Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
559/10.4TBCSC-C.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: ENCARGOS DA HERANÇA
PENHORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
- Visando o incidente de substituição de uma das partes na relação substantiva em litígio, por sucessão, a determinação daquele que assume a qualidade jurídica do falecido, manifesto é que o herdeiro habilitado do executado não passa, doravante e por via da habilitação, a responder pessoalmente pelos encargos da herança.
- Almejando o executado/habilitado contrariar uma penhora que tenha incidido sobre bens que não recebeu do autor da herança, não os tendo herdado, é lançando mão do “incidente“ do artº 744º do Código de Processo Civil que pode lograr o seu levantamento .
- No âmbito do incidente indicado, e tendo a herança sido aceite pura e simplesmente, é ao herdeiro executado que incumbe alegar e provar que os bens penhorados não provieram da herança, sendo que, por aplicação do artº 293º, do CC, deve indicar os competentes meios de prova logo no requerimento em que suscite o incidente.
(sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:



Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

1.Relatório.
Em autos de acção executiva, que A ( …, Ldª) , intentou em meados de 2010 contra B e C , com vista à cobrança coerciva da quantia exequenda de €13.257,66 , encontra-se a respectiva instância a correr termos , a partir de meados de Março de 2011, contra D, E e F, na qualidade de únicos herdeiros habilitados dos primitivos executados.
1.1 - Em 6 de Junho de 2016, a exequente A, atravessou nos autos requerimento a impetrar o prosseguimento da execução, solicitando concomitantemente que se procedesse à penhora de todas as contas bancárias/aplicações bancárias e salários dos executados/HABILITADOS, “enquanto valor decorrente da venda/transacção dos bens que faziam parte da herança e que foram indicados pela exequente no seu requerimento de 27/5/2014”.
1.2. - Pronunciando-se sobre o requerimento identificado em 1.1., foi proferido em 6/7/2016 pela Exmª Juiz titular dos autos o seguinte despacho ( o qual foi notificado aos habilitados a 11/7/2016 ):
Deferido.
D.N.
Oeiras,d.s.”.
1.3. - Em 25/7/2016, vieram os executados/HABILITADOS requerer, com fundamento no disposto no artº 744º,nº2, do CPC, o imediato levantamento das penhoras efectuadas em saldos bancários, porque inadmissíveis, maxime por incidirem sobre bens próprios/pessoais dos executados, que não sobre bens que fazem parte do acervo da herança .
Mais alegaram os executados/HABILITADOS que, ademais, não deixaram os falecidos e primitivos executados quaisquer bens susceptíveis de integrar a herança, logo , não existiam bens susceptíveis de penhora.
1.4 - Em 6 de Outubro de 2016, vem mais uma vez a exequente A, atravessar requerimento nos autos, no mesmo solicitando que “ os valores já penhorados ao abrigo dos presentes autos, sejam transferidos à ordem do tribunal e que, consequentemente, tal como ordenado por despacho do Meretíssimo Juiz de 6/7/2016, se proceda à penhora de 1/3 dos salários dos Herdeiros/Executados “.
1.5. - Finalmente, por despacho proferido pelo tribunal a quo, em 9/11/2016, e no pressuposto , designadamente, de que:
- (…) dada a sua natureza forçoso se torna reiterar que a indicação à penhora de salários e pensão auferidas pelos habilitados, carecem de fundamento legal, não devendo ser levadas a cabo.
- (…) as pesquisas levadas a cabo nos autos revelaram tão só a existência de bens pertencentes aos habilitados mas não que tais bens houvessem sido recebidos de herança aberta por óbito dos primitivos executados ;
- (…) também quanto aos saldos bancários incumbia à exequente concretizar quais as contas bancárias, pertença dos primitivos executados, cuja penhora era efectivamente pretendida, especificando-as, o que não fez, sendo certo que os executados sucessores negam a existência de quaisquer bens recebidos de herança ;
- Em suma, não se mostra admissível proceder-se à penhora de saldos bancários titulados pelos habilitados decorridos vários anos sobre o óbito dos primitivos executados com base em hipotética venda pelos mesmos de bens móveis alegadamente pertencentes à herança, situação que não se mostra minimamente comprovada “.
