Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7596/12.2TBALM-A.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: AVALISTA
PREENCHIMENTO ABUSIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: -Sendo a execução instaurada pelo beneficiário de letra subscrita e avalizada em branco, e tendo a avalista intervindo na celebração do pacto de preenchimento, tal como o sacador, é-lhe possível opor ao beneficiário a excepção material de preenchimento abusivo do título, cabendo-lhe, porém, o ónus da prova dos factos constitutivos dessa excepção.
-Para efeitos do referido, e porque de excepção material de preenchimento abusivo do título se trata, carece o executado oponente, no seu articulado, de alegar factos constitutivos susceptíveis de integrar a excepção de direito material invocada, não lhe bastando enveredar por mera defesa por impugnação, ainda que motivada, aduzindo v.g. que as quantias reclamadas pelo exequente se revelam exageradas e abusivas, antes incumbe-lhe alegar e provar factos concretos que lhe permitem invocar - e provar - o preenchimento abusivo.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

                                                         
1.-Relatório.
  
                     
Na sequência da instauração de acção executiva movida por A (S.A) , contra B (S.A.), com vista à cobrança coerciva da quantia de 49.083.94, proveniente e titulada por Letra, veio a executada deduzir oposição à execução, pugnando pela respectiva desobrigação de efectuar o pagamento da quantia referida e respectivos juros, aceitando tão só o seu prosseguimento pela quantia de €5.447,01.

Para tanto, alegou a executada oponente, em síntese, que :

-In casu o preenchimento da letra pela exequente foi abusivo, porque não respeitou a mesma o que com a executada ficou acordado em sede de pacto de preenchimento, designadamente na parte respeitante ao valor a apor na letra;
-Ademais, almeja a exequente cobrar da executada quantias pretensamente lhe serão devidas ao abrigo de cláusulas contratuais apostas em contrato que celebrou com a exequente, mas que, para todos os efeitos, devem considerar-se excluídas do referido contrato, por força do disposto no artº 8º, do DL 446/85, de 25/10 ;
-Acresce que, ainda que válidas, sempre os valores indemnizatórios reclamados mostram-se estar calculados/contabilizados de uma forma manifestamente excessiva, impondo-se a sua redução.

1.1.-Notificada a exequente da oposição, apresentou a mesma articulado/contestação, no essencial deduzindo oposição por impugnação motivada, e sustentando que nenhuma razão assiste à executada , razão porque se impõe a total improcedência da referida oposição e o consequente prosseguimento da execução.
1.2.-Proferido de seguida despacho saneador , tabelar, e considerando -se que não se justificava a selecção da matéria de facto, foi designada uma data para a realização da audiência de discussão e julgamento ,  vindo esta última a concluir-se em 3/12/2013, com a leitura de decisão atinente ao julgamento da matéria de facto.

1.3.-Por fim, conclusos os autos para o efeito, foi então proferida – em 5/3/2014 - a competente sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor :
“(…)
VII–Decisão.
Pelo exposto, julgo parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente oposição à execução e, consequentemente, determino o prosseguimento da execução, mas apenas pela quantia de 20.502,44 € ( vinte mil quinhentos e dois euros e quarenta e quatro cêntimos ).
Custas a cargo da Exequente e Opoente, na proporção de 2/3 para a Exequente e de 1/3 para a Opoente
Notifique e registe.

1.4.-Inconformada com a sentenciada procedência parcial da oposição, veio então a exequente/embargada A (S.A)., da referida sentença interpor recurso de apelação, que admitido foi e com efeito devolutivo, formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões:

1.-Salvo o devido respeito, e conforme foi referido, a Exma. Juíza do Tribunal a quo fez uma errada aplicação das normas jurídicas aos factos, sendo forçosamente necessária uma reapreciação da prova gravada indicada pela recorrente.
2.-Começando pelas despesas de Contencioso, e salvo o respeito pela douta sentença recorrida, o Tribunal a quo errou na medida em que não inclui este valor nos valores devidos pela recorrida.
3.-Conforme resulta da prova carreada aos autos pela recorrente, prova essa documental e testemunhal, a recorrente incorreu em despesas com mandatários.
4.-Despesas essas motivadas pelo incumprimento contratual da recorrida.
5.-As quais, nos termos contratuais e legalmente aplicáveis, deverão ser suportadas pela recorrida.
6.-E se não forem nesta acção, onde se discute os valores em divida, onde serão ?
7.-Numa outra acção judicial ? Entupindo assim ainda mais o nosso sistema judicial ?
8.-Certamente que não, motivo pelo qual todos os valores peticionados pela recorrente a titulo de despesas judiciais deverão ser incluídas no valor a ser liquidado pela recorrida, sob pena de aqui estarmos a prejudicar a recorrente , que cumpriu o contrato e vê-se a braços para recuperar judicialmente quantias que lhe são devidas.
9.-E por conseguinte a beneficiar a parte incumpridora, a qual não sofre qualquer consequência pela necessidade do seu credor ter que recorrer ao Tribunal para a cobrança dos valores a que tem direito.
10.-Da mesma forma tem a recorrente, face ao que aqui foi vertido em sede de recurso, direito a ver a sentença recorrida reformada por outra que dite que os valores pelos danos nas viaturas devem ser alvo de compensação por parte da recorrida.
11.-Até porque, do depoimento das testemunhas (…), em conjugação com os documentos carreados aos autos pela recorrente, resulta de forma clara que existiam danos nas viaturas recuperadas.
12.-Danos esses apurados por peritos devidamente credenciados e cuja contra prova da sua existência não foi apresentada, quer documentalmente, quer testemunhalmente, pela recorrida.
13.-Merecendo certamente a prova testemunhal oferecida pela recorrente uma reanálise pela instância superior.
14.-De igual vício padece a sentença que ora se recorre no que tange ao desvio de quilómetros, ao considerar que há direito a uma indemnização.
15.-Ora no caso sub judice, temos documentos que provam justamente o contrário, nomeadamente os docs. 16 a 24 oferecidos com a contestação apresentada pela recorrente.
16.-Mais, dos depoimentos, cuja reapreciação se requer, resulta de forma clara que para além de existir um excesso frontal dos Kms - relembre-se que seriam 30.000 Kms por 24 meses.
17.-Existe igualmente um desvio pro rata, em função do facto de existir um limite máximo de 30.000 para 24 meses.
18.-Sendo que aquando da recuperação dos veículos podiam existir veículos que, de facto não tinham atingido os tais 30.000 kms.
19.-Sucede que fazendo um simples cálculo aritmético, conforme foi referido pela testemunha (…), facilmente se percebe que mesmo não se chegando ao valor limite para os 24 meses, o facto é que o veículo à data de entrega ultrapassava o limite contratual em função do tempo que havia decorrido até à resolução do contrato.
20.-E mesmo assim, e caso não se entendesse, existem apenas 2 carros, de um total de 9, nesta situação.
21.-Motivo pelo qual não se entende, de todo o raciocínio, ainda que douto, da Mma. Juíza do Tribunal a quo, quando refere categoricamente na sua sentença de que os “os veículos não ultrapassaram o seu limite máximo de 30.000 à data da resolução do contrato”.

