Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11399/16.7T8LSB.L1.L1-6
Relator: MANUEL RODRIGUES
Descritores: ADVOGADO
RESPONSABILIDADE
CONTRATO DE SEGURO
PERDA DE CHANCE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - O apuramento da responsabilidade por “perda de chance” não pode prescindir da exigência da verificação do dano e do nexo causal entre este e a conduta omitida, pressuposto comum da sua existência e critério de determinação do quantum indemnizatório.
II - Para haver indemnização por “perda de chance”, o dano da perda de oportunidade de obter o reconhecimento dos créditos no processo de insolvência não pode ser desligado de uma consistente e séria probabilidade de haver vencimento na reclamação de créditos omitida: não basta invocar a omissão da obrigação de reclamar os créditos no processo de insolvência e de aí obter sentença de reconhecimento de créditos, com base em fundamento de que tal omissão levou à não reparação do sinistro pela seguradora; impõe-se, ainda, alegar e provar que, sem essa omissão, os factos fundamento resultariam provados, tendo ser muito elevada a probabilidade de reconhecimento desses créditos.
Decisão Texto Parcial:Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório[[1]]:
1. D.., S.A. propôs a presente acção de processo comum de declaração contra C…, S.A., Dr. R. …(Advogado) e M…, S.A., peticionando a condenação da 1.ª Ré no pagamento da quantia de €21.250,00 (vinte e um mil duzentos e cinquenta euros), acrescida de juros à taxa anual de 4% contados desde a citação até integral pagamento ou, subsidiariamente, a condenação do 2.º Réu e da 3.ª Ré no referido pagamento à Autora.
Para o efeito, alega em síntese que:
No exercício da sua actividade de comercialização de equipamentos de climatização, em Agosto de 2007, a Autora vendeu a C…., Lda. vários aparelhos de ar condicionado, pelo preço de €25.831,70, que não foram pagos.
Em 26.11.2007, foi declarada a insolvência de C.., Lda., no processo de insolvência com o n.º 6926/07.3 TBLRA, do 2.º Juízo Cível do Tribunal de Leiria.
A Autora havia celebrado contrato de seguro de créditos com a 1.ª Ré, para a qual transferiu a responsabilidade pelo não pagamento de dívidas de clientes decorrentes da aquisição de equipamento de climatização.
A 1.ª Ré exigiu à Autora a apresentação da certidão comprovativa da reclamação do seu crédito no processo de insolvência.
Porém, a autora não tomou conhecimento atempado da declaração de insolvência, nem do prazo de reclamações de crédito.
A Autora deu conhecimento ao 2.º Réu, ilustre advogado, que foi incumbido de requerer verificação ulterior de créditos.
O 2.º Réu confirmou à Autora a instauração de “acção especial de reconhecimento de créditos para resolver o problema da C….”, informando que iria enviar à 1.ª Ré documento comprovativo do pedido de verificação ulterior de créditos.
Posteriormente, o 2.º Réu informou a autora que dera entrada a uma acção de simples apreciação negativa contra a ora 1.ª Ré.
Alega a Autora que o 2.º Réu não deu entrada a qualquer acção, nem no âmbito da insolvência, nem contra a ora 1.ª Ré.
Concluiu a Autora que a 1.ª Ré é responsável pelo pagamento de 85% do valor do preço da compra e venda, porquanto a Autora não recebeu qualquer pagamento no processo de insolvência.
Ainda que tivesse reclamado no processo de insolvência o crédito ou requerido a sua verificação ulterior, a Autora não o receberia, já que dos credores da C…, apenas os trabalhadores receberam os seus créditos e apenas parcialmente.
Subsidiariamente, conclui que o 2.º Réu deve ser condenado a pagar à Autora o valor que esta receberia da 1.ª Ré, caso tivesse sido satisfeita a exigência desta na entrega de documento comprovativo da reclamação de crédito, com a respectiva propositura da acção, a que se comprometera.
Considerando que o 2.º Réu transferiu a sua responsabilidade profissional para a 3.ª Ré (seguradora M, S.A.), a mesma deve ser igualmente condenada.
Além do mais, juntou cópia da publicidade da sentença de declaração de insolvência da C…, a fls. 19, notificação judicial avulsa do 2.º Réu, de fls. 29, declaração do senhor administrador de insolvência a fls. 50.
2. Citada, a 3.ª Ré apresentou contestação, defendendo-se por excepção e por impugnação, alegando em síntese que:
Aquando da comunicação de ameaça de sinistro, a Autora informou a 1.ª Ré sobre a apresentação à insolvência por parte da respectiva cliente, juntando, para o efeito, cópia de uma notificação, datada de 09.11.2007, proveniente do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria, relativa ao processo n.º 6926/07.3TBLRA, de fls. 68.
Em 13.03.2008, por e-mail de fls. 69, a 1.ª Ré solicitou à Autora informação sobre elementos em falta no que respeitava às facturas, notas de débito e letras participadas, bem como o envio do comprovativo do reconhecimento do respectivo crédito no âmbito do processo de insolvência da sua cliente.
Por e-mail datado de 16.04.2008, de fls. 69V, a 1.ª Ré insistiu junto da Autora no sentido desta informar sobre quais as diligências de recuperação do crédito por si efectuadas no âmbito do processo de insolvência da cliente.
Em 26.09.2008, por e-mail de fls. 71, a 1.ª Ré voltou a contactar telefonicamente a Autora, na pessoa do ilustre mandatário, Dr. R…., tendo sido informada por este último de que iria ser apresentada uma reclamação ulterior do crédito nos termos dos artigos 146º e 148º do CIRE, após o que seria remetida uma cópia do documento em causa.
Nesse mesmo dia, foi recepcionado pela 1ª Ré o e-mail de fls. 71V, enviado por parte do aludido mandatário, com a indicação de que, no decurso da semana seguinte, lhe seria enviado o comprovativo da interposição da reclamação ulterior do crédito.
Desde então nada mais foi dado conhecimento por parte da Autora e respectivo mandatário, pelo que em 14.05.2010 a 1.ª Ré procedeu ao encerramento do processo de sinistro, por motivo de caducidade, cf. fls. 72 (nota interna).
A Ré invoca a prescrição, cf. artigo 121.º, n.º 2 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril.
A 1.ª Ré consigna o entendimento de que para o pagamento da indemnização não basta à Autora invocar que o seu crédito se encontra comprovado, porque titulado pelas notas de débito, facturas e letras comunicadas ao sinistro e que a cliente não procedeu ao pagamento.
A 1.ª Ré considera necessário, nos termos da apólice celebrada, apurar se o crédito, apesar de titulado pela documentação em causa, existe e é exigível.
No caso em apreço, jamais foi possível aferir da existência e exigibilidade do crédito da segurada, ora Autora sobre a cliente, uma vez que a mesma, apesar dos reiterados pedidos efectuados pela 1.ª Ré, acabou por nunca enviar a esta os elementos necessários à confirmação da verificação do sinistro e ao cálculo dos prejuízos indemnizáveis.
E nem pode a Autora vir alegar que a apólice em causa não exige tais elementos como condição contratual para o pagamento da indemnização: O artigo 7.º, ponto I, n.º 3 é bem claro ao estipular que “verificado o sinistro (...), cabe ao segurado proceder à sua participação, acompanhada dos comprovativos dessa verificação, quando for o caso, e dos prejuízos existentes”.
Incumbe ao segurado a obrigação de cooperar com o segurador no apuramento dos danos e na identificação das circunstâncias e consequências do sinistro.
A 1.ª Ré conclui pela necessidade de reconhecimento do crédito da autora no âmbito do processo de insolvência da cliente, enquanto facto constitutivo do surgimento da obrigação da 1.ª Ré de proceder ao pagamento da indemnização devida.
Não o tendo feito, tal determinou o encerramento do processo de sinistro, pelo decurso do prazo da caducidade convencionada, nos termos conjugados do disposto no artigo 14.º, nº 1 e nº 3 das Condições Gerais da apólice em causa.
Encontra-se previsto no artigo 14,º, n.º 1 das mencionadas Condições Gerais da Apólice que: “Os direitos decorrentes da presente APÓLICE devem ser exercidos, sob pena de caducidade, no prazo de um ano contado a partir do dia em que se verificou o facto que fundamenta o respetivo direito.”
Por outro lado, dispõe o n.º 3 do aludido artigo que “nos casos em que, tendo havido participação do sinistro, está em falta a comunicação ou envio, pelo SEGURADO, de elementos necessários à identificação do crédito seguro ou à comprovação da ocorrência do risco e ou da verificação do sinistro, o prazo indicado no n.º 1 inicia-se na data, em que, nos termos da Apólice, o SEGURADO tomou conhecimento do último pedido de envio de elementos efetuado pela COSEC”.
Conclui pela improcedência da acção.
3. Citada, a 3.ª Ré (M..,S.A.) apresentou contestação, defendendo-se por excepção e por impugnação, alegando em síntese que:
Entre a Ré e a Ordem dos Advogados foi celebrado contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, com data de 1.1.2014.
A Ré assumiu perante o tomador de seguros (Ordem dos Advogados) a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da actividade de advocacia.
Os factos que consubstanciam a pretensa responsabilidade civil imputados ao Réu advogado terão ocorrido em 2010, tendo o Réu advogado comunicado à Autora a assunção de responsabilidade pelo deficiente exercício do mandado forense em 2011.
A omissão imputada ao Réu advogado é anterior à data de início do seguro.
Tem sido entendimento da jurisprudência maioritária que, caso se verifique, em concreto, a responsabilidade civil profissional do advogado no âmbito de determinado patrocínio, a medida da indemnização a arbitrar deve ser calculada com base na extensão dos danos concretamente verificados, na gravidade da culpa, e por fim, no grau de probabilidade do lesado sair vitorioso, caso a conduta lesiva não se tivesse verificado.
Deste modo, o montante arbitrado a título de indemnização nunca corresponderá ao valor total da causa ou do pedido.
Por outro lado,
O objecto seguro pela 1.ª Ré é definido na cláusula 1.ª das condições particulares “créditos decorrentes da venda de equipamentos de climatização.”
Relativamente às facturas juntas pela Autora, as de fls. 13, 13V, 15V, 17V, 18V, 18 não se reportam a venda de mercadorias, desconhece-se a causa da factura de fls. 17.
Alega, ainda, a 3.ª Ré que o pretenso crédito alegado pela Autora não se encontra garantido pela apólice segura pela 1.ª Ré.
Termos em que conclui pela improcedência da acção.
4. Citado, o 2.º Réu, apresentou contestação, defendendo-se por impugnação.
5. A Autora respondeu à matéria de excepção, dizendo em resumo:
5.1. Em resposta à Ré C…: o Regime Jurídico do Contrato de Seguros, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, entrou em vigor em Janeiro de 2009, pelo que não é aplicável ao contrato de seguro dos autos até porque nessa data já havia participado o sinistro à Ré C… e que, a aplicar-se tal Regime, a norma que regeria a invocada prescrição seria a do art.º 145.º e não a do art.º 121.º, n.º 2.
Alega, por fim que enviou à Ré os elementos necessários à identificação do crédito seguro e à comprovação do sinistro.
5.2. Em resposta a Ré MAPFRE: Improcede a excepção de pré-conhecimento do sinistro invocado, porquanto a cláusula 7.ª das condições particulares do contrato de seguro que a Ré M… celebrou com a Ordem dos Advogados estipula que “o segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro, ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham por fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e, ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data do efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação temporal da retroactividade.”
Esta é a primeira reclamação do sinistro dos autos e ocorre na vigência da apólice que titula o contrato celebrado com a Ordem dos Advogados, em vigor desde 1 de Janeiro de 2014.
Mais alega que o valor do seu crédito reclamado à Ré C… é 85% dos € 25.000 contratados.
6. Em sede de audiência prévia, o Tribunal fixou o valor da acção, proferiu despacho saneador, que julgou improcedente a excepção de prescrição invocada pela 1.ª Ré, fixou o objecto do litígio e enunciou os temas de prova.
7. Realizou-se a audiência final, que decorreu em duas sessões, com gravação da prova e respeito pelos demais procedimentos legais (cfr. actas com as ref.ªs 379689492, de 20/09/2018, e 379992215, de 28/09/2018, de fls. 194 a 199 do processo físico).
8. Na sequência, foi proferida sentença, datada de 11-012-2019 [ref.ª Citius 380025428, de fls. 200 a 209 verso do processo físico], que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu os Réus dos pedidos.
9. Inconformada com a sentença proferida, a Autora apelou da mesma para esta Relação, extraindo das alegações de recurso as seguintes conclusões:
«1ª - Em 15 de Novembro de 2007 a C… devia à D… a quantia de 25.808,43€, assim discriminadas: (……)a) Da venda de aparelhos de ar condicionado e material de montagem a quantia de 2.581,43€ - Factura nº 704745/2007, com vencimento em 31 de Outubro de 2007 –(….)p) De despesas bancárias com letras a quantia de 137,96€ - Nota de Débito n.º 700072/2007, com vencimento em 11 de Fevereiro de 2008 – docs. n.º 1 e 16 da p.i.;(…)r) E de debito referente a participação numa viagem a quantia de 2283,27€ - Fatura n.º 700074/2007, com vencimento em 13 de Fevereiro de 2008 – doc.s n.os 1 e 19 da p.i.
2ª A matéria de facto descrita na conclusão anterior deve ser declarada provada face à confissão que resulta dos articulados; aos documentos juntos pela A. com a sua p.i. com os n.ºs 1 a 19, documentos esses que não foram impugnados e com fundamento nos depoimentos das testemunhas transcritos sob os n.ºs 31 a 38 destas alheações de recurso, que se dão aqui por integralmente reproduzidos.
3ª Deve ser eliminado o único facto declarado como não provado na douta sentença recorrida.
4ª A Ré C… deve ser condenada a pagar à Recorrente a quantia de 19.996,38€ com fundamento nos factos provados sob o n.º 25 descritos na 1ª conclusão destas alegações e de acordo com o art.º 1.º n.º 1; art.º 2º n.º 1 al. b) e art.º 6º n.º 1 das Condições Gerais da apólice juntas aos autos como doc. n.º 1 da douta contestação da Cosec,
Porque,
5ª O contrato de seguro celebrado entre a Recorrente e a C… não obrigava aquela a obter certidão do processo de insolvência com o reconhecimento do crédito,
Outrossim,
6ª Obrigava o segurado a mandatar a C… para que fosse esta a cobrar o crédito, ou, no caso de insolvência, a reclamá-lo.
7ª Só não seria assim n.º 4 do art.º 7.º das Condições Gerais se o cliente (C…) tivesse impugnado o crédito – o que não é o caso – ou se se suscitassem dúvidas acerca da sua existência, exigibilidade ou titularidade – o que não aconteceu, como se conclui do depoimento da Técnica da C…, transcrito nestas alegações, já que esta foi esclarecida do surgimento da dívida, tendo unicamente exigido a obtenção de um documento, que ela própria podia e devia obter nos termos contratados com a Disterm.
8ª Se, por hipótese, assim não se entender deve o Réu Dr. Rui… ser condenado como responsável pelo dano causado à Recorrente, com fundamento na sua responsabilidade civil profissional, em consequência da sua conduta omissiva na obtenção de certidão dos autos através de verificação ulterior de crédito, omissão essa que gerou a “perda de chance” da Recorrente em receber a indemnização do sinistro participado à Ré C…, que não efectuou esse pagamento só e somente porque, no seu entender, a D… dever-lhe-ia ter entregue tal certidão.
9ª No entanto e em consequência do contrato de seguro celebrado entre a Ordem dos Advogados e a Ré deve esta ser condenada no pagamento da referida indemnização de 19.996,38€,
Porque,
10ª O Réu Dr. R..… foi incumbido pela D… de obter o reconhecimento do crédito no processo de insolvência – veja-se a sua douta contestação que é uma confissão da sua omissão e os documentos n.º 24 a 28 dos quais se extrai, inequivocamente, que o Ilustre Advogado chegou a declarar ter proposto uma acção, não tendo nunca comprovado que o fizera – não obstante o pedido que lhe foi formulado diretamente pela C… - nem nunca apresentou qualquer decisão judicial acerca dessa alegada acção que declarou ter dado entrada em tribunal.
11ª A excepção deduzida pela Mafre não tem, com todo o respeito, qualquer fundamento, conforme a A. alegou na sua resposta, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido,
12ª A cláusula 7ª das condições particulares do contrato de seguro que a Ré M…, S.A. celebrou com a Ordem dos Advogados estipula que “o segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos (sublinhado nosso) os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores (sublinhado nosso), desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e, ainda que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data do efeito da entrada em vigor da presente apólice.
13ª Esta apólice condiciona “o pagamento da indemnização à apresentação de queixa de terceiros durante o prazo de validade do contrato e que possibilita a extensão da cobertura por um determinado período anterior ao início do contrato”.
14ª “Este contrato de seguro de responsabilidade civil profissional celebrado … configura um contrato de seguro de grupo”.
15ª “Contrapondo-o à apólice de ocorrência (para fins de indemnização o facto causador do dano ou prejuízo a terceiros deve ocorrer durante a vigência do contrato), podemos afirmar que estamos perante uma apólice de reclamações, também chamada “clains made”, que condiciona o pagamento da indemnização à apresentação da queixa de terceiros durante o prazo de validade (vigência) do contrato e que possibilita a extensão da cobertura por um determinado período anterior ao início do contrato” – Ac. Do STJ, de 14 de Dezembro de 2016, António da Silva Gonçalves (relator) – Proc. N.º 5440/15, que se junta.
16ª Para além de que está comprovado nos autos que o Sr. Dr. Rui … apenas tomou conhecimento da intenção da A. de o responsabilizar pela sua omissão geradora da não apresentação da reclamação do crédito da D… no processo de insolvência da C…, em 1 de Janeiro de 2016 – documento autêntico junto aos autos com o n.º 31 pela A. D… com a sua p.i.
Assim,
17ª Deve ser revogada a douta sentença recorrida por erro na apreciação da prova produzida nos autos, procedendo-se à requerida alteração da matéria de facto provada;
18ª Deve a Ré Cosec ser condenada a pagar à Recorrente a quantia de 19.996,38€ (dezanove mil novecentos e noventa e seis euros e trinta e oito cêntimos), acrescida de juros à taxa anual de 4%, contados desde a citação;
Ou, se assim não se entender
19ª Deve proceder o pedido subsidiário condenando-se os demais Réus no pagamento dessa indemnização à A., acrescida dos juros acima reclamados.».
10. A Ré C…respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, (……)…. no que à matéria de facto em análise concerne, fez uma apreciação correcta do objecto em litígio e decidiu com justiça ao julgar totalmente improcedente a presente acção».
11. A Ré MAPFRE apresentou contra-alegações em que também pugnou pela manutenção da sentença recorrida, (……..)
12. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Objecto e delimitação do recurso
De acordo com o disposto nos artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal “ad quem” possa ou deva conhecer oficiosamente, estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, contanto que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[2].
Dentro destes parâmetros, as questões submetidas à nossa apreciação e decisão circunscrevem-se a saber:           
1.ª - Se houve erro na apreciação dos meios de prova que imponha a alteração da decisão sobre a matéria de facto, na parte impugnada pela Recorrente;
2.ª - Se a sentença recorrida ostenta errada aplicação do direito (erro de julgamento) que imponha a sua revogação e consequente substituição por outra que julgue condene a 1.ª Ré, ou, subsidiariamente, o 1.º Réu e a 2.ª Ré.
III – Fundamentação:
3.1. Motivação de facto:
Na 1ª instância julgaram-se provados e não provados os seguintes factos:
A) Factos provados:
1. A autora celebrou com a 1.ª ré contrato de seguro de créditos, titulado pela apólice global flexível nº 1857011202, de fls. 20V-21V, e pelas condições gerais da apólice de fls. 64V-66V.
2. A 1.ª ré obrigou-se a pagar à autora 85% do prejuízo sofrido em consequência da verificação do risco de crédito, no âmbito da actividade de venda de equipamentos de climatização pela autora, por ocorrência, nomeadamente, de insolvência do cliente da autora, cf. artigo 1.º e 2.º, n.º 1, alínea a) das condições gerais.
3. O artigo 7.º, I, n.º 1 e n.º 2, alínea b) das condições gerais da apólice estipula que: “Cumpridas as regras estabelecidas na apólice para a cobrança dos créditos, considera-se verificado o sinistro por ocorrência dos factos previstos no artigo 2.º das presentes condições gerais: b) os casos das alíneas b) e c), na data do trânsito em julgado a sentença que declare a falência ou insolvência do ciente (…)”.
4. O artigo 7.º, I, n.º 3 das condições gerais da apólice estipula que: “verificado o sinistro (...), cabe ao SEGURADO proceder à sua participação, acompanhada dos comprovativos dessa verificação, quando for o caso, e dos prejuízos existentes”.
5. O artigo 14.º, n.º 1 das condições gerais da apólice estipula que: “Os direitos decorrentes da presente APÓLICE devem ser exercidos, sob pena de caducidade, no prazo de um ano contado a partir do dia em que se verificou o facto que fundamenta o respectivo direito.”
6. O artigo 14.º, n.º 3 das condições gerais da apólice estipula que: “Nos casos em que, tendo havido participação do sinistro, está em falta a comunicação ou envio, pelo SEGURADO, de elementos necessários à identificação do crédito seguro ou à comprovação da ocorrência do risco e ou da verificação do sinistro, o prazo indicado no nº 1 inicia-se na data, em que, nos termos da Apólice, o SEGURADO tomou conhecimento do último pedido de envio de elementos efectuado pela COSEC”.
*
7. Em 15.11.2007, a autora comunicou à 1ª ré, uma situação de ameaça de sinistro em relação à empresa sua cliente, C…., Lda., cf. fls. 67, referente a facturas e notas de débito, emitidas entre 02.08.2007 e 15.11.2007, e letras, pelo montante global de € 25.831,70, discriminadas a fls. 67V.
8. Aquando da comunicação de ameaça de sinistro, a autora informou a 1.ª ré sobre a apresentação à insolvência por parte da respectiva cliente, juntando, para o efeito, cópia de uma notificação, datada de 09.11.2007, proveniente do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria, relativa ao processo n.º 6926/07.3TBLRA, de fls. 68, cf. fax de fls. 67-67V-68.
9. Em 3.12.2007, a autora enviou à 1.ª ré o e-mail de fls. 68V, com o seguinte teor: “Junto enviamos e-mail recebido do nosso cliente C.., Lda. relativo ao processo de insolvência.” O email reenviado tem a data de 30.11.2007 e o seguinte teor: “Venho por este meio informar que a 28 de Novembro de 2007 foi declarada a insolvência a Cintyclima, Lda. Os credores têm 30 dias a partir de 28.11.07 para apresentar as respectivas reclamações de créditos.”
10. Em 13.3.2008, a 1.ª ré enviou à autora o e’mail de fls. 69, com o seguinte teor: “Exmo. Dr. Ilídio Santos. Relativamente ao processo mencionado, na sequência da participação recebida e do telefonema de hoje, e por forma à provisão e regulação do sinistro, agradecemos que nos indiquem, a que facturas, datas e montantes se reportam as notas de crédito e letras, e enviem as respectivas cópias. Agradecemos ainda que nos enviem também comprovativo do reconhecimento dos V/ Créditos no processo de insolvência 6926/07.3TBLRA, do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria. Poderão para o efeito, falar com a administrador de insolvência nomeado (…):”
11. Em 13.03.2008, por e-mail de fls. 69, a 1.ª Ré solicitou à autora informação sobre elementos em falta no que respeitava às facturas, notas de débito e letras participadas, bem como o envio do comprovativo do reconhecimento do respetivo crédito no âmbito do processo de insolvência da sua cliente.