Decidiu o tribunal a quo nos seguinte termos :
Pelo que fica dito, considerando que os executados sucessores negam a existência de quaisquer bens penhoráveis ( nos termos do artigo 744°, n.° 1, do CPC ) e que a exequente não os indica especificadamente, por inobservância do disposto no mencionado preceito legal determino o levantamento imediato das penhoras de saldos bancários titulados pelos habilitados.
Notifique, sendo ainda as partes nos termos e para efeitos do disposto no artigo 750°, n.° 1 e 2, do CPC.”
1.6.- Notificado do despacho identificado em 1.5., do mesmo discordando e inconformada interpôs a exequente A, a competente Apelação, apresentando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões :
l - O Meritíssimo Juiz a quo, indeferiu o requerimento apresentado pela Recorrente/Exequente, para prosseguimento da penhora já ordenada e determinou o levantamento das penhoras efectuadas aos saldos bancários dos Executados / Recorrente.
2 - Salvo o devido respeito, a ora Recorrente discorda em absoluto com a presente decisão, por a mesma carecer de qualquer fundamento legal.
3 - Em 6/6/2016, a ora Recorrente apresentou um requerimento de penhora, devidamente especificado e fundamentado. O referido requerimento mereceu despacho de deferimento, datado de 6/7/2016, com a referência 100428932.
4 - O despacho supra identificado não foi objecto de recurso, tendo o Tribunal a quo, prosseguido com as diligências de penhora requeridas e deferidas .
5 - Na constatação da penhora de contas bancárias, os executados vieram apresentar requerimento, requerendo o levantamento de tais penhoras por inadmissibilidade legal.
6 - Na sequência de tal requerimento, e por despacho de 14/11/2016, o Meritíssimo Juiz a quo veio desdizer o que já tinha sido por si deferido , e " ... determinou o levantamento imediato das penhoras de saldos bancários titulados pelos habilitados"
7 - Aliás, o Meritíssimo Juiz a quo, vem referir que a Exequente não indica especificamente, quaisquer bens penhoráveis, quando tal facto não corresponde em absoluto à verdade.
8 - A Exequente e ora Recorrente indicou em 27/5/2014 uma listagem de bens penhoráveis. Bens estes, que a Exequente/Recorrente, sabe terem sido dissipados na sua maior parte, pelos herdeiros executados, tendo dado essa mesma informação aos autos e, como tal requerendo, a penhora de saldos bancários "enquanto valor decorrente da venda / transacção dos bens que faziam parte da herança".
9 - Requerimento este, que mereceu o deferimento do Meritíssimo Juiz a quo e, não foi colocado em causa pelos herdeiros executados.
10 - Facto pelo qual o Tribunal a quo, na pessoa do oficial de justiça, diligenciou e determinou as pesquisas e ordens necessárias, que determinaram a penhora de vários saldos bancários dos herdeiros executados.
11 - Pelo que, o despacho de que agora se recorre, não tem qualquer fundamento legal, uma vez que a decisão de levantamento da penhora das contas bancárias, entra em clara contradição com o despacho de deferimento de penhora proferido em 6/7/2016.
12 - As decisões judiciais, quando não impugnadas pelos meios legais ao dispor das partes, deverão ser integralmente cumpridas. Não podendo o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, dar o dito por não dito, colocando em causa os direitos da Exequente/Recorrente, no ressarcimento do seu crédito.
Nestes termos e nos demais de direito e, sempre com o muito douto suprimento de Vexas, deverá o presente recurso de Apelação ser julgado procedente por provado pelos fundamentos de facto e de direito atrás invocados e em consequência deverá ser revogada a Mui Douta Decisão de levantamento das penhoras aos saldos bancários dos executados, e em consequência ser cumprido o despacho de deferimento datado de 6/7/2016, com todas as demais e legais consequências, com o que se fará a devida. JUSTIÇA!!!!!!!
1.7. - Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.
*
1.8. - Thema decidenduum
Colhidos os vistos,
cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho , e tendo presente o disposto no artº 6º, nº1 e 7º,nº1, ambos deste último diploma legal ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a decidir é apenas uma:
a) aferir se a decisão identificada em 1.4. se impõe ser revogada, não havendo lugar ao - nele determinado - levantamento das penhoras concretizadas aos saldos bancários dos executados , maxime porque:
- a referida penhora teve lugar na sequência de requerimento atravessado nos autos pela apelante, o qual mereceu despacho de deferimento, datado de 6/7/2016;
- o despacho supra identificado - que determinou a realização da penhora - não foi objecto de recurso ;
- a decisão de levantamento da penhora das contas bancárias, entra em clara contradição com o despacho de deferimento referido, estando vedado ao Juiz do Tribunal a quo, dar o dito por não dito, colocando em causa os direitos da Exequente/Recorrente, no ressarcimento do seu crédito, tendo o Tribunal a quo, prosseguido com as diligências de penhora requeridas e deferidas .
*
2.- Motivação de Facto.
A factualidade a atender em sede de julgamento do mérito da apelação pelos AA interposta é a que se mostra indicada no Relatório do presente Acórdão, e para o qual se remete, acrescentando-se tão só a seguinte ( que resulta do teor dos documentos juntos aos autos ) :
2.1. - A 17/3/2016, a exequente A, atravessou nos autos requerimento dirigido ao Exmº Juiz titular da execução, nele requerendo :
“ (…)
Face ao exposto e de modo a que os interesses da Exequente não sejam mais prejudicados, requer-se a V.exa., a penhora de 1/3 dos salários dos habilitados e ora Executados, requerendo-se para o efeito que, seja notificado a Caixa Geral de Aposentações e o Instituto da Segurança Social, de modo a informar e identificar quais as entidades empregadoras de cada um dos executados, ou se cada um dos executados se encontra a receber pensão; subsídio ou qualquer outra prestação. Caso se verifique a existência de entidade empregadora ou o recebimento de qualquer pensão ou subsidio, deverão as entidades responsáveis por tal pagamento, ser devidamente notificadas, com cominação legal, para procederem à penhora de 1/3 dos referidos salários, pensões ou subsídios.
Mais se requer a notificação da Autoridade Tributária, com cominação legal, no sentido de reter e entregar aos presentes autos, todos os créditos que cada um dos Executados possuam, junto da referida entidade, até integral pagamento da quantia exequenda.”.
2.2. - Pronunciando-se sobre o requerimento identificado em 2.2., foi proferido em 15/4/2016 pela Exmª Juiz titular dos autos o seguinte despacho :
Indefiro o requerido, uma vez que não podem ser penhorados bens dos herdeiros habilitados dos executados que não façam parte do acervo hereditário nem tenham sido adquiridos com produto de bens da herança.
Assim, o herdeiro, chamado a suceder na obrigação exequenda do de cujus, como é o caso, sendo, por conseguinte, terceiro na relação material controvertida, só pode ver penhorados bens que tenha recebido do autor da herança - art.º 744.° n.º 1 do CPC.
Ora, tendo a exequente indicado à penhora os salários/pensões dos habilitados, é evidente que a sua pretensão carece de cabimento legal.
Sem custas.
Oeiras, d.s.
2.3. - A 21/9/2016, pronunciando-se sobre requerimento - de levantamento de penhoras efectuadas - atravessado nos autos em 25/7/2016 pelos executados/habilitados, pela Exmª Juiz titular dos autos o seguinte despacho:
Conforme deixei expresso no despacho de 15 de Abril de 2016 não deverá o Sr. AE levar a cabo quaisquer diligências de penhora que incidam sobre os salários/pensões dos habilitados.
Não vislumbro nos autos que tenham sido penhorados os salários/vencimento dos habilitados.
De todo o modo, caso tais diligências tenham sido levadas a cabo e não constem do citius, desde já determino o imediato levantamento das respectivas penhoras.
No mais, e antes de mais, ouça-se a exequente nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 744.° n.º 2 do CPC.
Oeiras, 21 de Setembro de 2016 “;
2.4.- Na sequência da notificação da exequente ordenada no despacho referido em 2.3., veio a mesma, através de requerimento de 6/10/2016, insistir pela manutenção das penhoras já concretizadas, requerendo que “ os valores já penhorados ao abrigo dos presentes autos, sejam transferidos à ordem do tribunal”.
*
3.- Motivação de Direito
3.1. - Se a decisão identificada em 1.4. se impõe ser revogada, não havendo lugar ao “decretado” levantamento das penhoras concretizadas aos saldos bancários dos executados.
Antes de mais, importa precisar que a execução da qual emerge a presente instância recursória, encontra-se actualmente a correr termos contra herdeiros de iniciais executados, e na sequência de incidente previsto no artigo 351º, nº 1, do Código de Processo Civil actual, dispositivo que regula o incidente de habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa.
O referido incidente, recorda-se, tem por desiderato assegurar que determinada pessoa sucedeu a outra na posição jurídica que esta ocupava e pode ter lugar como incidente dum processo pendente (habilitação-incidente), como elemento ou requisito da legitimidade das partes (habilitação-legitimidade) ,e como objecto de uma acção (habilitação-acção) . (1)
Visou portanto o incidente de habilitação desencadeado na presente execução, colocar os sucessores dos iniciais executados na posição jurídica destes - na execução - e para com os mesmos poder prosseguir a instância coerciva, sendo que, suspensa a mesma logo que junto ao processo o documento que prove o falecimento da parte ( artº 270º, do CPC ) , obrigado não está o exequente em instaurar uma nova execução contra a herança jacente ( cfr. artº 2046º, do CC), antes deve diligenciar de modo a por termo à suspensão decretada e a qual apenas cessa quando da habilitação do sucessor da pessoa falecida ( cfr. artº 276º,nº1, do CPC).
Isto dito, e estando em causa mero incidente de substituição de uma das partes na relação substantiva em litígio (2), por sucessão, ou seja, a determinação daquele que assume a qualidade jurídica do falecido, manifesto é que o herdeiro habilitado do executado não passa, doravante e por via da habilitação, a responder pessoalmente pelos encargos da herança.
É que, neste conspecto, a regra que “vigora” é a de que, é a herança que responde pelas dívidas do falecido , tal como decorre do disposto no artigo 2068º do Código Civil, rezando de resto o artº 2071º, do mesmo diploma legal [ sob a epígrafe de responsabilidade do herdeiro ] , que sendo a herança aceita a benefício de inventário, só respondem pelos encargos respectivos os bens inventariados, salvo se os credores provarem a existência de outros bens (nº 1), e, sendo a herança aceita pura e simplesmente, a responsabilidade pelos encargos também não excede o valor dos bens herdados, mas incumbe, neste caso, ao herdeiro provar que na herança não existem valores suficientes para cumprimento dos encargos (nº 2).
Explicando [ com a clareza e acessibilidade de raciocínio que a todos habituou ] o Prof. José Alberto dos Reis (3) como entender/interpretar as disposições substantivas do CC referidas e de teor idêntico, e aludindo ao princípio da separação de patrimónios , exemplificava assim qual o regime aplicável:
“ Um indivíduo contrai dívidas; esse facto importa, como consequência necessária, que o seu património fica sujeito ao pagamento. Mas seria inadmissível que, por tais dívidas, viesse a responder um património alheio, o património de outra pessoa.
Posto isto, suponhamos que o devedor morre sem ter satisfeito as dívidas ; os herdeiros respondem pelo pagamento, desde que aceitem a herança, mas a responsabilidade só pode tornar-se efectiva sobre o património que estava afectado ao pagamento – o património do falecido : o património próprio e pessoal dos herdeiros não pode ser objecto de execução para pagamento das dívidas do autor da herança. (…) É claro que se a pessoa é executada na qualidade de herdeiro, a execução destina-se ao pagamento de dívidas do autor da herança.
O princípio da separação de patrimónios e o princípio de que o património de terceiro não pode ser objecto de execução impõem este regime: para pagamento das dívidas do autor da herança não podem penhorar-se os bens próprios do herdeiro, só podem penhorar-se os bens constitutivos do património hereditário, os bens que o herdeiro recebeu do autor da herança.
Se a penhora recaísse sobre o património próprio do herdeiro, ofender-se-ia o princípio que isenta o património de terceiro. Como titular do seu património pessoal, o herdeiro é terceiro no que respeita às responsabilidades contraídas pelo de cujus. “.
Também sobre a referida matéria, é Anselmo de Castro (4) bem claro, ao dizer que “Pelas dívidas da herança responde apenas os bens que constituem o património hereditário : princípio da autonomia da herança, expresso nos artºs 2071º, do Cód. Civil e 827º do Cód. Proc. Civil.
Sempre que ,por nomeação do exequente, sejam penhorados bens do herdeiro na execução poe dívida da herança, este poderá opor-se, requerendo o levantamento da penhora. Para que o levantamento possa ser ordenado, impõe, porém , a lei ao executado o cumprimento do ónus de indicar os bens da herança que tenha em seu poder.
Cumprido este ónus, se a herança foi aceite a benefício de inventário e o exequente não se opõe ao levantamento, com melhor prova, o tribunal defere o requerimento e a penhora é levantada - nº 2, do artº 827º.
Se a aceitação é pura e simples e o exequente se opõe ao levantamento da penhora nos bens que nomeou o executado tem que provar por embargos de terceiro que os bens penhorados não provieram da herança e que desta não restam mais do que os indicados - alíneas a) e b) do nº3, do artº 827º -, sem que o tribunal não ordena o levantamento da penhora realizada “.
O regime substantivo referido, encontrando ainda hoje correspondente enquadramento e total suporte na lei adjectiva em vigor, assim se compreende que disponha portanto o actual artº 744º, nºs 1 e 2, do CPC [ sob a epígrafe de bens a penhorar na execução contra o herdeiro ] que “ na execução movida contra o herdeiro só podem penhorar-se os bens que ele tenha recebido do autor da herança “, e que “quando a penhora recaia sobre outros bens, o executado, indicando os bens da herança que tem em seu poder, pode requerer ao agente de execução o levantamento daquela, sendo o pedido atendido se, ouvido o exequente, este não se opuser”.
Aqui chegados, e em face de tudo o acabado de expor, tudo aponta portanto para que, prima facie, o despacho proferido pelo tribunal a quo e identificado no item 1.2. do presente Ac. [ que deferiu a requerida penhora de todas as contas bancárias/aplicações bancárias e salários dos executados/HABILITADOS ] apenas seja compreensível à luz de alguma precipitação da Exmª juiz titular dos autos , e sabendo-se como se sabe que , desempenhando a “penhora” um “papel determinante na acção executiva, consubstanciando a mesma um “acto judicial de apreensão dos bens do executado, que ficam à disposição do tribunal para o exequente ser pago por eles…”(5) , não deva o subjacente despacho ( quando existe ) ser proferido de “ânimo leve”, isto é, sem que o juiz aprecie/julgue previamente da legalidade da penhora requerida.
E, proferido que foi o despacho - em 6/7/2016 - de deferimento de requerimento de penhora de todas as contas bancárias/aplicações bancárias dos executados/HABILITADOS , a questão que importa resolver, e a qual integra o objecto da apelação, é a de saber se, em face do disposto no artº 620º, do CPC [ caso julgado formal ] , vedado estava ao tribunal a quo , e no despacho apelado [ posterior, porque de 9/11/2016 ], determinar o levantamento imediato das penhoras de saldos bancários titulados pelos habilitados, que o mesmo é dizer, dar o dito pelo não dito.
Vejamos.
Como vimos supra, respondendo pelas dívidas hereditárias apenas os bens de herança , mas existindo despacho a ordenar a penhora de bens do seu património pessoal, pertinente é considerar [ raciocínio este que faz a apelante ] que, caso o herdeiro habilitado do executado não impugne - v.g. através de recurso - tal despacho, a penhora , apesar de ilegal, fica prima facie definitivamente sujeita aos fins de execução, ou seja, a penhora ordenada e concretizada, como que se convalida na esfera jurídica dos executados , formando caso julgado formal e esgotando o poder jurisdicional naquela matéria.
Será assim ?
Temos para nós que, não obstante e em abstracto algo congruente, não merece ainda assim e de todo o entendimento da apelante ser como tal acolhido, não podendo tal fundamento justificar a procedência da apelação
É que, neste conspecto, recorda-se que, “obrigando” o velho CPC ( na versão anterior às alterações nele introduzidas pelo DECRETO-LEI N.º 329-A/95, DE 12 DE DEZEMBRO ) a que todo e qualquer acto de penhora estivesse sujeito a prévio despacho judicial que o ordenasse [ cfr. artº 838º,nº1, relativo à penhora de imóveis, mas aplicável , ex vi dos artigos 855º e 863º, à penhora doutras espécies de bens (6) ] , certo é que, logo com as alterações nele introduzidas pelo DECRETO-LEI N.º 329-A/95, estabeleceu-se um expediente de oposição à penhora mais expedido, sem necessidade portanto do executado lançar mão da via recursória ( até então o recurso de agravo, a subir após a realização da penhora, nos termos do artº 923º,nº1, alínea c) ) .
Na verdade, com o artº 863º-A, do CPC, e sendo penhorados bens do executado, passou doravante a permitir-se ao próprio executado opor-se à penhora - através de mero requerimento atravessado nos autos - e requerer o seu levantamento, desde que suscitando questões que não hajam sido expressamente apreciadas e decididas no despacho que a ordenou.
A ratio da referida inovação, recorda-se, foi explicada no relatório do DL nº 329-A/95, nos seguintes termos :
Institui-se, por outro lado - na perspectiva de tutela dos interesses legítimos do sujeito passivo da execução -, uma forma específica de oposição incidental do executado à penhora ilegalmente efectuada, pondo termo ao actual sistema que, não prevendo, em termos genéricos, tal possibilidade, vem suscitando sérias dúvidas na doutrina sobre qual a forma adequada de reagir contra uma penhora ilegal, fora das hipóteses em que o próprio executado é qualificado como terceiro, para efeitos de dedução dos respectivos embargos.
Assim, se forem penhorados bens pertencentes ao próprio executado que não deviam ter sido atingidos pela diligência - quer por inadmissibilidade ou excesso da penhora, quer por esta ter incidido sobre bens que, nos termos do direito substantivo, não respondiam pela dívida exequenda -, pode este opor-se ao acto e requerer o seu levantamento, suscitando quaisquer questões que não hajam sido expressamente apreciadas e decididas no despacho que ordenou a penhora ( já que, se o foram, é manifesto que deverá necessariamente recorrer de tal despacho, de modo a obstar que sobre ele passe a recair a força do caso julgado formal ).”
A referida possibilidade de oposição incidental do executado a despacho determinativo de penhora, saindo reforçada com as alterações introduzidas no CPC com o DL nº 38/2003, de 8/3 [ o qual , como é consabido, veio alargar a possibilidade de realização da penhora sem necessidade de prévio despacho judicial ], manteve-se com o actual CPC, dispondo v.g. o seu artº 784º, nº1, alínea c), que penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com fundamento na Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência .
Em suma, actualmente, e em face do exposto, menos sentido faz sustentar-se - como o faz a apelante - que um despacho que ordena a penhora , não fundamentado e meramente tabelar como é o proferido pelo tribunal a quo a 6/7/2016 , seja susceptível de formação de um efectivo caso julgado, porque em rigor não decide ele, concreta e fundamentadamente, acerca do mérito do pedido de penhora (7 ).
O entendimento acabado de aflorar, como bem se nota no Ac. do TR de Guimarães mencionado, era já defendido pelo Professor J. A. dos Reis (8) , pois que, quando na presença de despacho de tarifa, de tabela a ordenar a penhora, podia o mesmo, quando ilegal, ser invalidado a simples requerimento do executado , apenas estando-lhe vedado neutralizar o despacho anteriormente proferido quando este último despacho estivesse redigido em termos de dever entender-se que a questão (da legalidade da penhora) foi vista e resolvida pelo juiz ao ordenar a penhora, caso em que - para o anular - caberia lançar mão do agravo.
Em conclusão, porque como vimos supra o despacho de 6/7/2016 que ordenou a penhora de contas bancárias dos executados/habilitados foi essencialmente tabelar , não tendo havido qualquer julgamento prévio acerca da legalidade da penhora requerida sobre contas bancárias dos executados/habilitados, prima facie não estava assim a Exmª Juiz a quo impedida, no despacho apelado ( o de 9/11/2016 ), de anular a ordem de penhora de saldos bancários, determinando o levantamento das penhoras entretanto concretizadas.
Sucede que, como já aflorado supra, a forma - adjectiva - de o herdeiro executado contrariar uma penhora que tenha incidido [ logo, concretizada , que não apenas ordenada, mas ainda não executada ] recaído sobre bens que não recebeu do autor da herança , não os tendo herdado, é através do “incidente “ do actual artº 744º, do Código de Processo Civil.
É que, recorda-se, logo aquando das alterações introduzidas no Velho CPC pelo DL 329-A/95 ,de 12/12 , e com a nova redacção do n.º 3 do então art.º 827 do CPC [ tendo sido suprimida a referência aos embargos de terceiro como sendo o meio processual adequado através do qual o herdeiro do executado podia obter o levantamento da penhora que alegadamente tivesse recaído sobre bens que são seus e não da herança, opondo-se o exequente ao levantamento da penhor ] , seguro passou a ser que o incidente de oposição à penhora era doravante o meio adequado para o herdeiro/executado reagir contra penhora efectuada sobre bens não recebidos do autor da herança - que não os embargos de terceiro.
Acresce que, estando o incidente de embargos de terceiro apenas disponíveis para titular de direito que não seja parte na causa ( cfr, actual artº 342º do CPC ) , manifesto é que o herdeiro do executado, habilitado no processo nos termos dos art.ºs 351º e segs. do CPC, passa a ser parte no processo executivo , estando-lhe vedado lançar mão dos referidos embargos.
Isto dito, e como vimos já supra, “quando a penhora recaia sobre outros bens, o executado, indicando os bens da herança que tem em seu poder, pode requerer ao agente de execução o levantamento daquela, sendo o pedido atendido se, ouvido o exequente, este não se opuser” ( cfr. artº 744º,nº2, do CPC ) .
In casu, como decorre do item 2.3. , da motivação de facto, e no âmbito do despacho proferido a 21/9/2016 - pronunciando-se sobre requerimento de levantamento de penhoras efectuadas atravessado nos autos em 25/7/2016 pelos executados/habilitados - , a Exmª Juiz titular dos autos configurou - e bem - o incidente pelos executados desencadeado como integrando ele a previsão do artº 744º, do CPC, tanto assim que, no final, determinou que fosse a exequente ouvida, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 744.° n.º 2 do CPC.
Já a exequente, na sequência da notificação ordenada no despacho referido em 2.3., veio - através de requerimento de 6/10/2016 - , insistir pela manutenção das penhoras já concretizadas, requerendo que “ os valores já penhorados ao abrigo dos presentes autos, sejam transferidos à ordem do tribunal” , ou seja, veio opor-se ao levantamento da penhora.
Ora, em face da oposição da exequente/apelante, reza o nº3, do artº 744º, do CPC, que :
3- Opondo-se o exequente ao levantamento da penhora, o executado só pode obtê-lo, tendo a herança sido aceite pura e simplesmente, desde que alegue e prove perante o juiz:
a) Que os bens penhorados não provieram da herança;
b) Que não recebeu da herança mais bens do que aqueles que indicou ou, se recebeu mais, que os outros foram todos aplicados em solver encargos dela .
Ou seja, em rigor, a Exmª juiz a quo apenas poderia enveredar pela prolação de uma decisão a ordenar o levantamento da penhora às contas bancárias dos executados se, em sede de decisão do incidente de oposição à penhora subsumível à previsão do nº2, do artº 744º, do CPC, viesse a concluir pela procedência do mesmo , de resto em consonância com o disposto no artº 785º, n º 6 , do CPC [ aplicável por analogia , rezando ele que “ A procedência da oposição à penhora determina que o agente de execução proceda ao levantamento desta e ao cancelamento de eventuais registos “ ].
Porém, decidindo - pelo menos implicitamente - pela procedência do incidente pelos executados despoletado, tudo indica que o tenha feito de forma “ilegal”, no essencial ancorando tal decisão em fundamentos que , se pertinentes para indeferir o requerimento da apelante de 6 de Junho de 2016 , [ indicado no item 1.1. ] , são já desajustados para conduzir à procedência do incidente do artº 744º, do CPC.
Senão, vejamos.
No incidente do artº do artº 744º, do CPC, e tendo o executado/habilitado aceite a herança pura e simplesmente [ o que tudo aponta ter sido o caso dos autos, tanto assim que não alegaram e comprovaram - documentalmente - os executados a existência de um qualquer inventário ], era sobre os executados/habilitados que incumbia alegar e provar, como vimos supra, que os bens penhorados não provieram da herança”.
Ou seja, ao contrário do entendimento do tribunal a quo inserto no despacho apelado, não era sobre a exequente que incumbia alegar e provar que as quantias depositadas eram provenientes da venda pelos executados de bens móveis pertencentes à herança, antes era ónus dos executados alegar e provar que os bens penhorados não provieram da herança.
Porque ao incidente do artº 744º, do CPC, é de aplicar o disposto nos artºs 293º a 295º, do CPC [ aplicáveis ex vi do artº 292º do CPC , e nº2, do artº 785º, do CPC, este último aplicável por analogia ] , incumbia desde logo aos executados indicar e ou requerer os meios de prova , o que in casu não se verificou.
Logo, nada justificando que pudesse o tribunal a quo concluir estar provado que “ Que os bens penhorados não provieram da herança ou que, os bens recebidos foram todos aplicados em solver encargos dela .” , não podia o incidente de oposição pelos executados despoletado ter sido julgado procedente e, inevitavelmente, vedado estava ao tribunal a quo ter determinado “ o levantamento imediato das penhoras de saldos bancários titulados pelos habilitados”.
A procedência da apelação, em suma, ainda que por razões diversas das invocadas, é forçosa.

4 - Sumariando ( cfr. artº 663º,nº7, do CPC):
4.1. - Visando o incidente de substituição de uma das partes na relação substantiva em litígio , por sucessão, a determinação daquele que assume a qualidade jurídica do falecido, manifesto é que o herdeiro habilitado do executado não passa, doravante e por via da habilitação, a responder pessoalmente pelos encargos da herança.
4.2.- Almejando o executado/habilitado contrariar uma penhora que tenha incidido sobre bens que não recebeu do autor da herança , não os tendo herdado, é lançando mão do “incidente “ do artº 744º, do Código de Processo Civil que pode lograr o seu levantamento .
4.3. - No âmbito do incidente indicado em 4.2., e tendo a herança sido aceite pura e simplesmente, é ao herdeiro executado que incumbe alegar e provar que os bens penhorados não provieram da herança, sendo que, por aplicação do artº 293º, do CC, deve indicar os competentes meios de prova logo no requerimento em que suscite o incidente.

5. - Decisão.
Em face do supra exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa , em , concedendo provimento à apelação da exequente A;
5.1. - Revogar a decisão recorrida.
Custas pelos apelados .

(1) Cfr. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. I , 3ª ed., págs. 573 e 574.
(2) Cfr. Salvador da Costa, in Os incidentes da instância, 5ª Edição, Almedina, págs. 243.
(3) Ibidem , pág. 307.
(4) In A Acção Executiva, 3ª edição, pág. 122.
(5) Cfr. Ana Prata, in Dicionário Jurídico, Vol. I, 5.ª Edição, Almedina, 2008, p. 1035.
(6) Cfr. Eurico Lopes-Cardoso, em Manual da Acção Executiva, IN-Casa Da Moeda, pág.415.
(7) Vide Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14-04-2004, Proc. nº 479/04-1, in www.dgsi.pt.
(8) In Processo de Execução, 1º, pág. 397.

LISBOA, 13/7/2017


António Manuel Fernandes dos Santos ( O Relator)

Francisca da Mata Mendes ( 1ª Adjunta)

Eduardo Petersen Silva ( 2º Adjunto)