Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
444/16.6T8TVD.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
PROCESSO DISCIPLINAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: Constatando o juiz, na ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, findos os articulados, que o empregador ao juntar o processo disciplinar falhou no envio de peças integrantes do mesmo, não há lugar à consequência prevista no Artº 98ºJ/3 do CPT, se a falta detetada não foi invocada pelo trabalhador nem constitui base da sua defesa.

(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa


RELATÓRIO:

BBB, com sede (…) em Lisboa, Ré nos presentes autos de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento, em que é Autor AAA, notificada da decisão de mérito proferida nos autos, e com ela não se conformando vem, dela apresentar Recurso, invocando também a nulidade da sentença.
Pede a revogação da sentença com as legais consequências.
Apresentou alegações a sustentar a sua tese e termina concluindo do modo seguinte:
A)-Vem o presente recurso interposto da decisão de mérito de fls., que condenou a Recorrente nos seguintes termos:
“ (…) a empregadora não cumpriu o disposto no art.98ºI nº4 al a) juntando o procedimento disciplinar (integral) pelo que se impõe, não obstante a tramitação que teve lugar nos autos, extrair as consequências legais dessa não junção.
Assim, face á não junção do processo disciplinar, nos termos do disposto no art.98ºJ nº3 do Código de Processo do Trabalho decide-se declarar a ilicitude do despedimento e:
c)Condenar a empregadora BBB a integrar AAA no seu posto de trabalho, com integral respeito da sua categoria profissional e antiguidade.
d)Condenar a empregadora a pagar ao referido trabalhador as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde o despedimento e até ao trânsito em julgado da presente decisão deduzidas das importâncias que o trabalhador, comprovadamente, teria auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e dos valores suportados pela segurança social a título de subsídio de desemprego que deverão ser entregues a essa entidade.”
B)-Ao declarar ilícito o despedimento do recorrido e ao condenar a recorrente a reintegrá-lo e a pagar-lhe as retribuições que o mesmo deixou de auferir até ao trânsito em julgado da decisão, o tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 98º-J nº3 do CPT, bem como nos artigos 353º, 357º e 382 nº 2 do Código do Trabalho, uma vez que tal decisão é infundada, excessiva e, claramente, extemporânea.
C)-Não tendo a Mma. Juiz a quo verificado no momento oportuno, o cumprimento do 98º-J nº3 do CPT, tendo notificado o Recorrido para contestar, com o consequente prosseguimento dos autos, tal omissão passou a consubstanciar uma nulidade processual, nos termos do disposto nos artigos 195º, nº 1, 197º e 198º e 615º do CPC, nulidade que não foi arguida pelo Trabalhador, tendo este oportunidade de o fazer, deverá por isso ser revogada a douta decisão, ordenando-se o prosseguimento dos presentes autos.
D)-Pretende-se assim, submeter à apreciação deste Douto Tribunal a legalidade da decisão que no seu entender radica em erro interpretativo e violação das regras de direito aplicáveis in casu, concretamente do artigo 98º J do CPT, e também por se ter verificado nulidade processual nos termos dos art. 195º 197º e 198º do CPC
E)-Vejamos face ao sucedido dos autos por que razão considera a recorrente que a aplicação da cominação prevista no art. 98º J nº 3 se mostra excessiva.
F)-Não obstante os fundamentos constantes da douta decisão, compulsados os elementos constantes dos autos verifica-se que no dia 20 de Abril de 2016, depois de realizada a audiência de partes e não tendo sido possível conciliar as partes, a Empregadora foi notificada para, no prazo de 15 dias, apresentar o articulado para motivar o despedimento e juntar o processo disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, sob pena de, não o fazendo, ser dado cumprimento ao disposto no art.98ºJ, nº3 do Código do Processo do Trabalho.
G)-No dia 5 de Maio de 2016, tempestivamente, a Empregadora, dando cumprimento aos requisitos legais com vista a alegar e provar os factos que estiveram subjacentes ao despedimento do Autor, defendendo a sua regularidade, validade e licitude, remeteu através da plataforma Citius o seu
Articulado Motivador do Despedimento através do Requerimento número 3651823- Refª: 22576034, às 15:25:18, e nesse mesmo dia a Empregadora procedeu ao envio do processo disciplinar através de dezasseis (16) requerimentos sucessivos conforme se discrimina;
17-Requerimento 3651946- Refª: 22577061- 15:56:08- Vol. Principal I - pág. 1 a 77
18-Requerimento 3651959- Refª: 22577171- 15:59:35- Vol. Principal I - pag. 78 a 124
19-Requerimento 3651965- Refª: 22577285- 16:04:30- Vol. Principal I- pag. 125 a 206
20-Requerimento 3651970- Refª: 22577362- 16:08:59- Vol. Principal II - pag. 207 a 219
21-Requerimento 3651973- Refª: 22577469- 16:12:07- Vol. Principal II- pag. 220 a 253
22-Requerimento 3651977- Refª: 22577540- 16:15:18- Vol. Principal II - pag. 254 a 277
23-Requerimento 3651981- Refª: 22577622- 16:18:34- Vol. Principal II - pag. 278 a 289
24-Requerimento 3651987- Refª: 22577745- 16:24:27- Vol. Principal II - pag. 290 a 405
25-Requerimento 3651989- Refª: 22577820- 16:28:06- Vol. Principal II- pag. 406 a 496
26-Requerimento 3652086- Refª: 22577902- 16:41:12- Vol. Principal II - pag. 507 a 568
27-Requerimento 3652171- Refª: 22579448- 17:36:06- Vol. Principal II - pag. 569 a 627
28-Requerimento 3652173- Refª: 22579548- 17:38:51- Vol. Principal II - pag. 628 a 669
29-Requerimento 3652174- Refª: 22579607- 17:41:23- Vol. Anexo -pag. 1 a 79
30-Requerimento 3652175- Refª: 22579659- 17:43:12- Vol. Anexo - pag. 80 a 127
31-Requerimento 3652196- Refª: 22580302- 18:11:53- Vol. Anexo-pag.128 a 157
32-Requerimento 3652201- Refª: 22580426- 18:18:35- Vol. Anexo-pag. 158 a 202
H)-O Autor/Trabalhador foi notificado no dia 6 de maio de 2016 do requerimento apresentado, bem como da prova junta aos autos, designadamente do Processo Disciplinar, tendo no dia 25 de Maio de 2016, apresentado a sua Contestação.
I)-No dia 27 de maio de 2016, o mandatário do Autor foi notificado para efetuar o pagamento da multa prevista no nº5 do art.139º do Código do Processo Civil, acrescida de uma penalização de 25% nos termos do nº 6 do esmo artigo, constante de guia que lhe foi remetida em anexo, sob pena de não se considerar válido o ato processual extemporaneamente praticado.
J)-Nessa contestação o Autor não deduziu exceções, não se pronunciou quanto à regularidade do procedimento disciplinar, tendo apenas impugnado os factos e deduzido pedido reconvencional, onde requereu o pagamento de €15.000,00 a título de danos não patrimoniais.
L)No dia 13 de junho de 2016, a Empregadora foi notificada da contestação, e apresentou resposta à mesma no dia 27 de Junho de 2016.
M)Só no dia 16 de junho de 2016, as partes foram notificadas da marcação da Audiência Prévia, agendada para o dia 4 de julho de 2016, data em que estava prevista a realização da audiência de julgamento nos presentes autos.
N)Tendo no dia 13 de julho de 2016, proferido a decisão no sentido de considerar o despedimento ilícito por entender que a Empregadora não procedeu à junção do processo disciplinar, com base na cominação prevista no art. 98º J nº 3, decisão que no entender da recorrente não faz uma correta aplicação do direito aos factos e que para além do mais se mostra excessiva tendo nomeadamente em conta a utilidade prática e legal da norma face ao processado.