12. Em 17.3.2008, a autora enviou à 1.ª ré o e-mail de fls. 69V, 2.ª parte e 70, 1.ª parte.
13. Em 16.04.2008, a 1.ª ré enviou à autora o e-mail de fls. 69V, 1.ª parte, a 1.ª ré insistiu junto da autora no sentido desta informar sobre quais as diligências de recuperação do crédito por si efectuadas no âmbito do processo de insolvência da cliente.
14. Em 26.9.2008, o 2.º réu enviou à 1.ª ré o e-mail de fls. 71V, com a indicação de que, no decurso da semana seguinte, lhe seria enviado o comprovativo da interposição da reclamação ulterior do crédito.
15. Em 14.5.2010, a 1ª ré procedeu ao encerramento do processo de sinistro, por motivo de caducidade, cf. fls. 72 (nota interna).
16. Em 26.11.2007, foi declarada a insolvência de C…, Lda., no processo de insolvência com o n.º 6926/07.3TBLRA, do 2.º Juízo Cível do Tribunal de Leiria.
17. Não foram reclamados créditos pela autora no processo de insolvência da Cintyclima, através da dedução de reclamação de créditos ou da verificação ulterior de créditos.
18. A autora não recebeu qualquer pagamento no processo de insolvência.
19. Apenas os credores que eram trabalhadores receberam os seus créditos e apenas parcialmente.
*
20. O 2.º réu é advogado, tendo prestado serviços de advocacia à autora em 2010/2011.
21. Após o decurso do prazo de 30 dias para a reclamação de créditos no âmbito do processo de insolvência,
22. Em 1.9.2008, a autora informou o 2.º réu acerca do assunto da C…, cf. e-mail de fls. 38-39.
*
23. Entre a 3.ª ré e a Ordem dos Advogados foi celebrado contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, com data de 1.1.2014, de fls. 81V-92.
24. A 3.ª ré assumiu perante o tomador de seguros (Ordem dos Advogados) a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da actividade de advocacia, sendo segurados os advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados por dolo, erro, omissão ou negligência profissional.
B) Factos não provados:
Não se provou que:
1. No exercício da sua actividade de comercialização de equipamentos de climatização, em Agosto de 2007, a autora vendeu a C…, Lda. vários aparelhos de ar condicionado, pelo preço de €25.831,70, que não foram pagos.
3.2. Mérito do recurso
3.2.1. Primeira questão:
Entende a Recorrente que, face à prova testemunhal produzida nos autos, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter considerado como matéria de facto não provada a constante do ponto único dos factos provados.
Pretende, assim, a reapreciação da matéria de facto, por forma a ser eliminado o ponto único dos factos não provados e aditado aos factos provados o n.º 25 com a redacção por si sugerida na conclusão 1.ª do seu recurso.
Sustenta, para o efeito, que ficou demonstrado que em 14 de Novembro de 2007, a C…, Lda. devia à Autora, aqui Recorrente, a quantia de € 25.808,43, que não foi paga, referente à venda de aparelhos de ar condicionado e material de montagem, despesas bancárias com reformas de letras e com a devolução de cheques e à participação numa viagem.
Invoca, ainda, a Autora, ora Recorrente, por forma a reverter a matéria de facto considerada não provada que, o Tribunal a quo não tomou devidamente em conta as declarações prestadas em audiência de julgamento pelas testemunhas (….)o.
E que a Recorrida C.., a quem foi incumbida a análise da existência da dívida para efeitos de accionamento, ou não, do seguro de crédito contratado, admitiu, por acordo, no artigo 1.º da sua Contestação, os factos constantes dos artigos 1.º a 3.º da Petição Inicial que dizem respeito à sua actividade, ao objecto e ao valor do seu crédito.
Em reforço deste argumento, sustentou que a Recorrente que a Recorrida C… nunca questionou o crédito por si reclamado quanto ao respectivo fundamento e valor total.
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Nos termos exarados no artigo 607º do CPC vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido.
Além deste princípio, que só cede perante situações de prova legal - prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais -, vigoram ainda os princípios da imediação, da oralidade e da concentração, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto, ampliados pela reforma processual operada pelo Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, e mantidos pela reforma processual operada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.
Perante o disposto no artigo 712º do CPC, a divergência quanto ao decidido pelo Tribunal a quo, na fixação da matéria de facto só assumirá relevância no Tribunal da Relação se for demonstrada, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a verificação de um erro de apreciação do seu valor probatório, sendo necessário, qua tais elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26-06-2003, acessível em www.dgsi.pt).
Não se trata de possibilitar um novo e integral julgamento, mas a atribuição de uma competência residual ao Tribunal da Relação para poder proceder a uma reapreciação da matéria de facto.
A utilização da gravação dos depoimentos em audiência não modela o princípio da prova livre ínsito no direito adjectivo, nem dispensa operações de carácter racional ou psicológico que gerem a convicção do julgador, nem substituem esta convicção por uma fita gravada.
O que há que apurar é da razoabilidade da convicção probatória do primeiro grau de jurisdição face aos elementos agora apresentados, ou seja, a modificação da matéria de facto só se justifica quando haja um erro evidente na sua apreciação.
Porém, uma coisa é a compreensão da fundamentação e outra diferente a concordância ou não com a mesma, já que, há que fazer a destrinça entre a convicção objectiva do julgador e, outra muito diferente, a vontade subjectiva da parte que pretende alcançar a sua própria verdade, sem uso de um espírito crítico.
A este propósito refere-se lapidarmente no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25.Nov.2005 (proc. 1046/02), disponível in www.dgsi.pt., que “a possibilidade de alteração da matéria de facto deverá ser usada com muita moderação e equilíbrio, ainda que toda a prova esteja gravada em áudio ou vídeo, devendo tao só o erro grosseiro ou clamoroso na apreciação da prova ser sindicado pela Relação com base na gravação dos depoimentos”.
Por erro notório deve entender-se “aquele que é de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores; em que o homem médio facilmente dá conta de que um facto, pela sua natureza ou pelas circunstâncias em que pode ocorrer, em determinado caso, não pode ser dado como provado ou não é dado como provado e devia sê-lo – por erro na apreciação da prova” ([3]).
Ou, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.Jul.1997 (proc. 97P612), disponível in www.dgsi.pt., “o erro notório na apreciação da prova é um vício de raciocínio na apreciação das provas evidenciado pela simples leitura da decisão. Erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de qualquer exercício mental. As provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica ou excluindo dela algum facto essencial”.
Sem embargo, como afirma Abrantes Geraldes[[4]], “se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, a convicção acerca da existência de erro deve proceder à correspondente modificação da decisão”.
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Feitos estes considerandos prévios, vejamos, então, se a primeira instância incorreu ou não em erro na apreciação da prova, no segmento da matéria de facto dada como não provada, aqui impugnado pela Recorrente.
Ao expressar a motivação da sua convicção, relativamente à factualidade em causa, refere o Senhor Juiz a quo:
«Motivação.
Em geral:
O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida nos autos, analisada conjugada e criticamente, segundo as regras de experiência comum e juízos de normalidade, designadamente:  (…….)   factos não provados deveram-se à falta de prova:
No que respeita à venda dos bens de ar condicionado à C…, as faturas de fls. 13, 14, 15V, 17, 17V, 18, e 18V não se referem a quaisquer aparelhos de ar condicionado e relativamente às restantes, fls. 10, 10V, 11, 11V, 12, 12V, nada foi concretizado em termos de prova testemunhal, apenas a testemunha …. se referiu de forma genérica» [Fim de citação]
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Como questão prévia, importa dizer que ao contrário do que a Recorrente defende, os factos por si alegados nos artigos 1.º a 3.º da Petição Inicial não podem considerar-se admitidos por acordo, porque sempre estariam em oposição com a defesa deduzida pela Recorrida C… considerada no seu conjunto (art.º 574.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC), da qual resulta claramente que esta não aceitou ou reconheceu o crédito participado ao sinistro e, consequentemente, não aceitou as Facturas e Notas de Débito juntas com a Petição Inicial ou com a Participação do Sinistro, sendo essa, aliás, a razão subjacente à propositura desta acção.
Por outro lado, ouvidas que foram, por este Tribunal de recurso, todas as declarações prestadas em audiência de julgamento - e não apenas os excertos transcritos no corpo das alegações da Recorrente - e feita uma reapreciação global de toda a prova produzida, que conjuga prova por declarações de parte, prova testemunhal e prova documental, só podemos acompanhar, no essencial, a decisão sobre a matéria de facto e respectiva fundamentação, na qual o Senhor Juiz a quo expôs com clareza e consistência os motivos relevantes que o determinaram a decidir como decidiu a matéria de facto, designadamente e no que para aqui releva a matéria de facto havida como não provada sob o ponto único.
 Na valoração da prova, o juiz não está sujeito a critérios apriorísticos, devendo fazer apelo à sua experiência vivencial, usando de prudência e de bom senso na interpretação dos sinais transmitidos pelas testemunhas, da forma como se exprimem e da segurança ou não dos conhecimentos de que são detentoras.
Da leitura da motivação da decisão da matéria de facto, resulta que o Senhor Juiz a quo fez uma análise crítica e conjugada do conteúdo essencial e relevante das declarações prestadas em audiência e da prova documental produzida e carreada para os autos, daí retirando os argumentos racionais que lhe permitiram, com razoável segurança, não atribuir qualquer relevo ou relevo significativo aos depoimentos prestados pelas testemunhas (….).
Porém, das declarações prestadas por A…o, Técnica da Direcção de Sinistros da C…, resulta claro que a Ré C… sempre considerou que o pretenso crédito da Autora era de existência duvidosa, que as facturas e notas de débito juntas com a participação de sinistro e constantes dos autos por si só não provam que o crédito existe e é exigível e que foi precisamente face a essa incerteza que exigiram o seu reconhecimento no âmbito do processo de insolvência, sendo que a Autora nunca reclamou os pretensos créditos neste processo, o que levou à caducidade do processo de sinistro. E compreende-se que a Ré C… exigisse o reconhecimento dos créditos no processo de insolvência, por tal se revelar, no caso em apreço, necessário à confirmação da verificação do sinistro e ao cálculo dos prejuízos indemnizáveis e cobertos pelo contrato de seguro de crédito em causa. Atente-se que a C… já havia sido declarada insolvente quando a Autora participou o sinistro à Ré C…, pelo que não tenha esta seguradora forma de confirmar o pretenso e duvidoso crédito junto da devedora.
Por outro lado, dos depoimentos prestados pelas testemunhas  (…) que foi administrador da Autora entre 2001 e 2015, e  (…)s, que foi Director Financeiro da Autora, de 2003 a Julho de 2016, não resulta provada a existência dos créditos que a Autor e Recorrente afirma ser titular sobre a C…, no montante global de €25.831,70 (IVA incluído), relativos a alegadas vendas feitas pela Autora a esta sociedade, em Agosto, Setembro e Outubro de 2007, de vários aparelhos de ar condicionado e equipamento de montagem (cfr. artigos 2.º e 3.º da Petição Inicial).
O depoimento prestado por (…), como a sua extensão deixa perceber, foi vago e genérico, nada tendo esclarecido em concreto sobre as alegadas vendas de equipamentos de ar condicionado à C… ou relativamente aos valores em dívida por esta sociedade à Autora/Recorrente aquando da comunicação da ameaça de sinistro à C…, em 15-11-2077 (cfr. doc. a fls. 67), apenas referindo o valor global de €25.000,00 como aquele que estaria em dívida naquela data, valor que corresponde, aliás, ao capital máximo coberto pelo seguro de crédito. Confrontado com as Facturas e Notas de Débito constantes dos autos, de fls. 10 a 18 verso, justificou a sua insuficiência ou incompletude com o facto de terem sido geradas por um novo programa informático (software de gestão), para a qual migraram as facturas/documentação contabilística lançadas na anterior aplicação (PRIMAVERA). Confrontado em particular com a Factura n.º 604873/2006 (Doc. 16 a fls. 17) não foi capaz de esclarecer se a mesma respeitava ou não à venda de equipamentos de ar condicionado, por estar incompleta, constando dos autos a página 2, sendo que a descrição do equipamento vendido deveria estar na página 1 do referido documento, em falta nos autos. Esta era uma matéria da maior relevância, que importava esclarecer e que não foi esclarecida por qualquer testemunha, face ao objecto do seguro de crédito celebrado com a C…
Por sua vez, as declarações prestadas pela testemunha (…), também elas extensas e vagas, revelaram-se confusas e antes contribuíram para adensar as dúvidas que já se suscitavam a respeito da origem do crédito participado ao sinistro. Na verdade, esta testemunha indicada pela Autora, ora Recorrente, asseverou que todas as facturas que se encontravam vencidas à data da comunicação da ameaça de sinistro à ora Recorrida C… (15.Nov.2007) já se encontravam pagas, que nessa data apenas existiam facturas com vencimento posterior. Não se percebendo, por isso, que tenham sido participadas à C… facturas e notas de débito com datas de vencimento anteriores (Cfr. Docs. 2, 3, 8, 9, 13 e 16 juntos com a Petição Inicial, respectivamente, a fls. 10, 10 verso, 13, 14, 15 verso e 17 dos autos). E esta incongruência parte de uma testemunha que exercia à data funções de Director Financeiro da Autora e que foi, segundo, afirmou, quem instruiu o processo de participação do sinistro, com as Facturas e Notas de Débito participadas ao sinistro, o que resulta, aliás, dos e-mails por si enviados à Recorrida C… e juntos como Docs. 5 e 7 da Contestação da C…, respectivamente, a fls. 68 verso e 69 verso a 70 dos autos. Assim, como bem sustenta a Recorrida C…, tais declarações não poderão deixar de suscitar a dúvida sobre a exigibilidade destes créditos, pois não revelaram conhecimentos concretos e precisos acerca dos pretensos créditos da aqui Recorrente.
E para adensar, ainda mais, a névoa que se formou em torno desta questão, temos presentes as declarações de parte prestadas pelo Réu Dr. Rui …, nas quais se referiu a uma conversa havida na ocasião entre si e o Administrador da Autora e Recorrente, (…), nas quais este lhe deu conta das dificuldades com que se deparava e que se resumiam a duas: “Não tinha meios ... facturação … de comprovar os fornecimentos; a C… não tinha meios de pagar”. Talvez seja isto que explique que a Autora e Recorrente, pela mão do Dr. R…… ou de outro Advogado, não tenha reclamado, em prazo, ou ulteriormente, os seus pretensos créditos no processo de insolvência, como, aliás, foi sucessivamente instada a proceder pela Ré C…, conforme assume o próprio Réu, foi declarado por todas as testemunhas e resulta dos Docs. 6 e 7 juntos com a Contestação da Ré C…, a fls. 69 e 69 verso a 70 dos autos. Ou, ainda, quiçá, porque não desconheceria que o Administrador da Insolvência, como terá informado, não tinha meios de confirmar e reconhecer os pretensos créditos da Autora, condição exigida pela Ré C… para a resolução do sinistro, porque a Insolvente  bloqueou o sistema informático, impedindo a verificação e cruzamento de informação contabilística, como foi afirmado em audiência de julgamento. Neste contexto, a demanda da Ré C… e o accionamento do seguro de responsabilidade civil profissional surgiu como a solução a alternativa de ressarcimento dos pretensos créditos da Autora. É outra dúvida que nos assola.
