Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
769/17.3T8LRS.L1-7
Relator: CARLOS OLIVEIRA
Descritores: PRÉDIOS RÚSTICOS
DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRESSUPOSTOS
ABUSO DO DIREITO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÕES
Decisão: PROCEDENTES
Sumário: - Tendo sido revogado o Dec.Lei n.º 384/88 de 25/10 pelo Art. 64.º al. a) da Lei nº 111/2015 de 27/8, o direito de preferência de proprietários de prédios rústicos confinantes, quando não esteja em causa um “projecto de emparcelamento”, com os requisitos formais previstos na Lei n.º 111/2015 de 27/8, nomeadamente tendo em atenção o disposto no seu Art. 21.º, nem estando em causa, porque isso não foi sequer alegado, que os prédios estão integrados numa RAN, aqui tendo em atenção o disposto no Art. 26.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 73/2009 de 31/3, ficará subordinado aos pressupostos estabelecidos no Art. 1380.º n.º 1 do C.C., tendo ambos os prédios rústicos confinantes de ter dimensão inferior à unidade de cultura.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:



I-RELATÓRIO


A, veio intentar a presente ação de preferência, em processo declarativo comum, contra a B e C, pedindo que sejam as R.R. condenadas a reconhecer o direito de preferência do A., que seja declarada a transmissão do direito de propriedade do prédio a favor do A. e determinado oficiosamente o cancelamento de todos os registos de aquisição pela 2ª R., efetuados ou que se venham a efetuar, relativamente ao prédio vendido e objeto da preferência.
Para tanto, alega ser comproprietário, em conjunto com mais 4 outras pessoas, que já renunciaram ao exercício do direito de preferência, do prédio rústico denominado “C... de Pedreira” ou “C... de Frades”, sito em C... de Pedreira ou C... de Frades, no concelho de A......, com área de 17.400m2, descrito na Conservatória de Registo Predial de A...... sob o n.º 5.../1......4.
Por outro lado, a 1.ª R., que foi declarada insolvente por sentença de 19 de fevereiro de 2015, era a proprietária do prédio rústico confinante com o prédio do A., denominado “Quinta da A...”, com área de 947.760m2, descrito na Conservatória de Registo Predial de Alenquer sob o n.º 3../1......0, o qual foi transmitido a favor da 2.ª R., por venda judicial no âmbito do processo de insolvência da 1.ª R., vindo esse prédio a ser adjudicado à adquirente a 27/7/2016, que o registou a seu favor em 8/10/2016.
Sucede que, o A. só veio a ter conhecimento da venda a 22 de agosto de 2016, tendo logo manifestado a pretensão de exercer o direito de preferência, mas o administrador da insolvência só veio a dar conhecimento da adjudicação em 5/9/2016, tendo assim sido violado o seu direito de preferência, tendo em atenção o disposto no Art. 1380.º do C.C. e Art. 21.º da Lei n.º 111/2015 de 27/8.
Ambas as R.R. contestaram a ação, defendendo a ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade ativa do A. por preterição de litisconsórcio necessário, a inexistência do direito de preferência e a contradição entre o pedido e a causa de pedir, para além de impugnarem os factos e a pretensão formulada, concluindo pela procedência das exceções alegadas e pela improcedência da ação. As R.R. também suscitaram a questão do valor do depósito, para efeitos do exercício do direito de preferência, que deveria abranger os restantes bens objeto de adjudicação a favor da 2.ª R..
Convidado para o efeito, o A. respondeu às exceções alegadas pelas R.R., pugnando pela sua improcedência.
Findos os articulados, veio ser designada audiência prévia, no âmbito da qual veio a ser proferido despacho saneador, que julgou improcedentes as exceções alegadas nas contestações das R.R., quer quanto à ineptidão, quer quanto à legitimidade ativa. Também foi o A. convidado a, no prazo de 30 dias, praticar os atos necessários à sanação dos vícios verificados relativos à renúncia ao direito de preferência pelos restantes comproprietários, nomeadamente no que se referia a Manuel ....., que teria falecido, devendo a renúncia ao direito considerado ser assinado por todos os seus herdeiros e não apenas pela cabeça-de-casal, como até então se verificava. Na sequência, foi ainda decidido que o A. estaria apenas obrigado ao depósito do valor do imóvel a que se refere o exercício do direito de preferência e não também quanto aos restantes imóveis.
Tendo o A. junto declarações de renúncia ao direito de preferência relativas aos herdeiros do comproprietário Manuel ....., bem como aos cônjuges dos restantes comproprietários igualmente renunciantes, veio a ser proferido despacho que fixou o objeto do litígio e os temas de prova, admitindo os requerimentos probatórios apresentados e designando data para audiência final.
A 2.ª R., C, veio, entretanto a apresentar articulado superveniente, sustentando haver abuso de direito de preferência e que o A. simulou a sua pretensão, por não querer ele pessoalmente adquirir o imóvel para si, tendo um acordo com um terceiro para esse efeito. Também invocou que teve conhecimento de que alguns dos comproprietários não assinaram presencialmente as renúncias ao exercício do direito de preferência, defendendo que o A. deveria por isso ser considerado parte ilegítima, pois os documentos de renúncia seriam nulos ou, se assim se não entendesse, que fosse julgado haver abuso de direito do A., sendo a preferência simulada.
Após contraditório, esse articulado veio a ser rejeitado, por irrelevância, sendo indeferida a alegada falsidade dos documentos.
A 2.ª R. veio a interpor recurso dessas decisões, tendo a respetiva apelação sido julgada parcialmente procedente por provada, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de junho de 2020, constante do apenso “A”, que julgou que deveria ser admitido o articulado superveniente.
A 2.ª R. veio ainda suscitar a questão prévia da suspensão do processo devido à existência de causa prejudicial consistente no processo-crime onde se investigava a falsidade dos documentos consistentes nas declarações de renúncia ao exercício do direito de preferência. Pretensão que, após cumprimento do contraditório, veio a ser indeferida por despacho proferido em ata a 20 de fevereiro de 2020.
No decurso da audiência final também foi suscitada a questão da admissibilidade do depoimento de parte do A. sobre a matéria do articulado superveniente, que igualmente foi indeferido.
A 2.ª R. também apelou dessa decisão, mas o respetivo recurso foi julgado improcedente, tendo a decisão da 1.ª instância sido confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 23 de março de 2021, constante do apenso “B”.
Finda a produção de prova e discutida a causa, veio a ser proferida sentença que julgou a ação procedente por provada e, em consequência, declarou que assiste ao A. o direito de preferência na venda que a 1.ª R., B, fez à 2.ª R., C, do prédio rústico denominado “Quinta da A...”, sítio da Quinta da A..., composto por “terra de semeadura, mato, oliveiras, sobreiros, dependência agrícola, pinhal, eucaliptal e leito de curso de água”, com uma área total de 974.760 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de A... sob o nº 3../1......0, inscrito na matriz rústica da extinta Freguesia de A... sob o artigo matricial nº 2 da Secção B1...-B1..., pelo preço de €197.095,21, declarando transmitido para o A., por via dessa preferência, o direito de propriedade sobre o mencionado prédio. Mais determinou o cancelamento de todos os registos de aquisição a favor da 2.ª R., C, condenado ainda o administrador de insolvência da B, como litigante de má-fé, na multa de 10 U.C.s, e a 2.ª R., C, também como litigante de má-fé, na multa de 60 U.C.s.
É dessa sentença que ambas as R.R. vêm interpor recurso de apelação.
A 1.ª R., B, apresentou no final das suas alegações de recurso as seguintes conclusões:
1- O Direito de Preferência consagrado no artigo 1380º do Código Civil no seu nº 1, é um direito legal de aquisição, que depende da verificação de diversos requisitos, cujo ónus da prova incumbe aos que se arrogam titulares do direito de preferência, por se tratar de factos constitutivos desse direito (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
2-São requisitos do exercício do direito de preferência consagrado no nº 1 do artigo 1380 do C.Civ.:
- a existência de dois prédios confinantes;
- que pertençam a proprietários diferentes;
- que ambos sejam aptos para cultura,
- que o preferente seja dono do prédio confinante com o prédio alienado;
- que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante
- que os terrenos confinantes tenham área inferior à unidade de cultura.
3- Nos presente autos não se mostram preenchidos os requisitos de que a lei faz depender o exercício do direito de preferência, tal qual configurado pelo Autor.
4-Não foi produzida prova que permita concluir-se pelo preenchimento dos pressupostos do exercício do direto de preferência.
5- É certo que ambos os prédios são confinantes e que pertencem a proprietários diferentes;
6- Não se mostra preenchido o requisito do reconhecimento da titularidade do direito de preferência na venda de prédios confinantes, que impõe que se seja proprietário de prédio confinante, apto para cultura.
7- O direito de preferência no caso cabe ao conjunto dos comproprietários do prédio preferente.
8- O direito de preferência sub judice não confere a cada um dos comproprietários do prédio preferente o direito de preferir. Tal direito é conferido ao conjunto dos titulares do prédio confinante, á sua unidade, e não individualmente a cada um deles.
9- O Autor não é o único proprietário do prédio “preferente”; O A. é titular de uma quota alíquota de 1/4 do imóvel em compropriedade com outros.
10- A qualidade de comproprietário do A. e a renúncia dos demais comproprietários do prédio confinante a favor daquele, não faz preencher o requisito em apreço.
11- O disposto no n.º 1 do artigo 419º do Código Civil, não aplicável ao direito de preferência consagrado no artigo 1380º do C.Civ.
12- O direito de preferência na transação de prédios rústicos, funciona como instrumento de consolidação fundiária e redimensionamento da exploração agrícola. O aumento da área dos prédios rústicos e das explorações agrícolas de modo a melhorar a rentabilidade dos fatores de produção, constitui uma operação de emparcelamento.
13- A consequência imediata e direta da preferência entre prédios confinantes é o seu emparcelamento isto é a composição de um novo imóvel fruto da junção de ambos os imóveis e do somatório da área do prédio preferente ao prédio preferido, criando uma nova unidade de cultura.
14- No caso sub judicie não é possível adicionar a quota alíquota do A. de 1/4 do imóvel em compropriedade com outros, ao imóvel alvo da preferência, pela singela razão de que ambos continuarão a ser prédios distintos com proprietários distintos.
15- Não se mostra provado que ambos os prédios sejam aptos para cultura, tão só de que se trata de dois prédios rústicos, outrossim que o A. e, ou os demais comproprietários ali tenham instalada uma exploração agrícola.
16- O imóvel objeto dos autos foi vendido no âmbito de um processo de insolvência de uma unidade agropecuária – B; que tinha por objeto a exploração agropecuária e atividades afins, num conjunto de sete imóveis confrontantes entre si, que integravam a aludida unidade agropecuária.
17- O Acórdão recorrido não considerou a venda feita pela Massa Insolvente á R. C de um conjunto de prédios confinantes entre si, nem sequer da área de cada um deles e da possibilidade do seu fracionamento.
18- A considerar-se que o A. enquanto comproprietário do Prédio preferente pode exercer a preferência na venda de prédio confinante, no caso sub judice estava obrigado a exercer a preferência pelo conjunto dos prédios vendidos, ou no mínimo pelo conjunto daqueles de cujo fracionamento não resultem prédios de área inferior á unidade de cultura, depositando a totalidade do preço correspondente da venda o que também não fez.
19- Carece de fundamento a decisão de condenação como litigante de má-fé da aqui recorrente.
20- A Recorrente não violou qualquer dever de probidade, cooperação e de boa fé.
21- A Recorrente não atuou com má fé material/substancial, tão pouco com má fé processual ou instrumental.
22- A recorrente contestou dentro dos limites da lei e da boa-fé argumentando quanto á (não) verificação dos requisitos do exercício do direito, não fazendo qualquer uso indevido do processo.
23- A aqui Recorrente, não teve uma atuação dolosa ou com negligência grave, muito menos com consciência de qualquer ilicitude ou de prosseguir um objetivo ilegítimo.
24- Violou deste modo o douto acórdão o disposto no artigo 1380 do C.Civ., e o regime instituído pelo  Decreto–Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto que Estabelece o Regime Jurídico da Estruturação Fundiária, o disposto no artigo 50º - e os artigo 1376.º, nºs 1 e 3 do C.Civ. e 1377 b), 542º do C.P.Civ. e eventualmente outros preceitos que VªS Exªs doutamente suprirão.
Pede assim a procedência do recurso e a revogação da sentença recorrida.
A 2.ª R C, por sua vez apresentou as seguintes conclusões:
I- Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Mmo. Juiz de 1ª Instância que julgou procedente a ação de preferência instaurada sendo os fundamentos e a sentença da presente um decalque e repetição da sentença proferida nestes mesmos autos e que foi objeto de anulação pelo Tribunal da Relação sem cuidar de verificação dos novos fatos invocados e provados (como adiante se demonstrará) em sede de articulado superveniente
II- Na verdade, o Mmo. Juiz apesar de ter de admitir o articulado superveniente, anteriormente rejeitado, face ao teor do Acórdão do Tribunal da Relação, certo é que fez tábua rasa dos depoimentos das testemunhas apresentadas, rejeitou os documentos apresentados em sede de audiência por entender sempre, e infundadamente, que os mesmos eram irrelevantes para a boa decisão de causa tendo tais decisões sido objeto de recurso, intercalar, que subiu separadamente.
III- Na verdade, o Juiz a quo mesmo antes de “ter de admitir” o articulado superveniente por imposição do Tribunal da Relação, já tinha a priori decidido a questão de mérito, mesmo antes de produzida qualquer prova, sendo o seu tom agressivo ao longo de todas as audiências bem audível nas gravações das várias sessões,
IV- dificultando, sistematicamente, a inquirição das testemunhas quando interrogadas pela mandatária da Ré, (o que não acontecia a instância dos mandatários do A , como e perfeitamente audível nas gravações),  não permitindo perguntas diretamente alegando que o interrogatório não estava a decorrer com normalidade, quando na verdade a mandatária estava apenas a  instar a testemunha pelo fato do testemunho ser manifestamente incoerente e contraditório o que aconteceu com o depoimento do Testemunha José ......
V- O que levou a que a mandatária tivesse de lavrar protesto em ata (Cfr. ata da sessão de julgamento de dia 10.12.2020).
VI- Todo o comportamento do Mmo Juiz “a quo” no decorrer da primeira sessão de julgamento e no decurso da produção de prova em sede de articulado superveniente foi manifesta e desnecessariamente hostil para a mandatária, para a representante da ora recorrente e para as suas testemunhas, conforme se pode facilmente verificar pelos depoimentos que se transcrevem e onde se denota que:
a. O Juiz não deixa as partes/ testemunhas responder a instâncias da mandataria, respondendo antes delas influenciando, no mínimo, a espontaneidade das suas respostas
b. Depoimento do Administrador de Insolvência Ademar ....., na 1.ª Sessão da Audiência de Discussão e Julgamento, que teve lugar no dia 10.10.2019 (minutos 10:02:02 a 10:46:21 da gravação áudio):
c. O Juiz faz as perguntas e não deixa a mandatária formular perguntas… e até reformula as respostas - veja-se 1.ª sessão de discussão e julgamento, realizada em 10.10.2019, e constante dos minutos 10:46:22 a 11:02:59 da gravação áudio, teve lugar o Depoimento de Parte do administrador da Ré C, Telmo .....:
d. O tom do Mmo Juiz, assim como a realização de perguntas num tom e um volume de voz manifestamente intimidatórios ao representante legal da Ré, denotam que o Mmo Juiz já aprioristicamente tinha decidido o thema decidendum.
e. Aquando do novo interrogatório do representante legal da Ré, na Audiência de 19.11.2020, o Juiz mais uma vez demonstra o seu tom agressivo e intimidatório.
f. Na verdade, no 1º interrogatório, de 10.10.2019, o representante legal da A. disse ser gerente da Ecofrutas, quando questionado pela sua profissão, e o Juiz insurgiu-se dizendo que deveria dizer que era administrador da C.
g. No 2º interrogatório, de dia 19.11.2020 (minutos 10:05:32 a 10:24:30 do registo áudio), e em resposta à mesma questão o representante legal da Ré referiu que  era “Administrador da C”, ao que o Mmo Juiz referiu isso é o seu cargo… E a sua profissão, tudo num tom agressivo e intimidatório conforme ressalta do registo de áudio.
h. Mas a hostilidade do Mmo. Juiz não se bastou por aqui, insinuando várias vezes à mandatária que a mesma não estava a entender as respostas quando a mesma pedia esclarecimentos:
i. Ainda o depoimento do Representante Legal da Ré na Audiência de Discussão e Julgamento de dia 19.11.2020, registado no sistema áudio do minuto 10:05:32 ao minuto 10:24:30.
j. E continua com conclusões sobre os depoimentos.
k. A instância da mandatária, designadamente no depoimento da testemunha José ....., na Sessão da Audiência de Discussão e Julgamento, que teve lugar no dia 19.11.2020 (minutos 10:24:31 a 11:20:28 da gravação áudio), o Juiz interrompe e não deixa a testemunha responder.
l. Várias situações se seguem em que o Mmo “Juiz a quo” sem justificação retira a palavra à mandatária, respondendo às perguntas dirigidas às testemunhas influenciando as respostas destas, permitindo que as próprias testemunhas respondam à mandatária mal-educadamente sem que sejam alertada apar o efeito uma vez que o juiz como Presidindo a audiência deveria de cuidar que as sessões corressem com a maior urbanidade.
m. Refira-se que a testemunha José ..... foi reinquirida na 2.ª sessão da audiência final, de 10.12.2020, cujo registo áudio ficou gravado nos minutos 10:28:31 a 10:37:50, face a deficiências na gravação da sessão anterior, de 19.11.2020, sendo que o Mmo. Juiz, ao invés de permitir a mandatária fazer as próprias perguntas, achou que deveria ser ele a fazer as perguntas, sendo que as perguntas eram feitas com a resposta incorporada.
n. Perante esta reação da testemunha o Tribunal a quo considerou o depoimento desta testemunha credível e isento (!) referindo “Quanto à restante prova produzida pela própria Ré C, a mesma foi no sentido contrário ao pretendido, nomeadamente o depoimento do próprio José ....., que disse que não tinha nem tem qualquer interesse na compra do prédio, dedicando-se inteiramente ao seu aviário. Tem vários núcleos de produção e o mais próximo do prédio aqui em causa dista dele cerca de 3 a 4 km. A única relação que tem com o negócio é o facto de ter, conforme disse sem que lhe tivesse sido feita qualquer pergunta nesse sentido, emprestado o dinheiro necessário para o pagamento do preço. Fê-lo porque uma prima dele é casada com o filho do autor, o António ...... Não tem por hábito emprestar dinheiro, mas fê-lo porque se tratava de família. Fez um depoimento em tudo perfeitamente credível e sincero.” (transcrição da decisão da qual se recorre)
VII- Mais flagrante foi que a Ré/ora recorrente arrolou como sua testemunha o filho do A., António ..... pessoa que esteve relacionada com a representante da Ré, Telmo ..... a quem referiu que o mesmo teria de negociar o prédio objeto de preferência com José A..... sendo o seu depoimento relevante até para eventual acareação.
VIII- A referida testemunha compareceu em tribunal para prestar depoimento, contudo, é flagrante a posição do Mmo. juiz que, na prática, ao invés de adotar uma postura de esclarecimento da testemunha acerca da sua faculdade, e não obrigatoriedade, de testemunhar neste caso, da forma áspera como se dirigiu à mesma e nada elucidativa acerca dessa mesma faculdade, quase impediu a testemunha de depor, tendo esta não deposto, veja-se interrogatório preliminar:
IX- Depoimento da testemunha António ....., arrolado pela 2.ª Ré, na sessão de dia 19.11.2020, minutos 11:20:28 a 11:26:39.
X- Acresce que o Mmo Juiz a quo indeferiu a junção de documentos por achar irrelevantes, não permitiu perguntas por as achar irrelevantes, sendo que tendo em conta o artigo 32.º da Constituição e o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (direito a um processo equitativo), bem como os artigos 47.º (segundo parágrafo) e 48.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que, com idêntico sentido e âmbito (artigo 52.º, n.º 3), devem ser respeitados na aplicação do direito da União (artigo 51.º) o julgamento deverá ser repetido  por Juiz distinto  sob pena de se violarem direitos fundamentais.
XI- A conduta do Juiz a quo prejudicou o correto conhecimento da verdade material.
XII- O comportamento do Juiz “a quo” denota parcialidade indesculpável na apreciação da causa, tendo coartado à ora recorrente os mais elementares direitos de acesso à justiça e impossibilitando que a mandataria da Ré fizesse o seu trabalho, não a deixando falar, repreendendo-a, injustificadamente, várias vezes, usando manifestamente a sua posição de ascendência reverencial em Tribunal para destabilizar o depoimento do representante da ora Recorrente e das testemunhas por esta arroladas e, assim, violando um dos mais elementares princípios do estado de direito, direito à Justiça, constitucionalmente garantido, pelo que deverá ser considerado nulo o julgamento, devendo a sua repetição ser realizada por juiz distinto.
XII- B) DA REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA
B1) Aditamento aos factos dados como provados nos pontos 3º, 4º, 5º, 6º, 10º, 11º e 12º da matéria dada como provada
XIV- Relativamente aos pontos da matéria dada como provada sob os números 3º, 4º, 5º, 6º, 10º, 11º e 12º deverá constar as datas em que as renúncias foram “alegadamente” feitas e constantes dos documentos juntos aos autos, ou seja, no dia 16.12.2019, pois a referida data é essencial, como adiante se demonstrará, para aferir da legitimidade do A./Recorrido nos presentes autos.
XV- aditamentos aos números 3º, 4º, 5º, 6º, 10º, 11º e 12º da matéria provada. Assim deverá ser alterada a redação dos referidos artigos considerando-se como provado os seguintes factos:
3.º - António ..... subscreveu, a rogo de Maria ....., por esta não saber assinar, a declaração de renúncia ao direito de preferência constante de fls. 25, reconhecida pela Senhora Solicitadora Carla ...... nos termos constantes de fls. 26 / em 16.12.2016.
4.º- Vítor ...... subscreveu a declaração de renúncia ao direito de preferência constante de fls. 28, reconhecida pela Senhora Solicitadora Carla ...... nos termos constantes de fls. 29 / em 16.12.2016.
5.º - António ..... subscreveu a declaração de renúncia ao direito de preferência constante de fls. 31, reconhecida pela Senhora Solicitadora Carla ...... nos termos constantes de fls. 32  / em 16.12.2016..
6.º - António ...... subscreveu, a rogo de Paula ......, por esta não poder assinar, a declaração de renúncia ao direito de preferência constante de fls. 34, na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de seu marido Manuel ......, reconhecida pela Senhora Solicitadora Carla ...... nos termos constantes de fls. 35 / em 16.12.2016.
10.º - Patrícia ...... subscreveu, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de seu marido José ...... e em representação do seu filho menor Tiago ......, a declaração de renúncia ao direito de preferência contante de 210, reconhecida pela Senhora Solicitadora Carla ...... nos termos constantes de fls. 210 verso em 2.1.2019.
11.º - Vanessa ...... subscreveu a declaração de renúncia ao direito de preferência constante de fls. 208 verso, reconhecida pela Senhora Solicitadora Carla ...... nos termos constantes de fls. 209 em 2.1.2019.
12.º - Maria ...... subscreveu a declaração de renúncia ao direito de preferência constante de fls. 216 verso, reconhecida pela Senhora Solicitadora Carla ...... nos termos constantes de fls. 217 em 2.1.2019.
XVI- B2) alteração do ponto 19 por inexatidão
XVII-Relativamente ao ponto 19 da matéria de fato, deverá a mesma ser retificada porque incorreta.
XVIII- Dá o Tribunal “a quo” provado que:
“19.º O prédio referido em 18º confina a poente com o prédio do Autor”
XIX- Contudo, o prédio objeto de preferência, referida no ponto 18º não confina com o prédio do A.
XX- O A. não é proprietário do prédio confinante, mas sim comproprietário de uma quota ideal juntamente com os renunciantes identificados.
XXI- Aliás essa menção “prédio do Autor” está em contradição com o fato provado documentalmente e constante no n.º 1 da matéria provada que enuncia os vários proprietários do imóvel, pelo que deverá ser alterado em conformidade com o ponto 19 da matéria de facto devendo ser a redação do ponto 19 a seguinte:
“O prédio referido em 18º confina a poente com o prédio que o Autor é comproprietário de uma quota ideal” - Cfr ponto 1 da matéria dada como provada.
B3) alteração da redação
A alteração do facto 21
XXII-Na verdade, de acordo com o doc. 9 junto com a contestação da 1ª Ré, foram publicados editais no Jornal Público em 2.7.2016.
XXIII- Pelo que deverá ser retificado o ponto 21, que deverá ter a seguinte redação:
“O Autor não foi pessoalmente notificado para exercer o direito de preferência”
XXIV- Alteração do facto 22
Refere-se no ponto 22 da matéria de facto provada que:
a. Em 27.07.2016, o referido prédio foi adjudicado em lote com outros imóveis à 2ª Ré.
b. Dever-se-á referir que, porque relevante para a questão de direito suscitada infra:
c. Em 27.07.2016, o referido prédio foi adjudicado em lote com 7 (sete) outros imóveis melhor descritos na escritura de compra e venda celebrada em 30 de Setembro de 2016 junta a fls., documento 7 junto com a contestação da Ré C SA;
e que
d. O prédio rustico artigo 3 secção D, artigo 10 secção D confinam com o artigo 2 secção B10 e B11. (prova consoante escritura doc. 7 e doc. 8, juntos com a contestação Ré C planta orfotomapa e alegado no artigo 122 da contestação)
XXV- B4) Aditamento de factos provados
XXVI- Deverá ser acrescentado novo facto com os seguintes dizeres:
“Foram publicados editais em 2.7.2016 relativamente a venda de bens de insolvente no Jornal Público.” cfr Contestação e documento 9 junto com contestação da Ré C, e artigo 123 da contestação da ora Recorrente.
XXVII- Deverá ainda ser acrescentada à matéria de facto o constante da prova testemunhal produzida pelo administrador de insolvência e constante da nota de rodapé 4 da sentença em crise com a seguinte redação:
“Os imóveis foram vendidos em lotes porque era difícil vender os outros sem o prédio objeto de preferência não sendo possível a qualquer proponente comprar apenas uma verba dos referidos lotes.
XXVII- Ver depoimento do administrador de insolvência da 1.ª Ré e do legal representante da 2.ª Ré, Telmo ......, na Sessão de 10.10.2019, minutos 10:02:02 a 10:46:21 e 10:46:22 a 11:02:59,
XXIX- Veja-se, também, o depoimento do Represente Legal da Ré C, Telmo ....., Sessão de 10.10.2019, Minutos 10:46:22 a 11:02:59
XXX- Deverá, ainda, ser acrescentada à matéria de facto, porque relevante para efeitos de afastar o eventual direito de preferência da A., que:
“A Ré C no mesmo ato com a aquisição do prédio objeto da preferência adquiriu os artigos 3,4,5,6,8,10 e 14 todos da secção D, confinantes com o prédio objeto da preferência (artigo 2 seção B1... e B 1...). cfr artigo 116 da contestação da massa insolvente artigos 117 e 122 º da contestação da Buildon e documento 8 junto com a contestação da C não impugnado.
XXXI- O Mmo Juiz a quo não considerou entre a 1ª sessão do julgamento e a 2ª sessão onde foi feita a prova dos factos alegados em sede de articulado superveniente mais nenhum facto com interesse para a causa referindo muito simplisticamente:
“Também nada se prova do articulado superveniente da Ré Buildon”.
B5)FACTOS PROVADOS DO ARTICULADO SUPERVENIENTE E RELEVANTES PARA A BOA DECISÃO DA CAUSA
XXXII- Ora, saldo o devido respeito ficaram provados factos alegados no articulado superveniente com interesse relevante, e mesmo essencial, a saber:
i) O teor fatual do artigo 3º do articulado superveniente
a) “O Administrador da Ré, Telmo ......, na vigência dos presentes autos teve conhecimento por conversas de terceiros que quem estava verdadeiramente a exercer a preferência do imóvel adquirido pela sociedade C não era o A. identificado nos presentes autos mas sim o Sr. José .......”
b) Atendendo a alegada simulação e abuso de direito alegada em sede de articulado superveniente é fundamental para o conhecimento do mérito da causa este facto.
XXXIII- Verificar depoimento do Administrador da Ré, prestado na Audiência de Discussão e Julgamento de 19.11.2020, gravado no sistema nos minutos 10:05:32 a 10:24:30.
XXXIV- Depoimento da testemunha José ......, na sessão de 19.11.2020, gravado em sistema dos minutos 10:24:31 a 11:20:28:
XXXV- E, ainda, no depoimento prestado pela mesma testemunha em 10.12.2020, e gravado no sistema áudio nos minutos 10:28:31 a 10:37:50:
XXXVI- Depoimento da testemunha Carla ......, na sessão de 19.11.2020, gravado no sistema áudio do minuto 11:26:40 a 11:40:11  que esta eivado de contradições desde logo entre a data do 1º interrogatório e o conhecia e deixou de conhecer o A:
XXXVII- Depoimento prestado pela testemunha Paulo Pedro......, sessão de 19.11.2020, minutos 11:44:14 a 12:23:00.
XXXVIII- Depoimento prestado pela testemunha Patrícia ......, na sessão de 10.12.2020 e gravado em sistema áudio nos minutos 10:24:31 a 11:20:28.
XXXIX- Depoimento da testemunha Vanessa ......, prestado na sessão de 10.12.2020, minutos 10:24:31 a 11:20:28.
XL- Face ao teor dos depoimentos acima transcritos, duvidas não existem que quer da conversa do Telmo ...... com o José ...... (confirmada pelos dois), quer da conversa do Sr Paulo ...... com o filho do A , quer as visitas feitas pelo José António ...... juntamente com a Solicitadora e com o filho do A quer a casa da Vanessa ...... quer a casa da  Patrícia ...... quer o testemunho (1º) da solicitadora Carla ...... que referiu que conheciam o senhor Carlos ...... no 1º interrogatório e referrou que não conhecia no 2º  conclui-se que o verdadeiro preferente não é o A mas sim o senhor José ......
XLI- A convicção baseia-se não só no depoimento inconsistente do verdadeiro preferente que:
- não refere a quem emprestou o valor de 197 296,17€, afirmando genericamente “família Machado”, sem concretizar se foi ao A se foi a seu filho se foi a mulher do filho, embora varias vezes instado sobre o tema , o que denota atendendo a valor em causa a pouca credibilidade do depoimento,
- emprestou um valor de 197 296,17€ exatamente o valor do deposito do preço efetuado, sendo que a Recorrente solicitou em sede de articulado superveniente que fosse notificado o Aviário ...... SA  para informar a que titulo transferiu para  a conta do A. o referido valor  sendo tal requerimento de prova não atendido (objeto de recurso);
- refere o Sr José ...... que o valor emprestou a família para a vida deles, contudo o valor foi exatamente o valor do depósito do preço nos presentes autos, ou seja conclui-se sem mais que foi para exercer o direito de preferência.
- não responde, instado a tal se emprestou em numerário, se foi cheque, se foi transferência alegando que não se lembra quando sabia muito bem que iria ser perguntado sobre esta matéria pelo menos da segunda vez que foi a tribunal;
- não refere a instâncias perguntado qual o prazo de reembolso do valor emprestado ou se existia algum prazo;
- Se havia juros?
- Responde com muito nervosismo a instâncias da mandatária da recorrente, recusando-se mesmo a responder,
-faz o depoimento na 1º pessoa do plural referindo-se conjuntamente ao A. e ao seu filho;
- refere que é muito ocupado mas depois refere que foi duas vezes a casa da Vanessa ...... e da Patrícia ...... por causa deste tereno o que contraria o seu não interesse na ação e no terreno em causa.
XLII- Deverá dar-se como provado o teor do artigo 4º do articulado superveniente, porque essencial para a descoberta da verdade material nomeadamente relativo ao abusivo direito de preferência e simulação:
“Sabendo que um amigo seu de seu nome Paulo ......, era pessoa das relações do filho do A solicitou ao mesmo que agendasse uma reunião com o mesmo no sentido de saber a veracidade do rumor que circulava e tentar chegar a um acordo quanto ao imóvel em litígio nos presentes autos.”
Verificar depoimento de Paulo ......, transcritos acima, e gravados em sistema na Sessão de 19.11.2020, minutos 11:44:14 a 12:23:00
Deverá dar-se como provado o teor do artigo 5º do articulado superveniente:
“No passado dia 29 de abril o referido Paulo Pedro ...... reuniu com o filho do A, de seu nome António ......”.
XLIII- Tal revela-se essencial pois permite saber das conversas havidas e aferir da credibilidade do depoimento da testemunha Paulo ...... que não foi considerada credível pelo douto tribunal.
XLIV- A prova que a reunião foi no dia 29/04 afere-se porque a própria testemunha Paulo ...... refere que no dia que teve reunião enviou mensagem ao Telmo ...... com o numero de telemóvel do Sr. António ......, tendo sido junto como documento 1 com o articulado superveniente o print screen do smsrecebido pelo Telmo .....e enviado pelo Paulo ......, conforme depoimento prestado na sessão de 19.11.2020 e gravado em sistema do minuto 11:44:14 ao minuto 12:23:00, e Cfr doc. 1 junto com o articulado superveniente que se verificou na audiência que a mensagem era um print do telefone da mensagem recebida no telefone do Telmo ......, tendo a mandatária solicitado ao tribunal que nessa mesma data fizessem um print dos dois  telemóveis com as mensagens trocadas no dia 29/04 o que foi negado pelo tribunal, transcreve-se o relevante a propósito da mensagem e do print screen que o  juiz a quo apelidou na douta sentença em crise de “combinação entre o Telmo ...... e a testemunha Paulo ...... foi de tal forma evidente pois eles até fizeram logo de mediato um print screen da mensagem que trocaram …”
XLV- Ainda no depoimento prestado pela testemunha Paulo ...... na sessão de 19.11.2020 e gravado em sistema do minuto 11:44:14 ao minuto 12:23:00:
18.4. Deverá dar-se como provado o teor do artigo 6º do articulado superveniente:
XLVI- “O Sr. António ......, filho do A., na referida reunião referiu ao Sr. Paulo Pedro ......, nesse mesmo dia que não poderia negociar pois tinha dado a palavra ao Sr. José ...... de que o terreno era para ele e que autorizava o Sr. Paulo ...... a dar o seu numero de telefone ao administrador da 1ª Ré, Telmo ......”
XLVII- Tal matéria revela-se essencial para apreciação da questão de mérito alegada em sede de articulado superveniente relativamente ao abuso de direito conforme referido no acórdão do Tribunal da Relação que julgou procedente o recurso da ora recorrente aceitou os fatos alegados em sede de articulado superveniente.
XLVIII- Deverá dar-se como provado o teor do artigo 7º do articulado superveniente:
“Finda a reunião nesse mesmo dia o Sr. Paulo ...... mandou um SMS ao Telmo ...... com o número de telemóvel do Sr. António ...... Cf. doc. 1 junto com articulado superveniente e ainda depoimento de Telmo ...... e de Paulo ...... transcritos em cima.
XLIX- Deverá dar- se como provado o teor do artigo 9º do articulado superveniente:
“O Sr. Telmo ...... face ao teor da reunião telefonou para o Sr. António ......, para agendar uma reunião.”
L- E, ainda, o alegado no artigo 11º:
“Na referida reunião o Sr. Telmo ...... tentou chegar a um entendimento para por fim ao processo em causa tendo o Sr. António ...... referido que para negociar o terreno em causa teria de falar com a pessoa com quem tinha tido reuniões no dia anterior – Sr. José ......”
LI- Cfr. depoimento de Paulo ...... transcrito em cima e do teor das declarações compreendidas no seu conjunto de Vanessa ......, Patrícia ...... e o próprio José ...... nomeadamente o facto do mesmo ter emprestado o valor de 197 296,17€, exatamente o mesmo preço do depósito feito nos presente autos.
LII- O facto do Sr José ...... não referir a quem tinha emprestado o dinheiro, se ao A, se ao filho se à prima (mulher do filho do A);
LIII- O facto do Sr. José ...... referir que não fez qualquer contrato;
LIV- Que quem emprestou o valor foi a sociedade Aviário do pinheiro;
LV- Que não foi estipulado qualquer prazo para a restituição do mesmo; e
LVI- O facto do Sr José ......, pessoa muito ocupada (nos seus próprios dizeres em Tribunal) ter ido 2 vezes de noite a casa das testemunhas Patrícia ...... e da Vanessa ......, tendo as mesmas percecionado que havia interesse no mesmo no terreno.
LVII- Todo o depoimento em si leva sem grande margem para duvida à conclusão que o verdadeiro preferente era Sr José ....., sendo a preferência abusiva e simulada.
LVIII- Relativamente ao alegado no artigo 12 do articulado superveniente devera dar-se como provado que:
“O Aviário ......, SA representada pelo senhor José ...... fez um empréstimo à Família machado no valor de 197.296,17€”
É relevante o facto de ter havido empréstimo e do valor do mesmo, que coincide exatamente com o valor o deposito do preço nos presentes autos, para aferir da questão do abuso de direito e da simulação da preferência entre o A e o José António .......
LIX- C.DO DIREITO
Da Inexistência de direito de preferência
LX- São elementos constitutivos do direito de preferência que deverão ser alegados e provados pelo A. que:
a.- O preferente seja proprietário do prédio confinante com o prédio alienado;
b.- Que os prédios tenham área inferior à área de cultura;
c. - Que o alienante não seja proprietário do prédio confinante.
LXI- Estes fatos são constitutivos de direito e o ónus de prova e da sua alegação incumbem àquele que se arroga titular do direito de preferência, ou seja, neste caso ao ora recorrido.
LXII- Ora, no caso sub iudice o A. não é proprietário do prédio confinante com o prédio alienado.
LXIII- É apenas detentor de uma “quota ideal” de ¼ e ainda assim em compropriedade com Paula ...... e herdeiros e José ...... e Maria ...... – facto provado 1
LXIV- Ora, o direito de preferência não se radica em qualquer dos comproprietários individualmente, mas num conjunto como unidade e, portanto, cada um deles não tem direito autónomo, pertencendo antes a todos os comproprietários.
LXV- Na legislação anterior ao vigente Código Civil, admitia-se expressamente a preferência em relação à venda de parte alíquota ou ideal, na redação do Código Civil vigente no art.º 1380º só se refere a “propriedade” de terrenos confinantes, o que demonstra que o legislador quis, expressamente, excluir a preferência a comproprietários de prédios rústicos confinantes. Neste sentido Ac STJ de 27.02.1986 071012 Nº Convencional: JSTJ00000739 Relator: LOPES NEVES (…)
LXVI- Aliás, nem faz sentido de outra forma atendendo à génese e razão da limitação contratual prevista no art.º 1380º do C.C.
LXVII- E, se na verdade também se entende na Doutrina e na Jurisprudência que não há lugar a direito de preferência no caso de alienação de parte alíquota de determinado prédio, atendendo a que o art.º 1380º do CC que configura uma norma excecional, violadora de liberdade contratual, que tem em vista apenas e tão só o alargamento de cultura, também pelas mesmas razões não se poderá atribuir um direito de preferência a um comproprietário do terreno confinante com o prédio, que não estando dividido não poderá lograr o objetivo do emparcelamento consagrado no art.º 1380º do C.C. Neste sentido veja-se Ac. STJ de 6.11.2002Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça JSTJ000 MOITINHO DE ALMEIDA (…)
LXVIII- Ora, se o STJ entendeu que não haveria direito de preferência aquando de alienação de parte alíquota de determinado prédio rústico por maioria de razão e pelos mesmos fundamentos também não haverá direito de preferência se o preferente for titular apenas de uma quota ideal do prédio confinante.
LXIX- O direito de preferência constante do art.º 1380º do CC deverá ser entendido e interpretado no sentido de não ser atribuído a um comproprietário sob pena de ser inconstitucional por violar um dos princípios básicos de um Estado de direito que constitui a liberdade contratual e o direito de propriedade atendendo à ratio do preceito do artigo 1380 CC.
LXX- A preferência que o A/recorrido pretendem exercer decorre da norma do artigo 1380.º, do CC, nos termos (re)definidos pelo artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei 384/88, de 25 de Outubro.
LXXI- Tais normas constituem exceção ao regime geral de liberdade contratual consagrado no artigo 405.º, do CC, e constitucionalmente garantido restringindo o sistema jurídico a liberdade contratual de proprietários de terrenos nas indicadas condições, a fim de prosseguir a finalidade de redução do minifúndio pelo emparcelamento dos prédios, em benefício da produtividade agrícola.
LXXII- É o que decorre quanto ao artigo 1380.º na sua inserção em secção do Código Civil que se refere ao «fracionamento e emparcelamento de prédios rústicos», das características da previsão da norma reportada aos casos de cofinancia e referida à unidade de cultura e das exceções previstas no artigo 1381.º quanto a destinação diversa ou a destinação conjunta.
LXIII- dispõe o artigo 1382.º, n.º 1, do CC: «chama-se emparcelamento o conjunto de operações de remodelação predial destinadas a pôr termo à fragmentação e dispersão dos prédios rústicos pertencentes ao mesmo titular, com o fim de melhorar as condições técnicas e económicas da exploração agrícola».
LXXIV- Ora no caso em análise sendo o recorrido comproprietário e detentor de uma quota ideal não se vislumbra como ele poderá concretizar o emparcelamento.
LXXV- na verdade, não estando o terreno rustico confinante com o prédio objeto da preferência dividido, detendo o A /recorrido apenas uma quota ideal, não se poderá restringir o direito constitucionalmente garantido da liberdade contratual, vislumbrando-se assim uma inconstitucionalidade a restrição asse principio quando o alegado preferente é comproprietário do terreno.
LXXVI- acresce que não logrou o A alegar e muito menos provar, conforme lhe competia, a cultura exercida no imóvel do qual é comproprietário, sendo que importava no mínimo provar de acordo com o despacho saneador e a definição dos temas da prova a natureza dos prédios e das culturas que nele são efetuadas.
LXVII- Na verdade o A/recorrido na sua petição inicial não alegou qualquer cultura que vinha a ser exercida no terreno, ónus que lhe cabia.
LXVIII- Aliás da matéria de fato dada como provada nada resulta da cultura exercida no terreno confinante e do terreno objeto de preferência.
LXXIX- Na douta sentença em crise o tribunal a quo apenas constatou que foi aposta a referencia a existência de culturas baseada tão somente na descrição das cadernetas prediais e não na existência em concreto de culturas.
LXXX- A matéria em apreço carecia de ser aposta no elenco de factos relevantes para o eventual sucesso do mérito da causa, e para que este realmente ocorresse teria que ser considerado provado.
LXXXI- O Juiz a quo limitou-se a reproduzir o teor da caderneta predial, mas nem sequer considera relevante aferir qual a cultura que efetivamente existe atualmente (ou não) nos prédios em questão.
LXXXII- O sucesso da pretensão do A. carece em absoluto da demonstração dos prédios do tipo de cultura que é efetivamente praticada nos prédios, pois essa é razão primordial da concessão do direito de preferência invocado pelo A o que não foi feito, e ao invés o Juiz a Quo entendeu não ser relevante a questão tendo inclusive indeferido a junção de documento que se encontra copia na capa do processo face a requerimento feito pela mandataria da Ré em ata e que consistia num documento da APAS florestas original e assinado com a  identificação das culturas existentes ou melhor da inexistência delas.
LXXXIII- O Juiz a quo conclui, na realidade, presumiu, sem mais que existe identidade de culturas em completo arrepio do alegado pelas testemunhas quanto ás culturas existentes no prédio preferente.
(veja-se Depoimento da testemunha José ......, na Sessão da Audiência de Discussão e Julgamento, que teve lugar no dia 19.11.2020 (minutos 10:24:31 a 11:20:28 da gravação áudio):
E, ainda, depoimento da testemunha Vanessa ......, prestado na sessão de 10.12.2020, minutos 10:24:31 a 11:20:28:
Depoimento da testemunha José ......, 2.ª sessão da audiência final, de 10.12.2020, cujo registo áudio ficou gravado nos minutos 10:28:31 a 10:37:50:
Veja se a este propósito:
a. ACSTJ de 30-09-2008 (…)
LXXXIV- Por outro lado, e reiterando a ilegitimidade do A. a exercer qualquer direito de preferência admitindo que o tinha as alegadas renúncias (que mais à frente no desenvolvimento do recurso consideraremos não válidas dos restantes comproprietários) só foram, “alegadamente”, produzidas em data posterior á instauração da presente ação, i. é, em 19.12.2016.
LXXXV- Acresce que o Advogado subscritor do email enviado ao Administrador da Insolvência não juntou procuração em representação do A., não agiu em nome dos restantes, comproprietários nem faz prova da alegada preferência através da junção de certidão predial para o efeito.
LXXXVI- Assim, não se poderá considerar como provado que o A. comunicou que pretendia exercer o direito de preferência, porquanto, não era proprietário do prédio confinante e como tal não tinha esse direito e por outro lado, o advogado que fez a notificação ao administrador de insolvência não juntou procuração do A.  nem tão pouco juntou prova do alegado direito juntando cópias da certidão predial.
Ilegitimidade do A- invalidade das renúncias abdicativas
LXXXVII- As declarações de renúncia do direito de preferência junto aos autos são genéricas porquanto referem “renúncia ao direito de preferência e de todo e qualquer direito, sobre o imóvel confinante com o qual é comproprietário, concretamente o prédio rústico…”
LXXXVIII- As alegadas renúncias dos comproprietários não continham os elementos essenciais de venda, nomeadamente o preço e a identificação do comprador, elementos conhecidos do A. na data das renúncias e que não constam das renúncias juntas, sendo aquelas abstratas pelo que inválidas.
LXXXIX- Neste sentido veja-se Ac. do Tribunal Da Relação de Lisboa. Proc. 1597/17.1T8-DDL L1 (…)
CXVI- “A declaração abdicativa-renúncia junta aos autos não versou sobre o concreto “âmbito do negócio” está ferida de erro que atinge os motivos determinantes da vontade (art.º 252º do CC), i. é “a declaração resulta de uma errónea representação da realidade induzida”.
CXVII- Não sendo as renúncias válidas para efeitos de abdicação de direito de preferência carece o A/Recorrido de legitimidade para instaurar a presente ação.
CXVIII- Refira-se, porque não despiciendo, que a apreciação da ilegitimidade alegada em sede de contestação pela Ré em sede de despacho saneador não transitou em julgado, formando um caso julgado formal nos termos do n.º 3 do art.º 595º do CPC, porquanto, no próprio despacho saneador no qual se aprecia a ilegitimidade se refere que “configura uma questão de mérito e não de pressuposto processual”.
CXIX- Questão de mérito que deveria ter sido conhecida na sentença em crise e que não foi.
CXX- também não terá o A/recorrido direito de preferência, porquanto, a Ré era também titular á data em que “nasceu” o alegado direito de preferência do A. de terreno confinante.
CXXI- Convirá não esquecer que a venda foi feita em lotes não sendo possível a venda em separado e que a recorrente comprou mais 7 prédios pertencentes ao lote 8.
CXXII- E que os prédios que a recorrente adquiriu em lote juntamente com o prédio objeto da preferência também com este confinam.
CXIII- Dai a importância de se considerar como provado não só a venda em lotes, mas também a localização dos restantes prédios constantes do lote adquirido pela recorrente constante do mapa ortofotomapa junto como documento 8 da contestação da Ré Buildon, um a vez que também eles confinam com o prédio objeto de preferência nos presentes autos, pelo que nunca se poderia considerar provado que a Ré não era titular de q qualquer prédio confinante.
Neste sentido acórdão do Tribunal  de Évora o RE 26.04.2012 CJ 2012-2º 308 (…)
D. Nulidade da sentença da qual se recorre
CXXIV- A 1ª Ré em sede de contestação invocou a ilegitimidade do A., nomeadamente, levantando as questões supra suscitadas da invalidade das renúncias.
CXV- O Mmo. Juiz “a quo” em sede de despacho saneador entendeu que a questão das renúncias constituía questão de mérito e não um pressuposto processual.
CXVI- Sendo questão de mérito deveria ter sido conhecida, apreciada e julgada na decisão em crise.
CXVII- O que não aconteceu, tendo apenas o Tribunal “a quo” referido que caso as questões “suscitadas pela Ré C quanto às renúncias fossem válidas e o Tribunal as tivesse admitido sempre o autor poderia invocar a caducidade do direito dos outros proprietários…”.
CXVIII- Contudo, o thema decidendum não é somente a questão de validade das renúncias porque as renunciantes não as assinaram.
CXXIX- A questão a decidir na sentença prende-se com a ilegitimidade do recorrido pelo fato das renúncias serem genéricas e abstratas, questão que não foi objeto de qualquer decisão na sentença em crise.
CXXX- Nos termos do art.º 615º n.º 1 alínea d) é nula a sentença quando o Juiz deixa de pronunciar-se sobre questões que deveria apreciar.
CXXXI- Não tendo o Mmo. Juiz “a quo” apreciado a questão de mérito suscitada pela 1ª Ré em sede de contestação é nula a sentença em crise, nulidade que desde já se invoca.
Na verdade tendo a sentença referido que:

Como resultou provado, todos os outros comproprietários renunciaram ao direito de preferência sobre o imóvel confinante, podendo, pois, o autor exercer por si, isoladamente, o direito de preferência. De qualquer forma e quanto a esta questão, a extinção do direito não tem de ser unicamente por renúncia. Ainda que algum comproprietário não tenha renunciado, o direito pode-se extinguir por outra via, nomeadamente por caducidade decorrente do seu não exercício no prazo estipulado na lei. Quer isto dizer que, caso as questões suscitadas pela ré Buildon quanto às renúncias, fossem válidas e o tribunal as tivesse admitido, sempre o autor poderia invocar a caducidade do direito dos outros comproprietários, extinguindo-se desse modo na respetiva esfera jurídica o eventual direito de preferência. Nos termos do artº 611º/1 do CPC a sentença deve tomar em consideração todos os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão. De acordo com este preceito, ainda que as questões suscitadas pela ré Buildon quanto às renúncias tivessem sido admitidas, o tribunal podia sempre conhecer da questão da caducidade dos direitos dos demais comproprietários do prédio do autor, bastando para tal que   este, após admissão do incidente, invocasse tal exceção.

CXXXII-Em primeiro lugar, refira-se que a questão da caducidade nem sequer foi levantada pelo que o Mmo juiz a quo, pelo que este ter-se-ia de pronunciar quanto à validade das renúncias abdicativas juntas aos autos,
CXXXII-Em segundo lugar, refira-se que nunca operaria a caducidade aventada magistralmente, pois até ao momento os restantes co-proprietários face a propositura da presente ação desconhecem quem é o adquirente, do prédio se o A, se a ora recorrente, elemento essencial para exercer ou não o direito de preferência conforme abundante jurisprudência a respeito do tema.
CXXXIV- Na verdade, a presente ação interrompeu qualquer prazo de caducidade, ainda que isso não seja de muito bom agrado do Mmo juiz a quo.
C) Do Exercício do direito de preferência quando o prédio é vendido conjuntamente com outros prédios
CXXXV- No caso sub iudice o prédio em causa foi vendido num lote composto por 7 verbas cfr. ponto 22 da matéria de fato provada com retificação solicitada.
CXXXVI- Pelo Administrador de Insolvência foi referido que os bens foram vendidos por lotes por ser difícil a venda dos prédios em separado e porque caso assim não fosse seria prejudicial para a massa insolvente.
CXXXVII- Da venda do lote teve o A. conhecimento através da publicação no jornal em 2.7.2016, e pelo email do Administrador de Insolvência enviado ao Advogado do A.
CXXXVIII- Nos termos da publicação de 2.7.2016, anunciou-se a formação de lotes, nomeadamente o Lote 8 pelo valor mínimo de 169.494,02€.
CXXXIX- Tendo sido adjudicado à ora recorrente pelo valor global de 201.015,00€.
CXL- O A. arrogando-se do direito de preferência, e preferindo em igualdade de circunstâncias, teria de ter depositado o preço no valor de 201.015,00€ e não como fez de 197.101,17€.
CXLI- Razão pela qual o depósito do preço condição essencial para a ação de preferência não se encontra verificado, pelo que a ação não poderá proceder.
CXLII- Quanto aos factos que se devem considerar provados, admitindo-se o que só por mera cautela e excesso de zelo se admite que a A. tem um verdadeiro de preferência, certo é que o mesmo é abusivo.
CXLIII- Ficou demonstrado que quem está verdadeiramente por detrás do direito de preferência não é o A. mas sim o Sr. José ......
CXLIV- Foi ele que emprestou o dinheiro à família.
CXLV- Sem conseguir explicar a data do empréstimo, formalização do mesmo, prazo de restituição e a quem emprestou.
CXLVI- Tratando-se de um empréstimo de uma quantia razoável de dinheiro não é de todo crível que o prazo de restituição não fosse acordado, a não ser que o mesmo constituísse o próprio preço do imóvel sendo que o valor emprestado alegadamente a “Família Machado” e exatamente o mesmo que constitui o depósito do preço.
CXLVII- Acresce que o que visa o A., admitindo-se que é o mesmo é o verdadeiro preferente, não é o emparcelamento dos terrenos.
CXLVIII- Primeiro, porque tal não é possível atendendo a que ficou provado que a cultura existente na parte do terreno do A. é uma cultura doméstica, veja-se depoimento de José António ...... em que referem que o que é cultivado na parte do terreno são oliveiras para cultura domestica.
CFR. depoimento da testemunha José ....., 2.ª sessão da audiência final, de 10.12.2020, cujo registo áudio ficou gravado nos minutos 10:28:31 a 10:37:50:
CXLIX- Segundo, porque no terreno o A. não pode sozinho alargar a eventual cultura que quisesse cultivar, o que não ficou demonstrado.
CL- O documento oficial   da APAS floresta que não foi admitido, por “irrelevante”, é de todo “relevante”.
CLI- Do mesmo se denota que existem várias culturas de índole doméstica praticadas pelos vários comproprietários.
CLII- O que sem mais leva a concluir que não pode haver emparcelamento para aumento de culturas, ratio legis do art.º 1380º do CC. e que também por este facto não haveria direito de preferência.
CLIII- Entendendo-se por excesso de zelo e cautela de patrocínio que o A era titular de qualquer direito de preferência, o mesmo era abusivo atendendo aos fatos que se entendem provados e alegados em sede de articulado superveniente.
CLIV- Na verdade, verificando se quem estava a exercer a preferência não era o A. mas sim o José Ferreira estamos, como muito bem entendeu o Tribunal da Relação no acórdão proferido nestes autos quando do recurso de não admissão do articulado superveniente perante uma situação abusiva. (…)
CLV- DA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
CLVI- Refere a douta sentença quanto à litigância de má que “como se anunciou no despacho saneador…”
CLVII- Ora, da leitura do despacho saneador não se anunciou coisa alguma para além de decidir as questões sobre as quais o Mmo Juiz “a quo” se deveria pronunciar.
CLVIII- Refere o Mmo Juiz “a quo” que de toda a prova documental e das declarações de parte o direito de preferência do A. era incontestável (?) e ainda que:
“Não obstante isso vieram apresentar oposição através de articulados de contestação extensíssimos que não tinham o mínimo de sustentáculo fáctico nem jurídico”
e continuando
CLIX- “A ré Buildon ainda foi mais longe. Ao longo do processo tudo fez para protelar de forma insidiosa a audiência final usando de estratagemas processuais como a renúncia ao mandato em cima da data designada para a audiência e a alegação infundada e extemporânea de factos supervenientes. A convicção que tinham da falta de razão da oposição que deduziram à pretensão do autor, de que não existia qualquer tipo de razão material para contestar essa pretensão, era tal que acabaram até por prescindir da prova testemunhal que indicaram.”
CLX- Na verdade, e conforme consta quer das contestações apresentadas quer do próprio recurso o alegado direito do A. é tudo menos incontestável, sendo inexistente.
CLXI- Pela leitura da própria sentença até se pode depreender que o Mmo Juiz “a quo” mesmo antes da prova entendeu que o direito do A. era incontestável, e como tal os RR deveriam abster-se de contestar (?) ou então de apresentar contestações breves e não extensas ….
CLXII- E, como tal as RR não poderiam ter elaborado contestações “extensíssimas” … nas palavras do Juiz “a quo”.
CLXIII- Ora, não existe qualquer limitação de formulação de artigos num articulado.
CLXIV- Sendo que a extensão dos articulados não se enquadra em nenhuma das alíneas do artigo 542º do CPC, sendo, com a devida vénia, a consideração da extensão do articulado para efeitos de condenação como litigante de má fé, completamente infundada.
CLXV- Os articulados foram apresentados, pondo em causa o direito de preferência do A. sustentados em factos e em jurisprudência, pelo que não se percebe como é que a douta sentença em crise pode afirmar que “não tem o mínimo sentido fático nem jurídico”.
CLXVI- Relativamente aos alegados estratagemas processuais com “a renúncia” ao mandato refira-se que,
CLXVII- Na verdade, a ora recorrente por desentendimento com a mandatária anterior revogou o mandato forense, não tendo havido renúncias como a sentença em crise estatui, mas sim revogação de mandato, situação aliás que foi explicada em requerimento após condenação no “incidente” pelo Mmo Juiz “a quo”.
CLXVIII- Fê-lo no dia 11.5.2019 quando a audiência estava marcada para dia 21.5.2019 por despacho de 20.1.2019.
CLXIX- Direito que lhe assistia nos termos do art.º 47º do CPC e art.º 1170º do CC.
CLXX- Por despacho de 20.1.2019 - o Mmo Juiz “a quo” refere “Não vamos dizer que a renúncia ao mandato teve como objetivo obter o adiamento da audiência e o protelamento do processo pois não temos elementos objetivos suficientes para tirar tal conclusão”
CLXXI- Ora, entre a data desse despacho e a sentença quais foram os factos objetivos que fundamentam a litigância de má fé da recorrente na sentença em crise?
CLXXII- Aliás, já nesse mesmo despacho e por ter usado um meio processual que lhe era licito (revogação do mandato a sua Advogada) já foi a recorrente condenada pelas custas do incidente em 3 UCS,
CLXXIII- Pelo que nunca poderia ser novamente condenada ainda que tais elementos objetivos “aparecessem”, veja-se a este propósito o n.º 5 do art.º 27º do CPC.
CLXXIV- Quanto ao articulado apresentado e a sua alegação infundada, bastará concluir com o Tribunal da Relação de Lisboa, ao considerar a importância dos fatos supervenientes e revogar o despacho que não admitiu o mesmo.
CLXXV- De facto nenhum dos argumentos apresentados na douta sentença se subsumem no disposto no artigo 542º do CPC.
CLXXVI- Por outro lado, não se entende o montante elevado da multa em 60 UCS.
CLXXVII- Talvez o único caso em Portugal com essa condenação, para os articulados são extensos e porque houve revogação do mandato (!).
CLXXVIII- Não existe assim qualquer fundamento para a condenação como litigante de má fé.
CLXXIX- Acresce que, o Juiz a quo não se limitou a condenar injustamente a Recorrente como litigante de Má Fé, pois culminou essa determinação com a obrigação de pagar a quantia absurda de 60 UC!!
CLXXX- A qualificação da intensidade que o Juiz a quo faz da conduta da Recorrente é também ela desprovida de fundamento, mas, mais grave ainda é genérica e conclusiva, desprovida de factualidade.
CLXXXI- A única coisa que o Juiz a quo consegue referir é que acerca da intensidade da Má Fé da Ré é que o seu grau foi intenso e a má fé dolosa, aditando ainda que foi uma atuação gravíssima que terá visado protelar, sem fundamento sério, a decisão da causa.
CLXXXII- Para além de ser falso o que afirma, no mínimo, competiria ao Juiz a quo, concretizar com factos o conceito indeterminado a que recorre “grau de intensidade elevado”, e bem assim descrever em que consistiu esse dolo ou culpa.
CLXXXIII- A fraca descrição que efetua da intenção de protelar, sem fundamento sério, a decisão da causa, não basta, pois o Juiz limitou-se a reproduzir o que o art. 542º do CPC refere.
CLXXXIV- Assim sendo, até o valor prescrito pelo Juiz a quo merece censura, ainda que, numa hipótese teórica de fundamento para condenação da Ré como litigante de Má Fé.
CLXXXV- A condenação da Ré como litigante de Má Fé e a aplicação e uma tão absurda sanção só milita a favor das evidencias de que o Juiz a quo partiu para a produção de prova com a sentença já decidida, tendo recusado de forma hostil todas as evidencias que pudessem contrariar essa ideia.
CLXXXVI- A douta sentença em crise viola os seguintes artigos 32.º da Constituição e o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (direito a um processo equitativo), bem como os artigos 47.º (segundo parágrafo) e 48.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,  e ainda 294º, 252º,334º 1380º,1381,1382 do código civil e 615 do CPC.
Pede assim que, reapreciada toda a prova, seja o recurso julgado totalmente procedente.
O A. respondeu a ambos os recursos, sobrelevando das suas contra-alegações as seguintes conclusões:
1- Quanto à 1.ª R.:
a) Quanto à alegação de que não se encontra preenchido o requisito da titularidade do direito de preferência, por o Autor ser comproprietário e não proprietário do prédio confinante ao prédio em causa nestes autos, trata-se de um argumento que, acima de tudo, é extremamente forçado e, salvo o devido respeito, o seu teor não encontra respaldo na doutrina nem na jurisprudência.
b) Defende a Recorrente que o Autor não pode exercer a preferência porquanto um dos requisitos para a possibilidade de exercer esse direito é o de que o preferente seja proprietário do prédio confinante com o prédio alienado, requisito esse que o Autor alegadamente não preenche por ser comproprietário.
c) O facto de o Autor ser comproprietário do prédio confinante não lhe retira a qualidade de proprietário. Na realidade, quem é proprietário nem sempre é comproprietário, mas quem é comproprietário é necessariamente proprietário.
d) Não existe qualquer contradição entre um “estatuto” e o outro, desde logo porque os mesmos se cumulam.
e) Basta ver a definição de compropriedade decorrente do Código Civil, em cujo artigo 1403.º se lê: “1. Existe propriedade comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre alguma coisa.”.
f) O que significa que um comproprietário é alguém que tem propriedade sobre uma coisa conjuntamente com uma ou mais pessoas. Daí que um comproprietário seja, de facto e de direito, proprietário de algo (ou, como o artigo refere, titular do direito de propriedade sobre alguma coisa).
g) Apesar da qualidade de comproprietário de “uma quota ideal de ¼” do prédio confinante, como refere a Recorrente, a realidade é que o Autor é titular do direito de propriedade sobre essa coisa, no caso sobre esse prédio.
h) Ainda assim, é já absolutamente pacífico na doutrina e na jurisprudência o facto de um comproprietário poder exercer o direito de preferência na compra e venda de terrenos rústicos em duas situações:
- Caso exerça esse direito conjuntamente com os outros comproprietários; ou
- Caso os demais comproprietários renunciem ao direito de preferência.
i) É também o que resulta do artigo 419.º do Código Civil, de onde decorre expressamente que o direito de preferência se pode extinguir em relação a algum dos titulares e que algum deles poderá declarar que não o quer exercer, caso em que acresce o seu direito aos restantes titulares.
j) No caso em concreto os demais comproprietários renunciaram ao direito de preferência, facto que ficou demonstrado nestes autos. O teor das declarações de renúncia foi dado como provado e a Recorrente não o contestou.
k) O conteúdo das declarações de renúncia constitui aliás matéria assente por acordo das partes, conforme menciona e bem a douta Sentença recorrida na nota de rodapé n.º 3, desde logo porque a Recorrente não as contestou (pelo menos não no momento processual em que o deveria ter feito).
l) Conforme resulta do acórdão do STJ datado de 26.06.2015, disponível em www.dgsi.pt, – a contrario sensu – existe a possibilidade de o preferente, num caso como o dos presentes autos (em que estão em causa prédios rústicos) demonstrar a renúncia dos demais comproprietários, caso em que é considerado parte legítima para isoladamente exercer a preferência.
m) O mesmo vem escrito no Acórdão do TRC, datado de 01.06.2004, também disponível em www.dgsi.pt.
n) A Recorrente bem sabe que o facto de o Autor ser comproprietário do terreno não é, por si só, fundamento para se considerar que não pode exercer a preferência.
o) A possibilidade de o Autor exercer a preferência, e a aplicabilidade o artigo 419.º do Código Civil ao caso de venda de prédios rústicos é hoje absolutamente pacífica, não devendo, por isso, esta invocação da Recorrente merecer o acolhimento do Tribunal ad quem, o que se requer.
p) Quanto ao argumento de que não foi feita prova de que ambos os prédios sejam aptos para cultura, mas sim apenas de que se tratam de dois prédios rústicos, também não é verdade o que a Recorrente invoca.
q) Resultou de toda a prova produzida que o Autor tem no seu terreno uma cultura de oliveiras, e que pretende expandir essa cultura para o terreno objeto de preferência (veja-se o teor do depoimento da testemunha José ...... relativamente a esta matéria [depoimento gravado na audiência de 10.12.2020 ao min. 2:12 da segunda gravação], e ainda o depoimento da testemunha Vanessa ...... [audiência de 10.12.2020, ao min. 3:08].
r) Resultou provado que o Autor e a sua família cultivam Oliveiras no terreno do qual são comproprietários.
s) No entanto, ainda que assim não fosse, a realidade é que a Lei não exige que exista identidade de culturas, pelo menos à data em que o direito de preferência é exercido: basta que ambos os terrenos sejam rústicos, de modo a que essa identidade possa vir a existir.
t) Assim sendo, o Autor não tinha que alegar nem provar qual a cultura exercida no imóvel do qual é comproprietário (embora o tenha feito no caso dos presentes autos), bastando que ficasse demonstrada a natureza rústica do mesmo.
u) Na realidade, e em bom rigor, o Autor até poderia nem ter qualquer exploração agrícola no seu terreno, desde que aquisição do terreno objeto de preferência viesse a servir para iniciar e/ou expandir essa exploração: daí que ambos os terrenos tenham que ser rústicos.
v) Ficou demonstrado nos autos que o prédio objeto de preferência é “composto por “terra de semeadura, mato, oliveiras, sobreiros, dependência agrícola, pinhal, eucaliptal e leito de curso de água”, com uma área total de 974760 m2” - (ponto 18.º dos factos provados).
w) Também ficou provado que o terreno do autor é “composto por “cultura arvense, oliveiras, vinha, macieiras e dependência agrícola”, com a área total de 17400m2” – (ponto 1.º dos factos provados)
x) Nenhum destes pontos dos factos provados foi sequer colocado em crise por parte da Recorrente nas suas alegações de recurso, nem tão pouco a Recorrente requereu a sua supressão e/ou alteração nos factos dados como provados, pelo que os mesmos se encontram assentes.
y) Destes factos resulta, não só que ambos os terrenos são rústicos (o que foi também reconhecido pelo Administrador de Insolvência e Representante da Ré Massa Insolvente [ver nota de rodapé 4 da sentença, sendo que a identidade é tal que este Administrador nem conseguia distinguir os limites e um terreno e do outro]), como que ambos têm identidade de culturas pelo menos no que diz respeito à cultura arvense no geral e oliveiras em concreto.
z) Existe identidade pelo menos parcial de culturas, sendo ambos os prédios predominantemente de regadio, como menciona e bem a sentença recorrida.
aa) Por outro lado, o Recorrido alegou, no artigo 6.º da Petição Inicial, a existência de cultura no terreno (ainda que se entenda que não tinha sequer que o fazer, bastando a alegação [e prova, que foi feita] de que o terreno é rústico), como se vê nesse mesmo artigo, onde é mencionado que “O Autor é legítimo proprietário do prédio rústico (…) composto por “cultura arvense, oliveiras, vinha, macieiras e dependência agrícola” (…)
bb) Já na audiência de julgamento, como se disse supra, foi produzida prova quanto à composição do terreno e quanto ao fim que lhe é dado pelo Autor: plantação de oliveiras.
cc) Pelo que também este argumento invocado pela Recorrente, ainda que estivesse correto – o que não se concede e apenas se vislumbra por cautela de patrocínio, porquanto as partes não têm que sequer alegar e provar uma eventual identidade de culturas, antes tendo somente que provar que os terrenos são rústicos – terá que improceder na sua totalidade.
dd) Menciona ainda a Recorrente que, a poder exercer a preferência, o Recorrido apenas poderia fazer pelo conjunto dos imóveis vendidos, o que não fez, tal como não procedeu à totalidade do depósito do preço.
ee) Relativamente a este ponto, importa ter presente que o Exmo. Senhor Administrador de Insolvência decidiu vender os imóveis em lotes e que não foi produzida qualquer prova nos presentes autos (designadamente pericial) no sentido de que só nestes termos poderia ser levada a cabo a venda do imóvel objeto de preferência.
ff) A decisão do Administrador de Insolvência não implica qualquer alteração no direito de preferência que o Autor e todos os outros comproprietários tinham em relação ao imóvel em causa nos presentes autos.
gg) Não é porque o Senhor Administrador de Insolvência entende que é muito difícil vender os imóveis em separado, e coloca-os à venda em lote, que o direito de preferência do Recorrido – ou de qualquer outra pessoa que legalmente o tenha - fica limitado ou coartado.
hh) O direito de preferência é um direito previsto na lei, protegido pela mesma, e não é uma mera decisão de um Administrador de Insolvência que o pode suprimir.
ii) Leia-se o aposto no Acórdão do STJ datado de 03.10.2017, disponível em www.dgsi.pt, quanto ao facto de decorrer do artigo 165.º do CIRE que aos titulares do direito de preferência, no âmbito de uma venda em processo de insolvência, é aplicável o exercício dos respetivos direitos na venda em processo executivo.
jj) Conforme resulta do mencionado acórdão, tendo a venda do imóvel sido ensaiada judicialmente, porque iniciada em sede de processo de insolvência pelo AI, através de propostas em carta fechada, deveriam ter sido efetuadas as notificações enunciadas no artigo 819.º do CPC e, consequentemente, o Autor ter sido notificado para exercer a preferência. – isto independentemente de a venda ser ou não efetuada em lote.
kk) Essa notificação não foi efetuada, como o próprio representante da aqui Recorrente reconheceu, antes tendo sido o Autor quem, tendo tomado conhecimento da venda por outros meios, se dirigiu ao Administrador de Insolvência e o informou de que pretendia exercer a preferência,
ll) O que foi ignorado por aquele para, nas suas palavras, “não provocar um efeito dominó”.
mm) Ou seja, mesmo após o Autor, por iniciativa própria, ter contactado o Administrador de Insolvência para informar que pretendia exercer a preferência, este último fez tábua rasa dessa declaração e vendeu o imóvel à Ré Buildon, à revelia do Autor.
nn) Ainda que correspondesse à verdade o que a Recorrente invoca, de que a compra teria que ser efetuada ao Lote composto por 7 verbas, a verdade é que o Administrador de Insolvência nem sequer se deu ao trabalho de dar essa informação ao Recorrido, pelo que também não pode vir afirmar que, a existir essa obrigação (o que não se concede e apenas se vislumbra por cautela de patrocínio), o Recorrido a terá preterido intencionalmente. – já que a venda foi efetuada à sua revelia e sem lhe ter sido comunicado tal facto.
oo) A verdade é que a Recorrente não produziu qualquer prova no sentido de que o poder de exercer a preferência apenas poderia ser exercido em conjunto para todos os imóveis vendidos.
pp) Ainda neste âmbito, a Recorrente invoca que, tendo o prédio em causa sido vendido num lote composto por 7 verbas, e tendo sido adjudicado á Recorrente pelo valor global de € 201.015,00, o Recorrido sempre teria que proceder ao depósito do preço nos presentes autos por essa quantia.
qq) Menciona a Recorrente que, tendo o Recorrido depositado o valor de €197.101,17 (que aliás corresponde ao valor do prédio em causa nestes autos), não se encontra verificado o requisito do depósito do preço, pelo que a ação não poderá proceder.
rr) Ora, para além de não ser verdade o que a Recorrente invoca, a verdade é que o Tribunal a quo pronunciou-se sobre esta questão no despacho saneador, proferido em 24.10.2018, que foi notificado às partes logo em sede de audiência prévia.
ss) Nessa altura, decidiu o Tribunal a quo que o Autor não tinha que depositar as quantias relativas aos outros prédios, e julgou improcedente essa alegação.
tt) A Recorrente não reagiu a esta decisão que, relembre-se, reporta a 24.10.2018.
uu) Pelo que, salvo o devido respeito, ficou integralmente preterida a hipótese de, agora, volvidos quase 3 (três) anos, vir recorrer sobre esta matéria e utilizá-la para obter a anulação da sentença.
vv) Para além do mais, menciona e bem o Tribunal a quo na douta Sentença recorrida que o depósito do preço se destina a prevenir o perigo de desistência do Autor na aquisição do imóvel objeto de preferência, sendo que para esse efeito preventivo basta o depósito do preço declarado.
ww) Resulta dos factos dados como provados que o direito de propriedade sobre o prédio em causa nestes autos foi transmitido pela 1.ª Ré (aqui Recorrente) à 2.ª pelo preço de € 197.095,21 (cfr. ponto 20 dos factos provados),
xx) Também resulta dos factos dados como provados que em 02.02.2017 o Autor procedeu ao depósito à ordem dos autos da quantia de € 197.101,17 (cfr. ponto 26 dos factos provados), quantia até superior ao valor de aquisição do prédio,
yy) Pelo que, ainda que se admitisse que viesse agora a ser alterada a decisão relativa ao depósito do preço proferida pelo Tribunal a quo em 2018, o que não se concede e apenas se vislumbra por cautela de patrocínio, sempre teria que se acompanhar o entendimento daquele Tribunal,
zz) Resultando evidente que o depósito do preço levado a cabo pelo Autor, aqui Recorrido, cumpre o desígnio de proteger o vendedor quanto a eventuais desistências ou impossibilidade futura de o preferente não conseguir realizar a compra.
aaa) Pelo que não poderá ser dada razão à Recorrente nesta matéria e, em bom rigor, não deverá a mesma ser sequer apreciada, tendo em conta que a mesma preteriu o prazo para eventuais reações à decisão do Tribunal que julgou válido e suficiente o depósito do preço efetuado pelo Autor.
bbb) Por fim, quanto à invocação de que não deve a Recorrente ser condenada em litigância de má-fé, também deverá a mesma improceder por completo pelos seguintes motivos:
ccc) Os presentes autos foram marcados por uma série de estratégias e manobras processuais, por parte da Ré Buildon, que em nada dignificam a justiça, o direito e todos aqueles que a prosseguem e procuram.
ddd) A Ré e aqui Recorrente, “B, acabou por ser arrastada para esse “imbróglio” pela Ré C, e ativamente agiu enquanto parceira da mesma no decorrer do processo, não só nunca se tendo oposto à sua atuação processual, como por diversas vezes até a acompanhando.
eee) O facto de a razão acompanhar a pretensão do Autor, ora Recorrido, é de conhecimento geral neste processo desde cedo, em concreto desde a primeira audiência de julgamento, ocorrida em 10.10.2019, data em que o Exmo. Senhor Administrador de Insolvência e Representante da aqui Recorrente B confessou, expressamente, não ter notificado Autor/Recorrido – nem qualquer outro preferente - para exercer a preferência sobre o prédio em causa nestes autos. – veja-se nota de rodapé n.º 4 da douta sentença recorrida.
fff) Ficou evidente que o imóvel em causa nestes autos tinha destino desde cedo, sendo certo que todas as formalidades que o Exmo. Senhor Administrador de Insolvência entendeu que podiam ser ultrapassadas para encurtar o caminho, foram-no.
ggg) Houve, e ainda há, um evidente esforço conjunto do Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, representante da aqui Recorrente, e a Ré Buildon, para que o imóvel passasse para a esfera desta última e lá permanecesse.
hhh) Esse esforço conjunto é gritante, não só pelas regras e normas que foram ultrapassadas e ignoradas, como pelo facto de, já em sede da presente ação, ambas as RR. serem representadas pelos mesmos Mandatários, apresentarem Contestações praticamente iguais e adotarem exatamente a mesma estratégia processual.
iii) Quanto ao Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, a quem devia somente interessar a liquidação da Massa Insolvente, sem particular interesse sobre quem ficava com o quê, desde que o preço fosse pago, verificou-se um estranha vontade e determinação em que o imóvel se mantivesse na esfera jurídica da Ré C.
jjj) Quanto à Ré  C, que deveria saber quando dar uma causa como perdida, por de facto não lhe assistir qualquer razão, verificou-se uma persistência quase doentia em levar a sua vontade avante, de forma absolutamente inconsequente e sob o lema “custe o que custar”.
kkk) O que a aqui Recorrida acompanhou e até apoiou.
lll) A verdade é que uma ação que podia ter corrido de forma simples e rápida, prolonga-se desde 2017, graças às persistentes manobras de diversão empregadas pela Ré C, e acompanhadas (nuns casos ativamente, noutros tacitamente) pela ora Recorrente.
mmm) O Tribunal a quo justifica e bem o motivo pelo qual decidiu condenar a Recorrente em litigância de má-fé.
nnn) O Administrador de Insolvência, em sede de declarações em audiência de julgamento, não só reconheceu que não deu a devida preferência ao Autor, como reconheceu que o prédio do Autor também era rústico, e que confinava com o imóvel em causa nestes autos – ou seja, reconheceu estarem reunidos todos os pressupostos para a preferência.
ooo) Ainda assim, decidiu contestar a presente ação invocando argumentos que bem sabia não corresponderem à verdade (contestou, por exemplo, o facto de os terrenos serem confinantes), pelo que é aplicável a al. a) do artigo 542.º do C.P.C.,
ppp) Tendo o Tribunal a quo andando bem ao decidir condenar a Recorrente em litigância de má-fé, tal como andou bem ao decidir o valor de multa de 10 UC’s, tendo em conta tudo o que foi explanado e tudo o que ocorreu na presente ação.
qqq) Nestes termos, a Recorrente não aponta qualquer fundamento que permita ao Tribunal ad quem revogar a sentença recorrida, devendo a mesma, por isso, ser inteiramente confirmada, negando-se provimento ao recurso.
2- Quanto à 2.ª R.:
a) Os presentes autos têm vindo a ser marcados por uma série de estratégias e manobras processuais, por parte da Ré C, que em nada dignificam a justiça, o direito e todos aqueles que a prosseguem e procuram.
b) Desde a primeira audiência de julgamento, ocorrida em 10.10.2019, é de conhecimento geral que o Autor teve razão ao deduzir a presente ação, pois o Exmo. Senhor Administrador de Insolvência e Representante da Ré Massa Insolvente de B confessou, expressamente, não ter notificado Autor/Recorrido – nem qualquer outro preferente - para exercer a preferência sobre o prédio em causa nestes autos.
c) A presente ação podia ter corrido de forma simples e rápida, mas ao invés prolonga-se desde 2017, graças às persistentes manobras de diversão empregadas pela Ré C, que vão desde Recursos sucessivos de decisões proferidas pelo Tribunal de forma perfeitamente enquadrada e justificada na Lei, a protestos em ata e outras tantas manobras que, aliás, se encontram evidenciadas na douta Sentença.
d) A mais recente é precisamente a invocação de nulidade do julgamento, o qual foi pautado pela turbulência que a Recorrente antecipadamente pretendia, quiçá por saber que não lhe assiste qualquer razão na presente demanda e necessitar de encontrar fundamentos para recorrer da decisão que já sabia que não lhe iria ser favorável.
e) Para fundamentar esta “nulidade do julgamento” a que ora se responde, a Ré C invoca os seguintes três pontos: a) que o Meritísimo Juiz terá sido agressivo para com a Exma. Mandatária da Ré; b) que o Meritíssimo Juiz terá sido agressivo para com o Representante Legal da Ré; c) que o Meritíssimo Juiz quase obrigou a testemunha António ...... a não prestar depoimento.
f) Não corresponde à verdade que o Meritíssimo Juiz tenha obrigado a testemunha António ...... a não prestar depoimento.
g) Sendo a mencionada testemunha filho do Autor, o Meritíssimo Juiz limitou-se a explicar-lhe o conteúdo da norma decorrente do artigo 497.º do C.P.C., como se pode inferir da audição da gravação do julgamento.
h) A testemunha não ficou logo esclarecida quanto ao facto de ter a opção de escolher entre depor ou não, pelo que o Tribunal lhe explicou tal prerrogativa, de forma paciente, elucidativa, em linguagem simples e corrente, mas sempre de acordo com as boas práticas e com o estipulado no C.P.C.
i) O Tribunal a quo não fez mais, nem menos do que a sua obrigação, sendo que esta alegação da Recorrente mais uma vez evidencia o desespero que a mesma tem em obter ganho de causa, a todo o custo.
j) Se assim não fosse, a Ré C teria arguido esta alegada nulidade do julgamento durante a própria audiência de julgamento, como o deveria ter feito, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 199.º do C.P.C.
k) A Ré não arguiu essa suposta nulidade, nem no julgamento nem posteriormente, só o vindo fazer agora em sede de recurso.
l) O mesmo se diz relativamente aos outros dois fundamentos que a Recorrente invoca para essa mesma arguição: a alegada agressividade o juiz para com a Ilustre Mandatária e para com o Representante Legal da Ré.
m) A Recorrente, verificando a existência de uma alegada nulidade (que, sublinha-se, nem sequer existiu) durante a audiência de julgamento, deveria ter feito essa arguição de imediato, ou, no limite (e crê-se que ainda assim já de forma intempestiva), nos 10 dias seguintes à audiência, que terá sido quando alegadamente se verificou o ato nulo.
n) Não é agora, em sede de Recurso, e somente – mais uma vez – porque a decisão proferida lhe é desfavorável, que deve a Recorrente fazer esta arguição e o Tribunal atender ou sequer apreciar a mesma.
o) Não é verdade que o Meritíssimo Juiz tenha sido agressivo para com a Mandatária e o Representante Legal da Recorrente, e muito menos que tenha rejeitado os documentos apresentados em sede de audiência sem fundamento para o efeito.
p) Não só a Recorrente tentou apresentar documentos em sede de audiência, de forma absolutamente intempestiva, como os documentos que pretendia juntar eram irrelevantes e não tinham qualquer interesse para a discussão da causa.
q) Este indeferimento ficou bem justificado e fundamentado no Despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz em sede de audiência (cfr. ata da audiência de 10.12.2020), que se sustentou apenas e somente com o que vem determinado na Lei.
r) A Recorrente adotou uma estratégia de fazer requerimentos e pedidos que bem sabia não estarem de acordo com o estipulado na lei processual civil, para, de seguida, e perante o indeferimento fundamentado do Tribunal, perturbar de forma sistemática e continuada o prosseguimento das audiências de julgamento.
s) Por outro lado, o respeito pelo Tribunal e pelo Meritíssimo Juiz ficou muitas vezes áquem daquilo que seria desejável, motivo pelo qual o mesmo teve, por vezes, que impor a sua autoridade.
t) Não é verdade que tenha existido uma hostilidade, por parte do Meritíssimo Juiz, dirigida à Mandatária da Recorrente, ao seu Representante Legal e às suas testemunhas, até porque, se ouvidas as sessões de julgamento, facilmente se conclui estar em causa um Juiz profundamente objetivo, focado nos temas e no objeto do litígio e que, por isso, dava pouca margem a qualquer uma das partes – fosse qual fosse – de extravasar para além disso.
u) A única diferença entre Recorrente e Recorrida é que a Recorrida não extravasou – e quando o fez, acatou os reparos do Tribunal –, e a Recorrente extravasou, e muito.
v) O único motivo pelo qual o Tribunal interveio na inquirição de testemunhas por parte da Mandatária da Recorrente foi precisamente o facto de a mesma ter extravasado as suas inquirições, o que, no caso da testemunha José António ......, causou a sua exaltação e o consequente distúrbio da audiência.
w) Precisamente para precaver situações em que a exaltação de partes, mandatários ou testemunhas perturbem o andamento normal da audiência, existe o artigo 516.º do C.P.C.
x) O Juiz deve avocar para si o interrogatório quando tal se mostrar necessário a assegurar a tranquilidade da testemunha ou pôr termo a instâncias inconvenientes, o que foi o que sucedeu.
y) Esta determinação do Meritíssimo Juiz não constitui qualquer nulidade, antes fazendo parte do poder-dever daquele de prover pelo bom andamento da audiência.
z) Não pode proceder ou ser considerada qualquer arguição de nulidade do julgamento, inexistindo qualquer fundamento – de facto e de direito – para tal, e estando essa arguição a ser feita de forma absolutamente intempestiva.
aa) Contudo, não pode deixar de se questionar: se o “comportamento” alegadamente imparcial do Mmo. Juiz se verificou logo no decorrer da primeira sessão de julgamento, porque motivo a Recorrente não lançou mão da figura da suspeição prevista no artigo 120.º do C.P.C.?
bb) Deve improceder na totalidade a invocação de nulidade de julgamento, por a mesma ser intempestiva e por não existir qualquer nulidade.
cc) Quanto à reapreciação da matéria de facto dada como provada, pretende a Recorrente que, relativamente aos pontos da matéria dada como provada sob os números 3, 4, 5, 6, 10, 11 e 12, sejam aditadas as datas em que as declarações de renúncia foram feitas.
dd) Esta alteração é absolutamente irrelevante e desnecessária, tendo em conta que o Tribunal a quo, em cada um dos pontos dados como provados, faz a devida remissão para os documentos em causa e os termos dos mesmos.
ee) O Tribunal a quo, em vez de reproduzir na Sentença o conteúdo de todas as declarações de renúncia, remete para os documentos juntos aos autos e dá como provado o conteúdo desses documentos, onde naturalmente se inclui a data constante em cada um.
ff) Se no conteúdo do documento consta expressa a data, ao dar o documento como provado o Tribunal a quo está também a dar como provada essa mesma data.
gg) Motivo pelo qual é esta alteração, ou “aditamento” requerido pela Recorrente perfeitamente desnecessário e inútil, devendo por isso ser indeferida pelo Digníssimo Tribunal ad quem.
hh) A Recorrente requer também seja o ponto 19 da matéria de facto alterado, por se encontrar incorreto ou inexato, o que mais uma vez constitui um exercício desnecessário e inútil.
ii) O Tribunal a quo como provado no ponto 1 da matéria de facto provada que o Autor é comproprietário do prédio em causa nestes autos, pelo que
jj) Em momento algum é omitido na douta Sentença o facto de o Autor ser comproprietário do prédio que confina com o prédio objeto de preferência.
kk) O facto de o ponto 19 dos factos dados como provados referir que “o prédio referido em 18.º confina a poente com o prédio do Autor” não constitui qualquer inexatidão, porquanto o facto de o Autor ser comproprietário do prédio não lhe retira o estatuto de proprietário.
ll) O Autor é simultaneamente comproprietário e proprietário do prédio, não existindo qualquer contradição entre um estatuto e outro, desde logo porque os mesmos se cumulam (aliás, basta ver a definição de compropriedade decorrente do Código Civil, no artigo 1403.º).
mm) Um comproprietário é alguém que tem propriedade sobre uma coisa conjuntamente com uma ou mais pessoas. Daí que um comproprietário seja, de facto e de direito, proprietário de algo (ou, como o artigo refere, titular do direito de propriedade sobre alguma coisa).
nn) Pelo que deve a alteração requerida pela Recorrente no ponto B2) do Recurso ser indeferida, mantendo-se o ponto 19 dos factos dados como provados tal e qual como redigido pelo Tribunal a quo na sentença recorrida.
oo) O pedido de alteração da redação do facto 21 dos factos provados também não faz qualquer sentido, pois os editais do jornal público não tinham nada a ver com o direito de preferência, sendo meros editais de venda no âmbito do processo de insolvência da B. (cfr. Doc. 9 junto com a contestação)
pp) A publicação de um edital de Venda por negociação particular é algo completamente distinto da notificação ou sequer publicação de edital para efeitos do exercício do direito de preferência.
qq) O próprio Administrador de Insolvência e Representante da Ré Massa Insolvente de B reconheceu, em sede de audiência de julgamento que não deu a preferência aos confinantes (depoimento do Representante da Ré Massa Insolvente de B, na sessão de julgamento de 10.10.2019, ao min. 08:27).
rr) Pelo que o Tribunal a quo andou bem na redação do ponto 21 da matéria de facto dada como provada, já que o Autor nunca foi notificado por qualquer meio para exercer o direito de preferência, nem tão pouco foi publicado qualquer edital com esse desígnio.
ss) Quanto ao ponto 22 dos factos provados, pretende a Ré que o mesmo seja alterado para passar a conter uma outra redação, pejada de factos que não foram sequer alegados.
tt) Não tem qualquer relevância, nos presentes autos, que conste nos factos dados como provados o motivo pelo qual o Exmo. Senhor Administrador de Insolvência decidiu vender os imóveis em lotes.
uu) A decisão do administrador de insolvência não implica qualquer alteração no direito de preferência que o Autor e todos os outros comproprietários tinham em relação ao imóvel em causa nos presentes autos.
vv) Ainda que fizesse algum sentido a inclusão do texto que a Recorrente pretende nos factos provados – o que não se concede e apenas se vislumbra por cautela de patrocínio – sempre teria que o ser através de um aditamento, e não mediante a alteração ao ponto 22 e inclusão desta outra factualidade no mesmo.
ww) A intenção da Recorrente não é passível de receber provimento, pois que se assim fosse, o ponto 22 dos factos dados provados deixaria de corresponder a um facto, para passar a corresponder a uma panóplia de factos (na sua maioria absolutamente irrelevantes, sempre se diga).
xx) Pelo que deve improceder a pretensão da Recorrente e, pelo contrário, revalidar o douto Tribunal ad quem que andou bem o Tribunal a quo na redação do ponto 22 dos factos provados.
yy) Pretende a Recorrente que seja aditado aos factos provados o seguinte: “Foram publicados editais em 2.7.2016 relativamente à venda de bens de insolvente no Jornal Público”.
zz) Este aditamento não tem qualquer relevância para o caso dos presentes autos, pois conforme se referiu supra, os alegados editais publicados em 02.07.2016 no Jornal Público dizem respeito à “VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR por OBTENÇÃO DE PROPOSTAS EM CARTA FECHADA (…)”., tendo aliás esse mesmo título, e não à notificação para exercício de direito de preferência.
aaa) Não se vislumbra por que motivo convirá para a boa decisão da causa ficar identificado como facto provado o facto de o Exmo. Senhor Administrador de Insolvência ter publicado editais para efeitos de venda dos bens da Insolvente, pelo que não deverá ser aditado o trecho indicado pela Recorrente aos factos dados como provados transcrito supra, por absoluta irrelevância do mesmo para a boa decisão da causa.
bbb) A Recorrente também pretende que se adite à matéria de facto que: “Os imóveis foram vendidos em lotes porque era difícil vender os outros sem o prédio objeto de preferência não sendo possível a qualquer proponente comprar apenas uma verba dos referidos lotes"
ccc) Também este “facto” não é relevante para os presentes autos.
ddd) Acresce que o facto de ser difícil vender os outros imóveis sem o prédio objeto de preferência não determina nem limita o direito legal do Autor, aqui Recorrido, ou de qualquer outro proprietário de prédio confinante de exercer a preferência sobre o prédio em causa.
eee) Não é, nem nunca poderá ser, a decisão de um Administrador de Insolvência, que determina a possibilidade ou não de qualquer preferente legal exercer o direito que lhe é conferido pela Lei civil.
fff) Não foi produzida qualquer prova (pericial, por exemplo) que permitisse ao douto Tribunal dar como provado que “era difícil vender os outros” ou que “não era possível a qualquer proponente comprar apenas uma verba”.
ggg) Pelo que também este aditamento deverá ser recusado pelo Tribunal ad quem, o que se requer.
hhh) Pretende ainda a Recorrente que conste na matéria de facto dada como provada que: “A Ré C no mesmo ato com a aquisição do prédio objeto da preferência adquiriu os artigos 3,4,5,6,8,10 e 14 todos da seção D, confinantes com o prédio objeto de preferência (artigo 2 seção B10 e B 11)”
iii) Pelos mesmos motivos aduzidos supra, não existe qualquer motivo para o aditamento deste ponto à matéria de facto dada como provada,
jjj) Não sendo relevante o facto de a Ré C ter adquirido os demais prédios confinantes com o prédio objeto de preferência, por isso não ter qualquer implicação no direito pré-existente do Autor (e demais comproprietários e confinantes), não coartar nem limitar essa sua prerrogativa legal.
kkk) Quanto aos alegados factos provados do articulado superveniente e relevantes para a boa decisão da causa, vem a Recorrente indicar um conjunto de factos invocados no articulado superveniente que considera terem ficado provados, tendo em conta a prova produzida em sede de audiência de julgamento.
lll) Essa alegada “prova produzida” na realidade não vem provar nada, a não ser o conluio que envolveu ambas as Rés, e ainda as testemunhas que, entretanto, e decorrido mais de um ano desde a data em que assinaram as declarações de renúncia, vieram a estes autos afirmar que as assinaturas constantes nas declarações de renúncia não tinham sido feitas por si e tinham, ao invés, sido falsificadas pelo Autor e outros.
mmm) Essa conspiração ficou patente na audiência de julgamento, tendo a Testemunha Patrícia ...... acabado por “se descair” quanto ao teor da sua relação com o Representante Legal da Ré, que vai para além de uma normal relação parte-testemunha, naquilo que foi um verdadeiro tiro no pé para a Ré C (Cfr. Depoimento da testemunha Patrícia ......, gravado na audiência de 10.12.2020, ao min. 12:20, transcrito supra, cujo teor acabou por ser contraditado pelo depoimento da sua filha, Vanessa ......, prestado no mesmo dia 10.12.2020 ao min. 11:36).
nnn) Bem se entende que o douto Tribunal não tenha atendido ao que foi dito pelo Representante Legal da Ré C e das testemunhas apresentadas por esta, nem tenha considerado provado qualquer facto tendo em conta os seus depoimentos.
ooo) Todos os depoimentos que a Recorrente indica como prova foram feitos por alguém que tinha interesse na causa: - o Representante Legal da Ré tinha e tem interesse em ficar com o imóvel; - a testemunha Paulo Pedro ...... tem uma relação de amizade e de sócio com o Representante Legal da Ré, de tal ordem que, a seu pedido, “engendrou” uma reunião com o filho do Autor para tentar convencê-lo a convencer o pai (Autor) a desistir da presente ação; - e as testemunhas Patrícia ...... e Vanessa ...... “beneficiaram” do apoio jurídico do escritório de mandatários da Recorrente para apresentarem uma queixa-crime relativamente a uma questão que, até ter sido levantada pela Recorrente nestes autos, nunca lhes tinha causado qualquer mossa.
ppp) Conforme decorre do artigo 396.º do Código Civil, a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciado livremente pelo Tribunal – princípio da livre apreciação da prova -, sendo perfeitamente legítimo, face aos depoimentos das testemunhas e Representante Legal da Ré, que o Mmo. Juiz não tenha dado como provados os factos que a Ré/Recorrente pretende que o sejam.
qqq) A douta Sentença fundamenta e bem o motivo pelo qual o Tribunal não julgou provados os factos invocados no articulado superveniente.
rrr) O Tribunal a quo justifica e bem o motivo pelo qual não considerou as testemunhas apresentadas pela Recorrente credíveis, o que motivou o facto de não ter dado como provados quaisquer factos invocados no articulado superveniente.
sss) O único depoimento julgado credível pelo Tribunal a quo foi o da testemunha José António ...... (testemunha conjunta da Ré C e do Autor), sendo que do mesmo resultou evidente que este não tinha qualquer interesse na compra do prédio, dedicando-se inteiramente ao seu negócio.
ttt) Quanto ao artigo 3.º do articulado superveniente que a Recorrente pretende que seja dado como provado, refira-se que não pode ser dado como provado um facto baseado em “ouvir dizer” e assumidamente resultante de “conversas de terceiros”, que não são identificados, nem é tão pouco descrito o conteúdo e o motivo dessas alegadas conversas.
uuu) Não pode a Recorrente querer que algo baseado em “diz que disse” seja suficiente para que o Tribunal julgue como provado que “quem estava verdadeiramente a exercer a preferência do imóvel adquirido (…) não era o A. identificado nos presentes autos, mas sim o Sr. José António ......”.
vvv) Quanto muito poderia ser dado provado que era ou passou a ser convicção do Representante Legal da Ré que quem exercia a preferência era o Sr. José António ......, o que é bem diferente de dar como provado e assumir que, porque o Representante Legal da Ré “ouviu dizer” através de terceiros, aquele é um facto assente.
www) O facto de se tratar de uma convicção pessoal do Representante Legal da Recorrente e não um facto resulta do depoimento do Sr. Telmo ...... na audiência de discussão e julgamento de 19.11.2020, ao min 1:43 e ao min 3:09, nos quais o mesmo diz expressamente que a tirou a sua conclusão na sequência de ter ouvido falar rumores em conversas de café (utilizou estas expressões e tudo)
xxx) Assim, o conteúdo do depoimento do Representante legal da Ré não serve, de modo algum, para que um facto como o alegado possa ser dado como provado.
yyy) O mesmo Representante Legal também afirmou que conversou diretamente com o Senhor José António ...... e que este nunca lhe disse ser o “verdadeiro preferente” do imóvel em causa – Cfr. Depoimento do Sr. Telmo ...... na audiência de discussão e julgamento de 19.11.2020, ao min 5:56, bem como ao minuto 7:40, tudo como supra reproduzido.
zzz) O Representante Legal da Recorrente deixou bem evidente que o que sustenta a posição adotada por aquela parte na presente ação é uma conclusão, e não algo que lhe tenha sido dito nem pelo Autor, nem pelo Senhor José António ......, nem por quem quer que seja!
aaaa) Por sua vez, a testemunha José António ...... descreveu de forma credível que foi contactado pelo Senhor Telmo ......, que inclusive foi ao seu escritório para conversar sobre o terreno objeto dos presentes autos, ao que este lhe respondeu taxativamente que não tinha nada a ver com o assunto (- cfr. Depoimento da testemunha José António ...... na audiência de 10.12.2020, ao min 4:30, transcrito supra);
bbbb) Nenhum dos outros depoimentos das testemunhas Paulo Pedro ......, Patrícia ...... e Vanessa ...... contém qualquer afirmação credível que permita ao Tribunal a quo ou a qualquer outro Tribunal concluir nos termos em que a Recorrente pretende.
cccc) A testemunha Patrícia ...... em momento algum afirmou que alguma vez lhe foi dito, por quem quer que seja, que era o Senhor José António ...... quem pretendia adquirir o terreno.
dddd) O mesmo se diga relativamente à testemunha Vanessa ......, que descreveu o encontro com o primo, António Luís ......, e o Senhor José António ...... ao minuto 10:24 do depoimento que prestou na sessão de julgamento de 10.12.2020 e que se encontra reproduzido supra.
eeee) O que as testemunhas revelam depois ser a sua convicção pessoal, não faz de algo um facto.
ffff) Do mencionado pela testemunha Vanessa ...... em sede de depoimento, obviamente não se pode retirar o que a Recorrente pretende, e muito menos dar como provado que “quem estava verdadeiramente a exercer a preferência do imóvel adquirido pela sociedade C, S.A. não era o A. Identificado nos presentes autos mas sim o Sr. José António ......”.
gggg) Pelo contrário, pois quem foi falar com esta testemunha foi o seu primo e filho do Autor, António Luís ......, enquanto que o Senhor José António ...... aguardava no carro, precisamente por estar apenas a acompanhar o também seu primo António Luís ...... e não ter qualquer interesse direto no teor da conversa.
hhhh) Assim, inexistem fundamentos para que seja dado como provado o artigo 3.º do articulado superveniente, devendo a Sentença recorrida manter-se inalterada.
iiii) Quanto ao artigo 4.º do articulado superveniente: “Sabendo que um amigo seu de nome Paulo Pedro ......, era pessoa das relações do filho do A solicitou ao mesmo que agendasse uma reunião com o mesmo no sentido de saber a veracidade do rumor que circulava e tentar chegar a um acordo quanto ao imóvel em litígio nos presentes autos”, que a Recorrente pretende ver alterado,
jjjj) Pelos mesmos motivos expostos supra, andou bem o Tribunal a quo ao não dar como provado este facto, inexistindo qualquer fundamento para que a sentença seja alterada para inclusão do mesmo na matéria provada.
kkkk) O mesmo se diga quanto ao artigo 5.º do articulado superveniente: “No passado dia 29 de abril o referido Paulo Pedro ...... reuniu com o filho do A, de seu nome António Luís ......”.
llll) Pretende a Recorrente que o mesmo seja dado como provado somente tendo em conta o depoimento da testemunha Paulo Pedro ......, que o douto Tribunal a quo entendeu e bem não ser uma testemunha credível, por ter resultado evidente, em sede de audiência de julgamento, o conluio que levou a cabo junto com o Representante Legal da Recorrente para diligenciarem no sentido de obterem “provas” para usar nestes autos.
mmmm) Trata-se de um facto absolutamente irrelevante e sem qualquer interesse para estes autos.
nnnn) O facto de a testemunha Paulo Pedro ...... ter alegadamente enviado uma mensagem ao Telmo ...... com o número de telemóvel do Sr. António Luís ......, não é demonstrativo nem permite dar como provado que entre eles tenha havido qualquer reunião, nem tão pouco o dia em que essa alegada reunião terá ocorrido;
oooo) Essa mensagem foi enviada após uma combinação entre o Sr. Telmo ...... e o Sr. Paulo Pedro ......, tanto mais que ambos fizeram “printscreen” à mesma na data do seu envio.
pppp) Não foi apresentada qualquer outra testemunha (credível) que pudesse confirmar este alegado facto, nem foi apresentado qualquer outra prova que aponte nesse sentido.
qqqq) Quanto ao artigo 6.º do articulado superveniente, que a Recorrente pretende ver como provado, não foi produzida qualquer prova que permita concluir que o descrito nesse artigo corresponde, de facto, à verdade.
rrrr) À Recorrente cabia provar este suposto facto sem margem para dúvidas, tendo ela o ónus da prova a que não conseguiu dar cumprimento, sendo impossível ao douto Tribunal ou a qualquer outra pessoa concluir, de forma cabal, que esta é a verdade.
ssss) A Recorrente limita-se a remeter para o depoimento da testemunha Paulo Pedro ...... que, mais uma vez, não se mostrou uma testemunha isenta e credível.
tttt) Por outro lado, não foi produzida qualquer outra prova que permita acompanhar este entendimento, pelo que, salvo o devido respeito por opinião diversa, não tem o Tribunal ad quem qualquer base de sustentação para dar este facto como provado.
uuuu) Quanto ao artigo 9.º do articulado superveniente, que a Recorrente pretende que seja dado como provado, mais uma vez este alegado facto resulta somente do que foi dito pelo Representante Legal da Ré e aqui Recorrente em sede de julgamento.
vvvv) Não foi produzida qualquer outra prova que permita dar como assente este suposto facto e, por outro lado, o depoimento do Senhor Telmo ...... não ofereceu credibilidade suficiente para que o douto Tribunal a quo conseguisse ultrapassar o facto de estar em causa o depoimento de uma parte, com manifesto interesse na resolução da causa a seu favor.
wwww) Pelo que não se vislumbra qualquer fundamento para que seja alterada a douta Sentença recorrida no sentido da inclusão do mesmo nos factos dados como provados.
xxxx) Relativamente ao artigo 11.º do articulado superveniente que a Recorrente pretende que seja dado como provado, pelos mesmo motivos aduzidos supra, que se escusam de repetir, inexiste qualquer fundamento para que este alegado facto seja aditado aos factos dados como provados, não merecendo o Tribunal a quo qualquer reparo pela não inclusão do mesmo na douta Sentença recorrida.
yyyy) A Recorrente invoca que este alegado facto deve ser dado como provado tendo em conta o teor das declarações do Senhor Telmo ......, Representante Legal da Ré, da Senhora Vanessa ......, da Senhora Patrícia ...... e do próprio José António......, nomeadamente o facto de o mesmo ter emprestado ao Autor e família o valor correspondente ao preço do depósito feito nos presentes autos.
zzzz) Esse empréstimo foi devidamente abordado pela testemunha José António ......, que num depoimento dotado de credibilidade (cfr. Depoimento retirado da gravação da audiência de julgamento datada de 10.12.2020, ao min 5:14 – transcrito supra)
aaaaa) Os depoimentos das demais testemunhas que a Recorrente indica não oferecem qualquer credibilidade, pelos vários interesses e relações que, entretanto, e em sede de audiência de julgamento, se veio a concluir existir entre parte e testemunhas: - Um (Paulo Pedro ......) é amigo pessoal e sócio do Representante Legal da Ré; - E as outras (Patrícia ...... e Vanessa ......) são pessoas que subitamente passaram de não ter interesse em nada que tivesse a ver com o terreno em causa nestes autos, para afinal socorrerem-se do escritório de Mandatários da Ré C para apresentar uma queixa-crime contra o Autor e outros por alegada falsificação da sua assinatura nas declarações de renúncia à preferência que de facto assinaram. Tudo isto mais de um ano após terem assinado as declarações…
bbbbb) Relativamente ao artigo 12.º do articulado superveniente, não existe qualquer relevância na inclusão desta alegação nos factos dados como provados.
ccccc) Salvo o devido respeito, que é muito, esta intromissão na vida do Autor é injustificada, pois o mesmo tanto podia ter obtido a quantia necessária do seu próprio bolso, como poderia ter pedido um empréstimo a um banco ou pedido a um familiar que a tivesse, como acabou por ser o caso.
ddddd) Não é requisito na ação de preferência que o Autor proceda ao depósito do preço com dinheiro seu,
eeeee) Nem tão pouco é objeto de averiguação, nas ações de preferência, de onde vem dinheiro que é utilizado para o cumprimento do requisito de depósito do preço. O que interessa, sim, é que esse depósito seja efetuado, o que foi o caso dos presentes autos.
fffff) Pelo que inexiste motivo para a inclusão do artigo 12.º do articulado superveniente na matéria dada como provada, não devendo, por isso, ser a douta Sentença alterada em função daquilo que a Recorrente fantasia.
ggggg) Cabia à Ré fazer a prova dos factos que poderiam ser relevantes para a apreciação do invocado abuso de direito, uma vez que os mesmos, a existir, seriam impeditivos do direito do Autor.
hhhhh) A Recorrente não conseguiu fazer essa prova, como resulta evidente das alegações de Recurso a que ora se responde e dos escassos e, sobretudo, insuficientes argumentos ou elementos de prova que a Recorrente indica para alteração da decisão.
iiiii) Assim, deverá a douta Sentença manter-se nos exatos termos em que foi exarada, tendo o Tribunal a quo andando bem na redação do elenco da matéria de facto dada como provada, porquanto somente indicou nessa matéria os factos com interesse e relevância para a causa, aqueles que resultaram efetiva e inequivocamente provados e, ao mesmo tempo, conseguiu manter-se alheio ao festival que a Recorrente tentou fazer da presente ação.
jjjjj) Relativamente à matéria de Direito, são também vários os argumentos utilizados pela Recorrente para sustentar uma alteração da Sentença, sendo que, salvo o devido respeito, todos eles resultam de teorias e raciocínios forçados, sem qualquer sustentação jurídica e, em certos pontos, até contraditórios entre si.
kkkkk) Quanto à alegada inexistência do direito de preferência, para invocar que o Autor não é titular do direito de preferência, a Recorrente alega que o Autor não é proprietário, mas sim comproprietário do prédio confinante.
lllll) Defende a Recorrente que o Autor não pode exercer a preferência porquanto um dos requisitos para a possibilidade de exercer esse direito é o de que o preferente seja proprietário do prédio confinante com o prédio alienado, requisito esse que o Autor não preenche por ser comproprietário.
mmmmm) Conforme já se aflorou supra, o facto de o Autor ser comproprietário do prédio confinante não lhe retira a qualidade de proprietário. Na realidade, quem é proprietário nem sempre é comproprietário, mas quem é comproprietário é necessariamente proprietário.
nnnnn) Apesar da qualidade de comproprietário de “uma quota ideal de ¼” do prédio confinante, a realidade é que o Autor é titular do direito de propriedade sobre essa coisa, no caso sobre esse prédio.
ooooo) É já absolutamente pacífico na doutrina e na jurisprudência o facto de um comproprietário poder exercer o direito de preferência em duas situações: - Caso exerça esse direito conjuntamente com os outros comproprietários; ou - Caso os demais comproprietários renunciem ao direito de preferência.
ppppp) É também o que resulta do artigo 419.º do Código Civil, de onde se infere que, apesar de o direito de preferência ter de ser exercido pelos vários titulares em conjunto, a essa regra existem exceções expressamente previstas na Lei – no caso o próprio artigo 419.º prevê expressamente que o direito se pode extinguir em relação a algum dos titulares e que algum deles poderá declarar que não o quer exercer, caso em que acresce o seu direito aos restantes titulares.
qqqqq) No caso em concreto os demais comproprietários renunciaram ao direito de preferência, facto que ficou demonstrado nestes autos. O teor das declarações de renúncia foi dado como provado e a Recorrente não o contestou.
rrrrr) O conteúdo das declarações de renúncia constitui matéria assente por acordo das partes, conforme menciona e bem a douta Sentença recorrida na nota de rodapé 3, desde logo porque a Recorrente não as contestou (pelo menos não no momento processual em que o deveria ter feito).
sssss) Do acórdão do STJ datado de 26.06.2015, disponível em www.dgsi.pt, retira-se – a contrario sensu - a possibilidade de o preferente demonstrar a renúncia dos demais comproprietários, caso em que é considerado parte legítima para isoladamente exercer a preferência.
ttttt) O mesmo decorre do Acórdão do TRC, datado de 01.06.2004, também disponível em www.dgsi.pt, no sentido de que não oferece qualquer controvérsia o facto de o direito de preferência num caso como o dos presentes autos acrescer a um dos comproprietários caso os restantes renunciem ao seu direito.
uuuuu) A Recorrente bem sabe que o facto de o Autor ser comproprietário do terreno não é, por si só, fundamento para se considerar que não pode exercer a preferência e que sua a intervenção nos presentes autos é ferida de ilegitimidade ativa.
vvvvv) A Recorrente refere também que o Autor não logrou provar a cultura exercida no imóvel do qual é comproprietário, o que não corresponde à verdade, sendo que resultou de toda a prova produzida que o Autor tem no seu terreno uma cultura de oliveiras, e que pretende expandir essa cultura para o terreno objeto de preferência.
wwwww) Veja-se o teor do depoimento da testemunha José ...... relativamente a esta matéria (depoimento gravado na audiência de 10.12.2020 ao min. 2:12 da segunda gravação), assim como o depoimento da testemunha Vanessa ......, na audiência de 10.12.2020, ao min. 3:08:
xxxxx) O Autor logrou provar que ele e a sua família cultivam Oliveiras no terreno do qual são comproprietários.
yyyyy) No entanto, ainda que assim não fosse, a realidade é que a Lei não exige que exista identidade de culturas, pelo menos à data em que o direito de preferência é exercido: basta que ambos os terrenos sejam rústicos.
zzzzz) Assim sendo, o Autor não tinha que alegar nem provar qual a cultura exercida no imóvel do qual é comproprietário (embora o tenha feito no caso dos presentes autos), bastando que ficasse demonstrada a natureza rústica do mesmo (veja-se o teor do acórdão do STJ datado de 14.01.2021, disponível em www.dgsi.pt).
aaaaaa) Na realidade, e em bom rigor, o Autor até poderia nem ter qualquer exploração agrícola no seu terreno, desde que aquisição do terreno objeto de preferência viesse a servir para iniciar e expandir essa exploração: daí que ambos os terrenos tenham que ser rústicos.
bbbbbb) Ficou demonstrado nos autos que o prédio objeto de preferência é “composto por “terra de semeadura, mato, oliveiras, sobreiros, dependência agrícola, pinhal, eucaliptal e leito de curso de água”, com uma área total de 974760 m2” - (ponto 18.º dos factos provados).
cccccc) Também ficou provado que o prédio do Autor é “composto por “cultura arvense, oliveiras, vinha, macieiras e dependência agrícola”, com a área total de 17400m2” – (ponto 1.º dos factos provados)
dddddd) Nenhum destes pontos dos factos provados foi sequer colocado em crise por parte da Recorrente nas suas alegações de recurso, nem tão pouco a Recorrente requereu a sua supressão e/ou alteração nos factos dados como provados, pelo que os mesmos se encontram assentes.
eeeeee) Destes factos resulta, não só que ambos os terrenos são rústicos (o que foi também reconhecido pelo Aministrador de Insolvência e Representante da Ré Massa Insolvente [ver nota de rodapé 4 da sentença, sendo que a identidade é tal que este Administrador nem conseguia distinguir os limites e um terreno e do outro]), como que ambos têm identidade de culturas pelo menos no que diz respeito à cultura arvense no geral e oliveiras em concreto.
ffffff) A proceder este argumento da Recorrente, então também teria que se entender o mesmo e negar em absoluto o raciocínio seguinte que esta apresenta de que também teria direito de preferência porque adquiriu – simultaneamente ao prédio preferido – outros lotes confinantes ao mesmo.
gggggg) Aliás, esse argumento nem sequer poderia ser atendido pelo Tribunal, porquanto a Recorrente não alegou nem demonstrou o preenchimento dos requisitos do direito de preferência relativamente a esses lotes.
hhhhhh) Não é verdade que o A/Recorrido não tenha alegado qualquer cultura que vinha a ser exercida no terreno (ainda que se entenda que não tinha sequer que o fazer, bastanto a alegação [e prova, que foi feita] de que o terreno é rústico), porquanto alegou no artigo 6.º da Petição Inicial que o seu terreno era “composto por “cultura arvense, oliveiras, vinha, macieiras e dependência agrícola”.
iiiiii) Já na audiência de julgamento, como se disse supra, foi produzida prova quanto à composição do terreno e quanto ao fim que lhe é dado pelo Autor: plantação de oliveiras.
jjjjjj) Quanto ao argumento inovado pela Recorrente de que as renúncias só foram produzidas em data posterior à ação, vem a Recorrente invocar tal coisa pela primeira vez em sede de recurso, não o tendo feito em sede de contestação.
kkkkkk) Esclarece-se no entanto que, aquando a propositura da presente ação, o Autor juntou aos autos as seguintes as declarações de renúncia que nessa data entendia serem necessárias (cfr. Docs. n.º 3 a 6 juntos com a P.I.), sendo que
llllll) Mais tarde, por determinação do Tribunal (despacho proferido na audiência prévia de 24.10.2018), foi concedido prazo ao Autor para juntas novas declarações de renúncia, que o Tribunal a quo entendia serem necessárias para além das que já constavam nos autos.
mmmmmm) Junção essa que o Autor/Recorrido fez em 04.01.2019 (cfr. requerimento do Autor com a referência CITIUS n.º 7816010).
nnnnnn) Os documentos não foram objeto de impugnação nem pela Ré aqui Recorrente, nem pela Ré Massa Insolvente de B.
oooooo) Tal como não foi objeto de qualquer reclamação, arguição de nulidade, recurso e/ou qualquer outro meio de reação, o despacho proferido em 24.10.2028, no qual o douto Tribunal a quo concedeu ao Autor a possibilidade de sanar os vícios invocados relativos à renúncia do direito de preferência e insuficiência das declarações até então juntas.
pppppp) Nestes termos, ainda que a Recorrente tivesse razão no que a este tema diz respeito, ao não ter feito qualquer invocação no devido momento, preteriu qualquer eventual vício de que o despacho e causa pudesse padecer (o que, mais uma vez, não se concede e apenas se refere para efeitos de raciocínio jurídico).
qqqqqq) Pelo que também este argumento invocado pela Recorrente cai por terra, devendo ser totalmente desconsiderado pelo Tribunal ad quem.
rrrrrr) Invoca ainda a Recorrente que não se pode considerar provado que o Autor comunicou ao Administrador que pretendia exercer a preferência porque não era proprietário, mas sim comproprietário, do prédio confinante, e porque o advogado não juntou procuração nem juntou prova do alegado direito.
ssssss) Relativamente a este argumento, sempre se refira que a Recorrente não requereu a alteração do ponto 15.º da matéria de facto, onde se lê que: “Nessa data [o Autor] manifestou por escrito, nos termos do mail de fls. 37 e através do seu mandatário forense, a pretensão de exercício do seu direito de preferência”
tttttt) Trata-se também de matéria que nunca foi invocada pela Recorrente em qualquer momento processual, não sendo agora, em sede de Recurso, o momento para o fazer.
uuuuuu) Não tendo sido sequer alegada, também não foi produzida qualquer prova por parte da Recorrente relativamente a este ponto, sendo que essa prova sempre lhe caberia por se tratar, na sua perspetiva pelo menos, de um facto impeditivo ou extintivo do direito do Recorrido.
vvvvvv) Também não era o Autor quem tinha obrigação de comunicar ao Administrador de Insolvência que pretendia exercer a preferência, mas sim o Administrador de Insolvência quem tinha a obrigação de notificar o Autor e qualquer outro proprietário de terreno confinante aos lotes a ser vendidos para, querendo, exercerem essa preferência.
wwwwww) Quanto à alegada Ilegitimidade do Autor com base no fundamento de que as declarações de renúncia são genéricas e não continham os elementos essenciais da venda, também não foi feita pela Recorrente qualquer alegação neste sentido em qualquer momento processual.
xxxxxx) Em sede de contestação a Recorrente invocou somente que as declarações não seriam válidas por serem antecipadas, mas nunca invocou que não seriam válidas por não conterem os elementos essenciais de venda.
yyyyyy) Analisadas as declarações de renúncia verifica-se que umas datam 16 de Dezembro de 2016 e 19 de Dezembro de 2016, e outras (as últimas) de Janeiro de 2019, datas em que a venda já tinha sido realizada, pelo que os demais comproprietários já tinham perfeito conhecimento dos termos da mesma.
zzzzzz) De todos os comproprietários, sempre foi o Autor e só o Autor quem teve interesse em exercer o direito de preferência, motivo pelo qual fez comunicação nesse sentido ao Sr. Administrador de Insolvência.
aaaaaaa) Tendo essa pretensão sido negada e mantendo os demais comproprietários a sua posição de que não lhes interessava o exercício desse direito, concordaram, já em plena consciência das condições e termos do negócio a preferir, em subscrever uma declaração de renúncia expressa – as declarações juntas aos autos.
bbbbbbb) Pelo que são plenamente válidas as declarações de renúncia.
ccccccc) Sem prescindir, cumpre esclarecer que o que motiva que a declaração de renúncia apenas seja eficaz após o conhecimento (por parte dos potenciais preferentes) dos termos e condições do negócio, é o facto de o potencial preferente não pretender exercer o seu direito (de preferência) nessas condições específicas, mas eventualmente pretender fazê-lo se as condições forem outras,
ddddddd) Essa situação encontra-se expressamente excluída no caso dos presentes autos, porquanto em todas as declarações de renúncia é referido pelos seus subscritores que renunciam ao direito de preferência independentemente das condições (i.e. preço) de venda.
eeeeeee) Os demais comproprietários não tinham qualquer interesse na aquisição do imóvel, como aliás veio a confirmar o facto de nenhum deles (nem sequer as Senhoras que invocaram a falsificação das declarações) ter vindo a esta ou a qualquer outra ação dizer que afinal pretendiam preferir na compra do prédio objeto dos presentes autos – tanto mais que, como diz e bem a sentença recorrida, ainda que o viessem agora fazer, já estaria o seu alegado direito caducado.
fffffff) A Recorrente não logrou impugnar as declarações de renúncia no momento em que o deveria ter feito, tanto mais que o seu conteúdo resultou provado por acordo (cfr. nota de rodapé 3 da sentença recorrida).
ggggggg) Pelo que não deve o Tribunal ad quem conceder provimento ao invocado pela Recorrente, devendo a sentença recorrida manter-se inalterada.
hhhhhhh) A Recorrente diz ainda que também era titular de terreno confinante porque adquiriu terrenos à volta do mesmo ao fazer a compra em lote no âmbito do processo de insolvência.
iiiiiii) Fundamento que é totalmente desprovido de sentido, porquanto a Recorrente não era titular de terreno confinante: a Recorrente passou a ser titular de terreno confinante exatamente no mesmo momento em que procedeu à compra do prédio em causa nos presentes autos.
jjjjjjj) O próprio Representante Legal da Recorrente (tal como o Administrador de Insolvência) explicou em sede de audiência de julgamento que comprou o terreno objeto de preferência simultaneamente a outros, tanto mais que a compra foi efetuada em lote.
kkkkkkk) É dado como provado no ponto 24 da sentença recorrida, que: “A 2.º Ré não era proprietária de qualquer prédio confinante com o mencionado em 18.º aquando da aquisição”, facto que a Recorrente não contesta nas suas alegações de recurso, pelo que deverá permanecer inalterado.
lllllll) No momento em que o comprou, a Recorrente não tinha qualquer direito de preferência na compra do prédio aqui em causa, já que não era anteriormente proprietário de qualquer imóvel confinante ao mesmo.
mmmmmmm) O que a Recorrente fez relativamente aos terrenos confinantes ao objeto de preferência, foi uma proposta, mas antes da compra em Lote não era titular de qualquer imóvel confinante. Assim, qualquer terreno confinante apenas passou a estar na titularidade da Recorrente concomitantemente ao prédio objeto de preferência.
nnnnnnn) O Tribunal a quo pronuncia-se e bem sobre esta questão na nota de rodapé n.º 5 da Sentença recorrida.
ooooooo) Escusado será de relembrar todos os requisitos para o exercício do direito de preferência, bastando salientar que o primeiro é, desde logo, que se seja proprietário de terreno confinante (e não aspirante a proprietário).
ppppppp) Ainda assim, a Recorrente em momento algum demonstrou ou logrou demonstrar o preenchimento de qualquer requisito para o seu exercício de direito de preferência, ainda que o mesmo existisse…
qqqqqqq) Nestes termos, mais uma vez andou bem o Tribunal a quo ao decidir nos termos em que o fez, estando a douta Sentença recorrida em perfeita consonância com a lei e o direito.
rrrrrrr) A Recorrente invoca ainda a nulidade da sentença, porquanto alegadamente o Tribunal a quo não terá conhecido da ilegitimidade do Autor invocada em sede de Contestação.
sssssss) Muito se estranha que a Recorrente venha agora dizer que o Tribunal não se pronunciou sobre a invocada ilegitimidade do Autor (nomeadamente decorrente da invalidade das declarações de renúncia, diz a Recorrente), quando passou todas as alegações de recurso a discorrer sobre os motivos pelos quais discorda da decisão do Tribunal, inclusivé no que diz respeito à legitimidade do Autor.
ttttttt) A validade das declarações de renúncia e consequente legitimidade para o Autor na propositura da presente ação é apreciada na sentença.
uuuuuuu) Nos pontos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 10.º, 11.º e 12.º o Tribunal dá como provado que foram subscritas declarações de renúncia por Maria ....., Vítor ....., António ....., António ......, Patrícia ...... e Vanessa .......
vvvvvvv) A Recorrente não contesta estes factos, não pede a sua supressão dos factos dados como provados, e apenas requer a sua alteração para que sejam aditadas as datas em que as declarações foram subscritas.
wwwwwww) O Tribunal a quo julgou as declarações de renúncia como perfeitamente válidas (leia-se “renunciaram”) e considerou o Autor como parte legítima na presente ação.
xxxxxxx) O Tribunal a quo escreveu expressamente sobre essas declarações e deixou bem evidente que, no seu entendimento, “todos os outros proprietários renunciaram ao direito de preferência sobre o imóvel confinante (…)”. O que naturalmente significa que considerou as declarações de renúncia subscritas (e cujo conteúdo se encontra dado como provado) perfeitamente válidas e, por isso, julgou o Autor capaz de exercer, por si, isoladamente, o direito de preferência.
yyyyyyy) Pelo que terá que improceder a invocação de nulidade da sentença, o que desde já se requer a este digníssimo Tribunal ad quem.
zzzzzzz) A Recorrente salienta ainda que, tendo o Recorrido depositado o valor de €197.101,17 (que aliás corresponde ao valor do prédio em causa nestes autos), não se encontra verificado o requisito do depósito do preço, pelo que a ação não poderá proceder.
aaaaaaaa) Para além de não ser verdade o que a Recorrente invoca, a verdade é que o Tribunal a quo pronunciou-se sobre esta questão no despacho saneador, proferido em 24.10.2018, que foi notificado às partes logo em sede de audiência prévia.
bbbbbbbb) Nessa altura, decidiu o Tribunal a quo pela validade do depósito do preço efetuado pelo Autor.
cccccccc) A Recorrente não reagiu a esta decisão que, relembre-se, reporta a 24.10.2018.
dddddddd) Pelo que, salvo o devido respeito, ficou integralmente preterida a hipótese de, agora, volvidos quase 3 (três) anos, vir recorrer sobre esta matéria e utilizá-la para obter a anulação da sentença.
eeeeeeee) Para além do mais, conforme menciona e bem o Tribunal a quo na douta Sentença recorrida que os desígnios pretendidos com a obrigação do depósito do preço estão no caso em concreto preenchidos, o depósito do preço levado a cabo pelo Autor, aqui Recorrido, cumpre o desígnio de proteger o vendedor quanto a eventuais desistências ou impossibilidade futura de o preferente não conseguir realizar a compra.
ffffffff) De sublinhar que o imóvel objeto dos presentes autos foi vendido por €197.095,21 e o Autor depositou à ordem dos presentes autos a quantia de €197.101,17.
gggggggg) Pelo que não poderá ser dada razão à Recorrente nesta matéria e, em bom rigor, não deverá a mesma ser sequer apreciada, tendo em conta que a mesma preteriu o prazo para eventuais reações à decisão do Tribunal que julgou válido e suficiente o depósito do preço efetuado pelo Autor.
hhhhhhhh) A Recorrente invoca ainda o abuso de direito de preferência, alegando que, ainda que se admitisse que o Autor tem um verdadeiro direito de preferência, “certo é que o mesmo é abusivo”.
iiiiiiii) Conforme já se mencionou supra, a Recorrente não logrou provar qualquer abuso de direito no exercício da preferência do Autor.
jjjjjjjj) Era à Recorrente que cabia provar a (sua) alegação de que o verdadeiro interessado na aquisição do imóvel era outra pessoa que não o Autor, o que esta não fez, nem poderia fazer, porquanto tal alegação não tem qualquer correspondência à verdade.
kkkkkkkk) Ademais, nas alegações de recurso a que ora se responde a Recorrente também não conseguiu invocar qualquer facto ou realçar qualquer meio de prova que permita ao Tribunal ad quem entender de forma diversa, pelo que a decisão recorrida terá que permanecer inalterada, o que se requer, em nome do Direito e da Justiça.
llllllll) Relativamente à condenação em litigância de má-fé, salvo o devido respeito, por tudo quanto já se disse no ponto I das presentes contra-alegações, e que para lá se remete, a aplicação desta “absurda sanção”, como a Recorrente classifica, é perfeitamente justificada e não poderia o Tribunal a quo ter decidido de outra forma, atento o comportamento processual adotado pela Recorrente.
mmmmmmmm) Em momento algum o Tribunal a quo menciona que as RR. se deveriam abster de contestar, tão somente descreve que as mesmas contestaram invocando um rol de argumentos perfeitamente desnecessário, porquanto bem sabiam, desde sempre, que não tinha sido dada oportunidade ao Autor de exercer o direito de preferência, como era devido.
nnnnnnnn) A verdade é que, ainda que bem sabendo que o Autor tinha razão na sua pretensão, ambas as Rés não se coibiram de contestar invocando os mais absurdos argumentos para obviar a esse facto.
oooooooo) Encontra-se portanto preenchido o disposto na al. a) do n.º 2 do artigo 542.º do C.P.C.
pppppppp) Mas a Recorrente foi ainda mais longe: se num primeiro momento até se podia dar o benefício da dúvida, de que a mesma até poderia nem saber do direito legal do Autor, esse benefício terá que se desvanecer a cada momento processual, em que esse facto foi ficando mais e mais evidente, e a Recorrente foi insistindo mais e mais no sentido contrário.
qqqqqqqq) Foram diversas as manobras dilatórias levadas a cabo pela Recorrente para protelar o andamento destes autos:
rrrrrrrr) Foi a revogação do Mandato à anterior mandatária em cima da audiência de julgamento, que na realidade apenas se revelou ser uma manobra dilatória para ter tempo de preparar o articulado superveniente que depois veio juntar…
ssssssss) Foram os recursos e/ou reclamações apresentados de forma insistente em relação a decisões proferidas pelo Tribunal a quo, que se encontravam perfeitamente fundamentadas e de acordo com a lei…
tttttttt) Foi vir dizer alegar que o terreno do Autor não era confinante ao terreno objeto de preferência, obrigando o Autor a dirigir-se à Direção Geral do Território pedir certidão dos terrenos para juntar aos autos, quando o Representante Legal da Recorrente (tal como o Administrador de Insolvência da Ré Massa Insolvente de B) referiu que nunca foi objeto de dúvida o facto de ambos os terrenos confinarem…
uuuuuuuu)Foram constantes insinuações relativas à (im)parcialidade do Mmo. Juiz, quando mesmo apenas estava a fazer a aplicação do direito tal como lhe compete…
vvvvvvvv) Foi a criação de “factos supervenientes” baseados em diz que disse, conversas de café, para sustentar um alegado abuso de direito que não passa disso mesmo: de uma alegação sem qualquer sustento factual.
wwwwwwww) Foi a demora que todos esses fatores implicaram na decisão da presente ação, que, relembre-se, foi intentada em 2017!!!
xxxxxxxx) Foi a repentina apresentação de testemunhas que, de repente, e volvido mais de um ano após assinarem as declarações de renúncia, vieram aos autos dizer que nada assinaram…
yyyyyyyy) Foi a junção aos autos, em Fevereiro de 2020, de uma queixa-crime apresentada por essas testemunhas contra o Autor e outros, por alegada falsificação de assinatura nas suas declarações de renúncia, para fundamentar um pedido de suspensão destes autos por alegadamente terem uma relação de prejudicialidade com essa queixa-crime, tendo depois resultado em sede de audiência de julgamento que afinal essas testemunhas foram representadas pelo escritório de Mandatários da Recorrente na apresentação dessa queixa…
zzzzzzzz) A verdade é que a Recorrente fez pouco da Justiça, fez pouco do Tribunal e fez pouco dos demais intervenientes processuais, encontrando-se de facto preenchida a al. d) do artigo 542.º do C.P.C.,
aaaaaaaaa) Motivo pelo qual não só andou bem o Tribunal a quo ao condená-la em litigância de má-fé, como andou bem ao decidir o valor da multa em 60 UC’s, atento ao grau de intensidade da má-fé, que se revelou elevado e doloso.
bbbbbbbbb) Nestes termos, também neste ponto, como em todos os outros deverá o Tribunal ad quem confirmar a Sentença recorrida, negando provimento às alegações de recurso apresentadas pela Recorrente C, S.A..
Pede assim a improcedência dos recursos e a confirmação da sentença recorrida.
Após a apresentação das alegações de recurso a 2.ª R. veio ainda requerer a admissão aos autos de prova documental relativa ao processo-crime que tinha por objeto a falsidade de declarações de renúncia ao exercício do direito de preferência por alguns dos comproprietários do imóvel do A., pretendendo com isso ver ainda alterada a redação dos pontos 6, 10 e 11 da matéria de facto, reconhecendo-se a invalidade das renúncias de Paula ....., Patrícia ..... e Vanessa ......, o que relevaria para aferir da ilegitimidade ativa do A. para instaurar apresente ação de preferência.
Após cumprimento do contraditório pelo A., que também juntou prova documental relativa ao mesmo processo-crime, por decisão do relator, foi julgado não admitir a junção aos autos da prova junta por ambas as partes.
Resta referir que ambos os recursos apresentados pelas R.R. foram admitidos e, após ordenada a baixa dos autos, para os efeitos do Art. 617.º n.º 1 e n.º 5 do C.P.C., veio o Tribunal a quo a deixar consignado que não se verificava a invocada nulidade por omissão de pronúncia, porquanto foi mencionado na sentença que, tendo todos os restantes comproprietários renunciado ao direito de preferência, o A. teria legitimidade para exercer a pretensão em causa nesta ação.
*
II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635º n.º 4 e 639º n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).
Assim, em termos sucintos, as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a) A nulidade do julgamento motivada pelo comportamento do Mm.º Juiz que presidiu à audiência final;
b) A nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia;
c) A impugnação da matéria de facto;
d) A verificação dos pressupostos do direito de preferência relativo a proprietários de prédios rústicos confinantes, incluindo evidentemente a questão do exercício desse direito por um único preferente, em caso de renúncia ao exercício desse direito por parte dos demais comproprietários preferentes;
e) O abuso do direito de preferência;
f) A litigância de má-fé das R.R..
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1.º- Encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial, a favor do Autor e de Maria ......, Paula ...... e de Vítor ......, a aquisição do direito de propriedade por partilha de herança quanto ao último e por doação e partilha quanto aos restantes, na proporção de ¼ para cada, sobre o prédio rústico denominado por “Casais da Pedreira” ou “Casais dos Frades”, sito em Casais da P... ou Casais dos F..., União das Freguesias de A... a e Cabanas de T..., Concelho de A....., Distrito de L....., composto por “cultura arvense, oliveiras, vinha, macieiras e dependência agrícola”, com a área total de 17400 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de A..... sob o nº 5../1......4, inscrito na matriz rústica da União de Freguesias de A..... e Cabanas de T...... sob o Artigo nº 6, Secção F. 
2.º- Na mencionada inscrição do registo predial o autor consta como sendo casado no regime da comunhão geral com Maria ......, Maria ...... consta como sendo casada no regime da comunhão geral com António ......, Paula ...... consta como sendo casada no regime da comunhão geral com Manuel ....., e Vítor ..... consta como sendo casado no regime da comunhão de adquiridos com Maria ...... .
3.º- António ...... subscreveu, a rogo de Maria ......, por esta não saber assinar, a declaração de renúncia ao direito de preferência constante de fls. 25, reconhecida pela Senhora Solicitadora Carla ...... nos termos constantes de fls. 26.
4.º- Vítor ...... subscreveu a declaração de renúncia ao direito de preferência constante de fls. 28, reconhecida pela Senhora Solicitadora Carla ...... nos termos constantes de fls. 29.
5.º- António ...... subscreveu a declaração de renúncia ao direito de preferência constante de fls. 31, reconhecida pela Senhora Solicitadora Carla ...... nos termos constantes de fls. 32.
6.º- António ...... subscreveu, a rogo de Paula ......, por esta não poder assinar, a declaração de renúncia ao direito de preferência constante de fls. 34, na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de seu marido Manuel ......, reconhecida pela Senhora Solicitadora Carla ...... nos termos constantes de fls. 35. 
7.º- Manuel ...... faleceu em 14 de março de 2012 no estado de casado com Paula ......, tendo-lhe sucedido como herdeiros a referida viúva e os filhos Rui Manuel ...... e José Manuel .......
8.º- Rui Manuel ........ em 6 de junho de 2017, no estado de solteiro, tendo-lhe sucedido como herdeira a sua mãe Paula ...... .
9.º- José Manuel ...... faleceu em 2 de janeiro de 2014 no estado de casado com Patrícia ......, tendo-lhe sucedido como herdeiros a referida viúva e os filhos Vanessa ...... solteira e maior, e Tiago ......, solteiro, menor.
10.º- Patrícia ...... subscreveu, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de seu marido José Manuel ...... e em representação do seu filho menor Tiago ......, a declaração de renúncia ao direito de preferência contante de 210, reconhecida pela Senhora Solicitadora Carla ...... nos termos constantes de fls. 210 verso.
11.º- Vanessa ...... subscreveu a declaração de renúncia ao direito de preferência constante de fls. 208 verso, reconhecida pela Senhora Solicitadora Carla ...... nos termos constantes de fls. 209.
12.º- Maria ...... subscreveu a declaração de renúncia ao direito de preferência constante de fls. 216 verso, reconhecida pela Senhora Solicitadora Carla ...... nos termos constantes de fls. 217.
13.º- No dia 19 de Fevereiro de 2015 foi proferida sentença de declaração de insolvência da B .
14.º- O Autor teve conhecimento a 22 de Agosto de 2016 de que o prédio mencionado infra em 18.º estava para venda.
15.º- Nessa data manifestou por escrito, nos termos do mail de fls. 37 e através do seu mandatário forense, a pretensão de exercício do seu direito de preferência. 
16.º- Em 26 de agosto de 2016, o Administrador de Insolvência remeteu ao Autor o auto de apreensão de bens imóveis, onde se incluía o imóvel em causa como Verba nº 19.
17.º- Em 05 de setembro de 2016, o Administrador de Insolvência remeteu ao Autor os autos de adjudicação, datado de 27 de julho de 2016.
18.º- O prédio cujo direito de propriedade está inscrito a favor da 2ª Ré na Conservatória do Registo Predial é rústico, sendo designado de “Quinta da A......”, sítio da Quinta da A......, composto por “terra de semeadura, mato, oliveiras, sobreiros, dependência agrícola, pinhal, eucaliptal e leito de curso de água”, com uma área total de 974760 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de A...... sob o nº 3../1......0, inscrito na matriz rústica da extinta Freguesia de A...... sob o Artigo Matricial nº .... da Secção B1...-B1.... 
19.º- O prédio referido em 18º confina a poente com o prédio do Autor.
20.º- O direito de propriedade sobre este prédio foi transmitido pela 1.ª para a 2ª Ré, mediante compra formalizada por escritura pública celebrada no dia 30 de setembro de 2016, no âmbito do processo de insolvência nº 1495/13.8TBALQ que correu termos Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Instância Central de Vila Franca de Xira – Secção de Comércio – J4, pelo preço de 197.095,21€.
21.º- O Autor nunca foi notificado para exercer o direito de preferência nem ocorreu publicação de editais para efeitos de convocatória dos preferentes.
22.º- Em 27.07.2016, o referido prédio foi adjudicado em lote com outros imóveis à 2ª Ré.
23.º- Em 06 de Outubro de 2016 foi registada a aquisição definitiva, por compra, do prédio em causa a favor da 2.ª Ré.
24.º- 2ª Ré não era proprietária de qualquer prédio confinante com o mencionado em 18º aquando da aquisição.
25.º- A presente ação foi instaurada em 20 de janeiro de 2017.
26.º- Em 2 de fevereiro de 2017 o autor procedeu ao depósito à ordem destes autos da quantia de 197.101,17€.
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Quanto aos factos não provado, a sentença deixou consignado que:
«Nada mais se provou da p.i. com interesse para a causa.
«Das contestações nada se provou, nomeadamente quanto aos temas da prova, para além daquilo que resultou provado e que constava da p.i.
«Também nada se provou do articulado superveniente da ré C».
Tudo visto, cumpre apreciar.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Estabelecidas as questões suscitadas pela presente apelação, iremos então debruçar-nos sobre elas pela sua ordem de precedência lógica, começando inevitavelmente pela alegada invalidade do julgamento.
1. Da nulidade do julgamento.
Como questão prévia à nulidade da sentença, que também foi suscitada pela 2.ª R. nas suas alegações de recurso, veio esta, aqui Recorrente, invocar que o próprio julgamento seria nulo por razões relacionadas com a forma com a audiência final foi conduzida pelo Mm.º Juiz que a presidiu.
Em causa está fundamentalmente uma alegada deficiência na condução da audiência pelo Mm.º Juiz a quo e a sua particular agressividade, quer no trato relativamente à mandatária da 2.ª R., quer relativamente a testemunhas, que teriam condicionado toda a produção da prova. A tal acresceria que o Mm.º Juiz teria alegadamente imposto, na prática, que uma testemunha não prestasse o seu depoimento, quando a advertiu que lhe assistiria o direito de, querendo, não estar obrigada a depor. Por outro lado, teria ainda decidido indeferir a junção de documentos por os achar irrelevantes, não permitiu a formulação de perguntas por as achar irrelevantes, o que constituiria uma violação ao direito a um processo equitativo, tendo em atenção o disposto nos artigos 32.º da Constituição, 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 47.º (segundo parágrafo), 48.º, 51.º e 52.º n.º 3 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Em suma, o julgamento deveria ser repetido, porque o juiz a quo prejudicou o correto conhecimento da verdade material, denotando parcialidade na apreciação da causa.
O Recorrido veio sustentar que não se verificaram nenhuma das alegadas situações, tal como descritas pela Recorrente, tendo o Mm.º Juiz se limitado a exercer os seus poderes-deveres na condução regular da audiência.
Apreciando, temos de dizer, em primeiro lugar, que não cabe o Tribunal da Relação fazer apreciações sobre o estilo de condução duma audiência de julgamento, sendo que temos de reconhecer que a lei atribui expressamente ao juiz «todos os poderes necessários para tornar útil e breve a discussão e para assegurar a justa decisão da causa» (Art. 602.º n.º 1 do C.P.C.). Trata-se de poder discricionário do juiz, que lhe permite escolher entre as várias soluções possíveis aquela que melhor servirá o propósito da lei, estando assim vinculado apenas pelo cumprimento da finalidade para lhe que são atribuídos esses poderes.
Para o mesmo efeito é esclarecido no n.º 2 do Art. 602.º do C.P.C. que compete ao juiz: dirigir os trabalhos e assegurar que estes decorram de acordo com a programação definida; manter a ordem e fazer respeitar as instituições, as leis e o tribunal; tomar as previdências necessárias para que a causa se discuta com elevação e serenidade; e exortar os advogados a abreviarem requerimentos, inquirições, instâncias e alegações, quando sejam manifestamente excessivos, impertinentes, e a cingirem-se à matéria relevante para o julgamento da causa, podendo retirar-lhes a palavra quando não sejam atendidas as suas exortações.
Cumpre ainda realçar que o Art. 516.º n.º 3 do C.P.C. estabelece ainda que o juiz deve obstar a que os advogados tratem desprimorosamente as testemunhas e lhes façam perguntas ou considerações impertinentes, sugestivas, capciosas ou vexatórias. Sendo que o n.º 5 do mesmo preceito permite ao juiz avocar o interrogatório das testemunhas, que em princípio deve ser feito diretamente pelos mandatários das partes, quanto tal se mostre necessário para assegurar a tranquilidade da testemunha ou por termo a instâncias inconvenientes.
Dito isto, o Tribunal da Relação não só não tem poder disciplinar sobre os juízes de 1.ª instância, como o exercício de poderes discricionários também não são suscetíveis de apreciação por via de recurso (Art. 630.º n.º 1do C.P.C.). O exercício desse tipo de poderes só é sindicável se contender com o princípio da igualdade, do contraditório, ou com a aquisição processual de factos, ou a admissibilidade de meios probatórios (cfr. Art. 630.º n.º 2 “in fine” do C.P.C.). No final releva a posição de princípio de que o Tribunal da Relação é essencialmente um tribunal de recurso, nisso se resumindo o seu poder jurisdicional. Nesse contexto, o Tribunal da Relação limita-se a reapreciar decisões proferidas pela 1.ª instância, revogando ou anulando as mesmas, se elas não se mostrarem conformes com o direito aplicável.
Assim, a mera agressividade ou deficiência na condução da audiência é, em si mesma, matéria insuscetível de reapreciação por via de recurso, se não se alegarem, e provarem, quais os concretos factos que não puderam ser apreciados, nem quais as concretas questões de direito cuja apreciação ficou prejudicada pelo comportamento do julgador que conduziu a audiência final.
O mero argumento de que o juiz condicionou a produção de prova é também, em si mesmo, inconsequente, se não se demonstrar de forma inequívoca que houveram concretos factos, efetivamente relevantes para o julgamento da causa e oportunamente alegados pelas partes, que ficaram por provar porquanto sobre eles não foi permitida a produção de qualquer prova. Ora, nada disso foi alegado de forma clarividente pela Recorrente.
Na verdade, constata-se que a Recorrente impugna matéria de facto tendo por base a prova que efetivamente foi produzida, não colocando, nesse contexto, sequer a questão em termos de anulação do julgamento com fundamento na dúvida sobre o sentido dos depoimentos prestados ou da prova produzida (cfr. Art. 662.º n.º 2 al.s a) e b) do C.P.C.), não se evidenciando da impugnação assim apresentada que houvesse insuficiência da prova.
Acresce que, em homenagem ao princípio da economia processual, na vertente do máximo aproveitamento possível dos atos processuais realizados, consagrada, por exemplo, no Art. 193.º n.º 1 do C.P.C., conjugado com a proibição geral da prática de atos inúteis (v.g. Art. 130.º do C.P.C.), por regra a anulação do julgamento não deve ser total, devendo cingir-se aos concretos factos relativamente aos quais a prova se revelou insuficiente, obscura ou contraditória (Art. 662.º n.º 2 al. c) do C.P.C.), competindo ao Tribunal da Relação, mesmo que oficiosamente, não só anular o julgamento, como logo determinar que prova deve ser concretamente repetida ou renovada, restringindo-a à parte da matéria de facto cujo julgamento se demostra ter ficado viciado (cfr. Art. 662.º n.º 3 al.s a) e b) do C.P.C.). Pelo que, dificilmente se compreenderia que fosse ordenada a repetição total do julgamento, tal como requerida, sem se perceber que factos controvertidos estariam em causa.
No que se refere ao protesto lavrado em ata a fls 523 verso, que traduz uma “queixa” sobre a forma de condução da audiência, verificamos que o mesmo veio a merecer uma justificação pelo Mm.º Juiz, constante de fls 523 verso a fls 524, que se nos afigura perfeitamente razoável. De facto, a nossa perceção, após a audição integral da gravação das várias sessões de audiência final, é que o Mm.º Juiz conduziu a audiência com a necessária urbanidade e equilíbrio, tendo em atenção os vários incidentes que se foram sucedendo. Mais que isto não poderemos dizer. Na verdade, não vislumbramos uma injustificada agressividade no trato, quer das testemunhas, quer dos depoentes ou declarantes, quer dos mandatários das partes, sem prejuízo de terem verificado alguns momentos de tensão.
Verificámos também que a inquirição da testemunha José António ......, na parte em que foi feita diretamente pela mandatária da 2.ª R., foi parcialmente condicionada, porque a testemunha, a partir de determinado momento, assumiu uma postura de excessiva reatividade às perguntas que eram feitas por essa mandatária, tendo-se verificado um risco real de recusa de continuar a prestar o seu depoimento. Por isso, a intervenção do Mm.º Juiz, avocando o interrogatório, nos termos do Art. 516.º n.º 5 do C.P.C., no momento em que ocorreu, relevou-se providencial e completamente adequada ao caso, pois assim assegurou-se que o depoimento pode continuar a ser prestado, garantindo-se a colaboração dessa testemunha para a descoberta da verdade material.
Sobre a questão da advertência à testemunha António Luís ...... para o direito que lhe assistia de não prestar depoimento, só poderemos constatar que se trata do cumprimento de estipulação legal consagrada no Art. 497.º do C.P.C.. Uma vez mais, a questão de estilo, na forma de comunicação desse direito, não é matéria que possa ser objeto de apreciação pelo Tribunal da Relação, sendo apenas relevantes que a pessoa em causa compreendeu que lhe assistia o direito de se recusar a prestar depoimento, por ser filho do A., e que a sua consequente recusa foi perfeitamente legítima.
No que se refere à não admissão de prova documental ou doutro tipo de prova, porque julgada irrelevante e/ou extemporânea, tal como consta da ata a fls 524 verso a 525 verso, cumpre dizer que se trata de matéria que tem um regime jurídico-processual próprio, podendo os despachos que incidiram sobre essas questões incidentais ser objeto de recurso autónomo, com subida imediata (cfr. Art. 644.º n.º 2 al. d) do C.P.C.). Ora, a 2.ª R., no caso, até fez uso desse direito, como consta do apenso “B”, tendo o respetivo recurso de apelação sido julgado totalmente improcedente, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de março de 2021. Pelo que, sobre esta matéria nada mais há a apreciar.
Subscrevemos também a posição do Recorrido quando sustenta que o incidente adequado a fazer cessar a intervenção do juiz no processo, por alegada imparcialidade, seria o de suscitar a sua suspeição, nos termos do Art. 120.º e ss. do C.P.C.. Embora tenha de se reconhecer que muito dificilmente o mesmo poderia vir a merecer provimento, em face da fragilidade dos factos apresentados em que se poderia sustentar.
Concluindo, diremos que não conseguimos, de facto, vislumbrar falta grave que ponha em causa a imparcialidade do julgador, nem que a condução da audiência tivesse constituído efetiva violação do direito a um processo equitativo. Desde logo, porque não se demonstra que factos efetivamente relevantes não tenham sido objeto de produção de prova processualmente admissível e sujeita a contraditório efetivo.
Em função de todo o exposto, só nos resta julgar improcedente a alegada nulidade do julgamento, improcedendo todas as conclusões que sustentam o contrário, não se nos afigurando que tenham sido violadas nenhuma das disposições legais invocadas pela Recorrente.
2. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
A 2.ª R. veio ainda invocar a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do Art. 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C., porquanto, no contexto da defesa apresentada pelas R.R. sobre a ilegitimidade ativa do A., por força da alegada invalidade da renúncia ao direito de preferência por parte dos restantes comproprietários do prédio, porque as assinaturas seriam falsas, teria também sido invocado o argumento de que essas renúncias seriam genéricas e abstratas, o que constitui matéria que não foi apreciada pela sentença recorrida. Realça que a sentença se limitou a esgrimir o argumento de que, mesmo que as renúncias fossem inválidas, o A. sempre poderia sustentar a caducidade dos direitos dos demais comproprietários. Ora, entende a Recorrente que, não só a questão da caducidade não foi alegada, como a propositura desta ação interromperia o prazo de caducidade.
O Recorrido veio contrapor que a questão da validade das renúncias dos demais comproprietários foi explicitamente apreciada pela sentença recorrida, está sustentada em factos provados que não foram sequer oportunamente impugnados pela 2.ª R., tendo no final sido decidido que, perante todas essas renúncias, o A. seria parte legítima e, portanto, julgou as mesmas válidas.
Como vimos, o Tribunal a quo limitou-se a deixar consignado que o vício apontado não se verificaria, pois mencionou na sentença que, tendo todos os restantes comproprietários renunciado ao direito de preferência, o A. teria legitimidade para exercer a pretensão em causa nesta ação.
Apreciando a questão, temos de partir do que é disposto no Art. 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C.. Nos termos da 1.ª parte dessa alínea do mencionado preceito, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença.
Esta nulidade está diretamente relacionada com o Art. 608.º n.º 2, 1.ª parte, do C.P.C., segundo o qual: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».
Mas, neste contexto, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes.Efetivamente, conforme já ensinava Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pág. 143): «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».
Ou seja, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado (cfr. Acórdãos do STJ de 7/7/1994, Relator: Miranda Gusmão, in BMJ n.º 439, pág. 526 e de 22/6/1999, Relator: Ferreira Ramos, in C.J. Tomo II, pág. 161; da Relação de Lisboa de 10/2/2004, Relatora: Ana Grácio, in C.J. Tomo I, pág. 105, de 4/10/2007, Relator: Fernanda Isabel Pereira, de 6/3/2012, Relatora: Ana Resende, Proc. n.º 6509/05, acessíveis em www.dgsi.pt/jtrl).
Esta nulidade só ocorre quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir pedido e exceções e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos” invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/12/2005, Relator: Pereira da Silva, acessível em www.dgsi.pt/jstj).
A questão a decidir não é a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para elas concorrem. Deste modo, não constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia a circunstância de não se apreciar e fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocam tendo em vista obter a (im)procedência da ação (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/4/2015, Relatora: Ondina Alves, Proc. n.º 185/14, acessível em www.dgsi.pt/jtrl).
Nas palavras precisas de Tomé Gomes (in “Da Sentença”, pág. 41): «(…) já não integra o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido portanto numa questão de mérito».
Não há omissão de pronúncia quando a matéria, tida por omissa, ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada, competindo ao tribunal decidir questões e não razões ou argumentos aduzidos pelas partes (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/6/2011, Relator: Filipe Caroço, Proc. n.º 5/11 acessível em www.dgsi.pt/jtrp).
O juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devem ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/4/2014, Relator: Belo Morgado, Proc. n.º 319/10, acessível em www.dgsi.pt/jstj).
Assim, incumbe ao juiz conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente deve conhecer (Art. 608.º n.º 2 do C.P.C.) à exceção daqueles cujo conhecimento esteja prejudicado pela anterior conhecimento de outros. O conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/3/2001, Relator: Ferreira Ramos, acessível em www.dgsi.jstj/pt). Não ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/10/2002, Relator: Araújo de Barros, acessível em www.dgsi.pt/jstj).
A não concordância da parte com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/5/2012, Relator: Gilberto Jorge, Proc. n.º 91/09, acessível em www.dgsi.pt/jtrl).
Dito isto, o que resulta evidenciado, dos próprios termos como a questão da nulidade da sentença foi colocada pela Recorrente, é que a situação concreta dos autos não se subsume à previsão do Art. 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C., com o sentido que o legislador lhe pretendeu dar.
É inquestionável que a sentença pronunciou-se diretamente sobre a exceção da ilegitimidade ativa do A., a qual já havia sido objeto de decisão no despacho saneador, em termos estritos de exceção dilatória. As matérias relacionadas com a validade das declarações de renúncia, que ficaram para decidir na sentença final, foram aí apreciadas, quer em termos de matéria de facto (cfr. factos provados 3 a 12, que haviam logo ficado assentes no despacho saneador - cfr. al. c) do despacho a fls 224 verso), quer em termos de apreciação de direito, quando o Tribunal a quo se pronunciou no sentido de que todos os comproprietários renunciaram ao direito de preferência – o que implica, no mínimo, uma apreciação implícita sobre a validade dessas renúncias –, sustentando ainda que o A. poderia mesmo exercer por si, e isoladamente, o direito de preferência (cfr. fls 553) – o que implica um julgamento explícito sobre a irrelevância das declarações de renúncia dos demais comproprietários, fossem elas válidas ou não.
Em suma, daqui decorre que não houve omissão de pronúncia.
Não há dúvida que a questão central em apreço foi apreciada na sentença, só que em termos com os quais a Recorrente não concorda. No entanto, daí não decorre a nulidade da sentença, mas apenas, e só, que existe eventual fundamento para revogar a sentença, por existir um “erro de julgamento”. No entanto, essa situação, como vimos, não se enquadra na previsão do Art. 615.º do C.P.C.. Nessa medida, improcedem as conclusões que sustentam o contrário do exposto.
3. Da impugnação da matéria de facto.
A 2.ª R., aqui Recorrente, veio também por em causa o julgamento da matéria de facto provada, pretendendo alterar a redação dos pontos 3 a 6, 10 a 12, 19, 21 e 22 e aditar factos novos relativos ao processo de insolvência e ao articulado superveniente, indicando a redação que pretende ver consagrada, bem como os meios de prova, documental e testemunhal, cujos extratos relevantes transcreveu, e que no seu entender sustentariam um julgamento diverso.
Estabelece o Art. 662º n.º 1 do C.P.C. que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.
Nos termos do Art. 640º n.º 1 do C.P.C., quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito concretiza-se que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes. Sendo que ao Recorrido caberá o ónus de designar os meios de prova que infirmem essas conclusões do recorrente, indicar as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância.
A este propósito, escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/5/2016 (Relatado por Maria Amélia Ribeiro - Proc. n.º 1393/08) que: «É ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum».
No Acórdão da Relação do Porto de 6/3/2017 (Relator: Miguel Morais, Proc. n.º 632/14), afirma-se que: «tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas, nos termos do Art. 607º, n.º 4), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando, designadamente, reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos ou indicar, de forma acrítica, um determinado documento.
«Deste modo, na motivação de um recurso, para além da alegação da discordância, é outrossim fundamental a alegação do porquê dessa discordância, isto é, torna-se mister evidenciar a razão pelo qual o recorrente entende existir divergência entre o decidido e o que consta dos meios de prova invocados.
«Nesse sentido tem sido interpretado o segmento normativo “impunham decisão diversa da recorrida” constante da 2ª parte da al. b) do n.º 1 do Art. 640º, acentuando-se que o cabal exercício do princípio do contraditório pela parte contrária impõe que sejam conhecidos de forma clara os concretos argumentos do impugnante.»
Posto isto, a Recorrente convoca para reapreciação de concretos factos dados por provados, que no seu entender deveriam ser julgados de forma diversa, explicitando ainda os factos que se mostram omissos, tendo especificado o sentido da decisão que sobre eles deveria caber e os meios de prova que a propósito deveriam ser relevados. Pelo que, foram cumpridos os ónus estabelecidos no Art. 640.º do C.P.C., cumprindo-nos, por isso, conhecer da impugnação apresentada.
Vejamos cada uma das situações de forma individualizada.
3.1 Dos factos provados n.º 3 a 6 e 10 a 12 - relativos às declarações de renúncia.
O primeiro conjunto de factos que a Recorrente pretende impugnar têm a ver com as declarações de renúncia ao direito de preferência por parte dos demais comproprietários do terreno do A..
Em função das alegações de recurso, a questão da impugnação da matéria de facto nesta parte tinha apenas a ver com a precisão da data em que cada declaração foi assinada, pretendendo-se assim que fosse aditado aos pontos 3 a 6 que a subscrição de cada uma dessas renúncias se mostrava datada de 16/12/2016, sendo que as que constam dos pontos 10 a 12 são datadas de 2/1/2019. Contrapondo o Recorrido a irrelevância dessa alteração, porquanto na redação dos factos em causa remete-se para a prova documental junta aos autos, donde já constam todos esses elementos.
Entretanto, veio a Recorrente, após a apresentação das alegações de recurso, invocar que teve conhecimento da realização de perícia à autoria das assinaturas de Patrícia ...... e Vanessa ......, no âmbito do processo-crime com o n.º 262/20.7T9LRS, pendente no DIAP de Loures, cujo relatório se mostra datado de 5 de abril de 2021, portanto posterior à data da prolação da sentença recorrida e à data da apresentação das alegações de recurso. Ora, desse relatório pericial consta a conclusão de que as assinaturas imputadas a essas duas comproprietárias do prédio do A. não eram da autoria das mesmas. A tal acresceria que foi igualmente aí realizado exame lofoscópico à impressão digital de Paula ......, outra das herdeiras preferentes, que alegadamente renunciou ao exercício desse direito, aí se concluindo que a impressão digital constante da sua declaração não seria a sua. Pelo que, não poderia permanecer nos factos provados que as duas primeiras comproprietárias “subscreveram” as declarações constantes dos pontos 10 e 11, sendo que a renúncia de Paula ......, mencionada no ponto 6 dos factos provados, também não poderia ser julgada como válida.
O Recorrido, para além de se opor à junção do documento apresentado pela Recorrente, porque extemporâneo, veio chamar a atenção para o facto de que se fez prova em audiência de que as comproprietárias em causa declararam que não tinham qualquer interesse no exercício do direito de preferência e que haviam assinado antes declaração com igual teor, o que também foi apurado pelo Ministério Público no âmbito do processo-crime em menção, que assim determinou o consequente arquivamento do inquérito, conforme despacho constante de certidão do mesmo processo-crime que pretendeu igualmente juntar. Ao assim exposto, acresceria ainda que estaríamos perante matéria de facto já assente, que não foi oportunamente impugnada pelas R.R., estando assim a coberto de decisão transitada em julgado.
Apreciando, há que ter em consideração o histórico processual desta questão.
Assim, o A., logo na petição inicial, sustentou a sua legitimidade ativa, não só na titularidade do prédio confinante ao prédio adquirido pela 2.ª R. (cfr. artigo 6.º da petição inicial), como na renúncia ao direito de preferência por parte dos demais comproprietários do seu imóvel (cfr. artigos 7.º a 10.º e 13.º da petição inicial), juntando prova documental pertinente para o efeito (cfr. doc.s n.º 3 a 6 da petição inicial, juntos de fls 25 a 36).
A 2.ª R., na sua contestação, não pôs em causa a existência dessas declarações, mas sustentou a sua invalidade, por razões estritamente jurídicas (cfr. artigos 80.º a 97.º da sua contestação a fls 103 a 106). O mesmo se podendo dizer relativamente à defesa apresentada pela 1.ª R., que para o efeito se sustentou praticamente no mesmo tipo de argumentação (cfr. artigos 72.º a 88.º da sua contestação a fls 176 verso a fls 178).
O Tribunal a quo, logo após a prolação do despacho saneador, em audiência prévia (cfr. fls 202 a 203), ainda convidou o A. a suprir falhas verificadas nas declarações de renúncia apresentadas, o que este veio a satisfazer, juntando novas declarações, por requerimento de 4 de janeiro de 2019 (cfr. doc.s de fls 207 a 211), posteriormente completado pela junção de habilitações de herdeiros e nova declaração de renúncia (cfr. doc.s de fls 216 verso a fls 223 verso).
Feitas essas diligências instrutórias prévias, por despacho de 1 de março de 2019, veio o Tribunal a fixar o objeto do litígio e os temas de prova, consignando ainda quais os factos que julgava assentes (cfr. fls 225 a 226). Assim, entre os factos logo dados por provados, ficou a constar da alínea c) que ficou assente: «c) O teor das declarações de renúncia e das habilitações de herdeiros constantes dos autos» (sic).
Nenhuma das partes reclamou, nem dos factos dados por assentes, nem dos temas de prova. No entanto, por requerimento de 25 de junho de 2019, a 2.ª R. apresentou, pela primeira vez, um articulado superveniente onde suscitou a questão da falsidade das assinaturas das “comproprietárias” Patrícia ...... e Vanessa ...... (cfr. fls 279 a 290). O que veio a ser renovado a fls 298 e ss., na sequência do despacho de fls 296, que julgou intempestivo o articulado anterior, por dever ser apresentado no início da audiência final, como estabelece o Art. 588.º n.º 3 al. c) do C.P.C..
Realçamos que nesse “novo” articulado superveniente, suscitaram-se duas questões diversas. Por um lado, invocou-se a existência de abuso do direito de preferência, porquanto não seria o A. o “verdadeiro” preferente, mas sim um terceiro. Por outro, suscitou-se a questão da falsidade das assinaturas das declarações de renúncia assinadas pelas comproprietárias Patrícia e Vanessa.
Após o cumprimento do contraditório (cfr. fls 327 a 334), veio o articulado superveniente a merecer o despacho de 23 de janeiro de 2020 (cfr. fls 355 a 356 verso) que indeferiu a admissão dos factos supervenientes por irrelevância para a decisão da causa e indeferiu a alegação da falsidade dos documentos (v.g. das declarações de renúncia ao direito de preferência alegadamente assinados por Patrícia ...... e Vanessa ......), com fundamento na extemporaneidade do requerido.
A 2.ª R. recorreu desse despacho, cujo recurso subiu de imediato e em separado, constituindo o apenso “A” dos autos, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 4 de junho de 2020, revogado a não admissão do articulado superveniente quanto aos factos supervenientes relativos ao abuso do direito de preferência, mas manteve a decisão recorrida no que se refere à extemporaneidade da impugnação da prova documental, sustentada na falsidade das declarações de renúncia das comproprietárias (cfr. fls 68 a 80 do apenso “A”).
Só após a conclusão do julgamento em primeira instância, e já depois de terem sido apresentadas as alegações de recurso pelas R.R., bem como as contra-alegações do A., é que o Ministério Público, junto do DIAP, 3.ª secção de Loures, veio a remeter oficiosamente aos presentes autos o teor do despacho de arquivamento do processo-crime com o n.º 262/20.7T9LRS, datado de 29 de abril de 2021, bem como dos relatórios periciais feitos às assinaturas atribuídas a Vanessa ...... e Patrícia ......, constantes das declarações de renúncia ao direito de preferência, e, bem assim, às assinaturas e impressão digital atribuída a Paula ......, referentes à renúncia dessa outra interessada (cfr. fls 709 a 721).
Como vimos, ambas as partes pretenderam juntar, de novo, partes desse mesmo documento remetido aos autos oficiosamente pelo M.P.º do DIAP de Loures, mas essa pretensão veio a ser indeferida pelo relator do presente acórdão, que ordenou o correspondente desentranhamento desses documentos, tendo em atenção a extemporaneidade da sua junção, mas fundamentalmente por serem a repetição de documento já junto ao processo. No entanto, logo então se ressalvou que o documento junto pelo Ministério Público seria oportunamente tido em consideração.
Sendo este o histórico da questão, o primeiro obstáculo que se apresenta à apreciação da impugnação destes factos tem a ver com o alegado efeito de caso julgado formal, seja relativamente à circunstância de estarmos perante matéria de facto já julgada por assente, seja relativamente à decisão de não admissão da impugnação da prova documental junta.
Quanto ao primeiro ponto, temos de referir que a matéria do caso julgado formal relativo a factos dados por assentes no despacho saneador também tem atrás de si um historial que importa recordar em termos sucintos.
Assim, até à reforma de 1995/1996, o juiz, no próprio despacho saneador, deveria selecionar os factos articulados pelas partes com interesse para o conhecimento do mérito da causa, segundo as várias soluções admissíveis em direito, especificando os que julgava por assentes, em virtude da confissão, acordo das partes ou de prova documental, e quesitando, com subordinação a números, os pontos de facto controvertidos (cfr. Art. 511.º n.º 1 do C.P.C./61). Se as partes não concordassem com essa seleção, dela poderiam reclamar no prazo de 10 dias com fundamento em omissão, excesso, obscuridade ou contradição (Art. 511.º n.º 3 al.s a) a c) do C.P.C./61), sendo a reclamação decidida, após cumprido o contraditório, sem possibilidade de recurso autónomo, embora fosse admissível recurso da sentença final com fundamento na solução dada à reclamação (Art. 511.º n.º 5 do C.P.C./61).
Nesse quadro legal anterior, apesar de ter sido questão muito discutida, acabou por se assentar na conclusão que a organização da especificação e questionário não fazia caso julgado formal sobre a factualidade dada por assente, ou mesmo sobre a dada por controvertida, independentemente de ter havido ou não reclamação oportuna do despacho saneador sobre a decisão que tinha por objeto a seleção dos factos (Vide, a propósito: Anselmo de Castro in “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol. III, 1995, pág.s 282 a 292, Castro Mendes in “Direito Processual Civil”, Vol. II, 1987, pág. 650 a 653; Antunes Varela in “Manual de Processo Civil”, 2.ª Ed., pág.s 427 a 429). Muito embora Castro Mendes tivesse continuado a sustentar que havia caso julgado formal, mas apenas positivo, na parte que se referia aos factos dados por assentes que não tivessem sido oportunamente postos em causa pelas partes, pois quanto a esses não mais seria possível retirá-los da especificação (Ob. Loc. Cit., pág. 651).
Esta controvérsia veio a dar lugar a um assento do Supremo Tribunal de Justiça (assento n.º 14/94 de 26/5/1994) que decidiu que: «No domínio de vigência dos Códigos de Processo Civil de 1939 e 1961 (considerando este último antes e depois da reforma nele introduzida pelo Dec.Lei n.º 242/85 de 9 de julho), a especificação, tenha ou não havido reclamações, tenha ou não havido impugnação do despacho que as decidiu, pode sempre ser alterada, mesmo na ausência de causas supervenientes, até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio».
Ficou assim claro que a decisão sobre a seleção dos factos assentes, que ficavam a constar da especificação, não tinha força de caso julgado formal, nem positivo, nem negativo, tivesse havido ou não reclamação oportuna das partes.
A Reforma de 1995/1996, decorrente do Dec.Lei n.º 329-A/95 de 12/12 e Dec.Lei n.º 180/96 de 25/9, fez desaparecer as figuras da especificação e do questionário, mas o novo regime da seleção da matéria de facto aí estabelecido acabou por, na prática, não se traduzir em alterações substanciais ao modelo anterior. O Art. 511.º do C.P.C. passou a incluir os factos controvertidos na “base instrutória”, permitindo-se às partes reclamar contra a seleção da matéria de facto incluída na base instrutória ou a considerada como assente, com fundamento em deficiência, excesso ou obscuridade (n.º 2 do Art. 511.º do C.P.C. então vigente), mantendo-se a irrecorribilidade autónoma do despacho incidente sobre essas reclamações, que apenas poderia ser impugnado no recurso da decisão final (idem n.º 3 do Art. 511.º).
Atualmente, com a reforma de 2013, no novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26 de junho, deixou sequer de haver seleção da matéria de facto, assente ou controvertida, no contexto do despacho saneador. O Art. 596.º do C.P.C. vigente estabelece apenas que, se a ação houver de prosseguir, após a prolação do despacho saneador, deve o juiz proferir despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas de prova.
A enunciação dos “temas de prova” aí estabelecida não corresponde a uma enunciação de factos. Não há agora uma imposição legal de descrição de facto concretos, mas mera formulação genérica, em traços gerais, das questões sobre que incidirá a prova.
Como refere Lebre de Freitas, a este propósito: “As questões fundamentais (causa de pedire exceções) controvertidas constituem os grandes quadros de referência desta enunciação» (in “A Ação Declarativa Comum Á Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3.ª Ed., pág. 197). Para Paulo Pimenta (in “Direito Processual Declarativo”, 2.ª Ed., pág. 311) esta enunciação «não se trata mais da quesitação atomística e sincopada de pontos de facto (…), o que agora está em jogo é permitir a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas exceções deduzidas, decorra sem barreiras artificiais e sem quaisquer constrangimentos, com isso assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa». Já Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida (in “Direito Processual Civil”, vol. II, 2.ª Ed., pág. 233) esclarece que, mesmo tendo-se por referência a factualidade essencial à resolução do pleito, a definição dos temas de prova traduz-se: «na delimitação genérica dos quadros ou epígrafes referenciais (questões temáticas centrais), com conexão substancial e nos quais possam ser abstratamente subsumidos os pontos factuais controvertidos do litígio, sobre os quais devam incidir a instrução e discussão da causa».
Em conclusão, nos termos da lei processual vigente, não há seleção da matéria de facto no despacho saneador e não há sequer especificação dos factos sobre que não haverá qualquer produção de prova, por se deverem considerar logo assentes. Sem prejuízo do exposto, nada impede que o juiz da causa, por comodidade e para melhor esclarecimento das partes, possa logo após o despacho saneador identificar os factos que julga estarem dados por assentes, por confissão, admissão por acordo ou decorrência de prova documental. Mas, ainda que assim o faça, sobre esses factos não se forma caso julgado formal, positivo ou negativo, mesmo que não tenha havido reclamação das partes, como era jurisprudência assente desde o Assento do S.T.J. n.º 14/94, cuja interpretação aqui se julga continuar a ser aplicável, por maioria de razão, em face da elasticidade que esta matéria assumiu na letra e espírito da lei processual vigente.
Efetivamente, à luz da lei atual, será na sentença final que todas as questões relativas à matéria de facto devem ser objeto de apreciação final e conjunta. Por isso, conforme estabelece o Art. 607.º n.º 4 do C.P.C., o juiz deverá, na fundamentação da sentença, declarar os factos que julga provados, tomando em consideração os que são admitidos por acordo, provados por documento ou confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida, o que poderá determinar algumas correções a factos que inicialmente poderiam ser tidos, sem mais, por assentes, tendo em atenção a posição que as partes sobre eles tiveram nos seus respetivos articulados.
Em conformidade, no recurso da sentença final que ponha termo ao processo, todas as questões relativas à decisão sobre a matéria de facto podem ainda ser oportunamente suscitadas, no quadro legal dos Art.s 640.º e 662.º do C.P.C., não havendo caso julgado formal relativo aos factos dados por assentes, nomeadamente em audiência prévia, mesmo que sobre eles não tenha havido qualquer reclamação oportuna.
No caso, evidencia-se que os factos em causa, relativos às declarações de renúncia ao direito de preferência, ficaram logo dados por assentes após a prolação do despacho saneador, tal como consta da alínea c), cuja redação transcrevemos, muito embora na sentença recorrida se tenha decidido, e bem, desdobrar esses factos nos pontos 3 a 6 e 10 a 12, reproduzindo-se o teor das declarações de renúncia que haviam sido julgadas previamente por assentes.
Esses factos foram efetivamente admitidos por acordo, em face dos termos das contestações apresentadas pelas R.R.. No entanto, como vimos, não se pode dizer que sobre os mesmos se tenha formado caso julgado formal. Desde logo, porque sempre seria admissível, até à conclusão da audiência final, que viesse a ser produzida prova com força probatória suficiente para pôr em causa essa factualidade. Sendo que o Art. 5.º n.º 2 al. b) do C.P.C. sempre permitiria que, para além dos factos alegados pelas partes, fossem ainda considerados pelo juiz os factos complementares ou concretizadores dos que foram alegados, se resultassem da instrução da causa e desde de que sobre eles tenham as partes tido oportunidade de se pronunciar.
Por outro lado, como decorre do Art. 611.º n.º 1 do C.P.C., a sentença deveria atender aos factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da ação, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão. Assumindo, para esse efeito, particular relevância as renúncias que apenas foram formalizadas por escrito, ou objeto de declaração por qualquer outra forma, após a propositura da ação pelo A..
Tendo este regime jurídico em consideração, é evidente que o Tribunal a quo não poderia relevar a prova pericial produzida no âmbito do processo-crime, até porque os respetivos relatórios periciais foram produzidos depois da prolação da sentença. Mas, poderia perfeitamente ter tido em consideração a prova que veio a ser produzida em audiência de julgamento, pois apesar do decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão constante do apenso “A”, que julgou extemporânea a impugnação da prova documental apresentada pela 2.ª R., verificamos que acabou por ser produzida prova testemunhal sobre a “falsificação” das assinaturas constantes das declarações de renúncia ao direito de preferência por parte das comproprietárias Patrícia ...... e Vanessa.......
Ora, ouvido o depoimento gravado das testemunhas Patrícia ..... e Vanessa ....., as mesmas vieram confirmar aquilo que foi apurado pelo Ministério Público do DIAP de Loures, no âmbito do processo-crime n.º 262/20.7T9LRS. Ou seja, as assinaturas imputadas às duas “comproprietárias” em menção – ou melhor, às assinaturas das duas herdeiras de José Manuel ....., que por vez era um dos sucessores do falecido Manuel ......, o qual era um dos comproprietários do imóvel do A. –, constantes das declarações de renúncia juntas a fls 210 e 208 verso, não foram produzidas pelo punho das próprias. Mas, apesar disso, as mesmas testemunhas também declararam que não tinham qualquer interesse em exercer o direito de preferência sobre o prédio vendido à 2.ª R., tendo inclusivamente assinado uma outra declaração, por si manuscrita, em que diziam isso mesmo, o que terá ocorrido em finais do ano de 2018. Portanto, as declarações de fls 210 e 208 verso, datilografadas e datadas de janeiro de 2019, traduziam a sua vontade efetiva e correspondiam a outras declarações, anteriores e manuscritas, com o mesmo sentido material.
Assim sendo, o Tribunal a quo não poderia, em face da prova produzida em audiência, consignar nos factos provados que as mencionadas senhoras, Patrícia ...... e Vanessa ......, “subscreveram” as declarações de renúncia, tal como consta dos pontos 10 e 11 dos factos provados. A prova produzida permite concluir que as duas herdeiras não pretendiam de facto exercer esse direito de preferência e até terão assinado um documento escrito, que não se mostra junto aos autos, em que declararam isso mesmo, mas efetivamente não subscreveram as declarações de fls 210 e 208 verso.
A decisão de julgar extemporânea a impugnação da prova documental apresentada pela 2.ª R., posteriormente confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa constante do apenso “A”, que assim transitou em julgado, não era motivo bastante para inviabilizar que os factos dados por provados na sentença final devessem estar conformes com a prova efetivamente produzida sobre essa matéria em audiência final, nomeadamente tendo em atenção o disposto no Art. 5.º n.º 2 al. b) do C.P.C., porquanto subsistia a necessidade de apreciação da questão da “legitimidade” do A. para exercer o direito de preferência em função dos factos que fossem apurados a final.
Em suma, não existiriam motivos, relacionados com a força do caso julgado, formal, que justificassem que os factos provados em 10 e 11 da sentença recorria devessem assim ser julgados, em desconformidade com a prova produzida em audiência sobre a mesma matéria.
A questão relativa ao facto constante do ponto 6 da matéria de facto provada na sentença recorrida é um pouco mais complexa, porquanto nunca anteriormente tinha sido suscitada, nesses termos, a validade da renúncia de Paula ......, na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do seu marido, Manuel ...... .
Sobre essa herdeira de Manuel ......, não foi produzida qualquer prova em audiência final e, portanto, motivos não existiam para que não fosse julgado por provado o que ficou a constar do ponto 6 da sentença recorrida.
Quanto a este ponto, a única prova relevante, que o poderia por em causa, é somente o relatório de exame pericial, constante de fls 718 a 720 verso, remetido pelo Ministério Público do DIAP de Loures.
No entanto, o que consta desse relatório é que «as impressões digitais apostas no documento A (fls 28 e 39) identificam-se entre si e identificam-se com a impressão digital aposta no documento A2 (fls 93) no entanto não se identificam com a impressão digital aposta no documento A1 (fls 79)» (cfr. fls 718 verso – com sublinhado do documento original).
Sucede que, a declaração de renúncia ao direito de preferência que se mostra junta aos autos e a que se reporta o facto provado no ponto 6 da sentença recorrida é a de fls 34, assinada por António Luís ......, “a rogo de Paula ......, por não saber assinar” (cfr. cit. doc. a fls 34). Ora, constatamos esse documento corresponde à cópia do documento A2, mencionado no relatório de exame pericial do Laboratório de Polícia Científica (cfr. fls 209) e não ao documento A1, que aparentemente se refere a uma outra declaração de renúncia.
Assim sendo, relativamente ao documento de fls 34, a prova pericial produzida no âmbito do processo-crime concluiu que a impressão digital aí aposta foi efetuada pela mesma pessoa. Pelo que, motivos não existem para por em causa o dado por provado na sentença recorrida a esse propósito.
Em todo o caso, relativamente aos termos da impugnação inicial dos factos 3 a 6 e 10 a 12, julgamos concordar com a posição defendida pelo recorrido, no sentido de ser irrelevante o aditamento proposto quanto à menção da data indicada em cada uma das declarações de renúncia, sendo também verdade que em cada um desses factos é feita a remissão expressa para a prova documental a que se reporta, donde decorrem os factos provados alegadamente omissos.
Em função de todo o exposto, julgamos atender parcialmente à impugnação dos factos aqui postos em crise, mas apenas quanto aos pontos 10 e 11 dos factos provados, não só porque sustentados em prova documental, mas também porque a prova testemunhal produzida, nomeadamente através dos depoimentos de Patrícia ...... e Vanessa ......, suportam o que foi apurado pelo Laboratório de Polícia Científica e pelo Ministério Público no âmbito de processo-crime mencionado, devendo esses factos ter redação adequada ao que efetivamente foi apurado.
Nestes termos, os factos 10 e 11 passarão a ter a seguinte redação:
«10.º- Em finais do ano de 2018, Patrícia ......, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de seu marido José Manuel ......, e também em representação do seu filho menor, Tiago ......, manifestou a vontade de renunciar ao direito de preferência relativamente à aquisição do prédio a que se reporta a escritura pública mencionada em 20.º.
«11.º- Na mesma data, em finais do ano de 2018, Vanessa ....., manifestou igualmente a sua vontade de renunciar ao direito de preferência relativamente à aquisição do prédio a que se reporta a escritura pública mencionada em 20.º».
3.2. Do facto provado 19 - relativo à compropriedade do prédio do A.
A 2.ª R. veio impugnar igualmente a matéria de factos constante do ponto 19 dos factos provados da sentença recorrida, com vista a realçar que o A. não é proprietário do prédio aí em causa, mas sim comproprietário, defendendo que a redação do ponto 19 estaria em contradição com o dado por provado em 1 e a prova documental correspondente. Pretende assim que fique provado que o prédio referido em 18 confina a poente com o prédio de que o A. «é comproprietário de uma quota ideal».
O Recorrido sustenta a irrelevância desta alteração e que não existe qualquer contradição com o facto dado por provado em 1.
Com o devido respeito, parece-nos evidente que não existe qualquer contradição intrínseca entre o facto provado em 1 e o facto provado em 19, pois não existe nenhuma dúvida, no contexto da sentença recorrida, de que o A. é comproprietário do prédio descrito em 1.
Em todo o caso, não custa que admitir que deveria ser sempre ressalvado rigor terminológico na matéria de facto provada, mantendo-se a interna coerência entre o dado por provado em 19 e o que consta do ponto 1, tendo por referência a respetiva prova documental em que este facto assenta. Mas, para esse efeito, é despiciendo fazer incluir na matéria de facto conceitos de natureza eminentemente jurídica.
De facto, a menção à compropriedade “de uma quota ideal”, tal como proposta pela Recorrente é factualmente incorreta, juridicamente imprecisa e doutrinalmente discutível, levando-nos a uma inútil discussão sobre a natureza jurídica do direito de compropriedade, que deve ficar afastada da redação objetiva que se impõe relativamente à matéria de facto provada.
Julgamos assim justificar-se que o ponto 19 dos factos provados passe a ter a seguinte redação:
«19.º- O prédio referido em 18º confina a poente com o prédio identificado em 1º».
3.3. Do facto provado 21 - relativo à forma de notificação do A. para o exercício do direito de preferência.
A Recorrente pretende ainda alterar a redação do ponto 21, porque foram publicados anúncios dos editais no jornal público em 2 de julho de 2016, conforme documento n.º 9 junto com a contestação da R.. Pretende assim que fique apenas provado que o A. não foi notificado pessoalmente para exercer a preferência.
O Recorrido, por seu turno, chama a atenção para o facto desse anúncio ser a publicitação da venda por negociação particular por obtenção de propostas em carta fechada, pelo que tratar-se-ia de situação completamente diversa duma notificação para exercício do direito de preferência relativa a uma compra concreta por parte de um terceiro interessado na aquisição dos imóveis. A tal acresce que o próprio administrador de insolvência, ouvido em declarações de parte, reconheceu que não deu preferência aos proprietários dos prédios confinantes, conforme extrato da gravação (aos minutos 8:27) que reproduziu. Pelo que, pugnou pela manutenção da redação do ponto 21 dos factos provados.
Apreciando, diremos que só podemos concordar com o Recorrido, ainda que a questão suscitada tenha em si ínsitas razões de direito, sobre as quais só oportunamente nos iremos pronunciar, se nisso houver necessidade.
De facto, o documento de fls 152 (doc. n.º 9 da contestação da 2.ª R.) é efetivamente uma cópia de anúncio publicado em jornal destinado à obtenção de proposta em carta fechada para venda por negociação particular. Logo, nada tem a ver com a notificação para o exercício do direito de preferência, sendo que a omissão desta notificação é que fundamentalmente releva para o direito pretendido fazer valer nesta ação.
Também é verdade que o administrador de insolvência da B, Ademar ......, ouvido em declarações de parte na audiência final, reiterou enumeras vezes ao longo do seu depoimento, que não notificou os proprietários de prédios confinantes para exercer o direito de preferência, explicitando mesmo que, relativamente ao A., este nunca foi contactado antes da adjudicação do prédio (gravação aos minutos 27:13).
Em suma, razões não existem para alterar a matéria constante do ponto 21 dos factos provados, improcedendo nesta parte a impugnação apresentada.
3.4. Do facto provado 22 - relativo aos bens que constavam do lote adjudicado à 2.ª R..
O Recorrente pretende alterar a redação do ponto 22 dos factos provados no sentido de aí ficarem especificados os bens que compunham o lote adjudicado à 2.ª R. e, bem assim, que os restantes imóveis seriam confinantes entre si, em conformidade com planta que juntou, tendo em atenção o que já havia alegado em 122.º da sua contestação.
O Recorrido sustentou a irrelevância dos factos pretendidos aditar, relembrando os motivos pelos quais o administrador de insolvência decidiu juntar esses prédios num mesmo lote, que tinha a ver apenas com a alegada dificuldade de os vender isoladamente.
Apreciando, diremos, em primeiro lugar, que o documento de fls 151 (doc. n.º 8 junto com a contestação da 2.ª R.), identificado como um “ortofotomapa”, não faz prova suficiente do que a Recorrente alega, porque na fotografia em causa foram apostos dizeres manuscritos cuja autenticidade se desconhece, não se sabendo se correspondem à realidade pretendida retratar.
É certo que da gravação do depoimento do administrador da insolvência da B, o mesmo referiu que o lote 19 – que é o lote em causa nesta ação – era composto por terrenos próximos entre si (gravação aos minutos 21:43), tendo sido por isso que foram juntos no mesmo lote. Mas também foi dito pelo mesmo declarante que a opção pela sua junção num único lote tinha efetivamente a ver a dificuldade de venda desses terrenos de menor dimensão, caso os mesmos fossem vendidos isoladamente.
Ora, só com base nesta prova, é evidente que não poderia ser dado por provado o que o Recorrente sustenta dever passara a constar da redação do ponto 22. Nessa medida, julgamos que a impugnação da matéria de facto improcede também nesta parte.
3.5. Dos factos a aditar relativos ao processo de insolvência.
A Recorrente veio ainda sustentar que a sentença seria omissa relativamente a factos documentados nos autos, que no seu entender seriam relevantes para o conhecimento do mérito da causa, relativos ao processo de insolvência.
Em termos sucintos, estariam em causa os seguintes factos:
1- O anúncio de venda dos bens (cfr. doc. n.º 9 da contestação);
2- O motivo da junção dos prédios no lote 19, relativo à dificuldade de venda se não em conjunto com o prédio objeto da preferência;
3- Que a 2.ª R. adquiriu, com o prédio objeto da preferência, outros 7 artigos, todos confinantes com aquele primeiro.
O primeiro dos mencionados factos deveria ser dado por provado com base no documento n.º 9 que juntou. O segundo e terceiro decorreriam das declarações do administrador da insolvência da B, que transcreveu, e bem assim nas declarações do legal representante da 2.ª R..
O Recorrido sustentou a improcedência da impugnação, nesta parte, fundamentalmente com base na irrelevância desses factos e também na ausência de prova.
Apreciando, diremos que, quanto ao primeiro facto, relativo ao anúncio publicado no jornal “Público”, sobre essa matéria já nos pronunciámos no ponto 3.3. do presente acórdão. Reforçando-se agora a conclusão de que se trata de facto completamente irrelevante para efeitos do exercício do direito de preferência. Quem quer que tivesse direito de preferência, só com base nesse anúncio, nada ficaria a saber que não fosse que os bens aí descritos estavam à venda e aguardavam que fosse apresentada proposta para venda por negociação particular. Como ainda não havia propostas concretas, não poderia ainda ser exercida qualquer preferência.
Passando diretamente para o terceiro facto em menção, a questão coloca-se precisamente nos mesmos termos que deixámos explicitados no ponto 3.4. do presente acórdão. Efetivamente não foi feita prova suficiente sobre o facto dos demais bens adquiridos pela 2.ª R., integrantes do mesmo lote (19), serem todos prédios confinantes com o aquele que é objeto da preferência nesta ação.
Quanto ao segundo facto, também como vimos no ponto 3.4 do presente acórdão, sobre ele foi produzida prova, nomeadamente através das declarações do administrador de insolvência da B.
É certo que desse depoimento decorre que o motivo da decisão de venda desses prédios num único lote teve a ver com a proximidade dos prédios (o que, realce-se, não é sinónimo com o facto de serem confinantes entre si) e com a alegada dificuldade de os vender isoladamente. Ainda assim, quanto a este último ponto, não fica minimamente evidente, só com base nestas declarações, que esses prédios não poderiam ser vendidos isoladamente, nem que não teriam qualquer valor se isoladamente considerados, nem muito menos que poderiam eles mesmos constituir um lote separado do prédio a que se refere o direito de preferência nestes autos. A única coisa que ficou clara é que, por decisão conjugada com a comissão de credores, entendeu-se que convinha mais aos interesses da massa insolvente a venda desses bens em lote único.
Também é certo que, nestas condições, se a 2.ª R. quisesse apresentar proposta, só relativamente ao prédio objeto da preferência, esta não seria aceita, sendo isso que decorre das declarações transcritas nas alegações de recurso pela Recorrente, quer do legal representante da 2.ª R., quer do administrador de insolvência. Ainda assim, ouvidas as declarações do primeiro na sua íntegra, não fica claro que o legal representante da 2.ª R. não pretendesse também adquirir os restantes prédios. O que fica das suas declarações, mas em termos meramente implícitos, é que o seu interesse principal era a aquisição do prédio a que se reporta esta ação, o que se depreende por ser o de maior área e com maior valor económico, que justificaria parte substancial do montante da proposta que a 2.ª R. apresentou. Em todo o caso, em função das declarações prestadas em audiência final, desconhece-se a vontade da 2.ª R. relativamente à ausência de interesse efetivo na aquisição dos demais imóveis que compunham o mesmo lote, o que torna irrelevantes todos estes factos pretendidos aditar.
Quanto a este ponto só poderemos relevar que a 2.ª R. apresentou uma proposta por um lote no qual estavam compreendidos vários imóveis, tendo-lhe sido adjudicados todos os bens que compunham esse lote. Mas, esse facto já decorre do que ficou provado no ponto 22 da matéria de facto da sentença recorrida.
Dito isto, só poderemos concluir que os factos pretendidos aditar são irrelevantes ou sobre os mesmos não foi feita prova suficiente. Pelo que, nessa medida, deverá a impugnação improceder também nesta parte.
3.6. Dos factos a aditar relativos ao articulado superveniente.
Como vimos a 2.ª R. veio apresentar um articulado superveniente, onde alegou abuso de direito de preferência, sustentado no argumento central de que não seria o A. o “verdadeiro” preferente, mas sim um terceiro.
A factualidade em que assentava esse articulado superveniente veio a ser admitida como fazendo parte do objeto desta ação, depois de proferido o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa constante do apenso “A”. No entanto, a sentença recorrida, após a produção de prova sobre a matéria em audiência final, deixou consignado que: «Também nada se provou do articulado superveniente da ré C». (cfr. fls 549). Constando da motivação dessa decisão, depois dum longo resumo dos indícios probatórios recolhidos, que não houve qualquer prova quanto à matéria do articulado superveniente, apenas se provando que existiram «crenças infundadas que surgiram após os contactos efetuados pelo próprio gerente da ré C, efetuados em 2019, em pleno decurso da ação, e a prova direta e credível que houve foi toda ela no sentido contrário». (cfr. fls 551 verso).
A Recorrente pretende por em causa esta apreciação da prova produzida em audiência final, transcrevendo os depoimentos do legal representante da 2.ª R., Telmo ......, e das testemunhas José ......, Carla ......, Paulo ......, Patrícia ...... e Vanessa ......, que no seu entender justificariam que fosse dado por provado o que por si foi alegados nos artigos 3.º a 7.º, 9.º, 11.º e 12.º do articulado superveniente.
O Recorrido sustentou que esses factos eram irrelevantes e refletem uma alegada teoria de conspiração sem qualquer fundamento, defendendo a manutenção da decisão constante da sentença recorrida.
Cumpre assim apreciar a matéria de cada um dos articulados em consideração.
3.6.1. Do artigo 3.º do articulado superveniente.
No artigo 3.º do articulado superveniente foi alegado que o legal representante da 2.ª R., na pendência da ação, teve conhecimento que quem estava verdadeiramente a exercer a preferência sobre o imóvel dos autos não era o A., mas sim o Sr. José .......
Esse facto foi efetivamente afirmado pelo legal representante da 2.ª R., ouvido em declarações de parte na audiência final, tal como decorre das transcrições feitas pela Recorrente nas suas alegações de recurso.
Em resumo, o legal representante da 2.ª R., depois de ouvir rumores sobre o assunto, foi falar diretamente com o Sr. José António ...... propondo-lhe uma solução para o litígio a que se reporta a presente ação, o que não teve resposta, sendo certo que aquele terá dado a entender que estava interessado na compra da Quinta em causa. Depois também foi falar com o filho do A., por via telefónica, que lhe respondeu que o assunto deveria ser tratado antes com o Sr. José António.......
No entanto, do depoimento da testemunha José António ...... resulta versão oposta à assim apresentada, porque o mesmo nega ser o preferente, limitando-se a confirmar que emprestou (ou a sua empresa emprestou) dinheiro ao A. (ou à família), num total de €197.101,17, para este poder fazer o depósito do preço para efeitos do exercício do direito de preferência nesta ação. Esta testemunha confirma que falou uma única vez com o legal representante da 2.ª R., mas não confirma o teor dessa conversa, tal como aquele a apresentou em audiência de julgamento. Sendo certo que, o mesmo também confirmou que esteve presente em duas deslocações ao domicílio das comproprietárias do prédio do A., Patrícia ...... e Vanessa ......, a primeira com vista à obtenção duma declaração de renúncia ao exercício do direito de preferência e a outra com vista a esclarecer a questão da queixa-crime por alegada falsificação dessas declarações.
A testemunha Carla ......, solicitadora que fez o reconhecimento presencial das assinaturas de Patrícia ...... e Vanessa ......, limitou-se a dizer que foi acompanhada, em duas visitas a casa dessas duas interessadas, pelo filho do A. e pela testemunha José António .......
A testemunha Paulo ......, que teria negócios com o legal representante da 2.ª R., ouviu a versão dos factos que este último lhe transmitiu. Mas, também terá sido quem criou as condições para que se realizasse a reunião entre o legal representante da 2.ª R. e o filho do A., com quem tinha contacto. No entanto, antes disso, o próprio falou com o filho do A., em finais de abril de 2019, que a propósito deste assunto disse à testemunha que ele não decidia nada e que quem decidia tudo era o seu primo, José António ......, ficando com a impressão que este era quem estava por trás de tudo isto.
A testemunha Patrícia ......, que chegou a ser empregada do Sr. José ......, limitou-se a confirmar que este e o seu primo, o filho do A., foram lá a sua casa para obter a assinatura das declarações de renúncia ao direito de preferência, expressando a ideia de que ficou com a impressão de que o interessado na compra do terreno adquirido pela 2.ª R. era o Sr. José .......
A testemunha Vanessa ....... também só confirmou a ida das mesmas pessoas para obter a declaração de que não estaria interessada em exercer a preferência.
Sendo este o sentido geral da prova gravada produzida em audiência, relevante sobre esta matéria, temos de dizer que ficámos com a clara impressão de que José ...... não é pessoa totalmente indiferente ao exercício do direito de preferência pelo A., sendo inequívoco que foi o mesmo quem, em condições pouco claras, terá proporcionado os meios financeiros que permitiram a realização do depósito do preço relativo à presente ação de preferência. Mas, ainda assim, a prova produzida é insuficiente para se poder concluir que ele é o “verdadeiro” preferente e não o A.. Na verdade, para além da irrelevância dos “rumores” que chegaram aos ouvidos do legal representante da 2.ª R., tudo o mais referido pela prova testemunhal, isenta e imparcial, por não ser parte nesta ação, sustenta-se em meras suposições, impressões ou ideias com que as pessoas ficaram, sem sustentação palpável e plausível, de tal modo que se pode dizer que são tão razoáveis as suspeitas de uns, como o sentido do depoimento prestado pela testemunha José António, que as contradiz.
Não diremos, ao contrário da ideia expressa na sentença recorrida, que o depoimento da testemunha José António ...... foi isento, imparcial e credível, porquanto, a nosso ver, esse depoimento oferece-nos as mais sinceras dúvidas. Só que essas dúvidas são insuficientes para sustentar a resposta positiva aos factos agora em menção, quando somos confrontados, pela positiva, por um lado, com um depoimento prestado pela própria parte interessada na solução a dar à causa (v.g. declarações parte do legal representante da 2.ª R.) e, por outro, com depoimentos testemunhais indiretos ou suportados em suposições que não se mostram minimamente sustentadas.
Em face do exposto, julgamos improcedente nesta parte a impugnação relativa ao pretendido aditamento aos factos provados constantes do artigo 3.º do articulado superveniente, que assim deve continuar a figurar nos factos não provados.
3.6.2. Do artigo 4.º do articulado superveniente.
No artigo 4.º do articulado superveniente foi alegado que o legal representante da 2.ª R. solicitou a um amigo do filho do A., de seu nome Paulo Pedro, que agendasse uma reunião com aquele para saber da veracidade do rumor e para tentar chegar a acordo sobre o imóvel em litígio.
Como já vimos, foi efetivamente feita prova deste facto, porque ele decorre do depoimento de Paulo ......, que foi ouvido como testemunha na audiência final. Simplesmente, este facto é completamente irrelevante em si mesmo considerado e, portanto, a sua inserção na factualidade provada seria inútil, improcedendo, por isso, a correspondente impugnação.
3.6.3. Do artigo 5.º do articulado superveniente.
A Recorrente pretende ainda que seja dado por provado, em face do alegado no artigo 5.º do mesmo articulado superveniente, que no passado dia 29 de abril o referido Paulo Pedro ...... reuniu com o filho do A., de seu nome António Luís ....... Mas, o que se disse relativamente ao artigo 4.º, no ponto 3.6.2. do presente acórdão, tem aqui plena aplicação. Trata-se de facto, em si mesmo considerado, completamente irrelevante.
3.6.4. Do artigo 6.º do articulado superveniente.
Do artigo 6.ºdo articulado superveniente pretende a Recorrente que fique provado que o filho do A. disse ao Sr. Paulo Pedro ......, nessa tal reunião, que não poderia negociar pois tinha dado a palavra ao Sr. José António ...... de que o terreno era para ele e que autorizava a dar o seu número de telefone ao administrador da R..
Efetivamente, decorre da gravação do depoimento dessa testemunha, Paulo Pedro ......, que na conversa que teve com o filho do A. este terá dito que «não era ele que decidia nada», que «era o primo dele o Sr. José António ......». Mas, ouvido atentamente, do seu depoimento não resulta que o filho do A. tenha dito que o terreno era para o Sr. José António ....... Isso é apenas uma suposição da testemunha, uma impressão com que ficou da resposta – diga-se que particularmente arrevesada e enigmática – que recebeu do Sr. António Luís ....... Assim sendo, a resposta do filho do A., objetivamente considerada, tal como reproduzida por esta testemunha, também poderia ser interpretada no sentido de que o Sr. José António ...... sempre teria de ser ouvido, porque, afinal foi quem emprestou o dinheiro ao A..
Esta dúvida sobre o sentido do que efetivamente foi dito pelo filho do A. esvazia de sentido o que é alegado no artigo 6.º e não permite que se possa dar por provado o que aí é alegado sobre o que o filho do A. terá dito nessa “reunião”, ou melhor, nessa “conversa”.
Também é certo, e sobre isso não há dúvida, que o filho do A. permitiu que fosse facultado o seu número de telefone ao legal representante da 2.ª R.. Só que esse facto é, em si mesmo, completamente irrelevante. Por isso, julgamos também improcedente a impugnação apresentada nesta parte.
.3.6.5. Do artigo 7.º do articulado superveniente.
Do artigo 7.º do articulado superveniente pretende a Recorrente que seja aditado aos factos provados que o Sr. Paulo Pedro ...... enviou um sms ao legal representante da 2.ª R. com o número de telefone do filho do A..
Mesmo que esse facto tenha sido efetivamente confirmado pela testemunha Paulo Pedro ...... e pelo legal representante da 2.ª R., e até haja prova documental sobre esse assunto, que mereceu inútil controvérsia na audiência final, a verdade é que este facto é, em si mesmo, completamente irrelevante. Por isso, improcede nesta parte também a impugnação apresentada.
.3.6.6. Do artigo 9.º do articulado superveniente.
O artigo 9.º reporta-se ao alegado agendamento duma reunião, na sequência de telefonema do legal representante da 2.ª R. para o filho do  A..
Também se refere este facto a pormenor irrelevante no contexto da exceção de abuso de direito no exercício da preferência e, por isso, não deve ser aditado aos factos provados.
.3.6.7. Do artigo 11.º do articulado superveniente.
A Recorrente pretende que seja ainda dado por provado, em função do alegado no artigo 11.º do articulado superveniente, que nessa reunião o legal representante da 2.ª R. tentou chegar a acordo para por termo apresente ação, tendo o filho do A. respondido que para esse efeito tinha de falar com o Sr. José António .......
Este facto, apenas foi referido, diretamente, pelo próprio legal representada da 2.ª R., que foi ouvido em audiência final em declarações de parte, tendo sido contraditado pelo sentido geral do depoimento da testemunha José António ......, que suscita a dúvida fundada sobre se a conversa poderia ter sido exatamente nesses termos.
Diremos assim, em conformidade com a convicção que fomos explicitando sobre o sentido geral da prova produzida em audiência, que não existe segurança suficiente, tendo em atenção a prova gravada, para podermos ter por certo que a conversação em causa ocorreu de facto nesses termos. Pelo que, esse facto deverá permanecer nos factos não provados, improcedendo a impugnação nesta parte.
.3.6.8. Do artigo 12.º do articulado superveniente.
Finalmente, a Recorrente pretende que fique provado, em função do alegado no artigo 12.º do articulado superveniente, que «O Aviário ......, S.A., representado pelo Senhor José António ...... fez um empréstimo à família Machado, no valor de €197.296,17».
É inquestionável que decorre do depoimento da testemunha José António ...... que foi este quem, de alguma maneira, “emprestou”, ou disponibilizou, o dinheiro que permitiu ao A. fazer o depósito do valor do imóvel a que se refere o exercício do direito de preferência nesta ação. Apesar disso, esta testemunha prestou um depoimento muito confuso, misturando o A. com a “família Machado”, não sendo, a nosso ver, minimamente claro se o dinheiro “emprestado” não seria da própria testemunha, a título individual, ainda que a testemunha tenha colocado nessa posição a firma de que será administrador.
A gravação do depoimento da testemunha em consideração, no geral, permite-nos ter dela uma imagem duma pessoa que trata as questões financeiras de maneira muito informal, leviana e sem qualquer rigor. Por isso, não podemos ter por certo que foi o “Aviário ......, S.A.” que fez um empréstimo e, muito sinceramente, nem podemos levar a sério a declaração de que o empréstimo foi para a “família Machado”. Duvidamos mesmo que se trate sequer de um “empréstimo”, em face do teor integral das declarações dessa testemunha, apesar desta ter feito uso dessa palavra, cujo sentido jurídico a pessoa em causa não nos pareceu ter sequer uma verdadeira noção.
Dito isto, o máximo que poderemos extrair, com mínima segurança, deste depoimento, é que o valor que o A. depositou nesta ação (cfr. facto provado 26) foi-lhe disponibilizado por intermédio de José António ....... No mais, desconhece-se por completo em condições tal operação ocorreu, se existe um qualquer outro negócio por trás dessa disponibilização financeira, ficando nós com a dúvida sobre se esse dinheiro terá mesmo saído do património da sociedade “Aviário ......, S.A.”, porque seria muito difícil justificar essa operação em termos contabilísticos. De todo o modo, acrescente-se, o esclarecimento desse último pormenor também não traria qualquer luz relevante para os termos da apreciação da exceção em causa, tal como alegada pela 2.ª R., no articulado superveniente.
Apesar de tudo o exposto e de se tratar de facto que acaba por ter escassa relevância, julgamos que o que foi efetivamente apurado sobre esta matéria deverá ficar a constar do rol dos factos provados.
Em conformidade, julgamos aditar aos factos provados um ponto 27.º com a seguinte redação:
«27.º O valor do depósito mencionado em 26.º foi disponibilizado ao A. por intermédio de José António .......».

.3.7. Da conclusão da impugnação da matéria de facto.
Em face de todo o exposto, a impugnação da matéria de facto procede apenas parcialmente, quanto aos pontos 10, 11 e 19 dos factos provados na sentença recorrida e quanto à matéria do articulado superveniente.
Assim, os factos 10, 11 e 19 passam a ter a seguinte redação:
«10.º- Em finais do ano de 2018, Patrícia ......, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de seu marido José Manuel ......, e também em representação do seu filho menor, Tiago ......, manifestou a vontade de renunciar ao direito de preferência relativamente à aquisição do prédio a que se reporta a escritura pública mencionada em 20.º.
«11.º- Na mesma data, em finais do ano de 2018, Vanessa ......, manifestou igualmente a sua vontade de renunciar ao direito de preferência relativamente à aquisição do prédio a que se reporta a escritura pública mencionada em 20.º».
«19.º- O prédio referido em 18º confina a poente com o prédio identificado em 1º».
É ainda aditado, aos factos provados, um ponto 27.º com a seguinte redação:
«27.º O valor do depósito mencionado em 26.º foi disponibilizado ao A. por intermédio de José António ......».
4. Dos pressupostos do direito de preferência relativos a proprietários de prédios rústicos confinantes.
Fixados os factos provados, cumpre agora apreciarmos o mérito da causa, relembrando que estamos perante uma ação de preferência, em que o A. pretende que lhe seja reconhecido o direito preferência relativamente a escritura de compra e venda de prédio rústico, celebrada no quadro da liquidação dos ativos da massa insolvente da 1.ª R., e nos termos da qual foi vendida a “Quinta da Abrigada” à 2.ª R., pelo preço de €197.095,21. Para tanto, o A. invoca que lhe assistiria esse direito, com fundamento no facto de ser comproprietário de um prédio rústico confinante com aquele que foi objeto desse negócio, sendo que os restantes comproprietários do seu prédio teriam renunciado ao exercício da preferência e o administrador da insolvência não lhe teria permitido exercer o direito que legitimamente lhe assistia.
Por seu turno, as R.R. sustentaram a inexistência do direito invocado, por não se verificarem todos os pressupostos de que o mesmo depende, pondo em causa a validade das renúncias dos demais comproprietários e a legitimidade do A. para exercer esse direito, pugnando pela impossibilidade do exercício da preferência só relativamente a um dos bens incluídos no lote objeto de venda, para além de ter sido invocada a exceção do abuso de direito de preferência.
No final, a sentença recorrida julgou improcedentes as exceções alegadas pelas R.R., concluindo pela procedência da ação, com o que as R.R. não concordam, sustentando o seu recurso, nesta parte, no mérito das exceções que oportunamente alegaram.
Em causa está essencialmente o direito de preferência definido pelo Art. 1380.º n.º 1 do C.C., nos termos do qual se estabelece que: «1. Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante».
O n.º 2 do mesmo preceito estabelece depois a solução legal para o caso de existirem vários proprietários concorrentes, com direito de preferências, dando prevalência ao proprietário de prédio onerado com servidão de passagem relativamente à alienação de prédio encravado (al. a); ou ao proprietário que, pelo exercício do direito de preferência, mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respetiva zona (al. b). No caso de os preferentes se encontrarem em igualdade de circunstâncias, prevê o n.º 3 do Art. 1380.º do C.C., que se abrirá licitação entre eles, revertendo o excesso apurado para o alienante.
O n.º 4 do Art. 1380.º do C.C. remete para o disposto nos Art.s 416.º a 418.º e 1410.º do C.C., cuja aplicação ao exercício do respetivo direito de preferência reclama, com as necessárias adaptações.
Em consequência desta remissão, quem vender um prédio onerado pelo direito de preferência previsto no Art. 1380.º n.º 1 do C.C., está obrigado a comunicar ao titular daquele direito o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato (Art. 416.º n.º 1 do C.C.), ficando o preferente com a obrigação de informar aqueloutro que pretende exercer essa preferência, no prazo de 8 dias, sob pena de caducidade do seu direito (Art. 416.º n.º 2 do C.C.).
Nos termos do Art. 417.º n.º 1 do C.C., se o obrigado à preferência quiser vender a coisa conjuntamente com outra ou outras, por um preço global, pode o direito de preferência ser exercido apenas em relação àquela primeira, pelo preço que proporcionalmente lhe for atribuído, sendo lícito, porém, ao obrigado, exigir que a preferência abranja todas as restantes coisas, se estas não forem separáveis sem prejuízo apreciável. O n.º 2 desse mesmo preceito esclarece que o disposto no número anterior se aplica ao caso de o direito de preferência tiver eficácia real e a coisa tiver sido vendida a terceiro juntamente com outra ou outras.
Como vimos, o Art. 1380.º n.º 4 do C.C., curiosamente, não remete para o disposto no Art. 419.º do C.C., sendo que é neste último que a lei regula a situação da existência duma pluralidade de preferentes, beneficiários de pactos de preferência. Nesse caso, a regra é que o direito deve ser exercido por todos os preferentes, em conjunto, mas se o direito se extinguir em relação a algum deles, ou algum deles declarar que não o pretende exercer, então estabelece-se que o seu direito acresce aos dos restantes (Art. 419.º n.º 1 do C.C.).
Resta ainda considerar o disposto no Art. 1410.º do C.C., onde se regulamenta a matéria da ação de preferência, estabelecendo-se no seu n.º 1 (com redação do Dec.Lei n.º 68/96, de 31 de maio) que o titular da preferência, a quem se não dê conhecimento da venda ou dação em cumprimento, tem direito a haver para si o bem alienado, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação e deposite o preço devido no prazo de 15 dias após a data da propositura da ação.
Há ainda que ter em conta que a “unidade de cultura”, a que o Art. 1380.º n.º 1 do C.C. se reporta, está definida em legislação avulsa, estando a mesma diretamente relacionada com a proibição de fracionamento de terrenos aptos para cultura em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, tal como estabelecida no Art. 1376.º n.º 1 do C.C..
Esclareça-se ainda que, à data dos factos, a “unidade de cultura” mínima, definida em hectares, para a Zona Oeste, da NUT II do Centro, que inclui o concelho de A......, onde são sitos os terrenos a que os presentes autos se reportam, era de 2,5 ha, para terrenos de regadio, e de 8 ha para terrenos de sequeiro (cfr. anexo II, para que remete o Art. 3.º da Portaria n.º 219/2016 de 9 de agosto – que, entretanto, já foi alterada pela Portaria n.º 19/2019 de 15 de janeiro –, aprovada na sequência do Regime jurídico da Estruturação Fundiária estabelecido pela Lei n.º 111/2015 de 27 de agosto), sendo evidente que no caso não estamos perante terrenos com culturas de regadio.
Cumpre ainda referir que o direito de preferência de proprietários de prédios rústicos confinantes foi pela primeira vez instituído pela Lei n.º 2116 de 14 de agosto de 1962, e regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 44647 de 26 de outubro de 1962, prevendo-se na sua base VI que os proprietários de terrenos confinantes gozavam do direito de preferência nas transmissões por venda particular ou judicial, adjudicação em processo de execução, dação em pagamento ou aforamento, a proprietário não confinante, da propriedade ou do domínio útil ou de qualquer fração alíquota destes direitos sobre prédios rústicos, encravados ou não, com área inferior à unidade de cultura.
A razão de ser da atribuição deste direito de preferência foi a de facilitar o emparcelamento de terrenos com área inferior à da unidade de cultura, dado que os minifúndios não proporcionam normalmente um eficiente aproveitamento dos terrenos (vide: Antunes Varela in RLJ 127 (1994-1995), pág.s 308 a 310, 326 a 335 e 365 a 378; e entre outros: Ac. S.T.J. de 28/2/2008 (Relator: Fonseca Ramos), in C.J.S.T.J., Tomo I, pág.s 129 a 133).
Com a entrada em vigor do Código Civil de 1966, a redação do Art. 1380.º veio afirmar explicitamente que o direito de preferência em causa é um direito reciproco e consagrar como requisito do direito de preferência a área inferior à unidade de cultura, não apenas no que respeita ao prédio transmitido, mas também aos prédios confinantes, não aproveitando por isso a preferência a todos os proprietários de prédios confinantes, mas apenas aos proprietários de prédios confinantes com área também inferior à unidade de cultura, limitando dessa forma o direito de preferência (vide, a propósito: Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3 de outubro de 2019 – Proc. n.º 23/19.6T8PRG.G1 – Relatora: Raquel Batista Tavares, disponível em www.djsi.pt).
O direito atribuído no Art. 1380.º n.º 1 do C.C. veio a ser ampliado pelo Art. 18.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 384/88 de 25 de outubro, que conferiu aos proprietários de terrenos confinantes o direito de preferência, previsto naquele primeiro normativo, «ainda que a área daqueles seja superior à da unidade de cultura».
Foi com base nessa alteração legislativa que, no acórdão do S.T.J. de 13 de outubro de 1993 (superiormente anotado por Antunes Varela in RLJ 127-294), se decidiu que o direito de preferência estabelecido no Art. 18.º do Dec.Lei n.º 384/88 de 25 de outubro, também aproveita ao dono do minifúndio na venda de terreno confinante de área superior à unidade de cultura, ao contrário do que até então resultava do Art. 1380.º n.º 1do C.C..
A partir desta alteração legislativa, assentou-se na conclusão de que apenas ficou excluída a possibilidade de exercício do direito de preferência, por proprietários de terrenos confinantes, se ambos os prédios tivessem áreas superiores à unidade de cultura mínima, porquanto o espírito da lei era fazer cessar os minifúndios e não promover a constituição de latifúndios, que até era proibida à luz da constituição, tendo em atenção o que então estava estabelecido no seu Art. 97.º (vide: Américo Marcelino in “Da Preferência – Estudos, notas da doutrina e jurisprudência e legislação mais comum”, 2.ª Ed., pág.s 107 a 110).
Sucede que, o Dec.Lei n.º 384/88 de 25 de outubro foi, pura e simplesmente, revogado pela Lei n.º 111/2015 de 27 de agosto (cfr. al. a) do Art. 64.º), que no seu Art. 21.º passou a regular um outro direito de preferência, nos seguintes termos:
«1. Os proprietários de parcelas e prédios rústicos abrangidos pelo projeto de emparcelamento gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de transmissão a título oneroso de qualquer das parcelas ou prédios rústicos aí inscritos, inclusive nas transmissões decorrentes de venda forçada.
«2. Caso seja omissa a identidade dos proprietários ou estes não manifestem interesse no exercício do direito de preferência, o mesmo é transferido para as autarquias locais.
«3. Ao exercício do direito de preferência é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime previsto no Código Civil para os pactos de preferência».
O A. ainda invocou a aplicação ao caso deste último preceito legal. No entanto, o mesmo tem de ser compreendido no contexto da lei que o aprovou, a citada Lei n.º 111/2015 de 27 de agosto.
Pretendeu-se então estabelecer, através dessa nova lei, um regime jurídico relativo à “estruturação fundiária” (cfr. Art.1.º), a qual poderia ser alcançada pela utilização do instrumento legal do “emparcelamento rural” (cfr. Art. 3.º n.º 1 al. a)).
O emparcelamento rural, nos termos da lei, poderia assumir a forma de emparcelamento simples ou emparcelamento integral (Art. 6.º al.s a) e b) da Lei n.º 111/2015).
O primeiro, o “emparcelamento simples”, consiste na mera correção da divisão parcelar de terrenos rústicos ou de parcelas pertencentes a dois ou mais proprietários de prédios contíguos, através da concentração, do redimensionamento, da retificação de estremas e da extinção de encraves e de servidões e outros direitos de superfície (Art. 7.º n.º 1).
O emparcelamento simples é sempre feito por iniciativa dos proprietários interessados (Art. 8.º n.º 1), pode implicar a celebração de um acordo de parceria, que deve ser celebrado por escrito (Art. 8.º n.ºs 3 e 4), com vista a fazer executar, durante o período nele estabelecido, e em conformidade com o respetivo plano financeiro, um programa de investimentos e ações, para a obtenção de resultados definidos, no âmbito de operações de emparcelamento simples ou de projetos de valorização fundiária.
Nos termos do Art. 9.º n.º 1 da Lei n.º 111/2015, está atribuído aos proponentes, ou seja, aos proprietários dos prédios confinantes objeto de projeto de emparcelamento, a elaboração e a execução dos projetos de emparcelamento simples, cuja aprovação é da competência do município territorialmente competente (cfr. Art. 9.º n.º 2).
O segundo tipo de emparcelamento, o “emparcelamento integral”, consiste na substituição de uma estrutura predial da propriedade rústica por outra que, associada à realização de obras de melhoramento fundiário (cfr. Art. 12.º n.º1), deve ter por fim: «a) Concentrar a área de prédios rústicos ou parcelas pertencentes a cada proprietário no menor número possível de prédios rústicos; b) Melhorar a configuração e as condições de utilização das parcelas e dos prédios rústicos e apoiar o desenvolvimento das zonas rurais; c) Aumentar a superfície dos prédios rústicos; d) Eliminar prédios encravados».
Este tipo de emparcelamento é da iniciativa do Estado ou dos Municípios (Art. 14.º da Lei n.º 111/2015). Também implica a elaboração de projeto de emparcelamento, por iniciativa da entidade pública promotora (Cfr. Art. 18.º da mesma Lei), o qual, se tiver a oposição dos proprietários dos prédios em causa, pode levar a uma declaração de utilidade pública e à consequente expropriação (Art. 20.º do mesmo diploma).
Ora, em função da inserção sistemática do Art. 21.º na Lei n.º 111/2015 de 27 de agosto, parece que o direito de preferência aí estabelecido apenas se aplicará ao caso dos emparcelamentos integrais, sendo certo que o mesmo pressuporá sempre um projeto de emparcelamento com as formalidades e requisitos previsto nessa lei, sendo que nada disso foi sequer alegado pelo A. nesta ação.
É assim evidente que, tendo sido revogado o Dec.Lei n.º 384/88 de 25 de outubro, pelo Art. 64.º al. a) da Lei n.º 111/2015 de 27 de agosto, em data muito anterior àquela em que se verificaram os factos constitutivos do direito de preferência do A., é claro que o direito pretendido fazer valer nesta ação tem apenas assento legal no Art. 1380.º n.º 1 do C.C., relembrando que a área mínima da “unidade de cultura” a considerar para o caso, tendo em atenção o tipo de terreno e a utilização que lhe é dada, é de 8 hectares, por se tratarem de terrenos de sequeiro e não de regadio.
No entanto, há ainda que ter em atenção o Dec.Lei n.º 73/2009 de 31 de março (entretanto, foi alterado pelo Dec.Lei n.º 199/2015 de 16/9), que aprovou o regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional (RAN), que no seu Art. 26.º também estabeleceu um direito de preferência relativamente a proprietários de prédios rústicos ou mistos confinantes, desde que os mesmos se incluíssem na área duma RAN.
Efetivamente, nos termos desse Art. 26.º, prevê-se que:
«1- Sem prejuízo dos direitos de preferência estabelecidos no Código Civil e em legislação complementar, os proprietários de prédios rústicos ou mistos incluídos numa área da RAN gozam do direito de preferência na alienação ou dação em cumprimento de prédios rústicos ou mistos confinantes.
«2- Os proprietários dos prédios rústicos ou mistos inseridos na RAN que os pretendam vender, comunicam por escrito a sua intenção aos confinantes que podem exercer o seu direito nos termos dos artigos 416.º a 418.º do Código Civil.
«3 - No caso de violação do prescrito nos números anteriores é aplicável o disposto no artigo 1410.º do Código Civil, exceto se a alienação ou dação em cumprimento tiver sido efetuada a favor de um dos preferentes».
Sucede que, não temos elementos nos autos suficientes que nos permitam concluir que os prédios rústicos em causa nesta ação estão integrados numa RAN.
É certo que a integração numa RAN está dependente da classificação dos solos pela Direção-Geral da Agricultura e do Desenvolvimento Rural DGADR (cfr. Art. 6.º desse diploma) e as terras devem ser identificadas nas plantas de condicionamentos dos planos territoriais de âmbito intermunicipal ou municipal (cfr. Art. 11.º). No entanto, o instrumento tornado público com o teor do PDM de Alenquer não permite, só por si, levar à conclusão de que os prédios em causa estão integrados numa RAN, sendo que a Portaria n.º 1069/91 de 22/10, que aprova a carta da RAN de A......, tem efetivamente um mapa anexo, mas este não é legível e não permite tirar conclusão diversa da já exposta.
Aliás, cumpre acrescentar, que o A. também não colocou a presente ação com base no pressuposto de que o Dec.Lei n.º 73/2009 de 31/3 seria aplicável ao caso. Pelo que, tratar-se-ia de questão nova, relativamente à qual as partes não tiveram oportunidade de se pronunciarem. Muito embora essa apreciação sempre estaria prejudicada pela falta de demonstração dos pressupostos de facto em que deveria assentar semelhante direito de preferência.
Em suma, o direito pretendido fazer valer nesta ação apenas pode ter por base o Art. 1380.º n.º 1 do C.C., que foi explicitamente invocado pelo A. na sua petição inicial.
Conforme refere Menezes Leitão (in “Direitos Reias”, 8.ª Ed., pág.475), são pressupostos de facto do direito de preferência previsto no Art.1380.º n.º 1 do C.C., cujo ónus de prova competirá ao A.:
1- Ter sido vendido, ou dado em cumprimento, um prédio com área inferior à unidade de cultura;
2- Que quem se apresenta a preferir seja dono de um terreno confinante com o alienado;
3- Que esse prédio tenha área inferior à unidade de cultura; e
4- Que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante.
Portanto, quer o prédio do titular do direito de preferência, quer o prédio adquirido por terceiro, confinante com aquele, tinham de ter área inferior à unidade de cultura mínima.
Esse entendimento era indiscutível, sendo assim já perfilhado por Antunes Varela e Pires de Lima (in “Código Civil Anotado”, Vol. 3.º, 2.ª Ed., pág. 270 a 271), tal como por Américo Marcelino (in “Da Preferência – Estudos, notas da doutrina e jurisprudência e legislação mais comum”, 2.ª Ed., pág. 107).
Os tribunais superiores também assim o defendiam, realçando-se, entre outros, o mais recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, sobre essa matéria (Vide: acórdão do S.T.J. 14 de janeiro de 2021 - Proc. n.º 892/18.7T8BJA.E1.S1 – Relatora: Rosa Tching – disponível em www.dgsi.pt).
Efetivamente, o propósito do legislador, quando estabeleceu o que ficou consignado no Art. 1380.º n.º 1 do C.C. – o qual não foi revogado pela Lei n.º 111/2015 de 27 de agosto –, era menos ambicioso que o que o posteriormente foi visado pelo Art. 18.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 384/88 de 25/10, pois pretendia-se então apenas conseguir o emparcelamento de pequenas propriedades, tendo em vista reduzir o número dos denominados minifúndios, em ordem a obter explorações agrícolas técnica e economicamente viáveis e mais estáveis (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de setembro de 2008 – Relator: Silva Salazar,  do qual se destaca ainda o seguinte sumário: «I - Com a consagração no artigo 1380.º, n.º 1, do CC, do direito de preferência relativo a prédios rústicos confinantes de área inferior à unidade de cultura pretendeu o legislador conseguir o emparcelamento de pequenas propriedades, reduzindo, na medida do possível, o número dos denominados minifúndios, em ordem a obterem-se explorações agrícolas técnica e economicamente viáveis e mais estáveis. II - Eram, assim, pressupostos do direito de preferência consagrado neste preceito: ser, ou ter sido vendido, um prédio rústico com área inferior à unidade de cultura; ser o preferente dono de prédio confinante com o prédio vendido; não ser o adquirente do prédio proprietário confinante. III - Posteriormente, porém, a redação do art. 18.º, n.º 1, do DL n.º 384/88, de 25-10, relativo ao regime do emparcelamento, originou que a doutrina e jurisprudência passassem maioritariamente a entender que o legislador quis estabelecer um direito de preferência a favor dos proprietários rurais na alienação de prédios confinantes com os seus desde que qualquer deles tivesse área inferior à unidade de cultura: entende-se, assim, dada a reciprocidade consagrada no citado art. l380.º, n.º 1, para que aquele art. 18.° remete, que os proprietários de terrenos confinantes em que um deles tenha área inferior à unidade de cultura gozam reciprocamente do direito de preferência, qualquer que seja a área do outro»).
Repita-se que, tendo sido revogado o Dec.Lei n.º 384/88 de 25/10, o direito de preferência de proprietários de prédios rústicos confinantes, quando não esteja em causa um projeto de emparcelamento – com os requisitos formais previstos na Lei n.º 111/2015 de 27/8, nomeadamente tendo em atenção o disposto no seu Art. 21.º –, nem estando em causa, porque isso não foi sequer alegado, que os prédios estão integrados numa RAN – aqui tendo em atenção o disposto no Art. 26.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 73/2009 de 31/3 – ficará subordinado aos pressupostos estabelecidos no Art. 1380.º n.º 1do C.C., tendo ambos os prédios rústicos confinantes de ter dimensão inferior à unidade de cultura.
Ora, verificamos que, no caso dos autos, o prédio de que o A. é comproprietário tem uma área de 1,74 ha (17.400 m2) e o prédio alienado tem 97,476 ha (974.760 m2). Pelo que, apesar de ambos os prédios serem rústicos e confinantes entre si, apenas o prédio do titular do direito de preferência tem área inferior à unidade de cultura (no caso, como vimos, de 8 ha). Logo, não se verifica esse pressuposto do direito real de preferência aqui pretendido fazer valer, através da presente ação. O que é fundamento suficiente para que a presente ação deva improceder, conjugando o disposto no Art. 1380.º n.º 1 com o Art. 342.º n.º 1 do C.C..
Quanto ao mais alegado, relativamente à inexistência do direito, cuja apreciação fica prejudicada em face do exposto no Art. 608.º n.º 2, 2.ª parte, e “ex vi” Art. 663.º n.º 2 do C.P.C., só nos restará dizer, em termos muito sucintos, que não concordamos com o argumento expedido nas alegações de recurso das Recorrentes de que, em tese geral, não poderia ser exercido o direito de preferência por apenas um único comproprietário, quando os demais expressamente declararam não pretender exercer esse direito, pois o contrário resulta da aplicação do Art. 1380.º n.º 3 do C.C. ou, por analogia, do disposto no Art. 419.º do C.C.. Aliás, o propósito acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de junho de 2015 (Proc. n.º 1010/06.0TBLMG.P1.S1 – Relator: Hélder Roque, disponível em www.gdsi.pt), citado pelas Recorrentes, admite expressamente que o comproprietário possa exercer esse direito isoladamente, provando a renúncia dos demais comproprietários, sendo que foi isso mesmo o que aconteceu no caso dos autos.
De igual modo, também entendemos que a finalidade agrícola concretamente prosseguida em cada um dos terrenos em causa também não seria sequer fator relevante para, no caso, obstar ao funcionamento da preferência com o propósito do emparcelamento dos terrenos, tendo em atenção que subsistem válidos os argumentos em que se sustentou o Supremo Tribunal de Justiça para proferir o assento de 18/3/1986 (publicado no DR I Série de 17 de maio de 1986, pág. 98 e ss.), segundo o qual se definiu que: «O direito de preferência conferido pelo artigo 1380.º do Código Civil não depende da afinidade ou identidade de culturas nos prédios confinantes».
De igual modo, a circunstância do imóvel ter sido vendido em conjunto com os outros prédios, que integravam o mesmo lote, não obstaria ao funcionamento do direito de preferência só relativamente ao prédio confinante, porque isso seria permitido pelo Art. 417.º n.º 1, 1.ª parte, do C.C. (vide, no mesmo sentido: Acórdão do STJ de 20/6/2013 – Proc. nº 1043/10.1TVLSB.L1.S1- Relator: Serra Batista), sendo que não foram provados factos suficientes que permitissem fazer funcionar a exceção prevista na parte final desse mesmo preceito.
Também quanto à alegada exceção fundada na titularidade de prédios confinantes por parte da adquirente não se demonstrou no caso concreto, porque ficou por provar a correspondente factualidade, tal como decorre dos pontos 3.4 e 3.5 do presente acórdão.
Em suma, as demais conclusões das Recorrentes não mereceriam provimento no seu essencial, sendo certo que julgamos que a sentença deverá efetivamente ser revogada, porque não assistir ao A. o direito que se arroga nesta ação.
5. Do abuso do direito de preferência.
Tudo que acabámos de expor, sobre a circunstância de se dever julgar prejudicada a apreciação de todas as demais exceções alegadas pelas R.R., tem aplicação à exceção do alegado abuso do direito por parte do A. no exercício da preferência. Sem prejuízo, também poderemos dizer, em termos muito sucintos, que essa exceção deveria ser julgada por improcedente, porquanto não foi feita prova suficiente dos factos em que se sustentava (Art. 334.º conjugado com o Art. 342.º n.º 2 do C.C.). Não seria, certamente, só pelo facto de o dinheiro depositado pelo A., à ordem deste processo e para exercício do direito de preferência, se ter provado ter sido disponibilizado por um terceiro, que nos permitiria configurar essa situação como de abuso de direito, para os efeitos alegados pela 2.ª R..
6. Da litigância de má-fé das R.R..
Resta apreciar a questão da litigância de má-fé, tendo em atenção que a sentença condenou, quer o administrador de insolvência da massa falida da B, 1.ª R., quer a 2.ª R., como litigantes de má-fé, em multas no valor de 10 U.C.s e 60 UCs, respetivamente.
Ambas as R.R. manifestaram a sua completa discordância com as condenações de que foram alvo, sendo que decorre da sentença recorrida que essa decisão condenatória se sustentou no facto de o direito de preferência do A. ser “incontestável”, sendo que as R.R. «bem sabiam que o prédio do autor era confinante com o prédio vendido e que estavam presentes todos os demais requisitos de que dependia o exercício da preferência», concluindo que ambas «vieram apresentar oposição através de articulados de contestação extensíssimos que não tinham o mínimo de sustentáculo fáctico nem jurídico, visando unicamente obstaculizar de forma meramente formal um direito que, em termos materiais, bem sabiam ser indiscutível».
A sentença particulariza ainda, quanto à 2.ª R., que tudo teria feito para «protelar de forma insidiosa a audiência final usando de estratagemas processuais como a renúncia ao mandato em cima da data designada para a audiência e a alegação infundada e extemporânea de factos supervenientes». Relevando mesmo que prescindiu da sua prova, por estar ciente da falta de razão que lhe assistia.
Apreciando, temos de partir do disposto no Art. 542.º n.º 1 e 2 do C.P.C., segundo o qual: «1. Tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. 2. Diz-se litigante de má-fé quem com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; (…) d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de prosseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».
Este preceito, que corresponde ao Art. 456.º n.º 1 do C.P.C. pretérito, na redação dada pelo Dec.Lei n.º 180/96 de 25/09, mudou o âmbito objetivo da litigância de má-fé resultante dos Códigos de Processo Civil de 1939 e de 1961.
Já Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, pág. 262) distinguia entre a lide cautelosa, a lide simplesmente imprudente, a lide temerária e a lide dolosa. Ora, os Códigos do Processo Civil de 1939 e de 1961 compatibilizavam a boa-fé processual com essas primeiras 3 formas de litigância e apenas sancionava a lide dolosa (Vide: Alberto dos Reis, Ob. Loc. Cit. pág. 258 e 261 a 263; e Manuel de Andrade in “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 343).
A reforma de 1995-1996 veio a incluir no âmbito da litigância de má-fé a litigância temerária (vide, a propósito: Menezes Cordeiro in “Litigância de Má-fé, Abuso do Direito de Ação e Culpa “in Agendo”, 2006, pág.s 19 a 23; e Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, 3.ª Ed., pág. 456).
Assim, como refere Lebre de Freitas (in Ob. Loc. Cit.) «A litigância temerária é mais do que a litigância imprudente, que se verifica quando a parte excede os limites da prudência normal, autuado culposamente, mas apenas com culpa leve, a qual só excecionalmente é sancionada, como acontece no domínio particularmente sensível das providências cautelares».
Penalizando agora o legislador como litigante de má-fé quem age “com negligência grave” e deduz pretensão “cuja falta de fundamento não devia ignorar”, tal introduz como fator novo a possibilidade de a parte ser condenada mesmo nos casos em que, não obstante desconhecer a falta de fundamento da pretensão, lhe era exigível que a conhecesse (Vide: Paula Costa e Silva in “A Litigância de Má-fé”, pág. 393).
Em qualquer caso, convirá relembrar o que a propósito foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/02/2015 (Proc. 1120/11.TBPFR.P1.S1), de cujo sumário resulta: «I - A litigância de má-fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. II - Exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento
A isto acresce que: «os tribunais devem usar de circunspeção em matéria de condenação por litigância de má-fé (…). De contrário, todo aquele que perde, por não conseguir provar as suas asserções, poderá incorrer em condenação como litigante de má-fé» (cfr. Acórdão do STJ, de 28.02.2002, Agr. n.º 4429/01 - 4ª: Sumários, 58º).
Dito isto, com o devido respeito, é evidente que as condenações em litigância de má-fé não podem subsistir. Desde logo, por não ser evidente que a falta de razão da defesa apresentada, pois, em tese geral, as R.R. vieram trazer aos autos argumentação jurídica, que poderia merecer algum acolhimento, segundo as várias soluções admissíveis em direito. Aliás, em função do exposto no presente acórdão, acabámos por concluir que efetivamente não assiste ao A. o direito que se arrogou nesta ação.
Por outro lado, as R.R. limitaram-se a fazer uso dos meios processuais ao seu dispor de forma que se nos afigura conforme ao direito processual aplicável. Inclusivamente, no que se refere ao articulado superveniente, este veio a ser admitido por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, constante do apenso “A”, pelo que não se percebe o motivo por que continuou a ser feita a referência a esse facto na sentença recorrida como correspondendo a comportamento censurável.
Em suma, ainda que com fundamentos não inteiramente coincidentes com os expostos nas alegações de recurso, mas repescando fundamentos que já haviam sido alegados nos articulados, concordamos com as conclusões que sustentam a revogação da sentença, quer quanto ao mérito da causa, quer quanto à condenação das R.R. como litigantes de má-fé.
Assim, sem necessidade doutras considerações, julgamos dever julgar as apelações procedentes, devendo a sentença recorrida ser revogada em conformidade.

V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar as apelações apresentadas pelas R.R. procedentes por provadas e, ainda que procedendo a impugnação da matéria de facto apenas parcialmente, quando ao mérito da causa e quanto à condenação das R.R. como litigantes de má-fé julgamos revogar a sentença recorrida, substituindo a parte dispositiva dessa sentença pela decisão de absolver as R.R.. dos pedidos contra si formulados nesta ação, não condenando as mesmas como litigantes de má-fé.
- Custas pelo apelado (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).


Lisboa, 14 de setembro de 2021


Carlos Oliveira
Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva