Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1073/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: DECISÃO DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
ACIDENTE DE TRABALHO
DIREITO A REPARAÇÃO
Data do Acordão: 06/29/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 655º E 712º DO CPC ; 7º, Nº 1, AL. B), DA LEI Nº 100/97, DE 13/09
Sumário: I – Os alargados poderes de intervenção conferidos ao Tribunal da Relação com vista à possibilidade de alteração da decisão da matéria de facto constituem apenas um remédio para eventuais, concretos e determinados erros ou vícios de julgamento, decorrentes do exercício do princípio-regra da liberdade de apreciação das provas .
II – Estando vedada à Relação a oralidade e a imediação, e sendo-lhe presentes duas ou mais versões/leituras/interpretação dos factos, esta instância só poderá afastar-se do juízo alcançado no Tribunal a quo naquilo que não decorra, mais ou menos directamente, daqueles princípios, ou seja, nos casos em que a formação da convicção/juízo do decisor esteja em clara/manifesta dissonância com o resultado emergente da normal aplicação das regras da lógica, da ciência e da experiência comum.

III – Só não dá direito à reparação o acidente de trabalho que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado – artº 7º, nº 1, al. b), da Lei nº 100/97, de 13/09 – devendo entender-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão .

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –

1 - Terminada, sem êxito, a fase conciliatória do processo, veio A..., casado, com os demais sinais dos Autos, demandar, com mandatário constituído, a Companhia de Seguros «B...» e a sociedade «C...», pedindo a final a sua condenação no pagamento das quantias discriminadas, em função da responsabilidade de cada uma, a apurar na acção.
Pretextou para o efeito, em resumo útil, que mantinha com a R. patronal uma relação de trabalho, exercendo as funções de motorista, desde Agosto de 2001.
Ainda nesse mês sofreu um acidente de viação enquanto trabalhava, na zona de Trancoso, tendo capotado o veículo que conduzia, em virtude do que sofreu lesões ao nível da cabeça, braço e ombro esquerdo.
Permaneceu de baixa médica desde o dia do acidente até 19.9.2002, sendo-lhe finalmente fixada a IPP de 10%.
Auferia a remuneração anual de € 10.923,67, sendo-lhe devidas as importâncias que especifica no ponto 14 do petitório.
Até ao momento não recebeu qualquer quantia do responsável das despendidas em transportes e tratamentos, não tendo também recebido qualquer importância relativa aos períodos de incapacidades temporárias de que andou afectado.
A R. Seguradora declina a responsabilidade alegando que o sinistro não lhe foi participado e o A. não constava da apólice.
A R. patronal vem demandada para a hipótese de se entender que a responsabilidade infortunística não estava efectivamente transferida.

2 – Contestou primeiramente a R. patronal, orientando a sua defesa no sentido de que é parte ilegítima e que o acidente teve como único e exclusivo responsável o próprio A.
A 1.ª R., por seu turno, alegou, em síntese, que a responsabilidade não estava para si transferida, apesar de entre ambas ter sido celebrado um contrato de seguro do ramo ‘Acidentes de Trabalho’, titulado pela apólice n.º 1517111, que era de prémio fixo e não por folhas de férias, sendo que o A. não constava do quadro de pessoal que integrava as condições particulares da apólice, não lhe tendo sido sequer participado o acidente.

3 – Elaborou-se despacho saneador, onde se decidiu pela negativa a excepção de ilegitimidade da R. patronal, organizando-se o elenco dos factos tidos por provados e a Base Instrutória.

4 – Discutida finalmente a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente, com absolvição da R. Seguradora do pedido e condenação da co-R. patronal no pagamento das quantias discriminadas no dispositivo, a fls. 353, a que nos reportamos.

