Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3716/10.0TTLSB.L1-4
Relator: FERREIRA MARQUES
Descritores: PRESTAÇÕES SALARIAIS EM ESPÉCIE
EQUIDADE
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
MÁ FÉ
PESSOA COLECTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: 1. Uma prestação pecuniária paga mensalmente pela entidade empregadora ao trabalhador, só não será considerada parte integrante da sua retribuição base se a aquela demonstrar que tal prestação tem uma causa específica e individualizável diversa da remuneração do trabalho que trabalhador desempenhava, no seu período normal de trabalho.
2. A atribuição ao trabalhador de um veículo automóvel, para uso total, incluindo na sua vida privada, representa para ele uma manifesta vantagem de natureza económica cujo valor não se deve confundir com o valor que a entidade empregadora despende com tal viatura.
3. O valor dessa retribuição em espécie é o correspondente ao benefício económico obtido pelo trabalhador, por via do uso pessoal ou particular da viatura, nele não se podendo incluir o uso profissional (ou seja o benefício obtido com o seu uso ao serviço da entidade empregadora).
4. O recurso à equidade só se justifica quando se mostrarem esgotados todos meios que permitam, através de prova, determinar o valor do benefício económico que o autor retirava prestações em espécie que a entidade empregadora lhe atribuía.
5. Desde que esteja demonstrado no processo declarativo o direito do trabalhador a determinada retribuição em espécie, o tribunal pode condenar em liquidação de sentença mesmo quando o trabalhador tenha formulado pedido líquido e não tenha logrado provar o exacto montante do que lhe é devido a esse título.
6. Quando esteja em causa o cumprimento de obrigações de prestações pecuniários, a sanção compulsória, prevista no n.º 4 do art. 829º-A do Cód. Civil, pode funcionar automaticamente.
7. O legislador, em vez de confiar ao tribunal a ordenação (desta) sanção compulsória, disciplina-a ele próprio, fixando o seu montante, ponto de partida (trânsito em julgado da sentença de condenação) e funcionamento automático.
8. A especial natureza da representação orgânica das pessoas colectivas – que não pensam, não falam, não agem por si mas apenas através dos seus representantes – levou a lei, a fazer recair sobre o representante que esteja de má fé na causa a responsabilidade das custas, da multa e da indemnização em que a pessoa colectiva tenha sido condenada por via da actuação (maliciosa) daquele.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO

AA, (…), na sequência de comunicação escrita de despedimento com alegação de justa causa, instaurou acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, apresentando, para o efeito, requerimento de oposição ao despedimento de que foi alvo promovido por BB - Sociedade Comercial de Automóveis Lda, sua entidade empregadora.
Frustrada a tentativa de conciliação, a empregadora apresentou o processo disciplinar que instaurou ao trabalhador bem como o articulado com a motivação do despedimento no qual alegou, em síntese o seguinte;
O trabalhador foi admitido na ré como escriturário de 2a;
No âmbito de uma avaliação de estudos de mercado de rent-a-car, nomeou o autor como responsável de rent-a-car, com efeitos a partir de 1.07.2005;
Tal nomeação foi cumulativa com as funções de escriturário e a título meramente interino ou provisório, com o conhecimento e acordo do autor;
Consequentemente por ter passado a desempenhar tais funções passou a auferir um complemento de € 500,00 e a beneficiar de atribuição de viatura e telemóvel com um plafond de € 30,00 mensais;
Terminada a avaliação de mercado, em 31.12.2007, o autor, por ordem da ré, regressou às suas funções de escriturário e deixou de beneficiar dos referidos benefícios;
De 12.07.09 a 26.11.09, gozou licença parental e de 27.11.09 a 26.02.10, gozou licença parental alargada;
Estranhamente, em 9.12.09, reclamou os benefícios que recebia enquanto director de rent-a-car, sob a alegação de suspender o contrato;
Em 10.02.10, comunicou-lhe que suspendia o contrato face à recusa da ré em pagar os referidos benefícios, o que na sua perspectiva é ilegítimo dado que o autor bem sabia que o desempenho daquelas funções era a título temporário;
Terminado o período de licença parental o autor deveria apresentar-se ao serviço em 1.03.10, o que não fez entrando em faltas ao serviço, as quais até à dedução da nota de culpa totalizaram 20 faltas seguidas (l a 26 de Março de 2010) o que constitui motivo de despedimento que invoca, para além das outras faltas posteriores à nota de culpa.

O trabalhador na sua contestação defendeu-se por excepção e por impugnação.
Por excepção invocou excesso do articulado de motivação do despedimento, alegando que a empregadora invoca nele matéria (estudo de avaliação de mercado) que não consta da decisão de despedimento;
Invocou a excepção da caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar alegando que mediaram mais de 30 dias entre a última diligência probatória requerida pelo arguido/trabalhador e a comunicação de despedimento;
Por último invocou a nulidade/invalidade ou ineficácia do processo decorrente do facto de a empregadora ter ouvido duas testemunhas, que fortalecem a acusação, sem o informar da data de inquirição de modo a assegurar o contraditório.
Por impugnação alegou que foi admitido ao serviço da Ré, não em 19/10/1995, mas sim em outubro de 1994, data a partir da qual já desempenhava funções sob a autoridade e direcção daquela, apesar de somente terem celebrado um contrato a termo mais tarde;
Em julho de 2005 foi nomeado responsável de rent-a-car a que corresponde a categoria de director de operações, com direito aos benefícios atribuídos (+ 500€ + carro e telemóvel para uso total, respectivamente no valor de € 366,60 e € 30,00);
Em 31.12.07, a Ré baixou-lhe a sua categoria, retirando-lhe estas funções e benefícios;
É falso que a nomeação fosse transitória, nunca tendo assinado qualquer acordo escrito nesse sentido, tendo assim direito àquela categoria de director nacional a título definitivo;
Assim sendo o contrato encontrava-se validamente suspenso e o autor não entrou em faltas injustificadas.
Deduziu reconvenção na qual pediu:
A declaração da ilicitude do seu despedimento e, em consequência, a condenação da Ré a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, bem como a indemnização correspondente à sua antiguidade, fixada no o máximo, com efeitos a partir de Outubro de 1994;
A condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos, bem como a importância de € 30.201,60, a título de diferenças salariais;
Condenação da Ré em juros de mora, sujeitos a capitalização decorrido um ano sobre o seu vencimento e assim sucessivamente, bem como subsidiariamente a taxa de 5% de sanção pecuniária compulsória a acrescer automaticamente aos juros de mora legais;
A condenação da ré em multa, nas despesas de honorários e nas despesas da lide, por litigância de má fé.

A entidade empregadora respondeu à matéria das excepções e da reconvenção, tendo concluído pela sua improcedência.

Saneada, instruída e julgada a causa, foi proferida sentença na qual se decidiu:
a) Declarar improcedentes as excepções invocadas pela entidade empregadora;
b) Declarar que a relação que a relação de trabalho subordinado entre o Autor a Ré se iniciou em Outubro de 1994;
d) Declarar a ilicitude do despedimento do trabalhador;
e) Condenar a entidade empregadora a pagar ao trabalhador uma indemnização de trinta e cinco dias de retribuição base (€ 1.200,00), por cada ano completo ou fracção de antiguidade, reportada a Outubro de 1994, e até ao trânsito em julgado da sentença, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% a contar do trânsito em julgado da sentença, capitalizando-se os juros logo que se mostrem vencidos há mais de um ano a contar da citação da Ré e assim sucessivamente;
f) Condenar a entidade empregadora a pagar ao trabalhador as diferenças salariais vencidas entre 171/2008 até 11/7/2009, no valor mensal de € 500,00, incluindo retribuição de férias e de subsídio de férias (estes no total de € 2,000,00), acrescidos de juros de mora, à taxa legal de 4%, a contar das datas de vencimento mensal de cada prestação, capitalizando-se os juros logo que se mostrem vencidos há mais de um ano a contar da citação da Ré e assim sucessivamente;
g) Condenar a entidade empregadora a pagar ao trabalhador o correspondente ao valor das retribuições intercalares (€ 1.200,00 de vencimento base + € 500,00 de complementos diversos + subsídio de alimentação € 5,55 diários x 22 + € 11,76 mensais de abono de falhas”), incluindo férias, subsídio de férias e de natal, que deixou de auferir desde o 30º dia anterior à propositura da acção até ao trânsito em julgado da sentença, acrescidas de juros de mora, à taxa legal de 4%, a contar do trânsito em julgado, capitalizando-se os juros logo que se mostrem vencidos há mais de um ano a contar da citação da Ré e assim sucessivamente, e descontados os valores a que se reporta o art. 390º, n.º 2, alíneas a) e c) do CT.
h) Julgar improcedentes todos os restantes pedidos, incluindo os de indemnização por danos morais e de condenação em litigância de má fé.