O)-Se no entendimento jurisprudencial a norma visa acautelar o direito de defesa do trabalhador permitindo-lhe a sua consulta e o acesso a toda a informação relevante, a fim de organizar a sua defesa, bem como permitir ao juiz do processo a verificação da legalidade dos atos praticados no procedimento, nomeadamente se a decisão disciplinar e o articulado inicial se situam dentro dos limites dos factos elencados na nota de culpa, o certo é que no caso em apreço nenhum daqueles desideratos ficou minimamente comprometido, porquanto quer o Trabalhador, quer a Mma Juiz, puderam aferir do cumprimento da legalidade na tramitação do Processo Disciplinar, uma vez que, apesar de páginas em falta, tais elementos constam dos autos e portanto aptos a cumprir os fins a que se destinam (Vejam-se os documentos que constam em anexo à notificação que o trabalhador junta aos autos anexa ao formulário que deu início à presente ação).
P)-Não será razoável assim, considerar que o trabalhador ficou impedido de realizar a sua defesa nos presentes autos, porquanto aquele depois de devidamente notificado do Articulado Motivador do Despedimento e da junção do Processo Disciplinar, constituiu seu mandatário, o Mui Ilustre Advogado Dr.(…) aliás, Advogado que promovera a sua defesa no próprio Processo Disciplinar, também ele à data notificado da Decisão Final de Despedimento da Comissão Executiva e respetivos anexos (Fotocópias do Relatório do Processo Disciplinar, do Parecer da Comissão de Trabalhadores, e cópia do envio da notificação ao próprio trabalhador), advogado que apresentou contestação nos presentes autos no dia 25 de Maio de 2016, não tendo arguido qualquer exceção, nem nulidade do processo disciplinar, nem mesmo que fosse aplicada a cominação prevista no art.98ºJ, nº3, com a consequente declaração de ilicitude do despedimento, facto que não pode ser considerado irrelevante, como o fez a douta decisão agora posta em crise.
Q)-A presente decisão também se mostra fundada em erro e excessiva porquanto o processo disciplinar em apreço é composto por dois volumes principais e um anexo, num total de 890 páginas, e foi remetido tempestivamente via Citius, (facto que também não pode ser considerado irrelevante) tendo-se verificado um mero salto no envio das páginas 496 a 506 e 670 a 688, o que não constitui mais do que uma mera falha material, porquanto não teve a Empregadora para além do mais, intenção de escolher apenas alguns documentos ou de enviar apenas parte deles.
R)-E é isso mesmo que se retira da leitura da sequência dos requerimentos enviados, que tal falha foi potenciada pelo envio de 17 requerimentos sequenciais – 1 correspondente ao articulado motivador do despedimento e 16 referentes ao processo disciplinar -transmitidos entre as 15:25:18 e as 18:18:35, vicissitudes resultantes da utilização da plataforma informática Citius, falta involuntária, perfeitamente sanável, bastando ao tribunal no tempo e no momento em que finalmente tomou conhecimento, ordenar que fosse junto o original do processo ou os documentos que entendeu relevantes apreciar, podendo a Mma Juiz, nos termos do art. 590º do CPC mandar suprir irregularidades como as em apreço.
S)-Razão pela qual a Mma Juiz agiu em erro, tendo excedido a aplicação da cominação prevista no art. 98º J nº 3, mesmo depois de admitir que:
-tal falta da Recorrente não foi intencional, que tais documentos constam do processo, porque juntos pelo próprio autor, e que este não arguiu na sua contestação qualquer irregularidade ou nulidade relativa ao processo disciplinar, factos que ainda assim considerou irrelevantes.
T)-O que se verifica nos presentes autos é a existência de lapso material decorrente da utilização dos meios informáticos ou até mesmo da digitalização dos documentos constantes do processo disciplinar, facto involuntário e sanável, situação que não se pode subsumir à não entrega do processo disciplinar e que não poderia ter culminado com a aplicação da cominação legal prevista no art. 98ºJnº3 do CPC, por se mostrar no caso em apreço excessiva, decidindo a Mma Juiz em claro erro de direito.