5 – Inconformada, a R. patronal veio interpor recurso da decisão, oportunamente admitido como apelação.
Tendo alegado, concluiu assim:

I – Em face da prova testemunhal gravada a resposta ao ponto 12. dos FACTOS PROVADOS teria de merecer resposta forçosamente diferente, na medida dos depoimentos concretos produzidos por D..., com depoimento gravado na Cassete n.º 1, Lado A, de rotações 0007 a rotações 0681 e E..., com depoimento gravado na Cassete n.º 1, Lado A, de rotações 2148 a rotações 2472 e Lado B de rotações 0007 a rotações 0375;

II – A prova realizada permite a conclusão probatória emergente do Quesito 16.º da Base Instrutória, ou seja, a de que o A., circulando a velocidade superior a 50 Kms/hora, o fazia em local repleto de curvas de diferentes intensidades e inclinações que não permitiria a evolução a velocidade superior a 40 Kms /hora;

III – A resposta ao facto provado sob o n.º 12 da decisão parcialmente recorrida deveria ter sido produzida no sentido de que o A. circulava a velocidade excessiva para o local concreto, o que provocou o tombar do veículo e a eclosão das mazelas corporais que o afectaram e se tomaram a substância do seu pedido judicial;

IV – A subsunção jurídica que o douto Tribunal realiza atém-se à norma contida no n.º1, alínea b) do art. 7.º da Lei n.º100/97, de 13 de Setembro, remetendo, assim para a determinação regulamentar que se extrai do n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril;

V – Esquece o douto Tribunal a previsão normativa contida na alínea a) do n.º1 da L.A. Trabalho com regulamentação no art. 8.º, n.º 1 da Regulamentação, ou seja, de que o sinistro em causa RESULTOU DE OMISSÃO DE CUIDADO do ora A., exógena à chamada «culpa leve» que possa emergir da imperícia, distracção, esquecimento ou outras atitudes involuntárias, já que releva da atitude estradal prosseguida pelo A. é a CUMULAÇÃO dos requisitos exigidos pelo n.º1, alínea a), do art. 7.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, ou seja, a PROVENIÊNCIA DE ACTO OU OMISSÃO QUE IMPORTE VIOLAÇÃO DAS CONDIÇOES DE SEGURANÇA PREVISTAS NA LEI;

VI – Para afastar tal exegese o douto Tribunal socorreu-se da eventual violação dos limites de velocidade exigidos pelo Código da Estrada quando se dispõe – cfr. C. Estrada aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio em vigor à data do sinistro - nos seus arts. 23.º e 24.º, n.º1, que o condutor terá de adaptar a velocidade às limitações específicas do traçado que percorre, constituindo-se estes enquanto os preceitos efectivamente violados pelo A. na condução do veículo pertença da recorrente ao DESRESPEITAR, NO LOCAL CONCRETO, AS CONDIÇOES DE SEGURANÇA PREVISTAS NA LEI ESTRADAL;

VII – Reúnem-se os pressupostos cumulativos exigidos pela citada alínea a) do n.º1 do art. 7.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, ou seja, a violação voluntária das condições de segurança que a lei exige e, ainda, tal violação enquanto causa justificativa do acidente sofrido pelo A., socorrendo-nos do disposto no n.º 1 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril que define, enquanto causa justificativa da violação das condições de segurança impostas por lei, o incumprimento de norma legal perante a qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução e de informação, dificilmente pudesse entendê-la;

VIII – Como se extrai da prova áudio documentada, NÃO SÓ O A. DETINHA UM GRAU DE INSTRUÇÃO E DE FORMAÇÃO ESTRADAL IMPOSSÍVEL DE DESLEIXAR O CONHECIMENTO DA NECESSIDADE DE ACAUTELAR A VELOCIDADE ÀS CONDIÇÕES PARTICULARES DAQUELA VIA POR SI TRANSITADA, COMO DETINHA A INFORMAÇÃO NECESSÁRIA A TAL OPÇÃO CAUTELAR NA CERTEZA, TESTEMUNHADA, DE QUE JÁ PASSARA NAQUELE LOCAL POR DIVERSAS VEZES E NÃO IGNORAVA A PERIGOSIDADE DO TRAÇADO DA VIA;

IX – A decisão recorrida violou o disposto nos arts. 7.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro e 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril;

X – Pugnando-se, em consequência, pela prolação de acórdão que, da Veneranda lavra dos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra, determine a admissão da razão que a recorrente sente assistir-lhe e, em conformidade, declare a absolvição da R./Entidade Patronal por descaracterização do sinistro enquanto de trabalho, atenta a violação voluntária, por parte do A., das normas estradais a que se achava obrigado cumprir.

6 – Contra-alegou o A., concluindo, por sua vez, que competia à Seguradora e à Entidade Patronal o ónus de alegar e provar os factos susceptíveis de configurarem a alegada ‘descaracterização’.
No mais, carecem de qualquer fundamento válido as alegações da recorrente, devendo a sentença ser mantida nos termos estabelecidos na 1.ª Instancia, improcedendo totalmente o recurso.

Recebido e colhidos os vistos legais – com o Exm.º P.G.A. a pronunciar-se no sentido da confirmação do julgado – cumpre ora decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO

1 – DE FACTO
Vem seleccionada a seguinte factualidade:
· Entre a R. Patronal e a R. Seguradora foi celebrado um contrato de seguro do ramo ‘Acidentes de Trabalho’, titulado pela apólice n.º151711, válido à data do acidente;
· A 1.ª R. declarou na tentativa de conciliação que não aceita qualquer responsabilidade nos presentes Autos em virtude de o acidente não lhe ter sido participado e de o trabalhador sinistrado, aqui A., não constar da apólice;
· Em 19 de Setembro de 2002, na fase conciliatória, o A. efectuou exame Médico, sendo-lhe atribuída pelo Sr. Perito uma incapacidade de 10%;
· O A. mantinha com a R. ‘C...’um contrato de trabalho, exercendo funções de motorista, o qual teve início em 2 de Agosto de 2001;
· Estando o seu contrato de trabalho em vigor, em 21 de Agosto de 2001 o A. foi vítima de um acidente de viação, enquanto trabalhava como motorista, sob autoridade, direcção e fiscalização da 2.ª R., na zona de Trancoso, na Estrada que liga Foz Côa a Celorico da Beira;
· Quando conduzia o veículo pesado de mercadorias propriedade da sua Entidade Patronal, aqui segunda R., o veículo tombou de lado;
· O A. não se recorda por que razão tal aconteceu, em virtude de ter perdido a memória devido às lesões que sofreu ao nível da cabeça;
· O A., em virtude do mesmo acidente, sofreu ainda lesões no seu braço e ombro esquerdo, tendo sido socorrido no H.D. de Trancoso e seguido para o H.D. da Guarda, onde também recebeu tratamento de fisioterapia e, posteriormente, nos H.U. de Coimbra e H.D. de Águeda;
· Em consequência das lesões causadas pelo acidente, ficou o A. afectado das seguintes incapacidades:
- ITA entre 22.8.2001 e 10.10.2001;
- ITP de 50% entre 11.10.2001 e 29.4.2001;
- ITP de 25% entre 30.4.2002 e 18.9.2002;
- ITP de 10% entre 19.9.2002 e 21.2.2003;
- IPP de 10% (por conversão da ITP homóloga, nos termos do art. 42.º/1 do D.L. n.º 143/99, de 30.4), entre 22.2.2003 e 15.2.2005;
- IPP de 5% desde 16.2.2005, dia imediato ao da alta;
· Ao abrigo do contrato de trabalho referido no ponto 4., o A. auferia um salário mensal de € 623,50, multiplicado por 14 vezes ao ano;
· Mais o montante de € 200,00 a título de ajudas de custo, onze meses ao ano;
· O A. evoluía, na estrada que percorria, a velocidade ligeiramente superior a 50 Km/hora, conforme cópia do disco do tacógrafo junta a fls. 115, ao entrar na curva em que se verificou o acidente;
· O A. nasceu a 18.8.1975.
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2 – O DIREITO
Reportados ao alinhamento conclusivo – por onde se afere e delimita, como é sabido, o objecto da impugnação, exceptuadas as questões que são de conhecimento oficioso e excluídas logicamente aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras – o ‘thema decidendum’ contempla as seguintes temáticas:

2.1 –
No ponto II das Alegações – e por aqui se começa por razões de lógica prejudicialidade… – invoca-se a nulidade e pede-se a consequente reforma da sentença, por pretensa violação dos arts. 668.º, n.º1, d) e 669.º, n.º2, a), do C.P.C.
Não foi todavia dado cumprimento ao preceituado no art. 77.º/1 do C.P.T., como constatámos.
A recorrente limitou-se a arguir este suposto vício, em sede de alegações, pretextando que a sentença enferma do vício de omissão de pronúncia, ao não tratar de questões que importava apurar, tendo ocorrido também manifesto lapso na determinação das normas jurídicas aplicáveis e na qualificação jurídica dos factos.

Manda o identificado inciso da Lei Adjectiva Laboral – sob pena de rejeição, por extemporaneidade – que a arguição de nulidade da sentença seja feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso.
A etiologia da norma é sobejamente conhecida.
A solução adiantada é há muito pacífica.
Em bom rigor não deve, pois, conhecer-se desta questão.
Sempre se dirá, contudo, que não assiste razão à impetrante, não se verificando a pretendida nulidade.
Tudo visto – maxime os fundamentos da arguição, cotejados com a estruturação e fundamentação da sentença recorrida, à luz dos preceitos legais tidos por violados – podemos adiantar, com segurança, que a decisão sujeita respeitou a disciplina processual em causa.
Não se vê – nem vem aliás identificada – qualquer questão que tenha sido proposta ou devesse ser tratada… e o não tenha sido.
Por outro lado, a consideração do pedido de reforma da sentença só terá lugar quando, nos termos da invocada previsão, tenha ocorrido manifesto lapso do Juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos…
…E, como melhor se perceberá na sequência, é meramente virtual o pressuposto cenário de facto em que assenta a tese da Recorrente, não se configurando, de modo algum, a situação normativamente prevista.
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2.2 –
Impugna-se a decisão da matéria de facto.
Conferido o cumprimento formal da respectiva disciplina por banda da Recorrente – arts. 690.º-A e 522.º-C do C.P.C. – analisemos a questão de fundo, qual seja a de saber se afinal deveria ter sido forçosamente diferente a resposta dada ao ponto 12. do alinhamento dos factos provados, constante da sentença (item16. da Base Instrutória).

Como vimos constatando, a opção pela impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto tornou-se já numa rotina…
Sempre que a solução não seja conforme ou próxima daquilo que se esperava ou desejava que tivesse sido, há que vir dizer, antes de mais, como é que afinal se deveria ter decidido…para se ter julgado bem!
Salvo o devido respeito, não pode ser assim.
Não é esse o escopo da Lei, que, alargando embora os poderes de intervenção desta Instância, no âmbito da previsão do art. 712.º do C.P.C., não transformou a possibilidade de alteração da decisão de facto, por sistema, num novo julgamento, com obliteração pura e simples do princípio da liberdade de julgamento que é, ainda, a regra nesta matéria – art. 655.º do C.P.C.

Como tem sido repetidamente dito – e se relembra – os alargados poderes de intervenção conferidos com vista à possibilidade de alteração da decisão da matéria de facto continuam a ser apenas um remédio para eventuais, concretos e determinados – e sempre por isso excepcionais – erros ou vícios de julgamento, decorrentes do exercício do falado princípio-regra da liberdade de apreciação das provas.
Estando-nos vedada a oralidade e a imediação, e sendo-nos presentes duas (ou mais) versões/leituras/interpretação dos factos, esta Instância só poderá afastar-se do juízo alcançado no Tribunal 'a quo' naquilo que não decorra, mais ou menos directamente, daqueles princípios, ou seja, nos casos em que a formação da convicção/juízo do Decisor esteja em clara/manifesta dissonância com o resultado emergente da normal aplicação das regras da lógica, da ciência e da experiência comum.
Sendo a valorização da gravação dos depoimentos necessariamente relativizada, a pretendida alteração apenas prevalecerá nas situações contadas em que, da análise daquela, se retire objectivamente, pelo cotejo global da prova analisada, que se está perante um clamoroso e incontornável erro de julgamento, a impor, clara e inequivocamente, outra solução.
(Cfr. o Preâmbulo do D.L. n.º 39/95, de 15 de Fevereiro).

Isto posto:
Ouvidas as cassetes que contêm o registo fonográfico dos depoimentos prestados em Audiência (conferidos com a transcrição junta), logo se intuiu e ora se conclui que a reacção da Recorrente – à luz do referencial normativo acima declinado – é falha de válida consistência e fundamento.
Pretendia a Recorrente afinal que, com base em trechos dos identificados depoimentos, (um, de parte, pois o D... é sócio e legal representante da R. e outro da testemunha E...), diferente tivesse sido a resposta dada aos pontos 12./16. dos factos provados.
Aí se estampou que o A. evoluía, na estrada que percorria, a velocidade ligeiramente superior a 50 kms./hora (conforme cópia do disco do tacógrafo junta a fls. 115),ao entrar na curva em que se verificou o acidente.
Vistos os termos em que vinha formulado o quesito 16.º da B.I. e a fundamentação da decisão em crise, esta proferida com respaldo na prova documental e testemunhal produzida, a solução dada não é susceptível de qualquer reparo.
Com efeito, do depoimento de parte, enquanto confissão provocada, aproveitou-se, como se consignou, a confessada matéria relativa ao quesito 8.º da B.I.
No mais – e concretamente sobre as circunstâncias em que ocorreu o acidente – nada de relevante adiantou que se possa sobrepor à restante prova.
Limita-se a asseverar uma opinião pessoal: ‘para mim foi excesso de velocidade’…
A testemunha E... é menos categórica sobre esse ponto. E referindo que se trata de uma zona de sucessivas curvas, de inclinação relativamente acentuada, (que se aceita, por ser notório para os que conhecem a região), podendo algumas fazer-se perfeitamente a 59 Km/hora, do acidente só sabe o que lhe disseram…
Ora, apenas com base nisto, não vemos como se pode vir pôr em crise, consistentemente, o juízo alcançado.

Por que ocorreu o acidente?
Isso não ficou factualmente demonstrado.
E, como é óbvio, a sua causa real não se extrai, numa necessária relação causa-efeito, da mera velocidade instantânea, mesmo admitindo que pudesse considerar-se excessiva no contexto…

Não vislumbramos, pois, qualquer erro na apreciação da prova, mantendo-se a mesma intocada nos termos fixados.

2.3 –
Insurge-se a recorrente, por fim, contra o decidido relativamente à pretendida descaracterização do acidente.
Ainda aqui sem qualquer razão!
A alegação e prova dos factos relativos à descaracterização do acidente, enquanto matéria exceptiva, constitui, como é sabido, ónus da R.
Como bem se disse, só não dá direito à reparação o acidente que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado (art. 7.º, n.º1, b) da Lei 100/97, de 13 de Setembro, única previsão que ao caso interessa), devendo entender-se por negligência grosseira – conforme art. 8.º/2 do D.L. n.º 143/99, que regulamenta a NLAT – o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão.

A factualidade fixada de modo algum viabiliza considerar a actuação do sinistrado como integrando a noção de negligência grosseira, com o recorte normativo exigido pela previsão de subsunção.

Pretexta a Recorrente – no que, salvo o devido respeito, lavra em supino lapso na determinação da norma jurídica violada… – que o Tribunal esqueceu a previsão contida na alínea a) do n.º1 (do art. 7.º, certamente…) da LAT, com regulamentação no art. 8.º, n.º1, daquele Diploma Regulamentar…pois o sinistro em causa resultou de omissão de cuidado do ora A., que possa emergir da imperícia, distracção, esquecimento ou outras atitudes involuntárias…o que releva da atitude estradal prosseguida pelo A….enquanto proveniência de acto ou omissão que importe violação das condições de segurança previstas na Lei.

Ora, a previsão da alínea a) do art. 7.º/1 da LAT, complementada com a regulamentação constante do n.º1 do art. 8.º do D.L. n.º 143/99, cobre um conjunto de circunstâncias de todo diversas daquelas a que se dirige a previsão constante da alínea b) do mesmo n.º1 da norma, não sendo por isso sobreponíveis.
A redacção deste art.7.º é muito próxima da anteriormente integrante da Base VI da Lei 2.127, visando a cobertura do mesmo conjunto de situações.
Não dará direito a reparação o acidente que for dolosamente provocado pela vítima, hipótese logicamente excluída no caso.
Como também não dá direito a reparação o acidente que provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora …ou previstas na Lei (acrescentou ora o legislador da NLAT).
Como parece claro concluir-se – com o devido respeito, naturalmente – o acto ou omissão do sinistrado, aqui relevantes, são os que, sem causa justificativa, importem violação das condições de (higiene e) segurança estabelecidas pela entidade empregadora, (ou previstas na Lei, e a impor-se por isso a ambos), que contendam com a actividade funcional de risco, no âmbito da empresa, exigidas pela natureza do trabalho, seja na indústria metalomecânica, na construção civil, estabelecimentos industriais em geral, etc. (v.g. ordens de serviço, regulamentos de empresa e outras formas de transmissão).
(Vide Cruz de Carvalho, ‘Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 1980, pgs. 40-41, onde se elencam os requisitos que, em prova cumulativa, preenchem a hipótese em análise; ainda Feliciano Tomás de Resende, ‘Acidentes de Trabalho…Legislação Anotada’, Coimbra Editora, 1971, pg. 22 e Carlos Alegre, ‘Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais’, 2.ª Edição, pg. 60-61).

As condições de segurança rodoviária, estabelecidas no Código da Estrada para a condução de veículos em geral, nada têm a ver com as condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadoraou adrede previstas na Lei.
E a explicitação regulamentar sobre o entendimento da ‘causa justificativa da violação das condições de segurança’, para efeitos do disposto no art. 7.º, a que se procedeu no falado n.º1 do art. 8.º do Regulamento da LAT, corrobora a exegese da norma que propugnamos.
Na tese da recorrente, situando-se a pretensa violação por banda da vítima apenas no âmbito do C.E., a aprovação no exame para obtenção da licença de condução pressupõe sempre um grau de instrução e de informação mínimos das regras legais constantes do Código da Estrada.
A previsão da relevância da causa justificativa da violação das condições de segurança, por incumprimento de norma legal ou estabelecida pela entidade empregadora, não poderia reportar-se, por óbvias razões, senão às relativas às caracterizadas condições de segurança no âmbito da empresa, de que falámos, (‘…face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, de que dificilmente tivesse conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la’) e nunca às do C.E., como se pretexta!

Como se deixa explicitado – com suficiência que cremos bastante – soçobram as razões que animaram a reacção da Recorrente, não tendo sido afrontadas as disposições normativas identificadas ou outras.
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III – A DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se negar provimento à Apelação, confirmando inteiramente a sentença impugnada.
Custas pela Recorrente.
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Coimbra,