Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
29949/15.4T8LSB.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: AVALISTA
DIREITO DE REGRESSO
LIVRANÇA EM BRANCO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, a qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias.
O direito de regresso do avalista sobre os co-avalistas pressupõe que o titulo de crédito seja válido, contenha todos os elementos essenciais que a lei não prescinde.
Admitindo a lei a livrança em branco para que esta seja eficaz e constitua título de crédito necessário é o seu posterior preenchimento relativamente aos elementos essenciais.
A verificação desses requisitos formais revela-se tanto mais necessária quanto é certo que qualquer dessas relações cambiárias (com destaque para o aval) é pautada pela autonomia, abstracção e literalidade, sendo a responsabilidade de cada um dos intervenientes definida unicamente pela livrança.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


M... demandou M... e A... pedindo a condenação de cada um dos réus na quantia de € 21.285,79, acrescido dos juros vencidos e vincendos, desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que o autor, M... e os réus, subscreveram, como avalistas, duas livranças para garantia do bom cumprimento de dois contratos de financiamento celebrados entre a Sociedade F... Lda. e o Banco ....

Não tendo a sociedade cumprido as obrigações assumidas o Banco solicitou aos avalistas o pagamento dos valores em dívida.

O autor pagou a dívida ao Banco ficando sub-rogado nos direitos deste face aos demais co-avalistas.

Até à data, só foi reembolsado pela co-avalista M...

Na contestação os réus pugnaram pela absolvição do pedido, sustentando que desconhecem os valores em dívida, nunca foram interpelados para pagar qualquer quantia, nem exigida qualquer responsabilidade enquanto avalistas. Nada devem porquanto são avalistas de livranças que nunca foram preenchidas.

Após julgamento foi prolatada sentença que julgando a acção improcedente absolveu os réus do pedido – fls. 189 e sgs.