U)-Ainda que V. Exas assim não entendam, o que por mero dever de raciocínio se admite, sempre se dirá que, se atendermos à razão de ser da lei, tal como se deduz do Preâmbulo do DL n.º 295/2009, de 13 de Outubro e dos estudos prévios citados, não podemos perder de vista que se visava obter celeridade processual, permitindo ao juiz uma decisão o mais rapidamente possível. A própria sistemática do Código do Processo de Trabalho, situa o artigo que prevê a cominação aplicada antes do artigo da Contestação, ou seja, do artigo 98º L, sendo o momento de prolação de qualquer despacho neste sentido, o imediato ao fim do prazo da entrega do referido Articulado do Empregador e consequente entrega do processo disciplinar e não em qualquer momento posterior, como sucedeu nos presentes autos.
V)-Independentemente das razões invocadas pela Mma Juiz, é certo que a omissão daquele ato no momento em que deveria ter sido praticado deu origem a uma nulidade processual – art. 195nº1 do CPC -, tendo esta omissão originado o prosseguimento dos autos.
W)-Caímos assim num regime distinto do invocado na douta decisão e doutra forma não pode deixar de ser considerado, sob pena de estarmos perante a possibilidade de aplicação da cominação prevista no art. 98º J nº 3, a todo o tempo, sob o pretexto do conhecimento de vícios formais, quando não é disso que se trata.
X)-Assim, o momento processual de prolação do despacho ora emitido é o imediatamente posterior à junção do articulado de Empregador, evitando-se, assim, caso se verifique alguma das faltas apontadas, que prossigam os autos com a imediata declaração de ilicitude do despedimento, o que não sucedeu no caso em apreço.
Y)–Sem prescindir a recorrente do já alegado quanto à inexistência da considerada falta de junção do processo disciplinar, terá pelo exposto e atento o processado, de atender ao regime de arguição da nulidade processual apontada, que é o previsto no artigo 197º e 199º do CPC, cabendo à parte prejudicada no caso ao Autor/Recorrido, fazê-lo no prazo de 10 dias a contar do dia em que, depois de verificada, ou no momento que que interveio em qualquer ato processual, ou seja, tendo este sido notificado para contestar, seria esse o momento de arguir alguma exceção ou nulidade, como, consequentemente, requerer a declaração da ilicitude do despedimento com os fundamentos que entendesse por convenientes.
Z)-A contestação apresentada pelo Trabalhador marcaria o início do prazo para a arguição de tal nulidade mas, como se verifica no presente caso, tal prazo foi largamente excedido, ficando assim e no entender da Recorrente, tal nulidade sanada, nada mais restando que não fosse o prosseguimento, dos autos para Julgamento, argumento que tem acolhimento jurisprudencial – vd. Ac. TRP Proc: 655/13.6TTOAZ.P1 de 26-05-2015:…
AA)-A Empregadora entende que agiu de acordo e no estrito cumprimento das suas obrigações legais, quer no que toca à apresentação tempestiva do Articulado Motivador do Despedimento quer no que toca à junção do Processo Disciplinar, e que se mostra excessiva a aplicação de tal cominação prevista no 98º J nº 3, decisão que assenta em decisão tomada em erro de direito, aplicação excessiva do direito, pois caso alguma dúvida se lhe oferecesse à Mma Juiz, sempre esta deveria nos termos legais ter convidado a Empregadora a proceder à junção das páginas em falta ou mesmo à junção do original do processo Disciplinar.
BB)-Assim, atentos os fundamentos supra expostos, foram cumpridas todas as formalidades legais, devendo por isso prosseguir o processo os seus trâmites e ser considerado regular o despedimento com justa causa, promovido contra o Autor, por não se verificar a declarada ilicitude do despedimento com as demais consequências legais, devendo V.Exas mandar revogar a douta decisão recorrida que declarou a ilicitude do despedimento com fundamento na não junção do procedimento disciplinar

AAA, Autor nos autos supra referenciados, notificado que foi da interposição do recurso da Ré, vem apresentar as suas CONTRA ALEGAÇÕES, nas quais defende a manutenção da decisão recorrida, concluindo como segue:
-Por um lado, a junção completa do Processo Disciplinar permite, ao trabalhador, a consulta do mesmo e o acesso a toda a informação relevante para organizar a sua defesa;
-Por outro lado, permite ao Juiz a verificação da legalidade dos atos praticados no procedimento, nomeadamente, se a decisão disciplinar e o articulado inicial se situaram dentro dos limites dos factos elencados na nota de culpa. E se foram cumpridos todos os formalismos exigidos, o que no caso dos autos, pese embora os esforços argumentativos da recorrente, não se verificou.
Donde e sem necessidade de mais considerações, conclui-se que a sentença recorrida ao condenar a Recorrente, interpretou e aplicou, corretamente, as normas que regulam a matéria dos autos, de harmonia com a doutrina e a jurisprudência das Relações e do próprio Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser confirmada, aqui se dando por reproduzidas as razões de facto e de direito que fundamentam a douta decisão recorrida.

O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer do qual emana que concorda com a tese defendida em contra-alegações, propondo, por isso, a confirmação da sentença.
***

Segue-se um breve resumo dos autos para cabal compreensão:
Na sequência da apresentação do formulário que deu origem à presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento realizou-se audiência de partes na qual, por se ter frustrado a tentativa de conciliação, se notificou a empregadora, entre outros, para apresentação do articulado motivador e junção do processo disciplinar.
Foi apresentado aquele articulado bem como uma sequência de diversos requerimentos (16) alegadamente contendo peças integrantes do processo disciplinar.
Seguiu-se a apresentação de contestação/reconvenção na qual não se faz qualquer referência ao processo disciplinar assim apresentado.
Foi, então, designada uma audiência prévia tendo por base o facto de da junção do procedimento disciplinar emanar “a existência de uma situação suscetível de conduzir à aplicação do preceituado no Artº 98ºJ/3 do CPT”.
Na sequência dessa audiência prévia a empregadora veio proceder à junção do original do processo disciplinar (que se traduz em cerca de 4 volumes de papel).
É então que o trabalhador adere à posição expendida em sede de audiência preliminar, requerendo a declaração de ilicitude do despedimento.
Após foi reiniciada a diligência e proferida a decisão recorrida.

No âmbito da audiência prévia que foi realizada, foi proferido despacho no qual pode ler-se:
Analisado o processo assim enviado verifica-se que não foi junto o procedimento na parte compreendida entre fls 496 e 506, terminando o procedimento com um relatório e não contendo o parecer a que alude o art. 356º nº 5 do Código do Trabalho e a decisão final (art. 357º), isto considerando aquela que seria a tramitação mínima subsequente.

No caso dos autos o procedimento existe – tal não foi colocado em causa – só que não foi integralmente junto aos autos.

Irrelevante se afigura que a decisão final tenha sido junta pelo trabalhador com o formulário previsto no art. 98º D do Código de Processo do Trabalho.
Por um lado, tal junção é uma condição de recebimento do formulário – cfr. art. 98º E – e não para aferição do procedimento disciplinar.
Por outro lado, o ónus do art. 98º I nº 4 al a) recai sobre a empregadora e não sobre o trabalhador (o qual aproveita do não cumprimento do referido ónus).
Irrelevante se afigura também que o trabalhador não tenha suscitado qualquer questão relativa à não junção integral do procedimento disciplinar na sua contestação.
É a que a verificação dos vícios formais sempre se impõe ao tribunal nos termos do art. 387º nº 4 do Código do Trabalho.
Irrelevante se afigura igualmente a junção, como no caso ocorreu, posterior ao prazo do art. 98º nº 4 do procedimento disciplinar atenta a natureza perentória do prazo em causa.
À aplicação da cominação é indiferente a existência ou não do procedimento, tal como o é a intencionalidade da empregadora ou a opção de envio pela mesma escolhida, relevando apenas e tão só a apresentação nos autos e dentro do prazo legal da totalidade do procedimento disciplinar, do procedimento integral.
Concluindo, a empregadora não cumpriu o disposto no art. 98º I nº 4 al a) juntando o procedimento disciplinar (integral) pelo que se impõe, não obstante a tramitação que teve lugar nos autos, extrair as consequências legais dessa não junção.
Assim, face à não junção do processo disciplinar, nos termos do disposto no art. 98ºJ nº 3 do Código de Processo do Trabalho decide-se declarar a ilicitude do despedimento e:
a)Condenar a empregadora BBB  a reintegrar AAA no seu posto de trabalho, com integral respeito da sua categoria profissional e antiguidade.
b)Condenar a empregadora a pagar ao referido trabalhador as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde o despedimento e até ao trânsito em julgado da presente decisão deduzidas das importâncias que o trabalhador, comprovadamente, tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e dos valores suportados pela segurança social a título de subsídio de desemprego que deverão ser entregues a esta entidade.
***

As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões: 

1ª-Não tendo a Mma. Juiz a quo verificado no momento oportuno, o cumprimento do 98º-J nº3 do CPT, tendo notificado o Recorrido para contestar, com o consequente prosseguimento dos autos, tal omissão passou a consubstanciar uma nulidade processual, nos termos do disposto nos artigos 195º, nº 1, 197º e 198º e 615º do CPC, nulidade que não foi arguida pelo Trabalhador, tendo este oportunidade de o fazer, deverá por isso ser revogada a douta decisão, ordenando-se o prosseguimento dos presentes autos?
2ª-A aplicação da cominação prevista no art. 98º J nº 3 mostra-se excessiva?
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O DIREITO:
A encimar a sua alegação a Apelante invoca nulidade da sentença traduzida em excesso de pronúncia.
A fundamentar a sua tese invoca a circunstância de o conhecimento dos vícios detetados pelo tribunal sempre ter que ocorrer antes da notificação do trabalhador para contestar e o facto de o trabalhador não ter suscitado, como lhe era exigível, qualquer irregularidade do procedimento.
Estas razões fundamentam também o próprio recurso conforme emana das conclusões B) e C), pelo que trataremos de as equacionar na resposta à 1ª questão acima elencada – a omissão passou a consubstanciar uma nulidade processual.
O Artº 615º/1-e) do CPC dispõe que é nula a sentença quando o juiz condene em objeto diverso do pedido.
Verdadeiramente, não é o que está em causa, visto que o tribunal recorrido lançou mão de cominação prevista na legislação processual laboral e fê-la aplicar. Para este efeito – e a ter a aplicação ocorrido dentro do condicionalismo legal – o juiz não carece de pedido.
A questão que se pode equacionar é se, tendo o trabalhador contestado sem que, não obstante ter sido notificado do processo disciplinar cuja junção irregular ocorreu, ter suscitado qualquer irregularidade, cessa a oportunidade de o tribunal aquilatar do bem ou mal fundado de tal junção.
No fundo, se, tal como alega, existe algum momento oportuno para o tribunal decidir verificada a irregularidade na junção e, existindo, se, decorrido tal momento, a omissão não invocada se consolida sem reflexos na marcha do processo.
Isto pressupõe, é claro, que entre a junção das peças e a respetiva notificação ao trabalhador haja um momento em que o tribunal é confrontado com a situação.
Ora, não existe tal momento.
Após a notificação do empregador para motivar o despedimento e juntar o processo disciplinar, ocorrendo apresentação do articulado motivador – como ocorreu – é o mesmo notificado ao trabalhador que dispõe, de imediato, de prazo para contestar. Sem qualquer intervenção judicial de permeio.
Isto só não é assim se o empregador deixar de motivar o despedimento, conforme decorre de quanto vem disposto no Artº 98ºL/1 do CPT.
Assim, o momento para efetuar a verificação da junção do processo disciplinar é no término da fase dos articulados (Artº 98ºM/1). Este é, pois, o momento oportuno.
Donde, não se pode dizer, como a Apelante, que a Mma. Juiz a quo não verificou, no momento oportuno, o cumprimento do Artº 98ºJ/3.
Na verdade, o Tribunal recorrido no dito momento oportuno fez o que devia fazer, ou seja, constatou a falha e convocou as partes para audiência prévia tendo por finalidade auscultá-las sobre a questão.
Não existe, pois, qualquer nulidade procedimental. Nem tem aplicação ao caso o invocado Ac. da RP de 26/05/2015, cuja decisão assenta em pressupostos substancialmente distintos – requerimento para decretamento da ilicitude do despedimento com base na não junção integral do procedimento disciplinar já em sede de audiência de julgamento.
Questão distinta, também pressuposta na alegação, é se podia o tribunal conhecer da matéria sem prévia arguição por parte do trabalhador.
Conforme decorre do relatório supra exarado, até à audiência prévia – ou seja, durante a fase de articulados - nunca o trabalhador suscitou a questão.
O trabalhador, na sequência da primeira sessão de audiência prévia e por força da confrontação judicial, tomou consciência de que a questão existia e, tendo a empregadora, de imediato, vindo juntar o processo na íntegra, requereu, então, a aplicação do disposto no Artº 98ºJ/3, vindo a decisão a ser proferida em segunda sessão de audiência prévia e depois deste requerimento.
Exarou-se na decisão em reapreciação que é irrelevante que “o trabalhador não tenha suscitado qualquer questão relativa à não junção integral do procedimento disciplinar na sua contestação.
É a que a verificação dos vícios formais sempre se impõe ao tribunal nos termos do art. 387º nº 4 do Código do Trabalho.
A verdade é que não estamos em presença de vícios formais do processo. O que se prefigura é uma irregularidade na junção do mesmo.
Contudo, é um facto que a falta de junção pura e simples não pressupõe a alegação pela parte interessada.
Isto mesmo se extrai de quanto vem espelhado no Artº 98ºJ/3 do CPT: o juiz declara a ilicitude do despedimento se o empregador não juntar o procedimento disciplinar.  

E somos levados à 2ª questão - a aplicação da cominação prevista no Artº. 98º J nº 3 mostra-se excessiva?
Alega a Recrte. que se a norma visa acautelar o direito de defesa do trabalhador permitindo-lhe a consulta e o acesso a toda a informação relevante, a fim de organizar a sua defesa, bem como permitir ao juiz do processo a verificação da legalidade dos atos praticados no procedimento, nomeadamente se a decisão disciplinar e o articulado inicial se situam dentro dos limites dos factos elencados na nota de culpa, o certo é que no caso em apreço nenhum daqueles desideratos ficou minimamente comprometido, porquanto quer o Trabalhador, quer a Mma Juiz, puderam aferir do cumprimento da legalidade na tramitação do Processo Disciplinar, uma vez que, apesar de páginas em falta, tais elementos constam dos autos e portanto aptos a cumprir os fins a que se destinam. Não será razoável assim, considerar que o trabalhador ficou impedido de realizar a sua defesa nos presentes autos, porquanto aquele depois de devidamente notificado do Articulado Motivador do Despedimento e da junção do Processo Disciplinar, constituiu mandatário, advogado que apresentou contestação nos presentes autos no dia 25 de Maio de 2016, não tendo arguido qualquer exceção, nem nulidade do processo disciplinar, nem mesmo que fosse aplicada a cominação prevista no Artº 98ºJ, nº3, com a consequente declaração de ilicitude do despedimento, facto que não pode ser considerado irrelevante.
Tendemos a concordar.
Quando acima deixámos explícito que a aplicação da consequência determinada pelo Artº 98ºJ/3 do CPT não carece de pedido pela parte interessada, partimos do pressuposto que a omissão de junção é total. Ou seja, não carece de invocação pela parte se, pura e simplesmente não ocorre junção do processo disciplinar. Isto é claro em presença do disposto na norma em referência.
Já não é assim tão claro se a omissão de junção se reportar a folhas ou partes daquele processo e a parte contrária, não obstante, organizou e apresentou a sua defesa sem mácula.
A junção do processo disciplinar aos autos de ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento cumpre, antes de mais, a missão de comprovar a sua efetivação. Isto é, não se pode concluir que o despedimento foi precedido de procedimento disciplinar sem contactar com tal procedimento. A sua existência é condição de licitude do despedimento e é objetivo da ação de impugnação abalar esse pressuposto. Daí que, não tendo ele sido junto, a lei imponha como consequência a imediata declaração de ilicitude.
O processo disciplinar é, depois, também uma exigência para, aquilatar da existência de vícios que levem à sua invalidade.
O conhecimento destes vícios depende de alegação por parte daquele a quem interessar.
Vigora, nesta sede e em pleno, o princípio do dispositivo – cabe às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas (Artº 5º/1 do CPC).
Para além disso, o processo disciplinar pode ainda desempenhar uma função probatória, já não da sua existência, mas por conter dados que possam convencer acerca dos factos imputados.
Em qualquer destas duas circunstâncias, é ónus da parte interessada alegar as vicissitudes dele decorrentes que possam levar a uma decisão que a favoreça.
Ora, no caso concreto, o trabalhador não invocou qualquer circunstância conexionada com o procedimento levado a cabo pela empregadora e nem se deu conta da falha de envio detetada pelo tribunal.
Assim, não resultando dos autos que a defesa ficou comprometida e sendo evidente a extensão do processo disciplinar – vd. Conclusão Q)[1] - e, bem assim, a vontade de o juntar (expressa no conjunto de 16 requerimentos apresentados para o efeito), a aplicação do disposto no Artº 98ºJ/3 fere o sentimento de justiça, revelando-se desproporcional e desadequada aos interesses que se pretendem salvaguardar.
Não podemos abstrair da circunstância de, na contestação, o trabalhador se ter limitado a deduzir defesa por impugnação, não tendo suscitado qualquer vício de procedimento.
Nesta medida, e nestas circunstâncias concretas, não é de aplicar a cominação prevista no Artº 98ºJ/3 o que não fere a jurisprudência decorrente, nomeadamente, do Ac. da autoria da ora Relatora, proferido na RG no âmbito do Procº 2080/15.5T8BRG segundo a qual “constatando-se que, em vez do processo disciplinar, se juntaram peças soltas do mesmo, tudo equivale à omissão de junção daquele e, nessa medida, não resta senão declarar a ilicitude do despedimento com as respetivas consequências” (in www.dgsi.pt), pois tal conclusão pressupôs a influência da ausência das peças em falta na tramitação da ação. Concretamente alegava-se a invalidade do procedimento decorrente da circunstância de não terem sido realizados atos de instrução requeridos.
Termos em que procede a apelação.
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar a decisão recorrida.
Custas pelo Apelado.
Notifique.
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LISBOA, 2017.01.25

MANUELA BENTO FIALHO
SÉRGIO ALMEIDA
CELINA NÓBREGA

 


[1]Ali se consignou que “o processo disciplinar em apreço é composto por dois volumes principais e um anexo, num total de 890 páginas, e foi remetido tempestivamente via Citius, (facto que também não pode ser considerado irrelevante) tendo-se verificado um mero salto no envio das páginas 496 a 506 e 670 a 688, o que não constitui mais do que uma mera falha material”.