Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
432/08.6TASCR.L1-3
Relator: RUI GONÇALVES
Descritores: DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
IN DUBIO PRO REO
BURLA AGRAVADA
MEDIAÇÃO DE SEGUROS
RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: 1.A garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto em substância penal jamais poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, visando apenas a deteção e correção de pontos concretos e excecionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente tem obrigatoriamente de apontar e fundamentar na sua motivação recursória.
2.Do disposto no n.º 1 do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa parece emergir para o arguido um verdadeiro duplo grau de jurisdição em matéria de facto.
3.Para dar vida jurídica a esta norma constitucional o Tribunal da Relação pode e deve formar a sua própria convicção quanto ao sucedido no que concerne aos concretos pontos de facto impugnados pelo recorrente, para além de controlar a convicção a que chegara o Tribunal a quo
4.O princípio in dubio pro reo, à luz do princípio da investigação apenas deve ser entendido no sentido de que não devem ser julgados provados os factos relevantes para a decisão que, apesar da prova recolhida, não possam ser subtraídos a dúvida razoável.
5.A violação desse princípio pressupõe que num estado de dúvida insanável, o Tribunal opte por decidir de forma desfavorável ao arguido.
6.O crime de burla simples e agravada, previsto nos art.ºs 217.º, n.º 1 e 218º, n.º 1 e 2, al. a), do Cód. Penal, constitui um tipo legal de crime de dano uma vez que só está consumado com a ocorrência de prejuízo efetivo no património do sujeito passivo da infração ou de terceiro, sendo um crime material ou de resultado que somente se consuma com a saída das coisas ou valores da esfera de disponibilidade fáctica do sujeito passivo, deste modo se dando um evento que, não obstante integre uma consequência da conduta do agente, se mostra autónoma em relação a ela.
7.Integra os elementos constitutivos desse tipo de crime a conduta das arguidas que, utilizando a sua veste de mediadoras de uma seguradora induziram os ofendidos em erro, já que estes as conheciam como tal, fazendo-lhes crer que as quantias que lhes entregavam serviriam para subscrever produtos financeiros dessa seguradora, quando na realidade nunca entregaram tais valores na seguradora, nem apresentaram as respetivas propostas de adesão a produtos financeiros nessa seguradora, integrando antes esses valores no seu património, fazendo-os seus, prejudicando desta forma os queixosos.
8.A seguradora não responde pelos danos causados pelo mediador de seguros a terceiros; não responde a título subjetivo (responsabilidade civil por factos ilícitos), nem responde pelo risco, em particular, enquanto comitente (a comissão de seguros não constitui uma comissão da seguradora ao mediador de seguros).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.


1.RELATÓRIO:


1.1.No Processo Comum com intervenção do Tribunal Coletivo n.º 432/08.6TASCR do 1.° Juízo do Tribunal Judicial de Santa Cruz, por acórdão de 18-jul.-2014, nessa mesma data depositado ([1]), foi decidido, no que ao caso releva:

QUESTÃO PENAL.

Ø Condenar as arguidas Maria do Carmo e Orlanda como autoras materiais de 1 (um) crime de «burla qualificada», na forma continuada, previsto e punido pelos arts. 30.º, n.º 2, 79.º, n.º 1, 217.º e 218º, n.º 1 e 2, al. a), todos do Código Penal, na pena 5 (cinco) anos de prisão para cada uma delas.
*

QUESTÃO CIVIL.
I-
Ø Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela ofendida Maria da Conceição e, em consequência, condenar as demandadas civis Maria do Carmo, Orlanda e ..., Companhia de Seguros, S.A. a pagar solidariamente àquela a quantia de €56.690, 64 (cinquenta e seis mil, seiscentos e noventa euros e sessenta e quatro cêntimos, sendo €54.190,64 (cinquenta e quatro mil, cento e noventa euros e sessenta e quatro cêntimos (51.190, 64 euros) a títulos de danos patrimoniais e €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros a título de danos morais, acrescida de juros de mora contados desde a notificação até integral pagamento.
*
II-
Ø Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela ofendida Maria Gomes e marido, Jorge e, em consequência, condenar as demandadas civis Maria do Carmo, Orlanda e “..., Companhia de Seguros, S.A.” a pagar solidariamente àqueles a quantia de €32.750,00 (trinta e dois mil, setecentos e cinquenta euros), sendo €30.000,00 (trinta mil euros) a títulos de danos patrimoniais e €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos morais, acrescida de juros de mora contados desde a notificação até integral pagamento.
*
III-
Ø Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela ofendida Carmelita e, em consequência, condenar as demandadas civis Maria do Carmo, Orlanda e “..., Companhia de Seguros, S.A.” a pagar solidariamente àquela a quantia de €14.000, 00 (catorze mil euros), sendo €11.500,00 (onze mil e quinhentos euros) a título de danos patrimoniais e €2.500, 00 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos morais, acrescida de juros de mora contados desde a notificação até integral pagamento.
*
IV-
Ø Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo ofendido José António e, em consequência, condenar demandadas civis Maria do Carmo e Orlanda a pagar solidariamente àquele a quantia de €4.100,00 (quatro mil e cem euros), acrescida de juros de mora contados desde a notificação até integral pagamento.
*
V-
Ø Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo ofendido Carlos e, em consequência, condenar as demandadas civis Maria do Carmo, Orlanda e “..., Companhia de Seguros, S.A.” a pagar solidariamente àquele a quantia de €70.000, 00 (setenta mil euros) a título de danos patrimoniais e ainda as duas primeiras demandadas civis a pagar solidariamente àquele a quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos morais, sendo ambas as quantias acrescidas de juros de mora contados desde a notificação até integral pagamento.
*
VI-
Ø Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela ofendida Maria e, em consequência, condenar as demandadas civis Maria do Carmo, Orlanda e “..., Companhia de Seguros, S.A.” a pagar solidariamente àquela a quantia de €10.000,00 (dez mil euros) a título de danos patrimoniais e ainda as duas primeiras demandadas civis a pagar solidariamente àquela a quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos morais, sendo ambas as quantias acrescidas de juros de mora contados desde a notificação até integral pagamento.
*
VII-
Ø Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela ofendida Marisol e, em consequência, condenar as demandadas civis Maria do Carmo, Orlanda e ..., “Companhia de Seguros, S.A.” a pagar solidariamente àquela a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros a título de danos patrimoniais e ainda as duas primeiras demandadas civis a pagar solidariamente àquela a quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos morais, sendo ambas as quantias acrescidas de juros de mora contados desde a notificação até integral pagamento.
*
VIII-
Ø Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo ofendido Roberto e, em consequência, condenar as demandadas civis Maria do Carmo, Orlanda e “..., Companhia de Seguros, S.A.” a pagar solidariamente àquele a quantia de €28.000,00 (vinte e oito mil euros) a título de danos patrimoniais e ainda as duas primeiras demandadas civis a pagar solidariamente àquele a quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos morais, sendo ambas as quantias acrescidas de juros de mora contados desde a notificação até integral pagamento.
*
IX-
Ø Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela ofendida Maria Ilda e, em consequência, condenar as demandadas civis Maria do Carmo, Orlanda e “..., Companhia de Seguros, S.A.” a pagar solidariamente àquela a quantia de €9.000, 00 (nove mil euros) a título de danos patrimoniais e ainda as duas primeiras demandadas civis a pagar solidariamente àquela a quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos morais, sendo ambas as quantias acrescidas de juros de mora contados desde a notificação até integral pagamento.
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1.2.Inconformadas com o assim decidido, recorreram em 26-set.-2014 as arguidas:

Ø Orlanda, nascida a 25-ago.-1966, natural da freguesia e concelho de Machico, filha de ..., casada, com última residência conhecida no Sítio do ..., em Machico, atualmente a residir em parte incerta de Inglaterra; e
Ø Maria do Carmo, nascida a 15-set.-1963, natural da freguesia e concelho de Machico, filha de ..., divorciada, com última residência conhecida na Rua de Santo António da Glória, ..., em Lisboa, atualmente a residir em parte incerta de Inglaterra.
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Rematam a respectiva motivação conjunta do seguinte modo:

«1.ª-O presente recurso tem como objeto matéria de facto e matéria de direito.»
«2.ª-Sucede que, todavia - e sem prejuízo do muito e devido respeito por opinião contrária - não assiste fundamento bastante para o Mmo. Juiz “a quo” ter decidido nos termos em que decidiu.»
«3.ª-As recorrentes entendem que resultaram provados da audiência de julgamento os seguintes factos, tudo com base nas provas testemunhais e documentais que infra se enunciará, a saber: Factos produzidos e provados em sede de audiência de julgamento:

«a)Não foram apreendidos na posse das arguidas os originais dos contratos de seguro;»
«b)Não foram apreendidas na posse das arguidas as quantias que os ofendidos reclamam;»
«c)Foi interposta pela demandante cível e queixosa Marisol ..., uma acção executiva com base numa livrança no valor de €120.000,00 (cento e vinte mil euros) que corre os seus autos sob o nº 307/09.1TCFUN, pela 1.ª secção das Varas de Competência Mista do Funchal.»
«d)A livrança foi entregue à [ofendida] para garantir as quantias entregues às arguidas pelos ofendidos Carlos ..., Maria e Marisol ...;»
«e)Não é possível fazer a correspondência entre as letras e assinaturas constantes das cópias dos contratos de seguro e as letras e assinaturas das arguidas;»
«d)As cópias dos contratos de seguro estão mal preenchidos, têm datas erradas; estão rasurados;»
«e)Era facilmente percetível por uma pessoa média colocada naquela situação que as cópias dos contratos de seguro estavam incorretamente preenchidas;»
«f)As cópias dos contratos de seguro apresentadas em juízo não são do uso exclusivo dos mediadores e agente de seguros;»
«d)Os impressos de contratos de seguro estão disponíveis e são facilmente obtidos junto aos balcões da empresa de seguros a qualquer pessoa que ali se dirija;»
«e)As arguidas nunca tiveram qualquer situação de incumprimento contratual com a ... - Companhia de Seguros, SA, antes da presente situação;»
«f) As arguidas eram bem vistas pela ... - Companhia de Seguros, SA.;»
«g)Não foi efetuada numa revista às arguidas ou busca às suas residências; - tudo conforme depoimentos das testemunhas, que infra se transcreverá, e documentos juntos aos autos a fls. que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.»

«4.ª-As recorrentes entendem que, dos factos dados como provados, já ut supra transcritos, os seguintes deveriam ter sido dados como não provados, porque colocados em dúvida, a saber:

- os pontos 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 29, 30, 21, 32, 33, 34 a parte “Esta por sua vez entregou-a ao queixoso (...)”, 36, 38, 39, 40, 41 a parte (...) para [pagamento] do valor por este entregue para a alegada aquisição de um produto financeiro da Companhia de seguros “...”, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 50, 61, 62, 63, 64, 65, 66 a parte “Após a assinatura de tal proposta (...)”, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 97, 99, 100, 101, 102, 103, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128 a parte “Após assinar o referido documento (...)”, 129, 130, 131, 133, 134, 135, 136, 139 a parte “Em consequência do acima referido (...)”, 140 a parte “Em consequência do acima referido (...)”, 141, 142, 144 a parte “Em consequência do acima referido (...)”, 145, 147 a parte “Em consequência do acima referido (...)” e 148.»

«5.ª.-E assim é porque todos os factos dados como provados resultam das declarações dos queixosos e ofendidos que foram inquiridos nessa mesma qualidade (demandantes) que não na qualidade de testemunhas.»
«6.ª-Que apesar de estarem obrigados a falar verdade, o certo é que sempre serão parciais, sempre serão parte interessada nos autos e sempre contarão a história que melhor lhe convier.»
«7.ª-Pelo que, para que tais declarações pudessem valer como prova desfavorável às arguidas era imperioso que aquelas declarações fossem necessariamente [acompanhadas] de provas consistentes.»
«8.ª-Deveriam ter sido apreendidos, na posse das arguidas, os originais dos supostos contratos de seguro, o que não aconteceu.»
«9.ª-Deveria ter sido feito uma perícia comparativa entre as letras e assinaturas dos documentos e as letras e assinaturas das arguidas, o que não sucedeu.»
«10.ª-Deveria ter sido apreendido na posse das arguidas as quantias supostamente por estas recebidas, o que não aconteceu.»
«11.ª-Deveriam ter sido juntos aos autos cópias dos extratos bancários da[s] arguidas, o que não aconteceu.»
«12.ª -Deveria ter sido elaborado um levantamento do património das arguidas, o que também não aconteceu.»
«13.ª-Só devido à omissão destes factos e trâmites, ut supra descritos deveriam todos aqueles factos dado como provados, mencionados, ter sido dados como não [provados].»
«14.ª-Quando um facto seja favorável ao arguido e exista dúvida sobre esse facto, este deve ser tido como lhe sendo favorável, ora sendo dado como provado, ora sendo dado como não provado, conforme lhe seja mais favorável, o que no caso sub iudice seria no sentido de não serem dados como provados, o que não sucedeu.»
«15.ª-O depoimento das testemunhas, que ut supra se transcreveu e que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais, são suficientes para dar como provados os factos alegados (e que não constam da matéria dada como provada) como são, mais que suficientes, para dar como não provados todos os outros.»
«16.ª-É para nós, claro, que a conjugação dos depoimentos das testemunhas, as únicas que são verdadeiramente isentas no caso sub iudice — até porque nada ganham ou perdem com decisão a obter nestes autos - são mais que suficientes para colocar em dúvida todos os pontos dados como provados.»
«17.ª.-Os documentos juntos aos autos são originais - o que impediu e e impede uma perícia às letras e assinaturas.»
«18.ª.-Não ficou provado se foram as arguidas que preencheram tais formulários.»
«19.ª-Os originais das propostas nunca foram apreendidos na posse das arguidas.»
«20.ª-As testemunhas, funcionários da ..., foram perentórios em afirmar que tais impressos estão acessíveis a todos, não são do uso exclusivo dos mediadores.»
«21.ª-Não ficou provado que os ofendidos entregaram as quantias em numerário (a que se arrogam ter o direito a receber) às arguidas.»
«22.ª-O documento comprovativo do levantamento de tais quantias apenas prova esse facto, ou seja, o levantamento da quantia.»
«23.ª-Nunca pode provar a entrega de tais quantias às arguidas.»
«24.ª-Os ofendidos, se levantaram essas quantias, deram-lhes o destino que muito bem entenderam.»
«25.ª-As únicas entregas que foram efetuadas às arguidas, e que resultam provadas pela prova documental, são as que resultam dos cheques.»
«26.ª-Mas, mesmo aqui, não se provou que tais entregas fossem feitas para seguros.»
«27.ª-Estamos a falar tão-somente de empréstimos efetuados às arguidas, e como tal questão meramente cível.»
«28.ª-As arguidas não mostram sinais exteriores de riqueza, nem tal facto ficou provado nos autos.»
«29.ª-As arguidas não fizeram suas as quantias supostamente entregues - em numerário -, porque as mesmas nunca lhes foram entregues.»
«30.ª-Tudo o exposto coloca em dúvida os depoimentos dos ofendidos, tanto que não foram corroborados com prova testemunhal, documental ou pericial, o que, para nós, ERA ESSENCIAL QUE SUCEDESSE.»
«31.ª-Entende-se que, existe uma insuficiência para a decisão da matéria de facto que resultou provada na audiência de julgamento e aquela que ficou plasmada no acórdão e existe em simultâneo um erro notório na apreciação da prova.»
*

«Do não preenchimento dos elementos do crime de burla:

«32.ª.-Os elementos do crime de burla, previstos no art° 217º do CP são:
«a)o uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado:
«b)para determinar outrem à pratica de atos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial;
«c)intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, Leal Henriques/Simas  in Código Penal, 2ª edição, Vol. II, Rei dos Livros, 1997.»

«33.ª-A realização objetiva do ilícito pressupõe, desde logo, a existência de uma situação de erro ou engano, astuciosamente provocada.»
«34.ª-Não há nos autos existência de qualquer situação de erro ou engano provocado pelas arguidas.»
«35.ª-Termos em que se perfila, radicalmente, inequívoco que não existe qualquer situação de erro ou engano e que este, a existir, jamais teria sido provocado pelas arguidas.»
«36.ª-Não obstante o supra referido, se admitirmos, por mera hipótese, a existência de uma situação de engano ou erro, este apenas é relevante, para o preenchimento do elemento objectivo em análise se for provocado, astuciosamente, pelo agente.»
«37.ª-Seguindo o entendimento de José António Barreiros in “Crimes contra o Património”, Universidade Lusíada, 1996 “Haverá, para que de astúcia se possa falar, de ocorrer uma atuação engenhosa da parte do agente do crime, algo ao nível do estratagema ardiloso, da encenação orientada a ludibriar”.»
«38.ª-Tal atuação engenhosa não ficou demonstrada nos presentes autos, de tal forma que o não preenchimento de tal elemento é por demais evidente.»
 «39.º-Ficou provado exatamente o contrário.»
«40.ª-Ficou provado, pelas declarações das testemunhas ouvidas, e muito em concreto pelos funcionários da seguradora, que qualquer pessoa colocada naquela situação, deveria ter desconfiado que as propostas não estavam bem preenchidas, que se encontravam rasuradas, com datas não coincidentes, tudo acrescido do facto de nunca sequer se terem dirigido à companhia (os ofendidos) quando bem sabiam, e não podiam desconhecer, pois já eram clientes da referida companhia, que aquela enviava SEMPRE, as condições particulares dos contratos assinados.»
«41.º.-Só por aqui, e admitindo por hipótese de raciocínio que foram as arguidas a preencher as referidas propostas, se verifica não existir qualquer tipo de [autúcia], ou atividade engenhosa, pois era por demais evidente o mau preenchimento das propostas.»
«42.º-Para a realização típica do crime de burla “exige-se não só o dolo genérico, mas também um «um dolo específico», no caso, o dolo de enriquecimento ilegítimo, o qual haverá de animar a conduta do agente”, José António Barreiros in “Crimes...”, p. 152.»
«43.º-Não ficou cabalmente provado que as arguidas [tivessem] recebido as quantias em numerário reclamadas pelos ofendidos, pois em boa verdade, para além das declarações dos próprios ofendidos, nada mais há que prove as referidas entregas.»
«44.ª.-Não há, junto aos autos, prova de que as arguidas tenham depositado tais quantias nas suas contas.»
«45.ª-Não há, nos autos, prova de que as arguidas tenham adquirido património imobiliário, ou outro, com tais quantias.»
«46.ª- NADA SE PROVOU quanto ao suposto enriquecimento por parte das arguidas em relação a tais quantias.»
«47.ª.-Pelo que o enriquecimento ilegítimo necessário à consumação da burla também não se provou, e não se encontra preenchido.»
«48.º-Termos em que concluímos que nenhum dos elementos do tipo legal de crime analisados se encontram preenchidos, pelo que, o Tribunal a quo fez uma subsunção errada dos factos ao crime de burla, previsto no artº 217.º do Código Penal, e como tal fez uma subsunção errada dos factos ao crime de burla qualificada previsto no artº 218o do Código Penal.»
*

«(Subsidiariamente e por mera cautela de patrocínio)»
«Da questão da letra entregue à ofendida Marisol ...:

«49.ª.-Por mera cautela de patrocínio e admitindo teoricamente, e sem prejuízo do já ut supra alegado, que as arguidas preencheram o elemento típico do crime de burla sempre se dirá o seguinte:
«50.ª-Ficou provado em sede de audiência de julgamento pelo testemunho da Sra Marisol ..., e pelos documentos juntos pelas arguidas e pela companhia de seguros a fls. dos autos foi entregue uma livrança em branco à Sra. Marisol.»
«51.ª.-Face à entrega de tal livrança, o preenchimento do elemento subjetivo do enriquecimento ilícito à custa das queixosas, fica totalmente inviabilizado, pelo facto da arguida ter assinado uma livrança, já em execução nas Varas Mistas do Tribunal do Funchal a favor da Sra Marisol, onde é peticionada a quantia de €120.000,00 a título de garantia de pagamento das quantias entregues por si, seu pai e sua mãe.»
«52.ª-Se as arguidas pretendessem, ou sequer tivessem a intenção de causar prejuízo patrimonial aos ofendidos, jamais teriam entregue tal livrança em branco à ofendida Marisol, que a preencheu como muito bem entendeu e com os montantes que muito bem entendeu.»
«53.ª.-E isto porque o não cumprimento daquela livrança, produziria, como aliás produzirá inevitavelmente, efeitos negativos no património da arguida.»
«54.ª-Assim a alegada consumação do crime em que foi condenada produzirá inevitavelmente, efeitos negativos no seu próprio património, pois será responsável pelos 120.000,00 euros da livrança - já em execução - e pelos 120.000,00 euros resultantes da condenação pelo crime de burla qualificada e consequente pedido de indemnização cível já efetuado e na qual foi condenada.»
«55.ª-Não só não houve qualquer intenção de enriquecimento, como acresce o facto da arguida sair ainda [prejudicada] de toda a situação, em virtude de estar a ser condenada pelo crime de burla qualificada e sua indemnização correspondente e ao mesmo tempo estar a ser executada pela livrança que entregou à Sra Marisol para garantir as quantias supostamente entregas por esta e sua família à arguida.»
 «56.ª-Há um claro prejuízo patrimonial na esfera da arguida.»
«57.º.-Há uma clara burla qualificada, não por parte da arguida, mas sim por parte da Sra Marisol e sua família, que de uma mesma situação pretendem enriquecer pela via penal e cível.»
«58.ª.-Termos em que concluímos que neste caso um dos elementos do tipo legal de crime analisados, a saber o enriquecimento ilegítimo, não se encontra preenchido, pelo que, o Tribunal a quo fez uma subsunção errada daqueles factos ao crime de burla, previsto no art° 217° do Código Penal, e como tal fez uma subsunção errada dos factos ao crime de burla qualificada previsto no artº 218º do Código Penal.»
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«Da violação dos Princípios da Presunção de Inocência e “In Dubio pro reo”:
«59.ª-O princípio in dubio pro reo pretende garantir a não aplicação de qualquer pena sem prova suficiente dos elementos do facto típico e ilícito que o suporta, assim como, do dolo ou da negligência do seu autor, Cristina Líbano Monteiro “Perigosidade de inimputáveis” e « in [dubio] pro reo»”, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1997.»
«60.ª.-Da lista de factos que se consideram que deviam ficar provados e daqueles que se considera que não deviam ter ficado provados ou mesmo daqueles que efetivamente ficaram provados não se demonstra claramente o preenchimento dos elementos do crime em que as arguidas foram condenadas.»
«61.ª-Aliás, toda a fundamentação da sentença ora objeto de recurso, na realidade assenta em factos dados como provados, mas que careciam de uma maior fundamentação fáctica que não uma mera construção, aparentemente, lógico-dedutiva, completamente desfasada e, inclusive, contrária à factualidade apurada.»
«62.ª.-O tribunal a quo decidiu com base em factos que, para além de não terem sido cabalmente provados, como ut supra se alegou, não permitem em absoluto uma plena convicção do Tribunal a quo.»
«63.ª-Quase todos os factos dados como provados (erroneamente como já alegamos) são as declarações dos próprios ofendidos, que são parte interessada na causa, sendo que muitas vezes alargam o âmbito das suas declarações (como seja o facto da Sra Conceição ter declarado que entregou 2000,00 € às arguidas para celebrar contratos de seguro aquando da queixa e pedido de indemnização cível, e posteriormente ter dito que afinal era um empréstimo), ou [restringem] as suas declarações (como seja o facto da Sra Marisol, não ter dito que era portadora de uma livrança subscrita pela arguida para [garantia] das quantias entregues por si seu pai e sua mãe, em sede de queixa, e depois ter afirmado tal facto em sede de julgamento e só quando perguntada pelo [Meritíssimo] juiz e mandatário das arguidas), como seja, ainda o facto do pai, mãe e namorado da Sra Marisol, terem declarado, todos em absoluto, que desconhecem tal livrança, quando resulta claro dos autos que todos têm o mesmo mandatário, que todos peticionaram a indemnização cível numa só peça [processual], o que indicia que todos reuniram com o mesmo mandatário e quando indicia que todos sabiam da livrança.»
«64.ª-Para além das declarações dos ofendidos, todos conhecidos entre si, mais ninguém viu as supostas entregas das quantias em numerário, mais ninguém viu os documentos de seguro originais e mais ninguém consegue dizer o que quer que seja em relação à matéria dada como provada.»
«65.ª-Acresce que, foram os próprios funcionários da seguradora que a instâncias do mandatário das arguidas confirmaram que os impressos estavam facilmente disponíveis a qualquer pessoa que entrasse nas suas instalações (não eram uso exclusivo dos seus mediadores).»
«66.ª-Quando foram os próprios funcionários que disseram claramente que não conseguem controlar quais os impressos que as mediadoras utilizam e quais aqueles que os clientes vão buscar [diretamente] às suas instalações (não é possível fazer a correspondência entre os impressos utilizados pelos mediadores e os impressos utilizados pelos clientes dos seguros diretamente obtidos junto da empresa de seguros).»
«67.ª-E quando foram os próprios funcionários que disseram desconhecer se as arguidas efetivamente receberam tais quantias.»
«68.ª-Os funcionários da empresa de seguros apenas sabem que os montantes dos quais os ofendidos se dizem lesados não deram entrada na seguradora, nem as cópias das propostas juntas aos autos.»
«69.ª-Mas não confirmaram, nem o poderiam fazer, pois não sabem, se as quantias supostamente entregues às arguidas o foram efetivamente e se as propostas foram efetivamente preenchidas pelas arguidas e entregues pelas arguidas aos ofendidos.»
«70.ª-As arguidas foram condenadas através das declarações dos próprios ofendidos, que TÊM UM INTERESSE IMENSO NA CAUSA e como tal não deveriam ter sido valoradas como facto provado a não ser que existisse, para além das suas declarações, qualquer outra prova que as corroborassem, como seja, a apreensão dos originais dos contratos de seguro na posse das arguidas, a apreensão das quantias monetárias supostamente entregues na posse das arguidas, a perícia da letra e das assinaturas constantes dos documentos - meras fotocópias dos contratos de seguro, o que não sucedeu.»
«71.ª-Não existindo estas provas adicionais, e a nosso ver essenciais, nunca poderiam as arguidas ter sido condenadas.»
«72.ª-Há um erro notório na apreciação da prova e uma insuficiente matéria de facto dada como provada.
«73.ª-Estamos, sem dúvida, perante a violação do Princípio in dubio pro reo, segundo o qual o juiz deve decidir “sobre toda a matéria que não se veja afetada pela dúvida”, de forma que, quanto aos factos duvidosos, o princípio da livre convicção não fornece, não pode fornecer qualquer critério decisório”, Cristina Líbano Monteiro “Perigosidade de inimputáveis...”.»
«74.ª-E ainda de destacar que a condenação em apreço parte, erroneamente, do pressuposto de que as arguidas, preencheram os contratos de seguro de forma astuciosa.»
«75.º-Não só não ficou provado que foram as arguidas que preencheram tais documentos, como foram os próprios funcionários do seguro que afirmaram perentoriamente que os contratos de seguro se encontravam mal preenchidos, com datas erradas, rasurados e que qualquer pessoa que celebrasse contratos de seguro, uma vez colocados naquela situação deveriam se aperceber que os contratos não estavam devidamente preenchidos e que como tal não seriam aceites pela companhia.»
«76.ª-E ainda que se considere que foram as arguidas a preencher tais contratos (o que se giza por mero exercício de raciocínio) sempre se dirá que os mesmos estavam de tal modo mal preenchidos que não poderiam provocar, em ninguém, o engano astucioso que se quer fazer crer foi criado.»
«77.º-O invocado princípio é, duplamente atingido, porquanto e no seguimento da sua consolidação jurídico normativa, a doutrina entende que “O universo fáctico - de acordo com o pro reo - passa a compor-se de dois hemisférios que receberão tratamento distinto no momento da emissão do juízo: o dos factos favoráveis ao arguido e o dos que lhe são desfavoráveis. Diz o principio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para a prova dos segundos se exige a certeza”, Cristina Líbano Monteiro “Perigosidade de Inimputáveis (...)”.»
«78.ª-Em suma, nos presentes autos não só não ficou cabalmente provado que as arguidas não praticaram os crimes em que foram condenadas, como foi criada uma claríssima dúvida razoável quanto aos factos pelos quais as arguidas vinham acusadas e quanto à culpa destas, pelo que “a sua absolvição aparece como única atitude legítima a adotar”, Alexandra [Vilela] in “Considerações acerca da presunção de inocência em direito processual penal”, Coimbra Editora, 2000.»
«79.ª-Pelo exposto o Tribunal a quo violou, ainda, o disposto no n.º 2 do art. 32° da Constituição da República Portuguesa.»
«80.ª- Face ao exposto, e face à alteração da prova requerida, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva as arguidas do crime pelo qual foram condenadas e, em consequência, absolva as arguidas, aqui na qualidade de demandadas, de todos os pedidos eiveis contra si formulados.»
«Subsidiariamente,
«81.ª.-Considerando que as arguidas praticaram o crime do qual vinham acusadas, sempre as mesmas terão que ser absolvidas quanto aos montantes entregues pela Sra Marisol, E pais, em virtude de quanto a estas não existir quer o enriquecimento ilegítimo, quer o próprio engano em virtude de lhes ter sido entregue uma livrança para garantia das quantias recebidas, não há preenchimento do elemento típico, pelo que em consequência deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva as arguidas do crime pelo qual foram condenadas - em relação a estes factos - e, em consequência, absolva as arguidas, aqui na qualidade de [demandadas], de todos os pedidos cíveis contra si formulados, por estes ofendidos, e simultaneamente, sendo condenadas pelos restantes factos devem a pena a ser aplicada ser suspensa na sua execução.»
*

«Subsidiariamente,
«Da suspensão da pena de Prisão:
«82.ª-Nos termos do nº 1 do artº 50º do CP o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»
«83.º-Nos termos do n° 2 do mesmo artº o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.»
«84.ª-O Tribunal a quo não suspendeu a execução da pena de prisão de 5 anos aplicada às arguidas.»
«85.ª-Entendem as recorrentes que lhes deveria ter sido dada tal possibilidade.»
86.ª-O Tribunal a quo deveria ter valorado que as recorrentes eram primárias, que, apesar de não estarem presentes em julgamento, colaboraram no desenvolvimento de todo o processo, em sede de audiência de julgamento.»
«87.º-Deveria valorar o facto das arguidas estarem a trabalhar no Reino Unido, daí a sua ausência na audiência de julgamento, pelo que, se encontram plenamente inseridas na sociedade, sem que tenham cometido mais crimes desde a prática destes factos.»
«88°.-Deveria ter valorado, que face às suspeitas que sobre si recaíam, e face ao estigma que tais suspeitas criaram, sobre elas e sobre a sua família, estas não tinham forma de trabalhar na Região Autónoma da Madeira, região relativamente pequena quando se trata deste tipo de crimes.»
«89.ª-Desta forma entende-se que o Tribunal a quo não atendeu a todas as circunstâncias que não fazendo parte do crime, depuseram a favor dos agentes, em consequência, não observando o art° 71°, n° 2 do CP.»
«90.ª-Entende-se que censura da pena de prisão, face aos atenuantes e face à baixa necessidade de prevenção especial (as arguidas são primárias), deveria ser suspensa.»
«91.ª-Com a pena de prisão efetiva, não se vislumbra qualquer forma de ressocialização possível.»
«92.ª-Estando as arguidas plenamente inseridas na sociedade, trabalhando e ajudando a sua família, pagando os respectivos impostos, julga-se que a sua prisão terá o efeito exatamente oposto, ou seja, que as recorrentes terão contacto, ainda maior, com os caminhos que levam as pessoas a cometer crimes.»
«93.ª-Face a tudo o que se vem de expor entende-se que a sentença do Tribunal a quo deve ser revogada e substituída por outra que condene as arguidas na pena de prisão de prisão que ao caso couber (em virtude da procedência ou improcedência da totalidade do recurso) suspensa na sua execução, pois entende-se que a censura do facto e a ameaça de prisão, por si só, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, tudo acrescido do facto das arguidas estarem inseridas pessoal, social e profissionalmente.»
«Nestes termos, e no mais de direito que V/ Exa. doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência:
«1.-serem os pontos da matéria de facto alterados em conformidade com o exposto ut supra - que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais — e ser a decisão recorrida revogada, devendo esta ser substituída por outra na qual as arguidas sejam absolvidas do crime pelo qual foram condenadas, e em consequência, sejam também absolvidas de todos os pedidos de indemnização civis contra si deduzidos e pelos quais foram também condenadas;»
«Subsidiariamente,
«2.-Considerando que as arguidas praticaram o crime do qual vinham acusadas, sempre as mesmas terão que ser absolvidas quanto aos montantes entregues pela Sra Marisol, E pais, em virtude de quanto a estas não existir quer o enriquecimento ilegítimo, quer o próprio engano, em virtude de, lhes ter sido entregue uma livrança para garantia das quantias recebidas, não há preenchimento do elemento típico, pelo que, em consequência, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva as arguidas do crime pelo qual foram condenadas - em relação a estes factos - e, em consequência, absolva as arguidas, aqui na qualidade de demandadas, de todos os pedidos cíveis contra si formulados, por estes ofendidos, e simultaneamente, sendo condenadas pelos restantes factos deve a pena a ser aplicada ser muito inferior à efetivamente aplicada (entende-se que deve ser inferior a metade da mesma) e consequentemente ser, a mesma, também suspensa na sua execução;
Subsidiariamente,
«3.-Mantendo-se a condenação pelos crimes nos moldes em que a mesma foi proferida, entende-se que a sentença do Tribunal a quo deve ser revogada e substituída por outra que condene as arguidas na pena de prisão de prisão que ao caso couber, suspensa na sua execução, pois entende-se que a censura do facto e a ameaça de prisão, por si só, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, tudo acrescido do facto das arguidas estarem inseridas pessoal, social e profissionalmente.»
Pedem e Esperam que V. Exa. lhos defira.» ([2])
***

1.3. Igualmente desavindo com a aludida decisão, em 03-out.-2014, recorreu a demandada civil “... – Companhia de Seguros S.A.”, com demais sinais nos autos, rematando a sua motivação recursória do seguinte modo:

«Recurso de matéria de facto»
«1.Nos factos redigidos nos pontos 3, 5, 132 e 134 da matéria de facto está incorretamente indicado que as mediadoras arguidas desempenhavam funções na seguradora, o que contraria não apenas a realidade - elas não eram funcionárias - como o estatuto legal do mediador de seguros: os mediadores de seguros são profissionais livres e independentes;»
«2.Por ser assim, as mediadoras arguidas não tinham a supervisão de ninguém da seguradora demandada, o que deve levar à supressão do ponto 4 da matéria de facto e a correção do ponto 25;»
«3.Nos pontos 5 e 9 dos factos provados são feitas alusões a que as arguidas representavam a companhia de seguros ora demandada;»
«4.Essas referências a uma representação da seguradora pelas arguidas colide frontalmente com o regime legal da mediação de seguros, que dispõe não ser o mediador de seguros um representante da seguradora e afiguram-se contraditórias com os factos provados constantes dos pontos 152 e 155 da matéria de facto.»
«5.Nos mencionados pontos 5 e 9 da matéria de facto deve ser suprimida qualquer menção à representação desta seguradora pelas mediadoras arguidas;
*

«Recurso de Direito»
«6.O mediador de seguros é um profissional independente e autónomo, não estando sujeito a fiscalização ou supervisão da seguradora;»
«7.As mediadoras arguidas não se encontravam, ao tempo da prática dos factos a que se reportam os autos debaixo de qualquer supervisão da seguradora nem legalmente deviam estar;»
«8.Os mediadores de seguros não têm poderes legais de representação da seguradora, a não ser que esta os outorgue nos termos gerais;»
«9.À ausência de poderes legais de representação junta-se a falta de procuração outorgada por esta seguradora a favor das agentes de seguros ora arguidas, não deixando margem para qualquer dúvida que estas não tinham poderes para atuar em nome da seguradora e representá-la junto de terceiros (os ofendidos) na celebração de contratos, qualquer que fosse a natureza destes;»
«10.De acordo com o regime geral da representação voluntária, não havendo a seguradora ora demandada outorgado poderes representativos às mediadoras arguidas, os contratos celebrados em seu nome com os ofendidos - todos eles - não são eficazes quanto a si, não a vinculando a nenhum dos seus efeitos jurídicos;»
«11.A seguradora não responde pelos atos dos mediadores de seguros, que são profissionais livres e independentes, seja qual for o regime considerado, responsabilidade civil subjetiva ou objetiva, incluindo a responsabilidade como comitente;»
«12.Uma vinculação desta seguradora pela "representação aparente" não vem admitida pela lei portuguesa da mediação de seguros;»
«13.A aparência jurídica não constitui fonte de representação voluntária em Portugal, nem no domínio do Direito Comercial, que não funda nenhum regime especial (ou excecional) nesta matéria;»
«14.O art. 23.º, n.º 1 do DL n.º 178/86 não pode ser transposto por analogia para a mediação de seguros, porquanto constitui uma norma excecional, insuscetível de aplicação analógica, sob pena de violação da lei;»
«15.Por outro lado, a extensão analógica do art. 23.º, n.º 1 do DL n.º 178/86 supõe que se considere haver uma lacuna no regime de mediação de seguros em matéria de representação voluntária;»
«16.Essa lacuna, pura e simplesmente, não existe;»
«17.Ainda que existisse, porém, falta a semelhança entre o mediador de seguros e o agente para justificar a analogia;»
«18.De resto, mesmo que o Direito português admitisse a representação aparente para o mediador de seguros, no caso concreto dos autos não se verificam nem os requisitos gerais da figura segundo o art. 23.º n.º 1 do DL n.º 178/86, nem os específicos, quer da representação tolerada quer da representação aparente;»
«19.A seguradora demandada nada fez para criar a aparência de representação que fez os ofendidos acreditar haver poderes representativos a favor das mediadoras arguidas;»
«20.Em síntese, dado o regime português da representação voluntária, a recorrente nunca poderia ter sido condenada nos pedidos civis, porque os contratos celebrados em seu nome pelas mediadoras arguidas são para si ineficazes;»
«21.A responsabilidade civil respeita apenas à relação entre as arguidas e os ofendidos;»
«22.O contrato de seguro de responsabilidade civil em que a arguida Maria do Carmo figura como segurada não cobre os danos causados por facto doloso;»
«23.E ainda que assim não fosse, o âmbito temporal de cobertura deste seguro limitaria sempre a responsabilidade da seguradora aos danos resultantes de factos praticados depois de 1 de janeiro de 2007, data do início da vigência do dito contrato de seguro.»
«Termos em que o presente recurso deve ser declarado procedente, revogando-se o acórdão recorrido, na parte que condena a ora recorrente e absolvendo-se a mesma de todos os pedidos civis.»
«Vs. Exas.. porém, farão a costumada Justiça.» ([3]) 
***

1.4.No Tribunal a quo, por des­pacho de 14-out.-2014, vazado nos autos a fls. 2987 (volume 10.º), foram admitidos os recursos próprios, sendo os mesmos tempestivamente interpostos por quem tem legitimidade e interesse em agir, recebidos com efeito adequado, nada obstando ao conhecimento do seu objeto. 
***

1.5.Na 1.ª instância o Ministério Público respondeu, em 03.-nov.-2014, concluindo do seguinte modo:

«1.º-Realizada a audiência de discussão e julgamento, logrou-se obter prova bastante para que o Tribunal “a quo” desse como provado a prática, por parte das arguidas, do crime pelo qual viram a ser condenadas.»
«2º-Não houve parte do Tribunal “a quo” qualquer erro na apreciação da prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, nem na subsunção dos factos ao Direito. Com efeito, no caso vertente o exame crítico das provas foi realizado pelo tribunal a quo através de um raciocínio que reputamos lógico e coerente, num contexto da livre apreciação da prova que lhe é, de resto, concedida por Lei através do art,° 127.° do C.P.P..»
«3º-Foi de forma clara e inequívoca que o Tribunal “a quo” explanou no douto acórdão os motivos de facto e de direito que levaram à condenação do arguido ora recorrentes/arguidas.»
«4º-O princípio constitucional [in dubio pro reo] é inaplicável ao caso em apreço uma vez que inexistem dúvidas sérias e razoáveis sobre a qualificação jurídico-penal da conduta das arguidas.»
«5º-A pena de cinco (5) anos de prisão efetiva aplicada às recorrentes/arguidas é aquela que se afigura mais justa em face dos factos por elas praticados.»
«6º-O tribunal “a quo” fez uma mais que correta aplicação dos arts. 50º, ns. 1 e 2, 71º, nº 2, 30º, n.º2, 79º, n.º 1, 217º e 218º, n.º 1 e 2, al. a), todos do Código Penal, 127º e 410º, nº 2, als. a) e c), ambos do C.P.P. e 32º nº 2, da C.R.P.).
Nestes termos, entende-se ser de negar provimento ao recurso interposto pelas recorrentes/arguidas Maria do Carmo e Orlanda, em consequência, a manutenção da sentença recorrida.» ([4])
***

1.6.-Neste Tribunal, em 11-dez-2014, a Ex.ma procuradora-geral adjunta ([5]) apôs o seu visto.
***

1.7.-Colhidos os vistos legais, procedeu-se à Conferência neste Tribunal, a qual veio a decorrer com observância do legal formalismo, cumprindo decidir.
*

2. FUNDAMENTAÇÃO.
2.1. DA QUESTÃO DE FACTO.
Comecemos por nos deter sobre os factos provados e não provados que constam da decisão impugnada e respetiva motivação.

FACTOS PROVADOS:
«1.As arguidas Maria do Carmo e Orlanda são irmãs, sendo que esta última é casada com José.»
«2.Ambas residiram até à data da prática dos factos na cidade de Machico, a primeira, no Sítio do ..., e a segunda, no Sítio do ....»
«3.Ambas as arguidas desempenhavam funções na Companhia de Seguros “...” (entretanto denominada de ... Companhia de Seguros, S.A.), sendo que a arguida Orlanda desempenhava funções como mediadora de seguros, sem capacidade de cobrança, e a arguida Maria do Carmo como agente de seguros, com capacidade de cobrança.»
«4.Todo o seu trabalho era supervisionado pelo técnico comercial da Companhia de Seguros- Ricardo.»
*

«5.Em data não apurada e aproveitando-se das funções que desempenhavam na referida companhia de seguros, as ora arguidas congeminaram um plano segundo o qual, a coberto da companhia que representavam e com vista a apropriarem-se de dinheiro de terceiros, convenceriam esses terceiros com quem mantinham uma relação de familiaridade ou uma relação próxima de confiança ou amizade, a adquirir produtos financeiros da Companhia de Seguros “...”, com base numa falsa promessa de que, desse modo, obteriam um bónus em numerário dessa companhia por terem atingindo o objetivo imposto por esta ou taxas de juros elevadas sempre superiores a 5%.»
«6.As arguidas bem sabiam que a Companhia de Seguros “...” não atribuía mais dinheiro em função da venda dos produtos financeiros por si efetuados e que não lhes era permitido renegociar as taxas de juro pois estas eram fixas e determinadas pela Companhia.»
«7.De igual modo sabiam que as propostas de seguro que entregavam aos clientes para aquisição de produtos financeiros da Companhia de Seguros “...” não constituíam o contrato final, mas apenas uma mera proposta, cabendo à companhia de seguros emitir um recibo e o respetivo contrato.»
*

«Ofendida Maria da Conceição»
«8.Em data não concretamente determinada, mas seguramente no mês de setembro de 2003, aproveitando-se da relação próxima de confiança, as ora arguidas Maria do Carmo e Orlanda, agindo de comum acordo e em conjugação de esforços, abordaram a ofendida Maria da Conceição e, na sequência do plano gizado, alegando que seria para seu benefício patrimonial dado que, com essa aquisição, auferiria de uma taxa de juro elevada no valor de 8%, convenceram-na a subscrever apólices de capitalização da Companhia de Seguros “...”, visando, com essa sua conduta, apoderarem-se de quaisquer quantias monetárias que viessem a ser entregues por esta.»
«9.Convencida de que estava a subscrever apólices de capitalização na referida companhia, dado que as arguidas representavam essa companhia, a queixosa entregou àquelas, nas datas abaixo assinaladas, as seguintes quantias em numerário: em dia não apurado do mês de setembro de 2003, para aquisição de um alegado Seguro de Acidentes Pessoais, apólice n.º AP22044691, a quantia de 7.500, 00€; em 11 de outubro de 2006, a quantia de 5.159,64€, para aquisição de um produto financeiro não concretamente determinado da Companhia de Seguros “...”, tendo para o efeito levantado esse dinheiro da Caixa Geral de Depósitos; em 19 de abril de 2007, a quantia de 7.531,00€, para aquisição de um produto financeiro não concretamente determinado da Companhia de Seguros “...”, tendo para o efeito levantado esse dinheiro do Banco Santander Totta; em 31 de maio de 2007, a quantia de 8.000,00€, para aquisição de um produto financeiro não concretamente determinado da Companhia de Seguros “...”, tendo para o efeito levantado esse dinheiro da Caixa Geral de Depósitos; em 31 de outubro de 2007, a quantia de 7.000,00€, para aquisição de um produto financeiro não concretamente determinado da Companhia de Seguros “...”, tendo para o efeito levantado esse dinheiro da Caixa Geral de Depósitos; em 05 de maio de 2008, a quantia de 15.000,00€, para aquisição de um produto financeiro não concretamente determinado da Companhia de Seguros “..., tendo para o efeito levantado tal valor da Caixa Geral de Depósitos, montante este que havia recebido da venda de um terreno e cuja venda havia sido tratada pela arguida Orlanda; em 10 de julho de 2008 a quantia de 4.000,00€, para aquisição de um produto financeiro não concretamente determinado da Companhia de Seguros “...”, tendo para o efeito levantado esse dinheiro da Caixa Geral de Depósito; em data não determinada do ano de 2008, as ora arguidas abordaram novamente a ofendida e convenceram-na a subscrever o produto financeiro “Renda certa”, no valor de 8.000,00€, com a promessa de iria auferir de uma taxa de juro elevada, no valor de 5,25%, sendo que, em virtude de ter sido detetada a sua atuação, nunca chegou a entregar àquelas essa quantia.»
«10.Tal produto tem cobertura/capitais fixos não se encontrando em consonância com o proposto pelas arguidas.»
«11.Na posse do dinheiro entregue pela ofendida as arguidas fizeram-no seu, utilizando-o em proveito próprio.»
«12.No início do mês de agosto de 2008, as arguidas, por forma a encobrir a sua atuação, solicitaram à ofendida a devolução de todos os documentos por si entregues, com o timbre da companhia de seguros, alegando que pretendiam converter todos num único, o que veio acontecer, não tendo aquelas lhe devolvido esses documentos ou quaisquer outros.»
«13.Tais apólices de capitalização nunca deram entrada na Companhia de Seguros bem como o respetivo dinheiro.»
«14.A queixosa Maria da Conceição sofreu um prejuízo patrimonial no valor de pelo menos 46.000,00€ (quarenta e seis mil euros).»
*

«Ofendidos Maria Gomes e Jorge»
«15.Em data não determinada, mas seguramente anterior a 6 de dezembro de 2006, aproveitando-se da relação de amizade e de confiança estabelecida ao longo dos anos por ter sido empregada doméstica das mesmas, as ora arguidas abordaram Maria Gomes e Jorge e, na sequência do plano gizado, alegando que necessitavam de atingir o objetivo imposto pela Companhia de Seguros “...” de venda de produtos financeiros no valor de 50.000€, propuseram-lhes a aquisição de um produto financeiro comercializado pela Companhia de Seguros, denominado “Crescer 20–2ª Série”, com a promessa de que, com essa subscrição aufeririam de uma taxa de juro elevada no valor de 5%.»
«16.Fazendo-lhes crer de se tratava de um contrato definitivo entregou-lhes o documento de fls. 18 dos autos.»
«17.Por depositarem confiança naquelas e convencidos de que iram subscrever um produto financeiro da referida companhia e aufeririam para si vantagens patrimoniais, os ofendidos levantaram, em 6 de dezembro de 2006, a quantia de 15.000, 00€ da conta poupança n.º 420 007393461 da Caixa Geral de Depósitos e entregaram à arguida Orlanda.»
«18.Posteriormente à essa entrega, as arguidas, utilizando os mesmos argumentos de obtenção de benefícios de vantagens patrimoniais, convenceram os ofendidos a adquirir um outro produto financeiro denominado “Renda Certa” para si e para o seu filho António.»
«19.Fazendo-lhes crer que se tratava de um contrato definitivo entregaram-lhes os documentos de fls. 19 e 22 dos autos.»
«20.Novamente convencidos de que aquelas estavam efetivamente a atuar em representação daquela companhia de seguros e que com isso obteriam vantagens patrimoniais, os queixosos levantaram, em 14 de fevereiro de 2007, da conta supra referida a quantia de 5.000,00€ e da conta n.º 0420015 348527 a quantia de 1.000,00€, titulada por António, e entregaram tais quantias à arguida Orlanda. Tal produto tem cobertura/capitais fixos não se encontrando em consonância com o proposto pelas arguidas.»
«21.Em 18 de fevereiro de 2007, a arguida Orlanda depositou a quantia de 2.000,00€ na conta bancária n.º 0420007682100 titulada pelo seu marido José e pela arguida.»
«22.No mês de junho de 2007, mais concretamente no dia 30 de junho de 2007, depois de terem sido novamente convencidos pelas arguidas a adquirir um seguro de Acidentes Pessoais, os ofendidos entregaram às arguidas a quantia de 1.500,00€, sendo que parte detinham em numerário na sua residência e outra parte foi levantada faseadamente de uma conta bancária que não foi possível apurar.»
«23.Fazendo-lhes crer que se tratava de um contrato definitivo entregou-lhes o documento de fls. 20 dos autos.»
«24.No mês de dezembro de 2007, as arguidas abordaram os ofendidos e, mediante a promessa de uma taxa de juro elevada, convenceram-nos a adquirir o produto denominado “PPR GANHA + - 23Série”, com validade de 31.12.2007 a 31.12.2020, tendo aqueles entregue, para o efeito, à arguida Maria do Carmo a quantia de 6.000,00€ que, em 18 de dezembro de 2007, levantaram da conta poupança nº 420007393461 da Caixa Geral de Depósitos.»
«25.Em data não apurada do ano de 2007, a ofendida Maria Gomes solicitou à arguida Orlanda que lhe entregasse uma declaração emitida pela Companhia de Seguros donde constasse as quantias por si entregues para aquisição dos produtos financeiros supra referidos, tendo aquela, em conluio com a sua irmã e por forma a convencer a queixosa de que efetivamente havia adquirido tais produtos, forjado a declaração junta aos autos a fls. 25 dos autos e a assinatura do técnico comercial Ricardo , que, à data dos factos, superintendia o trabalho executado por elas.»
«26.No mês de junho de 2008, as arguidas abordaram os ofendidos e, mediante a promessa de uma taxa de juro elevada, convenceram-nos a adquirir o produto denominado “Reforma Plena” com a validade de 31.12.2007 a 31.12.2020, bem sabendo que este nessa data não estava em comercialização na companhia de seguros (estando apenas até 31.08.20006), tendo aqueles entregue, para o efeito, à arguida Maria do Carmo a quantia de 1.750,00€ que foi levantada faseadamente em datas não apuradas da sua conta bancária.»
«27.Na posse do dinheiro entregue pelos ofendidos as arguidas fizeram-no seu, utilizando-o em proveito próprio.»
«28.Tais propostas bem como o respetivo dinheiro nunca deram entrada na companhia de seguros.»
«29.Os queixosos Maria Gomes e Jorge sofreram um prejuízo patrimonial de 30.250,00€ (trinta mil duzentos e cinquenta euros).» 
*

«Ofendido Humberto»
«30.Em data não concretamente determinada, mas seguramente no mês de dezembro de 2004, e aproveitando-se da relação de confiança estabelecida com Dina, a arguida Maria do Carmo abordou o ofendido Humberto (cunhado de Dina) quando este se encontrava de férias na R.A.M. e, na sequência do plano previamente traçado com a sua irmã Orlanda, propôs-lhe a aquisição de um produto financeiro comercializado pela Companhia de Seguros denominado “PPR/E MAIS”, no valor de 5.000,00€ (cinco mil euros), com a promessa de que auferiria de uma taxa de juro anual elevada no valor de 5%, visando, com essa sua conduta, apoderar-se dessa quantia monetária.»
«31.Convencido de que estava adquirir o referido produto financeiro e que, com isso, auferiria de vantagens patrimoniais, o queixoso Humberto aceitou adquirir tal produto financeiro.»
«32.Assim, e por forma a dar credibilidade à sua atuação e fazer-lhe crer de que se tratava do contrato definitivo, a arguida Orlanda preencheu a proposta junta aos autos a fls. 58 dos autos, com a data de validade de 27.12.2004 a março de 2010, e, utilizando o carimbo da companhia de seguros “...” a arguida Orlanda, carimbou-a com a data de 14.04.2005.»
«33.Seguidamente entregou-a à sua irmã Maria do Carmo.»
«34.Esta, por sua vez, entregou-a ao queixoso, tendo-lhe entregue um cheque do Banco BES, com o número 7625472330, no valor de 5.000,00€, para aquisição desse produto financeiro, convicto de que esse documento constituía o contrato final.»
«35.Na posse desse cheque, a arguida Maria do Carmo levantou à boca de caixa no banco BES, dividindo-o com a sua irmã.»
«36.As arguidas fizeram sua tal quantia monetária, utilizando-a em proveito próprio.»
«37.Tal proposta bem como o respetivo dinheiro nunca deram entrada na Companhia de Seguros.»
«38.O queixoso Humberto sofreu um prejuízo patrimonial no valor de 5.000,00€ (cinco mil euros).»
*

«Ofendido José António»
«39.Em data não concretamente determinada, mas seguramente entre os anos de 2003 e 2004, e aproveitando-se da relação de amizade, as arguidas Maria do Carmo e Orlanda, agindo de comum acordo e em conjugação de esforços, abordaram o ofendido José António e, com a promessa de que auferiria de um taxa de juro elevada acima dos 5%, convenceram-no a adquirir o produto financeiro “PPR/E”, comercializado pela Companhia de Seguros “..., visando, com essa sua conduta, apoderar-se de quaisquer monetárias que viessem a ser entregues por aquele.»
«40.Por depositar confiança nas arguidas e julgando que estava efetivamente a adquirir produtos financeiros da Companhia de Seguros “...” e que, com isso, iria auferir vantagens patrimoniais, o queixoso aceitou adquirir tais produtos financeiros.»
«41.Assim, e nas datas abaixo assinaladas, o queixoso entregou às arguidas diversas quantias em dinheiro pela seguinte forma: em 28 de dezembro de 2005, entregou à arguida Orlanda o cheque nº 3609443912, no valor de 300,00€, da conta bancária n.º 10-2548706777/10 do Banco Banif, tendo esta o levantado à boca de caixa; em 29 de dezembro de 2005, entregou à arguida Orlanda o cheque n.º 2709443913, no valor de 300,00€, da conta bancária n.º 10-2548706777/10 do Banco Banif, tendo esta o levantado à boca de caixa; em 25 de maio de 2006, entregou à arguida Orlanda o cheque n.º 6109443920, no valor de 500,00€, da conta bancária n.º 10-2548706777/10 do Banco Banif, que o levantou à boca da caixa, tendo ambas as arguidas assinado o verso desse cheque; em 18 de agosto de 2006, entregou à arguida Orlanda o cheque nº 3509443924, no valor de 2.500,00€, da conta bancária n.º 10-2548706777/10 do Banco Banif, tendo esta o levantado à boca de caixa; em 18 de julho de 2008 entregou à arguida Orlanda o cheque n.º 822254007035094439 24, no valor de 2.500,00€, da conta bancária n.º 10-254870677 7/10 do Banco Banif, que o entregou a Francisco para pagamento do valor por este entregue para a alegada aquisição de um produto financeiro da Companhia de Seguros “...”.»
«42.Na posse de tais quantias, as arguidas fizeram-nas suas, utilizando-as em seu benefício pessoal.»
«43.O queixoso é titular de um único contrato de capitalização PPR/E, iniciado em 14.01.2004, que registou uma única entrega nesta data.»
«44.O dinheiro entregue às arguidas nunca deu entrada na Companhia de Seguros.»
«45.O queixoso José António sofreu um prejuízo patrimonial no valor de, pelo menos, 4.100,00€ (quatro mil e cem euros).»
*

«Ofendida Carmelita»
«46.Em data não concretamente determinada, mas seguramente no ano de 2005, e aproveitando-se da relação de confiança e de amizade estabelecida, a arguida Orlanda, agindo de comum acordo e em conjugação de esforços com a sua irmã Maria do Carmo, abordou a ofendida Carmelita e propôs-lhe a aplicação de dinheiro numa conta de depósito a prazo por um período de cinco anos com taxas de juros anuais no valor de 5 a 8%, visando, com essa sua conduta, apoderar-se de quaisquer quantias monetárias que viessem a ser entregues por aquela para esse efeito.»
«47.Assim, em data não apurada do ano de 2005 e convencida de que não só estaria a investir o dinheiro numa conta a prazo como também com essa aplicação iria auferir vantagens patrimoniais, a queixosa Carmelita aceitou efetuar tal investimento, tendo entregado à arguida Orlanda a quantia de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros) em numerário que detinha na sua casa.»
«48.Apesar das diversas insistências efetuadas pela queixosa, nunca a arguida Orlanda lhe entregou quaisquer documentos que comprovasse esse investimento e a entrega do dinheiro, iludindo-a sempre de que mais tarde providenciaria pela sua obtenção, bem sabendo que tal não correspondia à verdade pois nunca havia aplicado esse dinheiro numa conta de depósito a prazo e comunicado tal investimento à companhia de seguros para a qual trabalhava.»
«49.Em abril de 2008 e tendo conhecimento que a queixosa Carmelita havia recebido algum dinheiro resultante da venda de terrenos, a arguida Maria do Carmo, agindo de comum acordo e em conjugação de esforços com a sua irmã Orlanda, abordou-a e, com a promessa de uma taxa de juro anual elevada no valor de 5 a 8%, convenceu-a novamente a aplicar dinheiro num depósito a prazo por um período de cinco anos, visando, com essa sua conduta, apoderar-se de quaisquer quantias monetárias que viessem a ser entregues por aquela para esse efeito.»
«50. Assim, em 12 de junho de 2008, a ofendida Carmelita entregou-lhe o cheque com o número 8024958098 do banco Caixa Geral de Depósitos, titulado pela sua cunhada ..., no valor de 4.200,00€ (quatro mil e duzentos euros).»
«51.Seguidamente, nesse mesmo dia, procedeu ao levantamento da quantia de 800,00€ (oitocentos euros) do banco Santander Totta e, conjuntamente com 5.000,00€ (cinco mil euros) que detinha na sua residência, entregou-a à arguida junto à CGD de Machico.»
«52.Na posse de tais quantias, as arguidas fizeram-nas suas, contra a vontade da ofendida e sem a sua autorização, utilizando-as em benefício pessoal.»
«53.No dia 24 de agosto de 2008, na sequência do plano que engendraram, com o intuito de eliminar quaisquer provas que as pudessem incriminar, a arguida Maria do Carmo telefonou à queixosa Maria Carmelita e, afirmando que lhe deveria entregar todos os documentos que possuía relativamente aos investimentos financeiros que havia efetuado, disse-lhe que era sua intenção e da sua irmã Orlanda juntar todo o dinheiro numa conta por forma a obter rendimentos mais elevados.»
«54.Convencida de que tal era verdade, a ofendida entregou àquela todos os documentos que possuía relativamente a tais investimentos, nunca mais tendo aquela os devolvidos.»
«55.Tais investimentos bem como o respetivo dinheiro nunca deram entrada na Companhia de Seguros.»
«56.A queixosa Carmelita é titular na Companhia de Seguros “...” de um único produto de capitalização Reforma Plena, com início em 15.05.2003 e resgatado na totalidade em 01.10.2008.»
«57.A queixosa Carmelita sofreu um prejuízo patrimonial no valor de 11.500,00€.»
*

«Ofendido Carlos»
«58.Em data não concretamente determinada, aproveitando-se da relação de familiaridade (a arguida Orlanda era cunhada do seu filho), as arguidas Orlanda e Maria do Carmo, agindo de comum acordo e em conjugação de esforços, abordaram o ofendido Carlos (marido da queixosa Maria) na sua residência, sita no Caminho ..., n.º ..., em Gaula, e, alegando de que necessitavam de atingir o objetivo imposto pela Companhia de Seguros de venda de produtos financeiros no valor de 50.000,00€ e que lhes faltavam apenas 10.000,00€ para atingir esse objetivo, propuseram-lhe a aquisição de diversos produtos financeiros comercializado pela Companhia de Seguros ..., com a promessa de que auferiria uma taxa de juro elevada entre os 5% e os 9%.»
«59.Por depositar confiança nas arguidas e julgando que estava efetivamente a adquirir produtos financeiros da Companhia de Seguros “...” e que, com isso, iria auferir vantagens patrimoniais, o queixoso aceitou adquirir tais produtos financeiros.»
«60.Assim, em junho de 2005, e por saber que tinha recebido 25.000,00€ da venda de um terreno, a arguida Orlanda, com o conhecimento da arguida Maria do Carmo, convenceu o queixoso a adquirir o produto financeiro “PPR/E”, por um período de cinco anos, tendo-lhe entregue a proposta junta aos autos a fls. 211 dos autos, já por si preenchida, fazendo crer que se tratava do contrato definitivo.»
«61.Após a assinatura de tal proposta, o queixoso Carlos entregou à arguida Orlanda a quantia de 25.000,00€ em numerário.»
«62.Na posse de tal quantia, as arguidas Orlanda e Maria do Carmo utilizaram-na em seu benefício pessoal, fazendo-a sua.»
«63.Tal proposta bem como o respetivo dinheiro nunca deram entrada na Companhia de Seguros.»
«64.Em março de 2007 e por saber que o queixoso iria receber o capital e juros de uma aplicação financeira que havia efetuado em 1999 na companhia de seguros “...” através do Banco ..., a arguida Orlanda, com o conhecimento da arguida Maria do Carmo, argumentando que tinha objetivos a atingir impostos pela companhia de seguros e com promessa de que tal investimento lhe seria rentável atenta a taxa de juro indexada, convenceu o queixoso a investir novamente esse dinheiro, sendo que inclusive por o investimento ter sido feito na companhia para a qual trabalhava lhe trataria de todo o assunto.»
«65.Assim, a arguida Orlanda, com o conhecimento da arguida Maria do Carmo, utilizando um impresso que já não estava em vigor na companhia de seguros desde 2002, convenceu o queixoso Carlos a assinar a proposta junta aos autos a fls. 223 a 226 dos autos, fazendo-lhe crer de que se tratava do contrato definitivo.»
«66.Após a assinatura de tal proposta, o queixoso entregou-lhe o cheque n.º 1830578832 da Caixa Geral de Depósitos emitido pela companhia de seguros, tendo a arguida Orlanda o depositado em 16 de março de 2007 na conta bancária n.º 0420007682100, titulada pelo seu marido José.»
«67.Para dar credibilidade à sua atuação, a arguida entregou-lhe a proposta com um carimbo da data de entrada na companhia de seguros, com a data de 03.09.04, e a quantia de 525,70€ em numerário, que lhe havia sido entregue pela companhia de seguros através do cheque com o n.º 0930578833.»
«68.Bem como e a fim de o convencer da veracidade do por si alegado entregou-lhe, em data não determinada, uma carta por si forjada, com o timbre da Companhia de Seguros “...” e a data de 3 de março de 2008.»
«69.Na posse de tal quantia, as arguidas Orlanda e Maria do Carmo utilizaram-na em seu benefício pessoal, fazendo-a sua.»
«70.Tal proposta bem como o respetivo dinheiro nunca deram entrada na Companhia de Seguros.»
«71.Em 3 de julho de 2007, a arguida Orlanda, com o conhecimento da arguida Maria do Carmo, argumentando que tinha objetivos a atingir impostos pela Companhia de Seguros e com promessa de que tal subscrição lhe seria rentável atenta a taxa de juro indexada, convenceu o queixoso a adquirir o produto financeiro “PPR Ganha +”.»
«72.Assim, a arguida Orlanda, com o conhecimento da arguida Maria do Carmo, convenceu o queixoso Carlos a assinar a proposta junta aos autos a fls. 213 dos autos, fazendo-lhe crer de que se tratava do contrato definitivo.»
«73.Após a assinatura de tal proposta, o queixoso Carlos entregou à arguida Orlanda a quantia de 5.000,00€ em numerário que detinha no interior da sua residência.»
«74.Na posse de tal quantia, as arguidas Orlanda e Maria do Carmo utilizaram-na em seu benefício pessoal, fazendo-a sua.»
«75.Tal proposta bem como o respetivo dinheiro nunca deram entrada na companhia de seguros.»
«76.Em julho de 2008, a arguida Orlanda, com o conhecimento da arguida Maria do Carmo, argumentando novamente que tinha objetivos a atingir impostos pela Companhia de Seguros e com promessa de que tal subscrição lhe seria rentável atenta a taxa de juro indexada, convenceu o queixoso a adquirir o produto financeiro “Reforma Plena”.»
«77.A arguida bem sabia que já não era possível a subscrição de tal produto pois este apenas esteve em vigor entre 01.04.200 e 31.08.2006 e o impresso utilizado apenas foi utilizado pela companhia até ao ano de 2006.»
«78.Assim, a arguida Orlanda, com o conhecimento da arguida Maria do Carmo, convenceu o queixoso Carlos a assinar essa proposta junta aos autos a fls. 227 dos autos.
79.Após a assinatura de tal proposta, o queixoso Carlos levantou em 18.07.2008 a quantia de 10.000,00€ e, conjuntamente com 2.000,00€ que detinha na sua residência e 3.000,00€ que pediu emprestados a uma vizinha, entregou à arguida a quantia global de 15. 000,00€.»
«80.Na posse de tal quantia, as arguidas Orlanda e Maria do Carmo utilizaram-na em seu benefício pessoal, fazendo-a sua.»
«81.Tal proposta bem como o respetivo dinheiro nunca deram entrada na Companhia de Seguros.»
«82.O queixoso apenas subscreveu n ... o produto “PoupInveste”, com a taxa de juro de 4%, vencido em 05.02.2007.»
«83.O queixoso Carlos sofreu um prejuízo patrimonial no valor total de 70.000€ (setenta mil euros).»
*

«Ofendida Maria»
«84.Em data não concretamente determinada, mas seguramente no mês de março de 2008, e aproveitando-se da relação de familiaridade (a arguida Orlanda era cunhada do seu filho), a arguida Orlanda abordou a ofendida Maria (esposa de Carlos) na sua residência, sita no Caminho ..., n.º ..., em Gaula, e, alegando que necessitava de atingir o objetivo imposto pela companhia de seguros de venda de produtos financeiros no valor de 50.000€, faltando-lhe apenas 10.000,00€ para atingir esse objetivo, propôs-lhe a aquisição de um produto financeiro comercializado pela Companhia de Seguros, denominado Crescer, com a promessa de que, com isso auferiria de uma taxa de juro elevada entre os 5% e os 7%.»
«85.A arguida bem sabia que já não era possível a subscrição de tal produto pois este apenas esteve em vigor entre 26.02.2007 e 23.03.2007 e os contratos teriam o seu início a 02.04.2007 e o seu termo a 03.04.2012.»
«86.Por depositar confiança na arguida Orlanda e porque também seria rentável para si a aquisição de tal produto, a queixosa aceitou tal proposta, convencida de que, com isso, iria auferir vantagens patrimoniais.»
«87.Assim, em 25 de março de 2008, a queixosa Maria levantou em numerário da sua conta bancária a quantia de 8.000,00€ e, conjuntamente com mais 2.000,00€ que detinha guardados no interior da sua residência, entregou-as à arguida Orlanda, tendo aquela lhe entregue a proposta junta aos autos a fls. 203 dos autos, já por si preenchida na íntegra, com as datas rasuradas, por forma a ocultar o período de vigência do produto financeiro denominado “Crescer”, fazendo-lhe crer de que se tratava do contrato definitivo.»
«88.Na posse de tal quantia global, a arguida Orlanda utilizou-a em seu benefício pessoal, fazendo a sua.»
«89.Tal proposta bem como o respetivo dinheiro nunca deram entrada na Companhia de Seguros.»
«90.A queixosa Maria sofreu um prejuízo patrimonial no valor de 10.000€ (dez mil euros).»
*

«Ofendida Marisol»
«91.Em 31 de dezembro de 2005 e aproveitando-se da relação de amizade estabelecida, as arguidas Orlanda e Maria do Carmo, agindo de comum acordo e em conjugação de esforços, abordaram a ofendida Marisol e, alegando que precisavam de vender produtos financeiros para a Companhia de Seguros “...” por forma a atingir os objetivos impostos por aquela, convenceram-na a subscrever um PPR/E MAIS com a promessa de que, desse modo, auferiria de uma taxa de juro elevada.»
«92.Julgando que estava efetivamente a adquirir produtos financeiros da Companhia de Seguros “...” e que, com isso, iria auferir vantagens patrimoniais, a queixosa aceitou adquirir o referido produto, tendo entregado às arguidas a quantia de 3.000,00€ em numerário que possuía consigo nesse momento na sua residência.»
«93.Após a entrega do referido dinheiro as arguidas entregaram à ofendida a proposta junta a fls. 185 dos autos, fazendo crer que se tratava do contrato definitivo.»
«94.Da mesma consta como data de início 27/12/2004 (um ano antes de ter sido preenchida) e terminus a 31/12/2010.»
«95. Em 15 de março de 2007, as arguidas abordaram novamente a ofendida e, utilizando os mesmos argumentos, convenceram-na a adquirir o produto denominado “Crescer20”.»
«96.Na sequência disso, a queixosa entregou às arguidas a quantia de 3.000,00€ em numerário, tendo a arguida Orlanda depositado essa quantia na conta bancária nº 06855179001 do Banco Santander Totta, titulada pelo seu marido José.»
«97.Na posse desse dinheiro, estas entregaram à queixosa o documento junto a fls. 186 dos autos, fazendo crer que se tratava do contrato definitivo.»
«98.Tal proposta apresenta as datas rasuradas.»
«99.A subscrição de tal produto teve lugar apenas entre 22.05.2006 e 22.06.2006 e os contratos tiveram início em 28.06.2006 e termo em 28.06.2016.»
«100.No mês de julho de 2007, novamente a ofendida foi abordada pela arguida Maria do Carmo, a qual, com o conhecimento da arguida Orlanda e utilizando os mesmos argumentos, com promessa de uma taxa de juro anual elevada, convenceram-na a efetuar um investimento em produto financeiro não concretamente apurado.»
«101.Assim, convencida da veracidade do alegado por aquela, a ofendida levantou em 18.07.2007 da sua conta bancária n.º 0-1917142-000-001 a quantia de 9.750,00€ e, conjuntamente com 6.250,00€ em numerário que tinha na sua residência, entregou-a à arguida Maria do Carmo.»
«102.Apesar das diversas insistências por parte da queixosa, a arguida Maria do Carmo nunca lhe entregou qualquer proposta ou outro documento emitido pela companhia de seguros.»
«103.Em 10 de março de 2008 e utilizando sempre os mesmos argumentos, a arguida Orlanda convenceu-a novamente a subscrever um novo produto financeiro comercializado pela companhia de seguros.»
«104.Para o efeito, a queixosa entregou-lhe a quantia de 3.000,00€ através do cheque n.º 80225222209 do Banco Banif, que foi levantado à boca de caixa pela arguida.»
«105.Apesar das diversas insistências por parte da queixosa, a arguida Maria do Carmo nunca lhe entregou qualquer proposta ou outro documento emitido pela companhia de seguros.»
«106.Tais propostas bem como o respetivo dinheiro nunca deram entrada na Companhia de Seguros.»
«107.Na posse de tais quantias as arguidas fizeram-nas suas, utilizando-as em benefício pessoal.»
«108. A queixosa Marisol sofreu um prejuízo patrimonial no valor de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros).»
*

«Ofendido Roberto»
«109.Em data não concretamente determinada, mas seguramente no mês de setembro de 2007, as ora arguidas, agindo de comum acordo e em conjugação de esforços, abordaram a ofendida Marisol e questionaram-na se seu namorado Roberto não estaria interessado em subscrever produtos financeiros comercializados pela Companhia de Seguros “...” em troca de uma taxa de juro anual elevada no valor de 5%.»
«110.Julgando que estava efetivamente a adquirir produtos financeiros da Companhia de Seguros “...” e que, com isso, iria auferir vantagens patrimoniais, o queixoso aceitou adquirir produtos financeiros não concretamente apurados.»
«111.Assim, no mês de setembro de 2007, o queixoso entregou, em numerário, à sua namorada Marisol a quantia de 25.000,00€, a qual por sua vez a entregou à arguida Orlanda em duas prestações, uma no montante de 5.000,00€ e outra no montante de 20.000,00€.»
«112.Em data não determinada do mês de março ou abril de 2008, a arguida Maria do Carmo abordou novamente o queixoso e convenceu-o a adquirir outro produto financeiro não concretamente determinado, sendo que, em troca, auferiria de uma taxa de juro anual elevada de 5%.»
«113.Convencido da veracidade do alegado pela arguida Maria do Carmo, o queixoso entregou-lhe a quantia de 3.000,00€ em numerário para a aquisição desse produto financeiro.»
«114.Na posse de tais quantias, as arguidas utilizaram-nas em seu benefício pessoal, fazendo-as sua.»
«115.Tais propostas bem como o respetivo dinheiro nunca deram entrada na Companhia de Seguros.»
«116.O queixoso Roberto sofreu um prejuízo patrimonial no valor de 28.000,00€ (vinte e oito mil euros).»
*

«Ofendida Maria Ilda»
«117.Em data não concretamente determinada, mas seguramente no mês de junho de 2008, e aproveitando-se da relação de amizade estabelecida ao longo dos anos, a arguida Maria do Carmo abordou a ofendida Maria Ilda num bar que ambas frequentavam na cidade de Machico e propôs-lhe a aquisição de um produto financeiro comercializado pela companhia de seguros, denominado “Dupla Garantia”, com a promessa de que, com essa aquisição, não só auferiria uma taxa de juro anual entre os 5% e os 7%, como também ganharia um bónus de 1.000,00€, pois, com subscrição desse produto, conseguiria atingir o objetivo imposto pela companhia de seguros de venda de produtos financeiros no valor de 50.000€ e, dessa forma, auferiria um prémio de 5.000,00€ da qual lhe entregaria 1.000,00€.»
«118.Julgando que estava efetivamente a adquirir produtos financeiros da Companhia d e Seguros “...” e que com isso iria auferir vantagens patrimoniais, a queixosa aceitou adquirir tal produto.»
«119.Assim, em 12 de junho de 2008, a queixosa levantou da sua conta bancária da Caixa Geral de Depósitos a quantia de 10.000,00€ em numerário e entregou-a nesse mesmo dia à arguida Maria do Carmo junto à escola de Machico, tendo esta última lhe entregue a proposta de seguro junta aos autos a fls. 178 dos autos, já por si preenchida e com a vigência de cinco anos.»
«120.Na posse de tal quantia, a arguida entregou 1.000,00€ à queixosa Maria Ilda a fim de a convencer da veracidade do por si alegado e o restante utilizou-a em seu benefício pessoal, fazendo-a sua.»
«121.Tal proposta bem como o respetivo dinheiro nunca deram entrada na Companhia de Seguros.»
«122.A queixosa Maria Ilda sofreu um prejuízo patrimonial no valor de 9.000,00€ (nove mil euros).»
*

«Ofendido Manuel»
«123.Em data não concretamente determinada, mas seguramente anterior ao mês de junho de 2005, a arguida Orlanda, por ter conhecimento direto devido às funções que exercia que o Manuel possuía diversos investimentos financeiros na Companhia de Seguros “...”, cujo respetivo prazo de prazo de validade se encontrava a expirar, decidiu abordá-lo a fim de o convencer a adquirir outros produtos financeiros dessa companhia.»
«124.Assim, em data não apurada do mês de junho de 2005, a arguida Orlanda abordou o ofendido e propôs-lhe a aquisição de outro produto financeiro não apurado, alegando que, com essa aquisição, iria auferir “benefícios fiscais”.»
«125.Julgando que estava efetivamente a adquirir produtos financeiros da Companhia de Seguros “...” e que iria auferir vantagens patrimoniais, o queixoso aceitou adquirir tal produto.»
«126.Deste modo, na sequência de se ter vencido um dos produtos - Plano Universal de Reforma - no valor de 6.255,25€, cujo pagamento foi efetuado pela Companhia de Seguros através de cheque com o n.º 5472396727, a arguida contactou com o ofendido e combinou encontrar-se com ele num café da cidade de Machico.»
«127.Nesse local, aproveitando-se do facto de se encontrar sozinha com o ofendido, a arguida convenceu-o a assinar o documento junto aos autos a fls. 618 dos autos, já por si preenchida na íntegra, para aquisição do produto PPR/E, com início em 14.06.2005 e terminus a 14.06.2010.»
«128.Após assinar o referido documento, o queixoso entregou-lhe o cheque supra referido para pagamento desse produto financeiro, tendo a arguida Orlanda o levantado à boca de caixa no banco Millenium BCP, assinando, para o efeito, o verso do cheque.»
«129.Na posse dessa quantia, a arguida fê-la sua, utilizando em proveito próprio.»
«130.Para além da referida proposta nunca ter dado entrada naquela companhia de seguros, na proposta subscrita pelo queixoso está indicado que foi feita uma entrega única pelo que nunca haveria lugar a cláusula de indexação e, consequentemente, pagamento de prémios subsequentes.»
«131.O queixoso Manuel sofreu um prejuízo patrimonial no valor de 6.255,25€ (seis mil duzentos e cinquenta e cinco euros e vinte e cinco cêntimos).»
*

«132.As arguidas exerciam, à data da prática dos factos, funções quer na empresa “...” quer na Companhia de Seguros “...”, auferindo a título de vencimento ilíquido: na empresa “...”: a arguida Orlanda, em 2007, a quantia de 4.253,45€ e, em 2008, a quantia de 8.303,80€; a arguida Maria , em 2007, a quantia de 4.494,75€ e, em 2008, a quantia de 7.999,34€; na Seguradora “...”: a arguida Orlanda, em 2005, a quantia de 7.516,86€; em 2006, a quantia 3.640,60€; em 2007, a quantia de 3.294,55€; e, em 2008, a quantia de 2.112,70€; a arguida Maria , em 2005, a quantia de 5.543,41€; em 2006, a quantia de 342,94€; em 2007, a quantia de 1607,91€; e, em 2008, a quantia de 761,65€.»
«133.Ao agirem da forma descrita e de comum acordo e em conjugação de esforços, as arguidas agiram livre e conscientemente com o propósito concretizado de obter para si, como efetivamente obtiveram, as referidas quantias monetárias, tendo-lhes dado o destino que bem quiseram e entenderam.»
«134.Conseguiram tal desiderato, através da atuação supra descrita, enganando os queixosos, valendo-se das funções profissionais que exerciam por conta e ao serviço da Companhia de Seguros “...” como mediadoras e agentes de seguros, induzindo estes em erro com promessas de vantagens patrimoniais, querendo causar com tais condutas prejuízo àqueles.»
«135.As arguidas sabiam que, com tal atuação, causavam aos queixosos prejuízos patrimoniais, resultados estes que previram e quiseram, pois sabiam que, com base na relação de confiança e de familiaridade, aqueles aceitariam adquirir tais produtos financeiros com base na errónea convicção de que elas atuavam ao serviço da seguradora que representavam e que dai obteriam vantagens patrimoniais.»
«136.As arguidas atuaram sempre no quadro de uma única solicitação externa, que as levaram a prosseguir a sua conduta durante vários meses e, nalguns casos, anos com base numa suposta situação de impunidade, por falta de fiscalização e promessa de que só ao fim de um determinado número de anos, normalmente cinco anos, é que iriam receber tais vantagens.»
«137.As arguidas não têm antecedentes criminais.»
«138.As arguidas encontram-se a residir no Reino Unido.»
*

«Dos pedidos de indemnização civil»
«139.Em consequência do acima referido, os demandantes Marisol, Roberto, Maria Ilda, Carlos e Maria ... ficaram aborrecidos e humilhados por pessoas em quem depositavam confiança e andam nervosos e preocupados com a situação, pois as quantias que entregaram às arguidas correspondiam ao valor das suas economias de anos de trabalho, que assim deixaram de poder contar com esse dinheiro.»
«140.Em consequência do acima referido, a demandante Maria da Conceição sofreu desgosto, ansiedade, tristeza, para além de se ter instalado um clima de tensão no seio familiar.»
«141.As arguidas sabiam que os valores entregues pela demandante Maria da Conceição eram destinados à sua velhice e à do seu marido, bem como para ajudar a sua filha, pessoa doente e com necessidades acrescidas.»
«142.A demandante Maria da Conceição entregou às arguidas o total de 54.190,64 euros.»
«143.A demandante Maria da Conceição teve períodos de depressão, de ansiedade e de agravamento da sua saúde.»
«144.Em consequência do acima referido, os demandantes, Maria ... e Jorge ..., sofreram profundo desgosto, enorme ansiedade e tristeza, para além de se ter instalado um clima de tensão no seio familiar.»
«145.As arguidas sabiam que os demandantes, Maria ... e Jorge ..., lhes entregaram as quantias que haviam aforrado durante a sua vida de trabalho, com vista a conseguirem uma vida melhor e mais confortável.»
«146.Os demandantes, Maria ... e Jorge ..., tiveram períodos de depressão, de ansiedade e de agravamento da sua saúde, de insónias e de relacionamento difícil entre si.»
«147.Em consequência do acima referido, a demandante Carmelita ... sofreu desgosto, ansiedade, tristeza, para além de se ter instalado um clima de tensão no seio familiar.»
«148.As arguidas sabiam que a demandante Carmelita ... lhes entregou as quantias que havia aforrado durante a sua vida de trabalho, com vista a conseguir uma vida mais confortável e a precaver situações inesperadas para o futuro.»
«149.A demandante Carmelita ... teve períodos de depressão e de ansiedade.»
*

«Das contestações aos pedidos de indemnização apresentadas pelas ..., Companhia de Seguros, S.A.»
«150.A 02.07.2007, a arguida Maria  celebrou com a ... (à data designada por ...) um contrato de mediação de seguros, nos termos do qual se obrigava a prestar, a favor da demandada, a atividade de mediação de seguros no território nacional, enquanto agente de seguros em regime de exclusividade, no ramo NÃO VIDA, para o qual estava inscrita como mediadora no ISP com o n.º 9261688/307086 929.»
«151.A 02.07.2007, a arguida Orlanda celebrou com a ... (à data designada por ...) um contrato de mediação de seguros, nos termos do qual se obrigava a prestar, a favor da demandada, a atividade de mediação de seguros no território nacional, enquanto agente de seguros em regime de exclusividade, no ramo NÃO VIDA e VIDA, para o qual estava inscrita como mediadora no ISP com o n.º 9202602/1072 05380.»
«152.Nos termos desses contratos, as arguidas apenas poderiam dar como celebrados contratos de seguro, em nome e por conta da demandada, quando esta o autorizasse por escrito, o que nunca aconteceu.»
«153.Os poderes de cobrança conferidos à arguida Maria do Carmo foram-lhe retirados, a 29.07.2008, com efeitos imediatos.»
«154.Por cartas datadas de 22 de dezembro de 2008, a ... rescindiu os contratos celebrados com as arguidas, alegando justa causa.»
«155.Nunca foi emitido pela demandada seguradora qualquer instrumento de poderes de representação da demandada, nomeadamente para celebrar contratos de seguro, os quais, nos casos concretos destas mediadoras, sempre careceram de submissão das respetivas propostas à apreciação da demandada, para sua eventual aceitação.»
«156.A demandada disponibiliza informaticamente aos seus mediadores os modelos das propostas para celebração de contratos relativos aos produtos financeiros alegadamente subscritos.»
«157.Esses mesmos impressos podem ser obtidos por qualquer cidadão junto das agências de clientes da demandada.»
«158.A arguida Maria do Carmo foi beneficiária, na qualidade de segurada, do seguro de grupo titulado pela apólice n.º RC22704987, com a qual a demandada ... (à data ainda ...) segurou a responsabilidade civil profissional da arguida, enquanto mediadora, sendo que tal apólice constituía uma oferta da demandada aos seus mediadores, vigente entre 1 de janeiro de 2007 e 22 de dezembro de 2008.»
*

«Prova resultante de documentos juntos ao processo com interesse para os pedidos de indemnização:
«159.A arguida Orlanda foi mediadora de produtos de todos os demandantes civis relativamente a produtos da ..., Companhia de Seguros, S.A..»
«160.A arguida Maria do Carmo foi mediadora de produtos dos demandantes civis Maria Ilda e Humberto relativamente a produtos da ..., Companhia de Seguros, S.A..»
«161.Por documento escrito, intitulado de contrato de mediação de seguros de agente provisório exclusivo, datado de 7 de março de 2003, subscrito pela ..., Companhia de Seguros, S.A. e Orlanda, foi declarado por ambas as partes que pelo presente contrato esta obriga-se a prestar a favor daquela o resultado da sua atividade de mediação de seguros, no âmbito dos Ramos Vida e não VIDA e/ou operações para as quais o Instituto de Seguros tenha concedido a respetiva autorização (…), dando-se aqui como reproduzido o restante teor – fls. 2645 a 2649 dos autos.»
«162.Por documento escrito, intitulado de contrato de mediação de seguros de agente provisório exclusivo, datado de 7 de dezembro de 2004, subscrito pela ..., Companhia de Seguros, S.A. e Maria do Carmo, foi declarado por ambas as partes que pelo presente contrato esta obriga-se a prestar a favor daquela o resultado da sua atividade de mediação de seguros, no âmbito dos Ramos Vida e não VIDA e/ou operações para as quais o Instituto de Seguros tenha concedido a respetiva autorização (…), dando-se aqui como reproduzido o restante teor – fls. 2648 a 2652 dos autos.»
*

FACTOS NÃO PROVADOS:

«1. Em 23 de julho de 2008, a ofendida Conceição entregou às arguidas a quantia de 2.000,00€ para aquisição de um produto financeiro não concretamente determinado da Companhia de Seguros “...”, tendo para o efeito levantado esse dinheiro da Caixa Geral de Depósitos.»
*

«Dos pedidos de indemnização civil»
«2.Os demandantes Marisol, Roberto, Maria Ilda, Carlos e Maria ... passam noites sem dormir.»
«3.A demandante Maria da Conceição teve de viver em silêncio, com a vergonha pessoal e social de ter sido enganada, com medo de que os outros familiares pudessem ter conhecimento de tais factos e de ser alvo de comentários jocosos por familiares, vizinhos e conhecidos, ao que não pode ser alheio o meio social em que vive.»
«4.A demandante Maria da Conceição sofreu prejuízos em sede de juros e outros rendimentos que teria obtido com a aplicação dos valores entregues às arguidas.»
«5.Os demandantes Maria ... e Jorge ... tiveram de viver em silêncio, com a vergonha pessoal e social de terem sido enganados, com medo de que os outros familiares pudessem ter conhecimento de tais factos e de serem alvo de comentários jocosos por familiares, vizinhos e conhecidos, ao que não pode ser alheio o meio social em que vive.»
«6.A demandante Carmelita ... teve de recorrer à ajuda de vizinhos e de familiares para controlar o seu nervosismo e agitação.»
«7.A demandante Carmelita ... teve de viver em silêncio, com a vergonha pessoal e social de ter sido enganada, com medo de que os outros familiares pudessem ter conhecimento de tais factos e de ser alvo de comentários jocosos por familiares, vizinhos e conhecidos, ao que não pode ser alheio o meio social em que vive.
«Toda a demais matéria invocada pelos demandantes civis e demandada civil é considerada conclusiva ou de direito, daí que não se encontre plasmada quer nos factos provados, quer nos factos não provados.»
*

MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
«Na apreciação da matéria de facto constante da acusação e dos pedidos de indemnização civis deduzidos, o tribunal teve em conta:
«(i)as certidões de nascimento a fls. 1422 a 1427 dos autos, que atestam que as arguidas são irmãs e que a arguida Orlanda  é casada com José.»
«(ii)o teor dos documentos de fls. 330 a 332 dos autos, fornecidos pela ..., Companhia de Seguros, S.A. (entretanto denominada de ... Companhia de Seguros, S.A.), dos quais consta que, em consequência de novos contratos celebrados em 02.07.2007, a arguida Orlanda era mediadora de seguros dessa companhia de seguros, do ramo vida e não vida, sem capacidade de cobrança e em regime de exclusividade para os ramos contratados (cfr. contrato a fls. 2652 a 2645 dos autos), sendo que a arguida Maria era agente de seguros com exclusividade e com poderes de cobrança (retirados unicamente a 29.07.2008), do ramo não vida (cfr. contrato a fls. 2655 a 2659 dos autos). Contudo, anteriormente estas arguidas já estavam contratualmente ligadas àquela companhia de seguros. Com efeito, a referida informação terá de ser complementada com a informação prestada por essa companhia de seguros, a pedido do tribunal, constante de fls. 2644 a 2659 dos autos (que nos permitiu fixar os pontos 161 e 162 dos factos provados), onde consta que, em 7 de março de 2003, a arguida Orlanda celebrou com a companhia de seguros ..., Companhia de Seguros, S.A. um contrato denominado de “mediação de seguros de agente provisório exclusivo”, mediante o qual passou a prestar serviço para a referida companhia de seguro, na qualidade de agente exclusivo, no âmbito dos ramos vida e não vida, contrato com a duração inicial de 8 anos, em regime de exclusividade. Por sua vez, consta desses documentos que, em 7 de dezembro de 2004, a arguida Maria do Carmo também celebrou com a companhia de seguros ..., Companhia de Seguros, S.A. um contrato denominado de “mediação de seguros de agente provisório exclusivo”, mediante o qual passou a prestar serviço para a referida companhia de seguro, na qualidade de agente exclusivo, no âmbito dos ramos vida e não vida, contrato com a duração inicial de 8 anos, em regime de exclusividade. Daqui decorre que as arguidas eram, a primeira desde princípio de 2003 e a segundo desde finais de 2004, mediadoras de seguros exclusivas da ..., dos ramos vida e não vida, situação que só foi alterada em julho de 2007, com a celebração de novos contratos de mediação de seguro, constantes de fls. 2652 a 2546 e 2655 a 2659 dos autos. As funções das arguidas, após os contratos de 2007, também foram confirmadas pelas testemunhas apresentadas pela companhia de seguros, seus ex. ou atuais funcionários, Jorge , ex-chefe de serviço de responsabilidade civil, Ricardo , técnico comercial e gestor de rede comercial, e Pedro , [diretor] regional. Conforme resulta do que acima se expôs, até julho de 2007, qualquer das arguidas podia apresentar propostas de ambos os ramos (VIDA e NÃO VIDA), sendo que as propostas do ramo VIDA teriam inevitavelmente de ser acompanhadas pelo respetivo valor, pois, como o confirmaram as testemunhas da própria companhia de seguros, as propostas dos produtos do ramo vida têm de ser acompanhadas do respetivo valor de investimento (como infra referiremos). Assim, só a partir de 2007 é que houve uma distinção entre os ramos de seguros das arguidas, nos termos atrás expostos, pois até aí podiam atuar quer no ramo VIDA, quer no ramo NÃO VIDA, sendo que, naquele ramo, as propostas têm de ser acompanhadas dos valores para subscrição do produto, daí que não possa a seguradora estranhar o facto de as arguidas receberem dinheiro dos pretensos clientes, aqui queixosos. Refira-se, também, que a testemunha Ricardo , também supervisor de área das arguidas, confirmou ainda que mesmo sem poderes de cobrança e sem poderes de apresentar propostas num ou noutro ramo, a mediadora poderia apresentar propostas de um ramo para o qual não estivesse autorizada, com o respetivo dinheiro, cabendo à seguradora aceitar ou não contratar, embora essa mediadora não recebesse a respetiva comissão. Todas aquelas testemunhas também confirmaram que os produtos da seguradora são trabalhados pelos mediadores que após apresentam as respetivas propostas à seguradora, acompanhadas sempre do dinheiro da subscrição, para depois serem analisadas pela seguradora, que assim, caso aceite, emite a respetiva apólice.»
«(iii)As declarações dos ofendidos/demandantes civis e os depoimentos de todas as testemunhas de acusação e dos pedidos de indemnização civil, que, de forma quase homogénea, mas essencialmente e sobretudo de forma genuína, desprendida e isenta, apontaram para a elaboração de um esquema por parte das arguidas que, atuando junto de pessoas das suas relações de amizade ou de família, e sob a veste de mediadoras ou colaboradoras da “...” (como era conhecida pelas pessoas a companhia de seguros atualmente denominada de ... Companhia de Seguros, S.A.), ludibriavam as vítimas, propondo-lhes produtos daquela seguradora com retorno monetário elevado ou pelo menos acima do praticado pelos bancos e outras seguradoras. Referiram também que as arguidas tinham a confiança das vítimas, pois, para além de serem efetivamente colaboradoras da companhia de seguros, como vimos anteriormente, situação era do conhecimento da população de Machico (cidade de pequenas dimensões como é do conhecimento geral e público), mantinham com essas pessoas/vítimas ou com pessoas próximas destas uma relação de confiança (pois já lhes tinham mediado a celebração de outros contratos de seguro, conforme consta de fls. 2596 a 2601, 2607, 2608 e 2693 a 2699 dos autos) e de quase amizade/familiaridade, confiança essa que era reforçada pela utilização pelas arguidas de impressos da companhia de seguros com a qual colaboravam (como o reconheceu a testemunha Ricardo , acima identificado), o que incutia uma imagem de seriedade e realidade à situação. Apesar desta imagem global que tentámos sintetizar, iremos agora referir-nos a cada uma das situações particulares a fim de evidenciar um ou outro ponto que reforçam essa imagem e salientam a particularidade de cada uma dessas situações e a participação de cada uma das arguidas, sendo certo que, salvo as situações que infra apontaremos, estas atuaram sempre em conjunto, ora apresentando ambas as propostas, ora apresentando individualmente as propostas, mas entregando os papéis uma ou outra ou recebendo o dinheiro ou reforço do investimento uma ou outra, daí ser evidente o acordo e a colaboração entre elas e, consequentemente, o conhecimento da situação por ambas.»
«(iv)em relação à situação da ofendida Conceição , as declarações prestadas por esta, onde referiu a relação de amizade e de confiança que a unia às arguidas, bem como o valor que lhes entregou em diversas tranches, para subscrever vários produtos financeiros da companhia de seguros em causa, sempre a troco de remunerações acima das correntemente praticadas por bancos e outras seguradoras. A sinceridade patenteada nas declarações desta ofendida foram a tal ponto, que assumiu, sem que nada permitisse duvidar da sua palavra, que a quantia de 2.000,00 euros que entregou à arguida Maria do Carmo foi um empréstimo que lhe concedeu, estando, por isso, tal valor subtraído aos contratos que suponha ter celebrado. Estas declarações terão de ser conjugadas com os registos bancários a fls. 262 a 268 dos autos, comprovativos de levantamentos efetuados pela aqui ofendida, que assim confirmam as suas declarações, pois correspondem a levantamentos de valores que tinha aplicado em instituições bancárias, mas que utilizou para “investir” na companhia de seguros por intermédio das arguidas, levantamentos próximos das datas de subscrição dos produtos em causa. De acordo com as declarações desta ofendida, que refutamos de sérias, decorre ainda que ela só ficou com o comprovativo de uma das subscrições, a que consta de fls. 269 dos autos, referente a uma aplicação no valor de 8.000,00 euros, porquanto entregou os restantes comprovativos às arguidas que, em vésperas de fugirem da RAM, a [contactaram] para que lhes entregasse esses documentos, com a promessa de que seria trocado por um único documento, mas comprovativo de todas as entregas, o que não veio a acontecer, já que, como se pôde concluir, decorrido estes anos, as arguidas pretendiam unicamente subtrair à vítima os únicos papéis que pensavam que as podiam incriminar, situação que não foi inédita pois também sucedeu com a ofendida Carmelita ..., como iremos referir posteriormente.»
(v)em relação à situação dos ofendidos Maria da Conceição ... e Jorge ..., as declarações prestadas por estes, onde referiram a relação de amizade e de confiança que os unia às arguidas, tanto mais que a ofendida Maria ... tinha sido empregada a dias daquelas, bem como o valor que lhes entregaram em diversas tranches, para subscreverem vários produtos financeiros da companhia de seguros em causa, sempre a troco de remunerações acima das correntemente praticadas por bancos e outras seguradoras. A ofendida Maria da Conceição ... confirmou também a devolução de 2.000, 00 euros por parte de uma das arguidas. Estas declarações terão de ser conjugadas com os registos bancários a fls. 24 e 285 a 288 dos autos, comprovativos de levantamentos efetuados pela aqui ofendida, bem como pelas cópias das propostas de contratos que subscreveram com as arguidas, a fls. 18, 19, 20, 22, 23, 24 dos autos, que assim confirmam as declarações dos ofendidos, pois correspondem a levantamentos de valores que tinham aplicado em instituições bancárias, mas que utilizaram para “investir” na companhia de seguros por intermédio das arguidas, levantamentos próximos das datas de subscrição dos produtos em causa cujas cópias foram acima identificadas. Relevo igualmente para a declaração junta a fls. 25 dos autos, também forjada pelas arguidas, entregues por estas aos ofendidos, para fazerem crer a estes que a própria companhia de seguro reconhecia a entrega durante o ano de 2006 de valores que lhes entregaram para subscrição de produtos, declaração cuja teor e autenticidade foram postos em causa pela testemunha Ricardo , a quem é atribuída a assinatura nele constante. Por fim, o depoimento da testemunha Maria Sousa, pessoa das relações dos ofendidos, que atestou o estado de desorientação, desânimo e desespero em que aqueles ficaram em especial o ofendido Jorge ..., com a situação em causa, já que os valores entregues eram, como acontece com a maioria das situações, o aforro de uma vida.»
«(vi)em relação à situação do ofendido Humberto , o depoimento da testemunha Dina , cunhada daquele e através da qual aquele travou conhecimento com a arguida Maria do Carmo, que confirmou que, por seu intermédio, porque também tinha subscrito um produto financeiro com esta, o ofendido subscreveu também junto da referida arguida um produto financeiro, mediante o “depósito” de 5.000,00 euros, a que corresponde a cópia de fls. 58 dos autos. Este depoimento deve ser conjugado com o teor dos documentos de fls. 257, 258 e 2371 a 2373 dos autos, dos quais resulta que o cheque passado pelo ofendido para efetuar a entrega daquele valor foi levantado pela própria arguida.»
«(vii)em relação à situação do ofendido José António , o depoimento deste, que confirmou ter subscrito com a arguida Orlanda, pessoa das suas relações de amizade, um produto financeiro da companhia de seguros, no valor inicial de 2.500,00 euros, produto cuja proposta deu entrada nessa companhia de seguros e foi por esta validado, conforme consta da informação de fls. 329 dos autos. Contudo, segundo ainda este depoimento os restantes valores foram entregues por si todos por cheque à arguida Orlanda, à exceção do último, mas nunca deram entrada na referida seguradora, sendo certo que tais entregas eram feitas sempre no desiderato de servirem para reforçar a conta inicial. Este depoimento deverá ser conjugado com as cópias dos cheques a fls. 100 a 104 dos autos, onde consta do respetivo verso a assinatura de uma ou das duas arguidas, o que atesta o seu levantamento por elas, e o extrato de conta do ofendido, constante de fls. 313 a 318 dos autos, que atestam os levantamentos em cheque efetuados, na sequência dos supostos reforços de conta.»
«(viii)em relação à situação da ofendida Carmelita ..., as declarações desta, que confirmou que, fruto da confiança que já depositava nas arguidas, pelo facto de estas lhe tratarem dos seguros dos seus veículos, acedeu aderir a uns produtos financeiros da companhia de seguros ..., para a qual aquelas trabalhavam, imbuída do propósito de obter uma rentabilidade de 5 a 8% de juros, tendo entregue àquelas, faseadamente, a quantia total de 11.500,00 euros. Referiu que para obter dinheiro para entregar às arguidas utilizou inclusivamente dinheiro referente a uma indemnização proveniente de uma expropriação de um prédio de família, tendo para o efeito solicitado o adiantamento da sua parte à sua cunhada, a testemunha ..., que confirmou tal situação (cujo depoimento foi prestado em declarações para memória futura), o que também é sustentado pela cópia do cheque a fls. 117 dos autos e pelo extrato de conta do marido da ofendida a fls. 319 a 321 dos autos.»
«(ix)em relação à situação dos ofendidos Carlos ..., Maria ..., Marisol e Carlos Miguel, que trataremos em conjunto pois são familiares ou quase familiares, os dois primeiros são casados um com o outro e são pais da Marisol que, por sua vez, vive com o Carlos Miguel, as declarações destes ofendidos que descreveram que, fruto da amizade que mantinham com as arguidas, por estas serem até consideradas pessoas de família e sabendo que eram intermediárias da companhia de seguros ..., acreditaram nas propostas por estas apresentadas, para rentabilização das suas economias e entregaram-lhes os valores em causa em diversas tranches, assinando, em alguns casos documentos da seguradora que sustentavam tais operações, conforme consta de fls. 211, 213, 218 a 222, 223 a 226, 227 dos autos em relação ao Carlos ..., de fls. 203 dos autos em relação à arguida Maria ..., de fls. 185, 186 dos autos em relação à Marisol. Para além destas declarações e documentos, relevo igualmente para: (a) o cheque de fls. 1122 dos autos, no valor de 25.000, 00 euros, entregue pelo ofendido Carlos à arguida Orlanda e que foi depositado na conta do marido desta, conforme consta de fls. 1124 e 1134 dos autos; (b) o extrato de conta deste ofendido a fls. 209 a 271 dos autos, que atesta o levantamento da quantia de 10.000,00 euros; (c) o extrato de conta da ofendida Maria ..., a fls. 272 dos autos, que também atesta o levantamento por esta da quantia de 8.000,00 euros; (d) o extrato de conta da ofendida Marisol, a fls. 198 e 199 dos autos, que atesta o levantamento da quantia de 9.750,00 euros; a cópia do cheque emitido pela Marisol, a fls. 188 e 189 dos autos, que atesta que o respetivo valor, 3.000,00 euros, foi levantado pela arguida Orlanda. Importa ainda fazer referência que as arguidas mantinham os aqui ofendidos na crença da veracidade dos seus investimentos, não só porque lhes entregavam os documentos supostamente comprovativos dos investimentos realizados, conforme referimos, como também lhes entregavam cartas timbradas da ... onde eram referidos os investimentos feitos, conforme consta de fls. 228 dos autos, entregue ao ofendido Carlos .... Refira-se, ainda, que quanto à desadequação temporária dos produtos apresentados, foi tido em conta a informação da ... Companhia de Seguros, S.A. a fls. 326 a 329 dos autos. Por fim, importará ainda referir o depoimento da testemunha José ..., filho dos ofendidos Carlos e Maria ..., que transmitiu a situação de desespero, perturbação e inquietação em que estes ficaram quando tomaram consciência de que tinham sido enganados pelas arguidas.»
«(x)em relação à ofendida Ana Maria, as declarações desta, complementadas pelo depoimento da sua irmã, Ana , que confirmaram que a primeira, também convencida de que estava a fazer um investimento da companhia de seguros “... ...”, a pedido da arguida Maria do Carmo, que conhecia como mediadora, entregou-lhe a quantia de 10.000,00 euros, depois de os ter levantado do banco, como o atesta a informação de fls. 179 dos autos, tendo ela lhe entregue o documento de fls. 178 dos autos, que supostamente comprovaria tal investimento. Para credibilizar ainda mais a situação, a referida arguida entregou à ofendida logo o valor de 1.000,00 euros como prémio pela subscrição de tal produto.»
«(xi)em relação ao ofendido Manuel , o depoimento deste que confirmou que a arguida Orlanda, que conhecia por trabalhar com seguros, propôs-se ser sua mediadora, tratando-lhe também dos investimentos que já possuía junto da ... .... Nessa sequência, aconselhou-o a levantar uns PPR que detinha, o que fez, só se tendo apercebido mais tarde que ela o tinha enganado com a subscrição de um produto, cuja entrega de dinheiro foi feita com parte da remuneração que tinha de receber dos referidos PPR´s e que aquela não lhe entregou, no valor de 6.255, 25 euros, titulado por cheque que aquela recebeu, conforme consta de fls. 615 a 617 e 1216 dos autos.»
«(xii)em relação aos valores auferidos pelas arguidas em consequência do seu trabalho junto das sociedades ... e ..., Companhia de Seguros, S.A., o teor das declarações emitidas por essas sociedades a fls. 621 a 625 e 626 dos autos.»
«(xiii) a declaração da ..., Companhia de Seguros, S.A., a fls. 326 a 329 dos autos, confirmando que nenhum dos valores entregues pelos ofendidos, nem as propostas dos produtos por si subscritos deram entrada nos serviços daquela seguradora, conforme também atestaram as testemunhas Ricardo  e Pedro , à exceção das situações acima referidas.»
«(xiv)a declaração da ..., Companhia de Seguros, S.A., a fls. 2683 a 2689 e 2693 a 2699 dos autos, da qual resulta que a arguida Orlanda foi mediadora de produtos de todos os demandantes civis relativamente a produtos da ..., Companhia de Seguros, S.A.., enquanto a arguida Maria do Carmo foi mediadora de produtos dos demandantes civis Maria Ilda e Humberto relativamente a produtos da ..., Companhia de Seguros, S.A., factos que transcrevemos nos artigos 159 e 160 dos autos, e que são e eram do conhecimento desta demandada civil.»
«Em relação aos seus antecedentes criminais, foi tido em conta o respetivo CRC a fls. 2358 a 2359 dos autos.»
«Para além do facto de estarem a residir presentemente no Reino Unido, conforme declaração junta para a realização da audiência de julgamento na sua ausência, nada mais se apurou quanto à situação pessoal e profissional das arguidas, pois não foi trazido qualquer tipo de prova nesse sentido, sendo inviável, dada a sua ausência, a realização de qualquer relatório social por parte da DGRS.» [cf. fls. 2806 – 28012 – vol. 9.º (fls. 19-25 da decisão recorrida)]
*

2.2. DA QUESTÃO DE DIREITO
O objeto dos presentes recursos delimitados pelas respetivas conclusões prende-se com as seguintes questões:

A RECURSO DAS ARGUIDAS/DEMANDADAS ORLANDA E MARIA DO CARMO
¨Padecerá a decisão impugnada do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto (Cls. 31.º e 72.º)?
¨Sofrerá a decisão recorrida do vício de erro notório na apreciação da prova (Cls. 31.º e 72.º)?
¨Existirá erro de julgamento?
¨Deveriam ter sido dados como provados outros factos (que as recorrentes indicam) (cf. Cls. 3.ª)?
¨Existirá erro de subsunção dos factos ao tipo legal de crime de burla qualificada, da previsão dos arts. 217.º e 218.º, n.º 1 e 2, alínea a), todos do Cód. Penal (cf. Cls. 32.º - 48.º; 49.º - 58.º)?
¨Terá sido violado o in dubio por reo (cf. Cls. 59.º- 73.º, 77.º, 78.º)?
¨Será acaso para aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão (cls. 81.º - 93.º)?
***

A RECURSO DA DEMANDADA CIVIL “... – COMPANHIA DE SEGUROS S.A.”
(i) EM MATÉRIA DE FACTO.
¨ Terá andado mal o Tribunal a quo quando nos pontos 3, 5, 132 e 134 da matéria de facto dada como provada indica que as mediadoras/ arguidas desempenhavam funções na seguradora (Cls. 1.º)?
¨Por as mediadoras serem profissionais livres e independentes deverá suprimir-se o ponto 4.º e corrigir-se o ponto 5.º dos factos dados como provados (Cls. 2.º)?
¨Deverão eliminar-se as alusões feitas nos pontos 5 e 9 dos factos provados «a que as arguidas representavam a companhia de seguros ora demandada»?
¨Tais alusões apresentam-se contraditórias com os factos 152.º e 155.º dos factos provados)? (cls. 3.º, 4.º e 5.º)
*

MATÉRIA DE DIREITO.
¨No regime do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16-abr., a aparência constituirá fonte de poderes representativos para as arguidas / mediadoras de seguro (seja de procuração tolerada seja de procuração aparente)?
¨A seguradora/demandada civilmente ficará vinculada em contratos celebrados no seu nome por arguidas / mediadoras de seguro sem poderes de representação (serão estes contratos eficazes contra si)?
¨Responderá civilmente a seguradora/demandada pelos danos causados pelas arguidas/mediadoras de seguros a terceiros no exercício da mediação?
¨Serão tais danos apenas ressarcidos na relação entre as arguidas/mediadoras e o terceiro lesado?
(cf. Cls. 6.º - 23.º)
¨ O contrato de seguro de responsabilidade civil em que a arguida Maria do Carmo figura como segurada cobrirá os danos causados por facto danoso?
***

Por razão de ordem lógica começaremos pela abordagem da questão de facto e de seguida para a questão de direito.
*

Como é sabido, o fundamento do recurso deve ser claro e concreto, pois aos Tribunais não incumbe perscrutar a intenção dos recorrentes, mas sim apreciar as questões submetidas ao seu exame.

As conclusões das motivações não podem limitar-se a mera repetição formal de argumentos. Devem constituir uma resenha clara que proporcione ao Tribunal Superior uma boa compreensão do objeto do recurso.

Por outro lado, as conclusões devem estar em consonância com a parte expositiva da motivação recursória. Com efeito, só merecem ser consideradas na medida em que traduzem a síntese do que se desenvolveu no texto da alegação.

Na verdade, as conclusões são proposições sintéticas que emanam do que se expôs e considerou ao longo da alegação.

Conforme abundante jurisprudência, as conclusões dos recursos servem para balizar a decisão. O âmbito do recurso determina-se em face das conclusões da motivação do recorrente, só abrangendo as questões aí contidas.

A atuação das faculdades de controlo do Tribunal da Relação sobre o julgamento da questão de facto realizada em 1.ª instância não obedece a um modelo único ou uniforme de recurso, sendo possível identificar o exercício de poderes no âmbito do modelo de reponderação, de reexame, de cassação – plena e limitada – e de substituição.

Nos tempos que correm há que desmotivar impugnações temerárias e infundadas da matéria de facto.

Nos termos do disposto no art. 428.º do Código de Processo Penal, o Tribunal de Relação conhece de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do art. 412.º, n.º 3 do mesmo Corpo de Leis. Cabe desde já ter presente que essa dimensão do recurso não constituiu um novo julgamento do objeto do processo, como se a decisão da 1.ª instância não existisse, mas sim, e apenas, remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelos recorrentes ([6]).
*

Porque tal releva importa desde já deixar claro o seguinte:
É consabido que a chamada revista alargada configura uma impugnação restrita da matéria de facto, mas não é a verdadeira impugnação da matéria de facto conforme o disposto no art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
As recorrentes não podem confundir a invocação dos vícios previstos nas alíneas do n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal com os requisitos da impugnação da matéria de facto a que se reporta o n.º 3 e respetivas alíneas e o n.º 4 do art. 412.º do referido Corpo de Leis: trata-se de institutos distintos com natureza e consequências distintas.
Na verdade, os vícios previstos no referido art. 410.º devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência e aí se ficam; a impugnação ampla da decisão da matéria de facto lavra fundo na apreciação da prova.
Ora, se é verdade que a existência de um dos vícios do referido art. 410.º nos espelha algo de errado da decisão da matéria de facto, o facto de se não verificar nenhum daqueles vícios, não garante que a matéria de facto haja sido bem julgada.
Com efeito, pode não existir nenhum dos vícios previstos no n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal e no entanto a prova ter sido mal apreciada, ocorrer um verdadeiro erro de julgamento. Daí que na motivação recursória não possa existir confusão nem amálgama entre invocação dos referidos vícios e a impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos do art. 412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal.
Podem coexistir a invocação dos vícios do n.º 2 do art. 410.º e a impugnação de acordo com o referido 412.º, n.º 3, e pode existir uma sem a outra. 
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Do vício do art. 410.º, n.º 2 alínea a) do Código de Processo Penal — insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
Quando as recorrentes alegam este vício, partindo necessariamente da análise do texto da decisão, devem especificar os factos que em seu entender eram necessários para a decisão justa que devia ser proferida, que o tribunal a quo devia ter indagado e conhecido e não indagou e consequentemente não conheceu, podendo e devendo fazê-lo. Assim as recorrentes devem procurar convencer o tribunal de recurso que faltam factos, os quais deve identificar, necessários (fundamentando esta necessidade invocando normas jurídicas pertinentes) para a decisão e que não foi levada a cabo indagação a respeito deles (fundamentando).
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Cabe aqui desde já ter presente que a insuficiência para decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para os factos que erradamente foram dados como provados. Na primeira critica-se o Tribunal por não ter indagado e conhecido os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objeto do processo; na segunda censura-se a errada apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal: teriam sido dados como provados factos sem prova para tal.
Esta segunda opção tem a ver com a impugnação da matéria de facto nos termos do art. 412.º n.º 3 do Código de Processo Penal, com reapreciação da prova e não com a verificação dos vícios do art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal que terão que ser visíveis no texto da decisão, sem recurso a quaisquer provas documentadas.
Também nada tem a ver com o vício da insuficiência o caso em que as recorrentes enumeram uma série de factos que foram dados como não provados e que na sua ótica deviam ser dados como provados.
O que verdadeiramente as recorrentes não aceitam é a apreciação da prova levada a efeito pelo Tribunal. Claramente, a questão nada tem a ver com o vício do art. 410.º, mas com a impugnação da matéria de facto nos termos do art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
Em face do resumidamente exposto, quando as recorrentes alegam este vício de insuficiência para decisão da matéria de facto provada não podem almejar um outro julgamento de um outro processo, não pode subverter-se o princípio da vinculação temática do tribunal.
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Do vício do art. 410.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penalcontradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão
Quando as recorrentes alegam este vício cabe-lhe especificar, no texto da decisão impugnada a matéria da contradição, isto é, aquilo que está em contradição.
É consabido que a contradição insanável nos termos plasmados neste normativo tanto pode existir na motivação da decisão da matéria de facto como na própria decisão da matéria de facto.
Parece claro que há contradição na fundamentação quando para a decisão de um determinado ponto de facto são invocados meios probatórios inteiramente incompatíveis entre si. Como também parece haver contradição quando a motivação num raciocínio lógico conduz ao contrário do que se decidiu.

São casos flagrantes de contradição na decisão da matéria de facto:
(i) Dar como provados dois factos totalmente incompatíveis entre si;
(ii)Dar como provado e não provado o mesmo facto.
Ora, para que este vício se verifique a contradição tem de ser insanável, isto é não ser ultrapassável pelo Tribunal de recurso com eventual recurso às regras de experiência ou elementos dos autos. Assim, o facto de se verificar uma qualquer contradição no texto da decisão não quer dizer que se esteja logo em presença do vício do art. 410.º, n.º 2 alínea b) do Código de Processo Penal.
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Do vício do art. 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal erro notório na apreciação da prova
Se as recorrentes alegam a existência de erro notório na apreciação da prova devem especificar no texto da decisão, sem recurso a prova documentada, os factos dados como provados ou não provados em que se consubstancia tal erro.
Neste particular cabe ter presente que a apreciação errada da prova não é logo caso de erro notório na apreciação da prova de que cuida a lei, pela singela razão de que aquela errada apreciação pode não se evidenciar no texto da decisão.
Ora, o erro notório é o erro que salta aos olhos e que, por isso, se vê logo da análise do texto da decisão por si só ou conjugada com as regras de experiência. O eventual erro na apreciação da prova, por regra, nunca emerge como erro notório na apreciação da prova. Assim, quando as recorrentes entendem que a prova foi mal apreciada devem proceder à impugnação da decisão sobre a matéria de facto conforme o art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal e não agarrarem-se ao vício do erro notório.
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Quando as recorrentes impugnam a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente no corpo motivador e depois nas conclusões deve especificar, isto é indicar devidamente, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados [cf. alínea a) do n.º 3 do art. 412.º do Código de Processo Penal]. Isto facilmente se compreende pela singela razão de que o Tribunal de recurso não vai rever a causa, mas apenas pronunciar-se sobre os concretos pontos de facto que as recorrentes consideram incorretamente julgados.
Na verdade, necessário se torna que as recorrentes identifiquem corretamente o ponto de facto que foi dado como provado ou não provado, se é o caso, e não devia tê-lo sido, na sua ótica.
Em segundo lugar, as recorrente devem especificar as concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida.
As recorrentes, tratando-se de prova testemunhal devem identificar as testemunhas cujos depoimentos, a seu ver, quanto ao concreto ponto de facto em questão impõem decisão diversa [apontando as concretas passagens dos depoimentos dessas testemunhas em que se funda a impugnação (cf. n.º 4 do art. 412.º do Código de Processo Penal)].
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Conforme jurisprudência fixada pelo Ac. do Plenário das Secções Criminais do S.T.J. de 19-out.-1995 (Sá Nogueira) ([7]), é oficioso pelo Tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
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Nos termos do art. 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos Tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei.
O Código de Processo Penal consagra a obrigação de fundamentar a sentença nos arts. 97.º, n.º 5 e 374.º, n.º 2 exigindo que sejam especificados os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção.
São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (cf. art. 125.º do Código de Processo Penal).
A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade: o juiz lança-se à procura do “realmente acontecido” conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objeto impõe à sua tentativa de o “agarrar” e, por outro, os limites que a ordem jurídica lhe marca derivados da(s) finalidade(s) do processo ([8]).
A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente (cf. art. 127.º Código de Processo Penal).
A livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica([9]).
Daqui resulta, como realça Marques Ferreira, um sistema que obriga a uma correta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objeto do processo, de modo a permitir-se um efetivo controlo da sua motivação ([10]).
Ora, quando está em causa a questão da apreciação da prova não pode deixar de dar-se a devida relevância à perceção que a oralidade e a imediação confere aos julgadores do Tribunal a quo.
Na verdade, a convicção do Tribunal é formada, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos, perícias e outras provas constituídas, também, pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, serenidade, “olhares de súplica” para alguns dos presentes, “linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos ([11]).
Com efeito, é ponto assente que a comunicação não se estabelece apenas por palavras e que estas devem ser apreciadas no contexto da mensagem em que se integram.
Aliás, segundo pesquisas neurolinguísticas, numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder ([12]).
Trata-se de um acervo de informação não-verbal, rica, imprescindível e incindível para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras de experiência comum e lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
Por isso, os juízes devem ter uma atitude crítica de “avaliação da credibilidade do depoimento” não sendo uma mera caixa recetora de tudo o que a testemunha disser, sem indicar razão de ciência do seu pretenso “saber” ([13]).
Na verdade, a apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto, há de ancorar-se numa valoração racional e crítica harmónica com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, por modo que se comunique e se imponha aos outros, mas que não poderá deixar de ser enformada por uma convicção pessoal.
Como realça Enrico Altavilla, «o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras» ([14]).
Um testemunho não é necessariamente infalível nem necessariamente erróneo como salienta Carrington da Costa, advertindo para que “todo aquele que tem a árdua função de julgar fuja à natural tendência para considerar a concordância dos testemunhos como prova da sua veracidade”. Deve, antes, ter-se bem presente as palavras de Bacon: “os testemunhos não se contam, pesam-se” ([15]).
Cumpre ainda aqui relembrar o ensino de Paolo Tonini ([16]): “Il conflitto tra accusa e difesa non può essere risolto in base ad un atto de fede ([17]).
Ora, se bem pensamos, a livre apreciação da prova constitui um poder-dever dos julgadores que axiologicamente emerge do princípio do Estado de Direito Democrático e da Dignidade da Pessoa Humana ([18]), o qual significa a faculdade de formar uma convicção pessoal de verdade dos factos, é racional e assenta em regras de lógica e experiência objetiva e só em circunstâncias excecionais que espelhem com meridiana clareza irracionalidade da convicção é que pode a nosso ver ser sindicada em 2.ª instância.
Por sua vez, para ser racional a convicção assenta necessariamente em provas e não na “corazonada” de que fala Enrique Ruiz Vadillo ([19]).
Como refere Paolo Tonini ([20]) provar significa:
“Indurre nel giudice il convincimento che il fatto storico sai avvenuto in un determinato modo. Il fatto storico deve essere “reppresentatto” al giudice mediante altri fatti. La prova è, apunto, quel procedimento lógico in base al quale da un fatto noto se deduce l’ esitenza del fatto storico da provare e le modalità con le quali se è verificato” ([21]).
A finalidade da prova é convencer o juiz a respeito da verdade de um facto litigioso. Busca-se a verdade processual, ou seja a verdade atingível ou possível (probable true) do direito anglo-saxónico). A verdade processual emerge durante o processo, podendo corresponder à realidade ou não, embora seja com base nela que o Tribunal deve proferir a decisão. O objeto da prova primordialmente são factos que se visam apurar em Juízo.
Ora, valendo-nos:
(i) Da noção de Malatesta ([22]) para quem a verdade é a conformidade da noção ideológica com a realidade, enquanto a certeza é a crença nessa conformidade, provocando um estado subjetivo do espírito ligado ao facto, ainda que essa crença não corresponda à verdade objetiva;
(ii) Do ensino de Carrara ([23]) “a certeza está em nós; a verdade está nos factos”.
Podemos afirmar que a descoberta da verdade é sempre relativa, pois o que é verdadeiro para uns pode ser falso para outros. A meta do Sujeito Processual e do colaborador na administração da justiça, no processo é convencer o Juiz, através de raciocínio, de que a sua noção de realidade é coerente, isto é, de que os factos se deram no plano real exatamente como foram narrados na acusação / contestação ou no depoimento feito de viva voz perante o Tribunal. Convencendo-se disso, o magistrado, ainda que possa estar equivocado, alcança a certeza necessária para proferir a decisão. Quando forma a sua convicção ela pode ser verdadeira (correspondente à realidade) ou errónea (não corresponde à realidade), mas jamais falsa, que é um “juízo não verdadeiro”. Sustentar que o juiz atingiu uma convicção falsa seria o mesmo que dizer que o julgador atingiu uma “certeza incerta”, o que é claramente um contrassenso. Para haver condenação, exige-se que o Tribunal tenha chegado ao estado de certeza, não valendo a mera probabilidade.
Como é sabido a atual redação do n.º 2 do art. 374.º Código de Processo Penal foi introduzida pela reforma operada pela Lei n.º 59/98, de 25-ago., sendo aditada em relação à redação anterior a exigência de exame crítico das provas nos mesmos termos que eram exigidos no processo civil – art. 653.º, n.º 2 Código de Processo Civil na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 39/95, de 02-fev., – tendo em vista as exigências de fundamentação da sentença e a necessidade de se avaliar a validade da prova.
Face a ela não bastará ao Tribunal fazer a indicação dos concretos meios de prova tidos em conta para formar a sua convicção. É necessário ainda que se expresse o modo como se alcançou essa convicção, descrevendo — sempre de modo conciso — o processo racional seguido e objetivando a análise e ponderação criticamente comparativa das diversas provas produzidas, para que se siga e conheça a motivação que fundamentou a opção por um certo meio de prova em detrimento de outro, ou sobre qual o peso que determinados meios tiveram no processo decisório. Por outras palavras, na esteira de Lopes do Rego ([24]) podemos afirmar que «deverá fazer-se por indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, o que compreenderá não só a especificação dos concretos meios de prova, mas também a enunciação das razões ou motivos substanciais por que eles relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador».
Na verdade, a fundamentação é o cerne, a alma ou parte essencial da sentença. Trata-se da motivação do Juiz para aplicar o direito ao caso concreto da maneira como o fez, acolhendo ou rejeitando a pretensão de punir do Estado. É preciso que conste os motivos de facto (advindos da prova colhida) e os motivos de direito (advindos da lei, interpretada pelo Juiz) norteadores do dispositivo (conclusão). É a nosso ver nem mais nem menos que a consagração no processo penal do princípio da persuasão racional ou livre convicção motivada.
Na realidade, se bem vemos, a sentença penal para assegurar o cumprimento de todos os princípios constitucionais, e por atingir no caso de condenação, a dignidade da pessoa humana, necessita de ser clara e os argumentos devem estar contidos nas provas dos autos, não podendo ser interpretados por analogia ou de forma extensiva, como ocorre em muitos outros casos.
Assim, pese embora o disposto no art. 127.º do Código de Processo Penal a liberdade do julgador aí consagrada mais não é do que a liberdade para a objetividade, para a descoberta da verdade histórica ([25]).
A liberdade de apreciação da prova não significa que o Juiz possa fazer a sua opinião pessoal ou vivência acerca de algo integrar o conjunto probatório, tornando-se, pois, prova. O Juiz extrai a sua convicção das provas produzidas legalmente no processo, mas não presta depoimento pessoal, nem expõe as suas ideias como se fossem factos incontroversos. Contudo, revela-se natural que o Julgador possa extrair da sua vivência a experiência e o discernimento necessários para decidir um caso, embora deva estar fundamentado, exclusivamente nas provas constantes dos autos.
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À luz do que dito fica afigura-se-nos que os factos supra descritos e que constam da decisão impugnada junta a fls. 2788- 2822 — vol. 9.º, resultaram provados e não provados pela convicção que o Tribunal a quo formou da análise e valoração de toda a prova produzida em julgamento tendo em conta os parâmetros plasmados na motivação acima transcrita.
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Ora é consabido que a verdade histórica em direito é uma convicção prática firmada em dados objetivos que, diretamente ou indiretamente permitem a formulação de um juízo de facto.
Na verdade, arduamente os Julgadores poderão ter a certeza absoluta de que os factos aconteceram tal como eles são por si interiorizados, como são dados como provados.
Contudo, tal não impede que o Tribunal se convença da realidade dos mesmos na medida em que consiga alcançar certeza relativa. Esta traduz-se afinal num estado psicológico que se alicerça em razões objetivas e fundamentáveis não impondo verdade apodíctica conclusiva.
Como referia Carnelutti ([26]): “convicção é a palavra que alude a vitória e a luta: a vitória das razões do pró, face às razões do contra”.
Contudo, se bem vemos, necessário se torna que os factos demonstrados pelas provas produzidas na sua globalidade encaminhem para a certeza relativa, isto dentro do que é lógico e normal, de que as coisas sucederam como a acusação as define e materializa.
No caso em apreço não podemos olvidar que a força probatória das declarações A globalidade das declarações dos ofendidos/demandantes civis, dos depoimentos das testemunhas Jorge ; Ricardo ; Pedro ; Oriana ; Maria Sousa; Dina ; ...; José ...; e Ana...  é apreciada livremente pelo Tribunal, devendo este julgar segundo a sua convicção, formada sobre a livre apreciação das provas, de modo a chegar a decisão que lhe parecer justa.
Na verdade, estamos num campo em que não é possível criticar com razoabilidade a convicção do julgador em 1.ª instância, dada a natural falta de imediação com as provas produzidas em audiência, sendo certo que é o Tribunal a quo que se encontra numa relação de proximidade comunicante com os participantes no processo, de tal modo que é este Tribunal quem obtém uma perceção própria do material probatório que terá como base da sua decisão.
Ora, quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se baseia na opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só pode censurá-la se demonstrado ficar que tal opção é de todo em todo inadmissível face às regras de experiência comum, o que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, não ocorre no caso sub judice, e dizemos isto desde já, sem prejuízo do que acrescentaremos infra a propósito do recurso em matéria de facto, maxime o interposto pela demandada/seguradora em matéria civil.
Por isso este Tribunal ad quem, em tese geral, sem os benefícios que conferem a imediação e a oralidade presentes perante o Tribunal recorrido, não pode desconsiderar depoimentos que foram “pesados” ou considerar declarações que foram, em primeira instância total ou parcialmente desconsideradas, sem razões sustentáveis, que sirvam de suporte, a partir da decisão.
Com efeito, como já acima deixámos expresso existem aspetos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados ou valorizados por quem os presencia e tem contacto vivo e imediato com os demandantes, e testemunha, maxime a recolha da impressão deixada pela suas personalidades.
De veras a perceção das declarações dos demandantes e testemunhas só é completamente conseguida com a oralidade e a imediação das provas ([27]).
Só estes princípios permitem avaliar o mais concretamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes e uma plena audiência destes ([28]).
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Contudo, apesar do que dito fica, após melhor estudo e cogitação mais minuciosa sobre esta temática, porque tal releva, necessário se torna deixar expresso o seguinte:
Antagonicamente à tese limitativa dos poderes do Tribunal de Relação, consideramos que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, o Tribunal da Relação, em matéria de direito penal adjetivo, tem o poder-dever de formar uma convicção própria sobre os factos postos em crise pelo recorrente.
Vejamos sucintamente o porquê desta afirmação.
Na sua verdadeira essência trata-se de não unicamente aferir a razoabilidade da convicção dos Senhores Juízes de primeira instância, face às regras de experiência, da ciência e da lógica ([29]) nos casos flagrantes ou notórios de desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão de facto de primeira instância, mas também do poder-dever do Tribunal da Relação formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, sem que este Tribunal Superior se ache limitado ou condicionado pela convicção que serviu de base à decisão impugnada.
Neste entendimento necessário se torna que o Tribunal da Relação valore motu proprio de modo crítico e fundado, a prova disponível, não se limitando a aceitar simplesmente a convicção formada pelos Senhores Juízes de primeira instância, ainda que com agasalho do princípio da livre apreciação da prova exercitado na 1.ª instância, ou a controlar apenas a formação desta convicção efetuada no Tribunal a quo.
Na verdade, se bem vemos, porque é livre a apreciação da prova, há o risco dela ter sido incorretamente valorada pelo julgador. Com efeito, o facto de o Tribunal a quo ter valorado certo depoimento de acordo com o princípio da livre apreciação da prova v.g. conduzindo à resposta negativa a um facto constante da acusação tal não significa que essa valoração tenha sido correta ou adequada.
Ora, se o Tribunal da Relação é obrigado a ouvir as gravações ([30]) tendo em conta a indicação do depoimento em que a recorrente se funda, por referência ao assinalado na ata (cf. n.ºs 4 e  6 do art. 412.º do Código de Processo Penal) é porque o legislador pretende que opere plenamente o dispositivo previsto no art. 428.º do Código de Processo Penal, onde se conferem poderes ao Tribunal da Relação para alterar a decisão do Tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto, designadamente, se do processo constarem todos os elementos de prova  que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do  n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do Código de Processo Penal, com base neles proferida.
Na verdade, neste caso cabe ao Tribunal de Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações (conclusões) do(s) recorrente(s), sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada.
Ora, é certo e sabido que a garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto em substância penal jamais poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento — visando apenas a deteção e correção de pontos concretos e excecionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente tem obrigatoriamente de apontar e fundamentar na sua motivação recursória ([31]).
Afigura-se-nos que do disposto no n.º 1 do art. 32.º da Constituição da República Portuguesa parece emergir para o arguido um verdadeiro duplo grau de jurisdição em matéria de facto.
Assim, para dar vida jurídica a esta norma constitucional afigura-se-nos que o Tribunal da Relação pode e deve formar a sua própria convicção quanto ao sucedido no que concerne aos concretos pontos de facto impugnados pelo recorrente ([32]) para além de controlar a convicção a que chegara o Tribunal a quo, no sentido de apenas saber se esta evidencia um suporte de razoabilidade ostensivamente revelado pelas gravações ou pela visualização dos depoimentos, decorre da própria lei (cf. n.º 4 do art. 411.º, n.º 6 do art. 412.º e art. 328.º, todos do Código de Processo Penal) e da obrigação de ouvir os registos audiovisuais ou fonográficos relativos às partes impugnadas pelo(s) recorrente(s).
Quer isto dizer que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, a nosso ver a reapreciação das provas no Tribunal da Relação visa a formação de uma eventual nova convicção diferente da formulada no Tribunal de 1.ª instância, no que tange aos concretos pontos de facto impugnados pelo recorrente.
Assim, afigura-se-nos que neste caso o Tribunal da Relação deverá realizar com autonomia o seu próprio juízo de valoração que pode ser igual ou diferente do juízo de valoração realizado pelo Tribunal de 1.ª instância ([33]). A liberdade de julgamento expressa na atuação do princípio da livre apreciação da prova renova-se agora no Tribunal da Relação, tal ocorre após a audição da prova gravada ou após o visionamento dos depoimentos. Nesta ordem de ideias, parece-nos que o Tribunal da Relação está impedido de se remeter apenas para o juízo de valoração da prova efetuado pelo Tribunal de primeira instância. Por isso mesmo, a reapreciação da prova pelo Tribunal da Relação ao abrigo do disposto nos arts. 411.º, n.º 4 e 412.º, n.ºs 3, 4 e 6 e 428.º, todos do Código de Processo Penal, tem que desfrutar da mesma amplitude dos poderes que são outorgados ao Tribunal de 1.ª instância.
Nesta ótica, não nos parece suficiente para preencher um alegado controlo de convicção na primeira instância o verificar apenas se essa convicção tem um suporte razoável nos depoimentos que constam das gravações.
Assim, não se nos afigura bastante atribuir aos Tribunais da Relação a tarefa de apurar da razoabilidade formada pelo julgador da 1.ª instância, perante os elementos que lhe são facultados ([34]).
Amiudadamente tem-se afirmado que este duplo grau de jurisdição em matéria de facto não sobrevive à importância do princípio da imediação.
Quanto a este aspeto, diremos em síntese:
Uma vez que o Tribunal de Relação deve reapreciar as provas indicadas pelo recorrente, incluindo a audição das gravações ou a visualização dos depoimentos, diz-se que este Tribunal ad quem se acha limitado pela convicção que serviu de base à decisão impugnada, ex vi da operacionalidade do princípio da imediação. Afirma-se, assim que, o Tribunal de Relação está limitado ou condicionado pela convicção formada pelo Tribunal de primeira instância e gerador da decisão impugnada.
Quanto a nós, salvo o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se-nos que ao Tribunal da Relação não cabe somente determinar se a convicção demonstrada pelo Tribunal de primeira instância assenta em critérios de razoabilidade avaliada através do medium oferecido pela prova gravada dos depoimentos. Parece-nos que o Tribunal da Relação — pode e deve — formar a sua própria convicção, pese embora limitado à análise crítica das provas indicadas pelo(s) recorrente(s), exceto se este Tribunal superior desencadear o mecanismo da renovação dos meios de prova (cf. art. 430.º do Código de Processo Penal), sendo certo que, em matéria adjetiva penal, não há renovação oficiosa da prova no Tribunal da Relação uma vez que tal renovação depende sempre de pedido do(s) recorrente(s) [cf. arts. 411.º, n.º 5 e 413.º, n.º 3, alínea c), ambos do Código de Processo Penal] ([35]).
Ora, é sabido que na fundamentação da matéria de facto provada e não provada os julgadores deve dar conta das razões de ciência, dos juízos de credibilidade, (im)parcialidade ou de (in)veracidade dos depoimentos dos declarantes e  testemunhas e dos circunstancialismos relevantes para a formação da convicção sobre a realidade histórica dos factos  que cabe ao Tribunal apurar.
Assim, a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, permite via de regra, ao Tribunal da Relação captar as motivações objetivas e subjetivas subjacentes à convicção formada pelo Tribunal de primeira instância. Deste modo essa mesma motivação é nem mais nem menos que o ponto de partida para o Tribunal da Relação poder formar a sua própria convicção sobre os concretos pontos de facto impugnados pela recorrente [cf. n.º 3, alínea c) do art. 412.º do Código de Processo Penal]. Na verdade, da simples audição do registo fonográfico (e melhor ainda se forem em áudio-vídeo), o Tribunal da Relação consegue as mais da vezes captar, designadamente, as pausas da voz dos declarantes, da testemunha, com as suas indecisões, inflexões de voz, falta de coerência no raciocínio, compreensível enfraquecimento da memória, discurso preparado, excessiva firmeza nas respostas, interesse num certo desfecho da causa, contradições discursivas, etc. É certo que outros sinais menos ostensivos podem não ser captáveis pelo Tribunal da Relação com a singela audição das gravações ou visualização dos depoimentos. Porém, mesmo neste caso o Tribunal da Relação adotando uma postura prudente e adequada, de harmonia com as regras da experiência comum opta por não alterar o julgamento da matéria de facto, na medida em que se apercebe que o Tribunal de primeira instância estava em melhores condições para apreciar determinada prova e valorá-la.
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In casu da análise da decisão recorrida em confronto com a globalidade das declarações dos ofendidos/demandantes civis, dos depoimentos das testemunhas Jorge ; Ricardo ; Pedro ; Oriana ; Maria Sousa; Dina ; ...; José ...; e Ana ..., que por este Tribunal foram devidamente “pesados”; e da prova documental para os autos carreada não emerge que o Tribunal a quo com a segurança que atrás indicámos, tivesse feito uma errada valoração da prova produzida, examinada e valorada em Audiência de Discussão e Julgamento. E dizemos isto sem prejuízo do que afirmaremos mais abaixo aquando do tratamento do recurso em matéria de facto interposto pela demandada / seguradora.
Com efeito, cremos que quanto a este quid o acerto da decisão transparece da economia dos seus próprios termos, porquanto dela flui uma análise criteriosa da prova feita de forma a permitir a compreensão da razão pela qual os factos plasmados na decisão recorrida foram dados como provados e não provados.
Na verdade, a decisão recorrida examinada na globalidade, contrariamente ao afirmado pelas arguidas/recorrentes, assenta em premissas que se harmonizam entre si segundo um raciocínio lógico e coerente ([36]) e também não se vislumbra que afrontem as regras de experiência comum.

Ora, a prova começa onde se perde, subjetivamente a consciência da probabilidade e in casu no que concerne à receção da prova para além do que dito fica cumpre ter presente que o Tribunal a quo em função da oralidade e imediação, não deixou de atender aos níveis de comunicação ou canais de informação:
1.º-O “audível linguístico” veículo de mensagem que tem a cadeia de significantes: é o escutado;
2.º-O “audível-paralinguístico” que respeita ao conteúdo da informação: o entendido;
3.º-O da “Infraverbabilidade” cujos significantes se recrutam no campo da comunicação extralinguística: contactos visuais, olfativos, tácteis-cutâneos, termotácteis e comportamentais: o sentido; e
4.º-O “contextual”, o da afetividade que rodeia a comunicação intra-humana: o ressentido.

Por isso, bem andou o Tribunal a quo ao fixar os factos provados e não provados acima indicados, e afirmamos isto, desde já, sem prejuízo do que acrescentaremos mais abaixo.
Com efeito, é de todos sabido que o nosso ordenamento adjetivo penal adotou, embora com limitações: “salvo quando a lei dispuser diferentemente” –, o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Ora, trazendo à colação o pensamento de Massimo Nobili ([37]) o “principio del convencimento del giudice”, assenta em dois alicerces: na lógica do juiz e na crítica refletida (“crítica ragionata”).
A propósito de tal lógica e razoabilidade realça-se que o convencimento do juiz é livre somente no sentido em que ele será fruto e meta derradeira de individual razoabilidade. Em particular se o critério do livre convencimento equivale a uma ausência de prova legal, isso “não dispensa o juiz da observância daqueles critérios que obedecem às exigências de ordem lógica”, os quais se colocam como um verdadeiro e próprio limite à liberdade do juiz. Deste modo, com maior rigor, numa qualidade razoável não prefixada legalmente, obtida mediante um processo indutivo/dedutivo que se encontra a verdadeira substância do novo método: “de tal modo se alcançará a prova aquelas circunstâncias que de outro modo não são verificáveis (pelo juiz) e é nesta atividade que se consubstancia a essência lógica da sua função” ([38]).
Por regras de experiência, ou “massima de esperienza”, entende-se uma regra de comportamento que exprime aquilo que acontece na maior parte dos casos (id quod plerumque accidit); mais precisamente, trata-se de uma regra que é extraída de casos similares ([39]).
Como refere Paolo Tonini ([40]), a diferença entre máximas de experiência e mera conjetura “reside no facto que no primeiro caso o dado já aconteceu (è già stato), ou vem de qualquer maneira submetido a verificação empírica e portanto a máxima pode ser formulada sob a escolta do id plerumque accidit, enquanto no segundo caso tal verificação não está estabelecida, nem pode estar, e fica afiançada a um mero cálculo de possibilidades, de modo que a máxima permanece insuscetível de verificação empírica e portanto de demonstração”.

A jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores vem afirmando a necessidade de que a máxima de experiência seja uma regra de comportamento humano e não uma “consideração de ordem sócio-cultural”, na medida em que os indícios inseridos numa série causal constituem anéis de cadeia de relações naturais constantemente uniformes do comportamento humano que segundo o id plerumque accidit conduzem a um resultado segundo a lei da psicologia pelo qual, em linha com a máxima, dada (acontecida) uma acção pode-se formular um juízo provável sobre outros que o precederam e que se lhe seguirão.

Na mesma linha de pensamento vai Stein Friedrich ([41]) “as máximas de experiência são definições ou juízos hipotéticos de conteúdo geral, desligados dos factos concretos que se julgam no processo, procedentes da experiência, mas independentes dos caos particulares de cuja observação se induziram e que, por cima (para além) desses casos, pretendem ter uma validade para outros novos”.
Calamandrei, por sua vez, define-as como aquelas que são (...) extraídas do seu património intelectual [do juiz] e da consciência pública (...) e destaca a sua utilidade pois “as máximas de experiência possuídas por ele geralmente, lhe servem de premissa maior para os seus silogismos (por ex., que a máxima de a idade avançada produz geralmente um debilitar da memória, fará considerar em concreto o depoimento de uma testemunha idosa menos digna de crédito que a de un testemunha ainda  jovem) (...)([42]).

Afigura-se-nos que qualquer que seja o conceito que se dê sobre as máximas de experiência, é possível encontrar os seguintes elementos que lhe são comuns:
(i)São juízos, isto é, valorações que não são referentes aos factos que são matéria do processo, mas que possuem um conteúdo geral. Têm um valor próprio e independente, o que permite dar à valoração um caráter lógico;
(ii)Estes juízos têm vida própria, são gerados de factos particulares e reiterados, nutrem-se da vida em sociedade, dando origem ao processo indutivo do juiz que os aplica;
(iii)Não nascem nem acabam com os factos, mas estendem-se para além deles, e vem a ter validade para outros novos;
(iv)São razões indutivas credenciadas para a vida regular e normal, e, portanto, envolvem uma regra, suscetível de ser utilizada pelo juiz para um facto semelhante;
(v) As máximas carecem de universalidade. Estão restringidas ao ambiente físico em que atua o juiz, uma vez que elas nascem a partir de relações da vida e compreendem tudo o que o juiz tenha como experiência própria.
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Ora, no caso em apreço, as provas que se produziram em Audiência de Discussão e Julgamento para além das declarações dos ofendidos / demandantes civis, e depoimentos das testemunhas Jorge ; Ricardo ; Pedro ; Oriana ; Maria Sousa; Dina ; ...; José ...; e Ana... , atinge o formato de prova documental.
A valoração da prova tem duas etapas essenciais: a primeira trata de depurar a eficácia probatória de cada meio de prova, até chegar ao convencimento de que um determinado facto é certo, ou não, em vista do que resulta de cada meio probatório; e a segunda centra-se na valoração probatória propriamente dita, comparando cada um dos factos reputados certos com os factos afirmados pelas “partes” ([43]). Na depuração dos instrumentos probatórios (controle de legalidade e silogismos probatórios) trata-se, afinal de comprovar a credibilidade das provas aportadas pelas “partes”, e este juízo de credibilidade ocorre integrado em vários silogismos probatórios, o primeiro dos quais está referido à fiabilidade ou confiança que gera cada um dos meios probatórios, estando referido o segundo à determinação da significação que deve outorgar-se aos factos expostos aos julgadores por cada um de esses meios de prova e referindo-se o terceiro à verosimilhança ou crença de que são verdadeiros ou falsos os factos aportados ao processo ([44]).
Contudo, como é sabido, os juízes prima facie estão vinculados ao seguimento do material probatório que lhe é trazido pelos sujeitos processuais. Todavia, summo rigore têm o poder-dever de indagar, pela produção de meios de prova não carreados pelos intervenientes processuais, pela verdade histórico-material (cf. art. 340.º do Código de Processo Penal).
Cabe aqui lembrar que o princípio da investigação oficiosa em matéria penal adjetiva tem os seus limites previstos na lei e está desde logo condicionado ao princípio da necessidade, na medida em que só os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para habilitar os julgadores a uma decisão condenatória ou absolutória devem ser produzidos por determinação do Tribunal na fase de julgamento ([45]).
Se bem vemos essa vinculação leva a uma necessidade lógico-dedutiva e indutiva que, alicerçada nas regras ou máximas da experiência comum, autorize o entendimento das razões empírico-racionais que levaram ao resultado probatório adquirido. Nesta linha os Juízes estão adstritos a esclarecer e precisar, na decisão, as razões e os meios de prova em que se fundou para se atingir à posição de liquidez probatória que firmou a sua convicção.

In casu, salvo o devido respeito por opinião em contrário, cremos que de uma leitura integral da motivação constante da decisão recorrida resulta, no essencial, inteiramente percetível a apreciação lógica da prova levada a efeito pelo Tribunal alicerçada em guias ou diretrizes objetivas que conduz a uma consubstanciação histórica dos factos razoavelmente compatível com o acervo probatório produzido e constante dos autos, com respeito pelos princípios do Estado de Direito Democrático e da Dignidade da Pessoa Humana, plasmados nos arts. 1.º e 2.º da Constituição da República Portuguesa.
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Na motivação recursória conjunta apresentada pelas arguidas/recorrentes flui que na mesma ambas invocam padecer a decisão impugnada dos vícios de “insuficiência para a decisão da matéria de facto” Cls. 31.º e 72.º); e do vício de “erro notório na apreciação da prova” (Cls. 31.º e 72.º)?
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Desde já afirmamos que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, a decisão impugnada não padece de qualquer dos vícios da previsão do art. 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Penal.
Vejamos sucintamente o porquê desta afirmação.
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Como vimos, no nosso sistema penal adjetivo vigora o princípio da livre apreciação da prova ou da livre convicção, consagrado no referido art. 127.º do Código de Processo Penal, segundo o qual, à exceção de quando a lei dispõe de forma diferente, a prova produzida em audiência é apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção das entidades judiciárias.
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O vício de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” encontra-se previsto no art. 410.º n.º 2, alínea a)do Código de Processo Penal, sendo de conhecimento oficioso, verifica-se sempre que a matéria de facto dada como provada não permita a decisão de direito proferida.
Este vício acha-se ligado com a aplicação do princípio da livre apreciação da prova ou da livre convicção, na medida em que com a sua invocação (expressa ou implícita) se visa pôr em crise a valoração da prova feita pelo Tribunal a quo.
De uma leitura da decisão ora posta em crise pelas recorrentes, salvo devido respeito por opinião em contrário, facilmente se vislumbra que na mesma existe: motivação, a análise crítica da prova e a aplicação do direito, bem como o respectivo dispositivo, não existindo de modo real e efetivo os erros e vícios indicados pelas referidas recorrentes.
Na verdade, tendo o Tribunal enumerado as provas que teve ao seu dispor, indicando os aspetos essenciais do seu conteúdo, e por consequência, o modo como formou o juízo de veracidade, cumpriu quantum satis, com o dever de fundamentação contido no art. 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal ([46]).
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Mas será que a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão?
De uma leitura cuidada da decisão recorrida facilmente se vislumbra que dos factos dados como provados resultam todos os elementos objetivos e subjetivos que permitem a subsunção da apurada condutas das arguidas/recorrentes ao tipo legal de crime tido por corretamente preenchido, bem como a decisão da questão civil que é colocada nos autos.
In casu constam da decisão recorrida, na factualidade provada, os factos integradores dos elementos objetivo e subjetivo do ilícito pelo qual as aludidas arguidas foram condenadas, bem como, quanto a elas para a condenação no pagamento dos pedidos de indemnização civil por danos causados aos ofendidos/demandantes.
E dizemos isto sem prejuízo do que mais abaixo acrescentaremos em sede de análise do invocado erro de julgamento por ser a sua sede própria.
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O S.T.J. vem uniformemente decidindo sobre esta matéria:
O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma. No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito, seja a proferida efetivamente, seja outra, em sentido diferente, que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa.
O erro notório na apreciação da prova existe quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta que se deram como provados factos que para a generalidade dos cidadãos se apresente como evidente que não poderiam ter ocorrido ou são contraditados por documentos que façam prova plena e não tenham sido arguidos de falsos. Ou, no aspeto negativo, que nessas circunstâncias tenham sido afastados factos que o não deviam ser. O toque característico do conceito consiste na evidência, na notoriedade do erro, facilmente captável por qualquer pessoa de média inteligência, sem necessidade de particular exame de raciocínio mental ([47]).
Há insuficiência da matéria de facto para a decisão, sempre que dela resulte, através da sua leitura, isolada ou conjugadamente com as regras da experiência, uma lacuna ou hiato factuais que não permitam chegar à solução jurídica adequada à situação em causa – a solução justa do caso -, podendo e devendo o Tribunal investigar todos os elementos julgados relevantes para essa decisão ([48]).
A insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. – e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena ([49]).
O vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão não tem a ver, e não se confunde, com as provas que suportam ou devam suportar a matéria de facto, antes, com o elenco desta, que poderá ser insuficiente, não por assentar em provas nulas ou deficientes, antes, por não encerrar o imprescindível núcleo de factos que o concreto objeto do processo reclama face à equação jurídica a resolver no caso ([50]).
A insuficiência a que alude a alínea a) do n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal decorre da circunstância do Tribunal não ter dado como provados ou não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão; daí que aquela alínea se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º do Código de Processo Penal), que é insindicável em reexame da matéria de direito ([51]).
Como acima deixámos exposto a insuficiência para decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para os factos que erradamente, segundo as recorrentes, foram dados como provados. Assim, enquanto numa se censura o Tribunal por não ter indagado e conhecido os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objeto do processo; na outra censura-se a errada apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal: teriam sido dados como provados factos sem prova para tal.
Na verdade, summo rigore, esta segunda opção tem a ver com a impugnação da matéria de facto nos termos do art. 412.º n.º 3 do Código de Processo Penal com reapreciação da prova e não com a verificação dos vícios do art. 410.º, n.º 2 do mesmo Corpo de Leis que terão que ser visíveis no texto da decisão, sem recurso a quaisquer provas documentadas.
Ora, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o art. 410.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal, só existe quando o Tribunal a quo, podendo fazê-lo deixa de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que a matéria de facto apurada não possibilita, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à sua apreciação ([52]).
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À luz destes entendimentos e tendo em mente a letra do n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal, parece-nos que os vícios previstos no n.º 2, cujo conhecimento pelo Tribunal de recurso é oficioso, têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si ou emparelhada com as regras de experiência comum.
Tal vício configura-se como uma “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de mérito, isto é, quando se chega à conclusão de que, com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher” ([53]).
O nosso mais Alto Tribunal vem entendendo que “o vício de insuficiência da matéria de facto só existe quando o tribunal recorrido, não tendo esgotado o thema probandum, mesmo assim decide do fundo da causa” ([54]).
Daí que, “a ideia de que a prova que se fez em julgamento é insuficiente para dar como provados determinados factos seja coisa diversa da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”. E isto porque, “o Tribunal julga segundo a sua livre convicção assente na prova e aí é inteiramente soberano” ([55]).
Esta constitui a posição uniformemente tomada pelo S.T.J. em múltiplos acórdãos, de entre os quais, por nos parecer ainda de todo paradigmático e in casu aplicável, citamos:
“Se o recorrente pretende contrapor a convicção que alcançou sobre os factos com aqueloutra que o Coletivo teve sobre os mesmos livremente e segundo as regras da experiência (art. 127.º do Código de Processo Penal) está a confundir insuficiência da matéria de facto fixada com a insuficiência da prova para decidir” ([56]).
No caso em apreço, salvo o devido respeito por opinião em contrário, de uma leitura integral do texto da decisão recorrida que incorpora fls. 2788-2822 dos autos, não se vislumbra carência de factos (nem hiato factuais) que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma.
Afigura-se-nos que na decisão recorrida na verdade nada falta para que uma decisão justa do caso, de direito, seja proferida, tendo o Tribunal a quo investigado todos os elementos julgados relevantes e possíveis para essa decisão.
Com efeito, do texto da decisão recorrida e da parcimónia dos seus próprios termos, flui com meridiana clareza que o Tribunal a quo deu como provados e não provados todos os factos relevantes para a decisão justa da causa, sem prejuízo de alguns deles poderem e deverem ser limados nalgumas arestas por este Tribunal como melhore veremos infra.
Na verdade, da decisão ora posta em crise pelas aludidas recorrentes constam expressamente todos os factos relevantes à prolação de uma decisão justa.
Deste modo, no caso em apreço, do texto da decisão recorrida não resulta o vício da previsão do art. 410.º, 2, alínea a), do Código de Processo Penal, o que aqui se declara.
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Estaremos perante contradição insanável na fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão?
Como se sabe este vício traduz-se numa incompatibilidade não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os factos não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão ([57]).
Ora, tão-somente surge contradição entre a fundamentação e a decisão, quando aquela esteja em oposição a esta, ou seja quando os fundamentos invocados, devessem, logicamente, levar a uma decisão diversa da que a sentença expressa.
In casu os factos dados por provados e os factos dados como não provados [cf. fls. 5-19 da decisão recorrida (fls. 2792-2806 dos autos) nada têm de contraditório.
Na verdade, “provar” significa, substancialmente, induzir no Juiz no convencimento de que o facto histórico aconteceu de um determinado modo. O facto histórico deve ser “representado” pelo Juiz por meio de outros factos. A prova é nesse sentido, o procedimento lógico por meio do qual a partir de um facto conhecido se deduz a existência do facto histórico a ser provado e as suas circunstâncias.
Por sua vez, é consabido que a “máxima de experiência” é uma regra que expressa aquilo que acontece na maioria dos casos (id quod plerumque accidit), ou seja é uma regra extraída de casos similares. A experiência pode permitir a formulação de um juízo de relação entre factos: existe uma relação quando se conclui que uma determinada categoria de factos vem acompanhada de uma outra categoria de factos.
Com base nesse princípio emerge o seguinte raciocínio: em casos similares há um idêntico comportamento humano.
Este raciocínio permite apurar um facto histórico quando não há certeza absoluta mas uma grande probabilidade. A máxima da experiência é uma “regra” e, portanto, não pertence ao mundo dos factos; gera um juízo de probabilidade e não certeza.
Cabe aqui ter presente que a prova representativa e o indício se diferenciam não pelo objeto a ser provado, mas pela estrutura do procedimento lógico.
In casu face à materialidade fáctica considerada provada e não provada, bem como da respectiva fundamentação, não resulta que, a decisão ora posta em crise pelas arguidas/ recorrentes, devesse ser inteiramente oposta àquela para a qual apontava a respectiva fundamentação ou que a decisão padece de colisão entre os diversos fundamentos. A decisão impugnada consubstancia o corolário próprio daqueles mesmos factos.
Com efeito, tendo em mente o que já acima deixámos expresso, fazendo um raciocínio lógico não é de concluir que a fundamentação da decisão recorrida leve a uma decisão contrária àquela que foi tomada. Por outra banda, a decisão posta em crise não reflete real oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada. Por fim in casu os factos provados e os factos não provados não se contradizem entre si nem se excluem mutuamente, sendo aqui de relembrar que a não prova de um facto não prova o contrário, tudo se passando como se esse facto não existisse, isto é, como nem sequer tivesse sido alegado.
Ora só existe o vício da contradição insanável da fundamentação, da previsão do art. 410.º n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal quando, fazendo um raciocínio lógico, seja de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os elementos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; à contradição entre os factos quando os provados e não provados se contradigam entre si ([58]).
Como frisam Simas  e Leal Henriques “por contradição entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade ou qualidade. Para os fins do preceito [alínea b) do n.º 2) constitui contradição apenas e tão só aquela que, como expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras da experiência]” ([59]).
A contradição tem que resultar do texto da decisão, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos (n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal).
Ora, é consabido que são realidades diferentes a contradição na fundamentação e a contradição entre factos provados e fundamentação. Esta última é suscetível de poder vir a integrar um erro-vício de julgamento.
No caso em apreço num raciocínio lógico não é de concluir que a fundamentação da decisão recorrida justifica decisão oposta, mostrando-se a decisão ora posta em crise pelas arguidas/recorrentes e demandada/ recorrente fundamentada, se- guindo um raciocínio coerente que não levanta qualquer dúvida sobre as razões que levaram a que fossem dados como provados e não provados os factos e assentou em factos ou motivos que se mostram logicamente conciliáveis, daí a sem razão das recorrentes.
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Face ao anteriormente exposto, facilmente se verifica que inexiste no caso em apreço o vício da previsão do art. 410.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal, o que aqui se declara.
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Existirá erro notório na apreciação de prova?
As arguidas / recorrentes expressa que sim (Cls. 31.º e 72.º).
Com o devido respeito por opinião em contrário, não tem as mesmas razão.
Na verdade, este vício tem de resultar do texto da decisão impugnada, por si ou conjugada com as regras de experiência comum. Está, há muito, assente o entendimento de que o vício de erro notório tem de resultar do texto da decisão recorrida sem a utilização de elementos externos à decisão, não sendo por isso admissível recorrer a declarações ou outros elementos que constem do processo ou até da audiência.
Assim, para este efeito, não cabe às recorrentes invocar o teor das declarações de ofendidos/demandantes ou o depoimento de testemunhas, ou lançar mão de prova documental
Contudo, voltaremos a esta questão mais abaixo em sede de análise do invocado erro de julgamento, por ser a sua sede própria.
O S.T.J. vem uniformemente decidindo sobre esta matéria que o erro notório na apreciação da prova existe quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta que se deram como provados factos que para a generalidade dos cidadãos se apresente como evidente que não poderiam ter ocorrido ou são contraditados por documentos que façam prova plena e não tenham sido arguidos de falsos. Ou, no aspeto negativo, que nessas circunstâncias, tenham sido afastados factos que o não deviam ser. O toque característico do conceito consiste na evidência, na notoriedade do erro, facilmente captável por qualquer pessoa de média inteligência, sem necessidade de particular exame de raciocínio mental ([60]).
Será que no caso em apreço os factos dados como provados são contraditórios com os restantes factos dados como provados ou com o facto não provado? Traduzem falha grosseira e ostensiva na análise da prova? Retirou-se dos factos apurados uma conclusão logicamente inconciliável?
Como já acima deixámos apontado a resposta é de sentido negativo.
Como vimos, apreciação errada da prova não é logo caso de erro notório na apreciação da prova de que cuida a lei, pela singela mas decisiva razão de que aquela errada apreciação pode não se evidenciar no texto da decisão.
Como acima já referimos quando as recorrentes entendem que a prova foi mal apreciada devem proceder à impugnação da decisão sobre a matéria de facto conforme o art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal e não agarrar-se ao vício do erro notório.
In casu, não se nos afigura ocorrer qualquer erro notório na apreciação da prova [art. 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal] o qual teria de ser óbvio e patente de modo a não passar despercebido ao comum observador e nada do que o recorrente indica pelo que já acima deixamos expresso reveste uma tal categoria.
Na verdade, no caso sub judice para o homem médio do texto da decisão recorrida não se vislumbra, por não existir, qualquer falha grosseira e ostensiva na análise da prova, que denuncie que se deram como provados e não provado factos inconciliáveis entre si. Por outras palavras, o que a decisão recorrida teve como provado e não provado não está in casu em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou. Com efeito, por uma banda na decisão posta em crise, no essencial, não se mostram provados factos incompatíveis entre si. Por outra, as conclusões nesta plasmadas não se revelam por forma alguma ilógicas ou inaceitáveis ou que o Tribunal a quo tenha na decisão recorrida retirado de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.

Como acentuam Simas Santos e Leal-Henriques ([61]):
[…] há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.
Erro notório, no fundo, é, pois, a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido)”.
Contudo, como dizem Simas Santos e Leal-Henriques ([62]) não podemos incluir no erro notório na apreciação da prova a sindicância que as recorrentes possam pretender efetuar à forma como o tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência, valoração que aquele Tribunal é livre de fazer, de harmonia com o citado art. 127.º do Código de Processo Penal.
No caso em apreço, a nosso ver, na avaliação que o Tribunal de 1.ª instância exerceu da prova por declarações dos ofendidos / demandantes civis, bem como da globalidade dos depoimentos das testemunhas Jorge ; Ricardo ; Pedro ; Oriana ; Maria Sousa; Dina ; ...; José ...; e Ana..., e documental para os autos carreada; e do mais que se encontra plasmado na decisão recorrida, não se lobriga a presença de vício algum, nem este efetivamente existe, na medida em que o Tribunal a quo atuou de acordo com o princípio consagrado no art. 127.º do Código de Processo Penal, sem que o mesmo se mostre minimamente beliscado.

Por sua vez, neste campo cabe não olvidar que o erro na apreciação da prova não se desacomoda com o modo como as recorrentes apreciam a prova do seu ponto de vista.
No caso vertente por tudo que já apontámos supra este vício não se verifica, o que aqui se declara.
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Não obstante o que já acima apontado ficou vejamos mais concretamente se assiste razão às arguidas/recorrentes.
As arguidas/recorrentes Orlanda e Maria do Carmo mostram-se desavindas com a decisão recorrida, aduzindo, em síntese, em matéria de impugnação da matéria de facto:
—Que a decisão impugnada do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto (Cls. 31.º e 72.º)
—Que a decisão recorrida do vício de erro notório na apreciação da prova (Cls. 31.º e 72.º)?
Quanto a estes concretos pontos pelos fundamentos já acima apontados e decididos, que aqui damos por integralmente reproduzidos e não vamos aqui descritivamente repetir pois tal nos alcandoraria ao reino do sofrível carecem as arguidas / recorrentes de razão, o que aqui mais uma vez se declara.
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—Que existe erro de julgamento no que tange aos “pontos 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 29, 30, 21, 32, 33, 34 a parte “Esta por sua vez entregou-a ao queixoso (...)”, 36, 38, 39, 40, 41 a parte (...) para [pagamento] do valor por este entregue para a alegada aquisição de um produto financeiro da Companhia de seguros “...”, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 50, 61, 62, 63, 64, 65, 66 a parte “Após a assinatura de tal proposta (...)”, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 97, 99, 100, 101, 102, 103, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128 a parte “Após assinar o referido documento (...)”, 129, 130, 131, 133, 134, 135, 136, 139 a parte “Em consequência do acima referido (...)”, 140 a parte “Em consequência do acima referido (...)”, 141, 142, 144 a parte “Em consequência do acima referido (...)”, 145, 147 a parte “Em consequência do acima referido (...)” e 148.»)
—Deveriam ter sido dados como provados outros factos [que as arguidas/recorrentes indicam (cf. Cls. 3.ª)]?
Rematam a sua motivação recursória concluindo no sentido de que devem as mesmas ser absolvidas do crime de que vem acusadas bem como dos pedidos civis contra si deduzidos.
«Subsidiariamente, «Considerando que as arguidas praticaram o crime do qual vinham acusadas, sempre as mesmas terão que ser absolvidas quanto aos montantes entregues pela Sra Marisol, E pais, em virtude de quanto a estas não existir quer o enriquecimento ilegítimo, quer o próprio engano em virtude de lhes ter sido entregue uma livrança para garantia das quantias recebidas, não há preenchimento do elemento típico, pelo que em consequência deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva as arguidas do crime pelo qual foram condenadas - em relação a estes factos - e, em consequência, absolva as arguidas, aqui na qualidade de [demandadas], de todos os pedidos cíveis contra si formulados, por estes ofendidos, e simultaneamente, sendo condenadas pelos restantes factos devem a pena a ser aplicada ser suspensa na sua execução.»
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DO INVOCADO ERRO DE JULGAMENTO
ANÁLISE CRÍTICA DA PROVA.
É sabido que a exatidão do depoimento não depende apenas das qualidades morais do declarante ou da testemunha, implica diversos fatores, relacionados com a mentalidade, com o objectivo da sua declaração e com as condições em que são prestadas as declarações ou o testemunho ([63]).
Os processos psicológicos básicos são fundamentais em Tribunal pois, qualquer perceção é uma análise parcial da situação, de que acentua um aspeto em detrimento de outros. A atenção é fundamental no momento da perceção, pois a perceção só será corretamente arrecadada na memória se a atenção estiver focada no acontecimento.
Na reprodução mnemónica de um acontecimento, repete-se não só a sensação da realidade já percecionada, mas também a própria reação percetiva àquela realidade. Há portanto um certo coeficiente pessoal na perceção e na evocação mnemónica, que torna, necessariamente, incompleta a recordação” ([64]). Todos estes aspetos influenciam o sujeito no momento do depoimento.
As motivações ajurídicas do julgador nascem da intersubjetividade, inerente a cada depoimento, originando a decisão judicial que é uma combinação entre motivações jurídicas e ajurídicas, em que a objetividade e normatividade adjacentes a esta pretende ser ilusória, numa perspetiva de que o normativo não significa mais do que as próprias construções sociais do julgador-sentenciador ([65]).
A Psicologia das Motivações Ajurídicas do Sentenciar propugna que o julgador, como Ser humano que é, é falível como qualquer outro, é obrigado a escolher entre o parecer de um declarante ou de uma testemunha em detrimento de outro ou outra, que por norma são contraditórios. Faz uma seleção do que é mais credível do seu ponto de vista, com base em critérios subjetivos que envolve as suas representações da realidade envolvendo a sua própria personalidade.
Não faz sentido falar apenas de comunicação verbal, a comunicação não-verbal por vezes transmite mais informação do que a verbal. É relevante neste campo ter presente e analisar os não ditos, interditos e entreditos, ou seja, o intradiscurso.
Os gestos são essenciais para a compreensão discursiva, credibilizam ou não o depoimento.
Gross ([66]) constatou que os depoimentos das testemunhas não estão de acordo com a sua íntima convicção e que os gestos acompanham, por vezes o pensamento subconsciente e não as palavras pronunciadas. Por sua vez “A linguagem pode não só ser explicada pelos sentimentos e operações da mente, que são os seus antecedentes, como também pelos objetivos do seu uso.” ([67])  
Cabe ao juiz emitir um juízo sobre a realidade.
Ora, a realidade introduz lentamente as suas raízes nas partes mais íntimas do Eu, dependentes da constituição individual do sujeito, da sua força de vontade, da sua atenção, das suas opiniões e mais ainda, das condições subjetivas que o determinam.
Para os juízes do início do século XX era mais importante saber previamente que autoridade detinha o indivíduo do que avaliar o valor das afirmações do mesmo. Visto que o valor de um depoimento era determinado com base nas qualidades morais e na sinceridade do depoente ([68]).
Podemos dizer com Mira y Lopes que o testemunho de uma pessoa deriva de cinco fatores. (i) a capacidade de observação depende da forma como os factos são interpretados; (ii) o modo como se memorizam esses factos é puramente neurofisiológico, influenciado pelo funcionamento mnésico; (iii) a capacidade de evocação; (iv) a forma de expressar o que presenciou depende da sinceridade do sujeito; e por último, (v) a capacidade expressiva, para que os factos sejam apresentados de forma clara e objetiva ([69]).
É sabido que a acção humana não resulta de um produto de fatores, internos ou externos, coordenados por sistemas de causalidade linear. Pelo contrário o indivíduo não é um sujeito passivo, mas sim ativo, interpretador e atuante, com um ponto de vista específico que altera o modo como vê e age sobre a realidade, é produto e produtor de significados e de ações que, com base neles, progride ([70]).
É também consabido que o depoimento de uma testemunha pode ser influenciado por diversos fatores, como os rumores, as crenças, a ansiedade, fatores percetivos, mnemónicos e cognitivos.
O estudo dos testemunhos mostra que as pessoas que os pronunciam não são completamente exatas e que a taxa de erro cresce com o tempo. No entanto, também existem discrepâncias entre o discurso ordenado e coeso que a testemunha narra e o que decorre dos interrogatórios, devendo-se ter em conta que a forma como se coloca as questões na fase de interrogatório pode originar respostas distintas por indução de pressupostos erróneos ou conduzindo a erros de avaliação e a falsos reconhecimentos.
Dentro do Direito penal adjetivo a testemunha é uma pessoa dotada de capacidades de perceção e de reconhecimento de tal perceção. As testemunhas podem ser sinceras (verdadeira ou errada) ou falsas. É falsa, a testemunha que falta à verdade, porque omite, distorce ou modifica na sua narração uma ou mais partes dos factos que tem conhecimento. É verdadeira, a testemunha que relata fielmente os factos, tal como aconteceram. A testemunha errada, mas franca, narra os factos de acordo com o que acredita que tenha sucedido, com base no registo que tem na sua memória ([71]).
A capacidade para se ser testemunha requer três habilidades psicológicas básicas: (i) percecionar o facto; (ii) memorizar e (iii) recuperar de modo a transmitir a informação fielmente.
Contudo, é sabido que um testemunho erróneo não provém sempre da vontade própria de quem o emite, mas sim de diversos fatores (endógenos ou exógenos), que podem distorcer a realidade sem que se aperceba de tal situação.
O testemunho pode tornar-se incorreto por conter erros de memória ou défices na perceção dos factos.
O tipo de testemunha (v.g. criança, adulto ou idoso) influi sobre a forma como se perceciona o acontecimento, assim como a interpretação que lhe confere; a ativação fisiológica, elevados níveis de ansiedade e adrenalina podem promulgar uma deficiente assimilação da informação; as características percetivas (audição e visão) são determinantes para uma perceção eficaz do acontecimento.
Cabe ao juiz interpretar as provas, sejam elas testemunhais, documentais ou periciais. O juiz não avalia a realidade dos factos, mas sim a interpretação que faz das provas.
Ora, tal interpretação é levada a efeito com base na realidade própria do juiz, no seu Eu, que depende da constituição individual de cada sujeito, da sua força de vontade, da sua atenção, opiniões e condições subjetivas que o determinam não esquecendo da objetividade atribuída aos factos que lhe são transmitidos.
As provas num sentido lato são tidas como o meio pelo qual a inteligência chega à descoberta da verdade, ou num sentido jurídico, como a “demonstração da verdade dos factos alegados em juízo”.
A fixação dos factos pelo juiz não é realizada com base na observação direta, mas antes com base na observação realizada e transmitida oralmente por outras pessoas (v.g., ofendidos/demandantes, testemunhas, etc.) ou através da análise de documentos que apenas contêm narrações.
Ao juiz não é unicamente colocada a questão relacionada com os limites dos seus sentidos e da sua capacidade intelectual, mas também a questão relacionada com a avaliação das observações que lhe são transmitidas.
Ora, tendo em conta que essas observações são narrações, o juiz, mais do que sobre factos, pronuncia-se sobre narrações – palavras, não sobre coisas.
Por sua vez, estando perante narrativas, cabe ao juiz proceder à sua captação e descodificação, recorrendo a análises de conteúdo, incidindo sobre a realidade da declaração, com base num trabalho organizado, procura atribuir-lhes sentido, quer seja a partir do discurso visível, quer do invisível, ou intradiscurso, alcançando porém os tempos da compreensão e da explicação.
Na verdade, se bem vemos, o testemunho é uma descrição que se pretende objetiva para que se atinja a verdade, é a reconstrução de uma vivência, que é facilmente influenciada pelas emoções (próprias e dos outros), em suma, acaba por ser uma apresentação de “uma das verdades possíveis”.
Face a cada depoimento, o juiz mantém uma atitude cautelosa em relação ao que lhe está a ser narrado, procurando captar o intradiscurso de modo a relacioná-lo com o discurso, tendo como finalidade aceder à verdade dos factos. Durante os depoimentos o juiz é exposto a uma diversidade de estímulos que irão formar a sua convicção, à volta desses estímulos encontra-se sempre o antagonismo entre o falso e o verdadeiro testemunho. A interpretação realizada aos estímulos emitidos diverge de juiz para juiz, assim como de situação para situação e de arguida para arguida.
Ora, qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras ([72]).
Para perceber se a declarante e a testemunha diz ou não a verdade, necessário se torna ter em conta três tipos de informação: (i) a informação condicional, onde se encontram as características pessoais, isto é, os elementos armazenados na memória da testemunha e as condições em que foi percecionado o acontecimento; (ii) a informação sobre o grau de acordo intrasubjetivo nos diferentes momentos das suas declarações e, ainda o intersubjetivo do discurso, que diz respeito à congruência do testemunho de várias testemunhas; e (iii) a informação sobre as diversas formas de resposta utilizadas pela testemunha, ou seja, as demonstrações da própria testemunha sobre o grau de segurança do seu testemunho e as formas de comunicação não-verbal, como o olhar, o tom de voz e os gestos podem ou não transmitir segurança no que se está a dizer.
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Em Portugal os depoimentos na sua maioria são gravados em áudio, como aconteceu no caso em apreço, continua-se assim a perder informação relevante que é a transmitida pelos comportamentos não-verbais.
A probabilidade de ocorrência de indícios de mentira é maior quando os três processos que habitualmente desencadeiam respostas verbais e comportamentais de mentira (emoção, complexidade cognitiva e tentativa de controlo do comportamento) se tornam mais evidentes.
A credibilidade atribuída aos depoentes fundamenta-se na mensagem transmitida através da linguagem utilizada em Tribunal; é com base na observação testemunhal que o juiz considera o declarante ou depoente credível ou não credível; a deteção da mentira é uma tarefa custosa, sendo certo que a grande maioria das crenças relacionadas com os gestos que revelam falsidade em pleno século XXI não parecem fazer qualquer sentido ([73]).
A convicção do juiz forma-se através das discursividades, ou seja, através de verbalizações de racionalidades, representações, convicções e crenças do sujeito que depõe. Esta discursividade reúne as construções dos acontecimentos e dos acontecidos, refletindo também os não ditos, interditos e entreditos ([74]).
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A esta luz vejamos criticamente a prova para os autos carreada e produzida e examinada em audiência.
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Impugnando a matéria de facto prova e não provada plasmada na decisão recorrida, acima transcrita, aduz o arguido/recorrente que o Tribunal a quo terá andado mal nos que tange os pontos “5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 29, 30, 21, 32, 33, 34 a parte “Esta por sua vez entregou-a ao queixoso (...)”, 36, 38, 39, 40, 41 a parte (...) para [pagamento] do valor por este entregue para a alegada aquisição de um produto financeiro da Companhia de seguros “...”, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 50, 61, 62, 63, 64, 65, 66 a parte “Após a assinatura de tal proposta (...)”, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 97, 99, 100, 101, 102, 103, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128 a parte “Após assinar o referido documento (...)”, 129, 130, 131, 133, 134, 135, 136, 139 a parte “Em consequência do acima referido (...)”, 140 a parte “Em consequência do acima referido (...)”, 141, 142, 144 a parte “Em consequência do acima referido (...)”, 145, 147 a parte “Em consequência do acima referido (...)” e 148.») que, a seu ver,  deveriam ter sido dados como não provados (cf. Cls. 4.ª).
As arguidas/recorrente arvorando-se em julgadoras concluem que a aludida matéria de facto da decisão impugnada deve ser modificada em função da interpretação que a sua pessoa leva a efeito da enunciada prova que indica.
Da simples leitura integral da motivação recursória apresentada pelas arguidas / recorrentes, facilmente se enxerga que as mesmas almejam impugnar o processo de formação da convicção do Tribunal a quo que levou à fixação da matéria de facto dada como provada, os aludidos pontos de factos, isto pese embora patenteie conhecimento do conteúdo, sentido e amplitude do princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art. 127.º do Código de Processo Penal, que se mostra insindicável em sede de reexame da matéria de direito.
Na realidade, as arguidas / recorrentes almejam impor a sua leitura e apreciação da prova que selecionam — designadamente, a interpretação que fazem das declarações dos demandantes, consideram “parte interessa” e depoimento prestados e que se mostram apontados na motivação da fundamentação de facto — e, desse modo, alterar a convicção dos julgadores e a razão de ser destes terem decidido a matéria de facto do modo como o fizeram, olvidando que tais declarações e depoimentos têm de ser conjugados entre si e valorados globalmente com a prova documental para os autos carreada e produzida.
Por sua vez, as arguidas / recorrentes não enunciam de modo preciso (cf. fls. 2853-2854 dos autos), porquanto não global, o teor das passagens que no seu entendimento determinariam uma valoração diferente da prova, limitando-se a indicar as passagens que, no seu entender, não foram corretamente valoradas pelo Tribunal, para depois, darem a sua própria interpretação da prova.
Em suma o que as arguidas / recorrentes pretendem é impor a sua própria interpretação da prova.
Contudo, com o devido respeito por opinião em contrário, os pontos invocado pelas arguidas / recorrentes constituem somente questão de minúcia que não põe em crise a consistência, coerência, objetividade e espontaneidade da globalidade do depoimento das declarações dos ofendidos/demandantes Conceição, Maria da Conceição..., Jorge..., Humberto, José António, Carmelita..., Carlos..., Maria..., Marisol, Carlos Miguel, Ana Maria e Manuel, pelas testemunhas Ricardo, Maria Sousa, Dina e..., declarações estas que mereceram — e a nosso ver bem — toda a credibilidade no texto da valoração global de toda a prova produzida.
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Em ordem a melhor compreender a bondade da decisão destes recursos em matéria de facto, vejamos como se apresenta a globalidade da prova procedendo à sua análise crítica.

PROVA DOCUMENTAL:
—Documentos de fls. 1422-1427 dos autos (certidões de nascimento das arguidas);
—Documentos de fls. 330 a 332 dos autos, facultados pela “..., Companhia de Seguros, S.A.” (entretanto denominada de “... Companhia de Seguros, S.A.”), dos quais consta que, em consequência de contratos celebrados em 02-jul.-2007, a arguida/recorrente Orlanda era “mediadora de seguros”, do ramo vida e não vida, sem capacidade de cobrança e em regime de exclusividade para os ramos contratados (cf. contrato a fls. 2652-2645 dos autos), sendo que a arguida / recorrente Maria era “agente de seguros” com exclusividade e com poderes de cobrança (retirados em 29-jul.-2008), do ramo não vida (cf. contrato junto a fls. 2655-2659 dos autos);
—Documentos de fls. 2644 a 2659 dos autos (anteriormente estas arguidas já estavam contratualmente ligadas àquela companhia de seguros (onde consta que, em 07-mar.-2003, a arguida, ora recorrente, Orlanda celebrou com a “Companhia de seguros ..., Companhia de Seguros, S.A.” um contrato denominado de “mediação de seguros de agente provisório exclusivo”, mediante o qual passou a prestar serviço para a referida companhia de seguro, na qualidade de agente exclusivo, no âmbito dos ramos vida e não vida, contrato com a duração inicial de 8 anos, em regime de exclusividade. Emerge ainda desses documentos que, em 07-dez.-2004, a arguida, ora recorrente Maria do Carmo  também celebrou com a “Companhia de seguros ..., Companhia de Seguros, S.A.” um contrato denominado de “mediação de seguros de agente provisório exclusivo”, mediante o qual passou a prestar serviço para a referida companhia de seguro, na qualidade de agente exclusivo, no âmbito dos ramos vida e não vida, contrato com a duração inicial de 8 anos, em regime de exclusividade;
Daqui desponta que a arguida/recorrente Orlanda, desde 07-mar.-2003 e a arguida/recorrente, Maria do Carmo , desde 07-dez.-2004, eram mediadoras de seguros exclusivas da “...”, dos ramos vida e não vida, situação que só foi alterada em jul.-2007, com a celebração de novos contratos de mediação de seguro, constantes de fls. 2652-2546 e 2655-2659 dos autos.
—Documentos de fls. fls. 2596 a 2601, 2607, 2608 e 2693 a 2699 dos autos (contratos de seguro);
—Documentos de fls. 262 a 268 autos (registos bancários);
—Documentos de fls. 269 dos autos (comprovativo de subscrição);
—Documentos de fls. 24 e 285 a 288 (registos bancários);
—Documentos de fls. 18, 19, 20, 22, 23, 24 dos autos (cópias das propostas de contratos);
—Documento de fls. 25 (declaração);
—Documentos de fls. 58 dos autos;
—Documentos de fls. 257, 258 e 2371 a 2373 dos autos;
—Documento de fls. 329 dos autos (informação);  
—Documentos de fls. 100-104 dos autos (cheques);
—Documentos de fls. 313-318 (extrato de conta);
—Documento de fls. 117 dos autos (cópia do cheque);
—Documentos de fls. 319 a 321 (extrato de conta);
—Documentos de fls. 211, 213, 218 a 222, 223 a 226, 227; 185, 186 dos autos;
—Documento de fls. 1122 dos autos (cheque);
—Documentos de fls. fls. 1124 e 1134 dos autos;
—Documento fls. 209 a 271 dos autos (extrato de conta)
—Documento de fls. 272 dos autos;
—Documento de fls. 198-199 dos autos;
—Documento de fls. 188-189 (cópia do cheque)
—Documento de fls. 228 (cartas timbradas da ...);
— Documento de fls. 326-329 (informação da ... Companhia de Seguros, S.A. a fls. a 329 dos autos;
—Documento de fls. 178-179 dos autos;
—Documentos de fls. 615 a 617 e 1216;
—Documentos de fls. 621-626;
—Documentos de fls. 326-329 (a declaração da “..., Companhia de Seguros, S.A.”, abonando que nenhum dos valores entregues pelos ofendidos, nem as propostas dos produtos por si subscritos deram entrada nos serviços daquela Seguradora, conforme também asseveraram as testemunhas Ricardo e Pedro, à exceção das situações acima referidas);
—Documentos de fls. 2683 a 2689 e 2693 a 2699 dos autos (declaração da “..., Companhia de Seguros, S.A.”, da qual advém que a arguida/recorrente Orlanda foi mediadora de produtos de todos os demandantes civis relativamente a produtos da “..., Companhia de Seguros, S.A.”; e a arguida Maria do Carmo foi mediadora de produtos dos demandantes civis Maria Ilda e Humberto relativamente a produtos da “..., Companhia de Seguros, S.A.”);
—Documentos de fls. 2358 a 2359 (certificados do registo criminal).
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PROVA POR DECLARAÇÕES.
— Declarações dos Ofendidos/Demandantes civis
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PROVA TESTEMUNHAL.
De que destacamos:
—Jorge (ex-chefe de serviço de responsabilidade civil, da demandada “... – Companhia de Seguros, S.A.”);
—Ricardo (técnico comercial e gestor de rede comercial da demandada “... – Companhia de Seguros, S.A.”);
—Pedro, (diretor regional);
—Oriana;
—Maria Sousa;
—Dina;
— ... (cujo depoimento foi prestado em declarações para memória futura);
—José...; e
—Ana .
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Flui da globalidade dos depoimentos destes testemunhas e da prova documental para estes autos carreada e acima referida que, até jul.-2007, qualquer das arguidas/recorrente podia apresentar propostas de ambos os ramos (Vida e Não Vida), sendo que as propostas do ramo Vida teriam de ser acompanhadas pelo respetivo valor, porquanto as propostas dos produtos do ramo vida têm de ser acompanhadas do respetivo valor de investimento. Deste modo, só a partir de 2007 é que houve uma distinção entre os ramos de seguros das arguidas/recorrente, uma vez que até aí podiam atuar quer no ramo Vida, quer no ramo Não Vida, sendo que, naquele ramo, as propostas têm de ser acompanhadas dos valores para subscrição do produto.
A testemunha Ricardo, asseverou que mesmo sem poderes de cobrança e sem poderes de apresentar propostas num ou noutro ramo, a “mediadora” poderia apresentar propostas de um ramo para o qual não estivesse autorizada, com o respetivo dinheiro, cabendo à seguradora aceitar ou não contratar, embora essa mediadora não recebesse a respetiva comissão.
Todas as acima aludidas testemunhas asseveraram que os produtos da seguradora são trabalhados pelos mediadores que após apresentam as respetivas propostas à seguradora, acompanhadas sempre do dinheiro da subscrição, para depois serem analisadas pela seguradora, que assim, caso aceite, emite a respetiva apólice.
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As declarações dos ofendidos / demandantes civis e os depoimentos de todas as testemunhas arroladas pela acusação e dos pedidos de indemnização civil que, revelaram conhecimento da matéria de facto a que depuseram, responderam com isenção e de forma convincente, considerando o Tribunal a quo que todos «depuseram de forma quase homogénea, mas essencialmente e sobretudo de forma genuína, desprendida e isenta, apontaram para a elaboração de um esquema por parte das arguidas que, atuando junto de pessoas das suas relações de amizade ou de família, e sob a veste de mediadoras ou colaboradoras da “...” (como era conhecida pelas pessoas a companhia de seguros atualmente denominada de ... Companhia de Seguros, S.A.), ludibriavam as vítimas, propondo-lhes produtos daquela seguradora com retorno monetário elevado ou pelo menos acima do praticado pelos bancos e outras seguradoras.»
Escutada por este Tribunal a globalidade da prova objeto de gravação, nada impõe que o Tribunal lhe retire a credibilidade que o Tribunal a quo lhe conferiu.
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Flui ainda da globalidade de todas as declarações e depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, que todos apontam para que as arguidas/recorrentes tinham a confiança das vítimas enquanto mediadoras /agente de seguros da “...”, situação que era do conhecimento da população de Machico, mantinham com essas pessoas / vítimas ou com pessoas próximas destas uma relação de confiança (uma vez que já lhes tinham mediado a celebração de outros contratos de seguro, conforme consta de fls. 2596 a 2601, 2607, 2608 e 2693 a 2699 dos autos) e de quase amizade / familiaridade, confiança essa que era fortalecida pela utilização pelas arguidas/recorrentes de impressos da companhia de seguros, o que inculcava uma imagem global de seriedade e realidade à situação.
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Da globalidade da prova produzida e examinada em sede de audiência de discussão e julgamento emerge que as arguidas/recorrentes atuaram continuamente em conjunto, uma vez, apresentando as duas as propostas, outras vezes apresentando individualmente as propostas, mas entregando os papéis uma ou outra ou recebendo o dinheiro ou reforço do investimento uma ou outra.
Daí existir in casu o acordo e a colaboração entre ambas arguidas/recorrentes e, consequentemente, o conhecimento da situação por ambas.
***

OFENDIDA CONCEIÇÃO
Emerge no que aqui releva em relação ao objeto dos recursos, da globalidade das suas declarações o seguinte:
—Assevera a existência de relação de amizade e de confiança que a aproximava das arguidas/recorrentes;
—Concretiza o valor que lhes entregou em partes separadas, para subscrever vários produtos financeiros da “...”, sempre a troco de remunerações acima das correntemente praticadas por Bancos e outras Seguradoras.
A sinceridade revelada nas suas declarações está bem retratada quando narrou de forma convincente que a quantia de €2.000,00 que entregou à arguida/recorrente Maria do Carmo foi um “empréstimo que lhe concedeu”, estando este valor subtraído aos contratos que suponha ter celebrado.
As suas declarações devidamente pesadas e encadeadas com os registos bancários a fls. 262 a 268 dos autos, (comprovativos de levantamentos efetuados pela ofendida Conceição), abonam as suas declarações, uma vez que correspondem a levantamentos de valores que tinha aplicado em instituições bancárias, mas que utilizou para “investir” na Companhia de seguros por intermédio das arguidas/recorrentes, levantamentos próximos das datas de subscrição dos produtos em causa.
Assim, de harmonia com as declarações da ofendida Conceição, que o Tribunal a quo «reput[ou] de sérias», nada apurado este Tribunal em contrário em ordem a lhe retirar o crédito concedido pelo Tribunal de 1.ª instância, sendo certo que a prova indicada pela arguidas/recorrentes [v.g. depoimento das testemunhas Oliveira , Marisol,  Ricardo e Pedro Jorge  (cf. fls. 2853-2864 dos autos)], não impõe entendimento diverso; A verdade, é que, quanto a esta demandante ficou patenteado com o comprovativo de uma das subscrições, a que consta de fls. 269 dos autos, uma aplicação no valor de €8.000,00 euros, dado que entregou os restantes comprovativos às arguidas / recorrentes que, em vésperas de fugirem da Região Autónoma da Madeira, a haviam contactado para que lhes entregasse esses documentos com a promessa de que seria trocado por um único documento, mas comprovativo de todas as entregas, o que não veio a acontecer, já que, como facilmente se enxerga, decorrido estes anos, as arguidas / recorrentes almejavam tão -somente subtrair à esta ofendida os únicos papéis que pensavam que as podiam incriminar.
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OFENDIDOS MARIA DA CONCEIÇÃO... E JORGE...
Da globalidade das suas declarações, do depoimento da testemunha Maria Sousa e dos documentos para os autos carreados, desponta, no que aqui interessa, em relação ao objeto dos presentes recursos, o seguinte:
—Uma relação de amizade e de confiança que os ligava à pessoa das arguidas / recorrentes, Maria ... tinha sido empregada a dias daquelas, bem como o valor que lhes entregaram em diversas parcelas, para subscreverem vários produtos financeiros da companhia de seguros em causa, a troco de remunerações acima das habitualmente praticadas por Bancos e outras Seguradoras;
—A ofendida Maria da Conceição... asseverou a devolução de €2.000,00 por parte de uma das arguidas/recorrentes;
—Corroboram as declarações destes ofendidos: os registos bancários de fls. 24 e 285-288 dos autos, comprovativos de levantamentos efetuados pela aludida ofendida, bem como pelas cópias das propostas de contratos que subscreveram com as arguidas, a fls. 18, 19, 20, 22, 23, 24 dos autos;
—Confirmam-se as declarações dos referidos ofendidos, pois correspondem a levantamentos de valores que tinham aplicado em instituições bancárias, mas que utilizaram para “investir” na Companhia de Seguros por intermédio das arguidas / recorrentes, levantamentos próximos das datas de subscrição dos produtos em causa;
—A declaração junta a fls. 25 dos autos, forjada pelas arguidas/recorrentes, entregues por estas aos ofendidos, para fazerem crer a estes que a própria Companhia de Seguros reconhecia a entrega durante o ano de 2006 de valores que lhes entregaram para subscrição de produtos, declaração;
—Tal declaração foi posta em crise quanto à sua autenticidade pela testemunha Ricardo , a quem é atribuída a assinatura que nela aparece;
Por último, flui da globalidade do depoimento da testemunha Maria Sousa, que é pessoa das relações dos aludidos Maria da Conceição... e Jorge ..., que narrou o estado de desorientação, desânimo e desespero em que aqueles ficaram em especial o ofendido Jorge ..., com a situação em causa, já que os valores entregues eram, como acontece com a maioria das situações, o aforro de uma vida.
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OFENDIDO HUMBERTO
Com relevo para apreciação do objeto dos presentes recursos, emerge da globalidade das suas declarações, do depoimento da testemunha Dina  e dos documentos de fls. 58, 257, 258 e 2371 a 2373 dos autos:
—Que foi a testemunha Dina  a pessoa através da qual Humberto  conheceu a arguida Maria do Carmo, que confirmou que, igualmente tinha subscrito um produto financeiro com esta, o aludido ofendido subscreveu igualmente junto da referida arguida / recorrente um produto financeiro, mediante o “depósito” de €5.000,00 euros, a que corresponde a cópia de fls. 58 dos autos.
Do teor dos documentos de fls. 257, 258 e 2371-2373 dos autos, emerge que o cheque passado pelo referido ofendido para efetuar a entrega daquele valor foi levantado pela própria arguida.
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OFENDIDO JOSÉ ANTÓNIO
Com relevo para apreciação do objeto dos presentes recursos, desponta da globalidade das suas declarações, dos documentos de fls. 100 a 104, 313-318 e 329 dos autos:  
—Que José António confirmou ter subscrito com a arguida/recorrente Orlanda, pessoa das suas relações de amizade, um produto financeiro da Companhia de Seguros, no valor inicial de €2.500,00 euros, produto cuja proposta deu entrada nessa companhia de seguros e foi por esta validado, como consta da informação de fls. 329 dos autos.
—Que os restantes valores foram entregues por si todos por cheque à arguida / recorrente Orlanda, à exceção do último, mas nunca deram entrada na referida Seguradora, sendo certo que tais entregas eram feitas sempre com a aspiração de servirem para reforçar a conta inicial.
Estas declarações devidamente pesadas e ligadas com as cópias dos cheques a fls. 100 a 104 dos autos, onde se vê no respetivo verso a assinatura de uma ou das duas arguidas/recorrentes, patenteia o seu levantamento por elas; por sua vez, o extrato de conta de José António , constante de fls. 313 a 318 dos autos, atestam os levantamentos em cheque efetuados, na sequência dos alegados reforços de conta.
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OFENDIDA CARMELITA...
Com relevo para apreciação do objeto dos presentes recursos, emerge da globalidade das suas declarações e dos documentos de fls. 117, 319-321 dos autos:
—Que abona que fruto da confiança que já depositava nas arguidas/recorrentes, pelo facto de estas lhe tratarem dos seguros dos seus veículos, acedeu aderir a uns produtos financeiros da Companhia de Seguros ...;
—Que o fez convencida de que iria obter uma rentabilidade de 5 a 8% de juros, tendo entregado às arguidas/recorrentes, de modo faseado, a quantia total de €11.500,00 euros.
—Asseverou que para obter dinheiro para entregar às arguidas utilizou dinheiro relativo a uma indemnização proveniente de uma expropriação de um prédio de família, tendo para o efeito solicitado o adiantamento da sua parte à testemunha ..., 
—Esta testemunha confirmou tal situação, o que também é ancorado na cópia do cheque a fls. 117 dos autos e pelo extrato de conta do marido de Carmelita ... a fls. 319-321 dos autos.
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OFENDIDOS CARLOS ..., MARIA ..., MARISOL E CARLOS MIGUEL
Com interesse para apreciação do objeto dos presentes recursos, brota da globalidade das suas declarações e dos documentos de fls. 211, 213, 218 a 222, 223 a 226, 227; 185, 186 dos autos; o cheque de fls. 1122; fls. 1124 e 1134 dos autos; 209 a 271 e 272 dos autos; extrato de conta de fls. 198 e 199, a cópia do cheque emitido pela Marisol, a fls. 188 e 189; cartas timbradas da ... onde eram referidos os investimentos feitos, conforme consta de fls. 228; e informação da ... Companhia de Seguros, S.A. a fls. 326 a 329 dos autos, e do depoimento da testemunha José ...:
—Que os ofendidos Carlos ..., Maria ..., Marisol e Carlos Miguel, asseveram que, fruto da amizade que mantinham com as arguidas / recorrentes, e sabendo que eram intermediárias da companhia de seguros ..., confiaram nas propostas por estas apresentadas, para rentabilização das suas economias;
—Que entregaram às arguidas / recorrentes os valores em causa em diversas parcelas, assinando, em alguns casos documentos da Seguradora que sustentavam tais operações, conforme consta de fls. 211, 213, 218 a 222, 223 a 226, 227 dos autos em relação ao Carlos ..., de fls. 203 dos autos em relação à arguida Maria ..., de fls. 185, 186 dos autos em relação à Marisol.
Para além destas declarações e documentos, relevam os seguintes documentos:
—O cheque de fls. 1122 dos autos, no valor de €25.000, 00 euros, entregue pelo ofendido Carlos à pessoa da arguida/recorrente Orlanda e que foi depositado na conta do marido desta, conforme consta de fls. 1124 e 1134 dos autos;
—O extrato de conta do ofendido Carlos a fls. 209 a 271 dos autos, que demonstra o levantamento da quantia de €10.000,00 euros;
—O extrato de conta da ofendida Maria ..., a fls. 272 dos autos, que também patenteia o levantamento por esta da quantia de €8.000,00 euros;
—O extrato de conta da ofendida Marisol, a fls. 198 e 199 dos autos, que demonstra o levantamento da quantia de €9.750,00 euros;
—A cópia do cheque emitido pela Marisol, a fls. 188 e 189 dos autos, que demonstra que o respetivo valor, €3.000,00 euros, foi levantado pela arguida Orlanda.
Cabe aqui pesar devidamente que, as arguidas/recorrentes mantinham com os ofendidos Carlos ..., Maria ..., Marisol e Carlos Miguel na crença da veracidade dos seus investimentos, não só porque lhes entregavam os documentos supostamente comprovativos dos investimentos realizados, como também lhes entregavam cartas timbradas da ... onde eram referidos os investimentos feitos, conforme consta de fls. 228 dos autos, entregue ao ofendido Carlos ....
Por sua vez, quanto à desadequação temporária dos produtos apresentados, cabe aqui ter presente a informação da “... Companhia de Seguros, S.A.” a fls. 326 a 329 dos autos.
Por último, da globalidade do depoimento da testemunha José ... (filho dos ofendidos Carlos e Maria ...), flui a situação de desespero, perturbação e inquietação em que estes ficaram quando tomaram consciência de que tinham sido enganados pelas arguidas / recorrentes.
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OFENDIDA ANA MARIA
Com relevo para apreciação do objeto dos presentes recursos, emerge da globalidade das suas declarações e dos documentos de fls. 178-179 dos autos e da globalidade do depoimento da testemunha Ana :
—Que as declarações de Ana Maria, se mostram corroboradas pela globalidade do depoimento da testemunha Ana , que confirmaram que a aludida ofendida Ana Sardinha também convencida de que estava a fazer um investimento da companhia de seguros “... ...”, a pedido da arguida/recorrente Maria do Carmo, que conhecia como mediadora, entregou-lhe a quantia de €10.000,00 euros;
—Que tal quantia havia sido levantada do Banco, como demonstra a informação de fls. 179 dos autos, tendo-lhe a arguida Maria do Carmo feito entrega do documento de fls. 178 dos autos;
—Que para tornar credível a situação, a arguida/recorrente Maria do Carmo entregou de imediato à ofendida Ana Sardinha o valor de €1.000,00 euros como prémio pela subscrição de aludido produto.
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OFENDIDO MANUEL
Com relevo para apreciação do objeto dos presentes recursos, emerge da globalidade das suas declarações e dos documentos de fls. 615-617 e 1216 dos autos:
—Que Manuel asseverou que a arguida / recorrente Orlanda, que conhecia por trabalhar com seguros, lhe propôs ser sua mediadora, tratando-lhe também dos investimentos que já possuía junto da ... ...;
—Que a arguida / recorrente Orlanda a aconselhou a levantar uns PPR que detinha, o que fez;
—Que só posteriormente se apercebeu que a arguida / recorrente Orlanda a tinha enganado com a subscrição de um produto, cuja entrega de dinheiro foi feita com parte da remuneração que tinha de receber dos referidos PPR´s e que aquela não lhe entregou, no valor de €6.255,25 euros, titulado por cheque que aquela recebeu, conforme consta de fls. 615 a 617 e 1216 dos autos.
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Ora, conforme emerge da motivação da decisão impugnada no essencial acima transcrita, o Tribunal a quo ancorou a sua convicção na análise crítica e conjugada das declarações dos demandantes, das testemunhas e da prova documental que discriminadamente aponta.
Escutadas por este Tribunal, na íntegra, a globalidade das declarações dos demandantes e testemunhas e pesadas devidamente, com o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se-nos que a materialidade fática dada como assente pelo Tribunal de 1.ª instância, maxime a dos pontos «5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 29, 30, 21, 32, 33, 34 a parte “Esta por sua vez entregou-a ao queixoso (...)”, 36, 38, 39, 40, 41 a parte (...) para [pagamento] do valor por este entregue para a alegada aquisição de um produto financeiro da Companhia de seguros “...”, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 50, 61, 62, 63, 64, 65, 66 a parte “Após a assinatura de tal proposta (...)”, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 97, 99, 100, 101, 102, 103, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128 a parte “Após assinar o referido documento (...)”, 129, 130, 131, 133, 134, 135, 136, 139 a parte “Em consequência do acima referido (...)”, 140 a parte “Em consequência do acima referido (...)”, 141, 142, 144 a parte “Em consequência do acima referido (...)”, 145, 147 a parte “Em consequência do acima referido (...)” e 148.» não mercê qualquer censura por este Tribunal, sendo certo que a prova indicada pelas arguidas/recorrentes na sua motivação recursória, pese embora possibilite outro entendimento do seguido pelo Tribunal a quo [cf. depoimentos da testemunhas Oliveira,  Marisol,  Ricardo,  e Pedro Jorge , parcialmente transcritos pelas arguidas recorrentes na sua motivação recursória (cf fls. 2853 – 2864 dos autos)], o certo é que este Tribunal pesada devidamente a globalidade da prova entende, nos termos que acima expostos ficaram, que a prova indicada pelas arguidas/recorrentes não impõe entendimento diverso dos seguido pelo Tribunal a quo, razão pela qual os factos apontados pelas arguidas / recorrentes já acima discriminados, nos pontos e segmentos impugnados não podem e não serão dados como não provados.
Na verdade, quanto a este quid não merece a decisão impugnada qualquer reparo.
Na verdade as arguidas / recorrentes não indicam prova que imponha entendimento diverso do seguido pelo Tribunal a quo nem esta efetivamente foi produzida.
Ora in casu, como flui do que já acima exposto ficou, a fundamentação da decisão impugnada satisfaz os respectivos requisitos legais. Ali se encontrando explicitado e explicado o processo de formação da convicção do Tribunal e o exame crítico das provas que o alicerçou, nomeadamente o raciocínio lógico dedutivo seguido e o porquê, a medida e a extensão da credibilidade que mereceram (ou não mereceram) as declarações e depoimento prestados em audiência de discussão e julgamento e devidamente analisados na mesma audiência. Não encontrando este Tribunal razão para conferir credibilidade a testemunhas que o Tribunal a quo lhe negou.
No caso em apreço, o objeto processual está delimitado pela acusação, são esses factos concretos que o Tribunal tem qua apurar.
Na verdade cabe aqui ter presente que as arguidas/demandas civis por decisão que consubstancia fls. 2791-2792 dos autos, vieram arguir a exceção de litispendência, relativamente aos pedidos deduzidos pelos ofendidos / demandantes civis Marisol, Carlos, Maria e Roberto, alegando que no processo de execução n.º 307/09.1 TCFUN, da 1.ª secção do Tribunal da Vara Mista do Funchal, a Marisol, munida de uma letra, no valor de 120.000,00 euros, aceite pela Maria do Carmo, a qual com os fundamentos constantes de fls. 2791-2792 dos autos foi, decidida do modo seguinte: «não estão verificados os pressupostos de que depende a verificação da exceção dilatória de litispendência elencados nos artigos 580º e 581º, ambos do Cód. de Proc. Civil, e, em consequência, julgo improcedente a exceção invocada».
Ora, para além desta distinção de causas de pedir, importa referir que os pedidos, os sujeitos e os pedidos num e noutro processo são diferentes, quanto aos primeiros temos por um lado um só demandante cível e um só demanda civil e noutra temos todos os demandantes civis e ambas as arguidas e ainda a companhia de seguros, sendo certo que os pedidos em causa não são coincidentes, quer em termos de capital, quer em termos de juros, por isso, mostra-se inoperante a tentativa das arguidas / demandadas lançando mão da prova testemunhal e documental alargar o objeto processual deste autos com enxertos cíveis de outras causas de pedir, não existindo in casu, prova testemunhal ou documental, ancorada em razão com força legal bastante, que imponha que o Tribunal a quo tivesse de ter dado como provados outros factos que as arguidas/recorrentes indicam) (cf. Cls. 3.ª), a saber:
«a)Não foram apreendidos na posse das arguidas os originais dos contratos de seguro;»
«b)Não foram apreendidas na posse das arguidas as quantias que os ofendidos reclamam;»
«c)Foi interposta pela demandante cível e queixosa Marisol, uma acção executiva com base numa livrança no valor de €120.000,00 (cento e vinte mil euros) que corre os seus autos sob o nº 307/09.1TCFUN, pela 1.ª secção das Varas de Competência Mista do Funchal.»
«d)A livrança foi entregue à [ofendida] para garantir as quantias entregues às arguidas pelos ofendidos Carlos, Maria e Marisol;»
«e)Não é possível fazer a correspondência entre as letras e assinaturas constantes das cópias dos contratos de seguro e as letras e assinaturas das arguidas;»
«d)As cópias dos contratos de seguro estão mal preenchidos, têm datas erradas; estão rasurados;»
«e) Era facilmente percetível por uma pessoa média colocada naquela situação que as cópias dos contratos de seguro estavam incorretamente preenchidas;»
«f)As cópias dos contratos de seguro apresentadas em juízo não são do uso exclusivo dos mediadores e agente de seguros;»
«d)Os impressos de contratos de seguro estão disponíveis e são facilmente obtidos junto aos balcões da empresa de seguros a qualquer pessoa que ali se dirija;»
«e)As arguidas nunca tiveram qualquer situação de incumprimento contratual com a ... - Companhia de Seguros, SA, antes da presente situação;»
«f)As arguidas eram bem vistas pela ... - Companhia de Seguros, SA.;»
«g)Não foi efetuada numa revista às arguidas ou busca às suas residências; - tudo conforme depoimentos das testemunhas, que infra se transcreverá, e documentos juntos aos autos a fls. que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.»

Sendo certo que nestes autos as arguidas/recorrentes não contestaram a acusação, nem o pedido de indemnização, nem apresentaram requerimento de prova.
Tudo devidamente pesado também este Tribunal considera que face à globalidade da prova para estes autos carreada e produzida e examinada em sede audiência de discussão e julgamento e devidamente pesada, a mesma não impõe que tenham que ser dados como provados os referidos factos indicados pelas arguidas/recorrentes (cf. Cls. 3.ª), razão pela qual este Tribunal não os considera como provados.
Na verdade, quanto às declarações do demandantes civis, todos acima indicados, não se nos afigura que o interesse tivesse perturbado a conservação da recordação dos factos, nem que os mesmos, por qualquer forma se movam por desejo de vingança, nem que espelhe atitude de hostilidade generalizada contra a pessoa das arguidas/recorrentes proveniente de situações inferiorizantes ou que estes façam dos presentes autos a meta das suas vidas.
Na verdade, como facilmente se enxerga do que acima dito ficou, a globalidade das declarações dos demandantes e do depoimento das testemunhas Jorge ; Ricardo ; Pedro ; Oriana ; Maria Sousa; Dina ; ...; José ...; e Ana , mais uma vez se afirma não impõe entendimento diverso do seguido pelo Tribunal a quo, e afirmamos isto sem prejuízo do que acrescentaremos aquando do tratamento do recurso em matéria de facto interposto pela seguradora/demandada.
Com efeito, este Tribunal face à globalidade da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, que foi devidamente escutada e “pesada”, não tem qualquer espécie de dúvida de que os depoimentos dos aludidos demandantes e testemunhas se mostra em relação conciliável com a verdade histórica, nos precisos termos que acima apontados ficaram, não havendo razão alguma para a operacionalidade do princípio do in dubio pro reo (cf. Cls. 59.º- 73.º, 77.º, 78.º apresentadas pelas arguidas recorrentes)
Na verdade, com o devido respeito por opinião em contrário, não tem agasalho na lei retirar os depoimentos das testemunhas Oliveira, Marisol Ricardo  e Pedro , do contexto global em que foram produzidos, face ao objeto processual delimitado pela acusação (sendo certo que in casu, como acima já referimos, as arguidas/recorrentes nem sequer constaram a acusação contra si deduzida, nem o pedido de indemnização, nem apresentaram requerimento de prova) somente fazendo apelo a parte de um mero suporte documental e a certas fragmentos dos seus depoimentos as quais pesados nos contexto global da prova produzida, no caso em apreço, não impõe que se dêem como provados os aludidos factos apontados pelas arguidas / recorrentes.
Na verdade, in casu, de harmonia com o disposto no já referido art. 127.º do Código de Processo Penal, no exercício da livre apreciação da prova, entendeu o Tribunal de 1.ª instância valorar positivamente, no que aqui releva face ao objeto processual delimitado pela acusação, as declarações dos aludidos demandantes e das testemunhas Jorge ; Ricardo ; Pedro ; Oriana ; Maria Sousa; Dina ; ...; José ...; e Ana  e ao fazê-lo fundamentou suficientemente a sua opção quer quanto às razões de ciência quer da credibilidade que lhe mereceram tais depoimentos (cf. fls. 2806- 2812 dos autos — fls. 19-25 da decisão impugnada), pelo que, como acima dito ficou, nenhum reparo merece, por ora, a fundamentação da sentença impugnada.
Na verdade, como flui do que já acima exposto ficou, a decisão impugnada não se mostra passível de censura por quebra de qualquer dos andamentos para a formação da sua convicção, nomeadamente a inexistência de dados objetivos que se apontam na motivação, ou por violação dos princípios para a aquisição desses dados objetivos ou por não ter existido liberdade de formação da convicção.
In casu, com o devido respeito por opinião em contrário, não pode substituir-se a convicção de quem tem de o poder-dever de julgar pela convicção das arguidas/recorrentes.
De veras, as arguidas / recorrentes não podem olvidar que o que é significativo é a convicção que o Tribunal forme perante a globalidade das provas para os autos carreadas e produzidas em Audiência de Discussão e Julgamento, e não a suas convicções pessoais, nomeadamente, quando numa tentativa inconsequente almejam alargar, sem agasalho na lei, o objeto processual destes autos, fora da sua sede própria, somente chamando à colação a prova que lhes interessa do seu ponto de vista, ignorando, sem razão legal para tal, que a prova deve ser apreciada em globo na sua totalidade, sendo certo que quanto às declarações dos demandantes acima indicados e depoimentos das testemunhas Jorge ; Ricardo ; Pedro ; Oriana ; Maria Sousa; Dina ; ...; José ...; e Ana , demonstrado não ficou qualquer móbil espúrio que pudesse resultar de tendência fantasiosa e fabuladora, pelo contrário, as suas declarações e os seu depoimentos na parte que aqui verdadeiramente releva mostra-se lógicas em si mesmas, e mostram-se rodeado de corroboração periférica de caráter objetivo operantes nos presentes autos, tais como os documentados acima discriminadamente apontados.
Deste modo, a divergência pessoal e subjetiva das arguidas / recorrentes, que olvidam o disposto no art. 127.º do Código de Processo Penal, não tem abrigo na lei, pois as provas que indicam não impõe entendimento diverso do seguido pelo Tribunal a quo.
Na verdade, salvo o devido respeito por opinião em contrário, não assiste razão às arguidas/recorrentes quanto ao invocado erro de julgamento.
Como vimos, o Tribunal formou a sua convicção fazendo uma análise global da prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, apreciando livremente a prova, segundo critério de razoabilidade.
Da motivação da matéria de facto acima transcrita e do que acima já dito ficou facilmente se enxerga que o Tribunal a quo apreciou criticamente as provas produzidas, revelando a decisão impugnada que a fundamentação da matéria de facto segue, no essencial, um processo racional e lógico e que, contrariamente ao apontado pelas arguidas / recorrentes não se mostra passível de censura.
Com efeito, o Tribunal a quo expressou de forma sintética que formou a sua convicção com base nos elementos acima transcritos e apontados discriminadamente na decisão impugnada [cf. fls. 2866-2812 (fls. 19-25)].
Desta exposição pormenorizada feita pelo Tribunal a quo que se mostra plasmada na decisão impugnada, facilmente se vislumbra por uma banda, que apontados ficaram no que tange à matéria de facto os fundamentos da convicção e por outra, que pela natureza das provas produzidas e dos meios intelectuais utilizados e inferidos das regras da experiência comum, permite compreender a racionalidade e a não arbitrariedade da convicção sobre os factos apreciados e os meios de prova que suportam a decisão em causa.
A isto acresce que - ao contrário do que por vezes se afirma, a prova indiciária, circunstancial ou indireta, devidamente valorada, permite fundamentar uma condenação penal ([75]).

O art. 192.º, n.º 2 do Código de Processo Penal Italiano estatui que “a existência de um facto não pode ser deduzida de indícios a menos que estes sejam graves, precisos e concordantes” ([76]).

Segundo Paolo Tonini - , são graves os indícios que são resistentes às objeções e que, portanto, têm uma elevada capacidade de persuasão; são precisos quando não são suscetíveis de diversas interpretações, desde que a circunstância indiciante esteja amplamente provada; são concordantes quando convergem todos para a mesma direção ([77]).
A prova representativa e o indício diferenciam-se não pelo objeto a ser provado, mas pela estrutura do procedimento lógico, sendo certo que in casu para além da prova direta a prova indiciária se revelou útil e necessária enquanto instrumento para alcançar a verdade. Com efeito, as inferências, deduções, induções são exercícios admitidos pela ciência nas investigações e não podem ser menosprezados no âmbito jurídico.
O indício refletido pela prova indiciária traduz circunstância conhecida e provada que, relacionando-se com o facto, autoriza o juiz, por indução, a concluir a existência de outras circunstâncias ou de outros factos.
É a chamada prova indireta, embora não tenha, por causa disso, menor valia.

Como refere Lucchini ([78]) “A eficácia do indício não é menor que a da prova direta, tal como não é inferior a certeza racional à histórica e à física. O indício é somente subordinado à prova, porque não pode subsistir sem uma premissa, que é a circunstância indireta, ou seja uma circunstância provada; e o valor crítico do indício está em relação direta com o valor intrínseco da circunstância indiciante. Quando esteja bem estabelecida, pode o indício adquirir uma importância predominante e decisiva no juízo.”
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É sabido que a prova indiciária ou circunstancial é construída sobre a base de uma inferência lógica, onde determinados factos indiretos que se dão por provados estão relacionados a uma conclusão necessária e inequívoca que credencia algum aspeto do objeto do processo penal.

Assim, embora seja considerado uma prova indireta dos factos centrais a provar num processo penal, nem por isso carece de força probatória que possa sustentar uma condenação é, nesse sentido uma ferramenta essencial para o julgador quando os factos a julgar não possam ser provados por elementos de prova direta ou por provas sustentadas nos conhecimentos técnicos ou científicos. Isso, dentro do esquema dos princípios da livre valoração da prova e da sã crítica que informam o sistema de provas do nosso direito penal adjetivo, que outorgam ao julgador uma ampla margem para a construção de uma teoria que explique a existência do crime e a participação do acusado no mesmo. Contudo, como se sabe esta ampla margem de apreciação da prova não pode ser arbitrária, já que, a Constituição da República Portuguesa impõe ao juiz a obrigação de explicar o raciocínio lógico – fáctico – jurídico (cf. art. 205.º, n.º 1) em que sustenta a decisão final de condenação ou absolvição do acusado, respeitando em todo momento o direito à presunção de inocência e o direito à contraprova que assiste ao acusado.

Como tal, o estabelecimento da responsabilidade penal do acusado através de prova indiciária repercute em três áreas de direitos fundamentais da pessoa sujeita a procedimento penal, o direito à presunção de inocência, o direito ao controle e à produção de prova, e à motivação das decisões judiciais.


A respeito dos indícios, (a) O – facto base – há de estar plenamente provado – pelos diversos meios de prova que autoriza a lei -, pois caso contrário seria uma mera suspeita sem sustento real algum; (b) Devem ser plurais, ou excecionalmente únicos mas de uma singular força de acreditação, (c) Também concomitantes ao facto que se trata de provar – os indícios devem ser periféricos a respeito do dado fáctico a provar, e certamente não são todos; e (d) Devem estar em inter-relação, quando sejam vários, de modo que se reforcem entre si e que não excluam o facto consequência – não só se trata de subministrar indícios, mas que estejam interligados entre si.

Afigura-se-nos que ao julgador cabe especificar o procedimento lógico - formal da construção de provas indiciárias ou circunstanciais, como o raciocínio dedutivo ou inferência, no contexto da teoria da prova.

A prova indiciária traduz-se na reunião e interpretação de uma série de factos e circunstâncias relativos a um facto tipificado na lei como crime que se investiga, para efeito de tentar aceder à verdade histórica por via indireta. Por meio da prova indiciária o que se faz é provar diretamente factos mediatos para deduzir destes aqueles que têm uma significação imediata para o objeto do processo em causa ([79]). 

Nesta mesma linha podemos dizer que a prova indiciária pressupõe três elementos essenciais: a) Uma série de factos – base ou um só “especialmente significativo ou necessário”, que constituirão os indícios em sentido próprio; b) Um processo dedutivo, que pode ser explícito ou implícito (este último, quando o valor significativo dos indícios se impõe por si mesmo); e, c) Uma conclusão ou dedução, em que a virtude de um ou vários factos periféricos permitirão ter por assente um facto central à dinâmica acompanhante, conclusão que há de ser conforme às exigências do discurso lógico.

Ora, nesta ótica indício é todo facto certo e provado com virtualidade para demonstrar outro facto com o que está relacionado. Assim, o indício deve estar plenamente provado. É o facto base da presunção, é um dado fáctico ou elemento que deve ficar demonstrado através dos meios de prova previstos na lei.
A conclusão a que se chega a partir da prova indiciária deve submeter-se a certos requisitos para a sua validade. Assim a afirmação ou conexão entre o facto – base e o facto – consequência deve ajustar-se às regras da lógica e das máximas de experiência. Deve primar a racionalidade e coerência do processo mental assumido em cada caso pelo julgador, sendo de rejeitar portanto a irracionalidade, a arbitrariedade, a incoerência do Julgador, que em todo o caso constitui um limite e topo da admissibilidade da presunção como prova.

Dois dados são imprescindíveis: (i) Racionalidade da indução ou inferência, quer dizer, que não seja somente arbitrária, absurda ou infundada; e, (ii) Que se harmonize plenamente com as regras da lógica e de experiência; todo isso, por forma a afirmar um encadeamento preciso e direto segundo as regras do entendimento humano.

Deste modo, se bem vemos, a eficácia probatória da prova indiciária dependerá da existência de uma conexão precisa e direta entre a afirmação base e a afirmação consequência, de tal forma que a não existir o seu valor probatório seria nulo, não pelo simples facto de concatenação das presunções, mas porque faltaria um dos elementos fundamentais integrantes da sua estrutura. Um último requisito a respeito do indício é que seja periférico a respeito do dado fáctico a provar.

Com efeito, nem todo o facto pode ser relevante. Necessário se torna que seja periférico ou concomitante com dado fáctico a provar. Por isso, esta prova indireta tem sido tradicionalmente chamada de prova circunstancial, pois o próprio sentido semântico [circunstância + -al.], implica que tem relação direta, pertinente ou relevante com algo, sem ser essencial ou intrínseco, e isto supõe onticamente não ser a coisa, mas sim estar relacionado com proximidade dela.

Esta prova indiciária reside, no essencial, na inferência que se extrai de um facto conhecido, para tentar alcançar outro facto que se pretende comprovar. Disso se depreende o seu caráter indireto, já que o resultado se obtém pelo raciocínio, em vez de ser comprovado ou declarado de maneira direta – por escrito ou verbalmente –, tal como acontece a respeito da prova testemunhal ou documental.

Esta prova constitui para os seguidores do direito continental uma prova de segundo grau, em virtude de se apoiar em dados extraídos de outras provas – tais como testemunhos, confissões ou prova pericial – para efeito de obter os diferentes indícios que interessam ao investigador ao julgador ou, dito de outro modo, que das diferentes provas poderá extrair-se grande quantidade de indícios que, somados, levem à revelação do que se pretende.

A prova indiciária, também chamada indireta, circunstancialé aquela que se dirige a demonstrar a certeza de uns factos (indícios) que não são constitutivos do crime objeto da acusação, mas dos que, através da lógica e das regras de experiência, podem inferir-se os factos delitivos e a participação da acusada; que há de motivar-se em função de um nexo causal e coerente entre os factos provados – indícios – e o que se trate de provar – o tipo legal de crime.

Nesta linha de pensamento podemos afirmar que o indício conceptualmente é o que hodiernamente se considera “elemento de prova”, quer dizer, todo dado ou circunstância devidamente comprovada na causa por via de um “meio de prova”. O dado surgirá, assim, dos depoimentos das testemunhas, do conteúdo das declarações dos arguidos acusados, das declarações dos demandantes de um documento, de um relatório pericial, de uma inspeção judicial ou qualquer outro meio. Logo, este dado constitui um elemento probatório do qual o julgador mediante um raciocínio lógico, pode inferir outro facto desconhecido; é a operação mental por meio da qual se toma conhecimento de um facto desconhecido por inferência que sugere o conhecimento de um elemento comprovado. Este elemento comprovado é um “indício”, não um meio de prova em sentido técnico de este último.

Assim, na construção da “prova indiciária” podemos seguir o seguinte procedimento:
(i) Dos “meios de prova” extraem-se os indícios;
(ii)Os indícios comprovados constituem-se em “elementos de prova”, e o primeiro escalão da inferência lógica, quer dizer, que se constituem no facto base comprovado;
(iii)Sobre o facto base comprovado (ou factos base comprovados) realiza-se uma inferência lógica que se sustenta no nexo causal que desemboca nos factos inferidos ou factos consequência. Dentro de este esquema a presunção é a atividade intelectual do julgador que, partindo do indício, afirma um facto distinto, mas relacionado com o primeiro causal ou logicamente.
*

Como acima deixámos expresso necessário se torna a existência de coerência lógica entre os indícios para que os mesmos por fim possam ser considerados prova indiciária.
Não raras vezes se confunde indício com prova indiciária já que, muitas vezes se concebe o termo indício como se se tratasse de uma prova indiciária.
Ora, o indício, é todo traço, vestígio, pegada, circunstância e, em general, todo facto conhecido, ou devidamente comprovado, suscetível de nos levar, por via de inferência, ao conhecimento de outro facto desconhecido. De maneira que o indício, se bem que seja certo constitui fonte de prova, todavia não é meio de prova. Para que isso aconteça, necessário se torna que este seja submetido a um raciocínio inferencial, que permita chegar a uma conclusão e que ela traga conhecimento sobre o objeto da prova. Apenas nesta situação podemos falar de prova indiciária.
Indício e prova indiciária não são idênticos.
Assim, há que evitar a persuasão errónea de que a prova indiciária é somente uma suspeita de caráter meramente subjetivo, intuitivo, ou de que a prova indiciária se inicia e se esgota no indício.
Na verdade, a diferença entre indício e prova indiciária é ineludível. Com efeito, prova indiciária é um conceito jurídico-processual composto e, como tal, inclui elementos vários e subconceitos: indicio (dado indiciário), inferência aplicável e conclusão inferida (chamada, ainda por mitos, presunção do juiz ou presunção do homem), que conduzem ao descobrimento fundamentado de aquele que é indicado pelo indício (o conhecimento que se adquire sobre o que tradicionalmente se conhece como facto indicado ou dado indicado).
Por isso, a conclusão obtida do raciocínio correto é pertinente e útil, se se converter em argumento probatório; o indício é apenas o primeiro subconceito o componente do conceito de prova indiciária.

Verificamos assim que, num prisma penal, o indício se apoia e sustenta numa outra prova.
O indício revela-se como um facto provado e secundário (circunstância) que somente se torna útil para a constatação do conjunto probatório ao ser usado o processo lógico de indução.
Como frisa Climent Durán ([80]) a validade das presunções fundamenta-se no chamado “princípio da normalidade”, quer dizer as máximas da experiência ou regras da vida que se obtém mediante a generalização dos casos concretos que tendem a repetir-se. Assim cita como exemplo de máxima de experiência que “ninguém dá nada gratuitamente a outro, a não ser que concorra uma razão aceitável para tal liberalidade” ([81]).
Na verdade, as presunções e indícios nascem do conhecimento da natureza humana, do modo de comportamento habitual do homem nas suas relações com os outros membros da sociedade.

Neste campo cabe referir que o elemento que converte um indício remoto em próximo não é um novo indício, mas uma qualidade que opera sobre a segurança de inferência, mas não sobre o número de indícios, sendo certo que, a prova de indícios nada tem que ver com as simples conjeturas ou suspeitas e muito menos com suposições.
À luz do que dito fica, parece que as arguidas/recorrentes olvidam a própria fundamentação da matéria de facto provada plasmada na decisão impugnada e acima transcrita maxime a globalidade do depoimento dos demandantes acima indicados e das testemunhas  Jorge ; Ricardo ; Pedro ; Oriana ; Maria Sousa; Dina ; ...; José ...; e Ana  e mais prova documental acima discriminada
Igualmente parece que as arguidas/recorrentes não têm presente que as normas dos arts. 126.º e 127.º do Código de Processo Penal podem ser interpretadas de modo a permitir que possam ser provados factos sem que exista uma prova direta deles. Basta a prova indireta, conjugada e interpretada no seu todo ([82]).

In casu face à globalidade da prova produzida que deve ser apreciada e valorada na sua totalidade e não sobre cada uma delas em particular. Isto é apreciando as provas não apenas pelo que isoladamente significam, mas essencialmente pelo valor ou sentido que assumem no complexo articulado de todas elas podemos afirmar que existem indícios graves porquanto resistentes a objeções mostrando elevada capacidade de persuasão; são precisos porquanto não são suscetíveis de diversas interpretações, uma vez que a circunstância indiciante está demonstrada; e são concordantes quando convergem todos para a mesma direção e vão no sentido dos factos apurados pelo Tribunal a quo.
Porque assim é não pode este tribunal considerar como não provado os pontos «5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 29, 30, 21, 32, 33, 34 a parte “Esta por sua vez entregou-a ao queixoso (...)”, 36, 38, 39, 40, 41 a parte (...) para [pagamento] do valor por este entregue para a alegada aquisição de um produto financeiro da Companhia de seguros “...”, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 50, 61, 62, 63, 64, 65, 66 a parte “Após a assinatura de tal proposta (...)”, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 97, 99, 100, 101, 102, 103, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128 a parte “Após assinar o referido documento (...)”, 129, 130, 131, 133, 134, 135, 136, 139 a parte “Em consequência do acima referido (...)”, 140 a parte “Em consequência do acima referido (...)”, 141, 142, 144 a parte “Em consequência do acima referido (...)”, 145, 147 a parte “Em consequência do acima referido (...)”, nem considerar como provados os pontos corretamente indicados pelas arguidas / recorrentes, a saber:
«a)Não foram apreendidos na posse das arguidas os originais dos contratos de seguro;»
«b)Não foram apreendidas na posse das arguidas as quantias que os ofendidos reclamam;»
«c)Foi interposta pela demandante cível e queixosa Marisol, uma acção executiva com base numa livrança no valor de €120.000,00 (cento e vinte mil euros) que corre os seus autos sob o nº 307/09.1TCFUN, pela 1.ª secção das Varas de Competência Mista do Funchal.»
«d)A livrança foi entregue à [ofendida] para garantir as quantias entregues às arguidas pelos ofendidos Carlos, Maria e Marisol;»
«e) Não é possível fazer a correspondência entre as letras e assinaturas constantes das cópias dos contratos de seguro e as letras e assinaturas das arguidas;»
«d)As cópias dos contratos de seguro estão mal preenchidos, têm datas erradas; estão rasurados;»
«e) Era facilmente percetível por uma pessoa média colocada naquela situação que as cópias dos contratos de seguro estavam incorretamente preenchidas;»
«f)As cópias dos contratos de seguro apresentadas em juízo não são do uso exclusivo dos mediadores e agente de seguros;»
«d) Os impressos de contratos de seguro estão disponíveis e são facilmente obtidos junto aos balcões da empresa de seguros a qualquer pessoa que ali se dirija;»
«e)As arguidas nunca tiveram qualquer situação de incumprimento contratual com a ... - Companhia de Seguros, SA, antes da presente situação;»
«f)As arguidas eram bem vistas pela ... - Companhia de Seguros, SA.;»
«g) Não foi efetuada numa revista às arguidas ou busca às suas residências; - tudo conforme depoimentos das testemunhas, que infra se transcreverá, e documentos juntos aos autos a fls. que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.»
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Na verdade, são os Juízes de 1.ª instância quem de forma direta e “imediata” podem observar, as intransferíveis sensações que derivam das declarações e que se obtêm a partir do que as arguidas (quando dispõe a comparecer pessoalmente em julgamento, o que não foi o caso), das declarações dos aludidos ofendidos, e do depoimento das testemunhas Jorge ; Ricardo ; Pedro ; Oriana ; Maria Sousa; Dina ; ...; José ...; e Ana , do que calaram, dos seus gestos, da palidez ou do suor do seu rosto, das suas hesitações.

É uma verdade empírica que frente a um mesmo facto diversos testemunhos presenciais, de boa-fé, incorrem em observações distintas.
A congruência das declarações e testemunhos entre si, o grau de coerência com outras provas que existam e com outros factos objetivamente comprováveis, quer dizer, a apreciação conjunta das provas, são elementos fundamentais para dar maior credibilidade a umas declarações ou testemunhos que a outros.
In casu, da globalidade da prova produzida e examinada em sede de audiência de discussão e julgamento, das declarações dos demandantes e globalidade do depoimento das referidas testemunhas Jorge ; Ricardo ; Pedro ; Oriana ; Maria Sousa; Dina ; ...; José ...; e Ana  e das provas documentais acima referidas, concluímos no sentido de que a decisão impugnada não padece de qualquer erro de julgamento no que tange à matéria de facto impugnada pelas arguidas / recorrentes.
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Cabe aqui deixar expresso que não houve, por parte do Tribunal a quo, qualquer valoração proibida de provas que não tivesse sido possível examinar em audiência. (cf. art. 355.º do Código de Processo Penal).
Ora, como já acima deixámos explícito o ato de julgar é do Tribunal, e tal ato tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção, e a liberdade de convicção aproxima-se da intimidade assente em verdade prático-juríca, nem tudo sendo suscetível de ser passado para o papel, daí que cumpra aceitar o afirmado pelo Tribunal a quo.
Porém, a convicção do Tribunal tem de ser formada na ponderação de toda a prova produzida, não podendo censurar-se aquele por nesse juízo ter optado por uma versão em detrimento de outra.
No caso em apreço, de uma leitura da decisão impugnada facilmente se vislumbra que nela se mostra apontada, de forma clara, não só o processo de formação da convicção dos julgadores, como também a razão por que foi atribuída especial credibilidade a determinados meios de prova, em detrimento de outros, assim se mostrando observados os requisitos da sentença a que se reporta o art. 374.º do Código de Processo Penal.
Por sua vez, conjugando o texto da decisão impugnada com as regras da experiência comum, não se deteta qualquer omissão na afinação da matéria de facto essencial para uma decisão de direito, vício esse que, como é sabido, nada tem que ver com a possível insuficiência da prova para a decisão de facto proferida.
De igual forma, da leitura da decisão impugnada não se deteta nem contradição nem qualquer erro manifesto, de tal modo claro que não passe inobservado ao comum dos ao homem de formação média.
Cabe aqui relembrar que não espelha qualquer erro notório o facto de o Tribunal ter dado credibilidade a determinados depoimentos e/ou meios de prova produzidos, em detrimento de outros, tanto mais que aqueles se encontravam harmonicamente suportadas por outros elementos de prova que, como vimos, foram apontados na fundamentação e brotam dos documentos e há muito para os autos carreados e sujeitos ao contraditório da audiência de discussão e julgamento.
Por sua vez, noutra ótica cabe ter presente que com base no princípio do in dubio pro reo, em sede probatória tem de ser sempre valorado o non liquet a favor das arguidas.
Contudo, isso impõe-se apenas quando esse non liquet existe!
In casu o Tribunal recorrido quanto às arguidas/recorrentes não chegou a qualquer estado de dúvida relevante que justificasse a intervenção do apontado princípio.
Deste modo, concluímos que as provas não impunham, em juízo de certeza e sem margem para quaisquer dúvidas, outra apreciação e decisão, pelo que a matéria de facto impugnada pelas arguidas/recorrentes e quanto a elas apurada e acima fixada não merece qualquer reparo, dizendo isto sem prejuízo do que acrescentaremos de seguida quanto ao recurso da demandada/seguradora.
Na verdade, uma vez que a análise da prova teve por base a imediação, sendo elaborado um juízo objectivável e racional, inexiste fundamento válido para proceder à sua alteração propugnada da pelas arguidas / recorrentes uma vez que verificado não está que o Tribunal a quo tenha no que às mesmas respeita incorrido em erro de julgamento.
Cabe aqui recordar mais uma vez que as provas são apreciadas não apenas pelo que isoladamente significam, mas essencialmente pelo valor e sentido que assumem no complexo articulado de todas elas.

Não existindo in casu prova legal ou tarifada, o Tribunal julga a prova segundo as regras de experiência comum e a livre convicção que sobre ela forma (cf. o aludido art. 127.º do Código de Processo Penal), bastando a prova indireta conjugada e interpretada no seu todo, plasmando a decisão impugnada fundamentação crítica e adequada dos meios de prova.
Na verdade, não se deve confundir - uma discordância incidente sobre o conteúdo do julgamento de facto com qualquer dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal. A impugnação não poderá incidir sobre a formulação da convicção do Tribunal quando como acontece no caso em apreço é realizada à luz de critérios de razoabilidade, bom senso, experiência comum e factos notórios, sendo a mesma suficientemente clara e precisa nos seus fundamentos.

Pelo que face a tudo que apontado fica entendemos que o Tribunal de 1.ª instância não levou a efeito uma errada apreciação da prova produzida em audiência de discussão e julgamento.
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O princípio in dubio pro reo, à luz do princípio da investigação apenas deve ser entendido no sentido de que não devem ser julgados provados os factos relevantes para a decisão que, apesar da prova recolhida, não possam ser subtraídos a dúvida razoável.
Tal princípio só é desrespeitado quando o Tribunal colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas decidiu em tal situação contra o arguido.
Verificamos assim que, a violação do princípio in dubio pro reo pressupõe que num estado de dúvida insanável, o Tribunal opte por decidir de forma desfavorável ao arguido.
Como é sabido, este princípio tem aplicação no domínio da apreciação da prova, refletindo-se nos contornos da decisão de facto. Assim, não se descortinando quais das versões apresentadas é verdadeira, chegando uma situação de não prova dos factos, por contradição insanável da prova produzida, cumpre valorar a versão fáctica que mais beneficia o arguido.
In casu da leitura integral da decisão recorrida resulta que, na sua fundamentação, o Tribunal quanto às arguidas / recorrentes não manifesta dúvidas sobre a ocorrência dos factos relevantes e de quem foram as suas autoras.
A prova produzida corroborou a materialidade fáctica imputada ao arguido / recorrente.
Verificamos, assim, que, quanto às arguidas/recorrentes a dúvida relevante não resultou da prova produzida, nem, razão com força legal bastante existe para ter permanecido no espírito dos julgadores em relação a qualquer facto fundamental, ficando amplamente provada toda a materialidade fáctica relevante.
Ora, mesmo quando tal posição é expressamente tomada, não basta a mera contradição ou negação da factualidade que consubstancia os ilícitos para que se recorra ao princípio do in dubio pro reo. Pelo contrário, necessário se torna que exista dúvida insanável e irremovível, o que in casu, face à prova produzida, não se verificou.
Na verdade, não é qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido, mas apenas a chamada dúvida razoável (a doubt for which reasons can be given).
Por sua vez, cabe expressar com Cruz Bucho, na esteira do que já há muito tempo decidido foi pelo Tribunal Supremo de Espanha, que tal princípio "não estabelece os pressupostos ou condições em que os juízes podem ou devem duvidar mas tão-somente como devem proceder em caso de dúvida insanável" ([83]).
Daí que, não resultando do texto da decisão recorrida que a 1.ª instância tenha ficado em estado de dúvida quanto à ocorrência de qualquer facto relevante (nomeadamente que integrasse qualquer causa de justificação ou de exclusão da culpa) e que nesse estado de dúvida tenha decidido contra as arguidas / recorrentes, nem que face à globalidade da prova produzida devesse ter ficado na dúvida positiva, racional sobre factos relevantes, que ilida a certeza contrária, ou por outras palavras impeça a convicção do Tribunal não há no caso vertente lugar à operacionalidade do princípio do in dubio pro reo.
Ao decidir como decidiu, não se alcança que o Tribunal a quo tenha valorado contra as arguidas/recorrentes, qualquer estado de dúvida em que tenha ficado sobre a existência dos factos, do mesmo modo que também não se infere que o Tribunal recorrido, que no que tange à pessoa das arguidas / recorrentes quanto ao que aqui releva não teve dúvidas, devesse efetivamente ter ficado num estado de dúvida insuperável, a valorar nos termos do princípio in dubio pro reo, daí que não se mostre violado este princípio.
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RECURSO DA DEMANDADA CIVIL “... COMPANHIA DE SEGUROS S.A.” EM MATÉRIA DE FACTO
Desde já cabe afirmar nesta sede que, de uma leitura integral da “matéria de facto” que o Tribunal a quo dá como provada e respetiva fundamentação, ambas acima transcritas, parece-nos que, com a mesma no seu núcleo duro se ambiciona edificar a imagem das mediadoras das arguidas/demandadas como pessoas integradas na organização interna da demandada Seguradora/recorrente “... - Companhia de Seguros, S.A.”, sujeitas à sua supervisão, e que a representam.
Contudo, com o devido respeito por opinião em contrário, tal modus operandi não nos parece que, no essencial, tenha agasalho na lei, antes pelo contrário, na leitura que fazemos da mesma revela-se quanto ao segmento recursória impugnado pela demandada/recorrente ... - Companhia de Seguros, S.A.”na sua verdadeira essência contra legem
Com efeito, com o devido respeito por opinião em contrário, o estatuto legal da mediação de seguros das arguidas / demandadas aponta que estas ope legis são profissionais livres, com perfeita autonomia jurídica da seguradora, não sujeitas à sua fiscalização e sem poderes de representação.
Veremos infra, sucintamente, o porquê desta afirmação.
*

Terá andado mal o Tribunal a quo quando nos pontos 3, 5, 132 e 134 da matéria de facto dada como provada indica que as mediadoras/arguidas desempenhavam funções na seguradora (Cls. 1.º)?
No ponto 3 dos factos provados expressou-se:
«3. Ambas as arguidas desempenhavam funções na Companhia de Seguros “...” (entretanto denominada de ... Companhia de Seguros, S.A.), sendo que a arguida Orlanda desempenhava funções como mediadora de seguros, sem capacidade de cobrança, e a arguida Maria do Carmo como agente de seguros, com capacidade de cobrança.»
No ponto 5), no que ora releva, deu-se como provado:
«5.Em data não apurada e aproveitando-se das funções que desempenhavam na referida companhia de seguros (…).
Por sua vez, no ponto 132 dos factos provados afirma-se:
«132.As arguidas exerciam, à data da prática dos factos, funções quer na empresa “...” quer na Companhia de Seguros “...”, auferindo a título de vencimento ilíquido: na empresa “...”: a arguida Orlanda, em 2007, a quantia de 4.253,45€ e, em 2008, a quantia de 8.303,80€; a arguida Maria , em 2007, a quantia de 4.494,75€ e, em 2008, a quantia de 7.999,34€; na Seguradora “...”: a arguida Orlanda, em 2005, a quantia de 7.516,86€; em 2006, a quantia 3.640,60€; em 2007, a quantia de 3.294,55€; e, em 2008, a quantia de 2.112,70€; a arguida Maria , em 2005, a quantia de 5.543,41€; em 2006, a quantia de 342,94€; em 2007, a quantia de 1607,91€; e, em 2008, a quantia de 761,65€.»
 E no ponto 134.º dos factos provados deixou-se dito:
«134.Conseguiram tal desiderato, através da atuação supra descrita, enganando os queixosos, valendo-se das funções profissionais que exerciam por conta e ao serviço da Companhia de Seguros “...” como mediadoras e agentes de seguros, induzindo estes em erro com promessas de vantagens patrimoniais, querendo causar com tais condutas prejuízo àqueles.»
Contudo, a verdade é que as arguidas/demandadas, ora recorridas, eram, mediadoras de seguros, concretamente, agentes de seguros, e, enquanto tal, profissionais livres, prestadoras de serviços independentes e autónomas.
Ora, como é bom de ver, enquanto profissionais livres, independentes e autónomas, as mediadoras de seguros não "desempenham funções" na seguradora, como qualquer trabalhador subordinado faz.
Por sua vez, emerge da globalidade dos depoimentos das testemunhas Oriana , Jorge de , Ricardo  e Pedro  que as mediadoras Maria do Carmo e Orlanda eram profissionais independentes, sem contrato de trabalho celebrado com a Seguradora. “...” e “... - Companhia de Seguros, S.A.”
Na verdade, flui da globalidade do depoimento da testemunha Ricardo , no que ora releva, que a instância da Senhora advogada, perguntado sobre se a relação profissional entre as arguidas e a seguradora era de contrato de trabalho ou de prestação de serviços, respondeu "era prestação de serviços", os "agentes de seguros são prestadores de serviços", e perguntado sobre se tinham horário de trabalho, responde "não", insistindo, mais adiante no seu depoimento, que as arguidas eram trabalhadores independentes: "nenhum agente é subordinado da companhia".
Por sua vez, a globalidade do depoimento da testemunha Pedro , no que aqui interessa, brota com relevo para este quid que o mesmo no que tange à pergunta de qual era a relação profissional entre as arguidas e a seguradora, respondeu, "eram prestadoras de serviços, neste caso de mediação de seguros", e perguntado sobre se era um contrato de trabalho, afirma "não" e face à insistência da Senhora advogada elucida: "essas duas mediadoras [as ora arguidas/demandadas], como tal, exerciam a sua profissão de forma livre e autónoma".
Esta testemunha Pedro  perguntada pelo Senhor advogado sobre se havia algum tipo de supervisão, respondeu: "como referi há pouco, como as mediadoras trabalham de forma livre e autónoma não têm supervisão pelas razões que também referi há pouco. É que não são funcionários. Não exercem as suas funções dentro da companhia. O que estas mediadoras têm, e os mediadores em geral, é apoio técnico e apoio técnico-comercial".
Assim, para além de legem habemus no que concerne à mediação de seguros, que é bem expressiva sobre a natureza da atividade de um mediador de seguros, a globalidade dos depoimentos das aludidas testemunhas afastam qualquer indício de que a relação da seguradora com as arguidas/demandadas fosse de contrato de trabalho e que, assim, aquelas "desempenhassem funções".
*

Assim sendo, este Tribunal retira do ponto 3 da matéria de facto o segmento onde se afirma que  "as arguidas desempenhavam funções", que se elimina.
De igual modo, no ponto 5 eliminam-se as menções “Funções que desempenhavam na referida companhia de seguros” e idênticas menções nos pontos 5, 132 e 134 dos factos provados.
*

Por as mediadoras serem profissionais livres e independentes deverá suprimir-se o ponto 4.º e corrigir-se o ponto 5.º dos factos dados como provados (Cls. 2.º)?

PONTO 4.º DOS FACTOS PROVADOS
O ponto 4.º dos factos considerados como provados pelo Tribunal a quo tem o seguinte teor:
«4.Todo o seu trabalho era supervisionado pelo técnico comercial da Companhia de Seguros Ricardo.»
Com o devido respeito por opinião em contrário, este concreto facto, por uma banda contraria o próprio estatuto legal da figura e o caráter independente e autónomo da profissão de mediador de seguros, que não consubstancia nenhuma comissão da seguradora. Por outra, tal versão é claramente desmentida pela globalidade do depoimento da testemunha Ricardo  que, em sede de audiência de discussão e julgamento esclareceu o Tribunal no sentido de que as arguidas/demandadas eram prestadoras de serviços, trabalhadoras independentes, sem horário de trabalho, chegando ao ponto de cristalinamente afirmar: "nenhum agente [de seguros] é subordinado da companhia".
Por sua vez, flui da globalidade do depoimento da testemunha Oriana , que era antiga mediadora de seguros, que não havia supervisão do seu trabalho enquanto mediadora.
Neste particular é claro e elucidativo a globalidade do depoimento da testemunha Pedro  que, revelando conhecimento da matéria de facto a que depôs com isenção e de forma convincente afirma: “Como referi há pouco, como as mediadoras trabalham de forma livre e autónoma não têm supervisão pelas razões que também referi há pouco. É que não são funcionários. Não exercem as suas funções dentro da companhia. O que estas mediadoras têm, e os mediadores em geral, é apoio técnico e apoio técnico-comercial”.
*

Assim, por uma banda, tendo em mente o estatuto legal do mediador de seguros e, por outra, a globalidade da prova para estes autos carreada e produzida e examinada em sede de audiência de discussão e julgamento, este facto 4) será suprimido, por duas ordens de razões:
(i)Não tem agasalho na globalidade da prova para os autos carreada e produzida e examinada em sede de audiência de discussão e julgamento e sujeita ao contraditório da mesma, pois, ao que tudo aponta este facto não terá acontecido para aí apontando a verdade histórica.
(ii)Olvida sem razão com força legal que os mediadores de seguros não estão sujeitos a supervisão das seguradoras.
Na verdade, as mediadoras / arguidas não tinham qualquer supervisão ou fiscalização da seguradora, nem era suposto tê-la, atendendo ao estatuto legal (e contratual) do mediador de seguros.
*

Assim, todas as respostas que o Tribunal a quo deu e que implicam esta supervisão, como o ponto 25) dos factos provados, devem e passam a ter igualmente suprimida esta referência.
*

Por todas estas razões o ponto 4) dos factos provados é, como não podia deixar de ser eliminado e a referência à supervisão plasmada no ponto 25) dos factos provados tem-se aqui por eliminada.
*

Deverão eliminar-se as alusões feitas nos pontos 5 e 9 dos factos provados “a que as arguidas representavam a companhia de seguros ora demandada”? Deverão ser eliminadas (apresentam-se contraditórias com os factos 152 e 155 dos factos provados)? (cls. 3.º, 4.º e 5.º)

PONTOS 5 E 9 DOS FACTOS PROVADOS.
Como resulta da simples leitura dos pontos 5 e 9 dos factos provados fixados pelo tribunal a quo neles se expressa que as arguidas representavam a companhia de seguros ora demandada.
Com o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se-nos que essas alusões a uma representação da seguradora pelas arguidas esbarra com o regime legal da mediação de seguros, que dispõe não ser o mediador de seguros um representante da seguradora (cf. art. 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 388/91 e art. 29.º, alínea a) do DL n.º 144/2006] e parecem-nos contraditórias com os factos provados constantes dos pontos 152 e 155 da matéria de facto.
A seguradora/demandada “... - Companhia De Seguros, S.A.” nunca emitiu a favor das arguidas qualquer procuração com poderes de representação para a celebração de contratos relativos a produtos financeiros, de seguro ou quaisquer outros (cf. pontos 152 e 155 dos factos provados).
Assim sendo, este Tribunal decide que na redação dos pontos 5 e 9, dos factos provados, bem como na de todos os outros que mencionem as arguidas / demandadas como representantes da seguradora, deve suprimir-se — e efetivamente aqui se suprime — a referência a essa representação.
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Assim, em suma, da análise da globalidade da prova para os autos carreada e produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e sujeita ao contraditório da mesma, através dos documentos acima discriminados e da audição das declarações dos aludidos demandantes e das referidas testemunhas confrontado com a motivação da decisão de facto plasmada na decisão recorrida, sem esquecer que o recurso é um remédio e não um segundo julgamento, conclui-se que, no que tange à pessoa da seguradora / demandada existem razões para alterar o juízo probatório constante da decisão recorrida, nos precisos termos que acima se expuseram.
Assim sendo, aqui se mantém os factos provados fixados pelo tribunal a quo, com exceção do ponto 4 que se elimina, e igualmente se eliminam as alusões feitas nos pontos 5 e 9, «a que as arguidas representavam a companhia de seguros ora demandada», e corrigem os demais pontos nos termos acima operados por este Tribunal quanto à pessoa da seguradora/demandada.
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A QUESTÃO DE DIREITO

RECURSO DAS ARGUIDAS ORLANDA E MARIA 

Existirá erro de subsunção dos factos ao tipo legal de crime de burla qualificada, da previsão dos arts. 217.º e 218.º, n.º 1 e 2, alínea a), todos do Cód. Penal (cf. Cls. 32.º - 48.º; 49.º - 58.º)?

As arguidas vêm acusadas da prática de crime de burla simples e agravados, previsto nos arts. 217.º, n.º 1 e 218º, n.º 1 e 2, al. a), do Cód. Penal, que estipulam que «quem com intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo através de erro ou de engano sobre factos, que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de atos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial de valor consideravelmente elevado, será punido com prisão de dois a oito anos».
Constitui um tipo legal de crime de dano uma vez que só está consumado com a ocorrência de prejuízo efetivo no património do sujeito passivo da infração ou de terceiro, sendo um crime material ou de resultado que somente se consuma com a saída das coisas ou valores da esfera de disponibilidade fáctica do sujeito passivo, deste modo se dando um evento que, não obstante integre uma consequência da conduta do agente, se mostra autónoma em relação a ela. Caracteriza também um crime de resultado parcial ou cortado, assinalado por uma descontinuidade ou falta de congruência entre os tipos subjetivo e objetivo, pois, pese embora se imponha que o agente atue com a intenção de obter para si ou para outrem um enriquecimento ilegítimo, a consumação deste tipo legal de crime não depende da concretização de tal enriquecimento, bastando para o efeito que, ao nível do tipo objetivo, se enxergue o empobrecimento.
Este ilícito tipo legal de crime ostenta particularidades ao nível da sua execução, sendo assinalado como um crime de execução vinculada, na medida em que a lesão do bem jurídico tem de ocorrer como consequência da forma particular em que se espelha o comportamento do agente. Por outras palavras, a violação do bem jurídico património globalmente considerado tem de se ser determinada pelo emprego do meio enganoso por parte do agente, anunciando-se um duplo nexo de causalidade que tem de estar presente neste tipo legal de crime entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo agente passivo (o burlado), de atos tendentes a uma diminuição do património e, posteriormente, entre estes últimos e a efetiva verificação do prejuízo patrimonial.
Por sua vez para que se verifique o preenchimento do tipo subjetivo não basta o dolo (em qualquer das suas modalidades) de causar um prejuízo patrimonial ao sujeito passivo ou a terceiro, exigindo-se, de outra parte, que o agente tenha a “intenção” de conseguir, através da conduta, um enriquecimento ilegítimo próprio ou alheio. A burla é um delito de intenção, categoria que exprime, do lado do tipo subjetivo, a mesma ideia que, no plano do tipo objetivo, preside à qualificação como um “crime de resultado parcial” ou “cortado”: não obstante se queira que o sujeito atue com aquela intenção de enriquecimento, a consumação deste tipo legal de crime depende da efetivação do último, verificando-se logo que ocorra o prejuízo patrimonial da vítima ([84]).
No caso em apreço a materialidade fática provada e fixada supra, com as eliminações e correções decididas por este Tribunal, — verificados em concreto os elementos constitutivos do tipo — resulta que as arguidas perpetraram os tipos legais crimes pelos quais vêm acusadas, pois, utilizando a sua veste de mediadoras da seguradora ... (anteriormente designada por ... ou ... -...), induziram os ofendidos acima identificados em erro, já que estes as conheciam como tal, fazendo-lhes crer que as quantias que lhes entregavam serviriam para subscrever produtos financeiros dessa seguradora, quando na realidade nunca entregaram tais valores na seguradora, nem apresentaram as respetivas propostas de adesão a produtos financeiros nessa seguradora, integrando antes esses valores no seu património, fazendo-os seus, prejudicando desta forma os queixosos.
In casu, não obstante estarmos perante várias situações que ocorreram durante cerca de 4 (quatro) anos e termos várias ofendidos, afigura-se-nos que as arguidas devem ser punidas numa situação de crime continuando, prevista no art. 30.º, n.º 2, do Código Penal, devendo ser-lhes imputada a prática de 1 (um) só crime de abuso de confiança qualificado, previsto e punível pelo art. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 e 2, alínea a) do Código Penal (uma vez que a incriminação tem de ser pelo crime mais grave, como o impõe o art. 79.º, n.º 1 do Código Penal), e se mostram preenchidos os requisitos legais para operacionalidade da figura do crime continuado, pois em todas as situações os factos com relevo criminal foram praticados da mesma forma e no quadro da solicitação de uma mesma situação externa que diminui consideravelmente a culpa das arguidas, ou seja, em todas as situações, corridas entre 2003/2004 e 2008, as arguidas, aproveitaram-se da relação de confiança que mantinham com os ofendidos e do facto de serem mediadoras da “...” e de atuarem como tal, para, em seu proveito próprio, lhes subtraírem várias quantias em dinheiro, que no global ultrapassa €200.000,00 euros em relação a qualquer das arguidas.
Como o Tribunal a quo navegou nesta mesmas águas nenhuma censura pode este Tribunal fazer à decisão impugnada em matéria de subsunção dos factos apurados ao direito penal.
Assim sendo, naufraga este segmento do recurso das arguidas/recorrentes.
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Relativamente aos pedidos subsidiários formulados, diremos em síntese:
Por uma banda, como flui da matéria de facto definitivamente fixada por este Tribunal, pelas razões já acima aduzidas e decididas as concretas questões, não se mostra aditada matéria que as arguidas / recorrentes almejavam ver considerada como provada por este Tribunal, daí que não tenha agasalho nos factos provados a ambicionada absolvição do pedido cível (cf. fls. 2882), por outro, a pena concreta aplicada a cada uma das arguidas/recorrentes de 5 (cinco) anos de prisão efetiva mostra-se justa e adequada a culpa concreta de cada uma delas.
Na verdade, quanto à culpa, um dos princípios vitais enformadores do Código Penal é o de que “toda a pena tem como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta” ([85]). Consagra-se, assim, o princípio da culpa, que proíbe que se imponham penas sem culpa e penas que superem a medida da culpa (a este propósito, cumpre atentar no imperativo do n.º 2 do art. 40.º do Código Penal de 1995: “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”).
Assim, seguindo Figueiredo Dias, importa encontrar uma medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias. Abaixo dessa medida é possível encontrar outros pontos em que aquela tutela é ainda efetiva e consistente. Isto até se atingir um limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Entre aquela medida ótima de tutela dos bens jurídicos e este limiar mínimo atuam pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena ([86]).

A culpa, por seu turno, constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, sendo certo que, atualmente, a doutrina e a jurisprudência entendem que no juízo de culpa deve predominar a culpa pelo facto. Escreve-se, a este propósito, no Ac. da Relação de Coimbra de 17-jan.-1996 ([87]), citando Anabela Miranda : “parte-se, assim, de uma conceção de culpa, referida ao facto, em que a personalidade do agente só releva para a culpa na medida em que se exprime no ilícito típico e o fundamenta»; e «o juízo de culpa é sempre um juízo de desvalor sobre o agente em razão do seu comportamento num certo momento, qual seja o do cometimento do ilícito típico.”

Para aferir do grau das exigências de prevenção que no caso se fazem sentir e da medida da culpa das arguidas, importa, atender aos fatores de determinação da medida da pena. Estes fatores são enumerados, de modo não exaustivo, no n.º 2 do art. 71.º do Código Penal.

Os critérios pelos quais o julgador se deve orientar na determinação da medida concreta da pena estão, como acima se disse, fixados no art. 71.º do Código Penal. Tal medida acha-se em função da culpa do agente, que impõe uma retribuição justa, e como a culpa não é suscetível de uma medição exata, ao julgador é dada certa elasticidade na sua apreciação, sopesando as exigências decorrentes do fim preventivo especial, ligadas à reinserção social do delinquente, as exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade e levando ainda em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente.
In casu, como flui do que já acima deixámos expresso, o quantum de cada uma das penas fixado pelo Tribunal a quo de 5 (cinco) anos de prisão efetiva mostra-se justo e adequado à culpa concreta de cada uma das arguidas/recorrentes, pelo que aqui se mantém.
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Será acaso para aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão (cls. 81.º - 93.º)?
Antes do mais cabe aqui expressar que não se pode enveredar por uma justiça de relativização de valores e esquecer que a pena concreta e efetiva de algum significado, de algum peso, é também prevenção.
Não se podem caucionar condutas como a vertida nos factos provados, visto que não existe espaço para este ato de contrição.
Em suma: tais condutas não são compatíveis com brandura punitiva.
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Na decisão impugnada a este respeito expressou-se (em transcrição parcial):
«As penas aplicadas às arguidas, apesar de serem inferiores a 5 anos, não devem ser suspensas na sua execução, pois é premente a reafirmação perante a sociedade, ainda para mais nos tempos que correm, da necessidade de respeitar o património alheio, como algo inviolável, (…) tanto mais que essa violação pode ter consequências pessoais e sociais elevadas, como aconteceu no caso concreto. Para além disso, a nível de prevenção especial também são prementes as necessidades, pois as arguidas não se inibiram de prejudicar terceiros quando a sua situação pessoal e patrimonial era favorável, sendo levadas unicamente pelo seu “egoísmo” pessoal, sendo certo que, à data dos factos, as consequências desses atos foram para si irrelevantes e assim se mantiveram até serem chamadas a responder por esses atos, sendo por isso necessário consciencializá-las das consequências desses atos. Acresce por fim, que se desconhece de todo a sua situação pessoal, pelo que em todo o caso sempre seria impossível fazer qualquer juízo de prognose positiva que permitisse suspender-lhes as penas de prisão aplicadas.» (cf. fls. 2814 §2 (fls. 27 da decisão recorrida)
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Nos termos do disposto no art. 50.º, nº 1, do Código Penal (na redação de 2007), o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em pena em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição.
Almejam as arguidas / recorrentes a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão.
In casu, apesar de formalmente ser permitida a suspensão da execução da pena de prisão [cf. art. 50.º, n.º 1 do Código Penal (“pena não superior a 5 anos”)], afigura-se-nos que não estão reunidas as condições para se formular um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro das arguidas/recorrentes, não só por razões que radicam nas suas condições pessoais e na sua personalidade plasma nos factos provados, mas também porque não podem ser defraudadas as expectativas comunitárias de reposição-estabilização da ordem jurídica, da confiança na validade da norma violada e no cumprimento do direito, o que é de ter em conta de forma particularmente exigente neste tipo de criminalidade. In casu, desde já se adianta que não se pode concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Impedem-no claramente fortes razões de reprovação e prevenção deste tipo de crime.
Não vislumbramos, pois, que no caso se postulem aquelas razões muito pondes, nem sequer razões pondes, para que as arguidas/recorrentes sejam bafejadas com pena de substituição.
No caso dos autos, nenhuma especificidade se verifica que permita concluir que a suspensão da pena não ponha em crise a prevenção geral ou especial.
No que tange à prevenção geral, porque não têm diminuído, de forma alguma, o número de ocorrências deste tipo em território nacional, maxime na Região Autónoma da Madeira.

Por sua vez, quanto à prevenção especial, nenhuma circunstância conhecida permite razoavelmente concluir que as arguidas/recorrentes “aprenderam a lição”.
Cumprirão, pois, cada uma das aludidas arguidas/recorrentes as penas de prisão efetiva aqui impostas.
Na verdade, é sabido que na lei penal vigente, a culpa só pode (e deve) ser considerada no momento que precede o da escolha da pena – o da medida concreta da pena de prisão –, não podendo ser ponderada para justificar a não aplicação de uma pena de substituição: tal atitude é tomada tendo em conta unicamente critérios de prevenção. Isto significa que não oferece qualquer dúvida interpretar o estipulado pelo legislador (art. 71.º do Código Penal) a partir da ideia de que uma finalidade de prevenção – e essa é a da prevenção especial – deve estar na base da escolha da pena pelo tribunal, sendo igualmente uma finalidade de prevenção, agora geral, no seu grau mínimo, a única que pode (e deve) fazer afastar a conclusão a que se chegou em termos de prevenção especial.
Assim, no caso em apreço é de concluir no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Na verdade, a mesma não é de aplicar quando os autos não fornecem quaisquer elementos de que as arguidas/recorrentes, em liberdade, não voltarão a delinquir, merecendo a confiança do Tribunal, além de que a suspensão não satisfaria os fins das penas, de emenda cívica e de prevenção de crime grave como é aquele por que ambas foram condenadas.
A pena de suspensão da execução da pena de prisão só pode e deve ser aplicada se, atendendo à personalidade da agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – art. 50.º, n.º 1, do Código Penal.
É consabido que as finalidades da punição se circunscrevem à proteção dos bens jurídicos e à reintegração das agentes na sociedade – art. 40.º, n.º 1, do Código Penal – apresentando-se a prevenção geral positiva como finalidade primordial a prosseguir, não podendo a prevenção especial positiva pôr em causa o mínimo de pena imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias, na validade das normas violadas.
Assim, para aplicação da pena de suspensão da execução da pena de prisão necessário se torna que esta não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade. Em segundo lugar, é necessário que o Tribunal se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, de que o facto cometido não está de acordo com esta e foi simples acidente de percurso, esporádico, e de que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de comportamentos delituosos.
Por outro lado, o juízo de prognose sobre o comportamento futuro das condenadas deve ter em consideração, como a letra da lei impõe, a personalidade da(s) agente(s), as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste.
Daí que só em situações especiais, em que a ilicitude do facto se mostre particularmente diminuída e o sentimento de reprovação social se mostre esbatido, será admissível o uso do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, o que no caso não se verifica.
In casu nem as condições de vida das arguidas/recorrentes plasmadas nos factos provados acima fixados nem as circunstâncias do crime permitem formular um juízo de prognose favorável que sustente a aplicação do referido regime.
Cabe aqui ter presente que no que respeita a este ponto o Tribunal só poderia optar por tal solução se atendendo à personalidade das arguidas / recorrentes, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, pudesse concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição conforme o disposto no art. 50.º, n.º 1 do Código Penal.

Na verdade, se bem vemos, são sobretudo razões de prevenção especial (e não considerações de culpa) as que estão na base da aplicação da pena de substituição – suspensão da execução da pena –, permitindo substituir uma pena detentiva, por outra não detentiva.
A mesma estriba-se num juízo de prognose favorável obtido pela análise das circunstâncias do caso, em correlação com a personalidade das agentes, visando-se a socialização em liberdade.
Com efeito, de harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 50.º do Código Penal na redação da Lei n.º 59/2007 de 04-set., são pressupostos da suspensão da pena:
a)Que a pena seja fixada em medida não superior a 5 anos (pressuposto formal);
b)Que a personalidade da agente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste sustentem um juízo de prognose segundo o qual a simples censura do facto e a ameaça da prisão são bastantes para o afastar da criminalidade (pressuposto material); e
c)Que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No que tange a este segmento refere Figueiredo Dias:
"Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime» (art. 48º - in fine). Já determinamos (supra § 502) que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise” ([88]).
E na mesma linha segue Anabela :
“O que há que reconhecer claramente é que, em caso de absoluta incompatibilidade, as exigências (mínimas) de prevenção geral hão-de funcionar como limite ao que, de uma perspetiva de prevenção especial, podia ser aconselhável. […]
Que assim é, quanto à prevenção geral, resulta do facto de nenhum ordenamento jurídico suportar pôr-se a si próprio em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal. A sociedade tolera uma certa «perda» de efeito preventivo geral – isto é, conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição; mas, quando a sua aplicação possa ser entendida pela sociedade, no caso concreto, como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a substituição cedem, devendo aplicar-se a prisão." ([89]).

São por todos enxergadas as intensas e prementes necessidades de prevenção geral a satisfazer na punição dos crimes de burla qualificada as quais enraízam na frequência cada vez maior da comissão destes crimes e na sua enorme danosidade.
Ora, a defesa social que o ordenamento jurídico incorpora, exige um combate ativo ao tipo legal de crime de burla qualificada que se projeta no domínio da sua punição.
Na verdade, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal. A suspensão não pode nem será no caso em apreço vista pela comunidade como um “perdão judicial”.
A natureza do crime, no entanto, com as fortes exigências de prevenção geral que determina, não permite que a simples ameaça da prisão assegure, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Perante tudo o que deixa exposto, a pena de prisão de 5 (cinco) anos imposta a cada uma das arguidas Maria do Carmo e Orlanda, como autoras materiais de um crime de burla qualificada, na forma continuada, previsto e punido pelos arts. 30.º, n.º 2, 79.º, n.º 1, 217.º e 218.º, n.º 1 e 2, alínea a), todos do Código Penal, não serão suspensas na sua execução, pelo que se impõe o seu cumprimento efetivo a cada uma das aludidas arguidas.
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RECURSO EM MATÉRIA DE DIREITO DA DEMANDA SEGURADORA
O facto ilícito criminal é também gerador de responsabilidade civil.
Aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, sejam eles de natureza patrimonial ou não patrimonial.
É o que se lê nos arts. 483.º, n.º 1, 496.º e 564.º, todos do Código Civil.
Em sede de responsabilidade civil são indemnizáveis os danos de natureza não patrimonial que pela sua gravidade se mostrem merecedores de tutela jurídica (art. 496.º do Código Civil) e os danos de natureza patrimonial, sejam eles prejuízos emergentes ou lucros cessantes (art. 564.º, n.º 1 do Código Civil), ainda que futuros, desde que previsíveis (art. 564.º, n.º 2 do Código Civil).
Os danos não patrimoniais são indemnizáveis em montante que se afigure ao Tribunal equitativo (cf. art. 496.º, n.º 3 do Código Civil). A sua reparação não visa — por impossibilidade — colocar o lesado na situação anterior ao facto ilícito, mas compensá-lo indiretamente dos sofrimentos, desgostos e dores sofridos, através da atribuição de um quantia em dinheiro que permita alcançar um prazer capaz de atenuar, na medida do possível, a intensidade do prejuízo. Este juízo de equidade deve ser encontrado na ponderação da gravidade dos danos, da culpa, da situação económica dos lesantes e dos lesados e da repercussão que possa ter o pagamento da indemnização no seu património e demais circunstâncias que se encontrem aptas a integrar os critérios de razoabilidade, prudência e justiça.
No que respeita aos pedidos de indemnização cível que foram formulados pelos demandantes, haverá que ter, desde logo, em atenção o disposto no art. 129.º do Código Penal, segundo o qual:
A indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil”.
Assim e segundo o referido art. 483.º do Código Civil “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer outra disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Tratando-se sempre de uma atuação ilícita (cf. 483.º, do Código Civil), como já se mencionou e decorre a prática do apontado crime, que é imputável às arguidas, sendo esta a causa de pedir que fundamenta, em cada caso, os pedidos de indemnização cível.
Assim, desde logo é titular do direito de ser indemnizado aquele que foi diretamente visado com a apurada conduta das arguidas, como é o diretamente ofendido com a conduta criminosas das arguidas.
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Nesta conformidade e passando para os critérios de determinação da indemnização, temos logo o disposto no art. 562.º do Código Civil, segundo o qual “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, para logo de seguida estipular-se no art. 563.º do Código Civil que “A obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, sendo o seu cálculo efetuado nos termos do art. 564.º do referido corpo de leis, o qual abrange tanto os danos emergentes, correspondentes à perda ou diminuição do património, como os lucros cessantes, os quais consistem na quantia que o lesado deixou de obter ou o valor da vantagem patrimonial que perdeu, compreendendo nestes os danos futuros, desde que previsíveis.
Tratando-se de indemnização em dinheiro, por a reconstituição natural não ser obviamente possível nalguns casos, e segundo a teoria da diferença estabelecida no art. 566.º, n.º 2 do Código Civil esta terá “(...)como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos”.
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A esta luz vejamos o caso dos autos:
A decisão impugnada ancora-se na teoria da representação tolerada ou aparente, a qual, contudo, não se encontrava normativamente prevista para o mediador de seguros ao tempo da prática dos factos a que se reportam os presentes autos, e que no entender tribunal a quo encontra apoio na extensão analógica do art. 23.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 178/86, que regula o contrato de agência.
A questão está em saber se a seguradora, que celebrou com cada uma das arguidas um contrato de mediação de seguros, concretamente de agente de seguros, responde pelos danos causados por aquelas a terceiros no exercício da atividade de mediação de seguros.
O Tribunal a quo respondeu afirmativamente a esta questão, condenando a seguradora demandada, com base na ideia da existência de uma representação tolerada ou aparente, fundamentando a solução na analogia com o disposto no art. 23.°, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 178/86, que disciplina o contrato de agência.
Com o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se-nos que não tem agasalho nos factos, já corrigidos por este Tribunal nos termos acima decididos, nem na lei ao caso aplicável.
Vejamos sucintamente o porquê desta afirmação.
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BREVE SINOPSE SOBRE O MEDIADOR DE SEGUROS
De harmonia com o disposto na alínea c) do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 144/2006, a lei de mediação de seguros atualmente em vigor, é mediação de seguros «qualquer atividade que consista em apresentar ou propor um contrato de seguro ou praticar outro ato preparatório da sua celebração, em celebrar o contrato de seguro, ou em apoiar a gestão e execução desse contrato, em especial em caso de sinistro».
Assim, o mediador, pese embora possa celebrar contratos de mediação com as seguradoras, apresenta-se como um profissional independente, o que quer dizer, que não escora os interesses da seguradora, estando obrigado a manter uma posição de neutralidade e equidistância.
Como ensina Menezes Cordeiro ([90]) hoje em dia “o mediador de seguros projeta-se, pela natureza do seu negócio, no hemisfério dos tomadores" e na Alemanha, o Supremo Tribunal Cível alemão (BGH) chegou mesmo a declarar, em aresto de 1985, o mediador "como um gestor fiduciário do tomador de seguro”.
Situação que não admira se tivermos presente o facto de o mediador de seguros ser nomeado pelo tomador de seguro e não pela seguradora (cf. art. 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 388/91 e art. 40.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 144/2006). E tal como tem o direito de nomear mediador para o seu contrato de seguro, o tomador de seguro pode igualmente removê-lo (cf. art. 5.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 388/91 e art. 40.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 144/2006).
Na verdade, o estatuto legal impõe ao mediador deveres de comportamento tanto para com a seguradora como para o tomador de seguro (cf. art. 8.º do Decreto-Lei n.º 388/91 e arts. 29.º a 37.º do Decreto-Lei n.º 144/2006).
Dentro desses deveres está abarcado o de assistir o contrato de seguro durante a sua vigência, prestando apoio às partes, nomeadamente, em caso de sinistro [cf. art. 8.º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 388/91 e art. 29.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º  144/2006).
A mediação de seguros, enquanto atividade levada a cabo profissionalmente por alguém, pessoa singular ou coletiva, desdobra-se em dois aspetos, que se podem cumular, uma propedêutica da negociação entre as partes, seguradora e tomador de seguro, que tende à celebração do contrato de seguro, e a outra de apoio ("assistência" na terminologia da lei antiga) a um contrato de seguro já celebrado. O mediador de seguros é alguém que exerce profissionalmente a atividade de mediação de seguros, em qualquer dos ses aspetos, preparando a celebração de contratos de seguro entre um candidato a tomador de seguro e uma seguradora ou prestando assistência a qualquer um destes no âmbito de um contrato de seguro já celebrado e em execução.
Assim, podemos afirmar que para além de independente, o mediador de seguros é autónomo, uma vez que exerce a profissão por sua conta e risco, suportando os custos da sua atividade. Ele é um profissional livre, remunerado através de comissões que dependem do resultado da sua atividade. Não tem qualquer subordinação não tem também qualquer subordinação jurídica à seguradora, à qual não cabe poder algum de fiscalização ou de supervisão.
A mediação de seguros distingue-se da atividade seguradora propriamente dita, uma vez que na mediação o mediador não toma riscos celebrando contratos de seguro em seu nome, antes preparando a celebração desses contratos entre um tomador de seguro e uma seguradora ou auxiliando as partes na sua execução, quando celebrados.
O mediador de seguros exerce uma atividade de intermediação negocial, casualmente acrescida da assistência a contratos de seguro em vigor, nunca, contudo, uma atividade seguradora propriamente dita - envolvendo a tomada de riscos em nome próprio - para a qual não tem capacidade de gozo.
A mediação de seguros é distinta quanto ao objeto da atividade seguradora propriamente dita e é levada a cabo pelo mediador e não pela seguradora.
Na verdade, se bem vemos ([91]), a pessoa que exerce a mediação de seguros não atua, no seu desempenho profissional, em nome da seguradora, no seu lugar, nem a representa juridicamente para a celebração de contratos.
A atividade de mediação de seguros, conexa embora com a atividade seguradora, da qual depende, é feita por pessoas diferentes, cada qual atuando em nome próprio no âmbito da sua atividade específica.
O regime jurídico vigente, a propósito da noção de mediador ligado e de agente de seguros, dispõe, quanto ao primeiro, que exerce a mediação de seguros "em nome e por conta de uma empresa de seguros", e quanto ao agente de seguros, que "exerce a atividade de mediação de seguros em nome e por conta de uma ou mais empresas de seguros ou de outro mediador de seguros"
[art. 8.º, alínea a) (i) e alínea b) do Decreto-Lei n.º 144/2006). E Igualmente o disposto no art. 17.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 144/2006 preceitua dever o agente de seguros «celebrar um contrato escrito com cada uma das empresas de seguros que vai representar, através do qual a empresa de seguros mandata o agente para, em seu nome e por sua conta, exercer a atividade de mediação, devendo aquele contrato delimitar os termos desse exercício».
A interpretação jurídica destes normativos deve a nosso ver ser levada a efeito no seu enquadramento sistemático do regime da mediação e não atender pura e simplesmente ao sentido decorrente do seu teor literal mais imediato.
Na verdade, o mediador de seguros não é um mandatário, a sua atividade não é jurídica, não tem por objeto a prática de atos jurídicos.
Por sua vez, se o agir em nome da seguradora fosse o sentido correto das aludidas disposições, elas entrariam em contradição direta com o disposto no art. 29.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 144/2006, que estabelece a necessidade de um instrumento escrito para a celebração de contratos em nome da seguradora, o que significa que, em regra e por princípio, a atuação do mediador de seguros não tem dimensão representativa daquela, não visa substituí-la na conclusão de contratos de seguro, que continua a ser feita diretamente pela seguradora.
Na referência à atuação em nome da seguradora a lei, na leitura que dela fazemos, não tem em vista uma atividade negocial do mediador de seguros, a celebração de contratos propriamente dita, para a qual aquele não tem poderes.
Preceitua-se imperativamente que a atividade de mediação a levar a cabo por um agente de seguros pressupõe a prévia celebração de um contrato de mediação com uma seguradora ou com outro mediador de seguros. A mediação de seguros por um agente não pode ter lugar licitamente sem que esse contrato haja sido concluído. Assim, uma vez celebrado esse contrato de mediação, o mediador de seguros não está autorizado a efetuar a mediação para seguradora diferente daquela com quem celebrou contrato de mediação; tem de o fazer para ela, porque está vinculado a isso.
Por sua vez, quando o mediador ligado e o agente de seguros promovem a intermediação de seguros com um "cliente" estão obrigados a informá-lo de qual é a seguradora ou o mediador de seguro com a qual trabalham (ou as seguradoras, se for mais do que uma) [cf. o art. 32.º, n.º 2 alínea b) do DL n.º 144/2006].
Nesta delimitação do âmbito das empresas de seguro para as quais a mediação pode ser realizada pelo mediador ligado e pelo agente de seguros e ainda no dever de informação ao "cliente" da identidade da seguradora para a qual o mediador de seguros exerce a mediação reside o significado da atuação por conta e em nome da seguradora. O mediador atua para a seguradora com a qual tem um contrato de mediação (por conta dela) e deve referenciar esse facto aos "clientes", informando-os que só nela pode ser feita a colocação de seguros (em seu nome).
Afigura-se-nos ser neste sentido muito amplo que a lei atual da mediação de seguros fala numa atuação em nome da seguradora e por sua conta. Contudo, não está aqui em causa uma verdadeira representação jurídica ou uma representação jurídico negocial, para a qual o mediador de seguros não tem poderes, mas, no fundo, a delimitação da seguradora ou das seguradoras com as quais o mediador se encontra legalmente autorizado a trabalhar e que deve identificar aos seus “clientes”.
Apesar do que dito fica, uma coisa nos parece certa: quando realiza a mediação com o "cliente", o mediador surge no seu desempenho profissional, que não se confunde com a atividade seguradora.
Na verdade, ele age sempre em nome próprio na sua qualidade de mediador, não representando a seguradora. A circunstância da lei lhe impor a identificação da seguradora a que se encontra ligado contratualmente e onde o seguro será colocado, não faz disso um caso de representação jurídica, seja institucional, orgânica ou negocial.
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In casu, como vimos, no segmento relativo à decisão da matéria de facto o Tribunal a quo expressava que "as arguidas desempenhavam funções na Companhia de Seguros "..." (facto 3, 132 e 134), situação que já foi corrigida por este Tribunal com eliminação destes segmentos. O tribunal de 1.ª instância partiu da circunstância das arguidas serem mediadoras com ligação contratual à seguradora para dar como facto provado que "desempenhavam funções na Companhia de Seguros "...".
Como emerge do que já acima dito ficou, com o devido respeito por opinião em contrário, este entendimento ancora-se num erro que a caracterização da atividade do mediador de seguros revela: o mediador de seguros — agente de seguros, no caso — não integra a organização empresarial interna da própria seguradora, não faz parte da hierarquia laboral desta, realizando antes o seu trabalho na sua própria empresa, com plena autonomia daquela.
Deste modo, da existência de um contrato de mediação de seguros não podemos extrair e muitos menos dar como provado que desempenha funções na seguradora, pois, tal contraria a autonomia da profissão do mediador e supõe uma confusão entre a mediação de seguros e a atividade seguradora, que pode e deve ser evitada, nos precisos termos já acima decididos por se mostrar errada.
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O MEDIADOR DE SEGUROS NÃO REPRESENTA A SEGURADORA
O mediador de seguros não é um representante negocial da seguradora. O mediador de seguros atua em nome próprio na prossecução da sua atividade e não celebra contratos de seguro com os seus "clientes", intermediando somente a respectiva conclusão, que cabe à seguradora.
Na verdade, mediador de seguros promove a celebração de contratos entre um tomador de seguro e uma seguradora, não celebra contratos em nome da seguradora.
O art. 4.º, n.º 1 do DL n.º 388/91 dispõe que "o mediador de seguros não pode, salvo no caso previsto no número seguinte, dar como celebrado um contrato em nome da seguradora sem a prévia aprovação desta". Por sua vez, o n.º 2, prevê a possibilidade da seguradora acordar com um mediador a celebração por este, em nome daquela, de contratos de seguro (salvo fundos de pensões), contando que o mediador faça um seguro de responsabilidade civil para garantir a sua responsabilidade.
O mediador de seguros não tem legalmente poderes de representação da seguradora, estando impedido de atuar em nome dela na celebração de contratos de seguros. A lei antiga dispunha, no entanto, que a seguradora acordasse contratualmente a concessão de poderes de representação negocial ao mediador. Neste caso, a fonte da representação seria um negócio jurídico, ou seja, uma situação normal de representação voluntária baseada numa procuração.
A lei atual num quadro pressuposto em que o mediador de seguros não representa a seguradora, o art. 29.º, alínea a) do DL n.º 144/2006 proíbe o mediador de celebrar contratos de seguro em nome da seguradora se não tiver poderes de representação outorgados por ela. E isto é assim porque não representa a seguradora nem tem poderes (legais) de representação, o mediador de seguros, qualquer que seja a sua categoria, está proibido de contratar seguros ou celebrar quaisquer outros contratos em nome da seguradora ([92]).
Na verdade, se bem vemos, o mediador de seguros quando se apresenta aos seus "clientes" como colaborador de uma seguradora, em favor da qual exerce a mediação, não se substitui a ela na contratação do seguro, nem a vincula a qualquer contrato, salvo havendo procuração a seu favor e nos termos desta.
Assim, uma vez que o mediador de seguros não goza de poderes de representação da seguradora, está impedido de atuar em seu nome na celebração de contratos.
Este regime jurídico, que rejeita a representação da seguradora pelo mediador de seguros, tem fonte na lei. Quer isto dizer que se impõe a qualquer pessoas, logo à pessoa dos demandantes/ofendidos, os quais não podem invocar a ignorância da lei (art. 6.º do Código Civil).
 Ora no que concerne às mediadoras/arguidas, provado ficou que:
—Elas apenas poderiam dar como celebrados contratos de seguros, em nome e por conta da demandada, quando esta o autorizasse por escrito, o que nunca aconteceu (ponto 152 dos factos provados);
—Nunca foi emitido pela demandada seguradora qualquer instrumento de poderes de representação da demandada, nomeadamente, para celebrar contratos de seguro, os quais, nos casos concretos destas mediadoras, sempre careceram de submissão das respetivas propostas à apreciação da demandada, para sua eventual aceitação (ponto 152 dos factos provados).
Assim, à ausência de poderes legais de representação acresce a falta de procuração outorgada por esta seguradora a favor das agentes de seguros / arguidas, não deixando margem para qualquer dúvida que estas não tinham poderes para atuar em nome da seguradora e representá-la junto de terceiros (os ofendidos) na celebração de contratos, qualquer que fosse a natureza destes.
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MEDIAÇÃO DE SEGUROS E CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO
Na decisão impugnada assume-se que o contrato de mediação de seguros se integra na categoria de contratos de distribuição.
Este considerando tem implicações valorativas, uma vez que funda a semelhança entre a mediação de seguros e a agência e torna possível a extensão analógica à primeira da representação aparente prevista no art. 23.º, n.º 1 do DL n.º 178/86.
Quanto a nós é duvidoso que assim seja. Diferentemente do que sucede com os verdadeiros contratos de distribuição, o mediador tem uma posição de equidistância em relação às partes, estando obrigado mesmo à imparcialidade. Por essa razão, tem alguma densidade a teia atual de deveres jurídicos do mediador perante o tomador de seguro. No regime vigente da mediação de seguros o pendor normativo cai para a proteção do tomador de seguro, numa lógica de prestação de serviço que é muito diversa da lógica da distribuição comercial da agência ou da franquia. Nesta sede cabe não olvidar que quem nomeia o mediador de seguros para o contrato é o tomador de seguros, a quem assiste igualmente o direito de o remover.
Por sua vez, o mediador de seguros pode ser nomeado apenas para a assistência ao contrato de seguro. Daí que atividade de mediação de seguros se afaste do modelo de relação entre o agente e o principal.
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RESPONSABILIDADE CIVIL DO MEDIADOR DE SEGUROS PELA VIOLAÇÃO DE DEVERES PROFISSIONAIS
Os deveres que a lei impõe ao mediador de seguros ([93]) a favor do tomador de seguro (“cliente”) e da seguradora são deveres próprios, de índole profissional, que entram na sua esfera jurídica e que ele tem de cumprir, não sendo, em caso algum, deveres da atividade seguradora que recaiam nas empresas de seguros.
Na verdade, como flui do que acima dito ficou, o mediador de seguros não age em nome da seguradora no exercício da atividade de mediação, mas em seu nome. Os atos de mediação que pratica no desempenho profissional dessa atividade são atos seus, não da seguradora ou de qualquer outra pessoa.
Assim, se do comportamento do mediador de seguro decorre uma violação de dever jurídico que causa danos ele é responsável pelo respectivo ressarcimento.
A esse propósito o art. 9.º do DL n.º 388/91, reza assim: "o mediador é responsável perante o tomador de seguro, os segurados, as pessoas seguras, os beneficiários e as seguradoras pelos factos que lhe sejam imputáveis (...)".
A lei de mediação de seguros em vigor não consagrou um preceito semelhante. Contudo, podemos afirmar que o regime jurídico se mantém sem alterações. A responsabilidade civil pela atividade de mediação, de natureza contratual ou extracontratual segundo a fonte do dever violado e o regime jurídico a que ele se encontre sujeito, respeita somente ao mediador de seguros pelo comportamento de violação de um dever específico da sua atividade profissional, não à seguradora, que não exerce naturalmente a mediação de seguros ([94]).
A responsabilidade civil do mediador de seguros assenta no comportamento profissional que desrespeita deveres de conduta legal ou contratualmente estabelecidos.
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O MEDIADOR DE SEGUROS É LEGALMENTE RESPONSÁVEL PELOS DANOS QUE CAUSA A TERCEIROS NO EXERCÍCIO DA SUA ATIVIDADE
Como flui do que já acima ficou dito, o exercício profissional da mediação de seguros envolve para o mediador de seguros um conjunto alargado de deveres.
Esses deveres não abarcam somente a relação jurídica entre a seguradora e o mediador de seguros, respeitam do mesmo modo aos terceiros com os quais o mediador contacta, os seus “clientes”, e isto quer no domínio da lei anterior (art. 8.º do DL n.º 388/91) como no da lei vigente (arts. 29.º e 30.º do DL n.º 144/2006).
No que aqui releva quanto à questão civil a violação de deveres legais pelos mediadores de seguros acarreta, havendo danos, responsabilidade civil (cf. o referido art. 9.º do DL n.º 388/91). Como vimos, o DL n.º 144/2006 não contém preceito semelhante, mas o regime jurídico mantém-se: o mediador de seguros responde pelos factos ilícitos cometidos no âmbito da mediação que pratica.
Assim, a responsabilidade civil do mediador de seguros defronte dos seus “clientes”, consubstancia uma responsabilidade civil subjetiva: respeita unicamente à pessoa do mediador de seguros.
Deste modo, no caso em apreço, as mediadoras/arguidas face à materialidade fática provada e fixada supra por este Tribunal, mostram-se responsáveis pela reparação dos danos causados com a sua conduta aos ofendidos, e são as únicas responsáveis por eles, pelas razões que acrescentaremos mais abaixo.
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A SEGURADORA NÃO É RESPONSÁVEL PELOS ATOS DO MEDIADOR DE SEGUROS
Com o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se-nos que a imputação de danos a outra pessoa que não as agentes implica uma norma legal que a efetive.
Perante a ausência de tal norma jurídica, ninguém pode ser responsabilizado pelos atos de outra pessoa.
Na verdade, a regra do Direito português é a da responsabilidade civil subjetiva; a responsabilidade civil objetiva supõe uma norma jurídica que a prescreva (cf. art. 483.º, n.º 2 do Código Civil), a qual, quando exista, tem natureza excecional.
Ora, uma seguradora não pratica atos de mediação de seguros; é o mediador de seguros que os pratica.
Assim, se desses atos resultam danos para terceiros, é o agente do comportamento ilícito — o mediador de seguros — que responde por eles, e não a seguradora, que não levou a cabo qualquer ação ilícita.
Por isso mesmo é que o aludido art. 9.º do DL n.º 388/91 faz a imputação dos danos decorrentes da violação de deveres profissionais da mediação ao mediador de seguros e não à seguradora, que não pratica atos de mediação ([95]).
Ora, como bem expressa José Alberto  ([96]) «no regime jurídico da mediação de seguros, tanto no anterior como naquele que está em vigor, o legislador não previu qualquer responsabilidade civil da seguradora por atos do mediador de seguros. Desta forma, ou ela resulta das hipóteses típicas (e excecionais) da lei civil ou temos de a desconsiderar para a seguradora na hipótese colocada, que é a dos autos
Na verdade, se bem vemos, inexiste qualquer norma jurídica que faça recair sobre a seguradora o risco da atuação ilícita do mediador de seguros; nem mesmo isso sucede no regime da mediação de seguros, nem no regime geral do Código Civil.
Em sede de Código Civil poderia cogitar-se na hipótese de a seguradora ser comitente do mediador de seguros.
Contudo, esta ideia esbarra com a liberdade do mediador enquanto prestador de serviços.
Na verdade, o mediador não se encontra sujeito às ordens, instruções ou supervisão da seguradora, exerce a sua profissão com independência e autonomia.
Por sua vez, a mediação de seguros não constitui uma comissão nos termos do art. 500.º do Código Civil.
Nesta ordem de ideias a demandada/seguradora não poderia ter sido julgada responsável civil defronte dos ofendidos pelas ações cometidas pelas mediadoras/arguidas nos presentes autos.
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REPRESENTAÇÃO PELA APARÊNCIA E MEDIAÇÃO DE SEGUROS
A decisão impugnada lança mão à teoria da procuração tolerada e aparente para considerar a seguradora/demandada responsável defronte dos ofendidos pela indemnização dos danos sofridos por estes.
Para tal, leva a efeito extensão analógica do art. 23.º, n.º 1 do DL n.º 178/86, inserido na disciplina jurídica do contrato de agência, uma vez que não estava em vigor, na data dos factos aqui em causa, o regime do art. 30.º, n.º 3 do DL n.º 72/2008.
A decisão recorrida para além do acolhimento expresso da doutrina da representação tolerada ou aparente, o Tribunal a quo afirma que, ao contrário do Direito Civil, onde, nas suas palavras, estaria apenas implicada a responsabilidade civil, no Direito Comercial a doutrina em causa acarretaria uma “representação efetiva”.
Porém, com o devido respeito por opinião em contrário, por uma banda, in casu não se verificam todos os requisitos da procuração tolerada e aparente, e a aparência pelas razões que resumidamente acrescentaremos mais abaixo, não constitui fonte de poderes representativos do mediador de seguros na nossa ordem jurídica; por outra, como não há qualquer lacuna há uma impossibilidade legal de aplicação analógica do art. 23.º, n.º 1 do DL n.º 178/86.
Vejamos.
Como é sabido a teoria da representação pela aparência foi criada na pela doutrina e jurisprudência alemãs.
No nosso país sempre foi recusada uma proteção geral da aparência jurídica, tendo apenas expressão em domínios particulares - com um âmbito muito inferior, de resto, a todo o complexo do Direito Comercial - em particular, no regime dos títulos de crédito, cuja fonte normativa é internacional.
Em Portugal tendo em mente o primado da segurança jurídica sobre a tutela da aparência, esta só pode ser considerada defronte de norma jurídica que a preveja.
Assim, quando efetivamente consagrada, ela assume foros de exceção, dado o valor oposto (o da tutela da segurança jurídica) perseguido pelo sistema jurídico português.
Nesta linha de pensamento uma extensão analógica de regras excecionais, no caso dos autos do referido art. 23.º, n.º 1 do DL 178/86, depara com outro obstáculo: o da proibição de aplicação analógica de regras excecionais (cf. art. 11.º do Código Civil)
Por sua vez, a decisão impugnada entende a doutrina da representação tolerada ou aparente como doutrina de responsabilidade civil e não de vinculação representativa. A conduta das pretensas representantes teria como efeito, não a vinculação da representada (a seguradora) aos contratos negociados, mas a responsabilidade da última pela devolução do dinheiro ilicitamente apropriado a terceiros pelas primeiras.
Como é bom de ver isto não nos parece aceitável.
Na verdade, uma teoria de representação não pode ser metamorfoseada numa teoria de imputação de danos. Se assim fosse encontrado estava o meio de alterar o regime da responsabilidade civil, promovendo a imputação de danos a alguém numa situação em que tal responsabilidade não resultaria do regime jurídico instituído. A gravidade desse desequilíbrio acentua-se quando isso coloca em causa um regime excecional, como o da responsabilidade civil pelo risco que vê alargado no seu âmbito de aplicação fora dos casos previstos na lei, como se prevê no art. 483.º, n.º 2 do Código Civil.
Na verdade, como o devido respeito por opinião em contrário, não se podem importar institutos estrangeiros sem previamente levar a efeito uma adequada ponderação dos valores próprios do sistema jurídico português.
Ora, no caso em apreço, com o devido respeito por opinião em contrário, o sacrifício da integridade da nossa ordem jurídica, não parece justificado só porque num caso algumas pessoas ficam despojadas de dinheiro por acção criminosa de duas mediadoras de seguros e existe uma seguradora que pode remediar o problema.
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Na nossa humilde opinião a aparência não constitui fonte de poderes representativos na ordem jurídica portuguesa.
Assim, o único facto constitutivo da representação voluntária é a procuração.
Deste modo, quem negoceia com um alegado representante tem o poder de exigir a prova dos poderes de representação (cf. art. 260.º, n.º 1 do Código Civil); se não o faz e contrata com um falso procurador não pode pretender que o representado fique vinculado a esse contrato (cf. art. 268.º n.º 1 do Código Civil).
O nosso regime promove a defesa do representado em detrimento da tutela do terceiro, dando preferência ao valor da segurança jurídica sobre o do tráfego jurídico ([97]).
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REGIME COMERCIAL PARA REPRESENTAÇÃO VOLUNTÁRIA?
Na decisão impugnada afirma-se que existe um regime da representação voluntária.
Com o devido respeito por opinião em contrário, não vislumbramos onde fundar a existência de um tal regime jurídico.
Com efeito, o art. 23.º, n.º 1 do DL n.º 178/86 vale apenas para o contrato de agência e, à época na data dos factos aqui ajuizados, nenhuma outra disposição normativa consagrava uma representação aparente. Por sua vez, o regime da representação voluntária no Código Civil constitui Direito geral ou comum: aplica-se sempre que não haja regime especial ou excecional.
Quanto a este concreto ponto Menezes Cordeiro ([98]) ensina que deixou cair a tentativa por si ensaiada de uma doutrina da representação aparente no Direito Comercial: «não é possível em termos substantivos autonomizar soluções comerciais no Direito português».
E como bem expressa o José Alberto  ([99]) «Não existe um regime comercial autónomo em matéria de representação voluntária e muito menos se prevê no Direito Comercial uma tutela da aparência representativa»
Assim, há que afastar — como aqui se afasta — a aplicação da doutrina da representação aparente ao mediador de seguros e ao caso em apreço.
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A NATUREZA EXCECIONAL DO ART. 23.º, n.º 1 do DL N.º 178/86
No nosso Direito positivado a representação voluntária decorre da outorga de procuração pelo representado (cf. art. 262.º do Código Civil); se esta não é conferida, nenhuma vinculação pode resultar para aquele da ação de falso procurador, a não ser havendo ratificação (cf. art. 268.º, n.º 1 do Código Civil).
Deste modo como bem expressa José Alberto  ([100]): «quando se positiva uma norma jurídica, no caso o art. 23.º, n.º 1 do DL n.º 178/86, que permite que alguém fique vinculado a um negócio jurí-dico celebrado em seu nome para o qual não manifestou vontade negocial nem atribuiu procuração ao representante, essa norma tem uma incontestável e incontroversa natureza excecional defronte das normas gerais constantes dos artigos 262.° e 268.°, n.º 1 do Código Civil».
Assim, no caso em apreço, surpreende que a decisão impugnada proponha a criação de um regime comercial de representação pela aparência com base numa norma excecional.
Cumpre aqui expressar que, com o devido respeito por opinião em contrário, a decisão impugnada carece de agasalho constitucional, pois não cabe ao Tribunal a quo o exercício do poder de órgão legiferante. Na verdade, se bem vemos, não se trata apenas da resolução de um caso concreto por via de uma aplicação analógica, mas de fabricar todo um novo regime jurídico de representação voluntária, com um novo facto constitutivo (a aparência), o que não na realidade não podemos aceitar.
A tudo isto acresce que, com o devido respeito por opinião em contrário, igualmente se nos afigura que andou mal o Tribunal a quo quando leva a efeito uma aplicação analógica de uma regra excecional.
Ora a aplicação analógica do art. 23.º, n.º 1 do DL n.º 178/86 à mediação de seguros envolve uma violação direta do comando inserto no art. 11.º do Código Civil, pela extensão analógica de uma norma jurídica excecional.
Como norma excecional, e existindo um regime geral contrário (o da representação voluntária no Código Civil), o art. 23.º, nº 1 do DL n.º 178/86 não pode ter a sua aplicação estendida ao mediador de seguros.
O STJ no seu Ac. de 18-dez.-2007 ([101]), num caso em que se discutia a aplicabilidade do art. 23.º, n.º 1 do DL n.º 178/86 ao mediador de seguros sentenciou bem "Para que se pudesse aplicar aqui o estatuído no nº 1 do art. 23º do DL. Nº 178/86, de 3 de junho, necessário seria que estivéssemos perante um caso lacunar a merecer tratamento de acordo com os cânones do art. 10º do CC".
A verdade é que a nosso ver não existe nenhuma lacuna a integrar nesta matéria. Conforme nota o STJ no Ac. de 18-dez.-2007 ([102]) raciocinando no quadro do DL n.º 388/91 - o art. 4.º, n.º 1 deste diploma expressamente dispõe que o mediador de seguros não representa a seguradora, a não ser que haja acordo nesse sentido (n.º 2). E esse é igualmente o regime atual [art. 29.º, alínea a) do DL n.º 144/2006].
Assim, tanto o DL n.º 388/91 como o DL n.º 144/2006, ambos posteriores ao DL n.º 178/86, poderiam ter consagrado a solução constante do art. 23., n.º 1 deste último diploma. No entanto, somente com o DL n.º 72/2008 ela veio a ser adotada para a mediação de seguros, não se encontrando prevista até aí.
Assim, o mediador de seguros estava, antes de 1 de janeiro de 2009, altura da entrada em vigor do DL n.º 72/2008, sujeito apenas ao regime geral da representação voluntária inserto no Código Civil, que não admite uma representação aparente.
 Deste modo, não existe qualquer lacuna que determine a necessidade de analogia em matéria de representação do mediador de seguros. A lei geral tem perfeita aplicação: aquele que age em nome de outrem sem poderes de representação não vincula o representado ao negócio jurídico concluído, a não ser que este o ratifique (art. 268.º do Código Civil).
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Ora a aplicação analógica do art. 23.º, n.º 1 do DL n.º 178/86 à mediação de seguros envolve uma violação direta do comando inserto no art. 11.º do Código Civil, pela extensão analógica de uma norma jurídica excecional.
Como norma excecional, e existindo um regime geral contrário (o da representação voluntária no Código Civil), o art. 23.º, nº 1 do DL n.º 178/86 não pode ter a sua aplicação estendida ao mediador de seguros.
O STJ no Ac. de 18-dez.-2007 ([103]), num caso em que se discutia a aplicabilidade do art. 23.º, n.º 1 do DL n.º 178/86 ao mediador de seguros sentenciou bem: "Para que se pudesse aplicar aqui o estatuído no nº 1 do art. 23º do DL. Nº 178/86, de 3 de junho, necessário seria que estivéssemos perante um caso lacunar a merecer tratamento de acordo com os cânones do art. 10º do CC".
A verdade é que a nosso ver não existe nenhuma lacuna a integrar nesta matéria. Conforme nota o STJ no Ac. de 18-dez.-2007 ([104]) raciocinando no quadro do DL n.º 388/91 - o art. 4.º, n.º 1 deste diploma expressamente dispõe que o mediador de seguros não representa a seguradora, a não ser que haja acordo nesse sentido (n.º 2). E esse é igualmente o regime atual [art. 29.º, alínea a) do DL n.º 144/2006].
Assim, tanto o DL n.º 388/91 como o DL n.º 144/2006, ambos posteriores ao DL n.º 178/86, poderiam ter consagrado a solução constante do art. 23., n.º 1 deste último diploma. No entanto, somente com o DL n.º 72/2008 ela veio a ser adotada para a mediação de seguros, não se encontrando prevista até aí.
Assim, o mediador de seguros estava, antes de 1 de janeiro de 2009, altura da entrada em vigor do DL n.º 72/2008, sujeito apenas ao regime geral da representação voluntária inserto no Código Civil, que não admite uma representação aparente.
 Deste modo, não existe qualquer lacuna que determine a necessidade de analogia em matéria de representação do mediador de seguros. A lei geral tem perfeita aplicação: aquele que age em nome de outrem sem poderes de representação não vincula o representado ao negócio jurídico concluído, a não ser que este o ratifique (art. 268.º do Código Civil).
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FALTA DE ANALOGIA ENTRE O MEDIADOR DE SEGUROS E O AGENTE
Ainda que houvesse lacuna no regime da mediação de seguros - que não há - nem por isso se justificaria a aplicação do art. 23.º, n.º 1 do DL n.º 178/86.
Na verdade, as atividades do mediador de seguros e do agente oferecem diferenças significativas que não permitem fundamentar a semelhança pressuposto da aplicação analógica de uma regra jurídica.
Sentenciou o STJ no acórdão de 18-dez.-2007 ([105]): «Os regimes de mediação de seguros e de agência tratam situações jurídicas bem diferentes: o mediador de seguros exerce uma atividade tendente à realização de contratos de seguro, dando assistência à celebração dos mesmos, o agente atua por conta de outrem (do principal). Isto, por si só, seria o suficiente para afastarmos a pretendida aplicação analógica: não estamos perante casos semelhantes, antes, pelo contrário, perante situações totalmente distintas".
E continua o nosso mais Alto Tribunal no mesmo aresto ([106])  mais à frente:
«Dúvidas poderiam surgir, no plano da teorização, sobre a possibilidade de aplicação analógica entre do regime do contrato de agência ao regime do contrato de medição de seguros, mas as mesmas depressa se teriam de dissipar.
«É que o mediador atua com inteira independência e imparcialidade e no interesse de ambos os contraentes; diferentemente, o agente atua por conta do principal, representando-o economicamente. Ora, o que acontece com a chamada procuração aparente é que alguém se arroga representante de outrem, sem conhecimento do "representado", sendo que se este tivesse "usado do cuidado exigível, designadamente na vigilância dos seus subordinados, poderia (e deveria) prevenir a situação. Teríamos, assim, como elemento objectivo, a aparência da representação e, como elemento subjetivo, a negligência do "representado" (vide Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português - I - Parte Geral, Tomo IV, pág. 103).»
«Está, deste modo, clara a dificuldade por nós apontada de aplicar aqui, no regime de mediação de seguros, onde o mediador é independente da seguradora, o regime consagrado para o contrato de agência».
Assim, pelas razões acima apontadas afigura-se-nos que a especificidade da atividade de mediação de seguros afasta a analogia com o art. 23º, n.º 1 do DL n.º 178/86: este preceito é inaplicável no âmbito daquela atividade.
Deste modo, o problema da semelhança entre o agente e o mediador de seguros não se coloca, por não haver lacuna alguma a integrar por via de analogia e, pelo contrário, ser aplicável o regime geral da representação voluntária, que é o do Código Civil.
Neste particular cabe aqui realçar que, de modo inverso ao que se expressa na decisão impugnada, o contrato de mediação de seguros não integra o mediador na cadeia de distribuição da seguradora, não constituindo um contrato de distribuição, porquanto, o mediador, para além de autónomo, é nomeado pelo tomador de seguro, tem deveres diretos para com este, incluindo a assistência ao contrato de seguro, e está, por isso, obrigado à imparcialidade, mesmo havendo contrato de mediação com a seguradora, o que faz da atividade de mediação de seguros uma atividade muito diversa daquela que o agente leva a cabo e justifica a recusa de analogia para efeitos de aplicação do art. 23.º, n.º 1 do DL n.º 178/86.
Parece-nos que a introdução do novo regime da representação aparente na mediação de seguros pelo art. 30.º, n.º 3 do DL n.º 72/2008 terá partido da orientação prevalente, segundo a qual, o art. 23.º, n.º 1 do DL n.º 178/86 não é aplicável ao mediador de seguros, por não haver lugar à aplicação analógica desse preceito. Pois, de outro modo, seria despiciendo fazê-lo constar do diploma regulador do contrato de seguro.
*

O CASO EM APREÇO E A REPRESENTAÇÃO TOLERADA
Na decisão impugnada expressa-se que a demandada / recorrente deverá ser condenada a pagar as indemnizações aos ofendidos com base numa "representação tolerada ou aparente" [cf. fls. 2816-2917 (fls. 29- 30 da decisão recorrida na versão junta aos autos (fls. 30-31 em PDF], fazendo uma aplicação analógica do art. 23.º, n.º 1 do DL n.º 178/86.
Apoia-se a decisão recorrida na teoria da representação tolerada ou aparente, fazendo uma aplicação de ambas as figuras, como se na realidade fossem o mesmo.
O Tribunal a quo começa por dizer, «que é possível configurar uma relação que se pode designar por «representação tolerada» (cf. fls. 2816 dos autos (fls. 29 da decisão impugnada), procurando descrever a figura com recurso a vários autores, para, mais à frente, afirmar que, no caso, «pode ainda falar-se em obrigações decorrentes de uma situação de representação aparente» (cf. fls. 2816 in fine, fls. 29 da decisão recorrida).
Esta indiferenciação mantém-se na decisão impugnada em sede conclusiva quando se afirma a no 2.º § de fls. 2819 (fls. 32 da decisão impugnada): «Em face do exposto, também consideramos, por força da referida representação tolerada ou aparente que a seguradora deve ser responsabilizada pela devolução dos valores entregues às arguidas (... )». E no último § de fls. 2819 dos autos (fls. 32 da decisão recorrida): «Em todo o caso, somos da opinião que deverá prevalecer a responsabilidade da ... baseada na representação aparente ou tolerada (...)».
Ora, desde já cabe aqui ter presente que os requisitos de ambas as figuras, da procuração tolerada e da procuração aparente, não são iguais e isso possibilita diferenciar as figuras uma da outra.
Assim, enquanto na procuração tolerada o representado conhece o comportamento do falso representante, mas não o contraria, afastando a aparência de representação defronte terceiros, na procuração aparente há da parte do representado uma ignorância no comportamento do falso procurador, mas um descuido nesse desconhecimento, que poderia ter evitado a formação da aparência da procuração.
Assim, com o devido respeito por opinião em contrário, contrariamente ao afirmado na decisão impugnada não é possível, no caso ema preço, afirmar simultaneamente uma procuração tolerada e uma procuração aparente; ou uma, ou outra, jamais ambas.
Contudo, admitindo como hipótese académica — que não admitimos, por não corresponder ao Direito positivado português —a possibilidade legal da procuração tolerada, vejamos sucintamente se a seguradora / demandada pode ser considerada responsável pela aparência.
Começamos por estabelecer os requisitos de aplicação do art. do art. 23.º, n.º 1 do DL n.º 178/86, recorrendo à interpretação do STJ no acórdão de 18-dez.-2007 ([107]), que aqui seguimos:
«- Que o agente, sem representação, tenha contratado em nome do principal;»
«- Que o terceiro tenha confiado, estando, pois, de boa fé, que o agente tinha poderes bastantes para a celebração do negócio;»
«- Que essa confiança seja objetivamente fundada; e, finalmente,
«- Que o principal haja contribuído para fundar essa confiança».
Além dos requisitos gerais da representação aparente segundo o art. 23º, n.º 1, do DL n.º 178/86, a procuração tolerada requer ainda:
—O conhecimento do comportamento de representação pelo representado;
—A tolerância do mesmo ([108]).
In casu nenhum dos factos assentes na matéria provada indica, que a seguradora tinha conhecimento de que as mediadoras se arrogavam representantes dela para efeitos de celebração de contratos relativos a produtos financeiros.
Ao invés, tudo aponta no sentido de que não conhecia, uma vez que:
—As propostas contratuais dos produtos financeiros nunca deram entrada na Companhia de Seguros;
—O mesmo sucedendo com o dinheiro recebido dos lesados (pontos 13, 28, 37, 44, 55, 63, 70, 75, 81, 89, 106, 115, 121 e 130 da matéria de facto provada);
—As mediadoras atuavam no âmbito das suas relações pessoais, de família e de amizade, em círculos fechados, fora, portanto, dos olhares públicos (ponto 5 da matéria de facto);
—Apenas em 22-dez.-2008, já depois de consumada toda a conduta criminosa que os autos revelam, a seguradora rescindiu os contratos com as mediadoras, alegando justa causa (ponto 154 da matéria de facto provada).
A circunstância das arguidas / demandadas serem mediadoras de seguros (agentes de seguros) com contratos de mediação celebrados com a seguradora não pode fazer presumir que a última conhecesse o logro representativo criado pelas mediadoras.
Assim, a partir da materialidade fáctica provada não podemos afirmar que a demandada/seguradora conhecia o comportamento representativo das mediadoras e, muito menos, que o tolerava. Não existem in casu factos que comprovem qualquer dos pressupostos específicos da representação tolerada.
Afastamos, assim, uma procuração tolerada no caso dos autos.
Por sua vez, summo rigore nem sequer existe uma aparência jurídica protegida nos termos do art. 23.º, n.º 1 do DL n.º 178/86.
Com efeito perante a materialidade fática provada e fixada por este TRL nos termos acima decididos, facilmente se vislumbra que a seguradora ignorava a atuação das mediadoras como suas representantes; se isto era assim, não podia ter tolerado a exteriorização de uma procuração não concedida e ser responsabilizada por uma aparência que não suscitou.
Na verdade, no caso em apreço no que concerne à representação aparente falta o primeiro requisito acima apontado.
Com efeito, provado ficou que:
—As propostas contratuais dos produtos financeiros nunca deram entrada na companhia de seguros;
—O mesmo sucedendo com o dinheiro recebido dos lesados (pontos 13, 28, 37, 44, 55, 63, 70, 75, 81, 89, 106, 115, 121 e 130 da matéria de facto provada);
—As mediadoras atuavam no âmbito das suas relações pessoais, de família e de amizade (ponto 5 da matéria de facto);
—Somente em 22-dez.-2008, já depois de consumada toda a conduta criminosa que os autos revelam, a seguradora rescindiu os contratos com as mediadoras, alegando justa causa (ponto 154 da matéria de facto provada).
Com estes factos, como devido respeito por opinião em contrário, não se mostra possível afirmar que a seguradora/demandada conhecia a conduta das mediadoras / arguidas e muito menos que a tolerou.
Assim, não se mostra in casu  operante a figura da representação tolerada no caso dos autos, o que aqui se declara.
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REPRESENTAÇÃO APARENTE
Afigura-se-nos que o caso dos autos não configura uma situação de procuração aparente.
Na decisão impugnada, invoca-se também uma situação de representação aparente [cf. fls. 2816-2817 dos autos – fls. 29-30 da decisão recorrida] para responsabilizar a seguradora pelos danos sofridos pelos terceiros lesados com os quais as mediadoras contrataram em seu nome.
Igualmente não se mostra possível fazer uma imputação à seguradora/demandada de representação aparente, uma vez que falham alguns dos requisitos de aplicação do art. 23.º, n.º 1 do DL n.º 178/86.

Vejamos.
A)O mediador de seguros, sem poderes de representação, contrata em nome da seguradora.
In casu, as arguidas não tinham poderes de representação da seguradora (pontos 152 e 155 da matéria de facto provada) e contrataram vários produtos financeiros com os seus clientes em nome da seguradora.
Assim, este pressuposto encontra-se demonstrado com os factos provados nos autos.
B)O terceiro tenha confiado, estando, pois, de boa-fé, que o mediador de seguros tinha poderes bastantes para a celebração do contrato.
No caso dos autos os terceiros lesados acreditaram que as mediadoras eram representantes da seguradora e que, por isso, depositaram confiança na representação daquelas.
De boa fé, porém, só poderemos falar numa conceção psicológica (se por boa fé se entende o mero desconhecimento da falta de representação, admitimos que os lesados estavam de boa fé), mas já não se seguirmos uma conceção subjetiva ética.
A lei prescreve no regime de mediação de seguros que o mediador (e, por conseguinte, também o agente de seguros) não representa a seguradora, a não ser que esta lhe conceda, por procuração, esses poderes (cf. os arts. 4.º, n.º 1 do DL n.º 388/91 e 29.º, alínea a) do DL n.º 144/2006).
Ora, a ignorância da lei não aproveita a ninguém (cf. art. 6.º do Código Civil). Para além disso, qualquer pessoa tem o poder de exigir a prova dos poderes representativos (art. 260.º n.º 1 do Código Civil).
Assim, luz de uma conceção subjetiva ética de boa fé, que entendemos por mais curial, parece-nos que no caso vertente a ignorância dos terceiros lesados sobre a falta de poderes representativos das mediadoras/arguidas é culposa, daí que, não estejam de boa fé.
Legalmente, o mediador de seguros não representa a seguradora, como acima vimos, e os terceiros tinham o poder de exigir a prova dos poderes representativos das arguidas mediadoras (art. 260.º, n.º 1 do Código Civil). Se não o fizeram sibi imputet. Assim reafirmamos que numa concepção subjetiva ética de boa fé, os ofendidos/demandantes não estavam de boa fé.
C)Que essa confiança seja objetivamente fundada
O art. 23.º, n.º 1 do DL n.º 178/87 determina que devem ter "existido razões pondes, objetivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do terceiro de boa fé na legitimidade do agente".
In casu, dúvidas não existem de que os terceiros lesados agiram na convicção de que as mediadoras representavam a seguradora.
Nem se compreenderia que de outra forma entregassem o dinheiro nas mãos das arguidas/mediadoras.
Isso mesmo se mostra demonstrado relativamente a cada um dos lesados (pontos 9, 20, 31, 32, 40, 47, 59, 86, 92, 110, 118, 125 da matéria de facto provada).
Contudo, a confiança que a lei refere não é, porém, uma confiança qualquer, designadamente, a confiança pessoal a que alude o ponto 5 da matéria de facto provada.
A confiança a que a lei alude não é uma confiança qualquer, nomeadamente, não é a confiança que os ofendidos depositavam nas mediadoras arguidas; o que a lei tem em vista é a confiança na existência de poderes representativos outorgados pelo representado.
Na realidade trata-se de uma confiança na existência de poderes representativos ("legitimidade") outorgados pela seguradora a favor do mediador de seguros. Por sua vez, essa confiança deve ser objetivamente fundada.
Por sua vez, essa confiança tem de ser fundada num comportamento qualquer do representado, que seja capaz de a infundir e de justificar.

In casu, da materialidade fáctica provada resulta que:
—Os terceiros lesados conheciam a qualidade de mediadoras de seguros das arguidas;
—Conheciam igualmente que elas exerciam a sua atividade de mediação a favor da companhia de seguros/ demandada (pontos 132 e 134 da matéria de facto provada).
Destes factos não se pode retirar que a ora demandada haja criado uma aparência de poderes representativos a favor das mediadoras arguidas.
Não há aqui qualquer comportamento próprio da seguradora/demandada que haja gerado ou contribuído para gerar a confiança nos poderes representativos das mediadoras / arguidas.
Mas serão estes factos suficientes para fundar uma confiança objetiva dos lesados na legitimação das mediadoras para a celebração dos contratos de produtos financeiros?
Se tivermos em mente que a lei não confere ao mediador de seguros (e, portanto, também ao agente de seguros) a representação das seguradoras, que requer sempre a emissão de procuração, e que faculta a qualquer pessoa o poder de exigir a prova do instrumento de procuração daquele que se arroga representante em nome de outrem (art. 260.º, n.º 1 do Código Civil), existem dificuldades em aceitar a existência de uma confiança objetivamente fundada, desde que se separe devidamente esta, que é a única a que a lei alude, da convicção interna formada por cada um dos lesados (confiança subjetiva).
Afigura-se-nos que para a concretização deste requisito não basta a mera aparência: esta tem de decorrer da conduta da seguradora e não meramente do comportamento das mediadoras arguidas.
D) A seguradora deve ter contribuído para fundar a confiança do terceiro na existência de poderes de representação a favor do mediador
Como bem expressa José Alberto  ([109]) «uma responsabilidade pela aparência representativa supõe que o representado se haja comportado de modo a desencadear defronte de terceiros de boa fé a confiança de que a procuração foi outorgada a favor do representante. Na ausência de um tal comportamento, a vinculação pela aparência fica excluída; de outro modo, qualquer pessoa ficaria vinculada de cada vez que alguém concluísse um negócio jurídico em seu nome e, portanto, mesmo que nada houvesse feito para fundar a confiança do terceiro contratante. A responsabilidade pela aparência requer a autoria, ou a coautoria, da aparência».
A exceção final do art. 23.º, n.º 1 do DL n.º 178/86 prende-se, pois, com a necessária participação do representado na criação da aparência jurídica da procuração. Se nada teve a ver com ela, o negócio jurídico celebrado pelo falso representante é quanto a ele ineficaz.
In casu, nenhum dos factos provados indicia sequer que a seguradora/demandada haja suscitado confiança nos terceiros ofendidos.
Na fundamentação da decisão impugnada (a fls. 2818-2819 dos autos — fls. 31 -32 da decisão recorrida) o Tribunal a quo aponta oito pontos que, a seu ver, justificariam a responsabilização da seguradora pela confiança criada nos terceiros lesados:
(i)As arguidas eram mediadoras para a ... e em regime de exclusividade;
(ii)As arguidas eram mediadoras dos ramos Vida e Não Vida;
(iii)A partir de 2007 e até 2008 as arguidas continuaram a ser mediadoras, sem que a seguradora tivesse alertado os clientes para a alteração do ramo de atividade das arguidas;
(iv)A seguradora beneficiou dos clientes que as mediadoras angariavam;
(v)As pessoas, e os lesados, conheciam a qualidade de mediadoras das arguidas;
(vi)Os lesados negociaram os contratos com as arguidas no pressuposto de que estas eram mediadoras da seguradora;
(vii)Os lesados acreditaram nessa situação;
(viii)Cabia à seguradora o dever de informar as pessoas dos poderes dos seus mediadores e da alteração desses poderes.
De todos estes pontos indicados pelo Tribunal a quo, curiosamente, nenhum decorre de um comportamento da seguradora, todos eles respeitem ao comportamento das arguidas ou dos lesados, que não é relevante para o requisito legal cuja apreciação está em causa, e haja confusão entre matéria de facto e Direito.

Importa pois aclarar o seguinte:
A qualidade de mediador de seguros, de ramo Vida ou Não Vida, não gera aparência representativa imputável à seguradora, ainda que haja um contrato de mediação entre o mediador e esta última. Aqui reafirmamos que lei portuguesa não atribui poderes de representação ao mediador de seguros e apenas a seguradora o pode investir seu procurador, nos termos gerais. O mediador de seguros não é um representante da seguradora.
Por sua vez, o conhecimento de que alguém é um mediador de seguros e exerce a mediação para uma determinada seguradora nos termos de um contrato de mediação não faz presumir que existam poderes representativos nem implica a criação de qualquer aparência pela seguradora.
Na verdade, assim não sendo, a seguradora seria responsável pela aparência relativamente a todos e cada um dos mediadores que exercem a mediação para si, o que não é o caso.
A circunstância de os lesados conhecerem a qualidade de mediadoras das arguidas e concluírem os contratos com elas no pressuposto da existência de representação da seguradora, em que acreditam, bem, vistas as coisas reporta-se somente à aparência gerada pelas primeiras, não a uma aparência criada pela última, que não interveio na situação de nenhuma forma.
Expressa-se no ponto (iii) da decisão recorrida (fls. 2918 dos autos – fls. 31 da decisão recorrida) que a seguradora não alertou os clientes para a alteração do ramo de atividade das arguidas. Com o devido respeito por opinião em contrário, não vislumbramos como desta alegada omissão da seguradora conduz a uma criação de aparência de procuração nos lesados. Contudo, considerando que desconhecia a atividade das arguidas e estes "clientes" como o poderia levar a efeito?
Com o devido respeito por opinião em contrário, não lobrigamos na lei onde o Tribunal a quo fundamenta um tal dever de informação sobre as seguradoras.
Na verdade, se bem vemos, dos sete primeiros pontos enunciados na decisão impugnada nenhum deles demonstra um comportamento da seguradora gerador de aparência de procuração, tudo se passando na órbita da relação entre as mediadoras e os terceiros lesados.

Quanto ao oitavo ponto oferece-nos dizer, resumidamente, o seguinte:
Argumenta a decisão impugnada a favor da responsabilização da seguradora pela representação aparente, [cf. ponto (viii) – fls. 2819 dos autos (fls. 32 da decisão recorrida)], que «cabia à seguradora o dever de informar as pessoas dos poderes dos seus mediadores e da alteração desses poderes".

Recordemos aqui os pressupostos específicos da procuração aparente:
—O representado não conheça que alguém atuou em seu nome na celebração de negócio jurídico;
—Haja estado ao seu alcance conhecer e evitar a aparência de representação com o cuidado exigível nas circunstâncias do caso.
O primeiro pressuposto da figura ocorre no caso dos autos. A seguradora desconhecia a atuação das mediadoras em seu nome na subscrição de produtos financeiros. Nem as propostas contratuais nem o dinheiro deram entrada na seguradora.
Quanto ao segundo pressuposto, a seguradora não tem um dever de fiscalizar ou supervisionar a atividade do mediador de seguros, que não é seu comissário, mas um profissional independente que exerce a mediação em nome próprio e com autonomia.
Com o devido respeito por opinião em contrário, não faz deste modo sentido falar em negligência ou de falta de cuidado da seguradora quanto às mediadoras, por não saber o que se passou ao longo de vários anos, uma vez que não lhe competia andar atrás delas, vigiando e controlando os seus movimentos profissionais.
Na verdade, os mediadores são profissionais liberais, organizam livremente o seu trabalho, sendo responsáveis pelos danos que causam a terceiros (cf. o art. 9.º do DL n.º 388/91).
Por sua vez, flui do ponto 5 dos factos provados nos precisos termos fixados por este Tribunal que as mediadoras/arguidas executaram o engano dos lesados na privacidade das suas relações familiares e de amizade, fora da exposição dos lugares públicos e dos estabelecimentos comerciais abertos ao público.
Assim, não vislumbramos como poderia a seguradora ter tomado conhecimento de uma atuação que se processou no âmbito da vida privada dos intervenientes e que não lhe foi participada.
In casu, considerando o modo como foi desenvolvido o esquema de engano dos terceiros e a ausência de poderes de fiscalização das seguradoras relativamente ao exercício da mediação de seguros, afigura-se-nos que não se mostra curial falar numa responsabilidade da seguradora pela procuração aparente.
Na verdade, com o devido respeito por opinião em contrário, não vemos na materialidade fática provada acima fixados qualquer quid de criação de aparência de procuração a favor das mediadoras que haja decorrido de um seu comportamento.
Expressa a decisão impugnada que «cabia à seguradora o dever de informar as pessoas dos poderes dos seus mediadores e da alteração desses poderes» (cf. fls. 2819 dos autos (fls. 32 da decisão recorrida).
Visa-se fundamentar que a seguradora gerou a aparência de procuração, não desfazendo defronte de terceiros a falta de poderes representativos das mediadoras.
Porém, com o devido respeito por opinião em contrário, tal argumento mostra-se em relação inconciliável com a verdade história.
Com efeito, por uma banda a lei portuguesa de mediação — seja o regime antigo seja o regime atualmente vigente — ou o regime da representação voluntária no Código Civil em lado algum coloca sobre a seguradora o dever de informar quem quer que seja sobre os poderes de mediação dos agentes de seguros ou a sua alteração. Tal dever não existe. Por outra, como tal dever inexiste não recaia sobre a seguradora, Daí que não tenha agasalho na lei a censura que poderia advir da sua ausência de intervenção em quebrar uma aparência gerada pela atuação de mediadoras sem poderes de representação.
Em abono da verdade, cumpre aqui afirmar que pesada a globalidade da matéria de facto provada e acima fixada não lobrigamos nela qualquer comportamento da seguradora que possa ter causado uma aparência de procuração a favor das mediadoras de seguros. Efetivamente aparência houve, mas ela foi criada exclusivamente pelas mediadoras/arguidas para enganar os seus clientes.
Concluímos assim que não se mostra preenchida a hipótese tipificada no referido art. 23.º n.º 1 de representação aparente. Isto mesmo sem contar com a falta de boa fé dos terceiros (se tivermos em presente uma conceção subjetiva ética de boa fé), o desconhecimento do que se passava e a impossibilidade de se formular um juízo de censura à seguradora, que não tem o dever de fiscalizar a atividade dos mediadores de seguros, impede que se considere a existência de uma aparência de procuração criada por ela ou com a sua ajuda.
*

Uma vez afastado o cenário da vinculação por procuração tolerada e procuração aparente, que encaramos somente com o escopo de patentear que, in casu, face à materialidade fática provada, os respectivos pressupostos não se mostram preenchidos, resta a aplicação do único regime de representação voluntária regulado pelo Direito português, o do Código Civil.
À sua luz, o contrato celebrado em nome de representado por representante sem poderes representativos é ineficaz quanto ao primeiro, a não ser que o ratifique.
Na verdade, o mediador de seguros, qualquer que seja a sua categoria, não tem poderes representativos da seguradora, a não ser que esta os outorgue. Não sendo o caso, qualquer contrato celebrado por mediador de seguros em nome da seguradora não vincula esta, não produzindo quanto a ela qualquer efeito jurídico.

No caso em apreço provado ficou:
—Nos termos do contrato de mediação, as arguidas apenas poderiam dar como celebrados contratos de seguro, em nome e por conta da companhia de seguros, quando esta o autorizasse por escrito, o que nunca aconteceu (ponto 152 da matéria de facto provada);
—A companhia de seguros nunca emitiu qualquer instrumento com poderes de representação a favor das arguidas (ponto 155 da matéria de facto provada).
Em atenção a estes factos, os contratos de produtos financeiros concluídos em nome da seguradora demandada pelas mediadoras arguidas não são eficazes quanto à representada, não a vinculando a nenhum dos seus efeitos jurídicos.
*

A seguradora não responde pelos danos causados pelo mediador de seguros a terceiros; não responde a título subjetivo (responsabilidade civil por factos ilícitos), nem responde pelo risco, em particular, enquanto comitente (a comissão de seguros não constitui uma comissão da seguradora ao mediador de seguros).
In casu falta a imputação legal à seguradora dos danos sofridos pelos terceiros lesados em consequência das ações das arguidas nos autos. Daí que esses danos sejam ressarcíveis tão-somente no âmbito estrito da relação jurídica entre as mediadoras de seguros e os lesados. Na realidade não responde por eles.
***

Por sua vez, no caso em apreço, o seguro de responsabilidade civil não cobre a responsabilidade da mediadora decorrente de facto praticado com dolo.
In casu, provado ficou que a arguida Maria do Carmo beneficiou de um seguro de responsabilidade civil profissional enquanto mediadora, oferecido pela ora seguradora/recorrente (ponto 158 dos factos provados).
Esse seguro vigorou entre 01-jan.-2007 e 22-dez.-2008 (ponto 158 dos factos provados).
Na decisão impugnada afirma-se que a seguradora/demandada também deverá ser "responsabilizada" nos termos do contrato de seguro que celebrou com a arguida e que, ainda que não houvesse fundamento para a responsabilizar pela representação aparente, o seguro funcionaria sempre (cf. fls. 2819 dos autos — fls. 32 da decisão recorrida).
Contudo o contrato de seguro em causa não obriga ao pagamento de indemnização por factos dolosos, o caso dos autos (cf. art. 46.º, n.º 1, do DL n.º 72/2008).
Na verdade, o referido art. 46.º, n.º 1 do DL n.º 72/2008 confere à seguradora o direito de recusar pagar a indemnização havendo sinistro doloso, o caso dos autos.
A tudo isto acresce que o seguro de responsabilidade civil em causa tem um âmbito temporal de eficácia a partir de 01-jan.-2007 e não abrange factos danosos praticados pela arguida segurada antes dessa data (cf. art. 4.º, n.º 1 das Condições Gerais, documento n.º 6 junto com a contestação junta aos autos).
Assim, na hipótese de o contrato de seguro cobrir o risco de responsabilidade civil da aludida arguida por factos danosos, — que não cobre —, tão-somente estariam abrangidos os danos causados pela segurada após o início da eficácia do contrato, isto é, após 01-jan.-2007. Quer isto dizer que sempre deixaria de fora da responsabilidade da segurada/recorrente uma larga parte do montante em que esta foi condenada a indemnizar os ofendidos.
A verdade é que na medida em que o contrato de seguro no qual a mediadora arguida / recorrente Maria do Carmo figura como segurada não cobre a responsabilidade civil desta para com os ofendidos — por haver cláusula de exclusão de risco que afasta essa cobertura — a seguradora / recorrente não pode ser condenada a indemnizar os ofendidos com base em tal seguro, o que aqui se declara.
Por tudo isto, o recurso da recorrente/seguradora vai integralmente a bom porto, impondo-se a absolvição da mesma de todos os pedidos civis.

Perante tudo o que dito fica cumpre concluir:
(i)Quanto aos recursos das aludias arguidas, não se mostrando violados pela decisão impugnada os preceitos legais referidos pelas mesmas nem quaisquer outros ao caso aplicável, naufraga in totum.
(ii)Quanto ao recurso da demandada/seguradora, vai o mesmo integralmente a Bom Porto.
*
***
*

3. DISPOSITIVO
Perante tudo o que exposto fica, acordam os Juízes que compõem a ....ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

& Em negar provimento ao recurso interposto pelas arguidas Orlanda e Maria do Carmo e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida no que a elas respeita, com a alteração da matéria de facto acima definitivamente fixada no texto deste aresto.
& Em julgar provido o recurso interposto pela demandada, “... – Companhia de Seguros, S.A.” e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida que se substitui pelo presente acórdão que decide do seguinte modo:
& Alteram-se os factos impugnados pela demandada, “... – Companhia de Seguros, S.A.”nos precisos termos que acima se mostram fixados no texto deste acórdão.
& Absolve-se a demandada, “... – Companhia de Seguros, S.A.” de todos os pedidos civis contra si deduzidos.
& Em condenar cada uma das arguidas recorrentes no pagamento das custas, fixando a taxa de justiça individual de 4 Ucs, e nos encargos a que deram causa (arts. 513.º e 514.º, ambos do Código de Processo Penal).
*
Lisboa, 17-dez.-2014 (processado e revisto pelo primeiro signatário, que rubrica as restantes folhas)


(Rui Gonçalves)
(Conceição Gonçalves)

Texto escrito nos termos do novo Acordo Ortográfico.


([1])Tribunal Coletivo presidido pelo Senhor juiz de direito Dr. ... (cf. fls. 2823-284 e declaração de depósito de fls. 2825 — vol. 9.º).
([2])Motivação recursória subscrita pelo mandatário das arguidas, o Senhor advogado Dr. ...(cf. fls. 2834- 2883 – vol. 9.º).
([3])Motivação recursória subscrita pelo Senhor advogado Dr. ...(cf. fls.) que acompanhou de douto Parecer subscrito pelo Senhor Professor Doutor ...(cf. fls. 2882-2916; e 2917-2986 — vol. 9.º)
([4])Resposta subscrita pelo Senhor procurador da República Dr. ...(cf. fls. 2996-3002 — vol. 10.º).
([5])Senhora Dr.ª ...(cf. fls. 3014 — vol. 10.º).
([6])Neste sentido, que é jurisprudência uniforme, entre outros, decidiram os Acs. do S.T.J. de 17MAI2007 (Santos Carvalho), Proc. n.º 071397, de 23MAI2007 (Henriques Gaspar), Proc. n.º 07P1498, de 14MAR2007 (Santos Cabral), Proc. 07P21, e de 15MAR2007 (Pereira Madeira), Proc. n.º 07P610.
([7]) Proc. n.º 46580/3.ª, DR, I Série, de 28DEZ, disponível em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/892dcf77a366868a8025742f005086d2?OpenDocument.
([8])Vide MONTEIRO, Cristina Líbano, Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, Coimbra, 1997, p. 13.
([9])Cf. GONÇALVES, Manuel Maia, in Código de Processo Penal Anotado, 12.ª ed., 2001, p. 339, com cit. de A. dos Reis, C. de Ferreira, Eduardo Correia e Marques Ferreira.
([10]) In Jornadas de Direito Processual Penal p. 228.
([11])Para maiores desenvolvimentos sobre a comunicação interpessoal ver por todos: Ricci Bitti/Bruna Zani, A comunicação como processo social, editorial Estampa, Lisboa, 1997.
([12])Cf. RIBEIRO, Lair, Comunicação Global, Lisboa, 1998, p. 14.
([13]) Ver Ac. de 14JAN1994, do 2º Juízo Criminal de Lx.ª, Proc. 363/93, 1ª Sec., in Sub Judice n.º 6-91.
([14]) In Psicologia Judiciária", vol. II, Coimbra, 3.ª ed., p. 12.
([15]) Psicologia do testemunho", in Scientia Iuridica, p. 337.
([16]) In La prova penal, 3.ª ed., Cedam, Pádua, p. 9.
([17]) La prova penale, 4.ª edizione, Appendice di aggiornamento al settem- bre 2001, edição da Cedam, em 2001. p. 48.  “O conflito entre acusação e defesa não pode ser solucionado com base num ato de fé”. (tradução do italiano operada pelo Relator). Como aconteceria se se dissesse: o facto é verídico porque, de outro modo, o Ministério Público não teria formulado acusação e o Juiz de Instrução Criminal não teria pronunciado.
([18]) Cf. arts. 1.º e 2.º da Constituição da República Portuguesa.
([19]) In La actividad probatoria en el proceso penal español, Ectros de Estudios Judiciales – Col. Curos, vol. 12, Ministerio de Justicia, Madrid, 1993, p.101.
([20]) In ob. cit. p. 10.
([21]) Ob. cit. p. 49. «induzir o juiz ao convencimento de que o fato histórico aconteceu de um determinado modo. O facto histórico deve ser “representado” ao juiz por meio de outros factos. A prova é, nesse sentido, o procedimento lógico por meio do qual a partir de um facto conhecido deduz-se a existência do facto histórico a ser provado e suas circunstâncias». (tradução do italiano pelo Relator).
([22]) MALATESTA, Nicola Framarino dei, A lógica das provas em matéria criminal, Trad. Alexandre Augusto Correia, São Paulo: Saraiva, 1960. v. I, p. 22. 
([23]) CARRARA, Francesco, Programa del curso de derecho criminal, dictado en la Real Universidad de Pisa. Trad. Sebastian Soler. Buenos Aires, Depalma, 1944, V.II, p. 291. 
([24]) In Comentário ao Código de Processo Civil, p. 434.
([25]) Cf. SILVA, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, vol. II, pp. 126-127.
([26]) In Tratattado de Processo Civile, p. 260.
([27]) Cf. Neste sentido DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Processual Penal, Lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-1989, p. 160.
([28]) Cf. Neste sentido DIAS, J. Figueiredo, in Direito Processual Penal, Lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-1989, p. 160.
([29]) Cf. Ac. do TRP de 06JAN2009 (Canelas Brás), Proc. n.º 0820567, disponível em: http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/12492c8008bb33fb8025753e00322bb9?OpenDocument; Ac. do TRC 29JUN2006 (Fernandes da Silva), Proc. n.º 1073/06, disponível em:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/7a209dc6655b3dd3802571e00035a32c?OpenDocument; Ac. do TRE de 05MAI2005 (Rui Vouga), Proc. n.º 56/05-3,  disponível em:
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/2f545c9467ff8770802571560045bd14?OpenDocument.
([30]) Cf. Ac. STJ de 22NOV2007 (Mário Cruz), proc. n.º 07ª3082, disponível em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1ed8da03ed754d38802573a80036da40?OpenDocument
([31]) Cf. neste sentido as palavras do legislador expressas do Decreto-Lei n.º39/95, de 15-fev..
([32]) Cf. com relevo em matéria cível o Ac. do TC. n º 415/2001 (Maria dos Prazeres Beleza), Proc n.º 160/2001, 3.ª, em cuja fundamentação se deixa expresso: “O tribunal de 2.ª instância tem, naturalmente, que proceder à apreciação desses depoimentos. Nessa apreciação, igualmente feita nos termos do princípio da livre apreciação da prova, mas obtida apenas a partir do registo de depoimentos que a 1ª instância pôde valorar com respeito pela regra da imediação, o tribunal de recurso forma a sua própria convicção.” Disponível em:
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20010415.html.
([33]) Cf. neste sentido Ac. do S.T.J. de 19-out.-2004 (Reis Figueira), C.J. –STJ, 2004, Tomo 3, pp.73-77.
([34]) Assim, v.g. não deve o Tribunal da Rela­ção aceitar acriticamente os depoimentos testemunhais e/ou considerá-los isentos de mácula, mesmo que aceite o elevado e intenso grau de envolvimento familiar em relação a algum dos sujeitos processuais. Também se nos afigurar não dever este mesmo Tribunal ficar indiferente quando o Tribunal a quo afirma que todas as teste­munhas depuseram parcialmente. Assim, não é o facto de estarmos perante depoimentos processuais admissíveis que deve conduzir o Tribunal da Relação a refugiar-se no princí­pio da livre apreciação da prova efetuada na 1.ª instância. 
([35]) Cf. neste sentido ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição, U.C.E., Lisboa, ABR2011, p. 1180, nota (2).  
([36]) Novamente afirmamos isto sem prejuízo do que acrescentaremos a propósito do tratamento do recurso interposto pela seguradora/demandada em matéria de facto, por ser a sua sede própria aquando da abordagem do invocado erro de julgamento.
([37]) NOBILI, Massimo, in Il principio del Convincimento del Giudice, Giuffrè Editore, Milano, 1974, p. 284.
([38]) Tradução do italiano levada a efeito pelo relator.
([39]) Vide TONINI, Paolo, in La Prova penale, CEDAM, Padova, 2000, p. 35.
([40]) In ob. cit. loc. cit.. 
([41]) STEIN, Friedrich (1988): El conocimiento privado del juez (tradução para castelhano de Andrés DE LA OLIVA SANTOS, Bogotá, Editorial Temis). p. 188  e ss..
([42]) CALAMANDREI, Piero (1961): Estudios sobre el proceso civil (Buenos Aires, Editorial Bibliográfica Argentina) p. 646.
([43]) Vide neste sentido CLIMENT DURÁN, Carlos, in La Prueba Penal, Tomo I, 2ª edición, Tirant lo Blanch, p. 85.
([44]) Vide CLIMENT DURÁN, Carlos, ob. cit. p. 86.
([45]) Cf. neste sentido Ac. do S.T.J. de 01JUL1993, Proc. n.º43022/3.ª
([46]) Cf. neste sentido Ac. do S.T.J. de 12-out.- 2000, Proc. n.º2003/00-5.
([47]) Cf. Ac. do S.T.J. de 22MAR2006 (Silva Flor)- Proc. n.º 475/06 - 3.ª Secção.
([48]) Cf. Ac. do S.T.J. de 06ABR2006 (Rodrigues da Costa) - Proc. n.º 362/06 - 5.ª Secção.
([49]) Vide Ac. do S.T.J. de 20ABR2006 (Rodrigues da Costa) - Proc. n.º 363/06 - 5.ª Secção.
([50]) Cf. Ac. do S.T.J. de 01-jun.-2006 (Pereira Madeira) - Proc. n.º 1614/06 - 5.ª Secção.
([51]) Ac. do S.T.J. 08JUN2006 (Simas Santos) - Proc. n.º 1923/06 - 5.ª Secção.
([52]) Cf. neste sentido o Ac. STJ de 29FEV1996 (Sousa Guedes), Proc. n.º 048391, disponível no site da DGSI.
([53]) Vide neste sentido Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 5.ª Ed., 2002, Rei dos Livros, p. 62.
([54]) Vide Ac. STJ de 15JAN2004 in www.dgsi.pt.
([55]) Cf. Ac. do STJ de 08-fev.-1996, Proc. n.º 48015.
([56]) Cf. Ac. STJ de 08-mai.-1996, A.J. n.º 19, Proc. n.º 41824.
([57]) Cf. Simas Santos e Leal-Henriques e, in Recursos em Processo Penal, 5.ª ed., 2002, Ed. Rei dos Livros, p. 63.
([58]) Cf. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 6.ªed. 2007, Editora Rei dos Livros, pp. 71 e 72.
([59]) Cf. Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, 2.º vol., 2000, Ed. Rei dos Livros, p. 739.
([60]) Cf. em matéria Cível REIS, Alberto dos, Código de Processo Civil Anotado, vol. 5.º, p. 141 e VARELA, Antunes e outros, in Manual de Processo Civil, 1.ª Edição p. 671.
([60]) Cf. Ac. do S.T.J. de 22MAR2006 (Silva Flor) - Proc. n.º 475/06 - 3.ª Secção.
([61]) In ob. cit., pp. 65, 66 e 67.
([62]) In ob. cit. p. 67.
([63]) Cf. GORPHE, F. La crítica del testimonio (6.ª ed.). 1980, Madrid. Instituto Editorial Reus, S.A, pp. 45 e ss.
([64]) ALTAVILLA, E., Psicologia Judiciária II: Personagens do Processo Penal. 1982, Coimbra: Almedina, p. 252. 
([65]) Cf. neste sentido LOURO, M., Comunicação discursiva entre atores judiciários – Estudo da Psicologia das Motivações Ajurídicas. 2005. Manuscrito não publicado. Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, pp. 20 e ss..
([66]) Apud PESSOA, A. A Prova Testemunhal – Estudo de psicologia judiciária, 3.ª ed. 1931, Coimbra: Imprensa da Universidade, p. 88.
([67]) BRITO, A. A Lei de Hume e o positivismo jurídico. In Comunicação e Linguagens. Éticas e Comunicação n.º 15/16, 1992, pp. 113-129.
([68]) COSTA, R. Psicologia do Testemunho. Braga (s.n.), 1954, pp. 5-37.
([69]) Cf.  MIRA Y LOPES, E.  Manual de Psicologia Jurídica. Barcelona: Buenos Aires: Libreria “El Ateneo” Editorial, 1980, p. 193 e ss..
([70]) Cf. DIGNEFFE, 1990; TOURAINE, 1984, citados por MANITA, C.. Evolução das significações em trajetórias de droga-crime (II): Novos sentidos para a intervenção psicológica com toxicodependentes? — 2001 pp. 3 e ss..
([71]) Cf. neste sentido RODRÍGUEZ, E.  Psicología y Tratamiento Jurídico-Legal de la Discapacidad. Madrid: Edisofer, S.L., 2000. pp. 45 e ss.
([72]) Cf. Neste sentido ALTAVILLA, Enrico, ob. cit., tomo II,  p. 12.
([73]) Cf. neste sentido PEASE, A. & PEASE, B. The Definitive Book and Body Language. Lisboa: Editorial Bizâncio, 2004, pp. 12 e ss.
([74]) Cf. neste sentido POIARES, C. Gramáticas das Ruturas ou “Já Gastámos as Palavras pela Rua, Meu Amor”. Comunicação apresentada em 2008, no IV Congresso de Psicologia Forense e da Exclusão Social. Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.
([75]) Cfr., v.g., FERREIRA, Cavaleiro de, Curso de Processo Penal, vol. II, reimp. Lisboa, 1981, pp. 288-295, Id., Curso de Processo Penal, 2º vol., Lisboa, 1986, pp. 207- 208, SILVA Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Lisboa/ S. Paulo, 1993, vol. II, p. 83, Acs. do S.T.J. de 08JAN1995, B.M.J. n.º 451, pág. 86 e de 12SET2007 (Armindo Monteiro), Proc. n.º 4588/07; Acs. da Rel. de Coimbra 11MAI2005 (Oliveira Mendes), Proc. n.º 1056/05, e o Ac da Rel. de Guimarães de 09OUT2006 (Cruz Bucho), Proc. n.º 2429/05-1.
([76]) Tradução do relator.
([77]) La prova penale, 4.ª ed., Pádua, Cedam, 2000, pp. 46- 102
([78]) Elemmenti di procederura penale, n.º131. Neste sentido MALATESTA, Nicola Framarino, dei. Lógica das provas em matéria penal, Trad. de Alexandre Augusto Correia São Paulo, Saraiva, 1960, Vols. 1, e 2.
([79]) Cf. neste sentido  MITTERMAIER, Karl; Tratado de la prueba en materia criminal, Buenos Aires: Hammurabi, 1979, p. 441.
([80]) CLIMENT DURÁN, Carlos, La Prueba Penal, Editorial Tirant Lo Blanch, Valencia, 1999, p. 610.
([81]) Tradução do castelhano operada pelo relator do presente aresto.
([82]) Neste sentido decidiu o Ac. do S.T.J. de 16NOV2006, Proc n.º4096/06-5.
([83]) Cf. BUCHO, Cruz, Notas Sobre o Princípio "In Dubio Pro Reo ", Centro de Estudos Judiciários, 1998, p.49.
([84]) Cf. neste sentido , SANTOS, A. M. Almeida, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, dez.-1999,  p. 309, §23.
([85]) Cf. ponto 2 do preâmbulo do Código Penal de 1982.
([86]) DIAS, Jorge de Figueiredo, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, Coimbra, abril de 2001, pp. 110-111, aponta a sua teoria penal da forma seguinte: “1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela de bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, especialmente negativa ou de intimação ou segurança individuais”.
([87]) In CJ, XXI, t. 1, p. 40.
([88]) In Direito Penal PortuguêsAs Consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, p. 344.
([89]) In Estudos em Homenagem ao Professor Eduardo Correia", 1, pp. 22 e ss.
([90]) CORDEIRO, Menezes, Direito dos Seguros, Almedina, Coimbra, 2013, p. 394 
([91]) Neste mesmo sentido vai o douto Parecer do Professor Doutor José Alberto Vieira, da Escola de Lisboa, junto aos autos, maxime fls. 2922-2986 dos autos (vol. 9.º) que aqui, com a devida vénia, no essencial, acompanhamos de perto.
([92]) Cf. neste mesmo sentido  VIEIRA,  José Alberto,  parecer cit. fls. 2929 dos autos — vol. 9.
([93]) Cf. art. 8.º do DL n.º 388/91, como na lei vigente (arts. 29.º, 30.º, 31.º e 32.º, todos do DL n.º 144/2006).
([94]) Cf. neste mesmo sentido  VIEIRA,  José Alberto,  parecer cit. fls. 2933 dos autos — vol 9.
([95]) Neste sentido sentenciou o Ac. do TRL de 13-dez.-2007, Proc. n.º 6576/2007 -1, em wwwdgsi.pt.
([96]) A fls. 2936 dos autos, no seu douto Parecer. 
([97]) Uma eventual proteção da confiança do terceiro de boa fé poderá fazer-se lançando mão a outros institutos que a promovam (v.g. culpa in contrahendo, abuso de direito)
([98]) Tratado De Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, cit., p. 106 
([99]) No Parecer junto aos autos a fls. 2955.
([100]) No Parecer a que vimos aludindo, a fls. 2958 dos autos.
([101]) Proc. n.º 07A4305, em www.dgsipt.
([102]) Proc. n° 07A4305, em wwwdgsi.pt.
([103])  Proc. n.º 07A4305, em www.dgsipt
([104]) Proc. n° 07A4305, em wwwdgsi.pt
([105]) Proc. n 07A4305, em www.dgsi.pt.
([106]) Ac. 18-dez.-2007, Proc. n.º 07A4305, em www.dgsi.pt.
([107])  Proc. n.º 07A4305, em www.dgsi.pt.
([108]) Cf. neste sentido VIEIRA,  José Alberto, Parecer cit. fls. 2973 dos autos — vol. 9.
([109]) Parecer cit. fls. 2978 dos autos — vol. 9.