Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
51/15.0T8MFR.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR
DEVER DE DILIGENCIAR PELA APREENSÃO DOS BENS
AÇÕES A INTENTAR PELA MASSA INSOLVENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE / REVOGADA
Sumário: 4.1. - Após a sentença de declaração de insolvência, incumbe ao administrador respectivo o dever de diligenciar pela apreensão dos bens susceptíveis de integrar a massa insolvente e destinados à satisfação dos credores da insolvência e pagamento das dívidas da própria massa insolvente, devendo designadamente providenciar para que montantes [ v.g. decorrentes de penhoras de salários do executado/insolvente ] que se encontrem depositados em execuções passem a estar à sua ordem exclusiva , o que implica a interpelação de quem delas seja depositário, para esse efeito ( cfr. art. 150º, nº 4, al. a) e nº 6 do CIRE).

4.2. - Porém, já os montantes que resultem das penhoras indicadas em 4.1. e que, aquando da solicitada apreensão pelo administrador da insolvência, haviam já sido entregues - em sede de acção executiva e já depois da declaração de insolvência do executado - ao exequente em sede de pagamento da quantia exequenda, porque  ingressaram já na esfera jurídica do exequente, passando a pertencer-lhe, escapam já ao poder de apreensão do administrador da insolvência.

4.3. - Em face do referido em 4.2., improcede portanto a acção que a Massa Insolvente de devedor/executado intentou contra o exequente indicado em 4.2., reclamando - a fim de integrarem a massa insolvente - as quantias que lhe foram entregues/pagas no regular curso do processo executivo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA

1. - Relatório                                     

Massa Insolvente de A e de B, intentou acção declarativa de condenação com processo comum, contra C ( ….,S.A )., peticionando a sua condenação a restituir à autora a quantia de 21.829,92€, acrescida dos juros legais contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
1.1. - Para tanto, alegou a demandante, em síntese, que :
- A quantia peticionada à demandada corresponde ao montante que foi descontado - na sequência de penhora ordenada em acção executiva - no vencimento da insolvente B entre Novembro de 2010 e Maio de 2014 ;
- Ora, tendo a B sido declarada judicialmente insolvente por sentença de 08.11.2010, os descontos referidos e a respectiva apreensão - para a execução aludida - das correspondentes quantias não se justificavam, não sendo permitidos ;
- Logo, a demandada C, obrigada está - a título de enriquecimento sem causa - a pagar à demandante a quantia total supra referida.
1.2. - Citada a Ré, veio a mesma apresentar contestação, no âmbito da qual apresenta defesa por excepção [ invocando a incompetência territorial do Tribunal  ] e por impugnação motivada, pugnando a final pela improcedência do pedido [ aduzindo v.g. que não se locupletou à custa alheia, sendo que, em razão do disposto no artº 149º,nº2, do CIRE, vedado está à autora exigir a restituição de montantes que a primeira integrou já no seu património ].
1.3. - Proferida decisão que julgou improcedente a excepção da incompetência territorial do Tribunal, possibilitado o exercício do contraditório relativamente às demais e eventuais excepções substantivas pela Ré aduzidas, no pressuposto de que o estado do processo permitia, de imediato e sem necessidade de mais provas, conhecer do pedido deduzido, foi de seguida proferido SANEADOR-SENTENÇA, sendo  respectivo segmento decisório do seguinte teor :
“ (…)
VI - DISPOSITIVO:
Pelo exposto, julgo a presente totalmente procedente e, consequentemente, condeno a Ré a restituir à Autora o montante de 21.829,92€ ( vinte e um mil oitocentos e vinte e nove euros e noventa e dois cêntimos).
Custas da responsabilidade da R.. - cfr. artigo 527.°, n.° 1 e 2, do Cód. Proc. Civil.
Mafra, 19-02-2018
 1.4. - Inconformada com a sentença indicada em 1.3., da mesma apelou então a demandada C, apresentando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões  :
1 - Os recorrentes não se conformam com o decidido na douta sentença recorrida. E isto porque,
2 - O Tribunal a quo violou, como infra se demonstrará, o disposto no n° 2 do artigo 149° do C.I.R.E., por incorrecta e imprecisa aplicação daqueles normativos legais.
Vejamos,
3- Em 10.04.2007 foi penhorado, no âmbito do processo n°456/05.5TVBCDR um terço do vencimento mensal de B no montante de 571,916.
4 - Quantia que foi transferida com frequência mensal para uma conta da titularidade da ré.
5 - Por sentença proferida em 08.11.2010 e transitada em julgado em 03.01.2011, B foi declarada insolvente.
6 - A ré/recorrente só em 2 de Junho de 2014, através do seu mandatário e não pessoalmente, teve conhecimento em concreto, do estado de insolvência da B.
7 - Compulsada a matéria de facto dada como provada na douta sentença proferida conclui-se que a mesma é absolutamente omissa quanto ao momento em que a aqui ré teve conhecimento da situação de insolvência da referida Maria Helena.
8 - Como tal não se encontra demonstrado se a ré/recorrente teve ou não conhecimento da situação de insolvência da identificada B e/ou em que momento teve conhecimento desse estado de insolvência da executada.
9 - O desconhecimento da situação de insolvência dos autores foi a única razão pela qual a ré não reclamou anteriormente créditos ou interpôs acção ulterior para verificação do seu crédito.
10 - O pedido de restituição das quantias salariais desde Dezembro de 2010 até Maio de 2014 configura uma conduta em abuso de direito da Autora.
11 - Dispõe o art. 149° do C.I.R.E. que:
"1 - Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido:
a) Arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social;
b) Objecto de cessão aos credores, nos termos dos artigos 831. ° e seguintes do Código Civil.
2 - Se os bens já tiverem sido vendidos, a apreensão tem por objecto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido ".
12 - Prescreve, ademais, o art° 36 alínea g) do C.I.R.E. que: " Na sentença que declarar a insolvência o juiz: (...)
g) Decreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade do devedor e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos e sem prejuízo do disposto no n.° 1 do artigo 150.° "
13 - Por fim, tal art. 150° do CIRE dispõe que o poder de apreensão resulta da declaração de insolvência, devendo o A.I. diligenciar no sentido de lhe serem entregues os bens a apreender.
14 - Dos normativos preditos retira-se o princípio material de que pelo cumprimento das obrigações do devedor responde o seu património (art. 601° do Código Civil), permitindo que, em sede de insolvência - a tal execução universal - seja liquidado todo o património do devedor com vista ao desejável pagamento a todos os credores, pela ordem que lhes couber, de acordo com a natureza do seu crédito.
Sucede que,
15 - In casu o processo de execução em curso em que a aqui Ré figurava como Exequente e a Insolvente como Executada remonta ao ano de 2007 - ponto 2 da matéria de facto provada.
16 - No seio do mesmo vinha tendo lugar a penhora de vencimento da Executada, que vinha ingressando no património da aqui Ré, directamente na conta da sua titularidade no banco BPI SA, número 0010 0000 ……. .
17 - Outrossim, in casu, a quantia em dinheiro produto da penhora já fora entregue à Exequente e por isso, tinha já entrado na sua esfera jurídica, tendo ocorrido verdadeira transmissão do montante depositado para o património desta.
18 - Prescreve tal normativo que se os bens ( a apreender a favor da massa insolvente) já tiverem sido vendidos, a apreensão tem por objecto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido.
19 - E, no caso em apreço temos justamente uma situação em que o produto da penhora já foi pago ao credor, no caso, a Exequente, aqui Ré.
20 - E como foi pago, deixando de se encontrar na disponibilidade do A.E, não se poderá determinar a devolução desse pagamento.
21 - Considerando que as quantias penhoradas ingressaram no património da ré/recorrente e que esta não teve conhecimento da situação de insolvência por motivo que não lhe poderá ser imputado, assim se presumindo a sua boa fé, ao que cremos, o caso vertente deverá inserir-se, pela analogia de situações, na previsão legal da excepção contemplada no n° 2 do art. 149° do CIRE.
22 - Tendo a Exequente, ao abrigo de faculdade legal que lhe cabia, solicitado nos autos executivos ao longo dos anos a entrega de quantias penhoradas à ordem do processo e tendo visto tal pretensão deferida com as preditas entregas, na sua conta a mesma integrou tais quantias na sua esfera jurídica até Maio de 2014, ou seja, antes da interpelação processual do AI nos autos de insolvência - documento numero 3 junto à p.i - é inexigível, neste circunstancialismo, a sua devolução a favor da massa da insolvência.
NESTES TERMOS,
E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ A DOUTA SENTENÇA SER REVOGADA SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE:
JULGUE TOTALMENTE IMPROCEDENTE A ACÇÃO ABSOLVENDO A RÉ DO PEDIDO COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
1.5. - A recorrida Massa Insolvente de A e de B, e relativamente à apelação indicada em 1.4., não veio apresentar contra-alegações.
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Thema decidendum
1.6 - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa e/ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a decidir é apenas a seguinte :
I - Aferir se a decisão recorrida merece ser revogada , pois que padece a mesma de error in judicando, quer porque :
a) Carece de fundamento legal, estando em causa uma quantia que ingressou já no património da ré/recorrente, aplicando-se por analogia a previsão legal da excepção contemplada no n° 2 do art. 149° do CIRE.
b) O pedido de restituição das quantias salariais desde Dezembro de 2010 até Maio de 2014 configura uma conduta em abuso de direito.
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2.- Motivação de Facto
No âmbito do saneador/sentença apelado, fixou o tribunal a quo a seguinte factualidade :
A) PROVADA
2.1. - No processo n.° 92/10.4TBCDR, que corre termos no Juízo de Comércio de Sintra desta Comarca, foi B declarada insolvente por sentença proferida a 08.11.2010 e transitada em julgado a 03.01.2011;
2.2.- No processo de execução comum n.° 456/05.5TBCDR, originariamente instaurado e tramitado no Tribunal Judicial da Comarca de Castro Daire e que actualmente constitui apenso "A" ao processo identificado em L, foi penhorado a 10.04.2007, um terço do vencimento mensal auferido por B, no montante de € 571,91;
2.3. - Da data referida em 2.2 em diante, foi sendo mensalmente depositado em conta de depósitos da titularidade da Ré a quantia mensal aí também melhor identificada ;
2.4. - O que aconteceu desde Dezembro de 2010 até Maio de 2014, no valor global de €21.829,92.
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3. -  Motivação de Direito
3.1. - Se a decisão recorrida merece ser revogada , pois que padece a mesma de error in judicando
Recorda-se que, na presente acção, veio a demandante Massa Insolvente de A e de B, impetrar que a demandada Manilharte, S.A., lhe pagasse a quantia que integrou no seu património e que corresponde aos descontos  - na sequência de penhora ordenada em acção executiva - efectuados no vencimento da insolvente B entre Novembro de 2010 e Maio de 2014, ou seja , em período situado já após ter sido a referida executada declarada judicialmente insolvente a 08.11.2010.
A justificar a sentenciada procedência da acção, recorda-se também, alinhou o tribunal a quo, em sede de sentença, e no essencial, os seguintes considerandos :
“(…)
Nos termos do artigo 88.° do CIRE, a declaração judicial de insolvência determina a imediata suspensão de quaisquer diligências que tenham por objecto bens integrantes da massa insolvente, nomeada e principalmente penhoras e afins, que retirem à universalidade dos credores do insolvente a possibilidade de serem efectivamente ressarcidos ao abrigo do regime previsto no diploma em análise, ou seja, de acordo com o princípio par conditio creditor um.
A circunstância de não se verificar a suspensão acima referida tem como consequência a nulidade dos actos que tenham sido praticados após a decretação da insolvência, o que deve ser oficiosamente declarado logo que a situação seja conhecida .
Ora, considerando o acima referido e ainda o que dispõem os artigos 294.°, ex vi artigo 295.°, 286.° e 289.°, todos do Cód. Civil , naturalmente não pode deixar de proceder a presente acção e considerar nulas e de nenhum efeito as entregas realizadas no âmbito da penhora decretada na acção executiva melhor identificada na decisão de facto, após o decretamento da insolvência de B, a saber, desde Novembro de 2010 e até Maio de 2014 ; tanto mais que, contrariamente ao pugnado pela R., não há qualquer potencialidade de aplicação analógica do disposto no n.° 2 do artigo 149.° do CIRE na medida em que claramente por este se visa atingir actos de alienação anteriores à declaração de insolvência , numa manifesta retroacção dos efeitos desta a momento em que ainda não havia sido proferida, sendo que nem sequer a entrega de pecúlio penhorado se pode reconduzir à noção de alienação, nem a manutenção de uma penhora sobre créditos que, como as retribuições laborais, só nascem após a declaração de insolvência, por se constituírem como créditos periódicos, é equivalente à situação prevenida no preceito em referência, tanto mais que de semelhante interpretação derivaria o esvaziamento de âmbito de aplicação do regime previsto no artigo 88.° do CIRE.
Conhecidas as razões expressas da decisão/sentença recorrida, importa também atentar que, e necessariamente/forçosamente, assenta também a mesma - implicitamente - no pressuposto [ o qual consubstancia verdadeira vexata quaestio ] de que da massa insolvente pode e deve fazer parte o vencimento auferido pelo insolvente, o qual é parcialmente penhorável ( em princípio na fracção de 1/3 ), nada obstando à sua apreensão em benefício da massa insolvente e no processo respectivo.
Impondo-se de seguida “mergulhar” no objecto da apelação, reconhece e aceita a apelante que, em face do disposto no artº 88º, nº1, do C.I.R.E. [ A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência “ ], inquestionável é que após a declaração de insolvência de B, não poderia a execução identificada em 2.2. ter continuado a prosseguir os seus termos ( antes deveria ter sido sustada ), não se justificando doravante a continuação da efectivação dos descontos sobre o vencimento da Executada na sequência do acto de penhora que havia tido lugar anteriormente.
E, ao ter a execução identificada em 2.2. continuado a prosseguir os seus termos, admite/aceita também - pelo menos implicitamente - a apelante que, a ratio do processo de insolvência [ que “ é a de fazer com que todos os credores do mesmo devedor exerçam os seus direitos no âmbito de um único processo e o façam em condições de igualdade ( par conditio creditorum ), não tendo nenhum credor quaisquer outros privilégios ou garantias que não aqueles que sejam reconhecidos pelo Direito da Insolvência, e nos precisos termos em que este os reconhece” (1) ] , como que foi in casufintada”.
Na verdade, tem o aludido  princípio -  par conditio creditorum - , como avisa Catarina Serra (2), precisamente por desiderato “ impedir que algum credor possa obter, por via distinta do processo de insolvência, uma satisfação mais rápida ou mais completa, em prejuízo dos restantes credores.”.
Dito de uma outra forma (3) “ os processos de natureza falimentar têm uma vocação universalista, no sentido de induzirem a intervenção de todos os interessados [ entre os quais ocupam um lugar cimeiro os credores ], quer para se discutir e aprovar uma qualquer medida de recuperação de empresa, quer para se apreciarem os fundamentos de que depende a declaração da falência e o consequente apuramento do passivo e liquidação do activo “.
Porém, in casu, e ao arrepio do disposto no artº 90º do CIRE [ o qual reza que  “Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência ], certo é que continuou a apelada/credora da insolvente a beneficiar do prosseguimento dos termos da “sua” execução [ que havia intentado há mais de 3 anos contra a executada B, apenas declarada insolvente por sentença proferida a 08.11.2010 ], no âmbito da mesma continuando a obter o pagamento do seu crédito através da entrega de dinheiro por transferência bancária ( cfr. artº 798º, do CPC ), e permanecendo e prosseguindo [ contra legem ] sempre a referida execução totalmente à margem do processo de insolvência.
A questão que agora se coloca, e a qual de resto integra o thema decidendum da apelação, é a de saber se, os montantes à apelada/exequentepagos [ ou seja, não permanecem os mesmos ainda apreendidos/depositados à ordem da execução/agente de execução, aguardando a respectiva entrega à exequente ] no âmbito da execução indevidamente não sustada após a declaração de insolvência da executada, podem/devem agora ser reclamados pela massa insolvente da executada e exigidos à demandada/exequente, a ponto de passarem a integrar a referida massa insolvente [ nos termos do artº 46º, do CIRE, e cujo nº1, reza que “ A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e , salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo] .
Ora, antes de mais, importa precisar que, em tese, nada obstava a que [ perfilhando nós o entendimento maioritário que vem sendo seguido na jurisprudência, no sentido de que a parte penhorável de um vencimento de devedor/insolvente, ou seja, 1/3, é susceptível de integrar a respectiva massa insolvente, apenas abrangendo o nº2, do artº 46º, do CIRE os bens absolutamente impenhoráveis ] no âmbito do processo de insolvência identificado em 2.1., tivesse sido [ de forma a integrar a massa insolvente , nos termos do nº1, do artº 46º, do CIRE ] apreendida a parte penhorável do vencimento da devedora/insolvente B. (4)
É que, a perfilhar o entendimento contrário [ no sentido de que o vencimento/salário do insolvente, após a declaração judicial da sua insolvência , não pode ser objecto de apreensão em beneficio da massa insolvente ,  e que vem sendo seguido em diversas decisões da 2ª instância (5) ], é óbvio que a presente acção estava ab initio votada ao fracasso, pois que, existindo descontos efectuados no vencimento mensal da executada após a sua declaração como insolvente, os respectivos montantes não podiam de todo integrar a massa insolvente, antes pertencem à própria insolvente, apenas assistindo a esta o direito à sua reclamação/restituição (6).
Porém, ultrapassada a referida questão, nada obstando portanto a que tivesse in casu o administrador da insolvência agido no âmbito das suas funções de forma a efectivar a apreensão - para a massa insolvente - do vencimento/salário da insolvente [ diligenciando em conformidade com o disposto nos artºs 149º, nº1 e 150º,  ambos do CIRE, dirigindo ao processo de execução comum n.° 456/05.5TB e/ou à entidade pagadora , pedido/notificando para que os descontos passassem a ser efectuados à ordem da acção n.° 92/10.4TBCDR ] , a verdade é que tal não sucedeu.
 Ao invés, aponta de resto a documentação junta aos autos para que, sendo perfeitamente conhecedor da penhora que vinha sendo efectivada no processo de execução comum n.° 456/05.5TB [ como resulta expressamente do teor do Relatório a que alude o artº 155º, do CIRE, que elaborou em 13/1/2011 e que juntou aos autos de insolvência - a FLS. 164 a 176 dos presentes autos  ], considerou - pelo menos implicitamente - não se justificar a apreensão do montante em causa para a massa insolvente, aduzindo que no “ que tange a bens eventualmente susceptíveis de apreensão, apenas existe o recheio da casa de habitação, com excepção do equipamento de cozinha que faz pate a fracção arrendada “.
Aqui chegados, resta de seguida aferir se, em razão do disposto no artº 149º, nº2, do CIRE, não assiste de todo, agora, à Massa Insolvente de B o direito de exigir da exequente a restituição dos montantes que lhe foram entregues no âmbito da execução que vinha correndo termos e que não foi sustada.
Ora, o aludido dispositivo legal do CIRE, reza que :
                                   Apreensão dos bens
1 - Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido:
a) Arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social;
b) Objecto de cessão aos credores, nos termos dos artigos 831.º e seguintes do Código Civil.
2 - Se os bens já tiverem sido vendidos, a apreensão tem por objecto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido”.
O pagamento a que se reporta o nº 2 do art.º 149º acabado de transcrever, como bem se nota em Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra (7), “ quando reportado à acção executiva, é aquele que é efectuado por força dos bens ou direitos apreendidos na execução e que satisfaz ( total ou parcialmente ), o crédito exequendo, podendo ser feito pela entrega de dinheiro, pela adjudicação dos bens penhorados, pela consignação dos seus rendimentos ou pelo produto da respectiva venda” .
Estando em causa a penhora de vencimentos ou salários, recorda-se que , quer no âmbito do pretérito CPC [ artº 861º,nº2, do CPC ], quer do actualmente vigente [ artº 779º,nºs 3 e 4, do CPC , aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/6 ],  uma vez findo o prazo de oposição à execução e caso não tenha a mesma sido deduzida, ou julgada a oposição improcedente, o agente de execução entrega [ na sequência de solicitação do exequente e no âmbito do pretérito CPC ] ao exequente as quantias depositadas que não garantam crédito reclamado, e ,  agora apenas nos termos das alíneas b), dos nºs 3 e 4, do artº 779º, do actual CPC, adjudica as quantias vincendas, notificando a entidade pagadora para as entregar directamente ao exequente.
Por sua vez, quer no âmbito do pretérito CPC [ em face do que dispõem os seus artºs 872º e 874º, nºs 1 e 2, ambos do CPC ] , quer do actualmente vigente [ em face do que dispõem os seus artºs 795º,nº 1 , e 798º,nºs 1 e 2 do CPC , aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/6 ], pacífico é que qualquer uma das supra indicadas entregas de dinheiro consubstanciam já actos efectivos de pagamento que têm lugar na execução [ sendo cada uma das epígrafes dos referidos artºs 874º e 798º assertivas em dizer “ Pagamento por entrega em dinheiro” ].
Consubstanciando portanto e em rigor, todos os depósitos [ recorda-se que os nºs 2, dos artºs 874º do pretérito CPC e 798º do actualmente em vigor, rezam que “Constitui entrega de dinheiro o pagamento por cheque ou transferência bancária ]  indicados nos itens 2.3. e 2.4. da motivação de facto, actos de pagamento, prima facie tudo aponta para que em relação aos mesmos seja outrossim aplicado o artº 149º,nº2, do CIRE, e isto porque, com a concretização dos aludidos actos de pagamento, todos os respectivos montantes  ingressaram de imediato na esfera jurídica do exequente, passando a pertencer-lhe.
É verdade que, não se olvida, que, todos os actos de pagamento vêm a ter lugar em razão de subjacentes actos de execução concretizados em sede de acção executiva e em violação do disposto no artº 88º,nº1, do CIRE, porque têm lugar já depois da declaração de insolvência da executada.
Ainda assim, e servindo-nos de seguida das doutas considerações [ as quais subscrevemos in totum ] atravessadas em Ac. do Tribunal da Relação do Porto (8), certo é que ( sendo o realce, a negrito e tracejado/sublinhado, de parte das passagens a seguir transcritas, é da nossa responsabilidade ) :
…. independente dos efeitos automaticamente decorrentes da declaração de insolvência, não deixa de se impor ao administrador respectivo a maior diligência na apreensão do património do executado.
Com efeito, a transferência de quaisquer bens ou direitos do insolvente para a massa insolvente não se traduz num mero e normativo efeito jurídico, antes exige uma actuação efectiva, eventualmente com uma dimensão material, tendente à colocação do património do insolvente sob o domínio do administrador.
A este propósito, é relevante a norma constante do nº 2 do art. 149º, que dispõe que, no caso de bens entretanto vendidos, a sua apreensão é substituída pela apreensão do produto da venda, excepto se este já tiver sido entregue aos credores.
Por isso mesmo, de resto, se impõe ao administrador da insolvência a obrigação de comunicar aos processos executivos a declaração de um tal estado para o insolvente, nos termos do nº 4 do art. 88º do CIRE.
Esta opção do legislador vem sendo determinante na apreciação de situações semelhantes às dos autos, nas quais se releva, em coerência com o prescrito na norma citada do art. 149º, nº 2 a circunstância de ter havido ou não uma efectiva transferência das quantias angariadas em sede executiva para a esfera jurídica dos credores, independentemente da data de declaração da insolvência.
Da compreensão de um tal regime resulta que, após a declaração da insolvência por sentença, fica o administrador respectivo legitimado para apreender todo o património do executado.
No caso de quantias em dinheiro, deve diligenciar para que estas sejam depositadas à sua ordem, o que implica a interpelação de quem delas seja depositário, para esse efeito ( cfr. art. 150º, nº 4, al. a) e nº 6 do CIRE ). No entanto, já não lhe serão entregues as quantias que, obtidas em precedente execução, tenham sido transferidas para os respectivos credores, porquanto, ingressando na esfera jurídica destes, a estes passam a pertencer.
Afigura-se-nos que esta conclusão é perfeitamente coerente com a solução adoptada neste regime legal de a transferência dos bens e direitos que constituíam o património do insolvente para a massa insolvente não ser um mero efeito jurídico da insolvência, já que esse efeito se reduz ao surgimento do poder de apreensão desses mesmos bens e direitos, o qual, sob a necessidade do seu efectivo exercício, é que pode conduzir à consecução desse resultado : o ingresso na massa insolvente.
Nestes termos, independentemente da data de declaração da insolvência, a entrega ao exequente de uma quantia em dinheiro penhorada numa execução contra o entretanto declarado insolvente, em conformidade com o regime processual executivo aplicável e antes de ser efectivada a sua apreensão para a massa insolvente assume-se como um acto regular e irreversível, por consubstanciar uma admissível e válida forma de transferência de titularidade sobre essa quantia.
E isso, repete-se, porquanto a sua apreensão para a massa, que cabe ao administrador de insolvência efectivar, ainda não ocorrera.
 Essa será, pelo exposto, a única conclusão compatível com o estabelecido no art. 149º, nº 2 do CIRE.”
Subscrevendo nós o entendimento acabado de “transcrever” e retirado de Ac. do Tribunal da Relação do Porto, porque os montantes a que aludem os itens 2.3. e 2.4. da motivação de facto reflectem actos de pagamento da quantia exequenda ao credor/exequente, com dinheiro da executada, a respectiva propriedade transferiu-se para a ora apelante e, assim sendo, e em face do disposto no art. 149º, nº 2 do CIRE , não pode agora da mesma ser desapossada de forma a integrar a MASSA INSOLVENTE, e quando dos autos não resulta sequer que tenha o administrador da insolvência [ como podia  e devia (9) ] diligenciado no âmbito das suas funções pela apreensão da parte penhorável do vencimento da devedora declarada insolvente [ sem prejuízo de estar também ao alcance  de qualquer credor , nos termos dos artºs 870º ( do Vcpc ) e 793º ( do Ncpc), obter a suspensão da execução, a fim de impedir os pagamentos, mostrando que foi requerida a recuperação de empresa ou a insolvência do executado ].
É que, para todos os efeitos, para que possa ser oponível [ em razão dos fins da insolvência, e dos interesses que na mesma se têm por desiderato salvaguardar ] a um acto de uma qualquer execução pendente à data da declaração de insolvência de devedor/executado, exigível é que tenha tido lugar um acto de  apreensão para a massa realizado pelo administrador da insolvência [ rezando o nº1, do artº 150º, do CIRE, que “ O poder de apreensão resulta da declaração de insolvência “ ], sendo que, estando em causa penhoras que tenham recaído sobre créditos pecuniários do executado, o acto de apreensão do administrador da insolvência só pode/deve recair sobre quantias que estejam depositadas à ordem do agente de execução ou da secretaria ( cfr. artº 779º,nº1 e 2, do CPC, e artº 150º,nº4, alínea a), do CIRE ) , ou devessem vir a estar ( relativamente às quantias vincendas ),  estando  portanto inviabilizada qualquer apreensão de quaisquer quantias já entregues/pagas ao exequente - cfr. artº 149º,nº2,do CIRE.
Neste conspecto, subscrevemos portanto o entendimento de Maria do Rosário Epifânio (10) , ou seja, que o processo de insolvência tem natureza mista, surgindo inicialmente “ como um processo declarativo ( visa a apreciação e declaração da situação de insolvência ),para, depois da declaração de insolvência, surgir com uma feição executiva ( apreensão e liquidação do activo para pagamento aos credores )“.
É vero que, na génese da sentença apelada, está o entendimento de a circunstância de não se ter verificado a suspensão da execução no âmbito da qual foram efectuados os pagamentos à ora apelante, ter como consequência forçosa e inevitável “a nulidade dos actos que tenham sido praticados após a decretação da insolvência, o que deve ser oficiosamente declarado logo que a situação seja conhecida”, para tanto amparando-se a Exmª Julgadora no entendimento de Carvalho Fernandes e João Labareda (11).
Ocorre que, o que exactamente dizem Carvalho Fernandes e João Labareda [ no respectivo CIRE Anotado ] , é que, impedindo o artº 88º, do CIRE o prosseguimento de acções executivas já em curso contra o insolvente, “ a consequência é a nulidade dos actos que tenham sido praticados após a decretação da insolvência, o que deve ser oficiosamente declarado logo que no tribunal do processo a situação seja conhecida”.
Também para Artur Dias Oliveira (12), sendo inquestionável que os efeitos ( previstos no artº 88º, nº1, do CIRE, ) da declaração da insolvência são automáticos, apenas podem ser efectivados depois de conhecida a declaração de insolvência, o que deve ser oficiosamente declarado [ pelo juiz do processo de execução ou do processo onde deve ser praticada a diligência equiparada ] logo que se tenha conhecimento da nulidade.
Ora, não obstante tudo o acabado de expor, a verdade é que não há qualquer notícia/informação que aponte para que, na execução identificada em 2.2., tenha sido proferida uma qualquer decisão com o referido teor [ declarando a nulidade de todos os actos  executivos na mesma praticados após a declaração da aí  executada como insolvente ],  e , ademais, que tenha a mesma e eventual decisão passado a ter força obrigatória dentro da execução - nos termos do artº 620º, do CPC.
Acresce que, e mesmo a ter existido a prolação de uma decisão como aludido conteúdo, e em razão do disposto no artº 149º,nº2, do CIRE [  existindo assim uma regulamentação expressa na ordem jurídica , que não uma lacuna que importe ser resolvida nos termos do artº 10º, do CC ], sempre se impunha considerar não atingidos pela mesma os actos de pagamento ao credor/exequente já realizados em sede do regular curso da acção executiva.
Por último, e embora de questão cuja necessidade de apreciação se mostre prejudicada, sempre se acrescenta que, em face do conhecimento efectivo que sempre teve o administrador da insolvência de estar a ser efectivada a apreensão - e subsequente entrega à exequente - parcial do vencimento/salário da insolvente [ como supra se referiu já e resulta expressamente do teor do Relatório a que alude o artº 155º, do CIRE, que elaborou em 13/1/2011 e que juntou aos autos de insolvência - a FLS. 164 a 176 dos presentes autos  ] , e não olvidando ainda o disposto no artº 85º,nº4, do CIRE [ “O administrador da insolvência substitui o insolvente em todas as acções referidas nos números anteriores, independentemente da apensação ao processo de insolvência e do acordo da parte contrária “ ], licito é também inferir [ cfr. artº 349º,do CC ] que a sua omissão de diligenciar no sentido de fazer com que tais descontos fossem canalizados para a massa insolvente, se tratou de omissão deliberada/querida  [ pelos menos tacitamente, nos termos do artº 217º,nº1,do CC ].
Ora, estando em causa descontos no salario da insolvente que se processaram ao longo de perto de 4 anos após a declaração da devedora como insolvente, e nada tendo sido requerido/determinado no sentido de deverem os mesmos ser canalizados para a MASSA INSOLVENTE, pertinente é considerar estar-se na presença de “uma situação objectiva de confiança”, ou seja, perante uma omissão que “objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará coerentemente, de determinada maneira”.  (13)
Perante o referido, consabido que é que o exercício de todo e qualquer direito está sujeito a limites e restrições, pois que, como o expressa o artigo 334º, do Código Civil ( sob a epígrafe de ABUSO DO DIREITO ), “ é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito “,  e podendo o referido ABUSO manifestar-se/revelar-se de diversas formas, sendo uma delas precisamente a do venire contra factum proprium, traduzindo-se a mesma no exercício de uma posição jurídica em contradição com um concreto comportamento assumido anteriormente pelo exercente , pertinente é também in casu considerar que a pretensão da apelada é de alguma forma inadmissível  ,porque contrária à boa fé, porque trai a confiança gerada na apelante .
É que, neste conspecto, recorda-se que explicando-se o investimento de confiança como a necessidade de, em consequência do factum proprium a que aderiu, o confiante ter desenvolvido uma actividade tal que o regresso à situação anterior, não estando vedado de modo específico, seja impossível, em termos de justiça (14) , in casu e no âmbito de acção executiva que intentou com vista à cobrança coerciva de um crédito seu, foram-lhe entregues quantias em pagamento do apontado crédito.
Em suma, também a excepção do abuso do direito , ainda que para o efeito não decisiva e determinante, confere JUSTIÇA à revogação do julgado, sendo que, ainda que não invocada em sede de contestação, de questão se trata que é de conhecimento oficioso, não obstando à sua apreciação a circunstância de só ter sido suscitado em sede de recurso” (15) e, ademais, e em sede de contra-alegações, teve a apelada a oportunidade de sobre a mesma se pronunciar.
Tudo visto e ponderado, e em face de tudo o acabado de expor, maxime no seguimento do entendimento acima exposto no tocante ao alcance do disposto no artº 149º,nº2, do CIRE, inevitável é a procedência das conclusões de recurso interposto por C,  e , em consequência, a revogação da sentença recorrida.
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4.- Sumariando ( cfr. artº 663º, nº7,  do CPC):
4.1. - Após a sentença de declaração de insolvência, incumbe ao administrador respectivo o dever de diligenciar pela apreensão dos bens susceptíveis de integrar a massa insolvente e destinados à satisfação dos credores da insolvência e pagamento das dívidas da própria massa insolvente, devendo designadamente providenciar para que montantes [ v.g. decorrentes de penhoras de salários do executado/insolvente ] que se encontrem depositados em execuções passem a estar à sua ordem exclusiva , o que implica a interpelação de quem delas seja depositário, para esse efeito ( cfr. art. 150º, nº 4, al. a) e nº 6 do CIRE).
4.2. - Porém, já os montantes que resultem das penhoras indicadas em 4.1. e que, aquando da solicitada apreensão pelo administrador da insolvência, haviam já sido entregues - em sede de acção executiva e já depois da declaração de insolvência do executado - ao exequente em sede de pagamento da quantia exequenda, porque  ingressaram já na esfera jurídica do exequente, passando a pertencer-lhe, escapam já ao poder de apreensão do administrador da insolvência.
4.3. - Em face do referido em 4.2., improcede portanto a acção que a Massa Insolvente de devedor/executado intentou contra o exequente indicado em 4.2., reclamando - a fim de integrarem a massa insolvente - as quantias que lhe foram entregues/pagas no regular curso do processo executivo.
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5. - Decisão
Em face de todo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA, em , concedendo provimento à apelação interposta por C;
5.1. - Revogar a sentença apelada, sendo em consequência a demandada e ora apelante absolvida do pedido.
Custas na acção e apelação pela apelada Massa Insolvente de A e de B.
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(1) Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “Direito da Insolvência”, Almedina, Coimbra, 2013,5ª Edição, pág. 160.
(2) In "O Novo Regime Português da Insolvência - Introdução",  2 dª Edição, Almedina, pág. 45.
(3) Cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES ( in Efeitos Externos dos Processo de Recuperação de Empresa e de Falência, estudo inédito, 1998, fornecido aos auditores de justiça do Centro de Estudos Judiciários, elaborado, segundo o próprio autor, aproveitando parte do seu trabalho publicado no Prontuário de Direito do Trabalho, editado pelo Centro de Estudos Judiciários, actualizações n.os 52 e 53, de 01-07-1997 a 31-01-1998, intitulado A recuperação de Empresas, a Falência e o Direito do Trabalho ), citado por ARTUR DIONÍSIO OLIVEIRA no trabalho identificado na nota 10 infra indicada;
(4) Cfr. o decidido nos Acs. do STJ de 30/6/2011 ( Proc. nº 191/08.2TBSJM – H.P1.S1 e de 18/10/2012 ( Proc. nº 80/11.3TBMAC-C.E1.S1 ); do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-09-2013 ( proc. nº 23/13.0TBFIG-D.C1 ), de 24-02-2015 ( proc. nº 3261/14.4TBLRA-C.C1) e de 27-04-2017 ( proc. nº 1042/14.4T8VIS.C1 ) ; do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/11/2011 (Proc. nº 17860/11.2T2SNT-A.L1-7), de 20-03-2012 (proc. nº 5909/10.0TBSXL-E.L1-7); de 10/9/2015 ( proc. nº 14943/10.0T2SNT-L1-6) ; do Tribunal da Relação de Guimarães, de 31-01-2013 ( proc. nº 1806/11.0TBBRG-G.G1), de 13-03-2014 ( proc. nº 3225/13.5TBGMR-E.G1) e de 15-3-2016 ( proc. nº 4248/15.5T8GMR-D.G1).
 (5) Cfr. o decidido nos Acs. do Tribunal da Relação do Porto, de 23/3/2009 ( proc. nº 2384/06.8 ), de 25/1/2011 ( proc. nº 191/08.2TBSJM-H.P1 ), de 05-03-2013 ( proc. nº 654/12.5TBESP-D.P1), de 16-12-2015 ( proc. nº 133/13.3TBVFR.P1), e de 11-11-2014 ( proc. nº 1604/06.3TJPRT-J.P1
(6) Cfr. Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 16-12-2015 ( proc. nº 133/13.3TBVFR.P1), in www.dgsi.pt.
(7)  De 15-2-2011 ( proc. nº 1439/09.1TBCBR.C1 ), in www.dgsi.pt.
(8)   De 23-06-2015 ( proc. nº 5109/12.5TBVNG-F.P1 ), in www.dgsi.pt.
(9) Nesta sede, consideram v.g. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, In CIRE Anotado, 3ª Edição, 2015, Quid Juris , pág. 343, que é o administrador da insolvência responsável - cfr. artº 59º, do CIRE - perante os credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa  dos deveres que lhe incumbem, v.g. pela não apreensão atempada de bens para a massa .
(10) In Manual de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2014, 6ª Edição, pág. 15.
(11)  In CIRE Anotado, 3ª Edição, 2015, Quid Juris , pág. 435.
(12) In OS EFEITOS EXTERNOS DA INSOLVÊNCIA, AS ACÇÕES PENDENTES CONTRA O INSOLVENTE, JULGAR - N.º 9 - 2009, pág.178.
(13) Cfr. João Baptista Machado, in a Tutela da confiança e «venire contra factum proprium», publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência (RLJ), Ano 117, págs. 229 e segs., reproduzido na “Obra dispersa”, I , Braga, 1991, pág.s 384 e segs..
(14) Cfr. António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, in Da Boa Fé no Direito Civil, Vol. II, Colecção teses, Almedina, pág.759.
(15) Cfr. Ac. do STJ de 23 de Outubro de 2014, Processo nº 5567/06.7TVLSB.L2.S1, e in www.dgsi.pt.
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LISBOA , 21/6/2018

António Manuel Fernandes dos Santos( O Relator)

Eduardo Petersen Silva( 1º Adjunto)

Cristina Isabel Ferreira Neves( 2ª Adjunta