Inconformadas, ambas as partes interpuseram recurso de apelação da referida sentença, tendo sintetizado, cada uma delas, as suas alegações nas seguintes conclusões:
Conclusões do Autor:
(…)

Conclusões da Ré:
(…)

Ambas as partes, nas suas contra-alegações, pugnam pelo não provimento do recurso interposto da parte contrária.

Admitido os recursos, na forma com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a esta Relação, tendo o relator proferido decisão singular, ao abrigo do disposto nos arts. 700º, n.º 1, al. g) e 705º do CPC.
Ambas as partes requereram, ao abrigo do disposto no art. 700º, n.º 3 do CPC, que sobre a matéria dessa decisão recaísse acórdão.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

As questões que se suscitam nos recursos interpostos são as seguintes:
1. Saber se a decisão de fls. 280 a 283, que recaiu sobre a reclamação do Autor da Base Instrutória e determinou a eliminação dos quesitos 1, 2º, 4º, 10º, 11º, 12º, 13º e 14º deve ser revogada;
2. Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto e, na afirmativa, se a decisão que dirimiu a matéria de facto controvertida deve ser alterada nos pontos impugnados;
3. Saber se a indemnização arbitrada ao Autor em substituição da sua reintegração deve ser fixada no mínimo;
4. Saber se a quantia auferida pelo Autor a título de “complementos diversos” deve ser integrada nos subsídios de férias;
5. Saber se o uso particular do veículo automóvel e do telemóvel, bem como o pagamento das despesas de combustível faziam parte integrante da retribuição do autor e, na afirmativa, se a determinação do valor correspondente a cada uma destas prestações pode ser relegado para incidente de liquidação de sentença;
6. Saber se, em relação às prestações pecuniárias devidas, se deve aplicar a sanção pecuniária compulsória prevista no art. 828-A, n.º 4 do Cód. Civil;
7. Saber se a Ré deve ser condenada por litigância de má fé.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A) A 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
Especificação
a) Em 19/10/1995, empregadora ré e trabalhador autor assinaram contrato denominado de “trabalho a termo certo”, com duração de 6 meses, onde consta atribuída ao trabalhador a categoria profissional de Escriturário de 2a, e para desempenhar as funções inerentes a essa categoria (cfr. contrato de trabalho junto a fIs. 35 a 37 do processo disciplinar).
b) O autor tinha um horário de trabalho das 09h00 às 12h30 e das 14h30 às 19h00 de segunda a sexta-feira (vide cit. contrato de trabalho).
c) A empregadora não comunicou ao trabalhador a não renovação do contrato.
d) Em 1.07.05, o trabalhador foi nomeado pela empregadora como director/responsável pela actividade de rent-a-car.
e) Passando a receber, além da retribuição base ilíquida de € 1.200,00 mensais (que já recebia), uma verba paga sob denominação “complementos diversos” no valor mensal de € 500,00 ilíquidos, a ter atribuído uma viatura de serviço do grupo C, bem como direito de uso de um telemóvel (fls. 61).
f) Em Dezembro de 2007, foi admitido um colaborador para exercer as funções de responsável pela actividade de rent-a-car, o Eng. CC.
g) A empregadora comunicou ao trabalhador que “Tendo sido admitido o Sr. Eng. CC para exercer a função de responsável peia actividade de rent-a-car da empresa, tal responsabilidade cessa por parte do colaborador Sr. AA, pelo que deixará de lhe ser atribuída a verba mensal de € 500,00, a partir do dia 31 de Dezembro de 2007. Cessa também a utilização do veículo de serviço (grupo C) e a atribuição de telefone celular móvel”  (vide comunicação interna junta a fls. 41 do processo disciplinar).
h) Em 31 de Dezembro de 2007, o A. deixou de desempenhar as funções de responsável pela actividade de rent-a-car.
i) Tendo retomado, desde 1 de Janeiro de 2008, o desempenho das funções inerentes à sua categoria profissional de Escriturário de 1a.
j) E deixando de receber a quantia de € 500,00, a título de “complementos diversos” e de usufruir do beneficio da viatura de serviço atribuída e do telemóvel, que vinha recebendo e beneficiando por desempenhar as funções de responsável de rent-a-car.
l) O A. gozou licença parental partilhada de 12 de Julho de 2009 a 26 de Novembro de 2009 e licença parental alargada entre 27 de Novembro de 2009 e 26 de Fevereiro de 2010.
m) Por carta datada de 09 de Dezembro de 2009, enviada à R., veio o trabalhador comunicar à empregadora que ... desde Janeiro de 2008 a BB deixou de me pagar o valor de € 500,00 brutos ... foi-me retirado o automóvel ... o que me vem causando um prejuízo mensal (superior a €  350,00 por mês) desde Junho de 2009, deixou de me pagar o valor de € 160,00, classificado pela contabilidade como “combustível” ordenado..., solicito no prazo de 15 dias me paguem ... não sendo pagas as dívidas em causa no indicado prazo reservo-me o direito de requerer a sua suspensão ex vi do art. 303º do Regulamento do CT (Lei 35/200, de 24 de Julho) ou a rescindi-lo com alegação de justa causa…”, conforme doc. fls. 11 do processo disciplinar que se reproduz).
n) Por carta datada de 16 de Dezembro de 2009, a empregadora respondeu ao trabalhador que “Quando cessou, de facto, as suas funções que desempenhou interinamente, de responsável pela actividade de rent-a-car no país, deixou de ter direito às verbas que lhe tinham sido atribuídas a esse título" (cfr. fls. 12 do processo disciplinar que se reproduz).
n.1) O trabalhador remeteu, então, uma nova carta à empregadora datada de 10 de Fevereiro de 2010, dizendo, entre o mais: “dada a vossa recusa em pagar os montantes pedidos na minha carta de 09/12/2009 e em repor as demais condições acordadas (viatura e telemóvel) e atendendo a que o prazo de 15 dias concedido já se esgotou, só me resta comunicar a V. Exas. que suspendo o meu contrato de trabalho ex vi do art. 303º do Regulamento do anterior CT e do art. 325° do novo CT (...) com efeitos reportados ao termo da licença em curso (26.02.2010)” (cfr. fls. 15 do processo disciplinar que se reproduz).
o) Por carta datada de 23 de Fevereiro de 2010, a empregadora comunicou ao trabalhador que “...quando cessou as funções de responsável pela actividade de rent-a-car, as quais, como é do seu perfeito conhecimento, foram desempenhadas interinamente, deixou de ter direito às verbas que lhe tinham sido atribuídas a esse título...inexiste qualquer falta de pagamento da retribuição, pelo que, por via de consequência, a invocada suspensão do contrato com base nesse pressuposto terá de se considerar ilegal com todas as consequências legais que daí advirão para V. Exa.” - (vide fls. 16 do processo disciplinar que se reproduz).
p) Desde o dia 1 de Março de 2010, e até à data da nota de culpa, 29 de Março de 2010, o A. não compareceu ao serviço em nenhum dia útil de trabalho, concretamente não compareceu nos dias l a 5, 8 a 12, 15 a 19, 22 a 26 de Março.
q) Em 29 de Março de 2010, foi remetida nota de culpa ao A. mediante carta registada com aviso de recepção, com a descrição dos factos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e a comunicação de que era intenção da empresa, caso ficassem provados os factos que lhe eram imputados, proceder ao seu despedimento com justa causa (vide fIs. l a 10 do processo disciplinar).
r) O trabalhador apresentou resposta à nota de culpa em 6 de Abril de 2010, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (fls. 19 e 20 do processo disciplinar).
s) Na resposta à nota de culpa, o trabalhador requereu que a empregadora juntasse aos autos o seu contrato de trabalho, o CCT para o sector de Rent-a-Car, as comunicações internas de 22.08.2005 e de 03.12.2007 e qualquer outro documento que pudesse ter sido por si assinado (fixando o período experimental em 6 meses ou aceitando trabalhar em regime de comissão de serviço ou de interinidade caso exista, conforme doc. fls. 20 que se reproduz.
t) Mais requereu o A. a produção de prova testemunhal, requerendo que fossem ouvidos os subscritores das comunicações internas de 22.08.2005 e de 03.12.2007 e o Director de Pessoal da empresa ao tempo dos factos.
u) Em 20 de Abril de 2010, foi remetida carta registada com aviso de recepção ao trabalhador fazendo constar que “Uma vez que as comunicações internas se encontram assinadas pelo Presidente do Conselho de Administração da empresa, Sr. DD, e, por outro lado, a empresa não tinha Director de Pessoal à data dos factos, sendo responsável pelo pelouro respectivo um membro do Conselho de Administração, a senhora Dra. EE solicita-se a V. Exa que indique em que qualidade pretende que sejam ouvidos os responsáveis” (fls. 21 do processo disciplinar).
v) O trabalhador respondeu em 7 de Maio de 2010, dizendo, entre o mais, que “...onde está "o (s) Director (s) de Pessoal da arguente ao tempo dos factos" passará a ler-se a) Dra. EE, Administradora com o pelouro dos Recursos Humanos b) FF, putativo Responsável pêlos Recursos Humanos" (fls. 24 do processo disciplinar).
x) Em 18 de Maio, 1 de Junho e 28 de Junho de 2010, respectivamente, prestaram declarações o Sr. FF, na qualidade invocada de responsável dos Recursos Humanos, a Sra. Dra. EE, na qualidade invocada de Administradora responsável pelo pelouro dos Recursos Humanos e o Sr. DD, na qualidade invocada de Presidente do Conselho de Administração, cujos depoimentos se dão aqui por integralmente reproduzidos (fls. 26 a 34 do processo disciplinar).
z) Em 9 de Julho de 2010, procedeu-se à junção aos autos dos autos de declarações bem como dos documentos cuja junção o A. requereu na resposta à nota de culpa - fls 25.
aa) Em 22 de Julho de 2010, prestou novamente declarações na qualidade invocada de administradora pelo pelouro de recursos humanos, Dra. EE, conforme auto fls. 111 e 112 do processo disciplinar que se reproduz.
bb) Em 27 de Julho de 2010, foi ouvido o Sr. GG, na qualidade invocada de Chefe de Manutenção de Frota da empregadora conforme fls. 113 e 114 do processo disciplinar que se reproduz.
cc) A empregadora tomou a decisão de proceder ao despedimento do trabalhador sem indemnização ou compensação, decisão datada de 30.07.10,  enviada por carta registada com aviso de recepção, expedida em 5.08.2010 (fls.134), e recepcionada pelo trabalhador em 11.08.2010 (fls. 135, dando por reproduzida a decisão cf. fls. 115 a 133 do processo disciplinar).
dd) O Contrato Colectivo de Trabalho para o sector de Rent-a-Car (junto a fls. 42 e seg. do processo disciplinar) define as funções de “Escriturário” a páginas 98 e 99, do seguinte modo:
“Escriturário - É o trabalhador que executa várias tarefas que variam consoante a natureza e importância do escritório onde trabalha, redige relatórios, cartas, notas informativas e outros documentos, manualmente ou à máquina, dando-lhes o seguimento apropriado; tira as notas necessárias à execução das tarefas que lhe competem; examina o correio recebido, separa-o, classifica-o e compila os dados que lhe são necessários para preparar as respostas; elabora, ordena ou prepara os documentos relativos à encomenda, distribuição e regularização das compras e vendas; recebe pedidos de informação e transmite-os à pessoa ou serviço competente; põe em caixa os pagamentos de contas e entrega recibos, escreve em livros as receitas e despesas, assim como outras operações contabilísticas; estabelece os extractos das operações contabilísticas efectuadas e de outros documentos para informação da direcção; atende os candidatos às vagas existentes, informa-os das condições de admissão e efectua registos do pessoal, preenche formulários relativos ao pessoal ou à empresa, ordena e arquiva notas de licença, recibos, cartas e outros documentos; elabora dados estatísticos. Acessoriamente, nota em estenografia, escreve à máquinas de escritório. Pode ainda efectuar fora do escritório serviços de informação, de entrega de documentos e de pagamentos necessários ao andamento de processos em tribunais ou repartições públicas.”
ee) Em Junho de 2005, o trabalhador autor auferia € 1.200,00 ilíquidos mensais de vencimento base, subsídio de alimentação por cada dia de trabalho efectivo de € 5,55 diários, e um “abono para falhas” no valor de € 11,76 mensais (fls. 60) , e que continuou a auferir após l de Julho de 2005 em diante.
Base instrutória
8. O A. recebia da empregadora despesas de combustível até ao montante máximo mensal de € 160,00 (além do já referido na matéria assente).
9. Este pagamento já era efectuado ao A. antes de desempenhar estas “novas” funções de responsável pela actividade de rent-a-car e continuou a ser efectuado após ter cessado essas mesmas funções.
16. A R. tem como objecto, nomeadamente a actividade do aluguer de veículos automóveis de curta duração.
17. O A. começou a trabalhar para a Ré em Outubro de 1994, mediante contrato verbal.
18. Na altura o autor desempenhava actividade na área de Contratos de Aluguer de Telemóveis, fechando os respectivos contratos e efectuando a respectiva facturação e contabilidade.
20. E auferia mensalmente Esc. 50.150$00, contra emissão de recibo verde.
21. Nunca a R. fez variar o respectivo valor, ou depender a oportunidade do seu pagamento do atingir de “resultado” específico.
22. O A. nessa altura já trabalhava no estabelecimento da R. (na altura sito na R. …, em Lisboa).
23. E numa sala que o A. partilhava com outros empregados da R.
24. E usava no seu trabalho diário instrumentos da ré, nomeadamente cadeira, mesa de trabalho, armário, computador, cd-roms, discos e respectivos programas, impressora, canetas e papel, etc.
25. Bem como serviços/equipamentos da ré, nomeadamente linha telefónica, extensão telefónica interna, telefax.
26. Era o director comercial da ré quem determinava directamente ao A. quais os trabalhos e/ou actividades a executar e respectivos conteúdos.
28. E que orientava e fiscalizava a actividade do A., nomeadamente verificava o trabalho realizado.
31. E dava-lhe instruções quanto ao modo de proceder.
32. O contrato “a termo” foi dado ao A. pela R. pronto a assinar.
33. Desde 1994, a actividade do autor para a ré prosseguiu continuamente até à data da assinatura do contrato.
36. Foi atribuído ao autor direito de uso total de telemóvel, pago pelo menos 11 x ano.
37. Com um plafond de € 30,00.
38. Enquanto responsável pela actividade de Rent-a-Car em Portugal, cabia ao autor prever, organizar, dirigir, coordenar e controlar toda a actividade de Rent-a-Car da R. no território nacional, respondendo pelo funcionamento desta e colaborando na definição da política comercial da empresa.
39. A atribuição da viatura era para uso total.
40. Incluindo para uso particular, nomeadamente de casa para o trabalho e vice-versa (O.../Lisboa/O...).
41. E aos fins-de-semana.
42. E em férias.
45. O âmbito territorial da actividade do A. enquanto Director abrangia a actividade de Rent-a-Car “no país” e não apenas na “zona metropolitana de Lisboa”.
46. O A. nunca havia sido punido disciplinarmente.
47. E sempre foi um trabalhador assíduo, prestável, empenhado, zeloso e respeitador dos seus superiores e colegas.
48. Sendo considerado pelos seus colegas e superiores hierárquicos como uma pessoa educada, trabalhadora, competente, leal e honesta.
49. Tendo sido premiado para Ré.
50. O autor com retirada por parte da ré das funções de responsável de rent-a-car sentiu injustiça e revolta.
51. Antes o A. era uma pessoa satisfeita com o seu trabalho, e confiante no seu futuro profissional.
52. O A. passou a ter dificuldade em olhar o seu futuro profissional com optimismo e confiança.
54. O facto de ter sido despedido causou-lhe preocupação e nervosismo.
55. Como resultado sentiu ainda tristeza.