Como quer que seja, perante as dúvidas suscitadas pela Ré C… sobre a existência e exigibilidade dos pretensos créditos, a Autora poderia muito bem ter apresentado ao processo de sinistro as Guias de Transportes respeitantes aos supostos fornecimentos a que respeitam as Facturas juntas aos autos e até o comprovativo do pagamento do IVA respectivo. E podia ter junto as respectivas Notas de Encomenda, assim com ter arrolado como testemunhas os funcionários, comerciais, envolvidos na elaboração das Notas de Encomenda e os que estiveram encarregues do transporte da mercadoria, o que não se afigura tarefa difícil a uma empresa minimamente organizada em termos contabilísticos e de gestão, como deve ser, até por imperativo legal, uma sociedade anónima como a Autora.
Nada disso fez e também não se apresentou a reclamar os pretensos créditos no processo de insolvência.
Aos autos foram juntas com a Petição Inicial facturas incompletas e as testemunhas indicadas pela Autora, não foram capaz de esclarecer a razão de ser das letras que terão titulado as facturas participadas ao sinistro e quais as facturas tituladas por essas letras, assim como a causa dos documentos descritos no extracto de conta junto com aquela peça processual como Doc. 1, alegadamente justificativo do saldo reclamado.
Em suma, se tais créditos existem, eles não ficaram demonstrados nos autos, sendo que o ónus da sua demonstração incumbe à Autora, por se tratar de facto constitutivo do seu direito – art.º 342.º, n.º 1, do CPC.
Na verdade, face às incongruências apontadas à prova testemunhal e à insuficiência/incompletude da prova documental carreada para os autos, as dúvidas que se suscitaram acerca da existência dos pretensos créditos da Autora/Recorrente têm de ser resolvidas contra a Autora em conformidade com o disposto no art.º 414.º do CPC.
Improcede, portanto, as conclusões 1.ª a 3.ª da apelação.
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Ainda assim, entendemos que o ponto único dos factos não provados carece de rectificação oficiosa, nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do CPC, pois não reflecte a alegação da Autora que lhe está subjacente, vertida nos artigos 1.º, 2.º e 3.º da Petição Inicial, sendo que em discussão e julgamento estiveram alegados fornecimentos de aparelhos de ar condicionado e equipamento de montagem, efectuados pela Autora à C.. nos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2007 e não apenas no mês de Agosto de 2007.
Por tudo o exposto, decide-se:
a) Julgar improcedente a impugnação da matéria de facto não provada;
b) Alterar a redacção do Ponto 1 dos Factos Não Provados, que passa a ser a seguinte:
“1. No exercício da sua actividade de comercialização de equipamentos de climatização, em Agosto, Setembro e Outubro de 2007, a Autora vendeu a C…, Lda. vários aparelhos de ar condicionado e equipamento de montagem, pelo preço de €25.831,70, que não foram pagos.”
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3.2.2. Segunda questão
Em consequência da improcedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, nenhuma alteração no aspecto jurídico incumbe efectuar à sentença recorrida, que apresenta uma fundamentação bastante sólida e consistente do ponto de vista da interpretação e aplicação do Direito.
Vejamos,
Na sentença recorrida concluiu-se pela improcedência do pedido principal e consequente absolvição da Ré C…, por se entender que “os factos provados não fazem acionar qualquer cobertura contratada” e que “não se tendo verificado qualquer risco de crédito, no âmbito da atividade comercial, a 1.ª Ré não tem a obrigação de proceder ao pagamento da indemnização, por inexistir qualquer prejuízo resultante da verificação de facto futuro e incerto”.
Obtempera a Autora e Recorrente que a Ré C…, aqui Recorrida, deve ser condenada a pagar à Recorrente a quantia de €19.996,38 (do pedido inicial excluiu o valor da Nota de Débito n.º 700074/2007 referente a participação numa viagem), com os seguintes argumentos: (i) porque ficou provada a dívida da Cintyclima; (ii) o contrato de seguro celebrado entre a Autora e a COSEC não obrigava aquela a obter o reconhecimento do crédito no processo de insolvência; (iii) outrossim obrigava o segurado a mandatar a COSEC para que fosse esta a cobrar o crédito, ou, no caso de insolvência, a reclamá-lo.
O primeiro argumento não procede, face ao decesso da impugnação da decisão da matéria de facto.
Apreciemos, então, o segundo e terceiro argumentos.
Não sofre controvérsia que está em causa um contrato de seguro de risco de crédito regulado no Dec.-Lei n.º 183/88, de 24 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 127/91, de 22 de Março, pelo Dec.-Lei n.º 214/99, de 15 de Junho, pelo Dec.-Lei n.º 51/2006, de 14 de Março e pelo Dec.-Lei n.º 31/2007, de 14 de Fevereiro.
Nos termos do n.º 1 do artigo 1.º do Dec.-Lei n.º 183/88, de 24 de Maio, “Os seguros dos ramos «Crédito» e «Caução» regem-se pelas disposições do presente diploma e, subsidiariamente, pelas normas sobre seguros em geral que não sejam incompatíveis com a natureza destes ramos”.
No artigo 1.º das Condições Gerais da Apólice que titula o contrato de seguro de risco de crédito em análise, está previsto o objecto do seguro, aí tendo sido estipulado que “a C… se obriga a indemnizar o SEGURADO dos prejuízos sofridos em consequência da verificação do risco de crédito, por ocorrência de um dos factos previstos no n,º 1 do artigo 2º, relativamente aos CÈDITOS decorrentes da actividade indicada nas Condições Particulares da Apólice, abrangidos pelo seguro” (cfr. Doc. 1 da Contestação da COSEC, a fls. 64V e segs.).
Na Cláusula I, ponto 1, das Condições Particulares da Apólice, as partes estabeleceram que o seguro em apreço cobre “os créditos decorrentes da venda de Equipamento de Climatização”.
Por sua vez, pelo artigo 3.º, n.º 5, alínea h) das suas Condições Gerais da Apólice ficaram excluídos do seguro “juros, comissões, custos de negociação ou devolução de cheques, letras e livranças ou outros efeitos comerciais, multas, penalidades, taxas e, salvo o caso do n.º 3, impostos.
Por seu turno, o artigo 2º das Condições Gerais da Apólice delimita o âmbito de cobertura da apólice celebrada entre as partes, sendo bem explícito, ao fazer expressa referência que o seguro em causa cobre o risco de crédito por ocorrência de um dos factos geradores de sinistro que aí, de forma discriminada, vêm descritos, a saber, mora do cliente, falência ou insolvência do cliente, concordata, moratória ou outra medida de efeitos equivalentes celebrada com o cliente, insuficiência de meios de pagamento do cliente, recusa arbitrária do cliente em aceitar os bens ou serviços encomendados, com exclusão de quaisquer outros.
Assim, da análise das referidas cláusulas contratuais, cuja validade não foi posta em causa, conclui-se, sem margem para dúvidas, que a Recorrida C… restringiu a sua obrigação de pagar a indemnização devida à condição da verificação do facto gerador de sinistro e à da produção do dano e que delimitou o objecto do seguro aos créditos directamente decorrentes da venda de Equipamento de Climatização, dele excluindo, designadamente os juros devidos em consequência de mora no pagamento desses créditos, comissões, custos de negociação ou com devolução de cheques, letras e livranças ou outros efeitos comerciais, pelo que nunca seriam indemnizáveis os créditos reportados às facturas e notas de débito juntas pela Autora a fls. 13, 13verso, 15verso, 17verso, 18 e 18verso, por não respeitarem à venda de Equipamentos de Climatização.
Ora, como bem refere a Recorrida C…, um dos pressupostos da obrigação de indemnizar é precisamente a ocorrência de dano, o qual, sendo facto constitutivo do direito do credor, beneficiário do seguro, tem por este que ser alegado e provado (artigos 342º, nº 1, 562º e seguintes e 798º do Código Civil).
O regime legal do contrato de seguro consagra um conjunto de normas de conduta por parte do segurado tendentes a levá-lo a demonstrar os prejuízos efectivamente sofridos com o sinistro participado à seguradora, cujo escopo visa prevenir a fraude ou o enriquecimento indevido do segurado
Como refere José Vasques, “o carácter não-especulativo do contrato de seguro é bem expresso pelo princípio indemnizatório, segundo o qual o segurado deve ser ressarcido do prejuízo que efectivamente sofreu, não podendo o seguro constituir fonte de rendimento para os lesados” (in Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, pág. 145),
Na verdade, incumbe ao segurado a obrigação de cooperar com o segurador na identificação das circunstâncias e consequências do sinistro e no apuramento dos danos, sendo certo que esta obrigação, que sempre encontraria fundamento na boa-fé que deve estar subjacente ao contrato de seguro, reflecte o contributo positivo que o conhecimento preciso que o segurado tem do risco, do sinistro e dos danos que este tenha originado, pode consistir para a definição da prestação do segurador (cfr. José Vasques, in Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, págs. 254 e 269).
No caso, a Autora, ora Recorrente não logrou fazer, como lhe competia (art.º 342.º, n.º 1, do Cód. Civil) prova cabal nos presentes autos dos factos constitutivos do seu direito, designadamente demonstrar a existência e a exigibilidade do crédito comunicado ao seguro e a cobertura do mesmo pelo contrato de seguro de créditos celebrado entre as partes, titulado pela apólice em apreço nos autos.
Não foi possível aferir da existência e exigibilidade do crédito da ora Recorrente sobre a sua cliente Cintyclima, uma vez que a mesma, apesar dos reiterados pedidos efectuados pela Recorrida C…, nunca enviou a esta seguradora os elementos necessários à confirmação da verificação do sinistro e ao cálculo dos prejuízos indemnizáveis, designadamente certidão comprovativa do reconhecimento do crédito daquela no âmbito do processo de insolvência da sua cliente Cintyclima.
Com efeito, não procede o argumento aduzido pela Recorrente de que a Apólice em causa não exige tais elementos como condição contratual para o pagamento da indemnização, porquanto o artigo 7º, Ponto I, nº 3 das Condições Gerais da Apólice é bem claro ao estipular que “verificado o sinistro (...), cabe ao SEGURADO proceder à sua participação, acompanhada dos comprovativos dessa verificação, quando for o caso, e dos prejuízos existentes.
Considerando que os pretensos créditos da Autora se venceram por força e na sequência da insolvência da sua cliente Cintyclima, a Recorrida C… não tinha meios de os confirmar junto da devedora. Deveria, pois, em tais circunstâncias, a Autora ter reclamado aqueles créditos no processo de insolvência e apresentado os meios de prova necessários à sua verificação e confirmação, o que não fez, apesar de instada para o efeito por mais que uma vez, pela Recorrida COSEC.
Nas conclusões 5.ª e 6.ª do recurso, a Recorrente defende que o contrato de seguro em análise não a obrigava a obter certidão da sentença de reconhecimento do crédito no processo de insolvência da sua cliente Cintyclima, outrossim obrigava-a a mandatar a COSEC para que fosse esta a cobrar o crédito, ou no caso de insolvência, a reclamá-lo.
Não concordamos, sendo certo que a ser como afirma a Recorrente na conclusão 6.ª, certamente por lapso, sempre haveria de se considerar que incumpriu a obrigação de mandatar a C… para reclamar o crédito.
Como implicitamente admite a Recorrente na conclusão 7.ª, nos casos em que o crédito é impugnado ou quando se suscitem dúvidas acerca da sua existência, exigibilidade ou titularidade, é aplicável o n.º 4 do artigo 7.º da Condições Gerais da Apólice.
Ora, no caso em apreço, os pretensos créditos da Autora foram impugnados e não foi possível à Recorrida C… apurar a sua existência e exigibilidade, por se tratar de uma situação em que a cliente do segurado (Autora) já se encontrava insolvente à data da participação do sinistro, e não havia como contactar a mesma para apurar a existência e efectiva exigibilidade do crédito em questão. Acresce que a seguradora não poderia tentar a cobrança dos créditos directamente que, por absurdo, a verificar-se, levaria à prática de um crime de favorecimento de credores, previsto e punido pelo artigo 229.º do Código Penal, na medida em que, uma vez declarada a insolvência, o insolvente fica proibido de praticar actos de disposição e de administração sobre os bens qie integram a massa insolvente (art.º 81.º, n.º 1, do CIRE).
Por outro lado, sendo o processo de insolvência um processo de execução universal, visando a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto da liquidação pelos credores, ou a satisfação dos créditos destes pela forma prevista num plano de insolvência que assente na recuperação da empresa (art.º 1.º do CIRE), só com a reclamação e reconhecimento de créditos ficariam assegurados os direitos de sub-rogação da C… previstos na Cláusula 7.ª – ponto V, das Condições Gerais da Apólice.
Assim, não tendo sido possível à Ré/Recorrida C… apurar a existência e efectiva exigibilidade do crédito em questão, a situação em apreço caiu no âmbito da previsão do n.º 4 do artigo 7º das Condições Gerais da Apólice que expressamente prevê que, em caso de dúvidas sobre a existência e a exigibilidade do crédito, a verificação do sinistro se suspende até que o Segurado comprove, por decisão judicial, o seu direito.
Não o tendo feito, o desfecho só podia ser - como foi - o da caducidade dos direitos decorrentes da Apólice e o consequente encerramento do processo de sinistro por parte da Ré C…- cfr. Cláusula 14.ª, n.ºs 1 e 2, das Condições Gerais da Apólice.
Por conseguinte, face ao decesso probatório da Autora e Recorrente, bem andou o Tribunal a quo em julgar improcedente o pedido principal e absolver do mesmo a Ré e Recorrida C….
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A título subsidiário, a Recorrente pretende a condenação dos Réus Rui … e MAPFRE na indemnização pelos danos que lhe foram alegadamente causados. Demanda o Réu Gonçalo com fundamento na responsabilidade civil profissional e em consequência da sua conduta omissiva quanto ao dever de reclamação dos créditos e obtenção de certidão comprovativa do seu reconhecimento no processo de insolvência, omissão que gerou “a perda de chance” da Recorrente em receber a indemnização do sinistro participado à Ré C… e demanda a Ré MAPFRE com fundamento no contrato de seguro de responsabilidade profissional celebrado entre a Ordem dos Advogados e a Ré seguradora.
Sobre esta questão, o Tribunal a quo discorreu o seguinte:
“(…)
Embora não tenha sido como tal qualificado pela autora, está em causa a perda de chance, entendida como uma modalidade de dano emergente.
A este propósito, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 09.07.2015, ww.dgsi.pt: “Nessa linha, uma vantagem perdida por decorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, deve ser qualificada como um dano autónomo, não obstante a impossibilidade absoluta do resultado tido em vista, reconduzindo-se a um dano autónomo existente à data da lesão, portanto qualificável como dano emergente, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado.”
Trata-se de uma espécie de antecipação de um dano hipotético, e que não se consegue demonstrar – ao contrário do lucro cessante, o qual assenta na demonstração de verosimilhança ou probabilidade dessa perda.
Este tipo de dano não é revelado pela teoria da diferença, porque quando se compara a situação patrimonial real do lesado com a sua situação patrimonial hipotética (se o facto não tivesse ocorrido), a perda de chance não consta da situação patrimonial real, mas também provavelmente não constaria da hipotética.
De origem pretoriana, a perda de chance é marcada por alguma imprecisão, cf. a propósito, RUI CARDONA FERREIRA, “A perda de chance – Análise comparativa e perspetivas de ordenação sistemática”, O DIREITO, ano 144.º, 2012, página 57.
Tal como decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.04.2010, www.dgsi.pt (a propósito do mandato forense), a obrigação profissional do advogado “Integra uma obrigação de meios (ou de diligência) já que o mandatário apenas se obriga a desenvolver uma atividade direcionada para uma solução jurídico-legal, pondo ao serviço do mandante todo o seu zelo, saber e conhecimentos técnicos mas não garantindo qualquer desfecho da controvérsia que lhe é posta. Ao mandatário forense não é apenas exigida diligência do homem médio (n.º 2 do artigo 487.º do Código Civil) um paradigma de conduta a apreciar em abstrato mas tendo em atenção tratar-se de um profissional a quem é imposto muito maior rigor na investigação, atualização, adequação e aplicação dos conhecimentos da sua especialidade. (…)”
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No caso:
O 2.º réu não deduziu reclamação ulterior de créditos da autora no processo especial de insolvência de Cintyclima.
Todavia, ainda que se considerasse existir omissão que constituísse facto ilícito, a verdade é que inexistiu qualquer dano para a autora.
Na verdade, a autora não logrou provar que tenha vendido os bens à sua cliente. Não se tendo provado que a autora vendeu a Cintyclima os equipamentos de ar condicionados, conclui este Tribunal que inexiste qualquer responsabilidade contratual ou extracontratual por parte do 2.º réu, advogado.
Em consequência, a 3.ª ré, seguradora, não pode ser responsabilizada.”                       
Secundamos esta fundamentação: no cumprimento do mandato forense, o advogado está sujeito aos deveres deontológicos constantes do Estatuto da Ordem dos Advogados, os quais conformam as obrigações que da celebração do mandato lhe decorrem.
Resulta do artigo 100º do mesmo Estatuto, na versão aplicável, que o Advogado tem para com os clientes os seguintes deveres deontológicos:
“1 - Nas relações com o cliente, são ainda deveres do advogado:
a) Dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca, assim como prestar, sempre que lhe for solicitado, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas, sobre os critérios que utiliza na fixação dos seus honorários, indicando, sempre que possível, o seu montante total aproximado, e ainda sobre a possibilidade e a forma de obter apoio judiciário;
b) Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade;
c) Aconselhar toda a composição que ache justa e equitativa;
d) Não celebrar, em proveito próprio, contratos sobre o objecto das questões confiadas;
e) Não cessar, sem motivo justificado, o patrocínio das questões que lhe estão cometidas.
2 - Ainda que exista motivo justificado para a cessação do patrocínio, o advogado não deve fazê-lo por forma a impossibilitar o cliente de obter, em tempo útil, a assistência de outro advogado. Nas relações com o cliente, são ainda deveres do advogado:
a) Dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca, assim como prestar, sempre que lhe for solicitado, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas, sobre os critérios que utiliza na fixação dos seus honorários, indicando, sempre que possível, o seu montante total aproximado, e ainda sobre a possibilidade e a forma de obter apoio judiciário;

b) Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade;
c) Aconselhar toda a composição que ache justa e equitativa;
d) Não celebrar, em proveito próprio, contratos sobre o objeto das questões confiadas;

e) Não cessar, sem motivo justificado, o patrocínio das questões que lhe estão cometidas.
2 - Ainda que exista motivo justificado para a cessação do patrocínio, o advogado não deve fazê-lo por forma a impossibilitar o cliente de obter, em tempo útil, a assistência de outro advogado."
É verdade que o Réu R.. violou os seus deveres profissionais, porque não foi diligente, nem actuou de acordo com as leges artis, ao não ter reclamado os créditos da Autora, sua cliente, que para tanto o mandatara, no processo de insolvência.
Todavia como bem sustenta a Ré MAPFRE, não basta que um advogado, por falta de zelo, não tenha praticado um determinado acto, para que, sem mais, nasça na esfera jurídica do seu cliente o direito à indemnização por perda de chance, sem se exigir qualquer outro requisito.
Tal entendimento, que não acolhemos, afastaria os requisitos da responsabilidade civil, designadamente a necessidade de existência de danos e o nexo de causalidade entre a conduta do agente e os danos.
O apuramento da responsabilidade por “perda de chance”, não pode prescindir da exigência da verificação do dano e do nexo causal, pressuposto comum da sua existência e critério de determinação do quantum indemnizatório.
Para haver indemnização, o dano da perda de oportunidade de obter o reconhecimento dos créditos no processo de insolvência não pode ser desligado de uma consistente e séria probabilidade de haver vencimento na reclamação de créditos omitida: não basta invocar a omissão da obrigação de reclamar os créditos no processo de insolvência e de aí obter sentença de reconhecimento de créditos, com base em fundamento de que tal omissão levou à não reparação do sinistro pela seguradora; impõe-se, ainda, alegar e provar que, sem essa omissão, os factos fundamento resultariam provados, tendo ser muito elevada a probabilidade de reconhecimento desses créditos.
Na verdade, o Réu R …, enquanto Advogado da Autora, não se obrigou a um resultado, mas a uma actividade.
Ora, conforme ponderou a sentença em crise, “Todavia, não se provou que no exercício da sua actividade de comercialização de equipamentos de climatização, em Agosto de 2007, a autora vendeu à C…, Lda., vários aparelhos de ar condicionado, pelo preço de 25.831,70, que não foram pagos.”.
Por conseguinte, seria muito improvável que, caso tivesse sido deduzida reclamação de créditos no processo de insolvência (conduta omitida) a Autora obtivesse vencimento da mesma e visse reconhecidos os créditos reclamados.
Assim sendo, bem andou o Tribunal a quo em concluir, como concluiu, que “Ainda que considerasse existir omissão que constituísse facto ilícito, a verdade é que inexistiu qualquer dano para a autora.”
Com efeito, não se perspectivando a probabilidade de procedência da “chance” perdida, sendo atribuída uma probabilidade de improcedência da acção sem qualquer outro critério que não a circunstância de ter sido omitido o acto devido, a indemnização atribuída cai no âmbito da pura aleatoriedade, sem qualquer correspondência com o dano efectivamente sofrido pelo lesado.
Neste contexto, não pode esta Relação determinar, como pretende a Recorrente, que, caso o Réu Rui …tivesse procedido à reclamação de créditos obteria sequer certidão de decisão de reconhecimento desses créditos e que, em consequência, a Ré C…, na presença desse documento, teria procedido à indemnização dos pretensos créditos reclamados pela aqui Recorrente.
Pelo que nem se pode afirmar, como a Recorrente, que o seu decaimento foi apenas e só consequência daquela omissão, verificando-se, por si só, o dano de perda de chance.
Não basta que se verifique o incumprimento do mandato para que haja indemnização por perda de chance, sendo também necessário que esse incumprimento pudesse conduzir, com um elevado grau de probabilidade, à procedência da pretensão do lesado, e não se verificando, no presente caso, que a Recorrente teria essa probabilidade de sucesso, não haverá lugar a qualquer indemnização a este título.
Termos em que se considera que a apelação improcede na totalidade, sendo de manter a sentença recorrida, também quanto ao pedido subsidiário deduzido contra os Réus Dr. R… … e MAPFRE.
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Tendo decaído na apelação, a Recorrente terá de suportar as respectivas custas – artigo 527.º do CPC.
IV - Decisão:
Por tudo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em: a) Julgar improcedente a impugnação da decisão da matéria de facto; b) Alterar a redacção do ponto único dos factos não provados, nos termos descritos supra; c) Julgar improcedente a apelação e confirmar inteiramente a sentença recorrida.
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Custas do recurso pela Autora/Recorrente.
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Registe e notifique.
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Lisboa, 5 de Março de 2020
Manuel Rodrigues
Ana Paula A. A. Carvalho
Gabriela de Fátima Marques
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[1] Com aproveitamento parcial do relatório da sentença recorrida.
[2] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil. Almedina, 2017, 4ª edição revista, pág. 109.
[3] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 3.Dez.1997, proc. 9710990, disponível in www.dgsi.pt.
[4] Obra citada, pp. 287.288.
Decisão Texto Integral: