Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3824/10.7TBCSC.L1-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO COM O RECURSO
MANDATO SEM REPRESENTAÇÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE A APELAÇÃO DOS RÉUS E PARCIALMENTE PROCEDENTE A APELAÇÃO DO AUTOR
Sumário: I–Não havendo sido demonstrado pelos apelantes que a apresentação do documento cuja junção com a alegação de recurso é pretendida não tenha sido possível anteriormente, ou que se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância, não é de deferir aquela junção.

II–Sendo susceptível de recurso de apelação autónomo o despacho de admissão ou rejeição de algum meio de prova, logo, também, o despacho que não admitindo um documento oferecido pela parte determinou o seu desentranhamento, havendo aquele despacho transitado em julgado, passou a ter força obrigatória dentro do processo.

III–Podendo o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade do negócio, não é extravasado o objecto do processo quando determinada a restituição das quantias entregues, consequente à mesma nulidade, nos termos do nº 1 do art. 289 do CC, não se verificando a nulidade da sentença prevista no art. 615, nº 1-e) do CPC.

IV– Residindo o fundamento da restituição na nulidade do negócio e não na falta de causa da deslocação patrimonial, só se poderia recorrer às regras do enriquecimento sem causa - que tem natureza subsidiária - quando a lei não facultasse ao empobrecido outros meios de reacção, meios que no caso são facultados.

V–Tendo a parte mentido acerca de circunstâncias de facto que embora no contexto de uma «arrevesada» relação, são simples e claras, faltando num ponto determinante para a configuração da relação em referência ao seu dever de boa fé processual, em violação do dever de verdade, em factos pessoais, de que tinha forçosamente conhecimento, deverá ser condenada como litigante de má fé.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.
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Relatório:


I–Sérgio ....... intentou acção declarativa com processo ordinário contra Carlos ....... e U……...

Alegou o A., em resumo:

Em 1983 o A. decidiu adquirir a fracção autónoma correspondente ao 8º andar, letra D, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Urbanização da Portela, lote ......., freguesia de Sacavém. Sendo o R., à época, emigrante, para além de amigo do A. e irmão do seu sogro, sendo ainda titular de contas poupança emigrante, beneficiava de isenções fiscais e bonificações nas taxas de juros de empréstimos bancários para a aquisição de imóveis. Havendo-se o R. disponibilizado para facultar ao A. acesso àqueles benefícios, acordaram ambos que o R. adquiriria a fracção em seu nome, mas no interesse do A. e logo que liquidado o empréstimo bancário os RR. transfeririam a titularidade da fracção para o A.. Este, munido de procuração emitida pelos RR., realizaria todas as diligências relativas à negociação e à compra, suportaria todas as despesas e encargos relacionados com a aquisição, designadamente aprovisionando a conta poupança emigrante do R. que seria usada para a concessão do crédito bancário com o valor relativo às prestações para o seu pagamento.
Para aqueles efeitos os RR. outorgaram procuração a favor do A..
Na sequência, em 1-5-1983 foi celebrado contrato promessa de compra e venda da fracção supra referida, tendo o A. custeado os valores de sinal e reforço, nos montantes de 1.273.000$00 e 637.000$00, embora tais pagamentos tenham sido feitos em nome do R..

Tendo recebido as chaves da fracção, o A. e sua mulher passaram a residir na mesma, pagando todas as despesas: consumos, condomínio, manutenção e beneficiação, etc.. O A. e o R. subscreveram um contrato de arrendamento apenas para legitimar perante terceiros a posse do A., acordando que a renda dele constante não seria devida.

A promitente vendedora, «F ......., CRL» não celebrou o contrato prometido, incumprindo o contrato promessa. Assim, o A., actuando em nome do R., propôs acção em que a promitente vendedora foi condenada a pagar ao ora R. a quantia de 3.000.000$00, acrescida do que se liquidasse em execução de sentença resultante do valor da fracção em 6-11-.......2 deduzido do valor das despesas da responsabilidade do ali A. (aqui R.) em dívida à promitente vendedora, no montante de 576.279$00 acrescido de juros, e reconheceu ao ali A. (aqui R.) o direito de retenção sobre a fracção.

A dívida da promitente vendedora veio a ser liquidada, em liquidação prévia a execução de sentença, no valor de € 116.047,87 mais juros, que à data em que a presente acção foi intentada somavam € 21.984,62; a subsequente execução de sentença veio a ser apensa a processo de execução fiscal e o crédito exequendo foi ali reclamado.

Tendo sido promovida execução pela credora com garantia hipotecária sobre a fracção prometida vender, veio esta a ser vendida a terceiro em hasta pública, mas face ao reconhecido direito de retenção, o A. e família continuaram a residir na fracção.

Tendo sido o A. quem desembolsou todos os valores relativos à fracção - sinal, reforço, todas as outras despesas, designadamente as judiciais e com honorários de advogados no âmbito daquelas acções – entende este ser da sua titularidade o crédito reclamado em nome do R. na acima citada execução fiscal, e por isso solicitou ao R. a emissão de procuração a seu favor para poder receber aquele crédito, o que o R. recusou, negando ao A. qualquer direito ao dito crédito, preparando-se os RR. para embolsar aquele crédito que está prestes a ser pago pelo Tribunal, como já ocorreu com um montante relativo a restituição de custas que, pese embora suportadas pelo A., o R. marido se recusou entregar-lhe.

Considera o A. que foi celebrado um contrato de mandato sem representação – nos termos do qual o R. se comprometeu a praticar os actos jurídicos necessários à aquisição de um imóvel por conta do A. – bem como um contrato de mandato com representação (submandato) nos termos do qual o A. se comprometeu a praticar os actos jurídicos necessários à concretização dos mesmos fins daquele outro contrato de mandato. Defendendo a obrigação de o R. transferir para o A., mandante, os direitos adquiridos e de entregar o que recebeu em execução do mandato, conclui que perante o incumprimento daquele dever de transferência pode o A. obter judicialmente a condenação do mandatário no cumprimento.

Entende, todavia, que se não for considerado que se verificam os pressupostos do mandato sem representação, não estando os RR. obrigados a transmitir o crédito para o A., então estaremos perante um locupletamento à custa alheia (à custa do A.).