B) Impugnação da decisão de fls. 280 a 285, que recaiu sobre a reclamação do Autor da Base Instrutória
(…)
C) Impugnação da decisão que dirimiu a matéria de facto controvertida
(…)
D) Da indemnização em substituição da reintegração
A sentença recorrida considerou ilícito o despedimento e, consequentemente, condenou a Ré a pagar ao Autor uma indemnização, em substituição da reintegração, de 35 dias de retribuição base, por cada ano completo ou fracção de antiguidade, reportada a Outubro de 1994 e até ao trânsito em julgado da sentença.
A Recorrente discorda do montante da indemnização arbitrada, alegando que na determinação do montante de indemnização há que atender ao valor da retribuição auferida pelo trabalhador e ao grau de ilicitude do despedimento. Auferindo o Autor um vencimento acima da média e sendo diminuto o grau de ilicitude da conduta da Recorrente, justifica-se uma indemnização pelo mínimo legalmente previsto, 15 dias de vencimento base por cada ano completo ou fracção de antiguidade.
Vejamos se lhe assiste razão.
Dispõe o art. 391º, n.º 1 do Código do Trabalho, que “em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, cabendo ao tribunal fixar o seu montante, entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381º.”
Ao contrário do que se verificava na vigência da LCCT, a indemnização de antiguidade, com a entrada em vigor do CT de 2003, deixou de ser fixa e passou a ser variável, cabendo ao tribunal fixar o seu montante. Em vez de proceder a uma simples operação aritmética, como sucedia no domínio daquela lei, o juiz, agora, passa a fixar a indemnização segundo uma moldura, entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades, devendo, na determinação concreta do seu montante, atender ao valor da retribuição auferida pelo trabalhador, à data do despedimento, à antiguidade do trabalhador e ao grau de ilicitude do despedimento, tendo em conta a ordenação estabelecida nas três alíneas do art. 381º.
Assim, um despedimento fundado em motivos políticos, ideológicos, étnicos, ou religiosos, ou um despedimento baseado em factos falsos terá um grau de ilicitude muito mais elevado do que um despedimento em que os motivos justificativos foram julgados improcedentes; e este, por sua vez, terá um grau de ilicitude mais grave do que um despedimento decretado sem processo disciplinar ou um despedimento baseado em factos que, no entender do tribunal, não justificam a aplicação de tal sanção disciplinar[1].
Por outro lado, visando a indemnização acorrer à perda do posto de trabalho e à fenomenologia económico-social adversa, bem conhecida nas sociedades dos nossos dias, em que o trabalhador e o seu agregado familiar ficam mergulhados, após o despedimento, o tribunal deve também levar em linha de conta nessa ponderação, o valor da retribuição do trabalhador e a sua antiguidade.
Deste modo, num despedimento baseado em motivos políticos, religiosos ou étnicos ou num despedimento de um trabalhador baseado em factos falsos, com muitos anos de serviço e com uma retribuição modesta, justifica-se que o tribunal atribua a esse trabalhador uma indemnização correspondente ao limite máximo da referida moldura ou muito próximo desse limite, mas já não se justifica nos demais casos.
No caso em apreço, a Sra. Juíza fixou a indemnização em 35 dias de retribuição base por cada ano ou fracção de antiguidade, estribando-se no facto de os motivos que determinaram o despedimento terem sido julgados improcedentes, no facto de o trabalhador ter uma antiguidade de cerca de 16 anos e ser considerado um bom profissional, não obstante auferir uma retribuição acima da média.
Salvo o devido respeito, a Sra. Juíza não andou bem, nesta parte, já que o circunstancialismo em que ocorreu o despedimento, a antiguidade e o valor da retribuição do apelado, não justificam que se fixe a referida indemnização nem num limite tão elevado (como defende o apelado) nem no limite mais baixo (como pretende a apelante), mas sim no limite intermédio, ou seja, em 30 dias de retribuição base por cada ano ou fracção de antiguidade. Os 35 dias fixados pelo tribunal justificar-se-iam num caso de improcedência dos motivos do despedimento, e em que o trabalhador auferisse uma remuneração muito inferior e tivesse uma antiguidade superior; e o limite mínimo, pretendido pela apelante, justificar-se-ia num caso de despedimento baseado em factos (provados) que, no entender do tribunal, não justificassem a aplicação de uma sanção tão severa e em que o trabalhador tivesse poucos anos de serviço e uma retribuição acima da média[2].

E) Da quantia auferida a título de “complementos diversos” e sua integração no subsídio de férias.
Resulta da matéria de facto provada que, enquanto desempenhou as funções de responsável pela actividade de rent-a-car, o Autor auferia, mensalmente, para além da retribuição base, uma verba paga sob a denominação de “complementos diversos”, no valor de € 500,00.
A Mma Juíza a quo considerou essa prestação parte integrante da retribuição e condenou a Ré a pagar ao Autor as diferenças salariais vencidas entre 1/1/2008 e 11/7/2009, e ainda as retribuições intercalares que o mesmo deixou de auferir desde o 30º dia anterior à propositura da acção até ao trânsito em julgado da sentença, integrando nesses salários (incluindo férias e subsídios de férias) a referida quantia de € 500,00 que o Autor auferia a título de “complementos diversos.
A Ré discorda em parte deste segmento da sentença e alega que, face ao disposto no n.º 2 do art. 255º do CT de 2003 e n.º 2 do art. 264º do CT de 2009, essa verba de € 500,00 não deve integrar o cálculo do montante dos subsídios de férias.
Vejamos se lhe assiste razão.
Na vigência do DL 874/76, de 28/12, o cálculo da retribuição de férias e do respectivo subsídio devia ser efectuado, como resulta do seu art. 6º, n.ºs 1 e 2, com base numa ficção de trabalho, isto é, para calcular estas prestações tudo se processava como se o trabalhador estivesse efectivamente ao serviço. O legislador estabeleceu o princípio da não penalização retributiva em relação a tais prestações, segundo o qual o trabalhador não pode ser penalizado em termos retributivos relativamente à parte correspondente à actividade que não pode desenvolver em virtude do gozo de férias, tudo se passando, em termos retributivos, como se não existisse tempo de repouso.
Ainda que o contrato de trabalho se apresente, indiscutivelmente, como contrato bilateral, marcado pelo sinalagma entre trabalho e retribuição, o certo é que, segundo o referido princípio, o período de inactividade produtiva correspondente às férias não deveria ter qualquer impacto negativo sobre a retribuição e o respectivo subsídio a pagar ao trabalhador. Para o efeito havia que fazer um juízo hipotético de prognose que se baseava na averiguação do que aconteceria, em termos de remuneração, caso o trabalhador estivesse a desenvolver a sua actividade, devendo, no caso de haver prestações variáveis, recorrer-se à média dessas prestações no período em referência, normalmente, o ano que antecede o período de férias[3].
O mesmo raciocínio se tem que fazer em relação à retribuição de férias vencidas depois da entrada em vigor do CT de 2003 e do CT de 2009 (ou seja, em relação às retribuições de férias que se venceram a partir de 1/12/2003) atenta a redacção dos arts. 255º, n.º 1 do CT de 2003 e 264º, n.º 1 do CT de 2009 que estabelecem que “a retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo”. Quer isto dizer que, em relação à retribuição de férias o legislador continua a manter, tanto no CT de 2003 como no CT de 2009, o princípio da não penalização retributiva, princípio de fundamental importância para garantir que o trabalhador não se sinta tentado, por necessidade económica, a não gozar férias (o que sucederia se estas se traduzissem numa diminuição daquela retribuição).
Já o mesmo não sucede em relação aos subsídios de férias vencidos a partir da entrada em vigor do CT 2003, já que este diploma veio permitir a redução do seu montante, embora em termos um pouco equívocos, sobretudo no que respeita ao subsídio de férias.
Em relação a estes subsídios, verifica-se um certo grau de regressão, de natureza material, já que se perdeu a parificação à retribuição por férias.
Os subsídios de férias vencidos a partir de 1/12/2003, só podem compreender, nos termos dos arts. 255º, n.º 2 do CT de 2003 e 264º, n.º 2 do CT de 2009, “a retribuição base e outras prestações retributivas que devam considerar-se contrapartida do modo específico da execução do trabalho”.
Estes preceitos são um pouco ambíguos e têm suscitado algumas dificuldades de aplicação prática, sobretudo se não nos esquecermos da miríade de atribuições patrimoniais susceptíveis de integrarem a retribuição global do trabalhador. Em todo o caso é seguro que se revela mais restritivo do que o art. 6º, n.º 2 do DL 874/76, de 28/12 (deixando de apontar para a ideia de que, grosso modo, no período de férias, o trabalhador deve auferir o dobro das prestações habituais) e não recorre, para este efeito, à base de cálculo fornecida pelo art. 250º, n.º 1 do CT e 262º, n.º 1 do CT de 2009.
A dificuldade neste domínio está, precisamente em circunscrever quais as “prestações que são contrapartida do modo específico da execução do trabalho. Numa primeira aproximação à nova fórmula adoptada pelo CT para o cálculo do subsídio de férias, afigura-se-nos que ela (para além da retribuição base) comporta uma opção, de entre os diferentes nexos de correspectividade que caracterizam as várias componentes da retribuição, por aqueles que se referem à própria prestação do trabalho, isto é, às específicas contingências que o rodeiam, ou, dizendo de outro modo, ao seu condicionalismo externo [isolamento, toxidade, penosidade por maior responsabilidade das funções exercidas, penosidade por menor auto-disponibilidade do trabalhador (v.g. trabalho suplementar) penosidade por maior desgaste do trabalhador (v.g. trabalho nocturno e turnos rotativos)], em detrimento daqueles que pressuponham a efectiva prestação da actividade, quer respeitem ao próprio trabalhador e ao seu desempenho (prémios, gratificações, comissões), quer consistam na assunção pelo empregador de despesas em que incorreria o trabalhador por causa da prestação do trabalho (subsídios de refeição e de transporte) [4].
No caso em apreço, pensamos que não é necessário efectuar tal ponderação. Com efeito, se autor, em 1/7/2005, como Escriturário, auferia a retribuição base de € 1.200,00 (alínea e) da matéria de facto provada), é evidente que, quando passou a desempenhar, a partir dessa data, as funções de Director/responsável pela actividade de rent-a-car, a sua retribuição base não podia continuar igual à que auferia como Escriturário, tendo passado a auferir € 1.700,00 (1.200,00 + € 500,00) de retribuição base, ou seja, como retribuição correspondente à actividade efectivamente exercida no seu período normal de trabalho (arts. 250º, n.º 2, al. a) do CT de 2003 e 262º, n.º 2 alínea a) do CT de 2009). Seria inadmissível que o Autor auferisse, como Director/responsável da actividade de rent-a-car, a retribuição base que auferia como Escriturário. Aliás, se a referida prestação de € 500,00, denominada “complementos diversos”, era uma prestação regular e periódica, paga mensalmente pela entidade empregadora ao trabalhador, a mesma, apesar da designação que lhe era atribuída, só não poderia ser considerada parte integrante da retribuição base do Autor se a Ré tivesse demonstrado (art. 249, n.º 3 do CT de 2003 e 258º, n.º 3 do CT de 2009) que tal prestação tinha uma causa específica e individualizável diversa da remuneração do trabalho que aquele desempenhava, como Director/responsável da actividade de rent-a-car, no seu período normal de trabalho.
Como isso não sucedeu, temos necessariamente de concluir que a verba mensal de € 500,00 paga pela Ré ao Autor, fazia parte integrante da sua retribuição base, devendo o seu montante ser incluído nas diferenças salariais em dívida desde 1/1/2008 a 11/7/2009, como nos salários intercalares a que o Autor tem direito desde o 30º dia anterior à propositura na acção até à data do trânsito em julgado da decisão judicial.

F) Uso particular do veículo automóvel e do telemóvel e despesas de combustível.
O Autor pediu, na sua reconvenção, que a Ré seja condenada a pagar-lhe as respectivas remunerações e demais prestações complementares e acessórias vencidas e vincendas, incluindo viatura, telemóvel e despesas de combustível.
A Mma juíza a quo considerou que em relação a estas prestações, embora tenha ficado provado que o autor passou a dispor de viatura automóvel e telemóvel para uso total, incluindo particular, a verdade é que não provou qual o valor desse benefício, não fazendo prova, inclusive, do número de quilómetros percorridos a esse título. Acrescenta ainda a Sra. Juíza que sendo o valor da retribuição um facto constitutivo do direito do autor, alegado mas não provado, há que julgar improcedente este pedido, por falta de elementos para os fixar, não se verificando os pressupostos de remissão para incidente de liquidação, o qual pressupõe que os factos não são conhecidos ou ainda estão em evolução na data em que foi instaurada a acção.
O Autor discorda, alegando que estando assente que tem direito a receber da ré o uso e custeio de um automóvel e um telemóvel para uso total - prestações que se presume constituírem retribuição em espécie e que a R. deixou injustificadamente de lhe prestar - e não fornecendo os autos elementos que permitam fixar o seu valor, impunha-se ao tribunal, proferir condenação ilíquida, remetendo o apuramento do quantum devido a este título para liquidação prévia à execução de sentença (cf. art. 661º, n.º 2 do Código de Processo Civil), pelo que a imediata absolvição do pedido enferma de erro de julgamento.
Desde já se adianta que assiste razão ao recorrente.
            O conceito técnico-jurídico de retribuição retira-se do arts. 249º e seguintes do CT, que corresponde, com poucas alterações, ao que constava dos arts. 82º e seguintes da LCT.
            Nos termos do art. 82º da LCT e do art. 249º do Código do Trabalho, a retribuição abrange o conjunto de valores pecuniários ou não que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o empregador está obrigado a pagar, regular e periodicamente ao trabalhador como contrapartida do seu trabalho (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida), presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade empregadora ao trabalhador.
            A retribuição é, portanto, constituída por um conjunto de valores expressos ou não em moeda a que o trabalhador tem direito, por título contratual ou normativo, correspondente a um dever da entidade empregadora.
            A primeira característica da retribuição é a de que ela representa, em princípio, a contrapartida da prestação de trabalho, como tal fixada pela vontade das partes, pelas normas que regem o contrato de trabalho ou pelos usos. O elemento da contrapartida é um elemento de grande importância na delimitação técnica da retribuição porque permite excluir do âmbito do conceito de retribuição as prestações patrimoniais do empregador que não decorram do trabalho prestado mas prossigam outros objectivos ou tenham uma justificação diversa – assim, por exemplo, subsídios para compensação do trabalhador pelos riscos especiais da actividade laboral (como um subsídio pela perigosidade da actividade ou um abono para compensar falhas de caixa), prestações especiais compensatórias das condições mais penosas do desempenho da actividade (por exemplo, um acréscimo remuneratório pela exigência de trabalho nocturno) e ainda a compensação pelas despesas do trabalhador em execução do contrato (por exemplo, despesas de transporte, de refeição ou de alojamento). Embora estas prestações tenham um valor patrimonial e possam mesmo criar no trabalhador fundadas expectativas quanto à continuação da sua percepção não são, de facto, uma contrapartida da actividade prestada (ou da disponibilidade para a prestar), pelo que, em princípio, não integram o conceito de retribuição.
            Mas a atribuição de carácter retributivo a uma certa prestação do empregador exige também uma certa regularidade e periodicidade no seu pagamento, embora possa ser diversa de umas prestações para outras. Essa característica tem um duplo sentido indiciário: por um lado, apoia a presunção da existência de uma vinculação prévia (quando se não ache expressamente consignada); por outro, assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador e, por essa via, confere relevância ao nexo existente entre retribuição e as necessidades pessoais e familiares daquele.
            Com a expressão “regular”, a lei refere-se a uma prestação não arbitrária, que segue uma regra permanente, sendo, pois, constante. E ao exigir o carácter “periódico” para que a prestação se integre na retribuição, a lei considera que ela deve ser paga em períodos certos no tempo ou aproximadamente certos, de forma a inserir-se na própria ideia de periodicidade típica do contrato de trabalho e das necessidades recíprocas dos dois contraentes[5].
            Nos termos do art. 249º, n.º 2 do CT, a prestação só é retributiva se, enquanto contrapartida da actividade laboral, for regular e periódica. Neste ponto, a norma do Código do Trabalho afasta-se da redacção da norma correspondente da LCT (art. 82º, n.º 2), que reportava os elementos da regularidade e da periodicidade globalmente à retribuição e não a um dos seus elementos essenciais. Com a nova redacção, julga-se que o legislador pretendeu dar mais saliência ao elemento da contrapartida (i.e., da correspectividade entre a prestação de trabalho e a prestação retributiva) na construção do conceito técnico-jurídico de retribuição, e, ao mesmo tempo, relativizou a importância do elemento da regularidade e da periodicidade na atribuição das prestações, uma vez que é a propósito do elemento de contrapartida que passa a ter que se avaliar se as prestações pagas ao trabalhador pelo empregador, para além da retribuição base, são regulares e periódicas. Quer isto dizer que para a lei apenas é de qualificar como retribuição, a prestação devida ao trabalhador pelo empregador como contrapartida do seu trabalho e que, enquanto tal, revista as qualidades da regularidade e da periodicidade.
            Essas prestações regulares e periódicas pagas pelo empregador ao trabalhador, independentemente da designação que lhes seja atribuída no contrato ou no recibo, em princípio, só não serão consideradas parte integrante da retribuição se tiverem uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho. É, em suma, necessário que se possa detectar uma contrapartida específica – diferente da disponibilidade da força de trabalho ou da prestação do trabalho – para que essas prestações do empregador se possam colocar à margem do salário do trabalhador.
            Nos termos do art. 342º, n.º 1 do Cód. Civil, compete àquele que invoca um direito fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
            Aplicando esta regra geral do ónus da prova à matéria da retribuição, sempre que o trabalhador se pretendesse prevalecer do regime de tutela da retribuição, que a lei estabeleceu a seu favor, teria que provar que auferiu ou tinha direito a auferir determinadas prestações do empregador e que tais prestações integravam o conceito de retribuição, por se verificarem, em relação a cada uma delas os elementos que integram esse conceito.
            Ciente das dificuldades de prova para o trabalhador, o legislador estabeleceu a seu favor uma presunção nesta matéria, que consta do n.º 3 do art. 82º da LCT e que foi reproduzida, nos mesmos termos, no n.º 3 do art. 249º do CT de 2003 e no n.º 3 do art. 258º do CT de 2009, segundo a qual “até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador”. Estabeleceu-se, pois, nestes normativos uma presunção juris tantum no sentido de que qualquer atribuição patrimonial efectuada pelo empregador em benefício do trabalhador, salvo prova em contrário, constitui parcela da retribuição.
            Conforme estatui o n.º 1, do art. 350º do Cód. Civil “quem tem a seu favor esta presunção escusa de provar o facto a que ela conduz”. A existência de presunção legal importa, assim, a inversão do ónus da prova (art. 344º do Cód. Civil).
            Deste modo, não obstante os aludidos pressupostos constituírem factos constitutivos do direito invocado pelo autor e de, em princípio, lhe caber a prova desses factos, face ao disposto no n.º 1 do art. 342º do Cód. Civil, a existência da citada presunção legal inverte o ónus da prova, incumbindo à Ré a demonstração da inexistência de tais pressupostos factuais.
No caso em apreço, ficou provada com interesse para a apreciação desta questão a seguinte matéria de facto:
a) Em 1/07/2005, o trabalhador foi nomeado pela empregadora como director/responsável pela actividade de rent-a-car, passando a receber, além da retribuição base ilíquida de € 1.200,00 mensais (que já recebia), uma verba paga sob denominação “complementos diversos” no valor mensal de € 500,00 ilíquidos, a ter atribuída uma viatura de serviço do grupo C, bem como direito a um telemóvel, para uso total, com um plafond € 30,00, pago, pelo menos, 11 vezes por ano (cfr. alínea e) da matéria de facto provada e fls. 61)
b) A atribuição da viatura era para uso total, incluindo para uso particular, nomeadamente de casa para o trabalho e vice-versa (O.../Lisboa/O...), fins de semana e em férias (cfr. n.ºs 39, 40, 41 e 42 da matéria de facto provada).
c) Em 31 de Dezembro de 2007, o A. deixou de desempenhar as funções de responsável pela actividade de rent-a-car, tendo deixado de auferir a quantia de € 500,00, a título de “complementos diversos” e de usufruir do benefício da viatura de serviço atribuída e do telemóvel (cfr. alínea J) da matéria de facto provada).
d) O Autor recebia da empregadora despesas de combustível até ao montante mensal de € 160,00. Este pagamento já era efectuado antes do Autor desempenhar as funções de responsável pela actividade de rent-a-car e continuou a ser efectuado após ter cessado essas funções (cfr. n.ºs 8º e 9 da matéria de facto provada).
Face a este quadro, impõe-se concluir que a atribuição ao A. do veículo automóvel, para uso total, incluindo para uso particular, nomeadamente de casa para o trabalho e vice-versa, fins de semana e em férias (tornando desnecessário o uso de viatura própria), fazia parte da contrapartida do trabalho e revestia a natureza de retribuição. É evidente que a utilização da viatura pelo autor na sua vida privada, naquelas condições, representava para ele uma manifesta vantagem de natureza económica (correspondente ao valor que ele despenderia se utilizasse viatura própria) e tinha natureza regular e periódica, uma vez que dela podia usufruir todos os dias. Aliás, revestindo a atribuição de tal viatura uma prestação em espécie, regular e periódica, com um valor patrimonial evidente, tem de presumir-se que a mesma faz parte integrante da retribuição (arts. 249º, n.º 3 do CT de 2003 e 258º, n.º 3 do CT de 2009). E como a Ré não conseguiu ilidir tal presunção, provando nomeadamente que se tratava de uma mera liberalidade ou de um acto de mera tolerância da sua parte, tem necessariamente de concluir-se que a utilização privada da referida viatura constitui uma prestação em espécie que faz parte integrante da retribuição do autor.
O mesmo sucede em relação ao uso privado do telemóvel que lhe estava atribuído e com as despesas de combustível que a Ré lhe pagava até ao montante máximo mensal de € 160,00.
O Autor não conseguiu, no entanto, provar o valor mensal do benefício pessoal que retirava da atribuição de cada uma destas prestações em espécie.
É certo que o valor da prestação retributiva resultante da atribuição de uma viatura para uso profissional e para uso pessoal é o que resulta do benefício económico da sua utilização em proveito próprio, mas esse valor não se pode confundir com o valor que a entidade empregadora despende com tal viatura. Em nossa opinião, o valor da referida retribuição em espécie é o correspondente ao benefício económico obtido pelo trabalhador, por via do uso pessoal ou particular da viatura, nele não se podendo incluir o uso profissional (ou seja o benefício obtido com o seu uso ao serviço da entidade empregadora). Destinando-se a viatura, não apenas ao uso pessoal, mas também ao uso profissional, o valor mensal do benefício económico da prestação em espécie, proporcionada ao apelante, nunca podia, neste caso, equivaler, por exemplo, ao valor mensal do custo do aluguer de viatura idêntica e das despesas com ela relacionadas, já que desse custo advinha também vantagens económicas para a sua entidade empregadora (pela sua utilização em serviço), vantagens essas cujo valor, manifestamente, não pode deixar de excluir-se do referido custo, para se apurar o valor exacto da retribuição em espécie.
O mesmo sucede em relação ao valor do uso pessoal do telemóvel. Destinando-se este, não apenas ao uso pessoal, mas também ao uso profissional, o valor mensal do benefício económico desta prestação em espécie, proporcionada ao autor, nunca podia corresponder ao custo do aluguer de um telemóvel idêntico e ao valor do plafond atribuído (€ 30,00), já que da atribuição desse telemóvel e desse plafond advinham também vantagens económicas para a sua entidade empregadora (pela sua utilização em serviço), vantagens essas cujo valor, manifestamente, não pode deixar de excluir-se do referido custo, para se apurar o valor exacto desta prestação em espécie.
Em relação às despesas de combustível que podiam atingir o montante máximo mensal de € 160,00, o autor não conseguiu demonstrar quanto recebia em média mensalmente a este título.
Não concordamos que, que nestes casos, se impõe o recurso à equidade, nos termos do arts. 4º, alínea a) e 566º, n.º 3 do Cód. Civil, uma vez que não estão esgotados todos meios que permitem, através de prova, determinar o valor do benefício económico que o autor retirava do uso pessoal da viatura e do telemóvel[6].
Encontramo-nos, assim, perante uma situação em que está assente que o uso pessoal da viatura, do telemóvel e despesas de combustível, constituem prestações em espécie que fazem parte integrante da retribuição do autor, mas não existem nos autos elementos que nos permitam quantificar o valor mensal do benefício económico que o Autor retirava da atribuição destas prestações.
Constituirá a inexistência desses elementos (cujo ónus da prova competia ao autor) fundamento para negar, como negou o tribunal recorrido, procedência à pretensão do apelante de ver incluídos na sua retribuição os valores de tais prestações?
A questão prende-se essencialmente com o âmbito de aplicação do disposto no artigo 661.º, n.º 2, do CPC, norma que, procurando definir os limites da condenação, dispõe que “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida”.
É certo que não existe uma completa uniformidade de pontos de vista quanto ao alcance deste preceito. Mas haverá no mínimo que chamar à colação os critérios que a este propósito têm sido adoptados.
Há uma corrente jurisprudencial que entende que o apontado preceito só permite remeter para liquidação em execução de sentença, quando não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, mas apenas como consequência de não se conhecerem ainda, com exactidão, as unidades componentes da universalidade ou de ainda não se terem revelado ou estarem em evolução todas as consequências, e não também no caso em que a carência de elementos resulte da falta de prova sobre os factos alegados[7].
Esta é uma interpretação restritiva, que reconduz o âmbito de aplicação do preceito aos casos em que o autor tenha deduzido um pedido genérico, nos termos previstos no artigo 471.º do CPC, ou tenha formulado um pedido específico, mas não tenha sido possível, no momento da decisão, fixar o objecto ou a quantidade da condenação por se desconhecerem todas ou algumas consequências do facto ilícito, por estas ainda não se terem produzido ou por não se terem produzido todos os factos influentes na determinação do quantitativo de uma dívida.
A questão não é pacífica, mas o Supremo Tribunal de Justiça, nos seus acórdãos de 28/09/2005 - Processo n.º 578/05 – 4ª Secção, de 2/12/2005 – Processo n.º 2.850/05 – 4ª Secção, de 2/02/2006 – Processo n.º 3.225/05 – 4ª Secção, e de 22/03/2006 – Processo 05S3729 – 4ª Secção e em muitos outros acórdãos, tendo embora presente a referida argumentação, acabou por concluir que a condenação em liquidação de sentença poderá ocorrer mesmo quando o autor, tendo formulado pedido líquido, não tenha logrado provar, no processo declarativo, o exacto montante do que lhe é devido.
É certo que numa interpretação lata do artigo 661.º, n.º 2 do CPC, acaba por se conceder ao demandante uma nova oportunidade de prova dos fundamentos de facto constitutivos do direito invocado. No caso em apreço, no entanto, esta segunda oportunidade de prova não vai incidir sobre qualquer elemento de facto constitutivo do direito às referidas prestações – o direito do apelante às referidas prestações, por elas fazerem parte integrante da sua retribuição, já está reconhecido - mas tão somente sobre elementos que se afiguram necessários para determinar o valor mensal das prestações e o quantitativo da condenação a proferir.
Nada parece obstar, nestes termos, que em face da insuficiência de elementos para determinar o montante de tais prestações se profira condenação ilíquida, com a consequente remissão do apuramento desses elementos para incidente de liquidação de sentença.
A jurisprudência dominante segue este entendimento e vai no sentido “de que, mesmo quando o autor formulou pedido líquido, o facto de não ter logrado provar o exacto montante do seu demonstrado direito não obsta à condenação do réu em quantia a liquidar em execução de sentença”[8]. É esta a orientação que se nos afigura mais correcta e que se ajusta ao caso que nos ocupa, na constatação de que se provou o direito do apelante às referidas prestações em espécie, sem contudo se ter apurado o valor de cada uma delas.
A Ré deve, assim, ser condenada a pagar ao autor a quantia correspondente aos valores dos benefícios económicos que este retirava das prestações em espécie, constituídas pela utilização pessoal da viatura e do telemóvel, desde 1/01/2008 até 11/7/2009 e desde o 30º dia anterior à data da propositura da acção até à data do trânsito em julgado da decisão do tribunal, cujo apuramento se relega para incidente de sentença. Em relação ao valor médio do benefício económico que o Autor retirava da prestação em espécie constituída pelas despesas de combustível, a Ré deve ser condenada a pagar-lhe esse valor, desde o 30º dia anterior à data da propositura da acção até à data do trânsito em julgado da decisão do tribunal, cujo apuramento também se relega para incidente de liquidação de sentença.

G) Aplicação da sanção pecuniária prevista no n.º 4 do art. 829º-A do Cód. Civil.
O A. pediu que, em relação às prestações pecuniárias que a sentença vier a fixar, deverá acrescer a sanção pecuniária prevista no n.º 4 do art. 829º-A do Cód. Civil (juros à taxa de 5%), desde a data em que a sentença transitar em julgado.
A Mma Juíza a quo, indeferiu tal pretensão, por entender que estes juros somente são aplicáveis no caso de ser estabelecida uma sanção pecuniária compulsória, destinada a coagir ao cumprimento das prestações infungíveis que, neste caso, seria a reintegração no posto de trabalho, pela qual o autor não optou.
O Autor discorda desta parte da sentença e alega que só por erro de julgamento não foi deferida a sanção de 5% nos amplos termos peticionados pelo autor ex vi do art. 829°-A, n.º 4, do Cód. Civil, já que a interpretação restritiva em que se funda a sentença carece de fundamento legal, já tendo sido abandonada pela doutrina e jurisprudência.
Desde já adianta que o recorrente tem toda a razão, já que no n.º 4 do art. 829º-A do Cód. Civil se prevê uma sanção pecuniária compulsória legal, independente da prevista nos n.ºs 1, 2 e 3 do mesmo artigo, que não se aplica apenas às cláusulas penais fixadas em dinheiro e às sanções penais compulsórias decretadas pelo tribunal, nos termos do disposto no n.ºs 1, 2 e 3 do referido preceito, para coagir ao cumprimento das prestações de facto infungíveis.
Se dúvidas houvesse, elas seriam dissipadas pelo n.º 5 do preâmbulo do DL 262/83, de 16/6, no qual se refere que “Quando se trate de obrigações ou de simples pagamento a efectuar em dinheiro corrente a sanção compulsória (prevista no n.º 4) poderá funcionar automaticamente. Adopta-se, pois, um modelo diverso para esses casos (…) com vantagens de segurança e certeza para o comércio jurídico.”
Como escreve Calvão da Silva (Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 456):
“O legislador, em vez de confiar à soberania do tribunal, nos termos já expostos, a ordenação (desta) sanção pecuniária, disciplina-a ele próprio, fixando o seu montante, ponto de partida (trânsito em julgado da sentença de condenação) e funcionamento automático.
Por isso, porque prevista e disciplinada por lei, poderá qualificar-se como sanção pecuniária compulsória legal, enquanto aquela que é ordenada e fixada pelo juiz (a prevista nos n.ºs 1, 2 e 3) poderá chamar-se de sanção pecuniária compulsória judicial.
O espírito de ambas, porém, é o mesmo: levar o devedor a encarar as coisas a sério e a não desprezar o interesse do credor e o tribunal. (…).
No tocante ao âmbito de aplicação da sanção pecuniária compulsória legal, deve dizer-se que ele é constituído por todas as obrigações pecuniárias de soma ou quantidade, contratuais ou extracontratuais. É o que resulta do n.º 4 do art. 829º-A, ao prescrever serem automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente.
Outro alcance não pode ser dado à disposição legislativa que não este, quer a sentença de condenação recaia sobre uma soma em dinheiro, cujo montante está estipulado contratualmente, quer a soma em dinheiro a pagar seja determinada pela própria decisão judicial. Em ambos os casos são automaticamente, de direito, devidos juros à taxa de 5% ao ano desde o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Estando em causa, no caso em apreço, o pagamento determinadas prestações em dinheiro, judicialmente determinadas, tem plena aplicação o disposto no n.º 4 do art. 829º-A do Cód. Civil, sendo cumuláveis os juros de mora com os juros à taxa de 5% ao ano da sanção pecuniária compulsória[9].

 H) Litigância de má fé
A sentença recorrida considerou que não se verificam os pressupostos da litigância de má fé, uma vez que não se provou que a Ré, por dolo ou negligência grave, tenha deduzido oposição cuja falta de fundamento não ignorava, ou alterado a verdade dos factos, sendo que na questão essencial da nomeação provisória resultou apenas uma falta de prova, e não propriamente uma prova positiva contrária.
O Autor insurgiu-se contra esta parte da sentença, alegando que está provado que a Ré deduziu oposição cuja falta de fundamento não ignorava, alterou a verdade dos factos, relativamente ao início da sua relação laboral e quanto às condições ajustadas e à sua natureza, fazendo-o com dolo ou negligência grave, pelo que deve ser condenada como litigante de má fé, e não absolvida como erradamente foi.
A Ré, por seu turno, alega que não deve ser condenada por litigância de má fé, uma vez que não actuou com dolo ou negligência grave, nem deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.
Desde já se adianta que não assiste razão ao recorrente.
Nos termos do art. 456º, n.º 2 alíneas a), b), c) e d) do CPC, considera-se litigante de má-fé aquele que, com dolo ou negligência grave; tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; tiver praticado omissão grave do dever de cooperação ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
No caso em apreço, da leitura atenta da sentença recorrida, não resulta de modo algum, que a Ré tenha deduzido oposição cuja falta de fundamento não ignorava ou tenha alterado, com dolo ou negligência grave, a verdade dos factos.
Mesmo que tivesse demonstrado o contrário – e já dissemos que não - a Ré nunca poderia ser condenada como litigante de má-fé.
Vejamos porquê.
A parte que litigar de má fé deverá ser condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir, mas se o litigante for uma pessoa colectiva ou uma sociedade, a responsabilidade da multa e da indemnização recai sobre o seu representante que esteja de má fé na causa (arts. 456º, n.º 1 e 458º do CPC). A especial natureza da representação orgânica das pessoas colectivas – que não pensam, não falam, não agem por si mas apenas através dos seus representantes – levou a lei (art. 458º do CPC), a fazer recair sobre o representante que esteja de má fé na causa a responsabilidade das custas, da multa e da indemnização em que a pessoa colectiva tenha sido condenada por via da actuação (maliciosa) daquele.
Neste caso, a actividade processual que releva é a do respectivo representante, pois é este que age, em nome do representado. Se, no exercício da acção ou da defesa, se verificar que actuou com dolo substancial ou instrumental, ou se se concluir que actuou com culpa, que sabia que não tinha razão ou que não ponderou com prudência as suas pretensas razões, deve imputar-se ao representante, e não à pessoa colectiva ou sociedade, a litigância de má fé. Não se trata, assim, de uma responsabilidade do representante ao lado da do representado, cumulativa com a deste, antes de uma responsabilidade daquele, em vez da deste, uma responsabilidade substitutiva, que assenta na ideia de culpa, num juízo de censura de um comportamento que o representante adoptou em nome da pessoa colectiva, que é obra ou realização da sua liberdade – ou seja, de um comportamento que ele adoptou como ser livre e, deste modo, como “centro de imputação ético-social de responsabilidade”[10].
Quer isto dizer que, mesmo sendo a Ré BB - Sociedade Comercial de Automóveis, Lda, uma pessoa colectiva, a responsabilidade pelo pagamento da multa e da indemnização, nunca poderia recair sobre esta, mas sim sobre o seu representante, e só após o tribunal se ter certificado, com observância das regras do contraditório, que ele tinha actuado com culpa, que foi por culpa dele ou graças a ele que a Ré deduziu a oposição que deduziu nesta acção e que ele sabia que ela não tinha razão quando alegou que o Autor iniciou a sua relação de trabalho com a empresa em 19/10/1995 e que a matéria que a mesma alegou no art. 43º da resposta á contestação não correspondia à verdade.
Ora, como no caso em apreço, nada ficou demonstrado a este respeito e como o representante da BB nem sequer foi ouvido sobre essa matéria, a condenação da Ré ou do seu representante como litigantes de má fé, como pretende o Autor, nunca poderia ter lugar.
               