Inconformado o autor apelou formulando as seguintes conclusões:
1. O autor intentou a presente acção contra os réus peticionando destes o pagamento da quantia total de €. 42.571,58 (Quarenta e dois mil, quinhentos e setenta e um euros e cinquenta e oito cêntimos);
2. Foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a acção e, em consequência, absolveu os réus da instância, resumidamente, com fundamento em que “ As livranças invocadas pelo autor não produzem efeitos, por não apresentarem os respectivos requisitos, pelo que não se verifica direito de regresso quanto aos demais avalistas, restando concluir pela improcedência da presente acção”;
3. É contra esta decisão que se insurge o apelante;
4. O autor e os réus, para garantir o bom cumprimento das obrigações assumidas pela sociedade F... perante o Banco ..., subscreveram como avalistas as livranças juntas aos autos;
5. Não tendo esta sociedade efectuado integralmente o pagamento das quantias em divida, o autor, como avalista, interpelado para fazer o pagamento dos montantes em divida, pagou-os;
6. O aval, designadamente quando prestado ao subscritor de uma livrança, constitui um negócio cambiário cujo regime jurídico emerge da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL) - cfr. artigos 30 a 32 e 46, ex vi art. 78;
7. O aval é o ato pelo qual uma pessoa estranha ao título cambiário, ou mesmo um signatário - artigo 30 da LULL - garante, por algum dos co-obrigados no título, o pagamento da obrigação pecuniária que este incorpora;
8. Como resulta do artigo 32 LULL, o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, pelo que a medida da responsabilidade do avalista se mede pela do avalizado;
9. A Lei Uniforme regula a responsabilidade do avalista perante os credores cambiários e o exercício do seu direito de reembolso contra o respectivo avalizado ou contra os demais obrigados na cadeia de responsáveis cambiários;
10. Nada prevendo sobre o eventual exercício do direito de regresso entre os diversos avalistas do mesmo avalizado;
11. Não se discute, nem discutiu, nos presentes autos a existência do direito de regresso entre avalisas, tanto mais que tal questão já foi dirimida na jurisprudência pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 7/2012, de 5/6/2012 (proc. nº 2493/05, disponível em www dgsi.pt);
12. O que ora se põe em crise é a necessidade de preenchimento da livrança para que o direito de regresso entre avalistas possa ser exercido;
13. As relações internas entre os co-avalistas, se nada for convencionado, são reguladas pelo direito comum;
14. Em acórdão de uniformização de jurisprudência já decidiu o Supremo Tribunal de Justiça que “ Sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias”;
15. O acórdão uniformizador funda o direito de regresso do avalista na norma do artigo 524 CC, tratando-se o direito de regresso entre avalistas como regime de solidariedade legal;
16. O direito do avalista que paga é um direito próprio e autónomo que se constituiu no momento em que apõe a expressão no título bom para aval e se assina, mesmo que a letra/Livrança esteja em branco;
17. É um direito que nasce ex-novo na esfera jurídica de quem cumpriu, regulado pelo direito comum e pelo regime da solidariedade;
18. As livranças que foram subscritas e avalizadas em branco apenas não foram preenchidas totalmente porque o autor entretanto pagou ao Banco ... as quantias que as mesmas garantiam, atenta a sua qualidade de avalista;
19. O não preenchimento total das duas livranças não é impeditivo do exercício do direito de regresso entre os co-avalistas, uma vez que estamos no domínio das relações entre os próprios co-avalistas e no domínio do direito comum;
20. O facto de as livranças não terem sido preenchidas quanto ao montante e data de emissão e de vencimento não lhes retira eficácia cambiária, nem prejudica a responsabilidade solidária entre os co-avalistas, podendo o autor recorrer a acção declarativa para ver reconhecido o seu direito de regresso sobre o avalista que consigo subscreveu as livranças;
21. Como se retira da norma do artigo 10 da LULL, a obrigação cambiária do avalista da letra em branco surge com a aposição das respectivas assinaturas nessa qualidade e com a emissão do título, numa palavra, com a dação do aval;
22. A Lei admite e reconhece a figura da livrança em branco, nos artigos 75, 77 e 10 LULL;
23. O acórdão uniformizador de jurisprudência já supra citado admite a possibilidade de existência de direito de regresso entre avalistas mesmo quando o pagamento é feito pelo avalista extrajudicialmente e de forma espontânea;
24. Por razões de justeza também, não pode a falta de preenchimento das Livranças ser impeditiva do exercício do direito de regresso entre avalistas;
25. Tal impedimento criaria uma situação de desigualdade entre o avalista que cumpre a sua obrigação e pretende com tal cumprimento resguardar os seus bens e o que se pretende furtar a tal cumprimento;
26. O direito de regresso existente entre avalistas não pode depender do preenchimento do título, situação puramente formal e que penalizaria e penaliza os avalistas que, para defesa do seu património e perante a possibilidade de verem os seus bens penhorados, paguem o montante em divida extrajudicialmente em benefício de todos os co-avalistas e do próprio avalizado;
27. A sentença proferida pelo Tribunal a quo violou os artigos 10, 75 e 77 da LULL e 516, 524 e 845 do código Civil.
28. Assim, deverá a decisão ser revogada e proferida nova decisão que reconheça o direito de regresso do apelante sobre os apelados, condenando-se os mesmos no pedido.

Foram apresentadas contra-alegações que pugnaram pela confirmação da decisão.

Factos dados como provados na 1ª instância:
1 Em 25 de Fevereiro de 2008, a sociedade F... Ld.ª, celebrou com o Banco ..., um contrato de financiamento para apoio ao investimento, identificado sob CLS n.º 147218851, sendo o montante mutuado no montante de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) - documento de fls. 12 a 14, cujo teor se dá por reproduzido.
2 Nos termos do contrato, o montante mutuado devia ser reembolsado ao Banco em 72 prestações mensais, 71 no montante de Euros 2.083,33 (dois mil e oitenta e três) e a última no montante de  € 2.083,57 (dois mil e oitenta e três euros e cinquenta e sete cêntimos) - documento de fls. 12 a 14, cujo teor se dá por reproduzido.
3 Para garantia do bom cumprimento das obrigações assumidas no referido contrato foi subscrita pela sociedade F... Ld.ª, e avalizada por autor, réus e por M..., uma livrança com o n.º 500873631074281470 – documento a fls. 15 dos autos.
4 Em 21 de Junho de 2012, a sociedade F... Ld.ª, celebrou com o Banco ... ., um contrato de financiamento para regularização de responsabilidade, identificado com o n.º CLS N.º 222470481, sendo o montante mutuado de Euros 20.000,00 (vinte mil euros) - documento de fls. 16 a 23, cujo teor se dá por reproduzido.
5 O montante mutuado deveria ter sido reembolsado ao Banco em 48 meses, conforme plano de pagamentos anexo ao contrato, constante de fls. 24 e 25 cujo teor se dá por reproduzido.
6 Para garantia do bom cumprimento das obrigações assumidas no referido contrato foi subscrita pela sociedade F... Ld.ª e avalizada por autor, réus e por M..., uma livrança com o n.º 500905479096520850 – documento a fls. 26 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
7 A Sociedade F... Ld.ª, não pagou a totalidade dos montantes que lhe foram mutuados.
8 O Banco ... emitiu a Declaração que consta de fls. 27 dos autos, datada de 6 de Abril de 2015, e em que consta, além do mais: “declara que recebeu, em 03/01/2014 do avalista Sr. M... a quantia de € 63.636,26 (sessenta e três mil seiscentos e trinta e seis Euros e vinte e seis cêntimos) para pagamento de obrigações vencidas emergentes do contrato de financiamento identificado como CLS n.º 147218851 celebrado em 25/02/2008 entre o mesmo Banco e a F... SA., empréstimo que ficou assim integralmente reembolsado e pago e recebeu ainda na mesma data, a quantia de € 21.506,88 (vinte e um mil quinhentos e seis Euros e oitenta e oito cêntimos) para pagamento de obrigações vencidas do contrato de financiamento identificado como CLS n.º 147218851, celebrado em 21/06/2016 entre o mesmo Banco e a F.... SA., tendo este empréstimo ficado integralmente reembolsado e pago.
[…] Mais declara o Banco que sub-roga o avalista Sr. M... nos seus direitos de crédito sobre a identificada devedora, nos termos previstos no artigo 592/1 CC”
9 Das livranças referidas nos artigos 3 e 6 constam as assinaturas do subscritor (F... S.A. – A Administração) e, no verso, as assinaturas dos avalistas, após a menção “por aval à firma subscritora”, não se encontrando preenchidos os demais espaços, nomeadamente “local e data de emissão”, “valor”, e “vencimento”. Nas mesmas foi aposto carimbo com a menção “nulo”, conforme documentos a fls. 15 e 26 dos autos.
10 Em data não concretamente apurada mas após o incumprimento de pagamentos pela Sociedade F… Ld.ª, o réu M... foi contactado no sentido de ser resolvida a situação.
11 O autor procedeu ao pagamento ao Banco .... dos valores que se encontravam em dívida quanto aos contratos referidos nos artigos 1 e 4.
12 A matrícula da sociedade F… Ld.ª, encontra-se cancelada desde 23/11/2016, na sequência da dissolução e encerramento da liquidação na mesma data, conforme Certidão Permanente junta aos autos a fls. 170 a 177.
           
Dispensados os vistos, cumpre decidir.

Atentas as conclusões do apelante que delimitam, como é regra, o objecto de recurso – arts. 684/3 e 690 CPC – a questão que cabe decidir é a de saber se para que o direito de regresso possa ser exercido, necessário é o preenchimento da livrança.

Vejamos, então.

Alegou o apelante e provado ficou que nos contratos de financiamento celebrados entre a sociedade F... e o Banco ... (mútuos no valor de € 150.000,00 e € 20.000,00) , para garantia dos mesmos, foram subscritas, por aquela, duas livranças, livranças estas avalizadas, pelo autor, réus e M....

Não tendo a sociedade cumprido com as suas obrigações, mormente, reembolso das prestações (pagamento da dívida), o autor procedeu ao pagamento da mesma - € 63.636,26 e € 21.506,88, em 3/1/2014 -, declarando o Banco ficar o autor sub-rogado nos direitos de crédito sobre a sociedade devedora.

Nas livranças, não obstante constar a assinatura da subscritora, e no verso a assinatura dos avalistas “por aval à firma subscritora, são omissos o local e data de emissão, valor e vencimento.

A livrança é um título à ordem, sujeito a certas formalidades, pelo qual uma pessoa se compromete, para com outra, a pagar-lhe determinada importância em certa data - art. 75 LULL.

Quem assina uma letra ou uma livrança assume a respectiva obrigação cambiária, fá-lo porque já está vinculado por efeito de uma relação jurídica anterior.

Esta é a relação jurídica subjacente ou causal, também chamada contrato originário ou relação jurídica fundamental que pode assumir várias figuras jurídicas, tais como um contrato de compra e venda, um contrato de mútuo, uma abertura de crédito ou um saldo em conta corrente.

No entanto, tudo se passa como se tal obrigação não existisse , ou seja, como se a obrigação cambiária fosse uma obrigação sem causa.

É que para as letras e livranças, vigora um regime especial, que reflecte a preocupação de defender os interesses de terceiros de boa-fé, imposta pela necessidade de facilitar a circulação dos títulos de crédito – Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Letra de Câmbio, vol. III, págs. 38 e segs., Abel Pereira Delgado, Lei Uniforme das Letras e Livranças, 7ª ed. – 107.

Esta especialidade pode sintetizar-se nos seguintes princípios:
a)- incorporação da obrigação no título (a obrigação e o título constituem uma unidade);
b)- literalidade da obrigação (a reconstituição da obrigação faz-se pela simples inspecção do título);
c)- abstracção da obrigação (a letra é independente da causa debendi);
d)- independência recíproca das várias obrigações incorporadas no título (a  nulidade  de  uma  das obrigações que a lei incorpora não se transmite às demais); e) autonomia do direito do portador (o portador é considerado credor originário).
Sendo a obrigação cambiária uma obrigação abstracta, independente de qualquer “causa debendi”, é válida por si e pelas estipulações expressas na livrança (letra).
As denominadas relações imediatas, são as relações estabelecidas entre os sujeitos cambiários, i. é, sem intermediação de outros intervenientes cambiários.
Tudo se passa, em princípio, como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta, passando a relevar o conteúdo da convenção extra-cartular.
Assim, no âmbito das relações imediatas, se for nula a obrigação fundamental, nula é também a obrigação cambiária; pode, o devedor opor ao credor a nulidade/ anulabilidade da obrigação fundamental.
Tal já não acontece nas relações mediatas - relações do devedor cambiário com terceiros adquirentes de boa-fé das letras – uma  vez que a obrigação cambiária é uma obrigação abstracta e autónoma, independentemente da causa que deu lugar à sua assunção.
O aval é o acto pelo qual um terceiro garante o pagamento da letra (ou da livrança) por parte de um dos seus subscritores – arts. 30, 31, 32 e 77 LULL -, que estipulam que o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada: o fim próprio, a função específica do aval é garantir ou caucionar a obrigação de certo subscritor cambiário – cf. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial – Letra de Câmbio, 111 e Ac. STJ 25/7/72 , BMJ 279-214.
O dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada; a sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma; se o dador do aval paga a letra, fica sub-rogado nos direitos emergentes contra a pessoa a favor de quem foi dado aval e contra os obrigados para com esta em
virtude da letra – art 32 e 77 LULL.
Os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador; o portador tem o direito de accionar todas estas pessoas, individual ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram; o mesmo direito possui qualquer dos signatários de uma letra quando a tenha pago – arts. 47 e 77 LULL.
O avalista responsabiliza-se pelo pagamento da letra e no caso de a pagar pode exigir a importância respectiva, tanto da pessoa a quem prestou o aval como de qualquer dos signatários para com este obrigado.
O aval, apesar de apresentar traços comuns com a fiança, é distinto desta.
Por via do aval é constituída uma obrigação ou vínculo  solidário impróprio correspondente à posição do avalista.
O património do avalista passa a constituir-se como uma garantia patrimonial adicional ou paralela do respectivo credor, passando esse património a estar também em causa, já que o crédito assumido teve como base uma obrigação solidária.
Como refere Paulo Sendim, Letra de Câmbio, LU de Genebra,II, 127, “o avalista pela sua declaração de confiança constitui um valor patrimonial correspondente ao da operação que avaliza a favor do destinatário desta, portador legitimado do título”, cf. ainda Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, 1975, III, 205 sgs., Pereira de Almeida, Direito Comercial, 3º, 1988, 215 e sgs., e Abel Delgado, LULL Anotada, 1984, 208 e sgs…constitui mesmo “uma obrigação materialmente autónoma, embora dependente da última quanto ao lado formal” uma vez qua a lei estabelece o princípio de que a obrigação do avalista se mantém, ainda que a obrigação garantida seja nula – e abre uma única excepção a este princípio para o caso da nulidade desta segunda obrigação porvir de “um vício de forma” – cf. Ferrer Correia, ob.cit, 207.  
A obrigação do avalista é uma obrigação solidária, enquanto que na fiança a  obrigação que o devedor assume é uma obrigação subsidiária/acessória – art.627/2 CC – cf. A. Varela Das Obrigações em Geral,vol II, 7ª edição – 477 e sgs.
Conforme exarado supra constata-se que a LULL limita-se a regular a responsabilidade do avalista perante os credores cambiários e o exercício do seu direito de reembolso perante o avalizado ou contra os demais obrigados na cadeia de responsáveis cambiários, sendo omissa quanto ao eventual exercício do direito de regresso entre os diversos avalistas do mesmo avalizado.
Sobre esta questão existem duas posições em confronto: uma defende que a regra é a da existência do direito de regresso, sem prejuízo de estipulação em contrário (Lopes Cardoso, Silva Salazar, Maria dos Prazeres Beleza, Romano Martinez, Meneses Leitão, Cassiano dos Santos, Carolina Cunha), enquanto outros defendem que a existência e conteúdo desse direito depende de convenção extra-cartular (Azevedo Ramos, Pereira da Silva, Fonseca Ramos, Pedro Paes de Vasconcelos).
Não obstante e face à inexistência de norma na Lei Uniforme quanto a esta questão a resposta relativamente ao eventual direito de regresso deve ser encontrada nos quadros do direito comum.
Relegados para o domínio do direito comum, nada obsta a que por livre convenção (art. 405 CC), os diversos avalistas regulem os aspectos respeitantes à distribuição interna das respectivas responsabilidades para a eventualidade de algum ou alguns satisfazerem o pagamento da quantia avalizada, comportando repartição de responsabilidade igualitária, como a sua distribuição em função da titularidade do capital investido, exclusão de algum ou alguns dos avalistas, ou outras situações.

Qui juris em caso de inexistência de convenção?

Há quem defenda a admissibilidade do direito de regresso mediante a aplicação do regime que, para a pluralidade de fiadores, está previsto no art. 650 CC que, por seu turno, remete para as regras dos arts. 524 e 516 CC.

Em doutrina mais recente entende-se que é de aplicar directamente as regras dos arts. 516 e 524 CC, sem necessidade de recurso às regras da fiança, no pressuposto da existência de uma verdadeira relação de solidariedade entre os diversos avalistas do mesmo avalizado (Cassiano Santos e Carolina Cunha).

Na esteira do exarado no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 7/2012, de 5/6/2012, in D.R. 17//2012 e in www.dgsi.pt., Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, vol. III, Letra de Câmbio, Coimbra, 1966, 207, “a não ser que os interessados tenham prevenido tal resultado (convenção/liberdade contratual), não deve ser negado ao avalista que tenha suportado o pagamento da quantia avalizada ou que tenha suportado uma parte mais elevada do que aquela que lhe competia, o direito de regresso realtivamente aos demais avalistas, co siderando mais ajustada a solução que assuma, como regra, a distribuição interna da responsabilidade patrimonial nos termos que vigoram para as obrigações solidárias (arts. 524 e 516 CC), à semelhança do que especificamente está previsto para a pluralidade de fiadores, art. 650 CC”.

Em suma, sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, a qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias.

Atento o explanado supra, tendo o autor satisfeito o pagamento ao Banco da quantia avalizada assistir-lhe-ia, em princípio, o direito de regresso sobre os réus (demais avalistas).

Não obstante, certo é que a livrança foi subscrita e avalizada em branco, não tendo sido apostas na mesma o local de emissão, valor e vencimento.

Não obstante ser admissível a subscrição ou o aval numa livrança em branco, com pacto de preenchimento (art. 10 LULL), ainda que as relações entre co-avalistas não tenham sido reguladas na LULL, conforme já mencionado, certo é que, é pressuposto necessário do exercício do direito de regresso a existência e eficácia do título de crédito que sustenta a relação de aval ou co-aval.

Decorre dos arts. 76 e 75/2 LULL que na falta dos elemntos essenciais, nomeadamente o montante titulado, a livrança não pode produzir efeitos enquanto título de natureza cambiária.

O seu posterior preenchimento relativamente aos elementos essenciais que a lei não prescinde constituiu uma eficácia do título de crédito – cfr. Abel Pereira Delgado in LULL, Anot., 4ª ed., 63/66.

Sendo omissa na livrança o valor, uma vez que quanto à omissão da data de vencimento poderia entender-se pagável à vista, a conclusão a extrair é a de que o documento em questão não é um título de crédito válido e, como tal, é insusceptível de produzir efeitos enquanto livrança, o que se repercute em todas as relações cambiárias que, em abstracto, da mesma podem emergir, nela se incluindo o aval ou/e co-aval.

A verificação desses requisitos formais revela-se tanto mais necessária quanto é certo que qualquer dessas relações cambiárias (com destaque para o aval) é pautada pela autonomia, abstracção e literalidade, sendo a responsabilidade de cada um dos intervenientes definida unicamente em função da livrança - cfr. Acs. STJ de 1/7/20013, relator Silva Salazar e de 30/4/2015, relator Abrantes Geraldes in www.dgsi.pt.

A causa de pedir reside no direito de regresso do autor (avalista) sobre os réus (co-avalistas), não tendo sido invocada qualquer outra fonte negocial e legal para sustentar o exercício desse direito de regresso.

Não obstante a pretensão do direito de regresso ser regulada pelas regras da fiança e das obrigações solidárias, era necessário e imprescindível que se pudesse pudesse considerar eficazmente assumida alguma obrigação cambiária como avalista por parte dos réus.

In casu, o facto do autor ter pago as quantias garantidas pelas livranças ao Banco, não colmata/substitui a necessidade do seu preenchimento para efeitos do exercício do seu direito de regresso relativamente aos réus co-avalistas.

Face ao exposto, a declaração do Banco em que considera o autor sub-rogado é irrelevante.

Não constituindo as livranças apresentadas pelo autor título de crédito válido, não tem o autor o direito de regresso sobre os demais avalistas, ora réus.

Destarte, soçobra a pretensão do apelante.

Concluindo:
-  Sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, a qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias.
- O direito de regresso do avalista sobre os co-avalistas pressupõe que o titulo de crédito seja válido, contenha todos os elementos essenciais que a lei não prescinde.
- Admitindo a lei a livrança em branco para que esta seja eficaz e constitua título de crédito necessário é o seu posterior preenchimento relativamente aos elementos essenciais.
- A verificação desses requisitos formais revela-se tanto mais necessária quanto é certo que qualquer dessas relações cambiárias (com destaque para o aval) é pautada pela autonomia, abstracção e literalidade, sendo a responsabilidade de cada um dos intervenientes definida unicamente pela livrança.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirma-se a decisão.
Custas pelo apelante.



Lisboa, 30/11/2017



Carla Mendes
Octávia Viegas
Rui da Ponte Gomes
Decisão Texto Integral: