Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6381/17.0T9SNT.L1-5
Relator: VIEIRA LAMIM
Descritores: CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/20/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: UNANIMIDADE
Sumário: Se foi determinada a notificação, via OPC competente e via contacto telefónico, do arguido para juntar aos autos documento comprovativo do pagamento da multa penal em que foi condenado, sob pena de poder vir a ser instaurada execução para cobrança coerciva dos montantes em dívida, informando-o da possibilidade de requerer o pagamento a prestações da multa penal ou a sua substituição por trabalho, com a advertência de que, não optando por nenhuma das opções referidas, e não sendo possível o seu pagamento coercivo, poderia a multa ser convertida em prisão subsidiária e se tal contacto telefónico não foi concretizado, nem a notificação pelo OPC teve êxito e se foram feitas diligência para encontrar bens do arguido, sem êxito, não tendo o despacho sido notificado à sua ilustre Defensora, não foi assegurado o contraditório através de concessão ao condenado de oportunidade para alegar e provar que o não pagamento da multa não lhe era imputável
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:

Iº 1. No Processo Comum (Tribunal Singular) nº6381/17.0T9SNT, do Tribunal da Comarca de Lisboa (Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 2), em 5Jun.20, o Mmo Juiz proferiu o seguinte despacho:
“….
Art. 49º do Código Penal
“1. Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do nº1 do art. 41º.”
»(...) o cumprimento da pena de prisão subsidiária é agora determinado após a verificação de que a multa não substituída por trabalho não foi paga, voluntária ou coercivamente. Não é, portanto, necessário que na sentença se fixe a pena subsidiária, como sucedia na vigência do art. 46º, nº3 da versão originária do código quanto à prisão alternativa. No entanto, a ordem de cumprimento da prisão subsidiária terá que ser dada por despacho do juiz, após verificação dos pressupostos enunciados no nº1.«
[cfr. Código Penal Português – Anotado e Comentado – Legislação Complementar – 14ª edição -2001, Almedina, de Manuel Lopes Maia Gonçalves, anotação ao art. 49º, pág. 187 e ss.]
Por sentença transitada em 25 de Junho de 2018, foi o(a) Arguido(a) J. condenado(a) na pena de 30 dias de multa, à taxa diária de 5€, num total de 150€, a que correspondem 20 dias de prisão subsidiária. O(a) Arguido(a) não procedeu ao pagamento da multa, não se mostrando possível obter o seu pagamento coercivo.
Assim, nos termos do disposto no art. 49º, nº1 do C. Penal, o(a) Arguido(a) tem a cumprir 20 dias de prisão. 
Após trânsito, passe e entregue os competentes mandados.
…”.
2. Inconformado com o despacho de 5Jun.20, o arguido J. recorre, motivando o recurso, com as seguintes conclusões:
1. O Arguido J. foi condenado nestes autos, por Sentença transitada em 25 de Junho de 2018, na pena de 30 (trinta) dias de multa, à taxa diária de €5 (cinco euros), perfazendo o montante global de 150,00 (cento e cinquenta euros).
2. O Arguido não requereu o pagamento da pena de multa em prestações, nos termos do art. 47.º, n.º 3, do Código Penal, pois a sua incapacidade económica era de tal forma severa, que até para proceder ao pagamento da pena de multa em prestações, lhe era impossível.
3. Por isso, atendendo às suas inexistentes condições económicas, não requereu o pagamento a prestações.
4. O Arguido também não requereu, no prazo legal, a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade.
5. Assim,
6. O Arguido esforçou-se por conseguir realizar o montante da multa criminal, e proceder ao seu pagamento, pois tinha consciência de que, não o fazendo, cumpriria dias de prisão.
7. Não obstante o esforço realizado pelo arguido, o mesmo não conseguiu realizar o montante total necessário, para liquidar a multa criminal em que foi condenado.
8. O tribunal ”a quo” determinou “o cumprimento da pena de prisão subsidiária de 20 dias, a que o arguido foi condenado.”
9. Com efeito, não resulta dos autos que o Meritíssimo Juiz “a quo” tenha assegurado e privilegiado a possibilidade de exercício do contraditório pelo arguido, antes de decidir a conversão da pena de multa em prisão subsidiária
10. No caso em concreto, o tribunal ”a quo” nem sequer notificou o arguido, para se pronunciar quanto à promovida conversão da pena de multa em prisão subsidiária, pugnada pela Digna Magistrada do Ministério Público.
11. O tribunal ”a quo” não notificou o arguido, nem o seu defensor, para nos autos justificarem, a razão do não cumprimento do pagamento da multa.
12. O tribunal ”a quo”não notificou o arguido para se pronunciar sobre a promoção de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, nem notificou o arguido para o mesmo justificar a razão do não pagamento da multa.
13. Pois deve privilegiar-se e proteger-se com mais rigor e maior exigência, o exercício do contraditório, atendendo a que está em causa a privação da liberdade do arguido, decorrente da decisão de conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária ”( Neste sentido, entre outros, Acórdão da Relação de Guimarães de 06-02-2006 e de 27-04-2006, in www.dgsi.pt, e Acórdão da Relação do Porto, de 22-02-2006, in CJ, Tomo I,2006,p.218)”.
14. A omissão de notificação do arguido para este justificar o seu incumprimento, acarreta uma nulidade insanável para a decisão de conversão da pena em prisão subsidiária, prevista no art.119, do Código de Processo Penal.
15. Antes do Tribunal ”a quo” decidir pela conversão da pena principal de multa, em prisão subsidiária, deveria antes de proferir essa decisão, aferir e averiguar, se o incumprimento do arguido, se deve a incumprimento culposo do arguido, ou não.
16. Devendo ter sempre em atenção, que a prisão deverá ser o último recurso a aplicar.
17. No entanto, optou o Tribunal ”a quo” por determinar o cumprimento da pena de prisão subsidiária de 20 dias, ao arguido.
Face ao exposto, deverá o presente Recurso ser considerado procedente, e em consequência deverá o Douto Despacho Recorrido ser revogado, por violar o exercício do contraditório, devendo ser substituído por outro que, após prévia notificação, determine a audição de arguido sobre as razões de seu incumprimento.
3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, a que respondeu o Ministério Público, concluindo:
1. Não se conformando com o despacho judicial recorrido, proferido no dia 5/6/2020, no qual o Tribunal a quo converteu a pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 5 €, aplicada ao Arguido por sentença transitada em julgado, em 20 dias de prisão subsidiária, veio o Arguido/Condenado interpor o presente recurso, alegando, em síntese, que não foi assegurada a possibilidade de exercício do contraditório, não tendo o Condenado sido notificado para se pronunciar quanto à promoção de conversão efetuada pelo MP, nem para justificar o motivo do não pagamento, o que, no seu entender, acarreta a nulidade insanável do despacho recorrido, nos termos previstos no art. 119° do CPP.
2. Ultrapassado o prazo de pagamento voluntário, verificando-se que o Condenado não havia requerido o pagamento da quantia em causa em prestações, nos termos previstos no art. 49, n°3, do CP, nem a substituição da multa por trabalho, tal como previsto no art. 48° do CP, ainda assim, foi determinada nova notificação para a realização do seu cumprimento, por qualquer das supra mencionadas vias (cfr. refs. n° 384975425 e n° 385154969), a qual não se logrou efectivar, não obstante a sua tentativa através de contacto telefónico e para a morada do TIR, cuja indicação não foi alterada nos autos pelo Condenado (cfr. refs. n° 385475345 e n° 24063591).
3. Nesta sequência, foi determinada a realização de pesquisas nas bases de dados informáticas, com vista a apurar a existência de bens penhoráveis do Condenado (cfr. refs. n° 390855147, n° 391171788, n° 391290831, n° 391291096), nas quais se incluiu a averiguação de bens por parte do OPC competente (cfr. refs. n° 391291270, n° 391584571), a qual não foi possível efectivar por falta de contacto com o Condenado, não obstante a informação dos vizinhos de que se tratava da residência do mesmo (cfr. ref. n° 25712024).
4. Deste modo, considerando o disposto no art. 49, nº 1, do CP, no qual se prescreve que “se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços (...)” concorda-se, em absoluto, com o despacho proferido pelo Tribunal a quo, ora recorrido.
5. No que se refere à invocada nulidade do despacho recorrido, entendemos que com a notificação, via contacto pessoal, para pagamento da multa, com a advertência de, na sua falta, poder ser instaurada execução ou convertida em prisão subsidiária (cfr. ref. n° 22062266), para além de ter sido dada ao Condenado a oportunidade de pagar voluntariamente a multa, foi exercido o contraditório, nos termos do disposto no art. 61°, n° 1,  al. b), do CPP, estando, deste modo, devidamente acauteladas as suas garantias e direitos de defesa, sendo certo que seria este o momento adequado para o Condenado se pronunciar acerca da possibilidade, ou não, de pagar a multa, o que não fez e, apenas, vem fazer agora, em sede de recurso.
6. Finalmente, em relação à ora alegada insuficiência económica por parte do Condenado, vindo-se esta a provar, poderá pôr-se a possibilidade da execução da prisão subsidiária determinada pelo despacho recorrido vir a ser suspensa, desde que sujeita ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, nos termos do n° 3 do art. 49° do CP, sendo, no entanto, sempre de manter o despacho recorrido.
7. Nestes termos, não deverá ser dado provimento ao presente recurso, devendo manter-se a decisão recorrida…
4. Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-geral Adjunto aderiu à resposta do Ministério Público em 1ª instância e concluiu pelo não provimento do recurso.
5. Procedeu-se a conferência.
6. O objecto do recurso, tal como ressalta das respectivas conclusões, reconduz-se à questão de saber se ao arguido foi assegurado o contraditório em relação à decisão de cumprimento da prisão subsidiária à multa em que foi condenado.
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IIº 1. Notificado do despacho que determinou o cumprimento da prisão subsidiária à multa em que foi condenado por sentença proferida nestes autos, o recorrente alega que não lhe foi assegurado o contraditório.
Por despacho de 18Março19 foi determinada a notificação (via OPC competente e via contacto telefónico) do arguido para juntar aos autos documento comprovativo do pagamento da multa penal em que foi condenado nestes autos, sob pena de poder vir a ser instaurada execução para cobrança coerciva dos montantes em dívida, informando-o da possibilidade de requerer o pagamento a prestações da multa penal ou a sua substituição por trabalho, com a advertência de que, não optando por nenhuma das opções referidas, e não sendo possível o seu pagamento coercivo, poderá a multa ser convertida em prisão subsidiária.
O contacto telefónico não foi concretizado, pelas razões que constam da cota lavrada em 25Mar.19.
A notificação pelo OPC também não teve êxito, como consta da certidão negativa de 10Set.19 (junta a 25Set.19).
Depois disso apenas foram feitas diligência para encontrar bens do arguido, sem êxito.
O despacho de 18Março19, além de não ter sido notificado ao arguido, nomeadamente pela forma prevista na al.c, do nº2, do art.196, do CPP, também não foi notificado à sua ilustre Defensora, ao contrário do que dispõe o nº10, do art.113, CPP.
Assim, em relação ao cumprimento da prisão subsidiária à pena de multa, não foi assegurado o contraditório através de concessão ao condenado de oportunidade para alegar e provar que o não pagamento não lhe era imputável[1].
A violação do contraditório, constitui nulidade insanável (art.119, al.c, CPP), o que determina a revogação do despacho recorrido, que deve ser substituído por outro ordenando a notificação do arguido para se pronunciar sobre a conversão da multa não paga em prisão subsidiária.
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IVº DECISÃO:
Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, dando provimento ao recurso do arguido J. , revoga-se o despacho recorrido que deve ser substituído por outro ordenando a notificação do arguido para se pronunciar sobre a conversão da multa não paga em prisão subsidiária.
Sem tributação.

Lisboa,
Relator: Vieira Lamim
Ricardo Cardoso
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[1] Como decidiu o Ac. deste Tribunal da Relação de 15Março11, Relator Simões de Carvalho, Pº 432/08.6POLSB-A.L1-5, acessível em www.dgsi.pt) “…IIIº Não sendo conhecidos bens penhoráveis ao arguido, não se justifica a instauração de execução para pagamento coercivo da multa, seguindo-se o processo de conversão da mesma em prisão subsidiária; IVº Antes dessa conversão, deve ser assegurado o contraditório, tendo o condenado a possibilidade de provar que o não pagamento lhe não é imputável; Vº Sendo determinado o cumprimento da prisão subsidiária, sem ter sido assegurado ao condenado o contraditório, foi cometida uma nulidade insuprível, passível de ser suscitada em fase de recurso”.