                III. DECISÃO
            Em conformidade com os fundamentos expostos, concede-se parcial provimento aos recursos de apelação interpostos pelo Autor e pela Ré e, em consequência, altera-se a sentença recorrida e decide-se:
1. Condenar a Ré a pagar ao Autor uma indemnização de trinta dias de retribuição base (€ 1.700,00), por cada ano completo ou fracção de antiguidade, reportada a Outubro de 1994, e até ao trânsito em julgado da sentença, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% a contar do trânsito em julgado da sentença, capitalizando-se os juros logo que se mostrem vencidos há mais de um ano a contar da citação da Ré e assim sucessivamente;
2. Condenar a Ré a pagar ao Autor as quantias correspondente à retribuição em espécie constituída pela utilização pessoal do veículo automóvel e do telemóvel que lhe estavam atribuídos e de que esteve privado entre 1/1/2008 até 11/7/2009, cujo apuramento se relega para incidente de liquidação de sentença, acrescidos de juros de mora, à taxa legal de 4%, a contar da data do trânsito da decisão da respectiva liquidação, capitalizando-se os juros logo que se mostrem vencidos há mais de um ano a contar da citação da Ré e assim sucessivamente, relegando-se para incidente de liquidação de sentença a fixação do respectivo montante;
3. Condenar a Ré a pagar ao Autor o correspondente ao valor das retribuições intercalares (€ 1.700,00 de vencimento + subsídio de alimentação € 5,55 diários x 22 + € 11,76 mensais de abono de falhas” + as quantias correspondente à retribuição em espécie constituída pela utilização pessoal do veículo automóvel, do telemóvel e despesas de combustível que lhe estavam atribuídas), incluindo férias, subsídio de férias e de Natal, que deixou de auferir desde o 30º dia anterior à propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão judicial, acrescidas de juros de mora, à taxa legal de 4%, a contar do trânsito em julgado deste acórdão (em relação às prestações já liquidadas) e a contar do trânsito em julgado da decisão da liquidação, em relação às prestações ainda não liquidadas, capitalizando-se os juros logo que se mostrem vencidos há mais de um ano a contar da citação da Ré e assim sucessivamente, descontando-se os valores a que se reporta o art. 390º, n.º 2, alíneas a) e c) do CT, relegando-se para incidente de liquidação de sentença, o apuramento destes valores, bem como dos valores das prestações em espécie atrás referidas;
4. Sobre o capital das prestações pecuniárias atrás mencionadas são devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que esta decisão transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora atrás referidos.
5. Confirmar os demais pontos, incluindo o da alínea E), da decisão recorrida.
As custas do recurso interposto pelo Autor serão suportadas por ambas as partes, sendo 20% da responsabilidade deste e 80% da responsabilidade da Ré. As custas do recurso interposto pela Ré serão igualmente suportadas por ambas as partes sendo 10% da responsabilidade do Autor e 90% da responsabilidade da Ré.
Notifique e registe.

Lisboa, 29 de Fevereiro de 2012

Ferreira Marques
Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
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[1] Cfr. Pedro Romano Martinez, Código do Trabalho Anotado, anotação ao art. 439º, Almedina, 2003, pág. 639; A Reforma do Código do Trabalho, Centro de Estudos Judiciários, Coimbra Editora, pág. 510 e segs.
[2] Cfr. Pedro Romano Martinez, Código do Trabalho Anotado, anotação ao art. 439º, Almedina, 2003, pág. 639; A Reforma do Código do Trabalho, Centro de Estudos Judiciários, Coimbra Editora, pág. 510 e segs.
[3] Cfr. José Andrade Mesquita, “O Direito a férias”, publicado em Estudos do Instituto do Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2002, pág. 106 e segs; João Leal Amado, “Contrato de Trabalho”, 2009, Coimbra Editora, pág. 280.
[4] Vide Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Código do Trabalho Anotado, Anotações ao art. 255º e Acórdão da Relação de Lisboa, de 12/03/2009, Processo 2.195/05, in www.dgsi.pt (por nós relatado).
[5] Cfr. Ac. do STJ de 13.01.93 CJ/STJ, Ano I, Tomo 1º, pág. 226.
[6] Vide, neste sentido, Acórdãos do STJ, de 14/2/1991, AJ, 15º/16º - 29, e de 22/3/2007 – Processo n.º 06B4664.dgsi.pt.
[7] Cfr. Acs. do STJ, de 17/1/95, BMJ 443º, 395; de 13/1/00, Sumários, 37º-34; de 24/2/00, Sumários, 38º-45.
[8] Vide Acórdãos do STJ, de 14/03/2006 – Processo n.º 3.140/05 – 4ª Secção (no qual se faz uma pertinente resenha da doutrina e da jurisprudência sobre esta questão) e de 22/03/2006, Acórdãos Doutrinais 536º/537º - 1453.
[9] Vide, entre muitos outros, Acórdãos da Relação de Évora, de 11/4/1996, CJ, 1996, 2º - 278 e 13/10/1998, BMJ 480º - 568; da Relação do Porto de 11/11/2004, CJ, 2004, 5º, pág. 169 e Acórdãos do STJ de 5/6/1997, BMJ 468º-315, de 8/6/2004, CJ/STJ/2004, 2º, pág. 87 e de 12/9/2006, CJ/STJ/2006, 3º, pág. 53.
[10] Vide Acórdão do Tribunal Constitucional, de 22/02/1995, publicado no DR, II Série, de 17/06/1995 e Acórdãos do STJ, de 19/02/2002, Sumários, 2/2002; de 4/06/2002, Sumários 6/2002 e de 18/03/2004, Processo 04B812, www.dgsi.pt.; Acórdão da Relação do Porto de 17/01/2006, JTRP00039046.dgsi.Net; Acórdão da Relação de Évora de 14706/2007, Processo n.º 819/07-2.dgsi.Net.
Decisão Texto Integral: