Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6994/15.4T8FNC-A.L1-1
Relator: RUI VOUGA
Descritores: PENHORA
ELEVADORES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Uma vez que os elevadores instalados num edifício devem considerar-se partes integrantes do mesmo, sem os quais o edifício não está completo, não são insusceptíveis de constituírem objecto duma penhora autónoma da penhora do próprio edifício no qual tais elevadores estejam instalados.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


... ... – ELEVADORES DA ..., LDA. - Exequente na execução para pagamento de quantia certa em que é Executado o Condomínio do EDIFÍCIO COMPLEXO HABITACIONAL DA ..., ……. C, na Rua da ……, ... -, inconformada com o Despacho (proferido em 14/04/2016) que ordenou o levantamento das penhoras de 4 placas de comando dos elevadores instalados nos Blocos C, B e A do edifício sito na Rua da …., ..., interpôs recurso do mesmo – admitido como de Apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo (artigos 853.º n.º 1, 638º, 644º n.º 1 a), 645.º n.º 2 e 647.º n.º 1, todos do CPC) -, tendo extraído das respectivas Alegações as seguintes conclusões:

A.-A Recorrente pretende ver revogado o Despacho de Fls. …, de 14.04.2016, que ordenou “o imediato levantamento das penhoras levadas a cabo em 18/02/2016, para que os elevadores do executado possam voltar ao seu funcionamento”.
B.-Analisado o despacho sub judice, não se vislumbram os fundamentos de direito que permitam justificar tal decisão, já que não é invocada nenhuma norma jurídica que legitime tal decisão, pelo que o mesmo é nulo, atento o disposto no artigo 613.º, n.º 3 do CPC, aliado ao disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) do CPC.
C.-Além do mais, o despacho vai para além daquilo que foi requerido pelo Executado, que se limitou a requerer a substituição da penhora, e não o levantamento, sem mais, da penhora dos componentes de elevador.
D.-A penhora de um componente do elevador – como in casu sucedeu com a penhora das placas de comando – não impossibilita que o prédio continue a servir a sua função.
E.-Em igual sentido – julgando admissível a penhora de componente de elevador – decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra em caso de gritante semelhança com o destes autos apelando, sobretudo, ao bom senso e à razoabilidade que qualquer decisão judicial deve sempre assegurar (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02.11.2004, Proc. 2469/04, disponível pra consulta em http://www.dgsi.pt).
F.-Por outro lado, nos termos do Decreto-Lei n.º 320/2002, de 28 de Dezembro – que estabelece as disposições aplicáveis à manutenção e inspecção de elevadores – o proprietário de uma instalação em serviço é obrigado a celebrar um contrato de manutenção com uma EMA (empresa de manutenção de ascensores), cfr. artigo 4.º, n.º 1.
G.-A manutenção dos elevadores corresponde a serviço remunerado prestado por empresas da especialidade e a sua falta leva à selagem dos elevadores.
H.-A existência de elevadores em funcionamento não é um direito absoluto de um qualquer condomínio, já que o pagamento dos serviços de manutenção e inspecção cabe-lhe a si (cfr. artigos 3.º, 5.º, ponto 2.1 do Anexo V do Decreto-Lei n.º 320/2002, de 28 de Dezembro).
I.-Fica a ideia, pois, de que o Executado entende que tem apenas o direito de ter os elevadores a funcionar, esquecendo-se que esse direito decorre de uma obrigação cujo cumprimento a ele lhe compete: o pagamento dos serviços de manutenção.
J.-No mesmo sentido aqui apresentado pela Exequente, a 2ª Secção de Execução - J2 do Tribunal da Comarca da Maia defendeu através da sentença proferida em 06.05.2015 no âmbito do Proc. n.º 2770/14.0T8MAI-A que: “Ainda que concordemos que, após a sua integração no imóvel, os elevadores perdem a sua natureza originária de bens móveis, a questão que aqui se coloca é de cariz diverso, isto é, o que importa decidir é se a penhora da placa de comando de dois dos elevadores do prédio, afectando irremediavelmente a possibilidade de funcionamento dos mesmos, é legalmente inadmissível ou atentatória da boa-fé”.
K.-De igual modo, a 3.ª Secção de Execução – J1, da Instância Central de Oliveira de Azeméis, Comarca de Aveiro, Proc. n.º 295/15.5t8OAZ-A entendeu que: “Quanto à alegação de que o elevador é indispensável a que um prédio em altura cumpra a sua função, importa esclarecer que, nos termos legais, é também essencial que o proprietário de uma instalação de elevador celebre contrato de manutenção com uma EMA (empresa de manutenção de ascensores) - art. 4º, n.º 1 do DL n.º 320/2002 de 28/12. De todo o modo, não é um direito absoluto a existência de elevadores em funcionamento, porquanto, caso não sejam observadas as regras de segurança, deve ter lugar a respectiva imobilização e selagem dos mesmos (cfr. arts. 3º, n.º 5, 9º, n.º 2, 11º e 13º, n.º 3 do DL n.º 320/2002 de 28/12). Caso em que os elevadores ficarão inactivos e sem funcionamento, não obstante a existência de fracções nos correspondentes prédios.” (negrito e sublinhado nossos).

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, com as legais consequências, procedendo-se à revogação da decisão recorrida, substituindo-a por outra que declare a validade da penhora realizada.

O Condomínio Executado/Apelado contra-alegou, pugnando pelo não provimento da Apelação da Exequente e formulando as seguintes Conclusões:

«I–O despacho é válido e não padece de qualquer vício susceptível de a ferir de nulidade.
II–Não existe qualquer ilegalidade, porquanto o douto despacho cumpre na íntegra os requisitos dos exigidos por lei.
III–O Tribunal a quo considerou que assiste razão ao ora recorrido, nos seguintes termos.
IV–Mediante o douto despacho, foi determinado o levantamento imediato das penhoras levadas a cabo em 18/05/2016.
V–O tribunal a quo determinou que: “A penhora levada a cabo, traduzida na inoperacionalidade dos elevadores, apesar de estar especiosamente identificada como mera penhora de componentes, não pode ser cindida da penhora da coisa imóvel (prédio) na sua globalidade, devendo, por isso, ser rejeitada.”, sendo que,
VI–Os elevadores “(…) são absolutamente indispensáveis e essenciais para que o edifício satisfaça os fins para os quais foi construído”, pelo que limitar o acesso aos mesmos, “(…) contende irremediavelmente com direitos constitucionais basilares”.
(negrito e sublinhado nossos)
VII–Concluindo, no sentido do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/05/2013 que, “Sendo que os elevadores componentes da essencialidade do imóvel, não é possível a respectiva execução mobiliaria da penhora, separada do imóvel que integram”.
VIII–Neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto do 14-05-2013, processo n.º 1220/11.8TBGDM-B.P1: “(…) ‘Ora, parece-nos muito claro que a existência de elevadores, como forma de comunicação vertical entre todos os pisos de acesso aos fogos, nas edificações de grande altura e de numerosos andares, é indispensável em termos reais e fácticos (e não em sentido jurídico), para que o edifício desenvolvido em altura possa satisfazer os fins ou usos a que é destinado e que a sua necessidade não pode de modo algum ser suprida pela existência de escadas entre os mesmos pisos.’
IX–O referido Ac. Tribunal da Relação do Porto, acresce que “o elevador é tão elemento do prédio urbano quanto o vidro de uma janela ou o degrau de uma escada” – sem elevador, o prédio não estaria completo e adequado para o seu fim. (negrito e sublinhado nosso)
X–Desta forma, deve ser rejeitada a penhora de elevadores de um edifício para habitação, em propriedade horizontal, por se tratarem de partes componentes do mesmo, e cuja penhora é inseparável da penhora da coisa imóvel na sua globalidade.
XI–Assim, sendo os elevadores componentes da essencialidade do imóvel, não é possível a respectiva execução mobiliária ou penhora, separada do imóvel que integram.
XII–Pelo que, a vedação ao acesso aos elevadores, causaria um grande transtorno aos moradores, sobretudo os idosos com mobilidade reduzida; o que,
XIII–Colide com os direitos humanos fundamentais e sociais, tais como a dignidade humana e o direito à habitação;
XIV–O que se traduz na impossibilidade de penhora dos bens, nomeadamente das placas de comando dos elevadores do ora recorrente, nos termos do artigo 736.º do CPC.
XV–Por último, ressalva-se que o tribunal a quo, optou pelo levantamento da penhora, tendo conhecido oficiosamente da questão impenhorabilidade, nos termos supra expostos.
XVI–Ora, não se verificando, como se não verifica, em ponto algum da decisão recorrida que, o Tribunal a quo tenha omitido a pronúncia sobre elementos de facto ou de direito;
XVII–É forçoso concluir que, o douto despacho não está afetado de nenhum vício de ilegalidade.
XVIII–Pelo que o despacho a proferir não poderia ser outro, senão a que foi proferido.
XIX–Face ao exposto, deve o presente recurso improceder e em consequência ser mantido o despacho proferido que ordenou o levantamento da penhora.»

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

O OBJECTO DO RECURSO.

Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C. de 2013) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].

Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635º, nº 3, do C.P.C. de 2013), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.

Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, nº 3, do C.P.C. de 2013) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608º, nº 2, do C.P.C. de 2013, ex vi do art. 663º, nº 2, do mesmo diploma).

No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela Exequente ora Apelante que o objecto da presente Apelação está circunscrito às três seguintes questões:

a)-Se o Despacho recorrido enferma da nulidade prevista na al. b) do nº 1 do Art. 615º do Cód. Proc. Civil (ausência de especificação dos fundamentos de direito que permitam justificar tal decisão), visto não invocar nenhuma norma jurídica que legitime tal decisão;
b)-Se o Despacho recorrido padece igualmente da nulidade prevista na al. e) do nº 1 do mesmo Art. 615º, visto que, ao ordenar o levantamento da penhora realizada sobre as placas de comando dos elevadores, foi para além daquilo que fora requerido pela Executada (que se limitara a requerer a substituição da penhora, e não o levantamento, sem mais, da penhora dos componentes de elevador);
c)-Se a penhora de um componente do elevador – como in casu sucedeu com a penhora das placas de comando – é legalmente admissível, já que não impossibilita que o prédio continue a servir a sua função, estando mesmo legalmente previsto que, em caso de não observância das regras de segurança, deva ter lugar a respectiva imobilização e selagem dos mesmos (cfr. arts. 3º, n.º 5, 9º, n.º 2, 11º e 13º, n.º 3. do DL n.º 320/2002, de 28/XII) - caso em que os elevadores ficarão inactivos e sem funcionamento, não obstante a existência de fracções nos correspondentes prédios.

MATÉRIA DE FACTO.

Mostram-se provados os seguintes factos, com relevância para o julgamento do mérito do presente recurso:

1.-Na execução para pagamento de quantia certa que a ora Apelante ... ... – ELEVADORES DA ..., LDA. move contra o Condomínio do EDIFÍCIO COMPLEXO HABITACIONAL DA ..., E3, nº 9 – Bloco A, nº 7, Bloco B, nº 5 e Bloco C, na Rua da ..., ..., foram penhorados, pelo Agente  de Execução, em 18/02/2016, os seguintes bens:
-1 placa de comando (autómato) do elevador nº 2 instalado no Bloco C do edifício constituído em propriedade horizontal sito na Rua da ..., ...;
-1 placa de comando (autómato) do elevador nº 2 instalado no Bloco B do edifício constituído em propriedade horizontal sito na Rua da ..., ...;
-2 placas de comando (autómato) dos elevadores nºs 1 e 2 instalados no Bloco A do edifício constituído em propriedade horizontal sito na Rua da ..., ...;

2.-Por Requerimento apresentado em juízo em 3/03/2016, o Condomínio Executado requereu a substituição da penhora das 3 placas dos elevadores pelos créditos de que se arrogou ser titular sobre os condóminos identificados em tal requerimento, invocando para tanto o facto de os bens penhorados constituírem peças dos elevadores dos edifícios, cuja retirada dos mesmos provocou a paralisação por completo dos elevadores, impossibilitando a sua utilização, sendo certo que a existência no edifício de pessoas idosas e crianças de berço dificultaria a mobilidade dos seus habitantes pelas escadas;

3.-Por Requerimento entrado em juízo em 17/03/2016, a Exequente ora Apelante opôs-se à pretendida substituição da penhora;

4.-Por Despacho proferido em 14/04/2016, o Tribunal determinou o levantamento imediato das penhoras levadas a cabo em 18/02/2016, para que os elevadores do Condomínio Executado pudessem voltar ao seu normal funcionamento.


O  MÉRITO  DA  APELAÇÃO.

1)-A questão da pretensa nulidade do Despacho recorrido, por alegada falta de especificação dos fundamentos de direito que justifiquem a decisão (al. b) do nº 1 do art. 615º do C.P.C.), evidenciada no facto de tal Despacho não invocar uma única norma jurídica que legitime o levantamento das penhoras realizadas.
A Exequente/Apelante sustenta, antes de mais, que o Despacho ora sob censura enferma da nulidade prevista na al. b) do nº 1 do Art. 615º do Cód. Proc. Civil (ausência de especificação dos fundamentos de direito que permitam justificar tal decisão), visto não invocar nenhuma norma jurídica que legitime tal decisão.

Quid juris ?

Como se sabe, «a lei não traça um conceito de nulidade de sentença, bastando-se com a enumeração taxativa de várias hipóteses de desconformidade com a ordem jurídica que, uma vez constatadas na elaboração da sentença, arrastam à sua nulidade»[5]. Esse elenco taxativo das causas de nulidade da sentença consta das alíneas a) a e) do nº 1 do art. 615º do actual CPC de 2013 (disposição correspondente, com pequenas alterações, ao nº 1 do art. 668º do C.P.C. de 1961).

A al. b) deste normativo comina a sentença de nulaquando [ela] não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

As decisões judiciais (sejam elas sentenças ou simples despachos) carecem de ser fundamentadas: assim o impõem, desde logo, o art. 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa e, ao nível da lei adjectiva ordinária, o art. 154º, nº 1, do actual CPC (que, ao incluir no universo das decisões carecidas de fundamentação todas as que sejam «proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo», apenas exclui do dever de fundamentação as decisões de mero expediente).

Por outro lado, essa fundamentação, salvo tratando-se de despachos interlocutórios em que a contraparte não haja apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade, «não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição” – cfr. o nº 2 do mesmo art. 154º. O que, todavia, não significa que a fundamentação não pode ser integrada, além do mais, por remissões para os fundamentos invocados pelas partes.

De qualquer modo, segundo uma orientação doutrinal e jurisprudencial há muito sedimentada, «para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito» [6] [7] [8] .

Por isso, «a motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade, afectando somente o valor doutrinal da sentença e sujeitando-a consequentemente ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso»[9]. Assim, “a nulidade da sentença por falta de fundamentação não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final”[10].

Ao nível da fundamentação jurídica, sempre se entendeu que:O facto de no acórdão recorrido se não indicarem as disposições legais que fundamentam a decisão não implica nulidade, embora seja essencial que se mencionem os princípios, as regras, as normas em que a decisão se apoia[11].

Ora, no caso dos autos, o Despacho recorrido – independentemente do acerto ou desacerto da solução perfilhada (algo que apenas contende com o mérito intrínseco da decisão) – não deixou de explicitar a fundamentação subjacente ao seu entendimento quanto à impenhorabilidade dos elevadores instalados num edifício:

«As partes integrantes dos imóveis (cfr. artigo 204° n°.s 1 al. e) e 3 do Código Civil) contrapõem-se às partes componentes, coisas que fazem parte da estrutura dos prédios e sem as quais os mesmos não estão completos.
Os elevadores, enquanto meio de comunicação vertical entre todos os pisos de um prédio, são absolutamente indispensáveis e essenciais para que o edifício satisfaça os fins para os quais foi construído.
Acresce que limitar o acesso aos elevadores poderá inclusivamente significar a limitação de pessoas com problemas de locomoção de aceder às suas casas, situação que contende irremediavelmente com direitos constitucionais basilares.
A penhora levada a cabo, traduzida na inoperacionalidade dos elevadores, apesar de estar especiosamente identificada como mera penhora de componentes, não pode ser cindida da penhora da coisa imóvel (prédio) na sua globalidade, devendo, por isso, ser rejeitada.
Concluímos, fazendo nossas as palavras do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/05/2013 (in www.dgsi.pt): “Sendo os elevadores componentes da essencialidade do imóvel, não é possível a respectiva execução mobiliária ou penhora, separada do imóvel que integram”.»

Por muito que a ora Apelante discorde da tese perfilhada pelo tribunal “a quo” quanto à impenhorabilidade intrínseca dos elevadores instalados nos prédios urbanos, o que, todavia, ela nunca poderá, honestamente, dizer é que não consegue sequer alcançar qual o raciocínio utilizado pelo Tribunal a quo para concluir pela insusceptibilidade de penhora dos elevadores instalados num edifício.

Independentemente do acerto ou desacerto do entendimento adoptado pelo tribunal “a quo”, o levantamento da penhora realizada nos autos sobre as placas de comando dos elevadores instalados no Edifício propriedade do Condomínio ora Executado surge como o corolário lógico da sua qualificação como partes integrantes do imóvel em questão (art. 204º, nº 1, al. e) e nº 3, do Código Civil), que fazem parte da estrutura dos prédios e sem as quais os mesmos não estão completos.

Assim, não se verifica, in casu, a nulidade prevista no art. 615.°, n.° 1, al. b) do actual CPC, improcedendo, consequentemente, o recurso, quanto a esta 1ª questão.

2)-A questão da putativa nulidade do Despacho recorrido, por o mesmo, ao ordenar o levantamento puro e simples da penhora, em lugar de se limitar a autorizar a pretendida substituição da penhora das placas dos elevadores pela penhora dos créditos do Condomínio executado sobre os seus Condóminos – como fora requerido pelo Executado – ter, alegadamente, ultrapassado o pedido (al. e) do nº 1 do Art. 615º do CPC)

Embora não invocando expressamente a nulidade prevista na al. e) do nº 1 do art. 615º do C.P.C., a Exequente/Apelante sustenta que o Despacho recorrido, ao ordenar o levantamento da penhora realizada sobre as placas de comando dos elevadores, foi para além daquilo que fora requerido pela Executada (que se limitara a requerer a substituição da penhora, e não o levantamento, sem mais, da penhora dos componentes de elevador).

Quid juris ?

Desde o momento que considerou serem os elevadores instalados num edifício partes integrantes do mesmo, sem os quais o edifício não está completo, e, nessa medida, insusceptíveis de ser objecto duma penhora autónoma da penhora do próprio edifício no qual tais elevadores estejam instalados (art. 204º, nº 1, al. e), do Cód. Civil), óbvio é que o tribunal “a quo” conheceu oficiosamente da ilegalidade da penhora oportunamente realizada nos autos. Nessa medida, sendo inquestionável que o tribunal pode e deve conhecer oficiosamente da questão da legalidade/ilegalidade da penhora, o facto de a Executada apenas ter solicitado a substituição dos bens penhorados por outros não constituía óbice ao decretamento do levantamento da penhora anteriormente executada, com fundamento na impenhorabilidade dos bens objecto dessa penhora.
A esta luz, o Despacho recorrido não enferma da nulidade prevista na cit. al. e) do nº 1 do art. 615º, improcedendo o recurso quanto a esta questão.

3)-A penhora de um componente do elevador – como in casu sucedeu com a penhora das placas de comando – é legalmente admissível, já que não impossibilita que o prédio continue a servir a sua função, estando mesmo legalmente previsto que, em caso de não observância das regras de segurança, deva ter lugar a respectiva imobilização e selagem dos mesmos (cfr. arts. 3º, n.º 5, 9º, n.º 2, 11º e 13º, n.º 3. do DL n.º 320/2002, de 28/XII) - caso em que os elevadores ficarão inactivos e sem funcionamento, não obstante a existência de fracções nos correspondentes prédios ?

O Despacho ora recorrido perfilhou a tese segundo a qual os elevadores, uma vez instalados nos prédios urbanos, não são passíveis de ser penhorados autonomamente, separadamente da penhora do próprio imóvel (na sua globalidade), por isso que constituem partes integrantes do imóvel no qual estão instalados (art. 204º, nº 1, al. e) e nº 3, do Cód. Civil), isto é, coisas que fazem parte da estrutura dos prédios e sem as quais os mesmos não estão completos, visto que, “enquanto meio de comunicação vertical entre todos os pisos de um prédio, são absolutamente indispensáveis e essenciais para que o edifício satisfaça os fins para os quais foi construído”.

Dissentindo deste entendimento, a Exequente/Apelante sustenta, ex adverso, que um componente dum elevador–por ex.,as respectivas placas de comando – é passível de ser penhorado enquanto tal, já que uma tal penhora não impossibilita que o prédio continue a servir a sua função, estando mesmo legalmente previsto que, em caso de não observância das regras de segurança, deva ter lugar a respectiva imobilização e selagem dos mesmos (cfr. arts. 3º, n.º 5, 9º, n.º 2, 11º e 13º, n.º 3. do DL n.º 320/2002, de 28/XII) - caso em que os elevadores ficarão inactivos e sem funcionamento, não obstante a existência de fracções nos correspondentes prédios.

Quid juris ?

A resolução desta questão não prescinde da averiguação da verdadeira natureza jurídica dos elevadores, depois de instalados/incorporados nos prédios urbanos que servem.

Nos anos 80/90 do século XX, a jurisprudência portuguesa debateu-se com este problema, a propósito da questão de saber se os elevadores, depois de instalados/incorporados nos prédios que servem, podem ser objecto de relações obrigacionais e, designadamente, se os contratos que têm por objecto a compra e venda e a montagem desses elevadores, mesmo depois da incorporação, podem manter a vigência da cláusula de “reserva de propriedade” neles estipulada.

A querela jurisprudencial suscitada a propósito de tal questão terminou com a prolação, pelo Supremo Tribunal de Justiça, do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 31/01/1996 (publicado in Diário da República nº 132/96 SÉRIE II, de 1996-06-07) - relatado pelo Conselheiro CARDONA FERREIRA -, no qual se fixou doutrina no sentido de que “a cláusula de reserva de propriedade convencionada em contrato de fornecimento e instalação de elevadores em prédios urbanos torna-se ineficaz logo que se concretize a respectiva instalação”.

Para alcançar esta doutrina o STJ louvou-se num argumentário coerente sobre a natureza móvel ou imóvel dos elevadores, dos seus materiais e componentes, após a respectiva instalação nos edifícios que servem, que é transponível, mutatis mutandis, para a resolução da questão de saber se um elevador incorporado num prédio urbano pode ou não ser objecto de penhora, separadamente da penhora do próprio imóvel (na sua globalidade).

Tais argumentos podem ser assim sintetizados:

-As coisas ("(...) tudo aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas" - artigo 202º, n. 1, do Código Civil; ou, no impressivo e belo português do Código de 1867, "coisa diz-se em direito tudo aquilo que carece de personalidade" - artigo 369º) são, juridicamente, de múltiplas naturezas, conforme a vertente que se analise e se reflicta, designadamente, no artigo 203º do Código Civil, a começar por imóveis e móveis;
-Em face do artigo 204º do mesmo Código, é evidente que os elevadores, em si próprios, originariamente, são coisas móveis;
-Aliás, o próprio elevador é, ele próprio, um conjunto de elementos que, antes de comporem ou integrarem o elevador, são, eles próprios, passíveis de negócios autónomos; mas, a partir do momento em que componham ou integrem o elevador, é este que existe juridicamente;
-Os próprios tijolos ou mesmo os quilos de cimento que vêm a compor um edifício começaram por ser coisas com autonomia;
-O mesmo acontece com os elevadores: originariamente, são coisas móveis e podem ser comprados e vendidos; isto é, em princípio, os elevadores podem ser objecto de vários tipos de negócios jurídicos;
-Porém, a partir do momento em que é colocado em prédio urbano, para servir os respectivos utentes, o elevador perde, seguramente, a sua individualidade;
-Desde logo, nas situações em que a própria lei (artigo 50º do RGEU) impõe a existência de elevador – o ocorre nos edifícios com mais de três pisos -  o elevador é tão elemento do prédio urbano quanto o vidro de uma janela ou o degrau de uma escada; o que vale por dizer que é parte componente do imóvel, por isso que, sem elevador, o prédio urbano não estaria completo ou adequado para o seu próprio fim;
-E, em todas as outras situações, o elevador, após a sua colocação, é parte integrante do imóvel onde está instalado, nos termos do artigo 204º, n. 1, alínea e), do Código Civil, o que significa que, a partir da sua instalação, naturalmente para funcionamento, em prédio urbano, o elevador perde a sua natureza original a passa a fazer parte das coisas imóveis;
-A ligação de um elevador a um prédio urbano é, finalisticamente, de carácter fixo e permanente, desde as suas máquinas aos cabos, às roldanas, às cabinas, etc.: veja-se o absurdo que seria ter-se o vão do elevador e não se ter o elevador;
-Nesta linha de pensamento, os elevadores presumem-se partes comuns dos condomínios, tal como os pátios e jardins ou casa de porteiro ou garagens, ou como tudo o mais não afectado ao uso exclusivo de um condómino: artigo 1421º, nº. 2, do Código Civil;
-Em conclusão: os elevadores, componentes ou integrados num imóvel urbano, por causa deste e para complemento deste, tornam-se tão do proprietário do imóvel de que fazem parte como quaisquer outros elementos que sejam componentes ou integrantes do imóvel, haja a responsabilidade que houver de alguém perante o fornecedor do elevador.

Assente, pois, que os elevadores, não obstante serem, originariamente, coisas móveis por natureza, uma vez instalados/incorporados nos prédios urbanos que servem, passam a ter a natureza jurídica de partes integrantes do imóvel no qual estão instalados/incorporados (art. 204º, nº 1, al. e), e nº 3, do Cód. Civil), por estarem, a partir de então, materialmente ligados ao prédio com carácter de permanência – o que não colide, obviamente, com a possibilidade de serem substituídos, como também ocorre com uma porta indispensável à existência de um prédio ou até com a canalização da água e do gás ou a conduta de electricidade, sem que por isso deixem de fazer parte integrante do prédio -, forçoso se torna concluir que eles não podem ser objecto duma penhora mobiliária autónoma, separadamente da penhora do imóvel do qual eles constituem parte integrante: cfr., explicitamente neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/05/2013 (Processo nº 1220/11.8TBGDM-B.P1; Relator – VIEIRA E CUNHA), acessível on-line in: www.dgsi.pt.
Idêntico regime é preconizado, na doutrina, por ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO (in Tratado de Direito Civil – Parte Geral, tomo II, pp. 136 e 137), fundando-se na interpretação do regime das coisas acessórias – artº 210º, nºs 1 e 2, Cód. Civil – bem como no princípio da tipicidade dos direitos reais – artº 1306º nº 1, do mesmo diploma, pelo qual não é permitido restringir ou tornar parcelar o direito que incide sobre as coisas, senão nos casos previstos na lei.

Consequentemente, não sendo juridicamente possível a penhora de elevadores de um edifício para habitação, constituído em propriedade horizontal, por se tratar de partes componentes do mesmo e cuja penhora é inseparável da penhora do imóvel na sua globalidade, nenhuma censura merece o Despacho ora recorrido que ordenou o levantamento da penhora efectuada em 18/02/2016 sobre 4 placas de comando dos elevadores instalados nos Blocos C, B e A do edifício sito na Rua da ..., ....
Eis por que a presente apelação improcede, in totum.

DECISÃO:
Acordam os juízes desta Relação em negar provimento à Apelação, confirmando integralmente o Despacho recorrido.
Custas da Apelação a cargo da Exequente/Apelante.



Lisboa, 07/02/2017



Rui Torres Vouga (relator)
Maria do Rosário Gonçalves (1º Adjunto)
José Augusto Ramos (2º Adjunto)



[1]Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2]Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3]O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4]A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
[5]FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA inManual dos Recursos em Processo Civil”, 4ª ed., Abril de 2003, pp. 46-47.
[6]Antunes Varela  inManual de Processo Civil”, 2.ª ed., 1985, pág. 687.
[7]Neste mesmo sentido, cfr. LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO inCódigo de Processo Civil Anotado”, vol. 2.°, 2001, pág. 669, e jurisprudência aí referida.
[8]Cfr., igualmente no sentido de que «a falta de motivação susceptível de integrar a nulidade de sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos quer estes respeitem aos factos quer ao direito», FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA (inManual…” cit., p. 48).
[9]FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA inManual…” cit., p. 48.
[10]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/12/2011 (Proc. nº 2/08.9TTLMG.P1S1; Relator – PEREIRA RODRIGUES), cujo texto integral está acessível on-line in:  www.dgsi.pt.
[11]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/01/1998 (Proc. nº 97B604; Relator – MÁRIO CANCELA), cujo texto integral está acessível on-line in:  www.dgsi.pt.