Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1001/18.8PULSB.L1-9
Relator: MARIA DO CARMO FERREIRA
Descritores: RECURSO INTERPOSTO PELO MºPº
INTERESSE EM AGIR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/01/2019
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário: I- Ainda que o despacho recorrido se funde aparentemente, em questão de natureza processual ( falta dos factos integrantes do elemento subjectivo do tipo, na acusação particular deduzida pelo assistente) na realidade, e na anterior posição do M°.P°. esses factos  na sua vertente objectiva e subjectiva não existiam, e daí o Ministério Público não ter deduzido acusação pública;
II-Ora, vindo  agora recorrer o Ministério Público para obter o recebimento de uma acusação do assistente à qual não aderiu por razões de mérito da investigação que fez, não se vislumbra qual a utilidade decorrente da procedência deste recurso para a sua posição. É que, tendo entendido que não havia matéria para acusar e submeter o arguido a julgamento, não pode vir agora pretender querer submete-lo a julgamento através de uma acusação particular, que nem sequer acompanhou;
III- No seu âmago a decisão recorrida, com diversa fundamentação é certo,  vem a ser concordante com a posição que o recorrente assumiu no inquérito, o que retira ao MºPº, legitimidade para interpor neste particular um recurso, por falta de interesse em agir, pois para além do mais configura uma"substituição" da própria assistente, que se conformou com a decisão, devendo o mesmo ser rejeitado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: DECISÃO SUMÁRIA

Efectuado exame preliminar dos autos, nos termos do disposto no artigo 417-1 e 6 a) e b) do C.P.P. não pode este Tribunal da Relação conhecer do mérito do recurso dada a existência de causa da sua não admissibilidade. Assim, se profere decisão sumária.

Relatório.
No processo comum supra identificado, do Juízo Local Criminal de Lisboa- Juiz 6, do Tribunal da Comarca de Lisboa, a assistente AA.. deduziu acusação particular, que o M°.P°. não acompanhou- fls.124- contra BB.., imputando-lhe a prática do crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.° do Código Penal.
Em despacho judicial, proferido em 03/04/2019- fls. 138 a 140 dos autos- a Mma. Juiz titular rejeitou a acusação deduzida, que considerou manifestamente infundada, ao abrigo do disposto nos artigos 283 no. 3 al. b) e art°. 311-2 a) e 3 d) do C.P.P.
Deste despacho de rejeição da acusação particular, vem o M°.P°. interpor recurso, que motivou a fls.144 a 150, com as conclusões que se transcrevem:
1) Por despacho de fls. 138 a 140, o Tribunal "a quo", rejeitou a acusação particular, por entender que a acusação, nos moldes em que foi deduzida, é manifestamente infundada, ao abrigo do disposto nos artigos 283.°/3, al. b) e 311.°, n.° 2, alínea a) e n.° 3, alíneas d), todos do Código de Processo Penal.
2) Vista a acusação, a mesma contém a identificação da arguida, a narração dos factos, indica as disposições legais aplicáveis, as provas que a fundamentam e os factos constituem crime;
3) No momento do recebimento da acusação, a mesma só pode ser recusada e declarada a sua nulidade, nos termos do disposto no art. 311.°, n.° 2, alíneas c) e 3, a) a d), do CPP, isto é,
4) O Tribunal só pode rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada e tal só pode suceder quando "não contenha a identificação do arguido", "não contenha a narração dos factos", "se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam" e "se os factos não constituírem crime";
5) Contendo a acusação todos os elementos, não pode ser recusada;
6) O art. 283.°, n.° 3, alíneas a) e b), do CPP, estipula que a acusação deduzida pelo Ministério Público deverá conter "sob pena de nulidade", as indicações tendentes à identificação do arguido e a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;".
7) Todos os factos afiguram-se-nos estar suficientemente descritos na acusação por forma a permitir que o arguido se possa defender dos mesmos, estando proficientemente concretizados.
8) É imputado ao arguido, a prática de um crime de Injúria, previsto e punido pelo art. 181.° e 183.°/1 al. a), do Código Penal.
9) São elementos constitutivos deste tipo de crime: objectivo (i) - Injuriar outrem; (ii) Dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração; e subjectivo (i) o dolo que cobre a conduta do agente (dolo do tipo), isto é, o conhecer (elemento cognoscitivo) e o querer (elemento volitivo) dos elementos que constituem o tipo objectivo.
10) Dos pontos 15 a 17 da acusação particular, resulta expresso que o arguido, ao actuar do modo descrito no ponto 4 da acusação particular, quis atingir a honra e a consideração da assistente, o que logrou conseguir; bem sabia o arguido que a sua conduta era punida e proibida por lei. No entanto, não se coibiu de levá-la a cabo, agindo de forma dolosa, livre e consciente. Com a prática de tais factos, cometeu o arguido um crime de injúria previsto e punido pelos artigos 181.°/1 e 183.°/1, al. a) parte final, do Código Penal.
11) Na acusação, o elemento subjectivo está abundantemente descrito e concretizado.
12) A consciência da ilicitude não tem de constar da acusação, pois não respeita ao tipo objectivo ou subjectivo.
13) Nos "crimes do chamado direito penal clássico, como sucede no caso, a mesma não tem que constar da acusação e da sentença por respeitar à imputabilidade e à consciência da ilicitude, de cuja verificação positiva em cada caso não cumpre fazer prova, ainda que indirecta, por estar a mesma implícita no preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito.".
14) O conhecimento da ilicitude não integra o elemento subjectivo do tipo, mas sim a culpa e como tal, não tem de ser alegado.
15) A acusação contém todos os elementos, cuja omissão poderia levar a que se considerasse manifestamente infundada.
16) Deve ser concedido provimento ao recurso e deve o despacho de fls.138 a 140 do Tribunal "a quo" ser revogado e substituído por outro que determine o recebimento da acusação particular, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 3 1 1 .°, do Código de Processo Penal.
Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu o visto reportado no artigo 416 do C.P.P.
Fundamentação.
Par melhor compreensão da decisão a proferir, vejamos o que consta da decisão recorrida: (transcreve-se)
A fls. 113 a assistente AA deduziu acusação particular que se dá(ão) por reproduzido, não acompanhada pelo Ministério Público (fls. 126/127), contra o arguido BB, imputando-lhe a prática de um crime de injúria, pp. e pp. pelo artigo 181.° e 183°/1 al. a) do Código Penal.
Alicerça tal imputação, designadamente, na seguinte .factualidade:
(...)14° - ao dar conta da presença da Assistente e da sua mãe na janela, o arguido começa a afazer gestos obscenos de cariz insultuoso, dirigidos a ambas e olhando directamente para a Assistente, dirige-lhe as seguintes expressões, entre outras: vamos sair daqui por tua culpa, por causa das tuas maluquices; sua doida vai pró caralho; puta de merda, naos  abes o que te vai acontecer, eu deito é fogo a isto tudo. (..)
15° - Ao actuar do modo supra descrito quis o arguido atingir a honra e consideração da assistente o que logrou conseguir;
16° - Bem sabia o arguido que a sua conduta era punida e proibida por lei;
17° - No entanto, não se coibiu de levá-la a cabo, agindo e forma dolosa, livre e consciente; Ora, por expressa remissão do artigo 285.°, n.° 3, do Cód. Proc. Penal, é aplicável à acusação particular, no que ao caso mais importa, o disposto no artigo 283.°, n.° 3, alínea b), do mesmo diploma, à luz do qual a acusação contém, sob pena de nulidade, « [a] narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada».
Como se assinala no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30-09-2015 (disponível em www.dsgi.pt sob Processo n.° 775/13.7GDGDMP1), tem vindo a ser reiteradamente posto em relevo pela jurisprudência dos tribunais superiores que “(a)s imputações genéricas, sem uma precisa especificação das condutas e do tempo e lugar em que ocorreram, por não serem passíveis de um efectivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado no art. 32.°, n. °1, da CRP, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente», em razão do que devem ser consideradas não escritas.
E o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09-01-2017 (também disponível em www.dsgi.pt, neste caso sob Processo n.° 628/11.3TABCL.G1), sublinha que «os "factos" que constituem o "objecto do processo" têm que ter a concretude suficiente para poderem ser contraditados e deles se poder defender o arguido e, sequentemente, a serem sujeitos a prova idónea».
Mas ainda que assim não se entendesse, da acusação particular não consta o elemento subjectivo do tipo de crime imputado ao arguido sendo que tal matéria é essencial à qualificação jurídica dos factos.
Senão, vejamos:
Dispõe o art.° 181.° do Cód. Penal: 1. Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração. é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.
(••)
São elementos constitutivos deste tipo legal de crime:
- Injuriar outrem;
- Dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração;
- O dolo, em qualquer das suas formas.
Pretende o direito criminal assegurar a protecção da honra e consideração, o que se coaduna com a protecção constitucional do direito ao bom nome, à reputação e à imagem (art. 26.°/1, da CRP) e, nos arts. 25.° e 70.°, do CC, a tutela geral da personalidade.
A honra traduz-se num conjunto de valores éticos que cada pessoa possui, tais como a lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja, a dignidade de cada um. A consideração concretiza-se no merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, o bom-nome, o crédito, a confiança, a estima a reputação, ou seja, a dignidade objectiva.
Os delitos contra a honra não são crimes de dano. Para se considerarem consumados não é necessário que o ofendido tenha sofrido, de facto, uma diminuição na sua honra ou consideração social; basta que haja perigo que, as ofensas que constituem aquelas infracções possam atingir esses dois valores.
Por outras palavras pode dizer-se que a honra é a dignidade subjectiva, ou seja, o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui. Diz assim respeito ao património pessoal e interno de cada um - o próprio eu.
Em termos objectivos a lei não exige que eles sejam, realmente prejudicados, isto é, que os ofendidos, de facto, sejam avaliados socialmente como pessoas indignas ou com menor dignidade do que a que tinham, ou com menor consideração do que aquela que lhes era atribuída antes da ofensa (Beleza dos Santos, RLJ, 92°- 164). Basta que seja imputado a alguém um facto ou um juízo lesivos da sua honra.
No que respeita ao tipo subjectivo, não é necessário que haja dolo específico de ofender a hora ou consideração, basta aqui o dolo genérico, enquanto conhecimento e consciência por parte do agente de que as expressões ou palavras que utiliza podem ofender a honra ou consideração da pessoa visada e de que tal conduta é proibida por lei. - Neste sentido, Manuel Lopes mais Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, Almedina, 17° Ed. — 2005, Anotação ao art.° 181°, ponto 5.
O tipo legal de crime é conformado pelos elementos constitutivos objectivos e subjectivos. Integram os primeiros os factos concretos naturalísticos imputados aos arguidos e preenchem os segundos o conhecimento e vontade de realização do tipo de crime. Quanto a estes últimos, citando o Professor Doutor FIGUEIREDO DIAS.
"O dolo enquanto conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo, e a negligência enquanto violação de um dever de cuidado, são elementos constitutivos do tipo-de-ilícito. Mas o dolo é também e ainda expressão de uma atitude pessoal contrária ou indiferente, e a negligência expressão de uma atitude pessoal descuidada ou leviana, perante o dever-ser jurídico-penal; e nesta parte são elementos constitutivos, respectivamente do tipo-de-culpa doloso e do tipo-de-culpa negligente. É a dupla valoração da ilicitude e da culpa que concorre na completa modelação do dolo e da negligência."
Assim, só a verificação dos elementos constitutivos objectivos e subjectivos é passível de integrar o preenchimento do tipo legal incriminados. Pelo que é imperioso, porque imprescindível, que constem da acusação, sem os quais não é a mesma fundada, porque insusceptível de suportar a aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança ( art.° 283.°, 3 b), do CPP ), não sendo os elementos normativos subjectivos passíveis de serem considerados objectivamente resultantes dos elementos normativos objectivos.
Neste sentido, fixou a seguinte jurisprudência o Acórdão do STJ n.° 1/2015 [publicado no DR Série I, de 27.01.2015]: «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.° do Código de Processo Penal.»
Ora no caso, após a factualidade descrita, a Assistente conclui, no art.° 12° da acusação particular:
Atentos os factos supra expostos, praticou o arguido um crime de injurias p.p. pelo art.° 181" do Código Penal.
Após, segue a alegação do pedido de indemnização
Ora, é totalmente omissa a acusação particular no que respeita o elemento intelectual do dolo, ou seja conhecimento de todas as circunstâncias do facto (elemento intelectual), no caso, que as expressões por si proferidas eram capazes de atingir a honra e consideração da Assistente que são elementos do dolo do tipo, traduzindo-se na indiferença ou oposição da vontade do agente aos valores protegidos pela norma (tipo de culpa doloso). — neste sentido, o Ac. TRC de 13/9/17, P. 146/16.3PCCBR, disponível in www.dgsi.pt
Tal omissão não é suprível pela menção genérica de que o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, porquanto não concretiza o facto em que se alicerça o conhecimento do arguido sobre o carácter injurioso das expressões proferidas.
Como se refere no AUJ supra mencionado em conclusão: a acusação, enquanto delimitadora do objeto do processo, tem de conter os aspectos que configuram os elementos subjetivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo, quer o dolo do tipo de culpa no sentido referido, englobando a consciência ética ou a consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos valores tutelados pela lei criminal, ou seja: a determinação livre do agente pela prática do facto, podendo ele agir de modo diverso; o conhecimento ou representação de todas as circunstâncias do facto, tanto as de carácter descritivo, como as de cariz normativo e a vontade ou intenção de realizar a conduta típica, apesar de conhecer todas aquelas circunstâncias, ou, na falta de intenção, a representação do evento como consequência necessária (dolo necessário) ou a representação desse evento como possível, conformando-se o agente com a sua produção (dolo eventual), atuando, assim, conscientemente contra o direito.
No caso dos autos a acusação particular é totalmente omissa na descrição do elemento intelectual do dolo do tipo de crime imputado.
Concluindo-se, assim, que a acusação particular deduzida nos autos não contém a descrição dos factos integrantes da totalidade dos elementos subjetivos do tipo, necessária à verificação do crime imputado ao arguido, e que, por outro lado, tais elementos em falta não poderão vir a ser aditados em julgamento, é a mesma manifestamente infundada, por os factos nela descritos não constituíram crime.
Consequentemente, é de rejeitar a referida acusação particular, porque nula e manifestamente infundada, o que se decide. (283.°, n.° 3, al. b), e art.° 311.°, 2 a) e 3 d), do CPP).
Custas pela assistente. Taxa de justiça: 1 UC (art. °s 515.° 1 I), do CPP, e 8.0, 1, do RCP). Notifique.
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No caso, e, a fls. 95 e 96 dos autos, encontramos um despacho do M°.P°. no qual se entende, fundamentadamente, das razões porque o M°.P° entende que não foram recolhidos indícios da verificação do crime de injúrias. Ali se conclui que "as expressões usadas, se é certo que não primam pela cortesia ou dever de respeito que deve nortear as relações de convivência entre os cidadãos, também não atingem aquele grau mínimo de ofensividade e gravidade que é exigido pelo tipo de crime, ponderando não só o seu significado linguístico-social como o contexto em que foram proferidas."
Após a prolação deste despacho, foi notificada a assistente para deduzir acusação particular, o que veio a fazer nas fls.105 a 109 dos autos.
Esta acusação veio a merecer o despacho judicial de que ora recorre o M°.P°.
Desde logo, cumpre averiguar da sua legitimidade para o efeito, sabido que nos autos está constituída assistente e que esta não interpôs recurso do dito despacho que lhe rejeitou a acusação particular deduzida.
É então o M°.P° quem interpõe recurso da decisão.
Sobre a legitimidade do M.°P°. encontramos no artigo 53 nº. 2 d) do C.P. como atribuições, a de interpor recursos, ainda que no exclusivo interesse da defesa.
E, no artigo 401.° n°. 1 a) do mesmo diploma, que tem legitimidade e interesse em agir, o Ministério Público, de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido. Ainda que, da primeira parte deste último preceito se infira que o M°.P° pode recorrer de quaisquer decisões há que averiguar do seu interesse em agir.
Assente que "o interesse em agir consiste na necessidade de usar o processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção para tutelar um direito; se os recorrentes não alcançam com o recurso qualquer efeito útil não têm interesse em agir."- Ac.STJ. de 8/10/2008- site da PGDL.
Ainda a atentar no Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência n°2/2011 , DR, I Série A de 27-01­2011: Em face das disposições conjugadas dos artigos 48.° a 53.° e 401.° do Código de Processo Penal, o Ministério Público não tem interesse em agir para recorrer de decisões concordantes com a sua posição anteriormente assumida no processo.
No pressuposto do entendimento acima exposto, e, no caso em apreço, o que verificamos é que o M°.P°. assumiu no inquérito uma posição no sentido de que não existem factos que integrem a prática pelo arguido, do crime de injúrias, e, daí não ter acusado.
Ainda que o despacho recorrido se funde aparentemente, em questão de natureza processual ( falta dos factos integrantes do elemento subjectivo do tipo, na acusação particular deduzida pelo assistente) na realidade, e na anterior posição do M°.P°. esses factos (objectivos e subjectivos) não existem e daí o não ter deduzido acusação pública.
Ora, vindo agora recorrer para obter o recebimento de uma acusação do assistente à qual não aderiu por razões de mérito da investigação que fez, não se vislumbra qual a utilidade decorrente da procedência deste recurso para a sua posição. É que, tendo entendido que não havia matéria para acusar e submeter o arguido a julgamento, vem agora querer submete-lo a julgamento através de uma acusação particular, que nem acompanhou. Ou seja, no fundamental, a decisão recorrida (com diversa fundamentação é certo) vem a ser concordante com a posição que assumiu no inquérito, o que lhe retira, a nosso ver, legitimidade para o recurso.
Não encontramos por isso fundamentos para refutar o que foi decidido no Acórdão de fixação de jurisprudência acima referido e, daí que se entenda não ter o M°.P°. , no caso, interesse em agir e, consequentemente legitimidade para a interposição do recurso, numa "substituição" da própria assistente, que se conformou com a decisão.
Razões pelas quais se rejeita o recurso.

Decisão.
Atento o que fica exposto nos termos dos artigos 417- 6 alínea a) e b), 420 n°. 1 a) 414-n°. 2 e
3, todos do C.P.P. conclui-se pela manifesta inadmissibilidade do recurso e por isso se decide
da sua rejeição.
Sem custas.
Notifique.
(Elaborado e revisto pela relatora — art° 94°, n° 2 do C.P.Penal)
Lisboa, 01/10/2019