Nestes termos a decisão recorrida deve ser reformada, e consequentemente ser substituída por outra em que condene a recorrida no pagamento das despesas de contencioso, bem como a indemnizar a recorrente pelos danos nas viaturas contratadas e desvio de kms.

1.5.-A apelada/executada, não apresentou contra-alegações.
*

Thema decidendum.

1.6.-Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho , e tendo presente o disposto no artº 7º,nº1, deste último diploma legal ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir  são as seguintes  :
I-Se importa in casu aferir da pertinência da alteração da decisão do tribunal a quo proferida sobre a matéria de facto, em razão da impugnação deduzida pela  recorrente ;
II-Se deve a sentença apelada ser alterada, quer em razão da alteração da decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, quer porque incorre a primeira instância em errada aplicação das normas jurídicas aos factos, impondo-se assim o prosseguimento da execução no tocante às quantias reclamadas a título de :
a)  pagamento de despesas de contencioso ;
b)  indemnização de danos em viaturas e  desvio de Kms.
                                                          
2.-Motivação de Facto.
Mostra-se fixada pelo tribunal a quo a seguinte factualidade :

A)PROVADA.
2.1.-O título dado à execução é a letra de câmbio, cuja cópia foi junta a fls. 5 da execução e aqui se dá por integralmente reproduzida.
2.2.-A letra dada à execução foi entregue pela Opoente à Exequente apenas com a aposição da sua assinatura como aceitante.
2.3.-A letra dada à execução foi entregue para ser preenchida pela Exequente em caso de incumprimento do contrato de aluguer de veículo sem condutor n.º ALD/0890/2010 celebrado entre as partes.
2.4.-O mencionado contrato de aluguer teve por objecto 9 veículos e foi celebrado pelo período de 24 meses, tendo sido estabelecido o número máximo de 30.000 quilómetros.
2.5.-O mencionado contrato de aluguer é um contrato tipo, previamente elaborado pela Exequente e por ela utilizado, à excepção das condições especiais, com todos os seus clientes.
2.6.-Foi celebrado entre as partes o contrato de preenchimento da letra dada à execução, designado, “Contrato de Preenchimento de Título Cambiário”, cuja cópia foi junta a fls. 61 e aqui se dá por reproduzido.
2.7.-A Opoente não pagou todas as rendas devidas nos termos do mencionado contrato de aluguer.
2.8.-Por carta datada de 11-04-2012, a Exequente solicitou à Opoente o pagamento da quantia de 6699,10 €, referente aos alugueres de Março e Abril de 2012, acrescida de juros e despesas de cobrança, conforme cópia de fls. 62 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
2.9.-Por carta, datada de 04-05-2012, que a Opoente recebeu, a Exequente declarou resolvido o contrato de aluguer celebrado entre ambas, conforme cópia de fls. 64 e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

2.10.-No valor aposto na letra foram incluídas as seguintes quantias:
- 5.669,53 €, a título de despesas judiciais;
-24.740,44 €, a título de ajuste de quilómetros e de danos nos veículos;
-10.786,21 €, a título de indemnização;
-2.499,51 €,a título de despesas de recuperação e reboque dos veículos.

2.11.-A Exequente debitou à Opoente rendas até Maio de 2012.
2.12.-A Opoente não procedeu à entrega dos veículos alugados nos locais indicados pela Exequente.
2.13.-A Exequente fez deslocar às instalações da Opoente uma empresa para levantamento dos veículos alugados.
2.14.-A referida empresa emitiu facturas desse serviço pela quantia de 1968,00 €.
2.15.-A Exequente contratou uma empresa de reboques para transporte dos veículos em causa até a um dos parques que estão concessionados para o efeito.
2.16.-A referida empresa de reboques emitiu facturas respeitantes a esse serviço pelo valor de 531,50 €.
2.17.-Após a restituição, a Exequente incumbiu uma empresa de peritagem para apurar a existência de danos verificados e reparados nos veículos em causa, tendo esta apresentado o relatório de fls. 66 a 85, que aqui se dá por reproduzido.
2.18.-O valor atribuído aos danos pela referida empresa de peritagem reporta-se aos preços de reparação praticados pela marca ao consumidor final.
2.19.-Quando decide reparar os veículos que lhe são entregues pelos clientes, a Exequente fá-lo junto de uma oficina com quem tem contrato para o efeito.
2.20.-Alguns dos veículos que são restituídos à Exequente pelos clientes são vendidos a terceiros, antes de serem reparados, quando necessário.
2.21.-Um dos veículos em causa foi entregue sem a segunda chave, sem o documento único, sem o manual do utilizador e sem o comando do GPS.
2.22.-Atenta a sua idade, nenhum dos veículos em causa necessitava de realizar inspecção periódica.
2.23.-Constam da letra dada à execução valores referentes a excesso de quilómetros em veículos alugados à Opoente que não atingiram o limite máximo contratado de 30.000 km.
2.24.-A quantia incluída na letra dada à execução a título de despesas judiciais reporta-se a eventuais futuros honorários a pagar a advogado, no valor de 5.669,53 €.

B)NÃO PROVADA ( artºs 14º, 28º, 38º e 43º, da oposição, e 25º, da contestação ):
2.25.-Quando os veículos foram entregues à exequente, não tinham mais de 30.000 quilómetros ;
2.26.-Os danos que apresentavam os veículos identificados em  2.25.podiam ser reparados por valores inferiores a 50% dos indicados pela exequente;
2.27.-A executada não negociou com a exequente quaisquer cláusulas penais, indemnizatórias e outras despesas ;
2.28.-A exequente não comunicou ou esclareceu a executada do teor das cláusulas de natureza geral ínsitas no contrato;
2.29.-Após restituição dos veículos à exequente, apurou-se a existência de danos verificados e reparados.

C)Porque pertinente ainda para o julgamento do objecto da apelação, e nos termos do artº 663º, nº2 , do CPC, está também PROVADO que :
2.30.-Da cláusula 52.8, do contrato identificado em 2.3., consta que  : “ O Cliente é ainda responsável pelo pagamento de todas e quaisquer despesas de natureza judicial e/ou extrajudicial, incluindo honorários de advogados e solicitadores, em que a ALD Automotive venha a incorrer com vista a protecção e exercício dos direitos que lhe assistem ao abrigo do presente Contrato”;

2.31-Do Contrato de Preenchimento de Título Cambiário identificado em 2.56. ficou a constar :
I.Na presente data a ALD Automotive sacou do cliente letra de câmbio em branco com expressa menção “sem despesas" .
II.Esta letra é um aceite do cliente, que a subscreve de boa fé e de livre vontade, com intenção expressa de contrair uma obrigação cambiária.
III.A referida letra de câmbio visa garantir o pronto, fiel e cabal cumprimento das obrigações assumidas pelo cliente perante a ALD Automotive, através do contrato de Prestação de Serviços Relativos a Veículos sem Condutor nº AID/0890/2010 entre ambos celebrado em 24/12/2010 qual o cliente declara ter pleno conhecimento.
IV.Assim. em caso de incumprimento ou simples mora no cumprimento superior a dez dias, do contrato por parte do cliente, a ALD Automotive pode preencher a letra de câmbio referida na cláusula I supra, à sua melhor conveniência de lugar, tempo e forma de pagamento, pelos montantes correspondentes à totalidade ou parte dos alugueres vincendos ou vencidos e não pagos e outros encargos da responsabilidade do cliente ao abrigo do Contrato.

2.32.-Da cláusula 13. do contrato identificado em 2.3.,consta que:

13.-Restituição do Veículo.
13.1.-No termo do Contrato, o Cliente deve proceder à restituição do Veículo e respectiva documentação no local e data indicados pela ALD Automotive, devendo o veículo ser entregue no estado de conservação previsto nas Condições de Uso do Veículo.
13.2.-Em caso de cessação do presente Contrato, por qualquer motivo. Incluindo no caso de resolução prevista na cláusula 55ª,o cliente de deverá  restituir o Veiculo no prazo máximo de 2 (dois) Dias a contar da data da conhecimento de tal cessação.
13.3.-Caso o Veículo não seja restituído no prazo indicado no número anterior, a ALD Automotive cobrará ao cliente um montante  proporcional à renda mensal contratada, até à restituição definitiva do Veiculo.
13.4.-Caso o Veiculo não seja entregue à ALD Automotive nas condições referidas no número 13.1, o Cliente deverá pagar à ALD Automotive o montante por esta determinado para cobrir quaisquer despesas que se mostrem necessárias para proceder a reparações no Veículo e recuperação da respectiva documentação.
13.5.-A ALD Automotive poderá autorizar, a pedido do Cliente, a prorrogação da data de restituição do Veiculo, caso em que será devido pelo Cliente à ALD Automotive, o montante de renda proporcional por cada dia de utilização adicional.
13.6.-A não restituição do Veiculo na data acordada, sem prejuízo da indemnização devida pelo Cliente à ALD Automative, implica que o mesmo passe a ser utilizado contra a Vontade do proprietário, fazendo Incorrer o Cliente no Crime de abuso de confiança, previste e punido pelo artigo 205º do Código Penal .

2.33.-Da cláusula 17. do contrato identificado em 2.3.,consta que: 

17. Quilometragem.

17.1.-O Serviço de Manutenção ora contratado assenta num Custo fixo calculado com base na quilometragem expressa pelas Condições Particulares.
17.2.-Caso o Ciente tenha Ultrapassado, no termo do prazo do serviço, o número de Quilómetros Contratados, ser-lhe-á cobrado um valor acrescido de acordo com os Quilómetros Adicionais realizados, nos seguintes termos:
(a) até 30% (trinta por cento) dos Quilómetros Contratados, será cobrado, por quilómetro, o respectivo Ajuste de Quilómetro Por Excesso indicado nas Condições Particulares ;
(b) acima de 30% ( trinta por cento) e até 100)% (cem por cento) dos Quilómetros Contratados, será cobrado, o dobro do valor do quilómetro por excesso indicado nas Condições Particulares;
(c) acima dos 100% (cem por canto) dos Quilómetros Contratados. a ALD Automotive poderá apresentar um recalculo do Contrato para o número de Quilómetros à data da restituição do veiculo, ou em alternativa , cobrar o quadruplo do valor do quilómetro por excesso definido nas Condições  Particulares;

17.3.-Caso o Cliente, no termo do prazo do serviço, não tenha percorrido o número de Quilómetros Contratados, o Cliente será reembolsado pelo número de Quilómetros Não Percorridos, nos seguintes termos:
(a)até 10% (dez por cento) dos quilómetros Contratados, será devolvido, por quilómetro, o respectivo Ajuste de Quilómetro Por Defeito indicado nas Condições Particulares;
(b)acima de 10% ( dez por cento ) dos Quilómetros Contratados, será devolvido , por qui1ómetro, 50% do respectivo Ajuste de Quilómetro Por Defeito Indicado nas Condições Particulares.
17.4.-Caso o Contrato termine antecipadamente, em relação a qualquer Veículo, por resolução ou revogação de qualquer uma das partes, os Quilómetros Contratados serão recalculados pro rata temporis , aplicando-se o disposto nas alíneas anteriores.
                                                          
3.-Da pretendida modificação/alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo.

Compulsadas as alegações ( stricto sensu ) recursórias da recorrente A (S.A), incontroverso é que revelam as mesmas que a apelante discorda do julgamento de facto efectuado pela primeira instância, considerando que existe um erro de julgamento da parte do tribunal a quo , razão porque, no entender da apelante, importa que o ad quem analise a prova gravada, maximeos depoimentos das testemunhas por si arroladas.

Ainda em sede de alegações recursórias, e com referência aos depoimentos que terão sido prestados em audiência de julgamento e que, para a apelante, são reveladores do erro de julgamento do tribunal a quo, procede a recorrente/impugnante à transcrição parcial e sintética de pretensos pequenos excertos dos mesmos, e com a indicação do exacto minuto da respectiva gravação áudio, o que faz com o intuito de justificar e comprovar que a respectiva apreciação e uma melhor e diferente valoração/julgamento, antes obrigava ao um diverso julgamento de facto da parte do  tribunal a quo .

Já no âmbito das conclusões recursórias, volta a apelante a dar nota da sua discordância do julgamento de facto ( conc.ii ) efectuado pelo tribunal a quo, e, bem assim, a mencionar que do depoimento de duas testemunhas e da prova documental que carreou para os autos,  outro julgamento se justificava, resultando da referida prova , de forma clara, que “ existiam danos nas viaturas recuperadas “ - ( conc.xi ).

Porém, quer no âmbito das alegações, quer também das conclusões, já não se descortina existir na peça recursória apresentada pela apelante , quer a especificação dos concretos pontos de facto que a apelante considera terem sido incorrectamente julgados [ com referência, quer a artigos de articulados – porque in casu não foi proferida decisão que seleccionou a matéria de facto , provada e controvertida - , quer com referência a pontos de facto objecto de julgamento após o encerramento da discussão.

Do mesmo modo, também não se descobre nas alegações, quer também nas conclusões, quais as concretas decisões que deve o ad quem proferir em relação a cada um dos pontos de facto impugnados, e em sede de aferição do mérito da impugnação deduzida pela apelante .

Designadamente, não refere o recorrente e v.g. que, no tocante a concreto ponto de facto impugnado, ao invés de “Não Provado” e tal como o decidido pelo tribunal a quo, deve antes responder-se “Provado”, ou , pelo menos, deve responder-se restritivamente, ou seja, “Provado apenas que (…) ”.

Feita esta breve resenha direccionada para a forma como a apelante manifesta e exprime a sua discordância em relação ao julgamento da matéria de facto efectuado pela primeira instância, importa de imediato aferir se in casu se impõe ao ad quem conhecer da pertinência/mérito da impugnação que a recorrente dirige para a decisão proferida pelo a quo e relativa à matéria de facto.

Vejamos.

Como é consabido, pretendendo o recorrente que a 2ª instância aprecie e conheça da bondade/acerto da decisão da 1ª instância proferida sobre a matéria de facto, carece porém o mesmo de observar/cumprir determinadas regras/ónus processuais, a que acresce ( para que a modificação da matéria de facto seja possível ) a necessidade de verificação de determinados pressupostos.

Assim [ cfr. artº 640º, nº1, alíneas a) a c), do CPC ] e em primeiro lugar, deve o recorrente, obrigatoriamente, especificar , sob pena de rejeição, quais:
a)Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas .

Depois, caso os meios probatórios invocados pelo recorrente para sustentar o alegado erro – do a quo - na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe-lhe ainda, e sob pena de imediata rejeição do recurso na referida parte ,  indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda ( cfr. nº2, alínea a) , do artº 640º, do CPC ), e sem prejuízo de poder – querendo- proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes .

Por fim, exigível é , outrossim, e agora para que o Tribunal da Relação deva alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, que os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, imponham uma decisão diversa da proferida pelo tribunal a quo ( cfr. artº 662º, nº1, do CPC).

Tendo presentes tais regras e pressupostos orientadores e exigíveis, para que ao tribunal da Relação seja lícito sindicar da pertinência de a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto dever ser modificada/alterada, e tal como bem nota Abrantes Geraldes (1), dir-se-á que o legislador ( maxime e desde logo com as alterações introduzidas na lei adjectiva com o DL nº 303/2007, de 24 de Agosto ) veio introduzir mais rigor no modo como deve ser apresentado o recurso de impugnação da matéria de facto, com a indicação exacta dos trechos da gravação, com referência ao que tenha ficado assinalado na acta “.

Ainda em razão das supra indicadas regras, certo é que não é de todo admissível uma impugnação genérica e global da matéria de facto julgada em primeira instância, estando portanto vedado ao apelante impetrar, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida, manifestando uma genérica discordância  com a decisão da 1ª instância. (2)

É que, não cabendo ao ad quem- aquando do julgamento da impugnação do recorrente da decisão do a quo relativa à matéria de facto -  proceder a um segundo julgamento  (3) [ como ninguém questiona, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto não conduz necessariamente à realização de um segundo julgamento pelo ad quem, antes incumbe tão só à segunda instância, e ainda que necessariamente formando a sua própria convicção, aferir da existência de erros do a quo no âmbito da valoração/apreciação dos meios probatórios colocados à sua disposição ] , importa que o recorrente alegue e especifique o porquê da discordância, isto é,  como e porque razão é que determinados meios probatórios indicados e especificados contrariam/infirmam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras (4), importa apontar a divergência concreta entre o decido e o que consta do depoimento ou parte dele, ou seja, obrigado está o recorrente a concretizar e a apreciar  criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa. (5)

Ou seja, como o considera - e bem - o STJ, ao impor-se/exigir-se que o recorrente-impugnante indique (concretamente) quais os depoimentos em que se funda, não basta “indicar um conjunto de testemunhas que depuseram a determinado a facto ( mesmo que venham devidamente identificadas pelos nomes e outras referências), para depois se concluir, sem mais, que ouvidos os seus depoimentos se deveria decidir diferentemente. Importa alegar o porquê da discordância, isto é, em que é que tais depoimentos contrariam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decido e o que consta do depoimento ou parte dele.” (6)

A propósito ainda do modo e forma correcta/adequada de se observarem os diversos ónus a que alude o acima indicado artº 640º, nºs 1 e 2, do CPC, importa também recordar que , e de resto por diversas vezes, já o mesmo STJ (7) veio decidir que, em sede do respectivo cumprimento, não é porém de exigir que o recorrente, nas conclusões do recurso, deva reproduzir tudo o que alegou anteriormente, sob pena de, ao assim proceder, transformar as conclusões, não numa síntese ( como o refere o nº1, do artº 639º, do CPC), como se exige que o sejam, mas numa complexa e prolixa enunciação repetida do que afirmara no corpo alegatório.

Mas, o mesmo recorrente, o que não está de todo dispensado, e caso pretenda efectivamente impugnar a decisão do a quo relativa à matéria de facto, é , nas conclusões recursórias, de deixar bem claro que visa a apelação interposta a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, nelas - nas conclusões - indicando assim e sobretudo, quais os concretos pontos de facto que pretende ver reapreciados (8) , e , outrossim , quais as respectivas e diferentes respostas [ ou a decisão alternativa que propõe (9) ] que o recorrente pretende que sejam pelo ad quem proferidas no tocante a cada uma das questões de facto impugnadas ou concretos pontos de facto que considera como tendo sido incorrectamente julgados ( cfr. alínea c), do nº1, do artº 640º, do CPC ) .

É que, neste conspecto, recorda-se , são precisamente as conclusões [ porque é nelas que o recorrente delimita objectivamente o recurso, precisando quais as exactas questões a decidir e indicando, de forma clara e concludente, quais as questões de facto e/ou de direito que pretende suscitar na impugnação que deduz e as quais o tribunal superior obrigado está a solucionar (10) ], o local apropriado e adequado para os recorrentes procederam às indicações apontadas. (11)

Não o fazendo, ou seja, não observando o recorrente as supra apontadas regras/ónus a seu cargo, aquando da impugnação da decisão do tribunal a quo relativa à matéria de facto, outra alternativa não restará ao ad quem que não seja a da sua rejeição, e isto porque, como bem avisa Abrantes Geraldes (12), “a observação dos antecedentes legislativos leva a concluir que não existe, relativamente ao recurso da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento.  (13)

De resto, acrescenta ainda e também Abrantes Geraldes (14), todas as apontadas exigências “ devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor (…), e isto porque, “Trata-se, afinal de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.

Em suma, e a despeito de prima facie não deixar de repugnar/chocar  [ tal como bem se refere em Ac. do STJ (15) importa “interpretar o preceito com grande cuidado, mas também com suficiente abertura, em ordem a não se frustrar, na prática, em muitos casos, o recurso sob a matéria de facto que a lei quis proporcionar aos recorrentes“ ] não poder conhecer-se de parte ( em sede de impugnação da matéria de facto ) de um recurso por o recorrente não ter cumprido os subjacentes ónus processuais, não há forma de o evitar, para tanto não se justificando enveredar por interpretações mais amplas e salvíficas, desvalorizando-se deste modo a função pedagógica da jurisprudência para quem deve alegar e concluir de harmonia com as prescrições legais impositivas da cooperação, da lealdade e da boa fé processuais. (16)

Isto dito e recapitulando, em razão de tudo o supra exporto,  dir-se-á que in casu , e em complemento de uma manifestação genérica de discordância do julgamento de facto da primeira instância, apenas se descortina a indicação pela recorrente dos meios probatórios que no seu entender serão reveladores do erro na apreciação das provas pelo tribunal a quo, ou seja, limita-se a apelante a observar  o ónus da alínea a), do nº2, do artº 640º, do CPC.

Porém, já os indicados nas alíneas a) e c), do nº1 , do artº 640º, do CPC , ficaram  in totum por observar,  não constando eles das alegações e, sobretudo , das conclusões recursórias, precisamente o local – como vimos supra - adequado para efeitos de observância dos ónus adjectivos indicados na referida disposição legal do CPC.
Ora, em razão de tudo o acima por nós exposto, e como recentemente concluiu o STJ (17) , porque “ para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c) do CPC , sendo que, “ Não tendo o recorrente cumprido o ónus de indicar a decisão a proferir sobre os concretos pontos de facto impugnados, bem andou a Relação em não conhecer da impugnação da matéria de facto, não sendo de mandar completar as conclusões face à cominação estabelecido naquele nº 1 para quem não os cumpre “,  inevitável se impõe in casu a rejeição da impugnação da apelante.

Em conclusão, em razão da aplicação in casu da sanção a que alude o  nº1, do artº 640º, do CPC, impondo-se portanto a rejeição [ o que se decreta ] do recurso da apelante no tocante à almejada impugnação da decisão proferida pelo a quo e relativa à matéria de facto,  impedido está portanto este tribunal de alterar/ modificar tal decisão.
*

4.-Se deve a sentença apelada ser alterada, quer em razão da alteração da decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, quer porque incorre a primeira instância em errada aplicação das normas jurídicas aos factos.

Como decorre do relatório do presente Ac. , e , sobretudo , das conclusões recursórias da Apelante dirigidas para a sentença recorrida, manifesto é que a pretendida/almejada alteração do julgado [  ser a sentença da primeira instância substituída por Acórdão que declare a oposição improcedente também no tocante às quantias exequendas reclamadas a titulo de  pagamento de despesas de contencioso e de  indemnização de danos em viaturas e  desvio de Kms ] , assentava e pressupunha, em primeira mão, a modificação/alteração pelo ad quem da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, pois que, prima facie, não suscitou a apelante quaisquer questões relacionadas v.g. com uma pretensa incorrecção do tribunal a quo em sede de interpretação e aplicação das regras de direito pertinentes à matéria de facto fixada.

Ora, em razão dos fundamentos e razões aduzidas no item 3 do presente Ac., tendo considerado este tribunal não se justificar in casu o conhecimento do mérito da impugnação da recorrente dirigida para a decisão proferida pelo a quo  relativa à matéria de facto, sendo portanto inevitável que a factualidade provada e não provada a atender – aqui e agora - só possa ser a fixada pela primeira instância, tudo apontava para de imediato se concluir pela inevitável improcedência da apelação, não se impondo a revogação/modificação da sentença recorrida.

Ocorre que, das conclusões recursórias ( v.g. a 1ª ) da recorrente, coadjuvadas das precedentes alegações, decorre também uma implícita manifestação de não concordância da apelante em relação ao julgamento da primeira instância em sede de interpretação e aplicação das regras de direito à matéria de facto fixada pelo próprio tribunal a quo.

Importa, pois, ajuizar se um tal error in judicando se verifica efectivamente.

Ora bem.

Como ressalta do relatório do presente Ac. e, outrossim, da factualidade provada, temos assim que o incidente de natureza declarativa e/ou oposição à execução deduzida pela apelada, dirige-se para processo de execução comum que lhe foi instaurado pela apelante com base em letra que pela recorrida/executada foi subscrita/aceite, ou seja, a referida letra de câmbio é, para todos os efeitos e in casu, o título executivo a que alude o artº 45º,nº1, do CPC, vigente à data da propositura da acção coerciva ( o qual reza que “ Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da acção executiva “ ).

Inquestionável é, assim, que o título executivo que suporta a execução intentada pela apelada mais não é do que um titulo de crédito pelo qual o emitente ( sacador) dá uma ordem de pagamento a outrem ( sacado) para pagar a um terceiro beneficiário ( tomador) , ou à ordem deste, uma determinada quantia em dinheiro. (18)

Por outra banda, pacifico é também que o titulo executivo/letra que suporta a acção executiva, foi aceite pela executada/apelada em branco , que o mesmo é dizer, sem estar ainda completamente preenchida, o que a LULL admite ( cfr. Artºs 1º e 10º da LULL ) , pois basta que nela exista pelo menos uma assinatura de um dos obrigados cambiários ( sacador, aceitante, avalista ou endossante ) e que tal assinatura tenha sido feita com intenção de contrair uma obrigação cambiária, existindo ou podendo existir um acordo - expresso ou tácito - de preenchimento . (19)

Ou seja , ainda que lhe falte algum dos requisitos do Artº 1º da LULL,  estando portanto incompleta, se porém num título que contenha a designação – impressa e expressa - de “Letra” é aposta - com intenção de contrair uma obrigação cambiária - uma assinatura , está dado um passo decisivo para que possa surgir uma obrigação cambiária, sendo que o título de crédito em causa apenas adquire plena eficácia/ eficiência quando, ulteriormente, for preenchido com as indicações em falta. (20)

Em suma , sendo válida, a letra em branco “apenas produzirá os seus efeitos próprios como letra com  seu preenchimento integral, ou seja, quando dela constem todos os requisitos legais essenciais constantes do artº 1º, da LULL” (21), mas, então, os efeitos do preenchimento retroagem, em princípio, à data do saque (22).      
Isto dito, e dispondo o artº 10º, da LULL, que “ Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados , não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave”,  é óbvio que a letra deve ser completada de harmonia com os acordos realizados,  pois que, a assim não ocorrer, verifica-se então uma situação que é conhecida/chamada de preenchimento abusivo.

Por outro lado, também o artº 17º da LULL, refere que “ As pessoas accionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor”.

Tal equivale a dizer que, entrando uma letra em circulação, e em razão dos princípios de literalidade,abstracção-a letra é independente da “ causa debendi “ - e autonomia que caracterizam as obrigações cambiárias, incorporando portanto a letra uma obrigação abstracta que se destaca da relação subjacente que motiva a sua subscrição  (23) , apenas no domínio das relações imediatas [ ou seja, no domínio das relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato, isto é, nas relações nas quais os sujeitos cambiários o são concomitantemente das convenções extracartulares ] , pode o demandado invocar/opor – em sede de defesa – excepções fundadas na obrigação causal ou nas relações pessoais, maxime arguir o preenchimento abusivo.

Porque in casu, como bem se refere na sentença apelada, encontra-se a letra que sustenta a execução no domínio das relações imediatas, desde logo porque não chegou a entrar em circulação, tendo ainda a aceitante da letra subscrito o pacto de preenchimento ( cfr. item 2.6. ),  é pacífico que podia a oponente - como o fez - excepcionar o seu preenchimento abusivo, invocando que foi a letra completada contrariamente aos acordos realizados.

Até aqui, portanto , o raciocínio/entendimento defendido no âmbito da fundamentação da sentença apelada , não é merecedor de qualquer reparo, porque para todos os efeitos é o correcto .

De seguida, importa porém abordar a temática do ónus da prova e, resolvida a mesma, aferir se, em razão do alegado e provado pela oponente , bem andou também o tribunal a quo em julgar a oposição parcialmente procedente.

Ora, neste conspecto, mesmo quando lhe é lícito opor ao portador/exequente - v.g. porque interveio no pacto de preenchimento - , a excepção do preenchimento abusivo , é consensual – na jurisprudência e doutrina – o entendimento de que é ao accionado que incumbe alegar e provar , em sede de oposição à execução [ ou seja, no articulado a que alude o artº 816º, do CPC aplicável  ] , os factos que lhe permitem comprovar o preenchimento abusivo, desde logo que interveio no pacto de preenchimento, questionando então a obrigação exequenda, e afirmando nomeadamente a sua inexistência e/ou o seu excesso  ( cfr. art. 342º, nº 2 Código civil ), pois que, como bem se salienta em Ac. do STJ de 30/9/2010 (24) , tal alegação desempenha então “ a função de excepção no confronto com o direito que o exequente pretende fazer valer na execução, assim fazendo (…) uma oposição de mérito à execução”.

De igual modo, também em Ac. do STJ de 28/2/2013 (25), e aderindo-se a entendimento sufragado agora pelo Tribunal da Relação de Coimbra (26), é o nosso mais Alto Tribunal incisivo em sustentar que, pretendendo o oponente à execução invocar o preenchimento de uma livrança de forma abusiva, porque alegadamente nela aposta um montante superior ao devido, é a ele que incumbe provar os factos dos quais se extrai o abuso, e isto porque a “ inexistência da dívida titulada pela letra e o preenchimento abusivo desta são factos impeditivos do direito invocado pelo exequente, pelo que, nos termos do artº 342º, nº 2, do C. Civil, o respectivo ónus da prova compete ao executado, ou seja àquele contra quem o direito é invocado”.

É que, podendo é certo o executado, no domínio das relações imediatas , opor factos relacionados com a relação obrigacional subjacente ou causal ( v.g. que a letra dada à execução foi abusivamente preenchida ) , incumbe-lhe porém provar os factos dos quais se extrai o abuso , ou seja, “ o valor probatório da letra terá de ser ilidido por aquele a quem se exige o cumprimento da obrigação, mostrando que essa letra, que foi assinada quando o título estava em branco, não se acha preenchida em conformidade com o ajustado entre o sacador e o aceitante“ , sendo que, “ a inexistência da dívida titulada pela letra e o preenchimento abusivo desta são factos impeditivos do direito invocado pelo exequente, pelo que, nos termos do artº 342º, nº 2, do C. Civil., o respectivo ónus da prova compete ao executado, ou seja àquele contra quem o direito é invocado”. (27)

Alinhando por semelhante raciocínio, também a doutrina, mais exactamente o Prof. José Lebre de Freitas (28) , considera que a violação do pacto de preenchimento, ao configurar uma falsidade material do título, retirando-lhe, na medida do que for desrespeitado, a eficácia probatória, obriga a que impenda sobre quem a invoca – no caso o Oponente - a prova desse facto impeditivo ( ilisão do valor probatório – art. 378º cit.).

Em face do acabado de expor, inevitável era que, logo em sede de articulado – o qual se destina à impugnação dos requisitos do título executivo e do direito substancial do exequente, em termos idênticos aos da posição assumida pelo contestante em processo comum de declaração - de oposição à execução,  viesse a executada  alegar  ( para os poder provar ) factos reveladores  do preenchimento abusivo da letra em branco, v.g. factos demonstrativos de não serem devidas  determinadas quantias que através do titulo executivo pretende a exequente cobrar-lhe coercivamente.

Mas atenção.

Porque como vimos já, a inexistência da dívida titulada pela letra e o seu preenchimento abusivo são factos impeditivos ,  ou seja , integra matéria de excepção cujo ónus de alegação e prova incumbe ao executado/oponente ( cfr. artº 342º,nº2, do CC ) , a este não lhe basta – em sede de oposição – apenas impugnar motivadamente a existência do crédito exequendo, antes lhe incumbe provar/demonstrar  – através de factos concretos – que ele não existe, logo, houve efectivamente um abusivo preenchimento da letra, designadamente quanto ao seu montante. (29)

Em síntese, incumbindo ao exequente – no articulado de contestação à oposição - a prova do contrato de preenchimento da letra em branco - , é  já sobre o executado que incide o ónus de alegação e prova – através de factos concretos constitutivos da excepção (30) - da excepção de direito material do preenchimento abusivo, como facto impeditivo ou extintivo do direito da exequente.

Aqui chegados, e incidindo finalmente sobre o concreto ( de alegação e prova ), e em face do que decorre da factualidade fixada nos itens 2.30, 2.31, 2.32 ( 13.4 ) e  2.33 ( 17.2 e 17.4 ) , todos da motivação de facto do presente acórdão , inquestionável é que à exequente, com base no acordado em sede de  Contrato de Preenchimento de Título Cambiário identificado em 2.56. , assistia-lhe o direito de preencher a letra de câmbio com os montantes correspondentes à totalidade ou parte dos alugueres vincendos ou vencidos e não pagos e outros encargos da responsabilidade do cliente ao abrigo do Contrato.

Ou seja, com fundamento do acordado no Contrato de Preenchimento de Título Cambiário identificado em 2.56. , assistia portanto à exequente, e tendo por objecto os encargos da responsabilidade da executada por força do Contrato identificado em 2.3. (contrato de aluguer de veículo sem condutor n.º ALD/0890/2010 ), preencher a letra em branco com quantias da responsabilidade da executada/oponente a título , designadamente: a) de despesas de natureza judicial e/ou extrajudicial, incluindo honorários de advogados e solicitadores ; b) de montantes destinados a cobrir quaisquer despesas que se mostrem necessárias para proceder a reparações no Veículo ; c) de número de Quilómetros Adicionais - aqueles que tenham ultrapassado o número de Quilómetro Contratados - realizados .

No essencial portanto, as quantias de  5.669,53 € (a título de despesas judiciais) e de 24.740,44 € (a título de ajuste de quilómetros e de danos nos veículos), que pela apelante foram incluídas no montante total aposto na Letra dada à execução, integram ambas alguns dos encargos que, sendo da responsabilidade do cliente/apelada  ao abrigo do Contrato identificado em 2.3., podiam pela apelante ( cfr. item 2.31 , IV ) e ao abrigo do Contrato de Preenchimento do Título Cambiário identificado em 2.56. , podiam pela apelante ser incluídas no montante total a apor da letra aquando do seu preenchimento.

Tendo a apelante, prima facie, cumprido o que lhe era exigível, resta de seguida aferir se logrou também a apelada, com referência aos mesmos montantes e subjacentes encargos exigidos através do título de crédito dado à execução, cumprir o respectivo ónus de alegação e prova no âmbito da oposição deduzida.

Ora, começando pela quantia exequenda alusiva a despesas de natureza judicial e/ou extrajudicial, incluindo honorários de advogados e solicitadores, e limitando-se de resto a executada ( em sede de oposição, no artº 32º da petição ) a impugná-las motivadamente ( alegando tão só de serem excessivas e abusivas ) , forçosamente nada logrou provar susceptível de consubstanciar uma excepção de direito material correspondente a um preenchimento abusivo, e como facto impeditivo ou extintivo do direito da exequente.

Já com referência aos montantes exigidos pela apelante e destinados a cobrir despesas necessárias para reparações nos Veículos, mais uma vez limitou-se a executada a impugná-los motivadamente ( alegando não existirem danos, não sendo os mesmos reais, antes resultarem de uma normal e prudente utilização ) , invocando ( artº 18º da petição ) designadamente serem abusivas as alegadas despesas de danos.

Em razão da referida alegação , porque inócua para os efeitos almejados, também nesta parte não logrou a apelada/executada provar qualquer factualidade capaz de consubstanciar uma  excepção de direito material correspondente a um preenchimento abusivo, designadamente que todos os veículos foram entregues à apelante  no estado de conservação previsto nas Condições de Uso do Veículo, ou seja, sem quaisquer danos.

Por fim, no tocante à quantia exequenda reclamada – porque incluída no título executivo -  pela exequente a título de número de Quilómetros Adicionais - aqueles que tenham ultrapassado o número de Quilómetro Contratados – realizados, aqui sim, alegou a executada na oposição deduzida ( artº 14º da petição ) que , quando os veículos foram entregues à exequente, não tinham mais de 30.000 kms.

Porém, e ao contrário do afirmado na sentença apelada, a referida factualidade não foi provada ( cfr. item 2.25. do presente Ac. ) , logo , também nesta parte não logrou a executada/apelada, no âmbito da oposição deduzida, provar qualquer facto susceptível de , e com referência à quantia pela exequente aposta na Letra a titulo de número de Quilómetros Adicionais realizados, se poder concluir ter havido um preenchimento abusivo.

Tudo visto e ponderado, e em razão da factualidade provada, é nossa convicção que não permite a mesma, com segurança, concluir que a exequente, no tocante às quantias exequendas acima analisadas, enveredou por um preenchimento abusivo da letra dada à execução, que o mesmo é dizer, que foi a letra preenchida/completada contra o acordado no contrato de preenchimento identificado em 2.31.

Destarte, devendo, é certo, a letra em branco ser preenchida de harmonia com os termos convencionados pelos sujeitos cambiário intervenientes no pacto de preenchimento,  e nada obstando a que, no domínio das relações imediatas, possa o accionado opor ao portador da letra a inobservância do acordo de preenchimento, a verdade é que , in casu , não logrou a executada/obrigada cambiária provar, como lhe competia (artigo 342 n. 2 do Código Civil), qualquer facto ( concreto ) alusivo ao preenchimento abusivo, pela exequente,  da letra dada à execução.

E, assim sendo, decaindo a oponente na prova de factos essenciais e relevantes para os efeitos pretendidos ( de resto não alegados sequer no articulado inicial ) , forçosa é, portanto, a procedência da apelação, impondo-se assim o prosseguimento da execução, também, no tocante às quantias reclamadas pela exequente a título de  título de despesas judiciais -   5.669,53 € - e de ajuste de quilómetros e de danos nos veículos -24.740,44€.
                                                          
5-Concluindo ( cfr. nº 7, do artº 663º, do CPC):
5.1.-Sendo a execução instaurada pelo beneficiário de letra subscrita e avalizada em branco, e tendo a avalista intervindo na celebração do pacto de preenchimento, tal como o sacador, é-lhe possível opor ao beneficiário a excepção material de preenchimento abusivo do título, cabendo-lhe, porém, o ónus da prova dos factos constitutivos dessa excepção.
5.2-Para efeitos do referido em 5.1., e porque de excepção material de preenchimento abusivo do título se trata, carece o executado oponente, no seu articulado, de alegar factos constitutivos susceptíveis de integrar a excepção de direito material invocada, não lhe bastando enveredar por mera defesa por impugnação, ainda que motivada, aduzindo v.g. que as quantias reclamadas pelo exequente se revelam exageradas e abusivas, antes incumbe-lhe alegar e provar factos concretos que lhe permitem invocar - e provar - o preenchimento abusivo.
                                                          
6.-Decisão.

Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na ...ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de LISBOA, em , concedendo provimento à apelação interposta por A (S.A) :

6.1.-Rejeitar a impugnação, pela apelante, da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo ;
6.1-Modificar a sentença da primeira instância , no sentido de que, a execução, deve também prosseguir os seus termos para cobrança coerciva das quantias reclamadas pela exequente a título de  título de despesas judiciais  -   5.669,53 € - e de ajuste de quilómetros e de danos nos veículos - 24.740,44€.
                                                          
Custas, em ambas as instâncias, na exacta proporção do decaimento da exequente/ apelante e executada/apelada .



LISBOA, 27/10/2016

                                     
António Manuel Fernandes dos Santos (Relator)                               Francisca da Mata Mendes (1ª Adjunta)              
Eduardo Petersen Silva (2ª Adjunta)                                

                                                       
(1)In Recursos em Processo Civil, Almedina, Novo Regime, 2010, Pág. 152.
(2)Cfr. Ac. do STJ de 18/11/2008, proc. nº 08A3406 e disponível in www.dgsi.pt.
(3)Cfr. Ac. do STJ de 1/10/2015, proc. nº 6626/09.0TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt
(4)Cfr. Ac. do STJ de 15/9/2011, proc. nº 1079/07.0TVPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt.
(5)Cfr.  Ana Luísa de Passos Martins da Silva Geraldes, in  Trabalho de Agosto de 2012, publicado na Obra realizada em Homenagem ao Professor Lebre de Freitas.
(6)Cfr. Ac. do STJ de 15/09/2011, Proc. nº 1079/07.0TVPRT.P1.S1 , in www.dgsi.pt.
(7) Vide os Acs de 23/2/2010 e de 21/4/2010, ambos disponíveis in www.dgsi.pt .
(8)Conforme v.g. os Acórdãos do STJ de 13/11/2012, Proc. nº 10/08.0TBVVD.G1.S1, de 4/7/2013, proc. nº 1727/07.1TBSTS-L.P1.S1, e de 2/12/2013,  Proc. nº 34/11.0TBPNI.L1.S1 , todos eles acessíveis  in www.dgsi.pt.
(9) Cfr. Ac. do STJ de 1/10/2015, Proc. nº 824/11.3TTLRS.L1.S1 e in www.dgsi.pt.
(10)Cfr. Ac. do STJ de 18/6/2013, Proc. nº 483/08.0TBLNH.L1.S1 e in www.dgsi.pt.
(11)Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3/12/2013, Proc. nº 6830/09.0YIPRT.L1-1, e os Acs. do STJ de 2/6/2016, Proc. nº 781/07.0TYLSB.L1.S1, e de 31/5/2016, Proc. nº 1572/12.2TBABT.E1.S1, todos in www.dgsi.pt.
(12)Ibidem, pág.158/159
(13)Neste sentido vide os Acs. do STJ de 9/12/2012, Proc. nº 1858/06.5TBMFR.L1.S1, e de 14/7/2016 , Proc. nº 111/12.0TBAVV.G1.S1, ambos in www.dgsi.pt.
(14)Ibidem, pág.159
(15)Cfr. Ac. de 25/6/2014, in Proc. nº 1825/09.7TBSTS.P1.S1, sendo Relator o Exmº Cons. Gabriel Catarino e in www.dgsi.pt.
(16)Cfr. João Aveiro Pereira, inO ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil“, www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf‎.
(17)In Acórdão de 7/7/2016, Proc. nº 220/13.8TTBCL.G1.S1,in www.dgsi.pt.
(18)Cfr. José A. Engrácia Antunes, in Os Títulos de Crédito, uma introdução, 2ª Edição, pág. 51
(19)Cfr. José A. Engrácia Antunes, ibidem, pág. 65.
(20)Cfr. Vaz Serra ,in  BMJ 61º, pág. 264, e Abel Pereira Delgado, in Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, Anotada, 4.ª Edição, 1980, págs. 61 e segs.
(21)Cfr. José A. Engrácia Antunes, ibidem, pág. 68.
(22)Cfr. José Oliveira Ascenção, in Direito Comercial, Lisboa,1992, Vol. III, 117.
(23)Cfr. Abel Pereira Delgado, ibidem, pág. 95.
(24)In Proc. nº 2616/07.5TVPRT-A.P1.S1, sendo Relator ALBERTO SOBRINHO, e in www.dgsi.pt.
(25)Proc. nº 981/09.9 TBPTM-B.E2.S1 e in  www.dgsi.pt.
(26)Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21-03-2006, Proc. nº 395/06, e in www.dgsi.pt.
(27)Cfr. Ac. referido na nota que antecede.
(28)In “A Falsidade no Direito Probatório”, págs. 132/133.
(29)Cfr. Acórdão do STJ de 24/10/2006, Proc. nº 06A2470, sendo Relator NUNO CAMEIRA, e in www.dgsi.pt.
(30)Cfr. Acórdão do STJ de 23/9/2010, Proc. nº 4688-B/2000.L1.S1, sendo Relator LOPES DO REGO, e Acórdão do STJ de 17/4/2008, Proc. nº 08A727, sendo Relator SILVA SALAZAR, ambos in www.dgsi.pt.
                                                          
Decisão Texto Integral: