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa-composição do litígio. Quando a indivisibilidade do bem comum é aceite entre as partes e o único litígio verdadeiramente existente se prende com as questões relativas à aquisição da fracção autónoma em comum e na mesma proporção por ambos os comproprietários, com recurso a pedido de empréstimo bancário, que um alega ter suportado em quantia superior ao outro, o poder/dever de gestão processual permite a admissibilidade da reconvenção, em circunstâncias como as da presente lide. Esta é a única interpretação que se harmoniza com os princípios que regem a lei processual civil, cada vez mais arredados de visões de pendor marcadamente formalista em detrimento da busca da garantia de uma efectiva composição do litígio que reponha a paz social quebrada com as visões antagónicas que as partes têm do caso que as divide e que são o único fundamento da demanda”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-01-2021 (Pº 1923/19.9T8GDM-A.P1.S1, rel. MARIA JOÃO VAZ TOMÉ): “Na ação especial de divisão de coisa comum, em que o Requerido, apesar de deduzir contestação, confessa o pedido da Requerente, é admissível a reconvenção quando tenha sido suscitada a compensação de alegado crédito por despesas suportadas para além da quota respetiva, com o crédito de tornas que venha a ser atribuído ao Requerente, devendo a ação seguir os termos do processo comum, para que sejam decididas tais questões, só então se entrando na fase executiva do processo com a conferência de interessados. No art.º 266.º, n.º 3, do CPC, o legislador salvaguarda a possibilidade de o juiz autorizar a reconvenção “quando ao pedido do Requerido corresponda uma forma de processo diferente”, nos termos previstos no art.º 37.º, n.ºs 2 e 3, do mesmo corpo de normas, “com as necessárias adaptações”. Traduzindo-se as diversas formas de processo - especial e comum - no único obstáculo formal à admissibilidade da reconvenção, mas não seguindo as mesmas uma tramitação manifestamente incompatível, tanto mais que é expressamente admissível a convolação do processo especial de divisão de coisa comum em processo comum, de acordo com o art.º 37.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, o Juiz pode autorizar a reconvenção, “sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa-composição do litígio”. O poder-dever de gestão processual permite a admissibilidade da reconvenção, em circunstâncias como as dos presentes autos. Está em causa o interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos. Importa evitar que o Requerido se veja compelido a propor uma outra ação para ver o seu direito reconhecido”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-02-2021 (Pº 11259/18.7 T8SNT.L1-6, rel. TERESA PARDAL): “Na ação de divisão de coisa comum é admissível o pedido reconvencional para serem tidos em conta os pagamentos das prestações do empréstimo bancário para aquisição do prédio objeto de divisão efetuados pelo réu, com vista à sua adjudicação, tendo em atenção que, apesar de os pedidos da ação e da reconvenção seguirem formas de processo diferente, há interesse relevante para a apreciação conjunta das pretensões, que se afigura indispensável para a composição justa do litígio, devendo ser determinado que os autos sigam os termos do processo comum ao abrigo dos artigos 37º nºs 2 e 3 e 926º nº3 do CPC.”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-07-2021 (Pº 967/20.2T8CSC.L1-7, rel. LUÍS FILIPE SOUSA): “Numa ação de divisão de coisa comum são de admitir pedidos reconvencionais em que a Ré peticione o pagamento dos valores que despendeu na amortização do crédito à habitação além da sua quota de 50%, bem como os valores que despendeu em obras de melhoramento além da sua quota de 50% (cf. Artigos 6º, nº1, 547º, 549º, nº1, 266º, nº2, alíneas b) e d), nº 3, sendo este em conjugação com o Art.º 37º, nos. 2 e 3, todos do Código de Processo Civil)”, colhendo-se da respetiva fundamentação que: “Cremos que os atuais princípios da gestão processual e da adequação formal impõem uma aplicação mais ágil e flexível do regime do Artigo 266º, nº 3, do CPC, sempre no intuito de maximizar a celeridade e economia processuais desde que não se postergue os demais princípios processuais, designadamente os do contraditório e da igualdade das partes. Nessa medida, é de subscrever o entendimento de que «(…) o interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos, como seja a apreciação de um direito por benfeitorias invocado por um dos comproprietários, evitando dessa forma que ele se veja compelido a recorrer à propositura de uma outra ação para ver o seu direito reconhecido, para além de não beliscar qualquer daqueles princípios estruturantes, assume indiscutível relevância e que justifica plenamente a admissão da reconvenção», mesmo que a reconvenção admitida seja a única justificação para a abertura de uma fase declarativa de processo comum. Conforme refere NUNO PISSARRA, nesta situação o que fundamenta a admissão da reconvenção não é o processamento pelo processo comum mas a excecional autorização da reconvenção à luz do nº2 do Artigo 37º do CPC (…)»”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-10-2021 (Pº 14680/19.0T8SNT-B.L1-7, rel. ANA RESENDE): “Na acção de divisão de coisa comum é admissível o pedido reconvencional para assegurar a justa composição do litígio, seguindo a ação os termos de processo comum para serem conhecidas ali as questões suscitadas. Tal entendimento mostra-se como o que melhor densifica o poder/dever de gestão processual, que na harmonia com os demais pressupostos processuais permite a obtenção da efectiva composição do litígio, num afastamento cada vez maior de decisões de marcado cariz formal”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-03-2022 (Pº 823/20.4T8CSC.L1-7, rel. JOSÉ CAPACETE): “Os valores alegadamente despendidos pela ré comuneira na amortização dos créditos à habitação, relacionados com a aquisição do imóvel, podem ser objeto de pedido reconvencional em processo especial de divisão de coisa comum”, reiterando o decidido no Acórdão do mesmo Tribunal de 13-07-2021, antes citado;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07-04-2022 (Pº 176/20.0T8TVR-A.E1, rel. FRANCISCO XAVIER): “Constituindo as diversas formas de processo - especial e comum -, o único obstáculo formal à admissibilidade da reconvenção, pode/deve o juiz, em face do disposto nos artigos 266º, n.º 3 e 37º n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, autorizar a reconvenção, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio. Tal ocorre, num caso como o dos autos, em que, embora não existindo divergências entre as partes quanto à indivisibilidade do bem nem quanto à compropriedade, o reconvinte pretende obter o pagamento ou compensação de metade das quantias por si pagas referentes aos mútuos com hipotecas, que oneram o prédio comum, aos prémios de seguro associados e às despesas de manutenção do prédio, que são da responsabilidade de ambos os comproprietários, relativamente às quais existe diferendo entre as partes. Esta interpretação é a que se afigura conforme aos princípios que regem a lei processual civil, cada vez mais arredados de visões de pendor marcadamente formalista em detrimento da busca da garantia de uma efectiva composição do litígio”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-09-2022 (Pº 4941/21.3T8LRS-A.L1-2, rel. MARIA JOSÉ MOURO): “É de admitir a reconvenção deduzida pelo R. em acção de divisão de coisa comum, quando este pretende obter o reconhecimento a seu favor de um crédito sobre a A. a fim de obter a compensação na partilha do valor, através da adjudicação do imóvel ou venda a terceiro e repartição do valor, muito embora não tenha havido divergência das partes sobre a compropriedade e as quotas respectivas e sendo considerada a indivisibilidade do prédio. Estamos no âmbito do factor de conexão material a que se reporta a alínea c) do nº 2 do art.º 266 do CPC, sendo que no que concerne à compatibilidade processual, haverá que ter em consideração o disposto na segunda parte do nº 3 do art.º  266 do CPC, na sua conjugação com os nºs 2 e 3 do art.º 37 – não nos encontramos perante pedidos a que correspondam formas de processo que sigam uma tramitação manifestamente incompatível, sendo que para a justa composição do litígio releva a apreciação conjunta das pretensões da A. e do R., havendo conveniência naquela apreciação conjunta”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-11-2022 (Pº 2562/21.0T8CSC.L1-2, rel. JOÃO MIGUEL MOURÃO VAZ GOMES): “Na acção de divisão de fracção autónoma de prédio (…) onde se não discute a sua indivisibilidade, se for deduzida reconvenção em que o demandado formule pedido de condenação da requerente a pagar-lhe as despesas referentes a encargos bancários, condomínio e IMI do prédio, procedendo-se à compensação desses valores com o crédito de tornas que venha a ser atribuído à requerente, deverá a reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto nos artigos 266º, n.º 3 e 37º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum”, aí se formulando o entendimento, que nos parece de acolher, de que, “não estamos perante pedidos a que correspondam formas de processo que sigam uma tramitação manifestamente incompatível, sendo que, igualmente pelos motivos a que aludimos supra, para a justa composição do litígio releva a apreciação conjunta das pretensões da A. e do R., havendo conveniência naquela apreciação conjunta; devendo a questão ser encarada numa perspectiva em que sejam consideradas a celeridade e economia processuais e observando o juiz na condução do processo o seu poder de gestão processual”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-11-2022 (Pº 1342/22.0T8CSC.L1-2, rel. JORGE LEAL): “É admissível que os comproprietários discutam na ação de divisão de coisa comum os créditos que para eles emerjam do pagamento além da respetiva quota parte de despesas como a liquidação de empréstimos contraídos para aquisição da coisa comum, em especial se um dos comproprietários pretender compensar o seu alegado crédito com o crédito de tornas que advenha ao outro ou outros comproprietários em virtude da adjudicação do bem comum ao credor ativo”.
A este propósito, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, pp. 366-367) referem o seguinte: “No que respeita à admissibilidade da reconvenção, a mesma é aceite pacificamente se for deduzida contestação que determine a abertura de uma fase declaratória comum, designadamente quando seja formulado o pedido de reconhecimento de que os réus são os únicos proprietários do prédio (…). Mas, atentos os princípios da gestão processual e da adequação formal, deverá ser feita uma aplicação mais ágil e flexível deste preceito, sendo de admitir a reconvenção como única causa para a abertura de uma fase declarativa no processo se, por exemplo, o réu invocar o direito a benfeitorias”.
Considerando o objeto do processo, os interesses em presença e não obstante a diferença de formas de processo a que correspondem os pedidos formulados por requerente e requerido, afigura-se-nos que, em geral, a melhor interpretação normativa é a que considera ser de admitir a reconvenção, nos moldes que se vêm referindo, para apreciação de crédito reclamado pelo reconvinte, com fundamento em despesas ou benfeitorias tidas com a coisa objeto do processo de divisão de coisa comum (como sejam os pagamentos efetuados relativamente a empréstimo bancário para a aquisição da mesma), com vista à sua adjudicação.
De facto, deverá ter-se em consideração que, apesar de os pedidos da ação e da reconvenção seguirem formas de processo diferente, não se verifica que a mesma seja manifestamente incompatível, havendo, para além disso, interesse relevante para a apreciação conjunta das pretensões, a qual se afigura indispensável para a composição justa do litígio, servindo-se, concomitantemente, os princípios da celeridade e de economia processuais – num mesmo processo – , com intervenção do dever de gestão processual e de adequação formal (cfr. artigos 6.º e 547.º do CPC), pelo que, deverá ser determinado que os autos sigam os termos do processo comum ao abrigo dos artigos 37º nºs 2 e 3 e 926º nº3 do CPC.
Conforme refere Luís Filipe Pires de Sousa (Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, Almedina, 2ª ed., p. 107), “o juiz pode admitir a reconvenção se houver um interesse relevante na sua apreciação naquele concreto processo especial de divisão de coisa comum ou se a apreciação conjunta das pretensões for indispensável para a justa composição do litígio. Em qualquer dos casos o juiz deve adaptar o processado à cumulação de objectos processuais (…) os actuais princípios da gestão processual e da adequação formal impõem uma aplicação mais ágil e flexível do regime do art.º 266, nº 3 do CPC, sempre no intuito de maximizar a celeridade e economia processuais desde que não se postergue os demais princípios processuais, designadamente os do contraditório e da igualdade das partes”.
Conclui o referido Autor (ob. e loc. cits.) ser de subscrever o entendimento de existe o interesse em serem discutidas e decididas todas as questões que, para além da divisão, envolvam os prédios dividendos (como seja a apreciação de um direito por benfeitorias invocado por um dos comproprietários) evitando dessa forma que ele se veja compelido à propositura de uma outra ação para ver o seu direito reconhecido, entendimento que, para além de não beliscar nenhum dos princípios estruturantes, justifica a admissão da reconvenção “mesmo que a reconvenção admitida seja a única justificação para a abertura de uma fase declarativa de processo comum”.
Todavia, não deverá ser admitida a reconvenção relativamente a putativos direitos de crédito (como os relacionados com o uso da coisa comum) que não radiquem no cômputo dos encargos com a coisa comum, nem emirjam - em primeira linha - da contitularidade do imóvel cuja divisão se peticiona, mas sim, respeitem à relação de liquidação emergente da cessação da união de facto.
Neste ponto, acolhe-se o entendimento expresso por este Tribunal da Relação, no Acórdão de 24-03-2022 (Pº 823/20.4T8CSC-A.L1-2, rel. ARLINDO CRUA, em coletivo integrado pelo ora relator), onde, após profusa análise, se concluiu o seguinte:
“I - Na acção de divisão de coisa comum surge como incontroverso que, determinando-se o seu prosseguimento sob os termos do processo comum, na efectivação da faculdade prevista no nº. 3, do art.º 926º, do Cód. de Processo Civil, em virtude das questões suscitadas pelo pedido de divisão não poderem ser sumariamente decididas, nada impede a dedução da reconvenção, pois, nesta situação, tudo se passa, até certo ponto, como se existisse identidade de forma do processo ;
II - não é de sufragar a posição que admite a dedução de reconvenção (apresentada em sede de contestação) apenas na situação em que as questões deduzidas possam ser decididas sumariamente, nos quadros do nº. 2, do mesmo art.º 926º, sem necessidade de prosseguimento da causa sob a forma do processo comum;
III - sendo antes de adoptar o entendimento de admissibilidade da dedução de reconvenção, de forma a assegurar a justa composição do litígio, nas situações em que tenha sido suscitada a compensação de reclamado crédito, por despesas suportadas para além da quota respectiva sobre a coisa dividenda, com o crédito de tornas que venha a ser atribuído ao requerente da divisão;
IV - situação em que a acção de divisão de coisa comum deve prosseguir os termos do processo comum, na mesma já potencialmente previsto, para que sejam decididas tais questões, sendo que só posteriormente se entrará na fase executiva do processo, com a convocação de conferência de interessados;
V – não obsta a tal convolação do processo especial em processo comum, naquela fase intermédia, o obstáculo processual ou adjectivo previsto no nº. 3, do art.º 266º, do CPC, que prevê acerca da admissibilidade da reconvenção, pois é este mesmo normativo que, desde logo, salvaguarda a possibilidade de o juiz a autorizar, mediante a remissão operada para os critérios enunciados nos nºs. 2 e 3, do art.º 37º, do mesmo diploma;
VI - efectivamente, as diversas formas processuais – especial e comum - não prosseguem uma tramitação manifestamente incompatível, obstaculizadora da admissibilidade da reconvenção, o que decorre, desde logo, da circunstância daquele processo especial já prever, numa sua fase eventual, o tramitar sob a forma do processo comum;
VII - sendo que, por tramitação manifestamente incompatível deve apenas entender-se aquela que, ainda que potencialmente, determinasse a prática de actos processuais contraditórios, antinómicos ou inconciliáveis;
VIII - donde, inexiste pertinência no entendimento que considera exigível que, na aferição do deve e haver entre cada um dos comproprietários, ou seja, do que cada um contribuiu para o valor da sua quota, que constitui o efectivo diferendo entre as partes, entendesse por necessário, para tal resolução, o recurso a outro processo judicial;
IX - todavia, tal encontro entre o deve e o haver entre as partes deve cingir-se ou radicar-se na aferição e cômputo dos encargos com a coisa comum e derivar da contitularidade ou compropriedade do imóvel cuja divisão se peticiona, no sentido de bulir com a justa composição do litígio subjacente à peticionada divisão da coisa comum, interferindo no âmago desta ;
X - e não reportar-se a quaisquer outros direitos creditícios que o reconvinte reivindique junto do reconvindo, alheios àquele cômputo dos encargos com a coisa comum dividenda, e sem terem qualquer interferência ou reflexo na reivindicada divisão da coisa comum;
XI - desta forma, estando-se perante pedido de divisão de prédio ou fracção urbana, adquirida em comum e utilizada como casa de morada de família, tendo entretanto cessado a vivência em comum entre as partes, não deve ser admitido o pedido reconvencional relativamente a quaisquer putativos direitos de crédito emergentes da contribuição do reconvinte para as demais despesas do agregado familiar de ambos, ou na assunção em comunhão de quaisquer outros encargos, que nada tenham a ver com a coisa comum ou com a contitularidade do imóvel cuja divisão se reivindica, o que é igualmente extensível à reclamação de um qualquer direito de crédito decorrente do uso exclusivo que o reconvindo faça do imóvel objecto de divisão.”.
Em semelhante sentido, decidiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29-04-2021 (Pº 4300/19.8T8STB-A.E1, rel. CRISTINA DÁ MESQUITA) que: “A fase declarativa da ação de divisão de coisa comum pode processar-se em termos sumários ou sob a forma de processo comum (após a contestação), conforme decorre do artigo 926.º, n.º 3, do CPC; por conseguinte, não existe uma manifesta incompatibilidade entre a tramitação do pedido de divisão de coisa comum e a tramitação de um pedido reconvencional, o qual exigirá o contraditório e, eventualmente, a produção de meios de prova. Verificando-se algum dos elementos de conexão entre o pedido do autor e o pedido reconvencional do réu previstos no artigo 266.º, n.º 2, do CPC, a reconvenção na ação de divisão de coisa comum será admissível se houver interesse relevante na apreciação conjunta do pedido do autor e do pedido do réu ou se a apreciação conjunta das pretensões (do autor e do réu) se mostrar indispensável para a justa composição do litígio, como decorre da conjugação do disposto nos artigos 266.º, n.º 3 e 37.º, n.º 2, ambos do CPC. Na ação de divisão de coisa comum o bem – quando indivisível em substância - pode ser adjudicado por um dos consortes, caso em que este terá de pagar ao(s) outro(s) as tornas que lhe forem devidas; nessa eventualidade e estando assente o valor do imóvel, a resolução da compensação invocada em sede de reconvenção importará para se fixar o valor das tornas que o comproprietário que adjudicar o prédio terá de pagar ao outro, pois uma justa composição do litígio implicará que as tornas devidas sejam calculadas não com base no valor das quotas de cada um dos consortes, mas tendo em linha de conta a contribuição efetiva de cada uma das partes para a aquisição do imóvel objeto dos autos, através da compensação de créditos. Todavia, quando o encontro entre o “deve” e o “haver” entre as partes não se cingir à contribuição de cada um para a amortização do empréstimo e encargos inerentes, concretamente quando a reconvinda invoca também direitos de crédito sobre o reconvinte, emergentes quer da sua contribuição para as restantes despesas do agregado familiar de ambos, quer do uso exclusivo que o reconvinte faz do imóvel objeto da divisão, desde a data da separação, a controvérsia que tem por objeto o “deve e haver” de cada um dos comproprietários relativamente ao outro (incluindo, portanto, os alegados créditos do reconvinte emergentes da amortização do empréstimo, seguros inerentes e juros) deve ser decidida em ação de condenação em que o membro da união de facto que se considere empobrecido relativamente a bens em cuja aquisição participou peça a condenação do outro a reembolsá-lo com fundamento no enriquecimento sem causa, não se admitindo, neste caso, o pedido reconvencional.”.
Igual entendimento foi perfilhado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-07-2021 (Pº 967/20.2T8CSC.L1-7, rel. LUÍS FILIPE SOUSA): “Já não será de admitir pedido reconvencional em que ré pretenda ser ressarcida por um valor mensal decorrente da ocupação exclusiva pelo autor após a separação porquanto semelhante pretensão não radica no cômputo dos encargos com a coisa comum, não emerge -  em primeira linha -  da contitularidade do imóvel cuja divisão se peticiona, mas sim da relação de liquidação emergente da cessação da união de facto, não se afigurando que a apreciação conjunta da mesma seja indispensável para a justa composição do litígio base de divisão de coisa comum (cf. Artigo 7º, nº 2, do Código de Processo Civil). Esta pretensão reporta-se a uma questão distinta, qual seja a do uso da coisa comum (cf. Artigo 1406º do Código Civil)”.
É este mesmo princípio que, a propósito da reclamação de outro crédito, se explanou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-03-2022 (Pº 823/20.4T8CSC.L1-7, rel. JOSÉ CAPACETE), aí se entendendo que, “[o]s valores alegadamente despendidos pela ré comuneira na amortização dos créditos à habitação, relacionados com a aquisição do imóvel, podem ser objeto de pedido reconvencional em processo especial de divisão de coisa comum. Já o mesmo não sucede com o pedido reconvencional de condenação do autor no pagamento dos valores despendidos pela reconvinte na amortização do crédito ao consumo além da sua quota de 50%, que não pode ser admitido, pois tal pretensão não radica no cômputo dos encargos com a coisa comum, não emerge, ou, pelo menos, não emerge em primeira linha, da contitularidade do imóvel cuja divisão se peticiona, mas, antes, da relação de liquidação decorrente da cessação da união de facto outrora estabelecida entre ambos: trata-se de uma pretensão que não interfere na divisão da coisa comum, reportando-se a uma questão distinta”.
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, afastada está liminarmente a consideração do segmento do pedido reconvencional em questão como passível de enquadramento nas alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC, uma vez que, não ocorre nenhuma das circunstâncias previstas nessas alíneas.
Neste ponto, olhando para a contestação formulada, nela foi alegado, a respeito da pretensão reconvencional, o seguinte:
“(…) II - DA RECONVENÇÃO
26. Conforme alega a Autora no artigo 2.º da P.I., e aceite pelo Réu, o imóvel em causa nos presentes autos foi adquirido com recurso a crédito bancário para aquisição de habitação, cuja quantia em dívida na presente data é de €17.437,65 (dezassete mil quatrocentos e trinta e sete euros e sessenta e cinco cêntimos), cfr. DOC.1, junto.
27. Sobre o imóvel encontra-se registado uma hipoteca voluntária no valor de € 20.000,00 a favor da Caixa Económica da Misericórdia de Angra do Heroísmo.
28. Réu e Autora são responsáveis pelo mútuo para aquisição do imóvel comum em partes iguais.
29. A par do activo a dividir, Réu e Autora têm também passivo que está directamente relacionado com o bem imóvel comum em causa e que dele não pode ser dissociado.
30. Face ao exposto deve o valor correspondente a 50% (€8.718,82) da quantia ainda em dívida resultante do crédito bancário para aquisição do imóvel no valor de €17.437,65 ser abatido no valor das tornas que Réu tem a pagar à Autora. Acresce que,
31. Autora e Réu são comproprietários do prédio em causa na proporção de metade cada um e são também responsáveis na proporção de metade pelo crédito bancário para aquisição do referido imóvel.
32. Sucede que, desde a data de aquisição do imóvel com recurso a crédito bancário em 24/09/2015, foi sempre o Réu que procedeu em exclusivo ao pagamento das 81 (oitenta e uma) prestações mensais no valor de € 8.517,17 (oito mil quinhentos e dezassete euros e dezassete cêntimos), correspondentes a capital liquidado, comissões bancárias, juros de mora e impostos referentes ao referido contrato de mútuo (cfr. DOC.2, junto).
33. As referidas prestações mensais eram pagas através da conta da Caixa Económica da Misericórdia de Angra do Heroísmo com o IBAN PT …, cfr. DOC.1 e DOC.2, juntos.
34. Todo o saldo e depósitos de dinheiro existentes desde a celebração do crédito bancário para aquisição do imóvel na referida conta bancária era e é resultante do trabalho e rendimentos do Réu.
35.O Réu trabalha por conta própria e dedica-se à apanha de lapas e ameijoas.
36. A Autora trabalha por conta de outrem, na União das Cooperativas Agrícolas de Lacticínios de São Jorge, e não tem qualquer outra fonte de rendimentos.
37.O Réu desconhece a conta bancária para onde é transferido o vencimento da Autora no entanto sabe que o mesmo não vai, nem nunca foi para a referida conta do crédito bancário e supra melhor identificada, cfr. DOC.2, junto.
38. A Autora deveria ter procedido ao pagamento de 50% das 81 prestações mensais (capital liquidado, comissões bancárias, juros de mora e impostos) referentes ao referido contrato de mútuo – no entanto nunca o fez.
39. Deve assim a Autora ao Réu a quantia de €4.258,60 (quatro mil duzentos e cinquenta e oito euros e sessenta cêntimos), correspondente a 50% do valor de €8.517,17, pago exclusivamente pelo Réu além da sua quota parte no crédito habitação para aquisição do imóvel ora em causa cuja divisão se peticiona, desde 24/09/2015 até à presente data.
40. O Réu tem assim um crédito sobre a Autora no valor de €4.258,60 (quatro mil duzentos e cinquenta e oito euros e sessenta cêntimos) o qual deve ser abatido no valor das tornas que aquele terá a pagar em virtude da adjudicação do imóvel, ou em alternativa, no valor das quotas partes da divisão do imóvel, acrescendo o referido valor à sua quota.
41. Ao valor supra mencionado de €4.258,60 acrescem juros de mora à taxa legal em vigor de 4% desde a data da presente ação até ao seu pagamento.
42.O Réu continua, e continuará até à sua adjudicação, a proceder ao pagamento em exclusivo das prestações mensais e encargos inerentes ao crédito de aquisição do imóvel comum propriedade da Autora e do Réu.
43. A Autora é responsável pelo referido crédito bancário na mesma proporção de que é comproprietária, ou seja, 50%.
44.O Réu tem assim um crédito sobre a Autora, a concretizar em incidente de sentença, art.ºs 378.º e ss. do CPC, referente a 50% das prestações mensais e encargos inerentes desde a presente data até à adjudicação do imóvel que deverá ser tido em conta nas tornas que o Réu terá a pagar à Autora – crédito que deverá ser reconhecido e que desde já se requer.
Acresce ainda que,
45. Em Setembro e Outubro de 2017, o Réu realizou ele mesmo obras (benfeitorias) de beneficiação do imóvel, designadamente aumentou o imóvel acrescentando dois quartos e fez uma cozinha independente anexa ao imóvel comum.
46. Para a realização das referidas obras, o Réu comprou materiais de construção civil no valor de €5.921,85 (cinco mil novecentos e vinte e um euros e oitenta e cinco cêntimos), cfr. DOCS. 3 a 6, que se juntam e se dão por reproduzidos.
47.O referido valor foi pago em exclusivo pelo Réu tendo beneficiado o imóvel comum de ambos.
48. É da responsabilidade da Autora o pagamento, na proporção da sua quota-parte no imóvel comum, de 50% do valor despendido em exclusivo pelo Réu nas mencionadas obras.
49. Tem assim o Réu um crédito sobre a Autora no valor de €2.960,93 (dois mil novecentos e sessenta euros e noventa e três cêntimos)., o qual deverá ser tido em conta nas tornas que o Réu vier a pagar à Autora aquando a adjudicação do imóvel – o que desde já se requer.
50. Em Março de 2019, o Réu realizou ele mesmo também benfeitorias na casa de banho do imóvel comum.
51. Para a realização das referidas obras, o Réu comprou materiais de construção civil no valor de €851,46 (oitocentos e cinquenta e um euros e quarenta e seis cêntimos), cfr. DOCS. 7 e 8, que se juntam e se dão por reproduzidos.
52.O referido valor foi pago em exclusivo pelo Réu tendo beneficiado o imóvel comum de ambos.
53. É da responsabilidade da Autora o pagamento, na proporção da sua quota-parte no imóvel comum, de 50% do valor despendido em exclusivo pelo Réu nas mencionadas obras.
54. Tem assim o Réu um crédito sobre a Autora no valor de €425,73 (quatrocentos e vinte e cinco euros e setenta e três cêntimos)., o qual deverá ser tido em conta nas tornas que o Réu vier a pagar à Autora aquando a adjudicação do imóvel – o que desde já se requer.
55. No total, o Réu tem um crédito sobre a Autora referente a benfeitorias realizadas no imóvel comum no valor de €3.386,66 (três mil e oitenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos).
E, em função desta alegação foi deduzido pelo requerido o pedido reconvencional a que já se aludiu, no qual, o requerido solicitou que fossem abatidos, no valor de eventuais tornas que tivesse de satisfazer, os valores que indicou, respeitantes a benfeitorias e ao contrato de crédito habitação para a aquisição do imóvel dos autos.
Conforme resulta dos trechos transcritos, afigura-se que os valores alegadamente despendidos pelo requerido se encontram relacionados com a aquisição do imóvel (cfr. prestações respeitantes ao mútuo bancário contraído para a aquisição do imóvel) e com benfeitorias respeitantes ao mesmo (os gastos com obras realizadas no imóvel), pelo que, os mesmos podem ser objeto de pretensão reconvencional, no âmbito do presente processo especial de divisão de coisa comum, pretensão essa que deveria ter sido admitida em juízo e que encontra respaldo nos artigos 266.º, n.º 2, als. b) e c) e 37.º, n.ºs. 2 e 3, do CPC.
Verifica-se, pois, que inexistia motivo para a rejeição da reconvenção, ao invés do que o decidiu o Tribunal recorrido.
Tendo em conta o que se vem referindo, a decisão recorrida, que rejeitou, por inadmissibilidade legal, a reconvenção deduzida, na medida em que se mostra contrária à correta interpretação e aplicação dos mencionados preceitos legais e, bem assim, do disposto nos artigos 2.º, n.º 2, 6.º, n.º 1 e 926.º, n.º 2, do CPC, não poderá manter-se, devendo ser revogada.
De igual modo e, consequentemente, não poderá subsistir a decisão que considerou não escritos os pontos 26 a 55 da contestação.
E, consequentemente, também haverá que revogar o decidido relativamente à réplica, devendo tal articulado ser considerado e admitido na íntegra.
Sempre se diga que, “no âmbito processual a réplica não está dependente da efectiva admissibilidade da reconvenção deduzida, estando prevista a possibilidade de dedução da mesma, nos termos do 584º do CPC, para o Autor responder ao pedido reconvencional deduzido pelo réu” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-01-2021, Pº 2538/19.7T8LRS-A.L1-6, rel. GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES), pelo que, a admissão de tal articulado não depende da admissão ou rejeição da reconvenção, mas sim, da existência das condições legalmente previstas para a possibilidade de dedução de tal articulado.
Relativamente às consequências que determina para o processo de divisão de coisa comum, a decisão revogatória, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-11-2022 (Pº 5744/20.4T8MTS.P1, rel. RUI MOREIRA) teceram-se considerações que se mostram, igualmente, de acolher nos presentes autos:
“(…) para acomodar ambas as pretensões [de requerente e requerido], e considerando o que até agora já se processou (decisão de indivisibilidade e fixação das quotas) o processo poderá tramitar de seguida sob os termos do processo comum numa fase anterior à da conferência de interessados, para se definir o direito do reconvinte, sendo caso disso; sucessivamente, o processo haverá de tramitar com os termos próprios da acção de divisão de coisa comum, nos termos do disposto no art.º 929º do CPC, sem prejuízo de, em momento próprio, em sede de pagamento de tornas ou divisão dos proventos da venda, se levar em conta o que houver de ser decidido quanto ao conteúdo dos direitos de cada um dos consortes.
Ou, segundo o que for entendido pela Sra. Juiz, no exercício dos seus poderes de gestão processual, a opção poderá ser a da realização da conferência de interessados de imediato e, na falta de acordo, fazer tramitar os ulteriores termos da causa como processo comum, para definição dos direitos de cada um dos consortes, mais tarde se procedendo à adjudicação do imóvel à determinação de tornas ou à venda e distribuição do respectivo produto segundo o que for definido quanto àqueles direitos.
De resto, isso mesmo se decidiu no Ac. desta secção do TRP, no acórdão de 27/4/2021 (Proc. nº 5962/20.9T8VNG.P1, em dgsi.pt) (…): “(…) entendemos poder em ordem a salvaguardar o processado, em obediência a uma visão dúctil do processo civil, que procura, até ao limite, salvaguardar a possibilidade de as partes terem acesso à justiça sem terem que intentar, por questões de índole essencialmente formal, ações sucessivas, dever fazer improceder a exceção dilatória alegada pelo réu.
Donde, os autos devem prosseguir segundo os termos do processo declarativo comum para apuramento dos contributos de cada um dos comproprietários, salvaguardando-se, em sede de gestão processual, a admissibilidade do pedido reconvencional deduzido. Deste modo, pode promover-se uma audiência prévia, para os efeitos do art.º 929º, nº 2 do CPC, e, na falta de acordo sobre a adjudicação, proceder à instrução e julgamento em sede de processo comum das questões controvertidas relativas às quotas detidas por cada uma das partes litigantes, analisando as causas de pedir atinentes a estes pedidos de cada um dos comproprietários, e após decisão final sobre esta matéria, fixados os quinhões, promover-se eventualmente a respetiva venda.
Miguel Teixeira de Sousa abordou igualmente esta polémica no seu blog defendendo uma solução que vai ao encontro daquela por nós sufragada (leia-se https://blogippc.blogspot.com/2019/05/jurisprudencia-2019-18.html ).
Por esta via, agora devidamente detalhada, afigura-se-nos possível, ainda que com o ónus da acrescida complexidade processual, compaginar numa só ação a apreciação dos pedidos vertidos no petitório e na contestação, sem que ocorra a prática de atos processuais inconciliáveis, “manifestamente incompatíveis”, logrando-se, então, cumprir princípios processuais fundamentais do nosso Código (vide epígrafe do Título I) no que concerne à garantia de acesso aos tribunais e ao dever, que impende sobre os tribunais, de gestão processual (artigos 2º e 6º do CPC)
Por força do princípio geral previsto no artigo 2.º, n.º 2, do Código do Processo Civil (CPC) relativo à garantia de acesso aos tribunais, no âmbito de uma ação especial de divisão de coisa comum, haverá sempre todo o interesse, na medida do possível, em procurar discutir e decidir as questões que, para além da divisão, envolvam o prédio dividendo.”
Vê-se, assim, que não há uma tramitação idêntica, para a discussão e decisão do objecto de cada um dos pedidos – da acção, sob forma de processo especial, e da reconvenção, sob a forma de processo comum – mas que que são complementares e podem ser agregadas, por inexistência de incompatibilidade entre elas. Não há qualquer acto a praticar na tramitação de um dos pedidos que impeça ou torne inviável a realização do objecto da outra pretensão.
Por outro lado, é claro o interesse nessa solução: previne a necessidade de que as partes desenvolvam novo litígio, noutro processo, para o exercício de direitos que aqui podem ser exercidos e decididos de imediato.
Conclui-se, pois, inexistir qualquer obstáculo, existindo pelo contrário conveniência e utilidade, na admissão do pedido reconvencional deduzido pelo réu”.
Podem sintetizar-se as precedentes considerações nas seguintes proposições conclusivas:
1.ª) A causa de pedir na ação de divisão de coisa comum – que não constitui uma ação real - é integrada pela existência de situação de comunhão, não estando em questão a propriedade sobre a coisa ou direito, mas a relação de comunhão em que os consortes estão envolvidos e o poder – de provocar a sua cessação mediante divisão - resultante dessa relação.
2.ª) O processo especial para divisão de coisa comum comporta duas fases fundamentais: Uma declarativa - que visa decidir sobre a existência e os termos do direito à divisão invocado, que só se desenvolve quando haja contestação ou, inexistindo esta, quando a revelia do requerido seja inoperante (artigo 926.º, n.º 2, do CPC) - e uma executiva – em que se materializa, fundamentalmente por meio de perícia, o direito já definido na fase declarativa ou afirmado sem contestação pelo autor (se a coisa for divisível, procedendo-se ao seccionamento em substância da coisa, à sua divisão mediante a formação em quinhões, de acordo com as quotas dos comproprietários, e à subsequente adjudicação desses quinhões; ou, se a coisa for indivisível, procedendo-se à sua adjudicação a um dos consortes e ao preenchimento em dinheiro das quotas dos restantes, ou à venda executiva da coisa com a repartição do produto da venda pelos interessados, na proporção das respetivas quotas).
3.ª) Na contestação da ação, o requerido poderá, nomeadamente: impugnar a compropriedade (arrogando-se, por exemplo, proprietário exclusivo da coisa); negar o direito do requerente a uma quota-parte; contrariar o volume de quotas indicado pelo requerente; suscitar a questão da indivisibilidade material da coisa; suscitar questões que tenham a ver com as características físico-materiais da coisa, como sejam confrontações, áreas, etc.
4.ª) No caso de se suscitar alguma destas questões, o Tribunal terá de as conhecer e decidir na fase declarativa da ação de divisão de coisa comum, ou por meio incidental (cfr. artigo 926.º, n.º 2, do CPC) se a questão revestir simplicidade, ou, ordenando o prosseguimento dos autos, segundo a tramitação prevista para o processo comum, se entender que a questão não pode ser sumariamente decidida (cfr. artigo 926.º, n.º 3, do CPC).
5.ª) Na ação de divisão de coisa comum de prédio, onde não se discute a sua indivisibilidade, nem a situação de comunhão ou as quotas dos contitulares, deve o juiz autorizar a apreciação da reconvenção do requerido – na qual este pretende obter o reconhecimento a seu favor, de crédito emergente de pagamentos de prestações de empréstimo bancário contraído para a aquisição do prédio objeto da ação e de benfeitorias resultantes de obras realizadas no mesmo, sobre a requerente, a fim de obter a compensação do mesmo, na partilha do valor correspondente, através da adjudicação do imóvel - , de harmonia com o disposto nos artigos 266.º, n.º 3 e 37.º, n.º. 2, do CPC, por não ocorrer uma tramitação manifestamente incompatível – daí não derivando a prática de atos processuais contraditórios, antinómicos ou inconciliáveis - na apreciação de tal pretensão em conjunto com a da requerente.
6.ª) Nessa situação, apesar de os pedidos da ação e da reconvenção seguirem formas de processo diferentes, há interesse relevante na apreciação conjunta das pretensões, que se afigura indispensável para a composição justa do litígio, servindo-se, concomitantemente, os princípios da celeridade e de economia processuais – num mesmo processo e evitando a propositura de outra ação para que o reconvinte veja o seu direito reconhecido – , com intervenção do dever de gestão processual e de adequação formal (cfr. artigos 6.º e 547.º do CPC), devendo adaptar-se o processado – cfr. artigo 37.º, n.º 3 do CPC – e ser determinado que os autos sigam os termos do processo comum, de harmonia com o previsto no artigo 926º nº 3, do CPC.
7.ª) Tal encontro entre o deve e o haver entre as partes deve cingir-se à aferição e cômputo dos encargos com a coisa comum e derivados da contitularidade do imóvel cuja divisão se peticiona e não reportar-se a quaisquer outros direitos creditícios que não tenham qualquer interferência ou reflexo na reivindicada divisão da coisa comum.
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A apelação deverá, pois, ser julgada procedente, com determinação de revogação da decisão recorrida, devolvendo-se os autos à 1.ª instância para que, com admissão da reconvenção, se determinem os ulteriores termos processuais que forem tidos por adequados à apreciação dos correspondentes pedidos, sob a forma de processo comum.
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No artigo 527.º, n.º 1, do CPC estipula-se que: “A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito”.
As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cfr. artigo 529.º, n.º 1, do CPC).
As custas assumem, grosso modo, a natureza de taxa paga pelo utilizador do aparelho judiciário, reduzindo os custos do seu funcionamento no âmbito do Orçamento Geral do Estado (assim, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3.ª ed., p. 418).
A taxa de justiça corresponde ao montante pecuniário devido pelo impulso processual de cada interveniente – cfr. artigo 529.º, n.º 2, do CPC – representando a contrapartida do serviço judicial desenvolvido, sendo fixada, de acordo com o disposto no mencionado artigo 529.º, em função do valor e complexidade da causa, nos termos constantes do Regulamento das Custas Processuais, e paga, em regra, integralmente e de uma só vez, no início do processo, por cada parte ou sujeito processual.
As custas em sentido amplo abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte - cf. artigo 529.º, n.º 1 do CPC -, sendo que a primeira corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa (cf. n.º 2 do artigo 529.º do CPC), ou seja, nos termos do Regulamento das Custas Processuais (RCP), conforme o disposto nos seus artigos 5.º a 7.º, 11.º,13.º a 15.º e das tabelas I e II anexas.
Daqui se retira que o impulso processual do interessado constitui o elemento que implica o pagamento da taxa de justiça e corresponde à prática do ato de processo que dá origem a núcleos relevantes de dinâmicas processuais como a ação, a execução, o incidente, o procedimento cautelar e o recurso (cfr. Salvador da Costa, As Custas Processuais - Análise e Comentário, 7.ª edição, p. 15).
Nos termos do artigo 529.º, n.º 3, do CPC, os encargos são as despesas resultantes da condução do processo correspondentes às diligências requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz, cujo regime consta essencialmente dos artigos 16.º a 20.º, 23.º e 24.º do aludido Regulamento.
E, de acordo com o disposto no art.º 530.º, n.º 4 do CPC, as custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária nos termos do Regulamento, cujo regime consta essencialmente dos seus artigos 25.º, 26.º e 30.º a 33.º e da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril.
A conjugação do disposto no art.º 527.º, n.ºs. 1 e 2 com o n.º 6 do art.º 607.º e no n.º 2 do artigo 663.º do CPC permite aferir que a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito, mas tal não sucede quanto à taxa de justiça, cuja responsabilidade pelo seu pagamento decorre automaticamente do respectivo impulso processual.
De acordo com o estatuído no n.º 2 do art.º 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. A condenação em custas rege-se pelos aludidos princípios da causalidade e da sucumbência, temperados pelo princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição de excesso e da justa medida (cfr. Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, p. 359).
“Dá causa à acção, incidente ou recurso quem perde. Quanto à acção, perde-a o réu quando é condenado no pedido; perde-a o autor quando o réu é absolvido do pedido ou da instância. Quanto aos incidentes, paralelamente, é parte vencida aquela contra a qual a decisão é proferida: se o incidente for julgado procedente, paga as custas o requerido; se for rejeitado ou julgado improcedente, paga-as o requerente. No caso dos recursos, as custas ficam por conta do recorrido ou do recorrente, conforme o recurso obtenha ou não provimento (…)” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre; Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª ed., p. 419).
Assim, deve pagar as custas a parte que não tem razão, litiga sem fundamento ou exerce no processo uma actividade injustificada, pelo que interessa apurar o teor do dispositivo da decisão em confronto com a posição assumida por cada um dos litigantes.
O princípio da causalidade continua a funcionar em sede de recurso, devendo a parte neste vencida ser condenada no pagamento das custas, ainda que não tenha contra-alegado, tendo presente, contudo, a especificidade acima apontada quanto à constituição da obrigação de pagamento da taxa de justiça, pelo que tal condenação envolve apenas as custas de parte e, em alguns casos, os encargos (cfr. Salvador da Costa, ob. cit., pp. 8-9).
Por outro lado, conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.
Nos casos em que não haja vencedor nem vencido, onde, por isso, não pode funcionar o princípio da causalidade consubstanciado no da sucumbência, rege o princípio subsidiário do proveito processual, de acordo com o qual, pagará as custas do processo quem deste beneficiou.
Como tal, sempre que haja um vencido, com perda de causa, é sobre ele que deve recair, na precisa medida desse decaimento, a responsabilidade pela dívida de custas. Fica vencido quem na causa não viu os seus interesses satisfeitos; se tais interesses ficam totalmente postergados, o vencimento é total; se os interesses são parcialmente satisfeitos, o vencimento é parcial.
“"Vencidos" são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses, ficando, pois, a seu cargo, a responsabilidade total ou parcial pelas custas” (assim, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-10-1997, P.º 97S079, rel. MATOS CANAS).
Quando não haja uma parte vencida, se também não existir uma outra vencedora, será responsável pelas custas aquele (ou aqueles) cuja esfera se mostrar favorecida, e também na sua exacta medida, em face do teor da decisão.
Conforme se referiu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-01-2019 (P.º Proc. 45824/18.8YIPRT-A.L1 7ª Secção, rel. MICAELA SOUSA), “existindo um vencedor, por princípio e natureza, não lhe pode ser imputada a responsabilidade pela obrigação do pagamento das custas por ser de afastar, naturalmente, a causalidade. Ou seja, por regra, o vencedor é aquele que obteve ganho de causa. Ainda que este ganho de causa implique necessariamente um proveito, não é este proveito que releva quando se recorre ao respectivo princípio subsidiário, pois que, tal como resulta do n.º 1 do art.º 527º, n.º 1 do CPC, apenas não havendo vencimento é que funciona o critério subsidiário do proveito.
Mas havendo um vencedor e não se encontrando uma parte vencida, esta não pode ser condenada no pagamento de custas porque não se verifica a causalidade (não deu causa à acção ou ao recurso), mas também aquele não o pode ser precisamente por ter havido vencimento (o que afasta o critério do proveito).
Nestas situações, impõe-se encontrar uma outra solução.
Será apenas quando perante a resolução do litígio não se descortine nem um vencido, nem um vencedor, que a responsabilidade tributária terá de assentar então no critério do proveito, isto é, em função das vantagens obtidas”.
No caso dos autos, o requerido/apelante obterá “ganho de causa”, relativamente à pretensão recursória que trouxe a juízo, ou seja, logrará obter a revogação da decisão que não admitiu o seu pedido reconvencional.
Contudo, a requerente/apelada não deu causa ao recurso, não tendo, como se viu, tido vencimento.
A apelada – que, para além do mais, não contra-alegou - é alheia à sorte do recurso, não lhe podendo ser oposto o critério da causalidade.
Assim, de acordo com o exposto, o critério da causalidade, não se mostra operante relativamente a qualquer das partes.
Mas, então, dever-se-á lançar mão do critério da vantagem ou proveito processual?
Salvador da Costa, aponta um caminho (no texto “Segmento decisório “sem custas” - Acórdão da Relação de Guimarães de 31.10.2018, no texto “Dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça na globalidade do processo - Acórdão da Relação de Évora de 14.03.2019 (Jurisprudência 2019 (56))”, disponíveis no Blog do Instituto Português do Processo Civil – IPPC, em https://blogippc.blogspot.com/), relativamente a situação semelhante, embora no âmbito de procedimento cautelar de arresto – decidido sem audiência da parte contrária – em que a requerida não teve intervenção nem no procedimento, nem no recurso do despacho que indeferiu liminarmente a petição cautelar, concluindo o seguinte:
“(…) recebido pela secretaria o requerimento da sociedade A para a implementação do procedimento cautelar de arresto contra B, a instância iniciou-se, mas não produziu efeitos em relação à última, porque para aquele procedimento não foi citada, visto que a pretensão da primeira foi liminarmente indeferida, a que logo se seguiu o processado do recurso.
Em consequência, a sociedade B não pôde intervir no procedimento cautelar de arresto, nem antes ou depois da prolação do despacho de indeferimento liminar da petição inicial, nem na face do recurso de apelação daquele despacho.
Os critérios de fixação da responsabilidade das partes e dos sujeitos processuais pelo pagamento das custas processuais constam essencialmente do disposto no artigo 527.º do mencionado Código.
O seu n.º 1 estabelece, além do mais que aqui não releva, que na decisão que julgue o recurso deve condenar-se no pagamento das custas a parte que lhes tiver dado causa ou, não havendo vencimento, a parte que dela tirou proveito.
Em conexão face ao disposto no n.º 1 daquele artigo, estabelece o seu n.º 2, em jeito de presunção, dever entender-se ter dado causa às custas processuais a parte vencida, na respetiva proporção.
Decorre destas normas que a responsabilidade pelo pagamento das custas processuais assenta em dois princípios fundamentais: o da causalidade, que é o principal, e o do proveito, este de função subsidiária.
As referidas normas de responsabilidade pelo pagamento de custas estão conexionadas com o disposto no n.º 6 do artigo 607.º do mesmo Código, do qual decorre que, no final do acórdão, o coletivo de juízes do tribunal ad quem deve condenar os responsáveis no pagamento das custas processuais, estabelecendo a proporção da concernente responsabilidade, naturalmente se for caso disso.
Uma vez que a sociedade B não interveio na instância do procedimento cautelar, incluindo a fase de recurso, neste não podia ser considerada parte vencida, pelo que nele não podia ser condenada no pagamento das custas.
Com efeito, como a sociedade A teve êxito no recurso da decisão de indeferimento liminar do requerimento de implementação do procedimento cautelar de arresto, não pode funcionar o princípio da causalidade, pressuposto da condenação da parte vencida no pagamento de custas, a que se reportam os n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º daquele Código.
Temos, pois, que, no recurso ajuizado não há parte vencida, seja do lado ativo, seja do lado passivo, mas há uma parte, a sociedade A, que do recurso tirou proveito, na medida em que, por virtude da sua procedência, logrou o prosseguimento dos termos normais do procedimento cautelar de arresto.
Em consequência, ex vi do referido princípio do proveito, a que se reporta o n.º 1 do artigo 527.º daquele Código, a responsabilidade pelo pagamento de custas do recurso impende sobre a sociedade A, se, porventura, não houver razões de facto e ou de direito que a isso obstem.
Reitera-se que o conceito de custas em sentido amplo envolve as vertentes da taxa de justiça, dos encargos e das custas de parte, conforme decorre do n.º 1 do artigo 529.º do aludido Código.
Mas a sociedade A procedeu ao pagamento da taxa de justiça relativa ao recurso aquando da apresentação em juízo do requerimento para a sua implementação, com as respetivas alegações, nos termos dos artigos 529.º, n.º 2, 530.º, n.º 1, daquele Código, e 7.º, n.º 2, e 14.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais.
Isso significa que a sociedade A já cumpriu a sua obrigação de pagamento da taxa de justiça relativa ao recurso, pelo que não há fundamento legal para a condenar no seu pagamento nessa sede.
Quanto aos encargos, segunda vertente do conceito de custas lato sensu, resulta do n.º 3 do artigo 529.º do referido Código que os do processo envolvem as despesas atinentes a diligências requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz, ou pelo coletivo de juízes, conforme os casos.
Ora, decorre da fase processual do recurso em causa que neste não foram realizadas diligências que tivessem implicado a realização de alguma despesa suscetível de qualificação como encargo processual.
Em consequência, inexiste fundamento legal para a condenação da sociedade A, no recurso, no pagamento de qualquer quantia a título de encargos.
Resta a análise da terceira vertente do conceito de custas lato sensu, ou seja, as custas de parte que, nos termos do n.º 4 do artigo 529.º daquele Código, compreendem o que cada parte tenha despendido com o processo e tenha direito a ser compensada nos termos dos artigos 25.º e 26.º do Regulamento das Custas Processuais.
Conforme resulta do disposto nos artigos 533.º, n.º 2, daquele Código, e 26.º, n.º 3, do mencionado Regulamento, as custas de parte, a crédito da parte vencedora na ação e ou no recurso, e a débito da parte vencida, na respetiva proporção, abrangem as taxas de justiça, os encargos suportados pelas partes e o dispêndio com honorários pagos a mandatário judicial e as despesas por este realizadas.
Como a sociedade B não interveio no recurso, não é credora de custas de parte em relação à sociedade A, pelo que esta não é responsável por qualquer pagamento a esse título.
(…) Com base no exposto, formulam-se as seguintes conclusões:
1.ª – O segmento “sem custas”, constante da parte final do acórdão da Relação, está afetado de nulidade por falta absoluta de fundamentação;
2.ª – A responsabilidade das partes pelo pagamento das custas processuais em geral assenta no critério principal da causalidade e, não havendo vencimento, no critério subsidiário do proveito;
3.ª – Como se trata de um recurso do despacho de indeferimento liminar da petição inicial relativa ao procedimento cautelar de arresto, em que a requerida B não pôde intervir, só a recorrente A, com base no critério do proveito, podia ser condenada no pagamento das custas, se a tal nada obstasse.
4.ª – Uma vez que a recorrente A pagou previamente a taxa de justiça relativa ao recurso, e este não envolveu encargos, e a requerida B nele não interveio, a primeira não é responsável pelo pagamento de custas.
5.ª – O segmento do acórdão da Relação “sem custas” corresponde ao derivado dos factos e da lei”.
Em textos ulteriores, o mesmo Autor desenvolve semelhante posição (vejam-se, por exemplo, no mesmo local, os textos intitulados “Condenação do pagamento de custas da parte vencida a final - Acórdão do Tribunal Relação da Relação de Évora de 2.10.2018 -(publicado em Jurisprudência 2018 (160))”, “Segmento decisório “sem custas” - Acórdão da Relação de Guimarães de 31.10.2018”, “Custas a final pela parte vencida - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.12.2018”, “Custas pela parte vencida a final face aos princípios da causalidade e do proveito - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.1.2019 (Publicado em Jurisprudência 2019 (3))” e “Custas do recurso conforme for devido a final - Acórdão da Relação do Porto de 10.1.2019 (publicado em Jurisprudência 2019 (38))”.
Considera o referido Autor que o critério do proveito será operante se, porventura, não houver razões de facto e ou de direito que a isso obstem.
Ora, não nos parece que a fixação de responsabilidade decorrente do disposto no artigo 527.º do CPC, exigida por via do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, possa resumir-se a uma decisão que verifique uma ausência de responsabilidade (“sem custas”).
Se, por exemplo, os autos de recurso tivessem originado, nesta fase – ainda que sem intervenção do autor- encargos, por hipótese, decorrentes de uma perícia oficiosamente determinada pelo Tribunal (v.g. perícia com vista a determinar os elementos que foram submetidos no requerimento inicial, etc.) – a decisão “sem custas” seria incompreensível.
Não se pode, de facto, olvidar a prescrição geral de tributação processual – não afastada por qualquer norma de isenção tributária – constante do artigo 1.º, n.º 1, do RCP e do seguinte teor: “Todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento”.
Na realidade, não havendo isenção tributária, o recurso em questão está sujeito a tributação, aspecto que é preliminar face à determinação da responsabilidade das partes relativamente a custas.
Assim, parece-nos claro que, inexistindo norma que dispense tributação, deve ser apurada a responsabilidade tributária decorrente da instância gerada e do facto de ter desenvolvido actividade jurisdicional relevante para efeitos de custas, dos eventuais encargos assumidos e das custas de parte que poderá ter determinado.
Reiterando a necessidade de consideração dos critérios tributários da causalidade e do proveito – em detrimento de uma solução que isente de tributação o recurso – certo é que, no caso, não se compreenderia – verifica-se, como se disse supra, que o critério do vencimento não é prestável e, do mesmo modo, afigura-se que seria patente a injustiça da decisão (assinalando-se que todos os encargos de uma instância recursória ganhadora ficariam, incompreensivelmente, a cargo daquele que ganhou o recurso!) que, sem mais, determinasse que tais eventuais encargos ficassem a cargo dos recorrentes, porque teriam, neste sentido, tirado proveito do recurso.
E, de semelhante modo, também é patente que o “proveito” do recurso não é, por ora, encontrado na esfera da recorrida, pois, a revogação da decisão não lhe é favorável (implicando o prosseguimento dos autos relativamente à reconvenção deduzida pelo requerido).
No caso dos autos, no momento em que é proferida a presente decisão não é possível afirmar que o desfecho da apelação, ainda que determinando a revogação do decidido em 1ª instância, se reflete negativamente na esfera da apelada.
A causalidade e o proveito não são, neste concreto ponto, congruentes e, como se viu, não parece que a questão se possa resumir a uma decisão enunciativa de uma não responsabilização tributária de qualquer das partes.
Quid iuris?
“Não obstante esta situação, seguro é que se impõe a tributação em custas, mesmo num caso como o dos autos, atento o estatuído no art.º 1º do RCP e, bem assim, a ausência de qualquer isenção prevista na lei (cf. art.º 4º do RCP)” (assim, o citado acórdão Tribunal da Relação de Lisboa de 22-01-2019 (P.º Proc. 45824/18.8YIPRT-A.L1 7ª Secção, rel. MICAELA SOUSA).
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 579, nota 4) “salvo quando exista alguma isenção objetiva (artigo 4.º, nº 2, do RCP), todas as ações (incluindo incidentes ou recursos) implicam o pagamento de custas (art.º 1.º do RCP)”.
Seria ilegal a decisão que reconhecesse uma isenção tributária não prevista na lei.
Na situação em apreço, porque se está perante uma decisão interlocutória – não tendo, como se viu, sentido uma decisão que sublinhe a ausência de responsabilização por custas e, igualmente, sendo, para além de injusto, prematuro, recorrer à situação extrema de responsabilizar a autora, ou os réus, pelas custas – e ponderando o sentido do comando normativo constante dos n.ºs. 1 e 2 do artigo 527.º do CPC, afigura-se que a decisão que se impõe é a de relegar a decisão sobre a responsabilidade tributária inerente à instância do presente recurso para aquela que decida sobre a responsabilidade tributária da decisão final.
Ou seja: O critério da causalidade (tal como enunciado na previsão contida no n.º 2 do artigo 527.º do CPC) adquirirá, relativamente a esta instância interlocutória, plena operatividade quando for conhecida a parte vencida da causa principal, a parte vencida da decisão nuclear e final do processo, podendo encontrar-se, nesse momento, aquele a quem deva ser imposta a obrigação de custas - no sentido de que se enquadra no iter processual que conduzirá a uma decisão final sobre o mérito do litígio (da acção e, eventualmente, da reconvenção) – e que permite patentear, ainda que em ulterior momento, a quem é imputável a instância recursória julgada.
Parece-nos, pois, ter plena aplicação a jurisprudência vertida no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-01-2011 (processo n.º 277/08.3TBSRQ-F.L1-7, rel. LUÍS LAMEIRAS), onde, em situação similar, se concluiu nos seguintes termos:
“(…) [T]odo o processo tem um objectivo primordial, que é o da obtenção de uma regulação jurídica, declarada ou efectiva, de interesses de direito material; e que é o caminho para se lá chegar que tem um custo, em parte representado pelas custas a pagar.
Este núcleo duro de custas tem sempre um responsável final; alguém que se volve em sujeito passivo das custas por se reconhecer que, à luz de tudo, deve ser ele a suportar o encargo; seja por ser vencido; seja pelo proveito obtido; seja, em derradeiro critério, por ser aquele que desencadeou o funcionamento da máquina judiciária. Por isso, e em todo o caso, o artigo 659º, nº 3 [correspondendo ao actual artigo 607.º, n.º 3] (…) exige (…) que se defina, com expressividade e clareza, quem são os responsáveis pelas custas e qual a relativa proporção da dívida.
Ora, do nosso ponto de vista, faz sentido que, na falta de uma outra referência juridicamente atendível, seja a esta derradeira distribuição que venha a aderir toda a restante responsabilidade a que, entretanto, não houvera oportunidade, ou possibilidade, de encontrar ajustado devedor. A autonomia tributária, que porventura houvesse, cede na parte da repartição de responsabilidade; e a quem seja onerado pelo custo global e final da acção acrescerá, na mesma proporção, por se entender que a essa principal responsabilidade devem ter adesão aquelas outras conexas ou meramente instrumentais, a dívida de custas gerada pelo acto ou termo a que antes se não conseguiu conhecer responsável.
A dívida interlocutória de custas adere, nesta óptica, à dívida final, referente à contrapartida global do “pacote” de serviço de justiça prestado; nascendo a respectiva obrigação na esfera daquele que, a final, venha a ser reconhecido como o devedor das principais custas da acção. É o que comummente se chama de dívida de custas pela parte que seja vencida a final (…)”.
Sobre casos de condenação das partes no pagamento das custas devidas a final, admitindo a figura, na vigência do RCP, vd., para além do citado acórdão do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-01-2011, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12-04-2010 (proc. 1057/09.4TBVFR-A.P1, rel. ANA PAULA AMORIM), o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-10-2012 (Processo 2625/11.0TBGDM.P1, rel. TELES DE MENEZES), o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-03-2015 (Processo 5150/10.2TBVNG-C.P1 rel. LEONEL SERÔDIO), o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 16-12-2015 (Processo 12356/15, rel. CATARINA JARMELA), o acórdão do Tribunal da Relação de Évora (Processo 969/17.6T8PTM.E1, rel. PAULA DO PAÇO) e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10-10-2019 (Processo n.º 1582/12.0TBCTX-A.E1, rel. PAULO AMARAL).
Conclui-se, pois, que a responsabilidade tributária inerente à instância do presente recurso deverá ser relegada para a parte que seja vencida a final e na proporção em que o for (cfr. artigo 527.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo da consideração do apoio judiciário, se for caso disso, de que ambas as partes, presentemente, beneficiam.
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5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, na procedência da apelação, em revogar a decisão recorrida, devolvendo-se os autos à 1.ª instância para que, com admissão da reconvenção, se determinem os ulteriores termos processuais que forem tidos por adequados à apreciação do correspondente pedido, sob a forma de processo comum.
Custas pela parte vencida a final, na proporção em que o for (cfr. artigo 527.º, n.º 1, do CPC) e, sem prejuízo da consideração do apoio judiciário, se for caso disso, de que ambas as partes, presentemente, beneficiam.
Notifique e registe.
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Lisboa, 2 de março de 2023.
Carlos Castelo Branco
Orlando dos Santos Nascimento
João Miguel Mourão Vaz Gomes