Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6501/07.2YYLSB-A.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: LIVRANÇA
AVALISTA
PACTO DE PREENCHIMENTO
PREENCHIMENTO ABUSIVO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/17/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Sendo o avalista interveniente no pacto de preenchimento que motivou a emissão do título de crédito “ em branco “, assiste-lhe legitimidade para invocar a violação desse mesmo acordo, por via do preenchimento abusivo, desde que venha a ser demandado pelo próprio beneficiário, igualmente nele interveniente, e que recebeu o título naqueles precisos termos.
II - O ónus de prova do preenchimento abusivo do título de crédito, por parte do seu portador, compete ao responsável pelo pagamento da quantia inscrito no título cambiário, embargante na execução respectiva.
(sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa
( 7ª Secção ).

I – RELATÓRIO.
            Por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que C, S.A., lhes moveu, vieram os executados A e B deduzir a presente oposição à execução.
Alegaram essencialmente que :
 - a livrança dada à execução foi subscrita pela sociedade D, S.A. e avalizada pelos ora opoentes e entregue à exequente totalmente em branco como garantia de pagamento para um contrato de locação financeira n.º ;
- a validade de uma livrança em branco está sempre dependente da existência simultânea de um acordo de preenchimento, expresso ou tácito, que no caso sub judice não existe nem existiu, pelo que, a livrança dada à execução é inexequível, não constituindo título executivo;
- a livrança dada à execução foi assinada e avalizada pelo subscritor e pelos avalistas sem indicação de qualquer importância ou data de vencimento e, em face da inexistência de pacto de preenchimento, não se tornava a mesma determinável, verificando-se assim a nulidade prevista pelo art. 280º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil;
- no ano de 2003 foi realizada entre a subscritora da livrança D, S.A. e a sociedade G –, L.dª, de que o opoente A é gerente, uma cessão da posição contratual do contrato de locação financeira, sendo que a posição de locatário foi assumida na plenitude pela cessionária G e aceite pela exequente, passando a G desde Junho de 2003 a efectuar o pagamento das rendas relativas ao contrato de locação financeira em causa, sucedendo todavia que, por facto imputável à exequente, a formalização da cessão da posição contratual nunca se verificou;
- o opoente A, através da G, confiando na transmissão da posição contratual, já pagou o valor de € 48.851,59, desconhecendo-se qual a razão de ciência que justifica a aposição do valor de € 65.161,17 na livrança exequenda, pelo que deve considerar-se parcialmente extinta a execução.
Recebida a oposição à execução e notificada a exequente, apresentou esta a sua contestação.
Essencialmente alegou que :
- como garantia do cumprimento de um contrato de locação financeira por parte da sociedade executada D–, S.A., foi prestada a livrança exequenda em branco subscrita pela referida sociedade e avalizada pelos então sócios, ora opoentes;
- com a assinatura da livrança foi assinado, paralelamente e por todos os intervenientes na mesma, um pacto de preenchimento;
- a excepção do preenchimento abusivo não pode ser invocada pelos opoentes, na qualidade de avalistas, não obstante a livrança ter sido preenchida de harmonia com o pacto de preenchimento assinado pelos próprios opoentes;
- face à existência de um pacto de preenchimento, não se aplica ao caso em apreço a nulidade do aval por via do art. 280º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, uma vez que a obrigação é determinável nos termos constantes do pacto;
- a cessão da posição contratual invocada pelos opoentes nunca ocorreu, em virtude de não terem sido cumpridos os requisitos exigidos pela exequente para a concretização do negócio, nomeadamente a regularização, até à data da cessão, das responsabilidades vencidas acrescidas de juros moratórios;
- os pagamentos efectuados pelo executado A, embora se destinassem a regularizar a dívida com vista à cessão, apenas a amortizavam uma vez que ao valor em dívida acresciam as rendas mensais sucessivas que, por sua vez, também não eram pagas;
- a livrança foi preenchida pelo valor em dívida à data da resolução do contrato e que correspondia às rendas vencidas desde Agosto de 2004.
Conclui pugnando pela improcedência da oposição à execução.
Procedeu-se ao saneamento dos autos conforme fls. 112 a 121.
Realizou-se audiência final, tendo sido proferida decisão de facto conforme fls. 179 a 181.
Foi proferida sentença que julgou improcedente a presente oposição à execução ( cfr. fls. 183 a 197 ).
 Apresentaram os oponentes recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação ( cfr. fls. 208 ).
Juntas as competentes alegações, a fls. 237 a 248, formularam os apelantes as seguintes conclusões :
  1 – Tendo existido um pacto de preenchimento de livrança em branco em que os apelantes foram parte interveniente, entre estes e a recorrida estabeleceu-se uma relação imediata, no âmbito da qual os Apelantes têm direito a invocar qualquer preenchimento da livrança fora dos termos acordados, isto é, a invocar o preenchimento abusivo da livrança.
2 – Na verdade, é jurisprudência assente que “[n]o domínio das relações imediatas – isto é, enquanto a livrança não é detida por alguém estranho às relações extra-cartulares – o executado pode opor ao exequente a excepção de incumprimento do pacto de preenchimento, geradora de preenchimento abusivo”.
3 – Assim, não podia o tribunal a quo ter decidido que aos apelantes estava vedado, nos termos do disposto no art. 32.º da LULL, invocar a excepção de preenchimento abusivo da letra.
4 – Mas, antes, devia ter lançado mão da vasta jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça conjugada com a melhor interpretação do texto do art. 10.º, da LULL, admitindo que os avalistas, aqui apelantes, podiam invocar a excepção de preenchimento abusivo.
5 – Atenta a factualidade assente existe uma contradição entre os fundamentos e a decisão quando se considera que o preenchimento da livrança foi feito de acordo com o convencionado.
6 – Na verdade, resulta do número 7 do Ponto III, da douta sentença, que, nos termos do pacto de preenchimento, a livrança se destinava a caucionar as prestações de rendas devidas e juros de mora contratuais, sendo certo que a livrança foi preenchida com valores relativos não só aquelas rendas vencidas e juros de mora, mas também com valores que dizem respeito a “outros débitos” e à selagem da letra.
7 – Ou seja, por um lado, a recorrida apenas estava autorizada a preencher a livrança nos precisos termos do pacto de preenchimento (com o valor das rendas vencidas e dos juros demora contratuais) e, por outro lado, os Apelantes apenas se obrigaram, em caso de incumprimento contratual da avalizada, ao pagamento das prestações das rendas vencidas e juros de mora.
8 – Contudo, a recorrida preencheu a livrança com um valor global que inclui valores que não estavam previstos no pacto de preenchimento, tendo, assim, existido um preenchimento abusivo da livrança, por violação do pacto de preenchimento.
9 – Ora, encontrando-se demonstrado que a Recorrida não preencheu a livrança nos termos do pacto de preenchimento, já se vê que se torna necessário fazer operar o disposto no art. 378.º, do Código Civil, nos termos do qual “se o documento tiver sido assinado em branco, total ou parcialmente, o seu valor probatório pode ser ilidido, mostrando-se que nele se inseriram declarações divergentes do ajustado com o signatário ou que o documento lhe foi subtraído”.
10 – Pelo que devia o tribunal a quo ter considerado ilidido o valor probatório da livrança, e em consequência decidido pela inexequibilidade, nos termos do disposto no art. 46.º, n.º 1, al. c), do título executivo apresentado, indeferindo o requerimento executivo
11 – Bem como devia ter absolvido os Apelantes de toda a responsabilidade.
12 – Ou pelo menos, devia ter considerado que, nos termos do art. 30.º, da LULL aplicável in casu ex vi do art. 70.º da LULL, mediante o pacto de preenchimento os avalistas, aqui Apelantes, garantiram apenas o cumprimento parcial da obrigação avalizada.
13 – Mais: a referida contradição entre a fundamentação de facto e a decisão constitui nulidade da sentença nos termos do disposto no art. 668.º, n.º 1, al. c), do CPC, a qual aqui se deixa arguida para os devidos efeitos legais.
14 – Finalmente, diga-se que a prova carreada para os autos pela Recorrida e produzida em audiência de julgamento não pode ser considerada como bastante para prova dos factos vertidos nos quesitos levados à Base Instrutória.
15 – Pelo que, salvo melhor entendimento, não podia o tribunal a quo ter considerado provados os dois quesitos levados à Base Instrutória, tendo tais factos sido incorrectamente julgados. Senão vejamos,
16 - A convicção do tribunal no sentido de considerar como provados os factos constantes da Base Instrutória assenta na concatenação do doc. n.º 5 junto com a contestação com o testemunho das testemunhas apresentadas pela Recorrida, a saber: a Dr.ª H e o Dr. I.
17 - Contudo, se observarmos o referido documento constatamos que a fl. 1 nada diz a respeito da matéria controvertida, pois que se limita a discriminar os valores que levaram ao preenchimento da letra (rendas vencidas, outros débitos, juros de mora e selagem da letra), sem demonstrar onde e quando foram imputados os valores pagos pela sociedade G –, Lda. para a tal amortização da dívida.
18 – Ora, salvo melhor entendimento, para prova dos valores efectivamente em dívida tornava-se necessário observar todos os movimentos existentes: os movimentos lançados a crédito (as rendas e as obrigações fiscais e ainda os juros de mora) e os lançados a débito (os pagamentos efectuados).
19 – Não podendo a livre apreciação da prova justificar (como parece acontecer no presente caso) que o depoimento de testemunhas dê força probatória a um documento que não prova nenhum dos factos em dissídio.
20 – Na verdade, tendo em conta a matéria de facto controvertida, a descoberta da verdade material passava pela junção aos autos de documentos contabilísticos na posse da Recorrida: os extractos de conta com a indicação de todos os valores liquidados pela locatária ou por conta dela e a indicação de todas as rendas e demais valores vencidos.
21 – Mais: tendo em conta os factos em dissídio e a (parca) prova apresentada pela Recorrida, já se vê que em ordem pelo respeito pelo princípio do inquisitório incumbia ao tribunal a quo ordenar à Recorrida dos documentos contabilísticos que demonstrassem o destino dos valores pagos por conta do contrato de locação financeira, pois só na posse de tais documentos podia decidir conscientemente e tendo em vista a descoberta da verdade material.
22 - Ao não lançar mão, como devia, da faculdade prevista no art. 535.º, do CPC, o tribunal a quo omitiu a prática de um acto que influi decisivamente no exame e na decisão da causa, razão pela qual se encontra todo o processado subsequente inquinado de nulidade, nos termos do disposto no art. 201.º, n.º 1, do CPC, a qual aqui se deixa arguida para os devidos efeitos legais.
23 - Uma vez que não provou nem fez tudo o que podia para provar aqueles factos (nomeadamente juntando os documentos contabilísticos com a indicação dos valores pagos pela locatária), a Recorrida deve, nos termos do disposto nos arts. 342.º, n.º 1 e 344.º, n.º 2, do Código Civil, arcar com as consequências, a saber a não prova dos quesitos da base instrutória e a consequente procedência da excepção de pagamento.
24 - Dando-se como não provados os factos levados à Base Instrutória, deve-se considerar que os valores pagos pela sociedade G –, Lda. devem ser imputados aos valores em dívida inscritos na livrança e agora exequendos, julgando-se procedente a excepção de pagamento invocada pelos avalistas, aqui Recorrentes.
A apelada apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso.
 
II – FACTOS PROVADOS.
Encontra-se provado nos autos que :
1. A exequente C, S.A., incorporou, no âmbito de uma fusão, a sociedade M S.A. – alínea A) dos factos assentes.
2. A exequente intentou a acção executiva a que coube o n.º, contra D –S.A., P, e os ora opoentes B e A, apresentando como título executivo um documento onde se inscreve a frase “no seu vencimento, pagarei(emos) por esta única via de livrança à M, S.A. ou à sua ordem, a quantia de”, a “importância (euros)” de 65.161,17 €, com data de “emissão”, de 2005.12.06 e de “vencimento” à vista” (documento de fls. 23 dos autos de execução, que aqui se considera reproduzido) – alínea B) dos factos assentes.
3. No documento referido em 2. figura como subscritora a executada D–, S.A. (documento de fls. 23 dos autos de execução, que aqui se considera reproduzido) – alínea C) dos factos assentes.
4. Os opoentes B e A apuseram as suas assinaturas no verso do documento referido em 2., cada uma delas encimadas pelos dizeres escritos “bom por aval ao subscritor” (documento de fls. 23 dos autos de execução, que aqui se considera reproduzido) – alínea D) dos factos assentes.
5. Em 23 de Janeiro de 2002, a sociedade M, S.A., na qualidade de locadora, e a executada D –, S.A., na qualidade de locatária, celebraram um acordo escrito denominado “Contrato de Locação Financeira”, cuja cópia se mostra junta a fls. 20 a 36 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – alínea E) dos factos assentes.
6. Da cláusula X do capítulo II do acordo referido em 5., sob a epígrafe “Garantias”, consta o seguinte: “Livrança em branco subscrita pelo Locatário e avalizada pelos sócios A, B e P” – alínea F) dos factos assentes.
7. Os opoentes assinaram o documento cuja cópia certificada se mostra junta a fls. 99 dos autos, do qual consta, além do mais que aqui se dá por reproduzido, o seguinte:
“(…)
Assunto: Contrato de Locação Financeira n.º ________/________
Na qualidade, respectivamente, de “Locatário” e “Avalista” do contrato em epígrafe, nos termos convencionados, incluso remetemos uma livrança, por nós avalizada, com data de vencimento e respectivo valor em branco, destinada a caucionar, em caso de eventual incumprimento da nossa parte, até ao valor correspondente a 15 anos de prestações de rendas devidas, acrescido de juros de mora contratuais.
Ficam V. Exas. Autorizados a, verificado o incumprimento, preencher a referida livrança, até ao limite do valor caucionado, total ou parcialmente, selando-a, se necessário, pelo valor que devido for e bem assim a exigir o seu pagamento à vista, ou a fixar-lhe a data de vencimento, conforme mais lhe convier.
Sem outro assunto, subscrevemo-nos, (…)” – alínea G) dos factos assentes.
8. O documento referido 2. foi entregue à sociedade M –S.A., apenas assinado, e para garantia do cumprimento das responsabilidades assumidas no escrito aludido em 5. – alínea H) dos factos assentes.
9. O documento referido 2. foi posteriormente preenchido pela exequente, designadamente quanto ao valor, datas de emissão e de vencimento – alínea I) dos factos assentes.
10. A sociedade G, L.dª dirigiu à sociedade M, S.A. uma carta datada de 19 de Maio de 2004, cuja cópia se mostra junta a fls. 43, da qual consta, além do mais que aqui se dá por reproduzido, o seguinte: “(…)
Assunto: Transmissão de Contrato de Leasing Imobiliário Contrato nº….
Exmos. Senhores,
Informamos que a empresa G, L.dª, pretende assumir a responsabilidade pelo contrato de leasing acima indicado, referente à fracção 6ºB, da Rua .
Sem outro assunto de momento, subscrevemo-nos, apresentando a V. Exas os nossos melhores cumprimentos. (…)” – alínea J) dos factos assentes.
11. A sociedade M, S.A. dirigiu à executada D – , S.A. o fax datado de 29 de Dezembro de 2004, cuja cópia se mostra junta a fls. 100 dos autos, do qual consta, além do mais que aqui se dá por reproduzido, o seguinte:
“(…)
Exmos Senhores,
Apresenta a vossa conta corrente um saldo devedor no valor de 57.989,65€, referente a valores vencidos desde Junho/2003, a que acrescerão os respectivos juros de mora.
Embora se perspective como solução para esta situação, a cessão de posição contratual a favor da firma G e apesar de terem concretizado uma amortização em 15/11/2004, pelo valor de 3.000,00€, constatamos o avolumar quer da dívida, quer da antiguidade da mesma.
Por verificarmos igualmente o não cumprimento das promessas de amortização, bem assim como o arrastar na entrega dos documentos necessários à consolidação da cessão, vimos informar da nossa impossibilidade em continuarmos a tolerar esta situação.
Neste contexto e tendo igualmente em atenção a dificuldade permanente em o conseguirmos contactar, vimos informar que caso a operação em curso não seja concretizada no decurso do próximo mês de Janeiro/2005, consideraremos o pedido sem efeito e procederemos à rescisão contratual e accionamento das garantias. (…)” – alínea L) dos factos assentes.
12. A exequente dirigiu à executada D –, S.A. o fax datado de 15 de Abril de 2005, cuja cópia se mostra junta a fls. 101 dos autos, do qual consta, além do mais que aqui se dá por reproduzido, o seguinte:
“(…)
Exmos Senhores,
Apesar das nossas insistências e dos recados deixados, em resultado da permanente impossibilidade de estabelecermos contacto telefónico, vimos desta forma relembrar a promessas efectuada em meados do passado mês, de concretização de nova amortização, até final de Março/2005.
Verificamos que a mesma não se concretizou e desconhecemos o resultado do contacto que iria estabelecer com a nossa área comercial.
Porque a cessão de posição contratual aprovada está dependente da recuperação da dívida acumulada e porque esta se encontra extremamente dilatada, convirá, no vosso interesse, darem sequência à breve, significativa e prometida amortização de dívida.
Na expectativa das vossas notícias até final da próxima semana, somos com consideração. (…)” – alínea M) dos factos assentes.
13. A exequente dirigiu à executada D –, S.A. o fax datado de 25 de Maio de 2005, cuja cópia se mostra junta a fls. 102 dos autos, do qual consta, além do mais que aqui se dá por reproduzido, o seguinte:
“(…)
Exmos Senhores,
Perante a impossibilidade permanente em o conseguirmos contactar e atendendo à inexistência de perspectivas para a solução da dívida existente, o que condiciona a realização da cessão aprovada, vimos informar da nossa indisponibilidade em mantermos a actual situação.
De igual modo e na qualidade de proprietários do imóvel, estamos a ser confrontados com graves problemas de condomínio, o que nos desagrada e preocupa.
Neste contexto, vimos informar V. Exa de que iremos definitivamente proceder à rescisão do contrato em causa, caso a situação se mantenha inalterável no final do corrente mês.
No vosso interesse, queiram considerar este nosso posicionamento como último, definitivo e irreversível. (…)” – alínea N) dos factos assentes.
14. A exequente dirigiu à executada D –, S.A. a carta registada com aviso de recepção datada de 22 de Dezembro de 2005, cuja cópia se mostra junta a fls. 24 dos autos de execução, da qual consta, além do mais que aqui se dá por integralmente reproduzido, o seguinte:
“(…)
Assunto: Contrato nº
(…)
Exmº(s) Senhor(es),
Em consequência do incumprimento definitivo do contrato em assunto, expressamente comunicado em carta anterior, vimos informar que se encontra a pagamento a livrança oportunamente subscrita por V. Exa(s).
Solicitamos, pois, a liquidação da quantia titulada, no prazo máximo de 8 dias a contar da presente data, por cheque, a enviar directamente para os n/ serviços, ou por crédito da n/conta com o NIB, da Caixa, e, nesta segunda alternativa, envio do comprovativo de pagamento para o n/Fax nº , a/c Sector de Recuperação de Crédito, em qualquer caso com expressa referência ao nº do contrato em assunto.
A falta de pagamento do título em causa implicará o imediato recurso às vias judiciais.
Junto enviamos cópia da livrança que apresentaremos a pagamento. (…)” – alínea O) dos factos assentes.
15. A exequente dirigiu ao opoente B a carta registada com aviso de recepção datada de 22 de Dezembro de 2005, cuja cópia se mostra junta a fls. 26 dos autos de execução, da qual consta, além do mais que aqui se dá por integralmente reproduzido, o seguinte:
“(…)
Assunto: Contrato nº
(…)
Exmº(s) Senhor(es),
Em consequência do incumprimento definitivo do contrato em assunto, expressamente comunicado em carta anterior, vimos informar que se encontra a pagamento a livrança oportunamente avalizada por V. Exa(s).
Solicitamos, pois, a liquidação da quantia titulada, no prazo máximo de 8 dias a contar da presente data, por cheque, a enviar directamente para os n/ serviços, ou por crédito da n/conta com o NIB, da Caixa, e, nesta segunda alternativa, envio do comprovativo de pagamento para o n/Fax nº, a/c Sector de Recuperação de Crédito, em qualquer caso com expressa referência ao nº do contrato em assunto.
A falta de pagamento do título em causa implicará o imediato recurso às vias judiciais.
Junto enviamos cópia da livrança que apresentaremos a pagamento. (…)” – alínea P) dos factos assentes.
16. A exequente dirigiu ao opoente A a carta registada com aviso de recepção datada de 22 de Dezembro de 2005, cuja cópia se mostra junta a fls. 28 dos autos de execução, da qual consta, além do mais que aqui se dá por integralmente reproduzido, o seguinte:
“(…)
Assunto: Contrato nº (…)
Exmº(s) Senhor(es),
Em consequência do incumprimento definitivo do contrato em assunto, expressamente comunicado em carta anterior, vimos informar que se encontra a pagamento a livrança oportunamente avalizada por V. Exa(s).
Solicitamos, pois, a liquidação da quantia titulada, no prazo máximo de 8 dias a contar da presente data, por cheque, a enviar directamente para os n/ serviços, ou por crédito da n/conta com o NIB, da Caixa, e, nesta segunda alternativa, envio do comprovativo de pagamento para o n/Fax nº  a/c Sector de Recuperação de Crédito, em qualquer caso com expressa referência ao nº do contrato em assunto.
A falta de pagamento do título em causa implicará o imediato recurso às vias judiciais.
Junto enviamos cópia da livrança que apresentaremos a pagamento. (…)” – alínea Q) dos factos assentes.
17. Existiram negociações entre a exequente e a sociedade G, , L.dª no sentido de esta assumir a posição contratual da executada D –, S.A. resultante do acordo escrito referido em 5. – alínea R) dos factos assentes.
18. A formalização da cessão da posição contratual da executada D –S.A. não chegou a ser formalizada – alínea S) dos factos assentes.
19. A exequente procedeu ao preenchimento do documento referido em 2. pelo valor global de 65.161,17 € correspondentes a:
- 44.262,32 €, a título de rendas vencidas;
- 18.121,42 €, a título de outros débitos;
- 2.451,62 €, a título de juros de mora;
- 325,81 €, a título de selagem da letra – alínea T) dos factos assentes.
20. Para regularização da dívida da executada D –, S.A. para com a exequente, emergente do acordo escrito referido em 5., a sociedade G, L.dª procedeu ao pagamento das quantias de 3.000,00 €, 15.000,00 €, 6.140,55, 18.711,04, 3.000,00 € e 3.000,00 € através dos cheques datados de 12.11.2004, 28.02.2005, 12.07.2005. 28.07.2005, 06.10.2005 e 31.10.2005, cujas cópias se mostram juntas a fls. 45, 46, 47, 48, 50 e 52 dos autos, respectivamente, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no montante global de 48.851,59 € – alínea U) dos factos assentes.
21. Os pagamentos referidos em 20. apenas serviram para amortizar a dívida da executada D –, S.A. – resposta ao art. 1º da base instrutória.
22. O documento referido em 2. foi preenchido pelo valor em dívida à data da resolução do contrato e que correspondia às rendas vencidas desde Agosto de 2004 – resposta ao art. 2º da base instrutória.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar :
1 - Alegada nulidade da sentença, nos termos do artº 668º, nº 1, alínea c), do Cod. Proc. Civil.
2 – Preenchimento abusivo da livrança dada à execução. Da sua invocação pelos avalistas intervenientes no pacto de preenchimento. Do ónus de prova da violação deste.
3 – Alegado erro na decisão de facto proferida. Violação do princípio do inquisitório.
4 - Pagamentos parciais dos valores alegadamente em dívida.
Passemos à sua análise :
1 - Alegada nulidade da sentença, nos termos do artº 668º, nº 1, alínea c), do Cod. Proc. Civil.
Sustentam os apelantes que existe contradição entre a fundamentação de facto e a decisão com base nela proferida, o que constitui nulidade da sentença nos termos do disposto no artº 668º, nº 1, alínea c), do Cod. Proc. Civil.
Neste sentido, referem que :
Resulta do número 7 do Ponto III, da douta sentença, que, nos termos do pacto de preenchimento, a livrança se destinava a caucionar as prestações de rendas devidas e juros de mora contratuais, sendo certo que a livrança foi preenchida com valores relativos não só aquelas rendas vencidas e juros de mora, mas também com valores que dizem respeito a “outros débitos” e à selagem da letra.
Ou seja, por um lado, a Recorrida apenas estava autorizada a preencher a livrança nos precisos termos do pacto de preenchimento (com o valor das rendas vencidas e dos juros demora contratuais) e, por outro lado, os Apelantes apenas se obrigaram, em caso de incumprimento contratual da avalizada, ao pagamento das prestações das rendas vencidas e juros de mora.
Contudo, a Recorrida preencheu a livrança com um valor global que inclui valores que não estavam previstos no pacto de preenchimento, tendo, assim, existido um preenchimento abusivo da livrança, por violação do pacto de preenchimento.
Pelo que devia o tribunal a quo ter considerado ilidido o valor probatório da livrança, e em consequência decidido pela inexequibilidade, nos termos do disposto no art. 46.º, n.º 1, al. c), do título executivo apresentado, indeferindo o requerimento executivo, bem como devia ter absolvido os Apelantes de toda a responsabilidade, ou, pelo menos, devia ter considerado que, nos termos do art. 30.º, da LULL aplicável in casu ex vi do art. 70.º da LULL, mediante o pacto de preenchimento os avalistas, aqui Apelantes, garantiram apenas o cumprimento parcial da obrigação avalizada.
Apreciando :
Esta alegação dos apelantes prende-se com a própria discussão acerca do mérito da decisão recorrida - do qual, lógica e frontalmente, discordam -, não tendo que ver com a existência de qualquer contradição entre os fundamentos e a sentença com base neles proferida, susceptível de gerar a nulidade desta peça processual, nos termos do artº 668º, nº 1, alínea c), do Cod. Proc. Civil.
O que se verifica, tão simplesmente, é uma discordância de fundo com os fundamentos do decidido, sem que isso implique qualquer vício lógico no raciocínio desenvolvido pelo julgador - que é, em termos formais, compreensível, harmonioso e coerente.
Não se verifica, portanto, a apontada nulidade.
2 – Preenchimento abusivo da livrança dada à execução. Da sua invocação pelos avalistas intervenientes no pacto de preenchimento. Do ónus de prova da violação deste.
Alega a recorrente que :
Tendo existido um pacto de preenchimento de livrança em branco em que os Apelantes foram parte interveniente, entre estes e a Recorrida estabeleceu-se uma relação imediata, no âmbito da qual os Apelantes têm direito a invocar qualquer preenchimento da livrança fora dos termos acordados, isto é, a invocar o preenchimento abusivo da livrança.
 Assim, não podia o tribunal a quo ter decidido que aos Apelantes estava vedado, nos termos do disposto no art. 32.º da LULL, invocar a excepção de preenchimento abusivo da letra.
 A Recorrida apenas estava autorizada a preencher a livrança nos precisos termos do pacto de preenchimento (com o valor das rendas vencidas e dos juros demora contratuais) e, por outro lado, os Apelantes apenas se obrigaram, em caso de incumprimento contratual da avalizada, ao pagamento das prestações das rendas vencidas e juros de mora.
Apreciando :
A livrança dada à execução foi subscrita “ em branco “.
Esta emissão do título executivo teve por fundamento o contrato de locação financeira consubstanciado no escrito junto a fls. 20 a 36, subscrito pela embargada e pelos embargantes.
Consta do mesmo clausulado, assumido por ambos os executados/embargantes, encimado pela epígrafe “ Garantias “ : “ Livrança em branco subscrita pelo Locatário e avalizada pelos sócios A, B e P “.
Nesta sequência,
foi subscrito pelos ora embargantes o documento junto a fls. 99, com o seguinte teor :
“ Na qualidade, respectivamente, de “ Locatário “ e “ avalista “ do contrato em epígrafe, nos termos convencionados, incluso remetemos uma livrança, por nós avalizada, com data de vencimento e respectivo valor em branco, destinada a caucionar, em caso de eventual incumprimento da nossa parte, até ao valor correspondente a 15 anos de prestações de rendas em dívida, acrescido de juros contratuais.
Ficam V. Excias autorizados a, verificado o incumprimento, preencer a referida livrança, até ao limite do valor caucionado, total ou parcialmente, selando-a, se necessário, pelo valor que devido for e bem assim a exigir o seu pagamento à vista, ou a fixar-lhe a data de vencimento, conforme mais lhes convier. “.
Neste contexto,
Foi realizado entre as partes - a embargada, por um lado, e os ora embargantes, na qualidade de avalistas, por outro, - um verdadeiro pacto de preenchimento, ou seja, um acordo pelo qual as mesmas ajustaram os termos em que se deveria definir a obrigação cambiária - fixação do seu montante, condições relativas ao seu conteúdo, tempo de vencimento, sede do pagamento, juros, etc..
A este propósito, cumpre-nos referir que :
Encontramo-nos perante uma denominada “ livrança em branco “, isto é, aquela a que falta algum dos requisitos indicados no artº 1º, da LULL, mas que incorpora, pelo menos, uma assinatura feita com a intenção de contrair uma obrigação cambiária[1].
É plenamente válida a entrega à embargada da livrança contendo apenas a assinatura dos ora executados, desde que estes, através da aposição da sua assinatura, tivessem a intenção de contrair uma obrigação cambiária - o que parece inquestionável - e desde que o portador do título de crédito em referência tenha procedido ao seu preenchimento de acordo e em conformidade com a autorização que, para o efeito, os subscritores expressamente lhe concederam.
O artº 77º, II, da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças expressamente admite a validade das denominadas “ livranças em branco “, à semelhança do que sucede relativamente às letras, conforme decorre, ainda do artº 10º, do mesmo diploma legal[2].
Quanto à legitimidade dos avalistas para invocarem a excepção do preenchimento abusivo da livrança :
Entendeu-se na decisão recorrida que :
“a obrigação do avalista é autónoma, não podendo o dador de aval defender-se com as excepções eventualmente oponíveis pelo avalizado, com excepção do pagamento. Efectivamente, como já se acentuou, tal obrigação mantém-se no caso de a obrigação do avalizado ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma, nos termos do disposto no art. 32º, § 2º da LULL, devendo entender-se que esse vício de forma é apenas o que respeite aos requisitos externos da obrigação cambiária, evidenciados pelo simples exame do título (cfr. neste sentido, o Ac. do STJ, de 22.04.2004, proc. 04B2904 e Ac. da RL de 03.03.2005, proc. 8778/2004-8, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
A relação subjacente ao aval só pode ser invocada nas relações entre avalista e avalizado.
Os opoentes, na sua qualidade de meros avalistas, que não na de sujeito material da relação subjacente à emissão da livrança, não podem opor à exequente a excepção do preenchimento abusivo do título (cfr. art.º 17° da LULL). Com efeito, os opoentes não são sujeito da relação jurídica estabelecida entre a sociedade subscritora e a exequente, e só uma tal relação legitimaria uma conjectural oposição, quiçá por pretenso abuso de preenchimento.
Por conseguinte os opoentes, na qualidade de avalistas não podem opor ao primeiro portador da livrança os meios de defesa que competiriam à subscritora avalizada (que não o próprio pagamento da dívida).
A prestação de aval pelos opoentes, através da aposição no título da respectiva assinatura, é incontroversa. E, quanto ao pretenso abuso do pacto de preenchimento da livrança (na parte que não respeita ao pagamento parcial invocado) os factos potencialmente integradores de tal alegação perfilar-se-iam sempre como de todo em todo irrelevantes em ordem à definição da respectiva responsabilidade como mero avalista. “.
Cientes da controvérsia jurisprudencial[3] em torno desta questão jurídica, entendemos não sufragar a posição expressa na decisão sob recurso.
Com efeito,
Sendo o avalista interveniente no pacto de preenchimento que motivou a emissão do título de crédito “ em branco “[4], assiste-lhe legitimidade para invocar a violação desse mesmo acordo, por via do preenchimento abusivo, desde que venha a ser demandado pelo próprio beneficiário, igualmente nele interveniente, e que recebeu o título naqueles precisos termos[5].
No fundo, o avalista em referência foi, indubitavelmente, parte no negócio subjacente à emissão do título “ em branco “, dirigindo-se, na dedução desta excepção do preenchimento abusivo, ao próprio interveniente originário com quem directamente acertou os demais termos da relação jurídica fundamental[6].
Assiste, por conseguinte, neste particular, razão aos apelantes.
Do alegado preenchimento abusivo.
A emissão da livrança “ em branco “ sub judice enquadra-se no específico quadro de garantias concedidas à embargada, por parte dos embargantes, salvaguardando a efectivação da sua completa responsabilidade pelo incumprimento do contrato de locação financeira, conforme expressamente resulta da cláusula X das “ Disposições Específicas “, a fls. 32 a 34.
Neste mesmo sentido,
consta do pacto de preenchimento junto a fls. 99 : “ ( … ) incluso remetemos uma livrança, por nós avalizada, com data de vencimento e respectivo valor em branco, destinada a caucionar, em caso de eventual incumprimento da nossa parte, até ao valor correspondente a 15 anos de prestações de rendas em dívida, acrescido de juros contratuais.
Ficam V. Excias autorizados a, verificado o incumprimento, preencer a referida livrança, até ao limite do valor caucionado, total ou parcialmente, selando-a, se necessário, pelo valor que devido for e bem assim a exigir o seu pagamento à vista, ou a fixar-lhe a data de vencimento, conforme mais lhes convier. “.
Daqui decorre, inequivocamente, que a livrança “ em branco “ cobria todas as responsabilidades resultantes para os subscritores do eventual incumprimento do contrato de locação financeira, não se restringindo apenas, como é óbvio, às rendas e respectivos juros de mora.
O seu alcance é extensivo, em termos gerais, a todas as obrigações que, no âmbito do contrato garantido, a embargada estivesse em condições de exigir da contraparte pelo respectivo incumprimento.
Inexiste, desta forma, demonstrado nos autos qualquer “ preenchimento abusivo “, regulado pelo artº 10º da LULL, por parte da embargada, não sendo de concluir, de forma alguma, perante o teor do documento junto a fls. 99, que haja sido desrespeitado o acordo de preenchimento consubstanciado nesse escrito.
Saliente-se, ainda, a este respeito, que
segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 1998, in BMJ nº 480, pags. 482 a 489 : “ o “ preenchimento “ abusivo do título exequendo não é, de maneira nenhuma, elemento constitutivo do direito de execução alegado pelo exequente, e por isso, não cabe no disposto no nº 1, do artº 342º, do Código Civil e, por isso, não era a ele que cabia alegá-lo.
Tal matéria constitui típica defesa por excepção a alegar e provar por aqueles a quem interessa.
Ela integra “ facto impeditivo “ do direito invocado pelo exequente e, por isso, cumpre a sua alegação e prova àqueles contra quem a invocação do direito é feita, no caso os executados, embargantes recorrentes, nos termos do nº 2, do artigo 342º, do Cod. Civil.”.
A afirmação de que o ónus de prova do preenchimento abusivo do título de crédito, por parte do seu portador, compete ao responsável pelo pagamento da quantia inscrito no título cambiário, embargante na execução respectiva, constitui jurisprudência absolutamente firmada, não se vislumbrando qualquer motivo para dela divergir
Neste sentido vide, entre muitos outros :
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 2009 ( relatora Maria dos Prazeres Beleza ) - que aborda concretamente a questão do preenchimento abusivo do título executivo invocada pelos avalistas, concluindo que “ Cabe-lhe, então, como o Supremo Tribunal de Justiça já também repetidamente observou, o ónus da prova em relação aos factos constitutivos de tal excepção, nos termos do disposto no nº 2, do artº. 342º, do Código Civil…”.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 2008 ( relator Salvador da Costa ) ;
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Abril de 2008 ( relator Silva Salazar ) ;
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2008 ( relator Garcia Calejo ) ;
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Fevereiro de 2008 ( relator Salvador da Costa ) - sumário ;
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 2007 ( relator Alves Velho ) ;
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2006 ( relator Nuno Cameira ) ;
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2006 ( relator Sebastião Póvoas ) ;
Todos publicitados in www.dgsi.pt.
Na situação sub judice, os embargantes não demonstraram, como se viu, que a embargada não tenha cumprido o pacto de preenchimento no que concerne à livrança dada à execução.
O mesmo é dizer que
não satisfizeram o ónus de prova que sobre si impendia.
O que necessariamente determina a improcedência da apelação neste ponto.
3 – Alegado erro na decisão de facto proferida. Violação do princípio do inquisitório.
Nenhuma das partes requereu - como podia - a gravação da prova a produzir na audiência final.
Não existe, por conseguinte, qualquer registo dos depoimentos prestados.
O que inviabiliza, desde logo e à partida, a pretendida modificação da decisão de facto.
Com efeito,
Não se verifica, in casu, qualquer das situações enunciadas no artº 712º, nº 1, do Cod. Proc. Civil, que habilita este Tribunal de recurso a alterar os factos dados como provados em 1ª instância.
Não é possível, portanto, proceder a qualquer reapreciação ou valoração da prova produzida, dado desconhecer-se em absoluto o conteúdo dos depoimentos testemunhais produzidos - que foram determinantes para a convicção do juiz a quo - vide fundamentação da decisão de facto a fls. 179 a 181.
Outrossim não se verifica a invocada violação do princípio do inquisitório e em especial do artº 535º, nº 1, do Cod. Proc. Civil, segundo o qual : “ Incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objectos ou outros elementos necessários ao esclarecimento da verdade. “.
Estando em causa direitos disponíveis, competia às partes - e não ao Tribunal - o ónus de reunir as provas necessárias à demonstração da versão dos acontecimentos que sustentavam.
Trata-se, naturalmente, da aplicação do princípio do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes[7].
Não o tendo feito, sibi imputate.
Não se entende, ainda, a razão pela qual o Tribunal teria - na perspectiva dos apelantes - a obrigação de, por sua iniciativa, oficiosamente, solicitar a junção aos autos de determinados documentos.
Desde logo,
a parte interessada não manifestou, em momento algum, interesse nessa junção, nada tendo requerido a esse propósito.
Por outro lado,
face ao depoimento testemunhal produzido - cuja valoração não está, pelos motivos expendidos supra, em causa - terá o tribunal a quo entendido que estava plenamente esclarecido acerca da matéria em discussão.
Assim sendo,
Não há fundamento nem condições legais para, em sede do recurso de apelação, no qual os apelantes não procederam à impugnação da decisão de facto, em conformidade com as exigências estabelecidas no artº 690º-A, do Cod. Proc. Civil, se escrutinar - e eventualmente censurar - tal entendimento.
Improcede a apelação neste tocante.
4 - Pagamentos parciais dos valores alegadamente em dívida.
Alega a apelante :
Dando-se como não provados os factos levados à Base Instrutória, deve-se considerar que os valores pagos pela sociedade G –, Lda. devem ser imputados aos valores em dívida inscritos na livrança e agora exequendos, julgando-se procedente a excepção de pagamento invocada pelos avalistas, aqui Recorrentes.
Apreciando :
Face à impossibilidade técnico-jurídica de modificar a decisão de facto, cai pela base a invocação dos pagamentos parciais que deveriam, segundo os embargantes, ser tomados em consideração no valor inscrito pela embargada no título.
A apelação improcede, necessariamente.

IV - DECISÃO :
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas da apelação pelos apelantes.

Lisboa, 17 de Novembro de 2009.

Luís Espírito Santo                                               
Graça Amaral
Ana Resende
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[1] Vide, Prof. A. Ferrer Correia, in “ Lições de Direito Comercial “, pag. 481 e segs. e  Prof. Oliveira Ascensão, in “ Direito Comercial “, Vol.III, pag. 112 e 113.
[2] Exemplificativamente, escreve o Prof. Ferrer Correia, in ob. cit. supra : “ É frequente a utilização da letra em branco. Suponhamos que um indivíduo consegue de um banco uma abertura de crédito. Para garantia do seu débito, ele entrega ao banco uma ou várias letras previamente aceites, mas, como não sabe até que limite utilizará o crédito aberto, as letras terão em branco o próprio montante, assim como outros elementos. Só é essencial que nelas se contenha a firma do aceitante : quanto ao montante, vencimento, nome do tomador, lugar de pagamento, etc., não se pode saber antecipadamente nada, e por conseguinte nada sobre isso se pode dizer nada na letra “.
[3] Propugnando pela posição que veio a ser adoptada na decisão recorrida, vide, entre outros : acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Março de 2007 ( relator Faria Antunes ), - versando, não obstante, uma situação na qual o avalista não teve intervenção no pacto de preenchimento celebrado entre entre a subscritora e o beneficiário da livrança ; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 2004 ( relator Ferreira de Almeida ) ; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 2003 ( relator Azevedo Ramos ), onde se salienta que os princípios da literalidade  e da abstracção, inerentes àqueles títulos de crédito e respeitantes à obrigação de pagamento neles incorporada, apenas podem ser afastados através da impugnação da relação subjacente à sua emissão, sendo que tal impugnação só pode ter lugar quando as relações entre o portador do título e o demandado cambiário se encontrem no domínio das relações imediatas, o que não sucede com o avalista, cuja intervenção no contrato está apenas relacionada com a prestação de garantia ao pagamento. A obrigação do avalista vive e subsiste independentemente da obrigação do avalizado, mantendo-se mesmo que seja nula a obrigação garantida, salvo se a nulidade desta provier de vício de forma - artº 32º, da LULL. Atenta essa autonomia, o avalista não pode defender-se com as excepção do avalizado, salvo no que concerne ao pagamento, todos publicitados em www.jusnet.pt
[4] Ressalvando a hipótese da intervenção do avalista no pacto de preenchimento como condição para que o mesmo possa opor ao beneficiário do acordo e portador do título as excepções realizadas com o preenchimento abusivo da letra ou livrança, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 2007 ( relator Sebastião Póvoas ), publicado in Colectânea de Jurisprudência/STJ, Ano XV, tomo II, pags.118 a 121 ; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 2008 ( relator Oliveira Rocha ), publicado in Colectânea de Jurisprudência/STJ, Ano XVI, tomo I, pags. 59 a 61.
[5]Neste mesmo sentido, vide recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 2009 ( relatora Maria dos Prazeres Beleza ), publicado in www.dgsi.pt, referenciando outros arestos do Supremo Tribunal de Justiça perfilhando idêntica orientação ; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Abril de 2008 ( relator Silva Salazar ), publicitado in www.jusnet.pt., que exclui tal possibilidade no caso do pacto de preenchimento ter sido apenas celebrado entre o portador do título e o subscritor ( com exclusão, portanto, do avalista ) ; acórdão da Relação do Porto de 3 de Junho de 2008 ( relator Canelas Brás ), publicitado in www.jusnet,pt, onde se salienta que o regime proibitivo previsto nos artsº 10º e 17º, da LULL só tem aplicação no âmbito das chamadas relações mediatas, quer dizer, aquelas que se estabeleceram depois da livrança sair das mãos dos seus contraentes iniciais e, basicamente por endosso, entrar em circulação e passar a valer por si própria. Já no domínio das relações imediatas - aquelas que têm a ver com o negócio jurídico subjacente ao título, não há nenhuma razão para que não se possa invocar problemas advindos desse negócio, inclusive por parte do avalista, que fica obrigado da mesma maneira que a pessoa avalizada, perante os intervenientes originários no negócio, não fazendo tal circunstância perigar a função circulatória para que o título foi criado.
[6] Vide, a este propósito o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Novembro de 2009 ( relator Mário Cruz ), publicado in www.dgsi.pt. no qual se salienta que o artº 17º, da LULL vale para as situações em que haja endosso, onde os obrigados não podem opor ao tomador as excepções fundadas sobre as relações pessoais deles com o sacador ou com portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir o título tivesse procedido conscientemente em detrimento do devedor.
[7] Sobre este ponto, vide Prof. Manuel de Andrade in “ Noções Elementares de Processo Civil “, pag. 373 a 378.