Pediu o A. que se declare:
«A)–Que entre autor e réu foi acordado um mandato sem representação em que aquele figura como mandante e este como mandatário;
B)–Que como consequência deste mandato sem representação tinha o réu marido obrigação de transferir para o autor o crédito que lhe foi reconhecido naqueles autos nº 1532 da 3ª Secção da 8ª Vara Cível de Lisboa e ainda todos e quaisquer valores por si recebidos como consequência do mesmo mandato;
C)–Que o réu ao recusar-se a passar procuração ao autor para que este pudesse receber o mencionado crédito entrou em incumprimento.
D)–Consequentemente condenarem-se os réus a reconhecer que o crédito reconhecido na sentença proferida nos autos que correram os seus termos com o nº 1532 pela 3ª Secção da 8ª Vara Cível de Lisboa é pertença do autor, condenando-se ainda os réus a entregar ao autor todas as quantias recebidas e provenientes directa ou indirectamente da referida sentença e ainda dos autos de execução subsequentes.
E)–Reconhecer-se ter o autor direito a substituir-se aos réus na cobrança daquele mesmo crédito reconhecido nos autos que correram os seus termos com o nº 1532 pela 3ª Secção da 8ª Vara Cível de Lisboa e que se encontra reclamado nos autos que correm os seus termos pelo 2ª Juízo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, 3ª Unidade Orgânica, com o nº 362/04.
F)–Subsidiariamente, requerem seja reconhecido verificar-se enriquecimento sem causa pelos réus, à custa dele autor.
G)–Consequentemente sejam os réus condenados a indemnizar o autor na medida do seu enriquecimento, transferindo-se para o autor o crédito reclamado nos autos que correm os seus termos pelo 2º Juízo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, 3ª Unidade Orgânica, com o nº 362/04 bem como todas as importâncias recebidas ou que venham a ser recebidas ou devidas em consequência desse mesmo crédito.
H)–Devem ainda os réus ser condenados a indemnizar o autor de todos os prejuízos resultantes da sua actuação, nomeadamente despesas judiciais e extrajudiciais a que o autor se viu ou se veja compelido a suportar, a liquidar em execução de sentença.
I)–Devem também os réus ser condenados em custas e procuradoria e no mais que for de lei.»
Na contestação apresentada pelos RR. estes, designadamente, impugnaram matéria alegada pelo A.. Disseram que foram os RR. quem sempre pagou todas as despesas relativas à aquisição da fracção autónoma, as obras e despesas inerentes ao condomínio e que, ainda que alguns pagamentos e contratações houvessem sido realizadas pelo A. tal sucedeu com dinheiro proveniente dos RR.. Acrescentaram que no sentido de defender o seu direito de retenção permitiram que o A. e sua mulher permanecessem no local e que embora celebrados contratos de arrendamento o A. não pagou rendas nem os RR. as exigiram, no intuito de o ajudar. Bem como que devido à sua necessidade de dinheiro o A. pedia aos RR. para descontar efeitos que depois não pagava, tendo obtido por esta via o valor de 14.134.631$50. A que acrescem cheques que o A. depositava na conta dos RR. da qual sacava as respectivas importâncias e que depois vinham devolvidos  - assim, os cheques nos valores de 1.200.000$00, 3.588.453$00, 500.000$00 e 500.000$00.
Disseram que, à cautela, no caso de a acção ser julgada procedente, requeriam a compensação com o crédito invocado no pedido subsidiário.
Reconvindo afirmaram os RR. que o montante das quantias que ainda se encontram em dívida pelo A. para com os RR. é de 99.378,92 € a que acrescem juros de mora à taxa legal que perfazem o valor de 19.886,67 € e os que se vencerem até pagamento.
A final pediram que fosse julgada improcedente a acção e provada a reconvenção.
O A. replicou – pedindo então a condenação dos RR. por litigância de má fé - e requereu a intervenção principal provocada de Isabel  ....... Barreto, o que foi deferido. Quanto à condenação como litigante de má fé pediu a A. que os RR. fossem condenados em indemnização a seu favor em valor não inferior a 10% da quantia pelos RR. reclamada em sede de pedido reconvencional, bem como nos honorários da mandatária judicial a liquidar a final.

O processo prosseguiu e, a final, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
«O Tribunal julga e declara nulo o contrato firmado entre A. e RR., destinado à aquisição da fracção “AM” pelo A. a um terceiro [a FOCOBA] com recurso a benefícios legalmente disponíveis para o R. mas a que o A. não tinha acesso.
Em consequência da antecedente declaração de nulidade, o Tribunal condena os RR. a restituírem ao A. o valor de € 9.706,61, acrescido de juros à taxa legal a contar da citação.
Mais, o Tribunal julga improcedente a compensação deduzida pelos RR., por não verificada a existência dos créditos por eles invocados.
Por fim, o Tribunal absolve os RR. do pedido de condenação por litigância de má fé contra eles deduzido».

Apelou o A., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:

1ª–Foi integralmente dada como provada a matéria de facto alegada pelo Recorrente.
2ª–A absolvição dos Recorridos relativamente à maior parte do pedido deduzido pelo Recorrente deveu-se à errada aplicação das normas relativas à indemnização por enriquecimento sem justa causa.
3ª–O art. 473.º/1 do CC traduz um princípio em forma de norma, segundo o qual «aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou».
4ª–Tal como consagrado entre nós, o enriquecimento sem causa traduz a ideia de radicação de uma vantagem numa esfera ou de deslocação de uma vantagem de uma esfera para outra, vantagem essa que, de acordo com os critérios comuns, deveria caber a outra esfera.
5ª–No presente caso estamos perante um “enriquecimento por prestação”, simultaneamente direto e indireto, atenta a pluralidade de intervenientes
6ª–O enriquecimento é direto na parte em que resulta da prestação do Recorrente; indireto, na parte em que resulta da prestação a realizar por um terceiro (o promitente vendedor)
7ª–Tanto no caso de uma como de outra prestação, não existe uma causa que justifique a sua recepção do enriquecimento na esfera dos Recorridos, devendo o mesmo ser imputado à esfera do Recorrente.
8ª–Os Recorridos viram constituir-se na sua esfera jurídica um direito de crédito sem que tenham pago qualquer contrapartida para o efeito. Tal contrapartida foi paga pelo Recorrente na expectativa de vir a adquirir posteriormente o imóvel.
9ª–Não tendo o promitente vendedor cumprido a sua obrigação de venda do imóvel, tornou-se civilmente responsável pelos prejuízos causados, fazendo surgir na esfera dos Recorridos um direito de crédito à indemnização. Uma vez mais, sem que estes tenham suportado quaisquer custos ou encargos pois todos os custos e despesas associados à reclamação desse crédito no processo tributário foram suportados pelo recorrente que, inocentemente, confiou que os recorridos lhe transmitiriam, em execução do mandato, o montante da indemnização que lhe era devida.
10ª–Tendo o contrato de mandato sido declarado nulo pelo Tribunal a quo, não pode o Recorrente exigir aos Recorridos o seu cumprimento. Porém, não tendo sido realizado o fim visado pelo Recorrente e pelos Recorridos através desse contrato, não existe causa jurídica para a atribuição da indemnização aos Recorridos e para a manutenção do correspondente crédito sobre o promitente vendedor na esfera jurídica destes.
11ª–Por isso, nos termos do art. 473.º/1 do CC, devem os Recorridos restituir ao Recorrente o crédito indemnizatório com que se locupletaram injustamente.
12ª–A regra do art. 474.º não consagra uma subsidiariedade geral da ação de enriquecimento, mas antes uma «incompatibilidade de pressupostos» entre esta ação e outras com as quais pode concorrer
13ª–Menezes Cordeiro, no quadro da interpretação restritiva do art. 474.º que sustenta, afirma que o princípio da subsidiariedade só funciona «quanto todos os efeitos do enriquecimento se mostrem integralmente cobertos pelo instituto concorrente; sempre que o enriquecimento permita, para quem o invoque, uma solução mais favorável, a subsidiariedade não opera»
14ª–No presente caso, contrariamente ao sustentando pelo Tribunal a quo, impunha-se o recurso às regras do enriquecimento sem causa.
15ª–Como ficou provado, o crédito com que os Recorridos se enriqueceram ascende a €116.047,87, acrescidos de juros à taxa legal desde 1-out.-2010 até integral pagamento que, à data da sentença do Tribunal a quo, ascendiam a €26.032,88, pelo que o crédito total era, nessa data, de €142.080,75.
16ª–Diferentemente, o montante que os Recorridos foram condenados a pagar ao Recorrente com base no art. 289.º do CC limita-se a € 9.706,61, acrescido de juros à taxa legal a contar da citação.
17ª–Significa isto que, à data da sentença, se verifica uma diferença nada mais nada menos do que €132.374,14! O valor que deveria ser restituído ao Recorrente é 14,6 vezes superior ao que o Tribunal a quo condenou os Recorridos a pagar!
18ª–Estando demonstrado que a restituição ex vi art. 289.º do CC não atribui ao Recorrente uma proteção idêntica à da restituição por via do instituto do enriquecimento sem causa, não pode aceitar-se o entendimento do Tribunal a quo.
19ª–Caberá ao Tribunal ad quem corrigir este lapso, aplicando as regras do enriquecimento.
20ª–São pressupostos do enriquecimento sem justa causa a) existência de um enriquecimento, b) obtenção de um enriquecimento à custa de outrem e c) ausência de causa justificativa para o enriquecimento.
21ª–A existência do enriquecimento está verificada no presente caso, no qual ficou plenamente demonstrado ter sido constituído na esfera jurídica dos Recorridos, ora Recorridos, um direito de crédito sobre o promitente vendedor que, à data da sentença recorrida, ascendia a €142.080,75. Isto é aquilo com que o Recorrido se locupletou sem causa e que deve ser restituído ao Recorrente.
22ª–O pressuposto “obtenção de um enriquecimento à custa de outrem” está também verificado no presente caso, tanto no sentido proposto por Menezes Leitão, como naquele outro sugerido por Menezes Cordeiro: ficou demonstrado que os Recorridos enriqueceram à custa do Autor. O crédito que traduz o enriquecimento dos Recorridos nasceu de uma relação na qual estes intervinham como meros “homens de palha” ou “testas de ferro”, em execução de um mandato sem representação celebrado com o Recorrente.
23ª–Recuperando quanto foi exposto relativamente a este pressuposto: há uma utilidade que era destinada ao Recorrente, no quadro das relações dadas como provadas pelo Tribunal a quo, que se mantém na esfera dos Recorridos, assim enriquecidos.
24ª–Verifica-se também ausência de causa justificativa para o enriquecimento. Tendo o Tribunal a quo declarado nulo o mandato, permanece na esfera  jurídica dos Recorridos o direito de crédito sobre o promitente vendedor, sem qualquer causa justificativa.
25ª–Os recorridos aproveitariam, portanto, toda a iniciativa, todo o esforço e todos os investimentos feitos pelo Recorrente, com base na nulidade do mandato para a qual contribuíram conscientemente!
26ª–É uma conduta manifestamente abusiva à qual o sistema jurídico — aqui tutelado pelo Tribunal a quem — não pode ficar indiferente!
27ª–A sentença recorrida fez ainda uma errada aplicação e interpretação do instituto de litigância de má-fé.
28ª–Os Recorridos aqui recorridos mentiram conscientemente ao negarem que
tivessem feito qualquer acordo com o Recorrente no sentido de adquirirem a fracção autónoma dos autos em seu nome para depois a transmitirem àqueles
29ª–Mentiram ainda ao negarem que o dinheiro utilizado na aquisição pertencesse ao Recorrente
30ª–Mentiram ao dizerem que essa aquisição se destinava a possibilitar que o Recorrente e sua família aí residissem, mas mediante arrendamento que lhes seria feito por eles Recorridos sem que a mesma fracção autónoma viesse posteriormente a ser-lhes transmitida
31ª–Mentiram, de forma consciente e deliberada, ao alegarem nos artºs 22º, 23º e 24º do seu articulado de contestação, que o Recorrente pedia ao Recorrido marido que descontasse letras e livranças que eram debitadas na conta dele e que depois não eram pagas pelo Recorrente.
32ª–Mentiram ao alegarem que o Recorrente depositava cheques na conta do Recorrido sacando o correspondente valor em numerário sendo que depois os cheques eram devolvidos por falta de provisão
33ª–Verifica-se assim que os recorridos, consciente e deliberadamente falsearam os factos deturpando a verdade dos mesmos com vista a entorpecerem a acção da justiça tentando induzir em erro o tribunal.
34ª–A actuação dos recorridos não se deve a mera oposição aos factos deduzidos pelo recorrente. Mentiram descaradamente no seu articulado alegando factos que tinham certeza e consciência de que não eram verdadeiros com o intuito de ludibriarem o tribunal.
35ª–A decisão recorrida violou, entre outras disposições legais, os artºs 473º e 474º do Código Civil e o artº 542º do Código do Processo Civil.

Também os RR. apelaram, apresentando as seguintes ditas conclusões:

a)-Vem a presente apelação da douta sentença (Registo Citius 127531286), bem como do despacho inserido na ata de 2016/01/26 (registo Citius 127198590), do qual resultou o termo de desentranhamento (Registo Citius 128802603).
b)-Através do registo Citius 3045910, os R.R. requereram a junção aos autos dos documentos que vieram a constituir fls., 274 a 292 dos autos, capeados por requerimento.
c)-Aí se explicava e justificava a não entrega atempada dos documentos.
d)-Encontrando-se justificada a entrega tardia, nunca poderia ter sido por este motivo rejeitada a sua junção aos autos.
e)-A ação entrou em juízo em 2010/05/25; estava à data em vigor o então artigo 523.º n.º 2 CPC.
f)-A entrada em vigor do novo artigo 423.º não posterga os direitos processuais anteriores, artigo 5.º n.º 2 da lei 41/2013, de 26/6.
g)-O presente processo continua a ter a forma de processo ordinário e, consequentemente, a junção de documentos a reger-se pelo disposto no ex artigo 523.º CPC.
h)-Os documentos, ainda que com multa aplicada, devem permanecer juntos aos autos.
i)-Tais documentos são o complemento da sentença da então 8.º Vara Cível de Lisboa, junta com a P.I. pelo A.
j)-O despacho saneador, contendo a especificação e o questionário, a ata de julgamento em tribunal Coletivo, onde consta que o aqui A. e recorrido testemunhou naquele processo e respondeu aos quesitos 1 a 19 e 25 a 34 da matéria a demonstrar e o acórdão do tribunal, dá como provados os quesitos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 16.º, 18.º, 19.º e 30.º e parcialmente provados os 5.º, 14.º, 17.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º A, 27.º, 28.º.
k)-Aquele Coletivo fundamentou as respetivas respostas, entre outros “ … Sérgio ....... (o aqui A.) (quesitos 1.º a 11.º, 13.º, 14.º, 16.º e 19.º, 22.º a 24.º, 27.º, 28.º, 30.º), sobrinho do Autor, que vive, desde sempre, no andar,…”
l)-O despacho recorrido, consta da ata ref. Citius 127198590.
m)-Estes documentos (também certidões de processo judicial) eram complementares daquele que foi junto pelo A. e permite uma melhor compreensão do mesmo.
n)-Salienta-se, respeitosamente, a dualidade de critérios da Meritíssima Juíz a quo.
o)-Na ata de 2016/02/08, registo Citius 127405008, Escreveu-se “Os documentos em causa, quer aquele cuja junção foi requerida na sessão anterior quer os que posteriormente e em decorrência disso vieram a ser apresentados aos autos também para junção, há que referir constituírem entre si um conjunto e que apenas a sua análise concertada permite a cabal apreensão e compreensão da realidade para cuja prova foi requerida a sua junção. Por outro lado, a realidade a que os mesmos se reportam interessa a um segmento da matéria controvertida nestes autos, qual seja a do invocado direito de crédito dos Réus sobre o Autor com fundamento em títulos de câmbio, e não olvidando a regra geral vertida no artº 423º n.ºs 1 e 2 C.P.C. o certo é que a junção daqueles documentos surgiu como necessária em decorrência das declarações de parte do R. tomadas no final da ultima sessão de julgamento, e por conseguinte a situação em causa cabe na excepção que se mostra consignada no final do n.º 3 do artº 423º do C.P.C., justificando a sua apresentação no momento em que a mesma ocorreu e tornando admissível a junção dos documentos no momento em que o foram, não podendo deixar de se assinalar que a situação ora em apreço é distinta daquela que conduziu ao indeferimento da junção de documentos pelo R. durante o julgamento, porquanto tal indeferimento teve como fundamento as circunstâncias excepcionais em que podem ser atendidos os valores extra-processuais da prova, não cumprindo o documento que veio a ser indeferido os pressupostos dessa valoração.
Feito este esclarecimento e posto quanto antecede, admite-se aos autos a junção do documento apresentado pelo A. no final da anterior sessão de julgamento bem como
os posteriormente juntos na sequência e em complemento do mesmo”
p)-Os R.R. discordam veementemente: a similitude de situações quanto à complementaridade é patente, ainda mais nos documentos juntos pelos R.R., que melhor permitem apreender todo o condicionalismo da sentença junta com a P.I. pelo
A., ou seja, “constituíam entre si um conjunto e que apenas a sua análise concertada permite a cabal apreensão e compreensão da realidade para cuja prova foi requerida a
sua junção”
q)-Os documentos não fazem prova plena contra o A., em virtude da inexistência de
“contraditório”, mas deviam ter sido admitidos uma vez que não, “ constituem circunstâncias excecionais em que podem ser atendidos os valores extra-processuais da prova” que os documentos não cumpririam.
r)-O documento vale como tal e vale, designadamente, para provar a existência de sentença, onde consta a matéria de facto provada, o despacho saneador, para se saber
os quesitos, a ata para se saber a que quesitos o A. respondeu e a resposta aos quesitos pelo Coletivo e respetiva fundamentação, designadamente a que se refere aos quesitos provados com base no depoimento do aqui A..
s)-Trata-se de um relevante meio de prova documental, complementar de um outro junto pelo A., cuja justificação de entrega tardia foi aceite e que deveria e deve ficar nos autos.
t)-O A. veio a tribunal pedir o seguinte: A) Que entre autor e réu foi acordado um mandato sem representação em que aquele figura como mandante e este como mandatário; B) Que como consequência deste mandato sem representação tinha o réu marido obrigação de transferir para o autor o crédito que lhe foi reconhecido naqueles autos nº 1532 da 3ª Secção da 8ª Vara Cível de Lisboa e ainda todos e quaisquer valores por si recebidos como consequência do mesmo mandato; C) Que o réu ao recusar-se a passar procuração ao autor para que este pudesse receber o mencionado crédito entrou em incumprimento. D) Consequentemente condenarem-se os réus a reconhecer que o crédito reconhecido na sentença proferida nos autos que correram os seus termos com o nº 1532 pela 3ª Secção da 8ª Vara Cível de Lisboa é pertença do autor, condenando-se ainda os réus a entregar ao autor todas as quantias recebidas e provenientes directa ou indirectamente da referida sentença e ainda dos autos de execução subsequentes. E) Reconhecer-se tem o autor direito a substituir-se aos réus na cobrança daquele mesmo crédito reconhecido nos autos que correram os seus termos com o nº 1532 pela 3ª Secção da 8ª Vara Cível de Lisboa e que se encontra reclamado nos autos que correm os seus termos pelo 2º Juízo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, 3ª Unidade Orgânica, com o nº 362/04. F) Subsidiariamente, requerem seja reconhecido verificar-se enriquecimento sem causa pelos réus, à custa dele autor. G) Consequentemente sejam os réus condenados a indemnizar o autor na medida do seu enriquecimento, transferindo-se para o autor o crédito reclamado nos autos que correm os seus termos pelo 2º Juízo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, 3ª Unidade Orgânica, com o nº 362/04 bem como todas as importâncias recebidas ou que venham a ser recebidas ou devidas em consequência desse mesmo crédito. H) Devem ainda os réus ser condenados a indemnizar o autor de todos os prejuízos resultantes da sua actuação, nomeadamente despesas judiciais e extrajudiciais a que o autor se viu ou se veja compelido a suportar, a liquidar em execução de sentença I) Devem também os réus ser condenados em custas e procuradoria e no mais que for de lei.
u)-O A. deu cumprimento ao ora disposto no artigo 552.º n.º 1 alínea e) CPC.
v)-O pedido, serve, para fixar os limites da condenação: “artigo 609.º limites da condenação 1. A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir….” CPC.
w)-A douta sentença recorrida diz, no que se refere aos pedidos do A. que “… constatamos que não existiu entre A. e RR qualquer relação de mandato,… “
x)-E, mais à frente, “De quanto antecede logo resulta que todas as pretensões formuladas a titulo principal pelo A., estão votadas ao insucesso,…”
y)-E quanto ao pedido subsidiário, “tanto basta para concluir que o pedido subsidiário e os que dele diretamente decorrem terão igualmente de improceder,…”
z)-Todos os pedidos do A. foram julgados improcedentes.

aa)-Os R.R. deviam ter sido absolvidos, como é de direito.
bb)-Porque a Meritíssima Juíz a quo condenou “… em objecto diverso do pedido” – artigo 615.º n.º 1 alínea e) CPC
cc)-Sem que qualquer das partes, tal tivesse chamado à decisão do tribunal, não era uma questão “que ao tribunal cumpre solucionar”, porque “não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes,…”
dd)-a douta sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º n.º 1 alínea e) e 4. CPC
ee)-A fls. 26 encontra-se a procuração a favor do A. datada de 1983/07/20
ff)-Provada que está a procuração e a sua reprodução, atente-se o que nela se contém.
gg)-No canto superior esquerdo, na oblíqua, está inscrito “Banco …../Dependência Central/ 500/4217950/ 500/24/3144399/ 500/24/3141217/ Rúbrica ilegível.”
hh)-O exemplar utilizado em juízo pelo A. foi, por ele utilizado para a sua formalização como procurador dos R.R. junto da entidade bancária, o então B…, hoje C…., nas contas de que estes eram, à data, titulares.
ii)-Como resulta dos documentos a fls. 16/18 da contestação dos R.R., a conta 500/4217950 era da titularidade destes.
jj)-Foi desta conta que saíram os cheques visados, nºs 4874704 e 4874705, no valor, respetivamente de 650000$00 e 623000$00, o montante pago de sinal, tudo conforme melhor consta do extrato n.º 5 /83 da referida conta.
kk)-A junção é requerida nos termos do artigo 425.º CPC: trata-se de documentos com 33 anos, destruídos ao fim de pouco tempo. Estes apenas o não foram devido a mudanças de residência dos R.R., ficaram esquecidos e apenas agora, por mero acaso, foram detetados.
ll)-Os R.R. solicitaram à entidade bancária que lhes fosse fornecida certidão, tendo sido informados da eventual já não existência da sua reprodução.
mm)-Os R.R. ainda não conseguiram detetar nos documentos ora encontrados o comprovativo do reforço de sinal, que pensam ter sido através do desconto de uma letra.
nn)-O contrato promessa não está assinado pelo A. como procurador dos R.R., mas por um irmão do R. marido, então seu procurador.
oo)-Propõe-se que a matéria de facto passe a ter a seguinte redação:
pp)-Factos 1 a 7 – inalterados.
qq)-Facto 8: Provado apenas que o negócio destinado à aquisição da fração “AM” foi
levado a cabo pelo irmão do R. marido, como procurador dos R.R..
rr)-Facto 9 – Não provado.
ss)-Facto 10- provado apenas o que consta infra.
tt)-Facto 11- provado apenas o que contra infra.
uu)-Devem ter-se como provados os factos alegados em 3.º 4.º, 16.º 17.º, 19.º 25.º, 26.º 28.º, 29.º 30.º, 31.º, 32.º, 33.º e 34.º da P.I. (vd. artigo 8.º Contestação).
vv)-Face à matéria de facto ora proposta e aplicada a matéria de direito aos mesmos, deve manter-se a decisão a quo no que aos pedidos se refere;
ww)-Revogando-se, a condenação operada, por nulidade da sentença.
Por ambos os apelados, A. e RR., foram apresentadas contra alegações – fls. 481 e seguintes e 495 e seguintes.
*

II–1-O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1–Entre “F……………, CRL”, como promitente-vendedora, e o R., como promitente-comprador, foi celebrado com data de 01-05-1983 o contrato de promessa de compra e venda da fracção correspondente ao 8º andar “D” do prédio sito na [então denominada] Rua I, lote ......., na Urbanização da Portela de Sacavém, que se encontra a fls. 27 e seguintes dos autos e cujo teor se dá por reproduzido;
2–Os Réus emitiram a favor do Autor a procuração datada de 20-07-1983 que se encontra a fls. 26 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido;
3–Na 3ª Secção da 8ª Vara Cível de Lisboa, no âmbito do processo n.º 1532/94, foi proferida a sentença que em certidão se encontra a fls. 35 e seguintes dos autos cujo teor se dá por reproduzido, pela qual a ali R. “ F ......., CRL” foi condenada a pagar ao ora R. a quantia de Esc. 3.000.000$00, acrescida do que se liquidasse em execução de sentença resultante do valor da fracção acima identificada a 06/11/.......2 deduzido do valor das despesas da responsabilidade do ali A. (aqui R.) em dívida à promitente vendedora, no montante de Esc. 576.279$00 acrescido de juros, e reconheceu ao ali A. (aqui R.) o direito de retenção sobre a referida fracção;
4–Na sequência da sentença referida no ponto anterior foi proferida sentença de liquidação [em sede de execução com prévia liquidação], que em certidão se encontra fls. 52 ss. dos autos e cujo teor se dá por reproduzido, a qual liquidou a dívida da “F……” em € 116.047,87 mais juros, à taxa supletiva legal, desde 01/10/2004 até integral pagamento;
5–Em 11/01/2001 o Réu apresentou no Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa, no âmbito do processo de execução fiscal que aí correu termos sob o número 4493/86, a reclamação de créditos que se encontra a fls. 58 e seguintes dos autos e cujo teor se dá por reproduzido;
6–No âmbito daquele processo tributário, que veio a ter o nº 362/04, foi proferida em 15/07/2011 a sentença de verificação e graduação de créditos que em certidão se encontra a fls. 181 e ss. dos autos e cujo teor se dá por reproduzido, a qual reconheceu e graduou o crédito do ora R.;
7–No âmbito desse mesmo processo a fracção autónoma em causa [“AM”] veio a ser vendida pelo valor de € 103.550,44, estando o Réu ali reclamante graduado em 2.º lugar, não tendo até ao momento recebido qualquer valor;
8–O negócio destinado à aquisição da fracção “AM” foi levado a cabo pelo Autor, no seu exclusivo interesse e com o objectivo de a propriedade sobre a mesma vir a ser para ele transmitida;
9–A intervenção dos Réus naquele negócio ficou a dever-se à circunstância de Autor e Réus terem acordado que para a aquisição da fracção “AM” o Autor usaria uma conta poupança emigrante do R. para que o A. beneficiasse de condições especiais de acesso ao crédito e melhores taxas de juro disponíveis para o Réu atenta a sua qualidade de emigrante;
10–As quantias despendidas no pagamento de sinal, no montante de Esc. 1.273.000$00, e de reforço, no montante de Esc. 673.000$00, e as de manutenção, incluindo consumos domésticos, da fracção “AM” foram suportadas exclusivamente pelo Autor;
11–Foi nesse contexto negocial que o Autor e o seu agregado familiar foram residir para a fracção “AM” aquando da celebração do contrato promessa e entrega das chaves em Maio de 1983.
*

II–2-Entendeu o Tribunal de 1ª instância que nada mais resultou com relevância para a decisão da causa, nomeadamente:
A–Que os pagamentos relativos à aquisição da fracção “AM”, obras e outras despesas com ela relacionadas, foram suportados pelos Réus, designadamente por o Autor ter utilizado dinheiro proveniente da conta bancária dos Réus que o mesmo podia movimentar com a procuração a seu favor emitida.
B–Que o Autor, com recurso à procuração que lhe permitia movimentar a conta dos Réus, depositou na conta destes, sacando as correspondentes importâncias, um cheque no valor de Esc. 1.200.000$00, um cheque no valor de Esc. 3.588.453$00 e dois cheques no valor de Esc. 500.000$00 cada um, que depois foram devolvidos por falta de provisão.
C–Que desde Outubro de 1987 o Autor descontou letras e livranças através da conta bancária dos Réus no valor de Esc. 14.134.631$50, nem que os RR. se encontram desembolsados desse valor.                                                                         

                                                                      
III–Sendo as conclusões da alegação de recurso, no seu confronto com a decisão recorrida, que determinam o âmbito da apelação (salvo quanto a questões de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo) as questões que se nos colocam são as seguintes:

- Na apelação dos RR.: a questão prévia da junção de documento com a alegação de recurso; se deverão manter-se nos autos os documentos que constituíram fls. 274 a 292 dos mesmos; se a sentença é nula, nos termos do art. 615, nº 1-e) do CPC; se deverá ser alterada a matéria de facto provada consoante proposto pelos apelantes.
- Na apelação do A.: se no caso dos autos se deverá recorrer às regras do enriquecimento sem causa, cujos pressupostos se verificam; se devem os RR. ser condenados por litigância de má fé.
*

IV–1-Com a sua alegação de recurso juntaram os RR. ao processo um documento que corresponde à fotocópia de extractos de conta de depósitos à ordem referentes à conta 4217950 do BPA (fls. 475).

Disseram para o efeito:
«jj)-Foi desta conta que saíram os cheques visados, nºs 4874704 e 4874705, no valor, respetivamente de 650000$00 e 623000$00, o montante pago de sinal, tudo conforme melhor consta do extrato n.º 5 /83 da referida conta.
kk)-A junção é requerida nos termos do artigo 425.º CPC: trata-se de documentos com 33 anos, destruídos ao fim de pouco tempo. Estes apenas o não foram devido a mudanças de residência dos R.R., ficaram esquecidos e apenas agora, por mero acaso, foram detetados».

No processo civil, em regra, os documentos têm de ser juntos pelas partes na 1ª instância; depois, no caso de recurso, apenas os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até então, ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância – arts. 425 e 651 do CPC.
A 1ª hipótese - quando não tenha sido possível a apresentação dos documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância – reconduz-se às sub-hipóteses de a parte não ter conhecimento da sua existência, ou, conhecendo-a, lhe não ter sido possível fazer uso deles, ou, mesmo, a de os documentos se terem formado ulteriormente. Aí, utilizando a expressão de Alberto dos Reis ([1]) «a parte tem de convencer o tribunal da superveniência do documento respectivo, ou porque o documento se formou depois do encerramento da discussão, ou porque só depois deste momento ela teve conhecimento da existência do documento, ou porque não pôde obtê-lo até àquela altura».

Na 2ª hipótese - a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância - «a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em primeira instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida» ([2]).
Ora, nenhuma das hipóteses supra mencionadas foi demonstrada no caso dos autos.

Nada permite a inclusão na 2ª hipótese referida - a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. Quanto a ser a apresentação abrangida pela 1ª daquelas hipóteses - não ter sido possível a anterior junção no Tribunal de 1ª instância, antes do encerramento da discussão -  sendo o documento pré-existentes, nada nos faz inferir o seu desconhecimento pelos AA. ou a impossibilidade de os mesmos deles terem anteriormente feito uso. Saliente-se que, consoante entendido no acórdão da Relação de Coimbra de 18-11-2014 ([3]) «só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento».
Pelo que não se atenderá ao documento agora junto pelos RR./apelantes, não se deferindo à sua junção.
                                                                          *                                                                       
IV–2-Defendem os RR./apelantes que os documentos cuja junção fora por si requerida e que constituíram fls. 274 a 292 dos autos deveriam permanecer nestes, sendo os ditos documentos complementares do documento que fora junto pelo A. e permitindo uma melhor compreensão daquele, tratando-se de um relevante meio de prova documental.

Dos autos resulta o seguinte:
– Em 21-1-2016 os RR. requereram a junção de um documento dizendo que pensavam que o mesmo já teria sido junto aos autos, somente quando da preparação do julgamento detectando a sua falta; afirmaram que aquele documento era imprescindível para a descoberta da verdade, tendo em consideração a prova/contraprova dos temas da prova 1º a 5º (fls. 272-273).
– Esse documento constituía fls. 275-292.
– Em 26-1-2016 foi proferido despacho em que não sendo admitida a junção do dito documento, foi determinado o seu oportuno desentranhamento, do que logo foram notificadas as partes (fls. 301-303).

Vejamos.
Nos termos do nº 1 do art. 644 do CPC cabe recurso de apelação da decisão, proferida em 1ª instância que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente, bem como do despacho saneador que sem pôr termo ao processo decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos. Seguidamente, o nº 2 do mesmo artigo elenca taxativamente as outras decisões do tribunal de 1ª instância impugnáveis por apelação autónoma.
Assim, nos termos do nº 2-d) do art. 644 do CPC cabe recurso de apelação do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova.
Referia, a propósito, Abrantes Geraldes ([4]) que aqui se englobam, por exemplo, os casos em que o juiz admite ou rejeita um rol de testemunhas ou o aditamento ou substituição desse rol, defere ou indefere a realização de uma perícia ou inspecção judicial, admite ou manda desentranhar determinados documentos, defere ou indefere a requisição de documentos.
Deste modo, o despacho proferido em 26-1-2016 que não admitiu a junção do documento oferecido pelos RR., determinando o seu desentranhamento era susceptível de recurso autónomo de apelação - não se tratando de decisão a ser impugnada no recurso que viesse a ser interposto da decisão final, nos termos do nº 3 do art. 644 do CPC.
Não nos cumprirá aqui, na apelação interposta da sentença final, pronunciarmo-nos sobre a questão da não admissão daquele documento. Aliás, não resultando dos autos que tivesse sido interposto recurso autónomo de apelação nos termos do nº 2-d) do art. 644 do CPC, aquele despacho de 26-1-2016 transitou em julgado (nº 1 do art. 638 do CPC) passando a ter força obrigatória dentro do processo, consoante dispõe o nº 1 do art. 620 do CPC.
Não há, pois, nesta parte, nada a alterar.
*

IV–3-Sustentam os apelantes que a sentença recorrida é nula, nos termos do art. 615, nº 1-e) do CPC já que houve uma condenação em objecto diverso do pedido.
De acordo com a alínea e) do nº 1 do art. 615 é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. Esta disposição legal está em directa correlação com o que determina o art. 609, nº 1, do mesmo Código: a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
O juiz está limitado pelos pedidos das partes e não pode deles extravasar; a decisão não pode pronunciar-se sobre mais do que foi pedido ou sobre coisa diversa da que foi pedida. Não pode ultrapassar nem em quantidade nem em qualidade os limites do pedido formulado. Não bastando que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado; é necessário, além disso, que haja identidade entre a causa de pedir e a causa de julgar, com a cautela de não confundir a causa de pedir com a qualificação ou enquadramento jurídico dado aos factos ([5]).
O que sucedeu no caso dos autos é que tendo sido formulado pelo A. o pedido acima descrito, pelos fundamentos igualmente aludidos, o Tribunal de 1ª instância, oficiosamente – como lhe permitia o art. 286 do CC – declarou nulo o contrato celebrado entre as partes e, baseando-se no nº 1 do art. 289 do CC, condenou os RR. a restituírem ao A. a quantia de 9.706,61 €, acrescida de juros contados desde a citação.
Ou seja, o Tribunal agiu em conformidade com o que fora deliberado pelo STJ ao uniformizar a jurisprudência pelo Assento nº 4/95 ([6]): «Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico, invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido com fundamento no nº 1 do artigo 289 do Código Civil».

Diz-se na fundamentação do referido aresto: «Nem se pode dizer (como adianta o acórdão fundamento) que solução diferente da que adoptou (ele acórdão fundamento) contraria o disposto no artigo 661 do Código de Processo Civil que proíbe a condenação em quantidade superior ou em coisa diversa da pedida, já que, no caso de ambos os acórdãos confrontados o que se pretende, seja válido ou nulo o negócio, é precisamente a restituição do que havia sido prestado».

Indiscutivelmente, o Tribunal poderia conhecer oficiosamente da nulidade do negócio. Neste contexto, pedindo o A., no pressuposto da validade do negócio celebrado entre as partes, designadamente a condenação dos RR. a entregarem ao A. “todas as quantias” que em razão do mesmo (pelo encadeamento de factos descrito e que ficou provado) viessem a receber, face à declarada nulidade – repete-se que de conhecimento oficioso – entende-se que não é extravasado o objecto do processo quando determinada a restituição das quantias entregues, consequente à mesma nulidade, nos termos do nº 1 do art. 289 do CC.
Pelo que se concluiu não se verificar a invocada nulidade da sentença.
*

IV–4-Na sequência propõem os RR./apelantes a alteração da matéria de facto nos seguintes termos:
- Facto 8 - Provado apenas que o negócio destinado à aquisição da fração “AM” foi levado a cabo pelo irmão do R. marido, como procurador dos R.R..
- Facto 9 – Não provado.
- Facto 10- provado apenas o que consta infra.
- Facto 11- provado apenas o que contra infra.
- Devem ter-se como provados os factos alegados em 3.º 4.º, 16.º 17.º, 19.º 25.º, 26.º 28.º, 29.º 30.º, 31.º, 32.º, 33.º e 34.º da P.I..
Começando por este último ponto, sendo certo que no artigo 8º da contestação os RR. disseram que era verdade o alegado naqueles artigos da p.i., a verdade é que a factualidade ali mencionada já se encontra, na parte com interesse, espelhada nos factos declarados como provados na sentença.
Foi considerado provado que «O negócio destinado à aquisição da fracção “AM” foi levado a cabo pelo Autor, no seu exclusivo interesse e com o objectivo de a propriedade sobre a mesma vir a ser para ele transmitida».
Pretendem os RR. que se encontra provado, apenas, «que o negócio destinado à aquisição da fração “AM” foi levado a cabo pelo irmão do R. marido, como procurador dos R.R.».
Dizem que o contrato promessa não está assinado pelo A. mas por um irmão do R..
Muito embora o A. tenha alegado que no contrato promessa outorgou em nome do R. o irmão deste, Manuel  ......., trata-se de circunstância que não se evidencia pela análise do documento de fls. 27-30.

Na motivação sobre os factos provados referiu o Tribunal de 1ª instância:
«(…) No que concerne aos factos enunciados nos pontos 8 a 11 o Tribunal atendeu à análise conjugada dos documentos de fls. 31, 33 e 34 com os depoimentos das testemunhas do A. Vasco ….., João ……. e Fernando ……, e complementarmente com o depoimento da testemunha do R., seu irmão, Luís ......., depoimentos que nos mereceram credibilidade, por terem revelado sinceridade e isenção. Igualmente as declarações de parte do R., expurgadas dos juízos de valor manifestados e do auto-elogio, foram ao encontro do teor dos depoimentos testemunhais no que concerne ao acordo estabelecido entre A. e R., suas características e objectivo (…).
Não temos, deste modo, fundamento para proceder à alteração do ponto 8) dos factos provados. Até porque o que nele está consignado é que o «A. levou a cabo o negócio» e não que o A. assinou aquele documento.
Quanto aos demais factos – 9), 10) e 11) – não justificam os apelantes a sua discordância, nos termos previstos no art. 640, nº 1-b) do CPC, não referindo quais os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa.
Pelo que não haverá que deles conhecer.
Assim, mantém-se a matéria de facto provadas nos precisos termos constantes da sentença recorrida.
*

IV–5-Passemos agora a analisar o recurso do A..
Na p.i. o A. enquadrara a situação de facto por si invocada na celebração de dois contratos: um contrato de mandato sem representação, nos termos do qual o R. se comprometeu a praticar os actos jurídicos necessários à aquisição de um imóvel por conta do A.; um contrato de mandato com representação (submandato) nos termos do qual o A. se comprometeu a praticar os actos jurídicos necessários à concretização dos mesmos fins daquele outro contrato de mandato.
Na sentença recorrida entendeu-se estar de todo afastada a existência de um contrato de mandato subjacente à procuração que pelos RR. foi emitida a favor do A., já que o negócio foi levado a cabo por este no seu exclusivo interesse, tendo os RR. intervenção tão só para possibilitar ao A. as vantagens de que o R. beneficiava por ser emigrante; bem como entre o A. e os RR. inexistiu qualquer relação de mandato. Concluiu-se que o acordo celebrado entre A. e RR. configurava um contrato inominado e atípico, encerrando «um conluio entre os contraentes com vista a propiciar ao A. benefícios de natureza patrimonial aos quais A. e RR. sabiam não ter o A. direito, para tanto ludibriando o fim e os objectivos que com aquele regime legal o legislador prosseguia em razão dos específicos fins de interesse geral para a comunidade, logo de interesse público, que o determinaram, inevitavelmente acarretando para o Estado [logo para a comunidade em geral] custos directos (relativos ao reembolso à instituição de crédito da diferença entre os juros cobrados e os resultantes da aplicação da taxa corrente no mercado) e indirectos (pela não cobrança de sisa e de contribuição predial)». E que estamos «em presença de um negócio em fraude à lei, cujo intento fraudatório é comum a A. e RR. e por conseguinte enferma de nulidade (cfr. artºs 280º e 281º CCivil)». Considerando-se aplicável o regime geral da nulidade, afasta-se na sentença recorrida o recurso às regras do enriquecimento sem causa.
Sustenta o apelante/A. que «os Recorridos viram constituir-se na sua esfera jurídica um direito de crédito sem que tenham pago qualquer contrapartida para o efeito. Tal contrapartida foi paga pelo Recorrente na expectativa de vir a adquirir posteriormente o imóvel». E que por isso, «nos termos do art. 473.º/1 do CC, devem os Recorridos restituir ao Recorrente o crédito indemnizatório com que se locupletaram injustamente». Bem como que «a regra do art. 474.º não consagra uma subsidiariedade geral da ação de enriquecimento, mas antes uma «incompatibilidade de pressupostos» entre esta ação e outras com as quais pode concorrer», impondo-se aqui o recurso às regras do enriquecimento sem causa, cujos pressupostos se verificam.
O A./apelante não põe em causa a declarada nulidade do contrato celebrado entre as partes (contrato inominado e atípico consoante referido na sentença). A pretensão do apelante diz respeito ao recurso às regras do enriquecimento sem causa - e não às regras da obrigação de restituir derivada da invalidade do contrato em que a sentença recorrida se baseou.

Vejamos.
Nos termos do nº 1 do art. 289 do CC a declaração de nulidade tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
Mota Pinto ([7]) ensinava que os efeitos da declaração de nulidade operam retroactivamente, o que está em perfeita coerência com a ideia de que a invalidade resulta de um vício intrínseco do negócio e, portanto, contemporâneo da sua formação. «Em consonância com a retroactividade, haverá lugar à repristinação das coisas no estado anterior ao negócio, restituindo-se tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (artigo 289º, nº 1). Tal restituição deve ter lugar, mesmo que não se verifiquem os requisitos do enriquecimento sem causa, isto é, cada uma das partes é obrigada a restituir tudo o que recebeu e não apenas aquilo com que se locupletou».
Referem, a propósito, Pires de Lima e Antunes Varela ([8]) que como a restituição abrange tudo o que tiver sido prestado não há que atender às regras do enriquecimento sem causa.
Decorrendo, aliás, do art. 474 do mesmo Código a natureza subsidiária da obrigação de restituição por enriquecimento - não há lugar à mesma quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído.
Dizendo aqueles autores ([9]) que quando o enriquecimento assenta sobre um negócio jurídico e o negócio é nulo a própria declaração de nulidade do acto devolve ao património de cada uma das partes os bens (ou o valor dos bens quando a restituição em espécie não seja possível) com que a outra se poderia enriquecer à sua custa, não havendo que averiguar se há um enriquecimento sem causa.
Leite de Campos ([10]) escreve que a nulidade determinará, nos termos do nº 1 do art. 289, a obrigação de as partes restituírem tudo o que tiver sido prestado ou o valor equivalente se a restituição em espécie não for possível e que, além disso o art. 474 afirma expressamente o valor subsidiário do enriquecimento sem causa o que excluiria a invocação deste instituto para obter a restituição do prestado em causa de nulidade do contrato.
Discorrendo, seguidamente que as consequências que o instituto do enriquecimento sem causa liga ao locupletamento com bens alheios são claramente diversas das implicadas pela nulidade. Enquanto «na nulidade se restitui (normalmente) o enriquecimento real, no enriquecimento sem causa é restituído o enriquecimento patrimonial» ([11]). «Dado o carácter subsidiário do enriquecimento sem causa, este é excluído do âmbito de funcionamento da nulidade, não podendo as partes de um negócio declarado nulo invocar o enriquecimento recíproco para que o objecto da restituição seja medido pelas regras deste instituto. Também o enriquecimento alcançado por cada uma delas, ou seja, a mais-valia patrimonial que não é removida pela obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa. É justificada, tem causa. Tem-na na lei que exige, tão só, a repristinação das prestações» 

Já Menezes Cordeiro ([12]) considera que o «dever de restituição predisposto no art. 289º/1 tem natureza legal. Ele prevalece sobre a obrigação de restituir o enriquecimento, meramente subsidiário e pode ser decretado pelo tribunal, quando ele conheça oficiosamente a nulidade. No entanto, já haverá que recorrer às regras do enriquecimento se a mera obrigação de restituir não assegurar que todas as deslocações ou intervenções patrimoniais injustamente processadas, ao abrigo do negócio declarado nulo ou anulado, foram devolvidas».

Almeida Costa ([13]) refere que só quando se apurar, por interpretação da lei, que as normas directamente predispostas não esgotam a tutela jurídica da situação é que se justifica o recurso complementar ao instituto do enriquecimento sem causa – dando como exemplo em hipóteses de responsabilidade civil. Acrescentando: «Assim, aquele que tenha o direito de pedir a declaração de nulidade ou a anulação de um negócio jurídico e a restituição da prestação entregue (art. 289, nº 1) não é admitido a exercer a acção de enriquecimento».

Na jurisprudência destacamos o acórdão do STJ de 5-6-2001 ([14]) no qual se concluiu que a «declaração de nulidade do contrato arrasta consigo a destruição retroactiva das atribuições patrimoniais, como se o negócio não tivesse sido realizado» e a «restituição aqui funda-se na nulidade e não no enriquecimento sem causa - neste não há restituição retroactiva mas apenas devolução daquilo com que alguém esteja locupletado à custa de outrem».

Também no acórdão do STJ de 20-4-2004 ([15]) foi entendido que «a acção baseada nas regras do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, só podendo recorrer-se a ela quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reacção - art. 474 do C.C.» E que acresce que «são diferentes os efeitos das obrigações de restituir fundadas na invalidade do negócio e no enriquecimento sem causa, como resulta do confronto dos arts 289, por um lado, e 479, nº2 e 480, por outro. Há, pois, que proceder à reposição da situação anterior das partes, a efectuar nos precisos termos do art. 289 do C.C., e não por recurso ao princípio do enriquecimento sem causa, já que este assume carácter subsidiário, a advir da falta de causa numa deslocação patrimonial, enquanto no caso em apreço isso não se verifica, antes ocorrendo uma nulidade do acto alicerçador do pedido de restituição».

Pese embora a argumentação do A., ponderadas as diversas opiniões acima aludidas, quedamo-nos pela solução encontrada na sentença recorrida.

Na realidade, aqui, o fundamento da restituição reside na nulidade e não na falta de causa da deslocação patrimonial e só se poderá recorrer às regras do enriquecimento sem causa - que tem natureza subsidiária - quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reacção (art. 474 do CC), meios que no caso são facultados.

Declarado nulo o contrato celebrado entre A. e RR. aquele tem o direito a ser restituído daquilo que se apurou que – em função daquele mesmo negócio – prestou, ou seja, dos valores de 6.349,70 € e de 3.356,91 €, para além dos juros considerados.
*

IV–6-De acordo com o nº 1 do art. 542 do CPC tendo litigado de má fé a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. Esclarece o nº 2 do mesmo artigo que se diz litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a)-Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

As partes têm o dever da boa fé processual – art. 8 do CPC. A imposição deste dever implica que possam ser sancionadas pela via da má fé condutas processuais imputáveis à parte (ou ao seu mandatário) a título de negligência grave e não, apenas, de dolo. De um ponto de vista subjectivo, deixou de valer a ideia segundo a qual a condenação por litigância de má fé pressupunha necessariamente o dolo, podendo fundar-se em erro grosseiro ou em culpa grave.

Como decorre do supra exposto constituiu, entre outras, actuação ilícita da parte a dedução de pretensão ou oposição com manifesta falta de fundamento, bem como a apresentação duma versão dos factos deturpada ou omissa, em violação do dever de verdade ([16]).
Todavia, pelo facto de não ter sido feita a prova do que fora articulado, nem por isso se pode concluir pela falsidade ou desconformidade com a verdade da alegação respectiva de forma a tornar legítima uma pronúncia de litigância de má fé, à luz do art. 542, nº 2.b) do CPC ([17]).

Na perspectiva do A./apelante os RR. «consciente e deliberadamente falsearam os factos deturpando a verdade dos mesmos com vista a entorpecerem a acção da justiça tentando induzir em erro o tribunal»:

-mentindo conscientemente ao negarem que tivessem feito qualquer acordo com o A. no sentido de adquirirem a fracção autónoma dos autos em seu nome para depois a transmitirem àqueles e ao negarem que o dinheiro utilizado na aquisição pertencesse ao A.;
-mentindo ao dizerem que essa aquisição se destinava a possibilitar que o A. e sua família aí residissem, mediante arrendamento que lhes seria feito, sem que a mesma fracção autónoma viesse posteriormente a ser-lhes transmitida;
-mentindo, de forma consciente e deliberada, ao alegarem nos artºs 22º, 23º e 24º da contestação, que o A. pedia ao R. marido que descontasse letras e livranças que eram debitadas na conta dele e que depois não eram pagas pelo A. e mentindo ao alegarem que o A. depositava cheques na conta do R. sacando o correspondente valor em numerário sendo que depois os cheques eram devolvidos por falta de provisão.
Olhando para a contestação verificamos que os RR. disseram que o A. solicitou aos RR. que em nome deles fizessem a aquisição da fracção de forma a possibilitar que o A. e a mulher fossem para lá residir (art. 14 da contestação), que os RR. sempre pagaram todas as despesas relativas à aquisição do referido andar e que os pagamentos que o A. fez por conta dos RR. foi com dinheiro destes (arts. 16 e 26 da contestação) que o A. pedida aos RR. para descontar efeitos que depois não pagava e que depositava cheques na conta dos RR. cujos valores sacava, vindo os cheques devolvidos por falta de provisão (arts. 22 a 25 da contestação).
Tendo em conta o que dissemos supra – designadamente que pelo facto de não ter sido feita a prova do que fora articulado, nem por isso se pode concluir pela falsidade ou desconformidade com a verdade da alegação respectiva de forma a tornar legítima uma pronúncia de litigância de má  - da circunstância de os RR. não haverem logrado provar o por si alegado relativamente a letras, livranças e cheques, não se retirarão elementos em que possa assentar a má fé.
É certo que as relações entre o A. e os RR. não eram lineares – consoante classificada na sentença tratava-se de uma «arrevesada relação negocial».
Todavia, os RR. afirmaram que as despesas com a aquisição da fracção foram por si suportadas, concretizadas com o seu dinheiro, quando se provou que «as quantias despendidas no pagamento de sinal, no montante de Esc. 1.273.000$00, e de reforço, no montante de Esc. 673.000$00, e as de manutenção, incluindo consumos domésticos, da fracção “AM” foram suportadas exclusivamente pelo Autor».

O que significa que os RR. mentiram acerca destas circunstâncias de facto que, no contexto da dita «arrevesada» relação, são simples e claras. Faltaram os RR., neste ponto determinante para a configuração da relação em referência, ao seu dever de boa fé processual, em violação do dever de verdade, em factos pessoais, de que tinham forçosamente conhecimento.

Como salienta Menezes Cordeiro ([18]) a lei processual castiga a litigância de má fé independentemente do resultado. Apenas releva o próprio comportamento, mesmo que, pelo prisma do prevaricador, ele não tenha conduzido a nada.

Neste contexto, entende-se que os RR. deverão ser condenados como litigantes de má fé numa multa de 5 UC’s.

O A. pedira que os RR. fossem condenados em indemnização a seu favor em valor não inferior a 10% da quantia pelos RR. reclamada em sede de pedido reconvencional, bem como nos honorários da mandatária judicial a liquidar a final.

Decorre do nº 1 do art. 543 do CPC que a indemnização à parte contrária pode consistir: a) no reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários e técnicos; b) no reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má fé.

Diziam-nos, a propósito, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto ([19]) que se estabelece no nº 1 dois tipos de indemnização: no caso da alínea a) apenas são indemnizados os danos emergentes directamente causados à parte contrária pela actuação de má fé; no caso da alínea b) são indemnizados todos os prejuízos que ela sofre, incluindo lucros cessantes, em consequência directa ou indirecta da actuação de má fé. Salientando que «em qualquer dos casos, não estão em causa todos os danos que a parte contrária possa ter sofrido em consequência do processo, mas apenas aqueles que tendo-se produzido posteriormente a ela, são imputáveis à litigância de má fé».

O valor de 10% do pedido reconvencional pedido como indemnização afigura-se sem qualquer conexão com o disposto no nº 1 do art. 543 do CPC – até porque, desde logo, a má fé situa-se aqui no âmbito da discutido na acção e não da reconvenção.

Por outro lado, mesmo que não tivesse ocorrido a violação do dever de verdade, por parte dos RR., quanto aos factos a que supra aludimos, nem por isso a acção deixaria de ter prosseguido com os mesmos momentos processuais – ou seja, não veria a sua tramitação relevantemente simplificada.

Não é possível, no contexto dos autos, autonomizar quaisquer danos que o A. haja sofrido, não em consequência do processo (em bloco) com tudo o que nele se discutia, mas apenas imputáveis concreta litigância de má fé nos termos em que foi apurada.
Pelo que se entende não ser de condenar os RR. em qualquer indemnização a favor dos AA., mesmo em valor a quantificar posteriormente.
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V–Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação dos RR. e parcialmente procedente a apelação do A., mantendo a sentença recorrida excepto no que respeita à absolvição do pedido de condenação dos RR. por litigância de má fé, revogando essa absolvição e condenando os RR. por tal na multa de 5 UC’s.
Custas da apelação do A. por este e pelos RR. na proporção de 85% para 15% e custas da apelação dos RR. pelos RR.
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Lisboa, 27 de Abril de 2017
         
Maria José Mouro
TeresaAlbuquerque                                                                              Jorge Vilaça


[1]«Código de Processo Civil Anotado», Coimbra Editora, vol. IV, pag. 15.
[2]Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, «Manual de Processo Civil”, “Coimbra Editora, 2ª edição, pags. 533-534.
[3]Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jtrcj.nsf/, processo 628/13.9TBGRD.C1.
[4]Em «Recursos no Novo Código de Processo Civil», Almedina, 2013, pag. 155.
[5]Alberto dos Reis, «Código de Processo Civil Anotado», Coimbra Editora, vol. V, pags. 56-57.
[6]Publicado no DR Iª Série A de 17-05-.......5 e no BMJ nº 445 pag. 67.
[7]Em «Teoria Geral do Direito Civil», Coimbra Editora, 1976, pags. 474-475.
[8]No «Código Civil Anotado», Coimbra Editora, 3ª edição, vol. I, pag. 263.
[9]Obra citada, pag. 432.
[10]Em «A Subsidiariedade da Obrigação de Restituir o Enriquecimento», Almedina, 2003, pags. 194 e seguintes.
[11]Esclarecendo anteriormente que «enriquecimento (em sentido patrimonial) é um saldo, uma diferença entre a situação real e a hipotética do beneficiário, na qual entram as vantagens auferidas pela deslocação e as desvantagens conexas, a utilização que o adquirente tenha feito da coisa, etc.».
[12]Em «Tratado de Direito Civil Português», Almedina, I, Parte Geral, tomo I, 2ª edição, pag. 658.
[13]Em «Direito das Obrigações», Almedina, 5ª edição, pag. 402.
[14]Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 01A809.
[15]Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 04A800.
[16]Ver Lebre de Freitas; Montalvão Machado e Rui Pinto, «Código de Processo Civil Anotado», Coimbra Editora, 2001, II vol. pag. 195.
[17]Ver, a propósito, o acórdão do STJ de 11-12-2003 ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/ processo nº 03B294.
[18]Em «Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “In Agendo”», Almedina, 2006, pag. 26.
[19]No «Código de Processo Civil Anotado», vol. II, Coimbra Editora, vol. II, 2001, pag. 200.